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As Casas das Crianças

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10. O educador

10. O educador

1871), os dois estudaram medicina e criaram, cada um, estabelecimentos de ensino em 1907, Casa dei bambini, em Roma, e École pour la vie, em Bruxelas. Pelo fato de pertencerem ao New Education Fellowship, eles tiveram frequentemente a ocasião de se encontrar e discutir6. Entretanto, na ocasião do encontro, cada um já tinha elaborado a maior parte de suas ideias, de forma que as numerosas semelhanças que podemos observar em suas caminhadas são devidas, essencialmente, ao fato de ambos terem estudado as obras de Itard e Séguin.

O conceito fundamental que sustenta a obra pedagógica de Montessori é que as crianças necessitam de um ambiente apropriado onde possam viver e aprender. A característica fundamental de seu programa pedagógico é que ele dá igual importância ao desenvolvimento interno e ao desenvolvimento externo, organizados de forma a se complementarem. Entretanto, o fato de que certa atenção seja atribuída à educação externa, que os filósofos e pedagogos da escola idealista consideravam como uma simples consequência do sucesso da educação interna, testemunha a orientação científica de seu programa. Nesse ponto, a influência de Séguin foi certamente decisiva, assim como a de Pereira, que tinha demonstrado o papel dos sentidos no desenvolvimento da personalidade.

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A ideia de que é possível educar e transformar os seres humanos unicamente manipulando os dados sensoriais que lhes são transmitidos, ideias que Diderot examinou na sua Carta sobre os cegos e sua Carta sobre os surdos e os mudos, e que inspirou o programa de Rousseau, no que se refere à educação sensorial, teve um papel igualmente importante nas teorias de Montessori. Para entender bem a profunda originalidade das ideias de Montessori, é necessário compará-las com o método elaborado pelas irmãs Agazzi. Os trabalhos de Rosa e Carolina Agazzi constituem uma das tentativas mais notáveis para fazer progredir a educação das crianças.

6 Essa hipótese provavelmente se confirmaria por meio do estudo e publicação dessa correspondência, o que ainda não foi feito.

O interesse desses trabalhos para nós hoje vem do fato de terem acontecido no mesmo ambiente no qual Montessori elaborou suas ideias.

Desde 1882, Rosa Agazzi e sua irmã dirigiram um lar para crianças (il nouvo asilo) em Monpiano (Brescia), que é considerada a primeira casa de crianças criada na Itália (Pasquali, 1903). Antecipando a caminhada de Montessori, Rosa Agazzi se esforçou em intensificar e dominar o processo educativo modificando o quadro de vida das crianças (Agazzi, 1932).

Montessori preconizava, para a etapa inicial do processo educativo, a utilização de um material didático constituído de várias séries de objetos padronizados; Rosa Agazzi preferia que as próprias crianças reunissem objetos de sua escolha: suas experiências com o objeto eram assim mais completas e o processo de abstração só começava depois desse primeiro estágio. No entanto, seria inexato afirmar que a diferença entre as duas abordagens consiste em que as irmãs Agazzi valorizavam a experiência direta e Maria Montessori a abstração. Igualmente, esta última se preocupava muito com o estágio experimental. Mas ela reconhecia, ao mesmo tempo, que é necessário encorajar, aprofundar essas tendências, esses centros de interesse por meio de exercícios, e que o sucesso da empreitada depende do despertar do senso de responsabilidade nas crianças.

É o que ela trouxe de verdadeiramente novo: não só levava em conta as preferências e os centros de interesse das crianças, a exemplo de vários adeptos da Educação Nova, que fundavam sua ação unicamente sobre esse princípio, mas esforçava-se em encorajar nas crianças a autodisciplina e o senso de responsabilidade.

As Casas das Crianças

As Casas das crianças eram ambientes especialmente equipados para atender às necessidades desse público, que podiam transformar e melhorar exercendo seu senso de responsabilidade. Nesses locais, tudo era adaptado às crianças, às suas atitudes e perspectivas próprias: não só os armários, as mesas e as cadeiras, mas também as cores, os sons e a arquitetura.

Era esperado delas que vivessem e se movessem nesse ambiente como seres responsáveis e que participassem do trabalho criador como das tarefas de funcionamento, de maneira a subir uma “escala” simbólica que conduzia à realização. Liberdade e disciplina se equilibravam, e o princípio fundamental era que uma não podia ser conquistada sem a outra. Considerada sob este ângulo, a disciplina não era imposta do exterior, era antes um desafio a ultrapassar para se tornar digno da liberdade. Montessori escrevia a respeito disso: “Nós chamamos de disciplinado um indivíduo que é senhor de si, que pode, consequentemente, dispor de si mesmo ou seguir uma regra de vida” (Montessori, 1969, p. 57).

A ideia central da autodeterminação segundo a qual a liberdade só é possível se nos submetemos às leis que descobrimos e adotamos – o que Rousseau chamava de “vontade geral” – não é expressamente formulada nas suas obras. Por volta da passagem do século, a filosofia italiana era certamente dominada pelo pensamento positivista, mas as tendências idealistas e neokantianas eram igualmente representadas, principalmente por Alessandro Chiapelli, Bernardino Varisco e Benedetto Croce.

É pouco provável que Montessori tenha estudado seriamente esses filósofos; no entanto, ela fez suas crianças participarem ativamente da disposição do ambiente, das regras e dos princípios que governavam o funcionamento da casa; dessa maneira, era feita justiça à ideia de autonomia moral.

Mas Montessori foi ainda mais longe: assumiu sistematicamente as implicações lógicas dessas ideias, ou seja, ocupou-se de aplicá-las e colocálas em prática nas situações da vida cotidiana, aspecto muitas vezes negligenciado pelos educadores. O programa que estabeleceu com esse

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