4 minute read

4. O ambiente da escola

compreendido que: a educação científica não se poderia alicerçar sobre o estudo e as mensurações dos indivíduos a educar, mas sobre uma ação permanente, capaz de modificálos. [...] Séguin, com meios analíticos semelhantes aos de Fechner, mais ricos, porém, não somente estudara centenas de crianças deficientes recolhidas nos asilos de Paris, mas transformara-as em criaturas humanas capazes de trabalhar utilmente para a sociedade e de receber uma instrução intelectual e artística.

Eu também já tinha transformado crianças deficientes, expulsas de escola, refratárias a qualquer tentativa de educação, tornando-as capazes de competir com os outros alunos normais; isto é, foram transformados em indivíduos socialmente úteis e instruídos e se comportavam, desde então, como crianças inteligentes. A educação científica, aquela que realmente se alicerça na ciência, modifica e melhora os indivíduos.

Advertisement

Semelhante educação científica, apoiada em pesquisas objetivas e nos postulados básicos da psicologia, deveria transformar também as crianças normais. Como? Certamente, elevando-as acima do nível comum, tornando-as melhores ainda. Tais foram minhas conclusões, O importante não é observar, mas “transformar”.

A observação fundara uma nova ciência psicológica; não “transformara”, porém, nem alunos nem escolas. Acrescentara alguma coisa às escolas comuns, deixando-as, no entanto, bem como seus métodos de instrução e educação, estacionadas em seu estado primitivo. Os “novos métodos”, se fundamentados em bases científicas, deveriam orientar, em sentido completamente contrário, a escola e seus métodos. Deveriam fazer surgir um “novo modo de educar” (pp. 36-37).

3. A descoberta da infância

3.1 Foi uma genial ideia a de recolher os filhos, de 3 a 7 anos, dos moradores de um conjunto residencial e reuni-los numa sala sob a direção de uma professora domiciliada no mesmo local. Cada conjunto residencial deveria ter sua escola. Como esses edifícios pertenciam a um Instituto (proprietário de 400 lotes em Roma), a empresa se apresentava com imensas possibilidades de desenvolver-se. A primeira escola foi fundada

em janeiro de 1907, numa casa popular do quarteirão San Lorenzo onde se alojavam cerca de mil pessoas. Nesse mesmo quarteirão, o Instituto possuía já 58 estabelecimentos e, na opinião de seu diretor, as escolas não tardariam a surgir.

Esta primeira escola a domicílio, batizada com um nome auspicioso: Casa dei Bambini (Casa das Crianças), ficou sob minha responsabilidade. Percebi logo a importância social e pedagógica de tal instituição: minhas previsões pareciam, então, exageradas, mas atualmente já estão reconhecendo que eu dizia a verdade (p. 38). 3.2 Deixando à parte a diferença de idades é possível estabelecer-se um paralelismo entre crianças deficientes e crianças normais, isto é, entre crianças que não tiveram a força de evoluir (as deficientes) e crianças que ainda não tiveram tempo para isso (crianças ainda pequenas). Com efeito, as crianças retardadas são consideradas como crianças cuja mentalidade acusa as características quase que normais das crianças alguns anos mais novas. Apesar de este confronto não levar em conta a “força inicial”, diferente em cada natureza, o paralelismo não é ilógico.

É evidente que os pequeninos não tenham ainda adquirido a coordenação dos movimentos musculares; assim se explica seu caminhar inseguro, sua dificuldade em executar os atos habituais da vida, tais corno vestir-se, calçar-se, dar um laço, abotoar, calçar as luvas etc.; os órgãos dos sentidos que permitem, – por exemplo, a acomodação da vista – não se acham ainda completamente desenvolvidos; a linguagem apresenta os característicos defeitos da linguagem infantil; a dificuldade em concentrar-se, a instabilidade etc., são outras tantas características no gênero (pp. 38-39). 3.3 Eis, pois, o significado da minha experiência pedagógica, adquirida durante dois anos passados nas Casa dei Bambini. Representa ela o resultado de uma série de tentativas no sentido de educar a primeira infância com métodos novos. [...] Logo que soube ter à minha disposição uma escola de crianças, propus-me proceder cientificamente, seguindo um caminho diferente do daquele que, até então, confundia o estudo das crianças com sua educação, qualificando de pedagogia científica o estudo de crianças submetidas à escola comum, estacionária.

A pedagogia inovadora, fundada sobre estudos objetivos e precisos, devia, pelo contrário, “transformar a escola” e agir diretamente sobre os alunos, levando-os a uma nova vida.

Enquanto a “ciência” se limitasse a “conhecer melhor” as crianças, sem praticamente livrá-las dos inúmeros males que havia descoberto nas escolas comuns e nos antigos métodos de educação, não seria legítimo proclamar a existência de uma pedagogia cientifica. Enquanto os investigadores se limitassem a ventilar “novos problemas”, não haveria fundamento para afirmar que estava surgindo uma “pedagogia científica”: é a solução dos problemas que ela deve aportar, e não só a evidência das dificuldades e dos perigos, tanto tempo ignorados dos responsáveis pela educação das crianças.

A higiene e a psicologia experimental tinham diagnosticado o mal; isso, porém, não criou uma nova pedagogia. O estudo da psicologia infantil não pode revelar os caráteres naturais, nem, consequentemente, as leis psicológicas que presidem o crescimento da criança, porque, nas escolas, as condições de vida anormais propiciam caráteres de defesa ou de fadiga, ao invés de impulsionar as energias criadoras que aspiram à vida (pp. 40-41).

4. O ambiente da escola

4.1 O método pela observação implica, evidentemente, a observação metódica do crescimento morfológico dos alunos. O que tenho dito é, em decorrência, parte integrante deste método; não é tudo, porém. O método de observação há de fundamentar-se sobre uma só base: a liberdade de expressão que permite às crianças revelarnos suas qualidades e necessidades, que permaneceriam ocultas ou recalcadas num ambiente intenso à atividade espontânea. Enfim, é necessário que, simultaneamente ao observador, coexista também o objeto a observar; e se, por um lado, faz-se mister uma preparação para que o observador possa entrever” e “recolher” a verdade, por outro, urge predispor as condições que tornam possível a manifestação dos caráteres naturais da criança. Esta última parte do problema, que, até então, nenhum peda-

This article is from: