REVISTA
APOTHEKE
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VOLUME 3 ISSN: 2447-1267
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
REVISTA APOTHEKE Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016. ISSN: 2447-1267
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE
Apotheke e-periódico [recurso eletrônico] / Universidade do Estado de Santa Catarina. Centro de Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. v. 3, n. 2 (2016) – . – Dados eletrônicos. – Florianópolis : UDESC/CEART/PPGAV, 2015 Quadrimestral Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: World Wide Web: <http://revistas.udesc.br/index.php/APOTHEKE/index>. Apotheke e-periódico (acesso em 01 agosto 2016). ISSN: 2447-1267 1. Artes Visuais. 2. Arte - Educação. I. Universidade do Estado de Santa Catarina. Centro de Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. CDD: 707 - 20. ed.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca UDESC
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE
SUMÁRIO SUMÁRIO e EXPEDIENTE
EDITORIAL
ARTIGOS
p. 7
p. 8
ENTREVISTAS
TRADUÇÃO
ENSAIOS
p. 118
p. 157
p. 193
NOTAS SOBRE EXPERIÊNCIA
ENSAIO VISUAL
QUEM SOMOS
p. 274
p. 283
p. 4
00
p. 250
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE
Universidade Do Estado de Santa Catarina Reitor: Antonio Heronaldo de Sousa Centro de Artes – UDESC/CEART Chefe de Departamento Profa. Dra. Rosana Tagliari Bortolin Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Coordenadora Profa. Dra. Jociele Lampert _________________________________________________________ 5
Revista Apotheke EXPEDIENTE A Revista APOTHEKE é uma publicação eletrônica de caráter acadêmico-científico, editada pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, relacionado ao Grupo de Pesquisa [Entre] Paisagens, vinculado ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/UDESC). Com periodicidade semestral, tem como propósito divulgar a produção de pesquisadores brasileiros e estrangeiros que enfocam as relações entre Artes Visuais, Educação e Pintura, em diálogo com diferentes aportes teóricos, visando enriquecer a discussão interdisciplinar do conhecimento nas áreas de Artes Visuais e Educação. Publica artigos, ensaios, narrativas visuais, resultados de investigações baseadas nas Artes, resenhas, entrevistas e traduções. A revista tem como objetivo servir de veículo não apenas para o conhecimento e as pesquisas já consolidadas, mas também para perspectivas inovadoras, tanto no que se refere à argumentação quanto à metodologia, e que se apresentam como alternativas aos modelos estabelecidos.
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APOTHEKE Editora-Chefe Jociele Lampert, UDESC, Brasil Editores Associados Fábio Wosniak, UDESC, Brasil Marta Cabral, Teacher College, USA Editores Assistentes Adriane Kirst, UDESC, Brasil Juliano Siqueira, UDESC, Brasil Organizadores do volume 3, número 2, ano 2, Julho 2016. Jociele Lampert Fábio Wosniak Adriane Kirst Juliano Siqueira Conselho Científico Nacional Luciana Gruppelli Loponte, UFRGS Lúcia Gouvêa Pimentel, UFMG Fernanda Pereira da Cunha, UFG Cristian Poletti Mossi, UERGS Elaine Schimidlin, UDESC Fábio Rodrigues, URCA Marilda Oliveira, UFSM Rita Bredarioli, UNESP Ronaldo Alexandre de Oliveira, UEL Belidson Dias Bezerra Júnior, UNB Maria das Vitórias Negreiro do Amaral, UFPE Christina Rizzi, USP Rejane Galvão Coutinho, UNESP Talita Esquivel, EMBAP Maria Helena Wagner Rossi, UCS Ana Cláudia Assunção, URCA Marcos Villela Pereira, PUC/RS
Lucimar Bello Pereira Frange, PUC/SP Olga Maria Botelho Egas, UFJF Fernando Augusto, UFES Conselho Científico Internacional Rita L. Irwin, British Columbia, Canadá José Carlos de Paiva e Silva, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto Teresa Torres De Eça, Universidade do Porto, Portugal Marta Cabral, Teacher College, USA Bosistas Ana Carolina Ferreira, UDESC Fabiana Burnato do UDESC Kátia Speck, UDESC
Martins Amaral,
Diagramação Carolina Ramos Nunes Revisão Luciana Finco Mendonça Assessoria de comunicação Tharciana Goulart Contato Av. Madre Benvenuta, 1907 Itacorubi, Florianópolis / SC - (48) 3321-8300 Centro de Artes Site Grupo: http://www.apothekeestudiodep intura.com E-mail: apothekestudio@gmail.com
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APOTHEKE
EDITORIAL A palavra APOTHEKE tem origem grega. O substantivo apotheke, designava
armazéns
do
Porto
de
Atenas
na
Grécia
Clássica;
também de origem germânica, indica a origem da palavra botica, boticário ou farmácia. A escolha por esta nomenclatura, ao Grupo
de
Estudos
Estúdio
de
Pintura
Apotheke,
decorre
da
percepção da botica como um lugar de laboratório, de um labor experimental, o que se aproxima da proposta de um Ateliê. A pintura
apresenta-se
artístico
deste
como
Grupo
eixo
de
norteador
Estudos,
para
o
processo
considerando
o
campo
ampliado e possíveis desdobramentos para o pensamento plástico pictórico.
7
Trata-se Universidade coordenado também,
de do
Grupo
Estado
pela
com
um
Profa.
o
Grupo
de
de
Santa
Dra. de
Estudos
vinculado
Catarina
Jociele
Pesquisa
-
UDESC
-
UDESC/Brasil,
Lampert, [Entre]
à
articulado
Paisagens
-
CNPq/UDESC, que acolhe artistas, professores e pesquisadores. A
REVISTA
APOTHEKE,
em
seu
terceiro
volume,
apresenta
derivações sobre as ações desenvolvidas durante o ano de 2015 e 2016, bem como, apresenta artigos de artistas, professores e pesquisadores
na
área
de
Artes
Visuais,
parceiros
que
compartilham o espaço do Estúdio de Pintura Apotheke. Professora Dra. Jociele Lampert (Editora-Chefe) Professor Doutorando Fábio Wosniak (Editor-Associado) Site: http://www.apothekeestudiodepintura.com/ Facebook:https://www.facebook.com/pages/ https://www.facebook.com/Estúdio-de-pintura-Apotheke690107797707990
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ARTIGOS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE Escolinha de Arte de São Paulo1: instantes de uma prática Sidiney Peterson (UNESP) RESUMO Neste artigo busco apontar, entre os diferentes ‘instantes’ 2 observados do processo de ensino/aprendizagem/formação na Escolinha de Arte de São Paulo (EASP), algumas experiências pedagógicas com a finalidade de tecer (ou desfiar) algumas ideias sobre os posicionamentos metodológicos assumidos para o ensino e aprendizagem de arte na Escolinha de Arte de São Paulo. Para escrita, considero como fonte primária, o relatório de atividades da Escolinha3, documentos imagéticos da EASP4 e os depoimentos, contemporâneos, de Ana Mae Barbosa e Madalena Freire, arte/educadoras na EASP, Regina Stella B. Machado, Célia Cymbalista e Regina Gomes, então estagiárias na Escolinha e Betty Leirner, estudante matriculada na EASP. Palavras-chave: Escolinha Arte/Educação; História.
de
Arte
de
São
Paulo;
Prática
pedagógica;
RESUMEN En este artículo se señalan, entre los diferentes 'momentos' observados la enseñanza / aprendizaje / formación en la Escolinha de Arte de São Paulo (EASP), algunas experiencias en la enseñanza con el fin de tejer (o enmarañar) algunas ideas sobre las posiciones metodológicas asumidas para la enseñanza y el aprendizaje en el arte en la Escolinha de Arte de São Paulo. Para escribir, considero como la fuente primaria, el informe de actividad da Escolinha, documentos imagéticos y testimonios, contemporáneos, de Ana Mae Barbosa y Madalena Freire, maestros en la EASP, Regina Stella B. Machado, Celia Cymbalista y Regina Gomes participantes internas en Escolinha y Betty Leimer, estudiante en la EASP. Palabras clave: Escolinha de Arte de São Paulo; la práctica docente; Arte/ Educación; Historia.
Tenho um pouco de medo: Medo ainda de me entregar, pois, o próximo instante é o desconhecido.O próximo instante é feito por mim? Ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a respiração. Clarice Lispector, Água Viva5.
No artigo Escolinha de Arte de São Paulo: fundamento e andamento, de autoria da professora Ana Mae Barbosa, publicado na revista Educação para o Desenvolvimento, edição de agosto de 1968, é possível verificar que uma das primeiras ações realizadas pelas arte/educadoras da Escolinha de Arte de São ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE Paulo (EASP), diz respeito à construção de um programa para o ensino de artes na instituição. Na proposta, apresentada no referido artigo, consta um ensino baseado na necessidade de que todas as crianças e adolescentes, matriculadas na EASP, trabalhassem
em
teatro,
(BARBOSA,
1969,
p.
condutor,
neste
artigo,
ideias
sobre
algumas
dança,
09).
música
Tendo a
o
citado
finalidade
os
e
é
artes
plásticas
programa tecer
como
(ou
posicionamentos
fio
desfiar)
metodológicos
assumidos para o ensino e aprendizagem de arte na Escolinha de Arte
de
São
Paulo.
Para
escrita,
considero
como
fonte
primária, o relatório de atividades da Escolinha6, documentos imagéticos da EASP7 e os depoimentos, contemporâneos, de Ana Mae Barbosa e Madalena Freire, arte/educadoras na EASP, Regina Stella
B.
Machado,
estagiárias
na
Célia
Cymbalista
Escolinha
e
e
Regina
Betty
Gomes,
Leirner,
então
estudante
matriculada na EASP.
10 Os posicionamentos metodológicos experiências como caminho...
assumidos
na
EASP:
ou
das
Na Escolinha de Arte de São Paulo, um dos principais interesses entre as arte/educadoras responsáveis pelo campo das artes plásticas8, estava relacionado ao trabalho voltado para
o
desenvolvimento
matriculadas Escolinha, criança9.
na
nós Uma
da
produção
Instituição. nos
Segundo
preocupávamos
preocupação
gráfica
também
Ana
muito
das
Mae com
Barbosa,
na
desenho
da
o
identificada,
crianças,
na
fala
de
Madalena Freire, quando pontuou que, era minucioso o estudo do desenvolvimento fundamentado,
de
tinha
expressão
de
pastas
cada
de
cada um,
aluno, buscando
um
estudo
focar
nos
processos de cada um10. É
importante
observar
que,
este
interesse
das
arte/educadoras com relação ao desenho e à expressão gráfica da criança na EASP, é resultado da própria história do ensino ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE de artes no Brasil, marcada por momentos significativos de introdução das teorias sobre o desenho das crianças. O campo de estudo sobre o desenho infantil teve seu marco a partir da última década do século XIX e o campo teórico se estabelece
nas
três
primeiras
décadas
do
século
XX.
Essas
pesquisas, de acordo com Rejane Galvão Coutinho, resultaram em sistematizações teóricas publicadas nos principais centros da Europa
e
Estados
influenciaram,
a
Unidos partir
(COUTINHO, de
2002,
diferentes
p.
40)
que
entendimentos,
os
trabalhos desenvolvidos em outros países. No contexto do ensino formal brasileiro, Ana Mae Barbosa aponta que, o período de 1870 e 1901 foi marcado pela: Intensa propaganda a respeito da importância do ensino do desenho na educação popular, feita pelos liberais, que colocavam o desenho como a matéria mais importante do currículo da escola primária e secundária, baseados, principalmente, na influência de Walter Smith. A intenção era copiar os modelos americanos, ingleses ou belgas sem qualquer preocupação com a cultura nativa (BARBOSA, 2011, p. 41).
Neste modelo de ensino, o que se buscava era melhorar a mão
de
obra
ciência,
para
motivo
a
indústria
pelo
qual
os
e,
consequentemente,
conteúdos
ensinados
para eram
a os
desenhos geométricos, os desenhos de observação e as técnicas (luz, sombra, perspectiva, etc.). Este conjunto de saberes vai caracterizar o ensino de artes no ensino formal até meados do século XX. Em
paralelo,
americana
e
a
partir
europeia,
a
de
1914,
pedagogia
através
da
experimental
influência introduz
no
contexto educacional brasileiro as novas concepções sobre o grafismo infantil. Essas informações propiciam
as primeiras
investigações sobre as características da expressão da criança através
do
desenho
(BARBOSA,
2011,
p.
42),
feitas
por
pesquisadores brasileiros. Nesses
estudos,
o
desenho
era
utilizado
como
meio
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
de
11
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APOTHEKE investigação das atividades cerebrais, postas em jogo quando uma criança se expressava graficamente, e ainda como forma de compreensão do processo criativo e de relação com a realidade da
criança.
Nesse
período,
surgiram
algumas
pesquisas
que
11
relacionavam o desenho à psicologia , foi um momento em que se valorizava
o
grafismo
infantil
como
um
produto
interno
refletindo a organização mental da criança, a estruturação de seus diversos aspectos e seu desenvolvimento (BARBOSA, 2010, p. 111-112). Outro relevante momento para a difusão do conhecimento sobre o grafismo e, consequentemente, para o ensino de arte no Brasil, se deu com os modernistas Mário de Andrade12 e Anita Malfatti13, responsáveis por desempenhar um importante papel na introdução das ideias da livre expressão no ensino de arte para as crianças, através da implementação de novos métodos baseados na valorização da expressão e da espontaneidade da criança em seu desenho. Métodos que até aquele momento, de acordo com a pesquisa realizada por Rejane Galvão Coutinho, não era ainda uma prática comum na época. Pelo contrário, os métodos
de
ensino
de
desenho
trabalhavam
o
desenho
de
observação e as cópias (COUTINHO, 2002, p. 88), na educação formal. É importante destacar a visão de Anita Malfatti em relação ao grafismo infantil. Ela deu às produções infantis o mesmo status
dado
aos
artistas,
ao
expô-las
como
suas
obras.
É
possível perceber neste fato uma mudança em relação ao ideário sobre o desenho das crianças, essa produção que até então se caracterizava como ‘objeto’ de compreensão de aspectos mentais das
crianças,
passava
a
ser
valorizado
como
uma
produção
artística, com valores estéticos. Um valor também conferido por Mário de Andrade que citou exemplos de arte infantil no curso de História da Arte em que foi professor na Universidade do Distrito Federal em 1936, quando usou desenhos oriundos de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE sua
coleção
composta
de
cerca
de
2.160
desenhos
de
procedências diversas (COUTINHO, 2002, p. 03). A partir da década de 1940, tem-se notícia de uma série de atividades extracurriculares oferecidas às crianças tendo como orientação
o
desenvolvimento
realizadas
principalmente
da
em
expressão.
ateliês,
Eram
entre
atividades
estes,
vale
destacar os dirigidos por Guido Viaro em Curitiba-PR, Lula Cardoso Ayres em Recife- PE e Suzana Rodrigues em São Paulo-SP (BREDARIOLLI, 2004), além da Escolinha de Arte do Brasil (EAB) de onde se desdobrou o Movimento Escolinhas de Arte (AZEVEDO, 2000) do qual a Escolinha de Arte de São Paulo fez parte. Essas experiências deram continuidade à ideia de valorização da
expressão,
através
da
livre
expressão,
tendo
os
conhecimentos sobre o grafismo infantil como base. Ao
seguir
infantil, Paulo,
as
o
percurso
desse
arte/educadoras
investiram
na
prática
interesse
da
Escolinha
de
observação
pelo
de
grafismo
Arte
como
de
uma
São
opção
metodológica para o acompanhamento desses/as estudantes e suas produções
e,
no
encaminhamento
de
ações
que
pudessem
contribuir para as necessidades gráficas apresentadas por cada criança. Como base dessa proposta, segundo Regina Machado, Tinha a leitura do livro do Viktor Lowenfeld, que era a bíblia naquele momento, e nós tínhamos a observação dos desenhos das crianças, entendeu? Na Escolinha, observávamos e discutíamos os desenhos das crianças da própria Escolinha, amparadas pela fundamentação de Lowenfeld14.
A obra de Viktor Lowenfeld à qual se refere Regina Machado trata-se de Desenvolvimento da Capacidade Criadora, escrita em parceria com W. Lambert Brittain e publicada em 1947. Entre os estudos
divulgados
neste
livro,
os
autores
destacam
os
diferentes estágios de desenvolvimento gráfico da criança, um estudo que norteou a prática de ensino de arte no Brasil, na segunda metade do século XX, através do Movimento Escolinhas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE de Arte, destacando-se também como influência para os fazeres na Escolinha de Arte de São Paulo. Durante as análises das fichas de matrículas de estudantes da Escolinha DE Arte de São Paulo15, localizei, no verso de algumas delas, frases como: está na fase do realismo; está na garatuja e, ainda, estava na fase pré-esquemática, passou para esquemática. Esses critérios de identificação são os mesmos utilizados por Lowenfeld e Brittain para discutir os estágios de desenvolvimento do desenho infantil na referida obra. Como exemplo de ações planejadas a partir das observações das necessidades expressivas das crianças, trago para o plano da reflexão a experiência realizada no Jóquei Clube de São Paulo/SP.
Essas
aulas
foram
delineadas
coletivamente
pelas
arte/educadoras e partiram de dados apresentados por Ana Mae Barbosa sobre a produção gráfica de alguns estudantes de sua turma. Segundo a arte/educadora, durante o acompanhamento nas aulas foi observado que todo mundo estava fazendo desenho sem movimento, ela então se perguntava: é normal nessa fase? É. Mas é regra? Não é. (...), então vamos flexibilizar o traço16. Ao buscar delinear propostas que contemplassem a questão central da atividade, o movimento, que poderia resultar na flexibilização do traço no desenho, o grupo de arte/educadoras passou a discutir sobre como e onde realizar essa experiência. Ana Mae Barbosa esclarece que: Ficamos discutindo sobre o seguinte: vamos usar movimentos de animais, ou centrar em um animal só? Vamos ao zoológico? Não, pois assim chamaríamos atenção para a diversidade de animais. O que queríamos era a diversidade de movimentos de um só animal. Decidimos pelo Jóquei Clube, para observar movimentos do cavalo (...). Não propusemos na EASP o desenho do cavalo. Levamos as crianças para o Jóquei Clube, para observar e desenhar cavalos, o que queríamos era centrar no animal em diferentes atividades, em movimentação no caso os cavalos que estavam no Jóquei com o objetivo de se movimentar, de aprender a se movimentar bem para ganhar corridas17.
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APOTHEKE Não propusemos na EASP o desenho do cavalo. Retomo essa parte da citação acima, tentando realçar que a ‘não proposição do desenho’ seria um indicativo de que na Escolinha de Arte de São
Paulo
não
desenhados, temática partir
bem
não
das
eram
oferecidos
como
foi
é
possível
utilizada
análises
‘modelos’
como
engendradas
dizer
para que
proposta para
o
então a
serem
proposição
metodológica.
presente
estudo,
A é
possível afirmar que, de fato, na experiência EASP não foram encontrados prática
indícios
pedagógica.
de Uma
utilização questão
que
dessa durante
metodologia seu
na
depoimento
para o presente estudo, Ana Mae Barbosa, colocou-se de maneira categórica ao afirmar que: Queríamos levar as crianças para observar esses movimentos, com a finalidade de trazer movimentação ao seu desenho. Ter a experiência desses movimentos e aí desenhar. Era isso que nós desejávamos, mas jamais dando tema. Nunca foi dado um tema na Escolinha, isso é fundamental, nunca foi dado tema, nós provocávamos a experimentação18.
Abaixo, duas produções dos estudantes da EASP, que indicam a observação dos movimentos percebidos nos animais (figuras I e II).
Figura I: Desenho realizado a partir da observação de cavalos no Jóquei Clube de São Paulo. Fonte: Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa.
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REVISTA
APOTHEKE
Figura II: Desenho realizado a partir da observação de cavalos no Jóquei Clube de São Paulo. Fonte: Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa.
Após o momento da observação e da produção, as crianças eram
levadas
a
conhecer
os
demais
espaços
e
pessoas
que
trabalhavam no local. Em contato com os/as trabalhadores/as, algumas questões
eram levantadas pelos/as estudantes. Essas
perguntas, presentes em um questionário, produzido previamente em sala de aula durante encontros que antecederam a visita, em uma
parceria
entre
as
arte/educadoras
e
as
crianças,
eram
direcionadas aos profissionais do jóquei e buscavam conhecer o universo do local visitado, seus/suas trabalhadores/as e os serviços oferecidos. Entre
as
perguntas,
questionava-se
sobre
o
valor
do
salário do adestrador; a dieta de cada animal; os valores para manter um animal naquele local. Estas questões abriam espaço para
diálogos
entre
os/as
profissionais do jóquei.
visitantes
ali
presentes
e
os
Dessa forma, os objetivos traçados
para a experiência no Jóquei Clube iam além dos conhecimentos específicos do campo da arte, ao adentrar os estudos sociais a partir
da
observação
da
realidade
do
local
visitado
e
avaliar
a
daqueles/as que trabalhavam ali. De
volta
à
Escolinha,
era
o
momento
de
atividade, a forma como esta foi realizada e pensar sobre como agir a partir de então. Madalena Freire esclarece que após essa visita ao jóquei:
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REVISTA
APOTHEKE Ao mesmo tempo em que estávamos em êxtase, tínhamos mil perguntas, entre elas: como a gente vai continuar? Que pontos devem ser elencados a partir da observação? Cada visita tinha um rol de questionamentos para as próximas que já começavam a ser observadas em classe19
Na citação acima é possível perceber que as aulas fora da Escolinha,
por
experiência
um
lado
vivida,
satisfazia por
às
arte/educadoras,
outro,
provocava
pela
muitos
questionamentos e uma necessidade de focar as observações no sentido de identificar necessidades, de propor novas ações a partir
do
que
se
mostrava
no
coletivo,
mas
também
individualmente, na sala de aula, na conversa com as crianças. Foi
a
partir
dos
questionamentos
suscitados
que
foi
incorporada à prática um momento nomeado como a hora da roda (figura aconteceu
III). a
Madalena
partir
do
Freire momento
esclarece em
que
ela
que,
a
prática
direcionou
sua
atenção para o acompanhamento das crianças no processo das artes plásticas, no processo gráfico e em ter um momento de interação e discussão com as crianças20.
Figura III: Madalena Freire com estudantes da EASP, na Hora da Roda. Fonte: Revista Intervalo (1968), 27 de março, s/p. Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa.
Quantos significados pode ter a imagem acima? Um deles ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE pode ser: olhos nos olhos, uma atenção especial para quem fala, neste caso, a criança ao lado da professora Madalena Freire, inclusive a própria professora se coloca com atenção à fala da criança e, pela imagem, parece dialogar com esta. Um círculo, onde todos/as se veem, todos se escutam e, acredito, conversam. O chão da escola é a base para esta conversa, que me parece bem envolvente, já que todos/as voltam sua atenção para
as
pessoas
interação,
que
diálogo,
formam
um
o
instante
círculo. para
É
um
conhecer
momento mais
um
de ao
outro. Partindo do entendimento de que educar é colaborar para que arte/educadores/as e estudantes transformem suas vidas em um processo constante de aprendizagem, a hora da roda pode ser pensada
como
instantes
em
que
a
conversa,
a
escuta,
a
observação, o pensamento, estavam presentes, mobilizados, ou seja, pode ser compreendida como um espaço de construção de saberes
para
todos
os/as
envolvidos/as,
e
também,
como
um
espaço de pesquisa para a professora. Por
exemplo,
dos
diálogos
com
os/as
estudantes,
dessa
atenção à fala da criança, destaca-se um dos processos de trabalho na Escolinha, a pesquisa com histórias em quadrinhos. Relembrando o momento em que passaram a planejar as ações para trabalhar com as histórias em quadrinho, Madalena Freire conta que: Uma das crianças trouxe a discussão referente à diagramação, da expressão, dos detalhes fisionômicos de cada situação do quadrinho, então, a criança trouxe essa discussão e estava muito interessada. Naquele tempo era muito forte a coisa de negar a história em quadrinhos por causa do pensamento expressivo, porque se acreditava que desfocava a criança. Era proibido. Tinham famílias que proibiam a leitura das histórias em quadrinhos porque não era literatura, coisas do gênero. Nós tínhamos um pensamento contrário a tudo isso, nós partíamos do seguinte, se era significativo para uma criança é porque tem coisa ali e nós íamos buscar essa coisa21.
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REVISTA
APOTHEKE Entre as perguntas respondidas pelas famílias nas fichas de matrícula, já citadas, uma das questões era referente à leitura
preferida
das
crianças.
A
maioria
das
respostas
indicava que a criança não sabia ler. Entre aquelas que já realizavam
leituras,
as
respostas
mais
recorrentes
foram
leituras dos livros de Monteiro Lobato. Apenas em duas fichas foi verificada a preferência por revistas em quadrinhos. É importante
lembrar
que
as
informações
das
fichas
foram
fornecidas pelos pais. Será que havia algum preconceito? Em Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula (2004), contexto
Angela de
Rama
um
e
Waldomiro
pensamento
Vergueiro
preconceituoso,
a
apontam
como
respeito
das
histórias em quadrinho, O período de pós-guerra e início da chamada Guerra Fria que foi especialmente propício para a criação do ambiente de desconfiança em relação aos quadrinhos. Fredric Werthman, psiquiatra alemão radicado nos Estados Unidos, encontrou espaço privilegiado para uma campanha de alerta contra os pretensos malefícios que a leitura de histórias em quadrinhos poderia trazer aos estudantes norte-americanos. Baseado nos atendimentos que fazia de jovens problemáticos, o dr. Werthman passou a publicar artigos em jornais e revistas especializadas, ministrar palestras em escolas, participa de programas de rádio e tevê, nos quais sempre salientava os aspectos negativos dos quadrinhos e sua leitura. Generalizando suas conclusões a partir de um segmento de revistas de histórias em quadrinhos- principalmente as histórias de suspense e terror-, e dos casos patológicos de jovens e adolescentes que tratou em seu consultório, ele investiu violentamente contra o meio, denunciando-o como uma grande ameaça à juventude (RAMA, VERGUEIRO, 2004, p. 11).
No livro Histórias em quadrinhos e Educação: formação e prática docente (2011), Marta Regina Paulo da Silva nos dá pistas sobre o pensamento em relação às produções de HQ no contexto realizado
brasileiro. pelo
Segundo
Instituto
a
autora,
Nacional
de
em
1944,
Educação
um e
estudo
Pesquisa
(INEP), órgão ligado ao MEC, afirmava que as HQ provocavam ‘lerdeza mental’ (SILVA, 2011, p. 58). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
19
REVISTA
APOTHEKE Contrárias a todo este contexto de negação e enxergando potencialidades
no
trabalho
com
histórias
em
quadrinhos,
a
partir da observação do interesse das crianças, a ação inicial das arte/educadoras da Escolinha de Arte de São Paulo foi proporcionar visitas dos estudantes a dois espaços: a fábrica de papel Klabin22 e a Editora Abril23. Pretendendo levar as crianças a compreender os processos de transformação ocorridos entre a produção do papel e a elaboração de uma revista em quadrinhos, as atividades também traziam, de acordo com Célia Cymbalista, implicitamente, o desejo da criança passar a dar sentido para o que ela olhava, observava, (...) o foco era esse, nós estávamos trabalhando observação para desenvolver a capacidade crítica, esse era o foco24. Para Ana Mae Barbosa, organizadora das ações, as visitas aos locais mencionados tinham como propósito observar, como as coisas se transformam, observando fábrica de papel (KLABIN), editoras (ABRIL) buscando abordar as narrativas, por meio das histórias em quadrinhos com o objetivo de compreender que os desenhos se movimentam de um quadrinho para outro, provocando um olhar para a ação25. Na fábrica de papel Klabin, as crianças acompanharam a fabricação de papéis, visitaram espaços da fábrica onde havia empilhadeiras carregando grandes rolos de papéis. Durante a aula/visita os/as estudantes puderam observar os movimentos dessas
máquinas,
os
movimentos
humanos
para
transportar
o
material. Puderam também entender, por meio de explicação de funcionários da empresa, como se dava a transformação entre a extração da celulose da madeira, o cozimento para retirada das substâncias tóxicas e, finalmente, a pasta em forma de rolo, que após secar é a forma que conhecemos do papel. A figura abaixo é uma produção da estudante da EASP, identificada como Vera, e mostra o momento observado por ela durante a visita.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
20
REVISTA
APOTHEKE
Figura IV: Desenho realizado a partir da observação na fábrica de papel Klabin, pela estudante Vera. Fonte: Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa.
A
experiência
visitas
na
realizadas
puderam,
conforme
discutir,
em
Nestes
à
fábrica Editora
de
Abril,
planejado
contexto
encontros,
foi
onde
estendida
os/as
anteriormente,
diferente,
segundo
papéis
Ana
a Mae
estudantes
observar
utilização
de
Barbosa,
às
as
e
papéis. crianças
observaram desde o desenho das estórias em quadrinhos até o processo de sua impressão gráfica (BARBOSA, 1975, p. 78). Para as visitas à fábrica de Papel Klabin e à Editora Abril, assim como na experiência realizada no Jóquei Clube, as crianças, auxiliadas
pelas
procuravam
discutir
daquelas
empresas.
arte/educadoras, aspectos No
caso
da da
pergunta26
elaboraram realidade
Editora
dos
Abril,
que
funcionários as
conversas
foram realizadas com produtores, desenhistas e com a editora Ruth Machado Lousada Rocha. Nesta experiência com a história em quadrinhos, contrário àquilo que, cultural, educacional e socialmente acreditava-se prejudicial para as crianças e os jovens, havia, entre as arte/educadoras, um desejo de experimentar determinadas ações para
ver
se
dava
certo
ou
não.
Nesse
sentido,
é
possível
afirmar que na Escolinha havia muita experimentação na prática desenvolvida. Além
das
histórias
em
quadrinhos,
as
arte/educadoras
também trabalharam com outras mídias como jornais e revistas. Madalena Freire, sobre a inclusão desses meios nas atividades com os/as estudantes, afirma que esse trabalho veio junto com ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
21
REVISTA
APOTHEKE a história em quadrinhos, ou seja, articulada à pesquisa e prática com a história em quadrinhos. Partindo do universo significante
da
criança.
Foi
daí
que
nasceu.
Tudo
estava
27
articulado . Sobre a questão, Ana Mae Barbosa pontua que, a leitura de jornais e revistas com crianças era maravilhosa. Já não mais como na Escolinha [refere-se à Escolinha de Arte do Recife]
onde
usávamos
as
revistas
para
aproveitar
não
a
imagem, mas somente o colorido do papel em colagens28. O trabalho com jornais na EASP ocorria durante as aulas de artes plásticas com estudantes com idade entre treze e catorze anos. Durante esses encontros, Ana Mae esclarece que: Não havia uma leitura descompromissada, mas crítica, pois perguntávamos: O que diz sobre o mundo esse jornal? Que notícia te chama mais atenção no jornal de hoje? Vamos ler jornais, comprávamos muitos jornais. O mesmo era feito com a revista. O que te chama atenção na revista? Qual reportagem? Por quê?
A leitura fazia parte do cotidiano na Escolinha e, aqui cabe ressaltar os vários tipos de leituras realizadas durante as aulas na instituição e fora dela: leitura da palavra, da publicidade, do mundo e, conforme percebemos na citação acima, ocorria
também
uma
experimentação,
na
colocavam
como
leitura
de
Escolinha, temas
de
imagens. imagens estudos
Como
espaço
de
toda
ordem
se
voltados
para
o
de
um
desenvolvimento do pensamento crítico. Foi a partir da leitura dessas imagens, presentes nos jornais e nas revistas, que surgiu a proposta dos estudantes construírem,
como
representasse
uma
afirma crítica
Ana dos
Mae,
estudantes
um ao
trabalho
que
mundo,
que
ao
29
leram e ao que viram . Com essas atividades, ainda segundo a arte/educadora, propúnhamos o uso de imagens prontas em outro contexto que era transformado pelas crianças, que recortavam imagens da revista e do jornal e criavam com elas as suas próprias narrativas30. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
22
REVISTA
APOTHEKE História em quadrinhos, leituras e análises de jornais e revistas,
construção
de
narrativas
a
partir
de
diferentes
contextos são experiências desenvolvidas na Escolinha de Arte de São Paulo, que podem ser verificadas como um prenúncio à educação
para
a
contemporânea, abordagem
cultura
Rejane
para
o
visual,
Galvão
ensino
de
que,
Coutinho artes
em
uma
descreve
que
tem
análise como
como
uma
um
dos
pressupostos, buscar, através de uma interpretação crítica, desvelar mecanismos e táticas do mercado cultural produtor de visualidades (COUTINHO, 2009, p. 62). Ana Mae Barbosa que prefere hoje utilizar o termo culturas visuais,
para
falar
de
ensino
de
arte,
explica
que
essa
pluralização se dá por que: Tanto em educação como em arte, pluralizar é preciso, se pensamos dialeticamente e operamos multiculturalmente. Não estou sozinha. Muitas universidades já usam o plural para designar os cursos nessa área, como o Goldsmith College, que possui uma disciplina nomeada História das Culturas Visuais (BARBOSA, 2011, p. 293).
Após essas colocações, pergunto: Não seria o projeto que envolve as histórias em quadrinhos um meio de ativar esses olhares
críticos?
Também
as
publicidades,
interpretadas
e
analisadas na Escolinha presentes em jornais e revistas e, a criação de narrativas a partir desses exercícios, não poderiam se inscrever no contexto do que hoje se nomeia como estudos da cultura visual? Ao retomar as experiências, percebo que as atividades na Escolinha
não
buscavam
simplesmente
a
produção
através
de
desenhos de uma história em quadrinhos, ou ver imagens nos jornais e revistas, mas o que se buscava era conhecer, no caso da primeira experiência, o processo de produção e elaboração de
revistas
em
quadrinhos,
diretamente
em
uma
editora
e
reconhecer a realidade daqueles que ali trabalhavam por meio de pesquisa, de perguntas (pensadas previamente). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
23
REVISTA
APOTHEKE Os objetivos, assim como na experiência do Jóquei Clube, ultrapassavam a ideia inicial de ampliar as possibilidades do desenho. Havia um interesse em levar os estudantes a perceber aqueles
ambientes,
sua
funcionalidade,
as
pessoas
que
trabalhavam naqueles locais, seus trabalhos, seus cotidianos e, os processos de transformação de materiais e elaboração da HQ, uma produção que, segundo Moacy Cirne (1970), tem uma relevância
histórica,
formalização
da
antes
proposta
da
mesmo cultura
de
fazer
visual
parte
como
da
campo
de
estudos no ensino de artes. Para o autor, essa importância destinada às historias em quadrinhos
são
legítimas
por
seu
uso
como
reforçadora
ideológica, da qual nasceram impregnadas, mas principalmente por ter, em contradição dialética, colocado em xeque toda a ossatura da arte ocidental (CIRNE, 1970, p. 19), considerando que
nesta
linguagem
informação
é
possível
literária,
metalinguísticas,
quanto
suas
observar
tanto
consideráveis
possibilidades
uma
alta
explorações
transcendem
o
preconceito construído pelas elites culturais. De acordo com a análise de Cirne (1970), as histórias em quadrinhos, como forma de arte, são repletas de importância e possibilidades visuais. Uma relevância também visualizada pelo sociólogo
Umberto
Eco
(1979).
Para
ele,
somente
quando
o
estudo das histórias em quadrinhos tivesse superado o estágio esotérico
e
o
público
culto
resolvesse
dar-lhes
a
mesma
atenção que oferece à ópera e outras manifestações culturais elevadas, é que seria possível entender sua importância (ECO, 1979, s/p, grifos do autor). Para a pesquisadora e arte/educadora norte-americana Kerry Freedman, a importância em trabalhar com cultura visual e, especificamente,
com
histórias
em
quadrinhos,
não
está
em
copiar imagens e/ou personagens dessas produções, mas sim na visualização,
a
partir
da
narrativa
dessas
produções,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
de
24
REVISTA
APOTHEKE aspectos
latentes
sobre
elas
e
como
são
ressignificadas
(FREEDMAN, 2002, p. 59). É por esta perspectiva que aqui é entendido o trabalho realizado com os estudantes da EASP. Entre a prática realizada na EASP e o que se coloca como ‘cultura visual’ ou ‘culturas visuais’ na atualidade percebo o trabalho
na
mencionadas,
Instituição, como
uma
a
partir
experimentação
com
das
experiências
outras
linguagens
artísticas, com a arte como campo expandido. Uma forma de trazer
outras
linguagens
para
o
programa
de
ensino
da
Escolinha de Arte de São Paulo. Trabalhar com esses meios era possivelmente uma maneira de introduzir no programa de ensino e aprendizagem de artes algo mais que tintas, pincéis e lápis. Através
das
ações
planejadas,
tendo
como
eixos
diferentes
mídias, tendo como objetivo o desenvolvimento do pensamento crítico. Notas
25
1
A Escolinha de Arte de São Paulo foi a 53ª Escolinha ligada ao Movimento Escolinhas de Arte. A experiência ocorreu entre os anos de 1968 e 1967. Para maiores detalhes acerca dessa experiência e sobre o Movimento Escolinhas de Arte, conferir: LIMA, Sidiney P. Escolinha de Arte de São Paulo: instantes de uma história (dissertação, IA-UNESP, 2014); LIMA, Sidiney P. Escolinha de Arte do Brasil: movimentos e desdobramentos (2012 ANPAP). 2 Este artigo é um recorte da dissertação Escolinha de Arte de São Paulo: instantes de uma história, orientada pela professora Dra. Rejane Galvão Coutinho e defendida pelo autor no PPG em Artes do IA-UNESP, em agosto de 2014. 3 Documento registrado por Madalena Freire, não publicado até a presente data. FONTE: Acervo pessoa de Ana Mae Barbosa. 4 Todas as imagens referentes à EASP, utilizadas neste trabalho, pertencem ao acervo pessoal de Ana Mae Barbosa. 5 LISPETOR, Clarice (1998) 6 Documento registrado por Madalena Freire, não publicado até a presente data. FONTE: Acervo pessoa de Ana Mae Barbosa. 7 Todas as imagens referentes à EASP, utilizadas neste trabalho, pertencem ao acervo pessoal de Ana Mae Barbosa. 8 Neste trabalho, discuto a experiência EASP tendo como recorte as ações voltadas para o campo de artes visuais, pois durante a pesquisa de mestrado (que resultou na escrita da dissertação Escolinha de Arte de São Paulo: instantes de uma história, defendida em 2014, pelo PPG em Artes do IA-UNESP) tive maior contato com as arte/educadoras responsáveis pela área, que concederam entrevistas. Outro motivo, diz respeito ao fato de ter localizado documentos que podem apoiar as análises das ações, das metodologias e dos objetivos traçados para essa linguagem na EASP. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE 9
BARBOSA, Ana Mae. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 11 jan. 2012. 10 FREIRE, Madalena. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 16 set. 2013. 11 Cf. COUTINHO, Rejane Galvão. Sylvio Rabello e o desenho infantil (1997. 12 Conf. COUTINHO, Rejane Galvão. A coleção de desenhos infantis do acervo Mário de Andrade (2002). 13 Conf. CARVALHO, Cibele Regina de. Um estudo sobre a docência na vida e na obra de Anita Malfatti (2007). 14 MACHADO, Regina. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 21 jan. 2013. 15 Durante a pesquisa de mestrado, realizada entre os anos de 2012 e 2014, encontrei 255 fichas de matrículas dos estudantes da EASP preenchidas, no acervo pessoal de Ana Mae Barbosa. 16 BARBOSA, Ana Mae. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 22 nov. 2012. 17 BARBOSA, Ana Mae. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. 22 nov. 2012. 18 Idem. 19 FREIRE, Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 16 set. 2013. 20 Idem. 21 Idem. 22 A M. F. Klabin e irmão, criada em 1899, na cidade de São Paulo, por Mauricio Freeman Klabin, executava, também serviços de tipografia. A Fundação da Klabin Irmãos e Cia.(KIC), por Maurício Klabin, seus irmãos Salomão Klabin e Hessel Klabin e o primo Miguel Lafer, em 1899 era responsável por importar produtos de papelaria e produzir artigos para escritório, comércio, repartições públicas e bancos. FONTE: <http://ri.klabin.com.br/static/ptb/historico.asp?idioma=ptb>. Acesso em 22 de agosto de 2013. 23 Criada por Victor Civita (1907- 1990), como Editora Abril, o grupo Abril expandiu-se sendo atualmente um dos grupos mais influentes no campo de comunicação da América Latina. A editora que começou seus trabalhos com o lançamento da publicação O Pato Donald, na década de 1950, expandiu suas publicações na década seguinte com o crescimento da ‘família Disney’.A Editora Abril publica atualmente 53 títulos que atende aos mais diferentes públicos. (FONTE: <www.grupoabril.com.br>. Acesso em 21 de agosto de 2013. 24 CYMBALISTA, Célia. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 02 dez. 2012. 25 BARBOSA, Ana Mae. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 30 nov. 2012. 26 Há uma cópia deste documento em anexo. FONTE: Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa. 27 FREIRE, Madalena. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 16 set. 2013. 28 BARBOSA, Ana Mae. Entrevista concedida a Sidiney Peterson. São Paulo, 30 nov. 2012. 29 Idem. 30
Idem.
REFERÊNCIAS BARBOSA, Ana Mae. Escolinha de Arte de São Paulo: fundamento, andamento. Revista Educação para o Desenvolvimento. São Paulo, nº 14, p. 09-18, 1969. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
26
REVISTA
APOTHEKE ________. A cultura Visual antes da cultura visual. Porto Alegre: Revista educação. V. 34, nº 03, set/dez 2011, p. 293- 301. BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Fernanda Pereira da (org.). Abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2010. BREDARIOLLI, Rita Luciana B. Das lembranças de Suzana Rodrigues: tópicos modernos de arte e educação. Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA-USP, 2004. CARVALHO, Cibele Regina de. Um estudo sobre a docência na vida e na obra de Anita Malfatti. Dissertação, Instituto Presbiteriano Mackenzie. 2007. CIRNE, Moacy. A explosão criativa dos quadrinhos. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1970. COUTINHO, Rejane G. A Coleção de Desenhos Infantis do Acervo Mário de Andrade. Tese de Doutorado, São Paulo: ECA- USP, 2002. ________. Sylvio Rabello e o desenho infantil. Dissertação, ECA/USP,1997. ___________. O que fazer com a Cultura Visual da Escola? VIS- Revista do Programa de Pós-Graduação em Arte. Brasília, v. 8, nº 1, jan/jun 2009, p. 60-67. ________. Considerações sobre a construção do ideário da Arte Infantil In:OLIVEIRA, Marilda O. de (org.). Arte, Educação e Cultura. Santa Maria: UFSM, 2007. ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1979. ___________. Obra Aberta. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1985. FREEDMAN, Kerry. Cultura visual e identidad. Cuadernos de Pedagogía. Barcelona,n.312, p.59-61, 2002. LIMA, Sidiney Peterson F. de. Escolinha de Arte de São Paulo: instantes de uma história. Dissertação. IA-UNESP, São Paulo, 2014. ___________. Escolinha de Arte no Brasil: movimentos e desdobramentos In ANPAP, 2012. LIMA, Sidiney Peterson F. de; COUTINHO, Rejane Galvão. Abordagem Triangular:ziguezagueando entre um ideário e uma ação reconstrutora para o ensino de artes In:Arte/Educação: Corpos em trânsito, XXII CONFAEB, São Paulo: UNESP, 2012. LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. LOWENFELD, Viktor; BRITTAIN, W. L. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo: Mestre Jou. 1977. RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. SILVA, Marta Regina Paulo da. Histórias em quadrinhos e leitura de mundo: a linguagem quadrinhística na formação de professores e professoras. In: NETO, Elydio dos Santos; SILVA, Marta Regina Paulo da. (Orgs). Histórias em Quadrinhos e Educação: formação e prática docente. São Bernardo do Campo: UMESP, 2011.
Sidiney Peterson http://lattes.cnpq.br/7897838185394600 Doutorando do Instituto de Artes da UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita - na Área de Concentração de Arte e Educação; Linha de Pesquisa de Processos Artísticos, Experiências Educacionais e Mediação Cultural; Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP - na Linha de Ensino de Aprendizagem da Arte (2014); Graduado em Pedagogia pela Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG)/ Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em 2010.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
27
REVISTA
APOTHEKE O professor-artista como vírus Joaquim Jesus (I2ADS)
RESUMO Este texto assume-se como um exercício de reflexão e análise crítica ao conceito, histórica e socialmente construído, de professor-artista. Assim, mais do que esgrimir argumentos contra ou a favor este conceito, procura-se num movimento múltiplo perceber nas tensões como se gera um professorartista, com que intuito e com que efeitos. No limite consideraremos que a figura dupla criada pelo sujeito na sua relação com a arte e a educação, ao provocar uma infeção no seu sistema de representações, potenciará uma transformação do sujeito. PALAVRAS-CHAVE: professor-artista; artes visuais; prático reflexivo; produção de subjetividades. Abstract This text assumes itself as an exercise of reflection and critical analysis of the concept, historically and socially constructed, of the artistteacher. Therefore, more than brandish arguments in favor or against this concept, we will seek to understand in their tensions, the way it generates an artist-teacher, for what purpose and with what effects. In the limit, we will consider the double figure created by the subject in relation to art and education that, causing an infection into his code of representations, will enhance a transformation of the subject. Keywords: artist-teacher; visual arts; practical reflexive; production of subjectivities.
Origem e classificação do vírus [O que é? O que leva alguém a dizer-se professor-artista?] A palavra ‘artista-professor’ é fascinante, pois a mescla híbrida
que
propõe
é
sedutora.
Contudo,
não
nos
podemos
esquecer que ela mesma é uma nomeação. Uma catalogação saída do
campo
visuais.
da
literatura
Logo,
como
que
se
dedica
qualquer
ao
ensino
classificação,
das
artes
cumpre
um
propósito de organização conforme um conjunto de critérios, que
se
assumem
essenciais
para
corrigir
uma
determinada
desordem ou tensão existe. Daí que nos devamos perguntar, por um lado, que tipo de desordem se pretende combater e, por outro, a que critérios esse enervamento se deve sujeitar. Não menos
importante
também
é
saber
quem
estabelece
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
esses
28
REVISTA
APOTHEKE critérios nominativos e com que intuito. Mas pensar estas questões exige saber o que se entende por professor-artista, para depois perceber as razões pelas quais alguém se torna num. Assim sendo, e no intuito de situar estas questões
pela
reflexão
sobre
a
minha
própria
condição
de
professor e artista, tive a oportunidade de ler um artigo de Alan
Thornton
(2005)
-
The
Artist
documento,
o
autor
Teacher
as
Reflective
Practitioner. Neste identidade
do
afirma
professor-artista
que
a
construção
interrelaciona-se
com
de
três
mundos distintos: o da arte, o da educação e o da educação artística, práticas,
sendo
que
história,
cada
um
cultura
destes
e
detém
literatura
um
que
conjunto têm
que
de ser
assimiladas pelo professor-artista através de um exercício de autorreflexão (2005,p.167). É então que Thornton (2005), num contexto de tensões, nos apresenta o professor-artista como: i) uma pessoa que está envolvida com a prática artística e com o
ensino;
ii)
artistas
que
baseando
a
possui
características
historicamente sua
relação
se
próximas
dedicaram
pedagógica
de
outros
também
ao
ensino,
numa
imagem
de
mestre/aprendiz; iii) as suas motivações e convicções estão baseadas na sua prática artística e no seu comprometimento com o mundo da arte; iv) pode apresentar características paternais ou maternais que incitam os alunos a resolver os problemas por si próprios e a acreditar, tal como um progenitor, no valor da autoeducação;
v)
sente
a
tensão
entre
a
função
social
da
educação e a autonomia do artista; vi) encara o ensino como uma
espécie
artística;
de
mecenato
vii)
representações
em
está
para
a
sujeito
torno
da
promoção
aos
mitos
profissão
da que
artista
sua
prática
povoam e
da
as sua
personalidade, mais concretamente na ideia que para se ser artista se deve ter um comprometimento assumido e puro para com
o
seu
métier
(Idem.p.167-168).
Ser
professor-artista
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
é
29
REVISTA
APOTHEKE assim
uma
maneira
profissional.
de
Este
estar
encara
na
a
vida,
sua
tal
prática
como
uma
artística
prática como
um
aspeto importante para a sua prática docente e vice-versa, mas onde “os problemas e dificuldades em manter uma prática dual são bem reais” (Thornton,2005,p.171). Deste modo, parece que Thornton (2005) inicia o gesto a partir das teorias de Schön (1983), dizendo que a reflexão em ação - antes, após e durante -, é uma das formas de resolver as tensões e os conflitos de identidade
que
advêm
da
prática
dual
do
professor-artista.
Resta-nos questionar essas práticas e seus efeitos? Ora
as
práticas
dirigidas
a
fomentar
esta
reflexão
baseiam-se em “instruções para que o professor se observe a si mesmo no
seu
trabalho,
registo dessas
assim
como
em
questionários
auto-observações”, às quais eu
para
o
acrescentaria
também o uso do diário de bordo/gráfico, das entrevistas, dos registos
fotográficos
e
vídeos
complementados
ou
não
pelos
princípios da artografia (Larossa,1994,p.64). O aqui está em jogo não é transformar “o que o professor faz ou o que sabe, mas fundamentalmente a sua própria maneira de ser em relação ao seu trabalho (Idem,p.49-50). Por isso a autorreflexão, a autoavaliação e o autocontrole são “práticas pedagógicas” que se
podem
assumir
como
“espaços
institucionalizados”
de
mediação, nos quais os sujeitos encontram ferramentas para o desenvolvimento
pleno
da
sua
“autoconsciência
e
autodeterminação, ou para a restauração de uma relação consigo mesmo” (Idem,p.44-45). Todavia, estas “práticas pedagógicas” mais do que oportunidades favoráveis para o desenvolvimento da autoconsciência, vistas
como
autonomia
“mecanismos
de
e
autodeterminação,
produção
de
devem
experiência
de
ser si”
(Idem,p.44). Uma combinação que promove um desdobramento entre a própria pessoa e uma imagem exterior especular, formando um duplo que se faz visível por uma vontade de autoconhecimento do próprio – o professor-artista. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
30
REVISTA
APOTHEKE Será diante desta imagem que muitos professores munidos com
os
seus
sistemas
de
representação
reagirão
a
esta
nomeação, pois a escolha de uma identidade profissional é uma etapa importante na “afirmação do eu”, e onde contornar essa escolha
pode
levar
a
uma
“dispersão
do
sentimento
de
identidade pessoal” (Huberman,1995,p.40). Assim, o sujeito que se diz professor-artista ao aprender a nomear-se, “a fabricar um duplo discurso mais ou menos estável”, está a reduzir a sua própria “indeterminação” e tensão, já que ao dizer-se a pessoa tranquiliza-se” (Larossa,1994,p.81). Formação
e
desenvolvimento
do
vírus
[Como
se
gera
um
professor-artista?] O discurso daqueles que habitam a cidade escolar tem sido responsável, em parte, por cultivar estereótipos em torno do professor de artes visuais, produzindo um determinado tipo de habitante
que,
quando
dito
e
redito
ano
após
ano
num
determinado contexto, se torna promotor de inseguranças entre os artistas que ao longo dos anos apostaram a sua carreira no campo da educação. António Nóvoa (1999) refere que se é certo que a “acção educativa”
sempre
significativas
de
se
pautou
por
complexidades
imprevisibilidade”,
“estas
e
“margens
características
são ainda mais marcadas nos dias de hoje”, onde todo o género de instituições vê colocado em risco os seus arquétipos de ação, outrora bem definidos e delimitados, face a uma complexa mutação
interdisciplinar
de
áreas
e
saberes
num
espaço
altamente complexo. Então, face a este cenário, o mesmo autor diz-nos
que
o
“reforço
de
práticas
pedagógicas
inovadoras,
construídas pelos professores a partir de uma reflexão sobre a experiência”, parece ser a única saída possível (1999,p.18). É deste modo que é pedido aos professores para refletirem sobre
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE a sua experiência, de forma a produzirem conhecimento que os ajude a lidar com essa mesmas mudanças. Trilhando o caminho por entre as teorias de Schön (1983), o professor que se debruça sobre um determinado saber-fazer pode experimentar a dúvida, o espanto ou confusão de estar perante uma situação inconstante e singular. Para isso deve entregar-se
a
uma
reflexão
prévia,
durante
e
após
o
seu
processo de trabalho, na procura constante dum refinamento das suas práticas que o possam levar a alterar caminhos. Daí que quando alguém reflete em ação “torna-se um investigador em contexto
prático”,
estando
habilitado
para
construir
novos
caminhos e outras possibilidades. A sua investigação não se limita a uma deliberação sobre os meios, que depende de um acordo prévio sobre os fins, pois ele não mantém os meios e os fins
separados,
desenvolve
antes
ou
os
define
constrói
interactivamente
uma
situação
enquanto
problemática
(Schön,1983,p.68). Ora
este
32 processo
de
reflexão
ganha
contornos
interessantes se pensarmos na condição de professor e artista, no sentido em que “prática reflexiva pode ser uma maneira de realizar
a
identidade
do
professor-artista”
(Thornton,
2005,p.173). Vejamos como. Quem
não
(re)conhece,
na
sua
comunidade
escolar,
o
professor de artes visuais como aquele professor que todos os alunos gostam. Aquele que, aparentemente mais do que qualquer outro professor, monta um espetáculo, tem graça e tem carisma (Perissé,
s/d).
improviso
para
Aquele qualquer
que
tem
situação
sempre
uma
inesperada,
resposta
de
combinando
e
recombinando um conjunto de processos. Aquele que relativiza normas
e
verdades.
Espanta
o
medo
porque
não
tem
medo
da
punição: “sofre, mas não desiste de ridicularizar a idiotice humana, o sadismo humano que consiste em reprimir o humano que há em nós e nos outros” (Perissé, s/d). Por isso olha o mundo ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE com uma visão crítica, lúcida e lúdica; não teme o ridículo, critica tudo e todos, partindo de si próprio. Como não cede da irreverência
que
possui,
do
político
que
habita
em
si,
questiona as práticas pedagógicas institucionalizadas, a vida burocrática e as rotinas. Ora
tudo
profissionais
isto
são
tributárias
“ingredientes
do
das
voluntarismo
narrativas
inspirado”
e
que
contribuem para a construção de um palco, onde a atividade do professor podendo,
se ao
aplicados
desenrola contrário
a
como
do
uma
que
qualquer
espécie
lemos
outro
nesta
de
espetáculo,
descrição,
professor
serem
(Correia
&
Matos,2001,p.17). Contudo, quando as comunidades escolares se tendem a se fixar neste tipo de descrição, associando a ideia de voluntarismo inspirado ao professor de artes visuais, ao mesmo tempo que se aproximam duma concepção social de artista, também
se
afastam
duma
ideia
social
de
professor
criando
dispersão e conflitos no espaço identitário dos sujeitos. Daí que
perante
reativo
do
necessidade,
desta que
ideia
de
pensativo,
como
um
sujeito
muitos
professores
de
de
voluntarista,
nós
artes
nos
mais
vejamos
visuais,
de
na nos
pensarmos a nós e às nossas práticas pela reflexão, tornandonos em práticos reflexivos. É então que enquanto professor com uma formação artística sou levado a questionar-me se o que se pretende quando me penso, me digo, me regulo e me avalio, é dizer-me prático reflexivo, como se de alguma forma esta nomeação concedida pela reflexão criasse uma bolha no meu espaço identitário, uma personagem que me permitisse circular de cabeça erguida pela comunidade escolar, porque de alguma forma a minha condição ‘artista’ ao narrar-se como pura e reativa não poderia ser reflexiva. Então coloco duas questões. Se enquanto artista reflito constantemente sobre a minha atuação,
antes,
durante
e
após
a
minha
atividade,
já
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
não
33
REVISTA
APOTHEKE estarei a ser endogenamente reflexivo? Ou, pelo contrário, se tenho uma atividade como artista que se centra num determinado saber-fazer só poderei ser entendido como um prático? Quero dizer,
se
o
professor-artista,
entendido
como
um
prático
reflexivo, poderia criar cenários que lhe permitissem operar deslocamentos no seu posicionamento de modo a pensar as suas práticas num processo de transformação permanente, permitindolhe um afinamento progressivo das mesmas e a construção de uma identidade estruturada (Thornton,2005), isto não é o mesmo que falar do meu modus operandi como artista? Leonardo
da
Vinci
já
afirmava
que
a
pintura
era
cosa
mentale e Francisco de Holanda dizia declaração de pensamento. Por
isso,
parece-me
que
implicar
um
artista
que
tem
uma
prática continuada num campo da reflexividade, é algo que, pela sua natureza, se torna redundante. Deste modo, poder-nosíamos questionar sobre os olhares e os discursos que pretendem marcar um determinado contorno fixo para o campo artístico e, neste caso concreto, para o professor-artista e para o ensino das
artes
visuais.
O
que
se
pretende
com
esta
dupla
reflexividade? Desconhecimento ou intenção deliberada? Numa posição
inversa,
também
nos
poderíamos
interrogar
também sobre o porquê de um professor de artes visuais ser adjetivado de artista. Será que o professor de artes visuais tem sempre que ser um artista? Não pode ser apenas professor de desenho ou de educação visual, tal como um professor de matemática ou português, por exemplo. Será um ramo específico da
profissão
como
existe
o
engenheiro
civil,
o
engenheiro
informático, o engenheiro eletroténico, o engenheiro mecânico, etc.. É que quando colocado desta forma o artista mais parece uma caracterização de modos de ser e de estar na profissão professor. Descrito assim, o artista parece ser um adjetivo possuidor de saberes globais e globalizantes, experienciais e secundarizantes da habilidade docente (Terrasêca,1996). LigaISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
34
REVISTA
APOTHEKE se a um nível da formação que pode ser do tipo experiencial, longa/contínua, emanada
do
formal/informal,
mestre,
da
assumir
autoformação
ou
uma da
orientação
apropriação
de
técnicas. Torna-se sinónimo de muita autonomia, ausência de supervisão e de regras, onde a sua atividade se caracteriza por relacionar concepção e execução, fazendo uso de processos originais
e
divergente artista
técnicas
específicas
(Terrasêca,1996).
aproxima-se
da
Deste
de
modo,
imprevisibilidade
reforçando a ideia de ‘voluntarista’ livre
‘inspirado’,
forma
mais
do
que
criativa
a das
e
atividade suas
do
tarefas,
espontâneo e espírito
reflexivo.
Eu
entendo
a
reflexão como a liberdade para criar conhecimento a partir de um quadro teórico existente, que nos permite questionar o que sabemos
e
por
assumir
uma
que
processos
atitude
chegamos
autoscópica
e
a
conhecer.
autocrítica,
Isto
é
perante
a
maneira como nos relacionamos e entendemos o mundo. E aqui a prática
reflexiva
e
a
reflexividade
assumem-se
como
coisas
diferentes (Campbell,2005). A
prática
reflexiva
pode
ser
definida
como
o
uso
sistemático da reflexão, com o intuito de atingir uma maior autocompreensão
através
objetivos, motivações
e
do
relacionamento
intenções
em
ação.
de
experiências,
Ao passo
que
a
reflexividade leva em conta a presença da pessoa que está a refletir, e o efeito dessa pessoa sobre o que está a ser refletido (Ellis & Bochner,2000). Parece então que o que é necessário na prática reflexiva é uma explicitação do plano discursivo ou do mapa cognitivo em que se alicerça; o seu campo de ação e o seu posicionamento político. Só assim pode existir um continuum ao longo do qual nos podemos mover do pensamento reflexivo, como comportamento desejado, à prática reflexiva como reconhecimento do lugar identitário do sujeito no diálogo relacional consigo mesmo e com os alunos.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
35
REVISTA
APOTHEKE Deste modo, estabelecer pontes entre o artista e a prática reflexiva torna-se algo que não é casual para Thornton (2005), já que quando “geralmente os profissionais se referem a uma ‘arte’
de
artista
ensino
para
se
ou
de
referir
gestão”, aos
estes
utilizam
profissionais
“o
termo
excecionalmente
hábeis em lidar com situações de incerteza, singularidade e conflito”
(Jennings
&
Kennedy,1996,p.15
cit.
Thornton
2005,p.172). Assim o artístico liga-se menos à ação crítica, em torno de um determinado saber-fazer, e mais aquilo que por obra de uma alquimia interessa à escola dentro do campo do artístico. Posto isto, vejamos então como o objectivo da educação deveria ser entendido como a preparação de artistas. E pelo termo artista [...] não queremos dizer necessariamente pintores, dançarinos, poetas ou atores dramáticos. Nós queremos dizer indivíduos que desenvolvem ideias, sensações, habilidades e imaginação para criar um trabalho […]. O maior elogio que podemos dar a alguém é dizer que ele ou ela é um artista, seja como carpinteiro, cirurgião, cozinheiro, engenheiro, físico ou professor. As belas artes não têm o monopólio do artístico (Eisner,2008, p.9).
Ao contrário dos que afirmam, tal como Eisner, que a arte não
pertence
ao
domínio
exclusivo
das
belas
artes,
o
que
acredito quererem dizer é que a reflexividade não pertence ao domínio
exclusivo
da
arte.
Logo,
não
é
necessário
que
um
professor reflexivo tenha que ser forçosamente um professor de artes visuais, assim como um professor de artes visuais não tem necessariamente que ter uma produção artística. Daí que esta adjetivação – artista – da profissão professor, deva ser lida
como
algo
que
transporta
em
si
inventividade,
criatividade, reflexividade, pensamento divergente, etc., mas sem a isso estar ligada qualquer prática artística, qualquer saber-fazer no campo da arte. Por isso, inversamente àquilo que se retratava há pouco, um
professor
da
área
artística
pode
muito
bem
ser
um:
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
i)
36
REVISTA
APOTHEKE “professor-instrutor”, aprendizagem, assimiladas; tarefas,
com ii)
exige
aquele
respostas o
difunde
prontas
desempenhos,
profere
que
repetitivo
torna
e
ortopedicamente
e
eficazes
“professor-capataz”,
“professor-treinador”, assimilável,
que
aquele
os
o
seus iii)
que
serem reparte
protestos;
saber
exequível;
a
a
o
compreensível, ou
aqueloutro
“professor-sábio” distante, especialista, conhecedor imenso da sua disciplina e “cujo único objetivo é saber se alguém quer aprender
ou
não”?
(Perissé,
s/d).
E
por
fim,
por
que
não
poderíamos ter também um lugar para o “artista-etc”, aquele que reúne e funde outras atividades à sua raiz de artista: artista-curador, artista-ativista, artista-produtor, artistaagenciador,
artista-teórico,
artista-terapeuta,
artista-
professor, artista-químico… (Basbaum,2004). Para além dos pressupostos desta divisão bipolar, esta situação levanta a meu ver uma questão aparentemente natural, relativamente à forma como a escola na sua trama entrega o papel de prático ao artista. Se por um lado temos toda uma carga depreciativa construída em torno do campo da prática, encarada sob este ponto de vista de uma forma positivista, instrumental
e
dirigida
à
solução
de
problemas
mediante
a
aplicação de regras que o conhecimento teórico produziu; por outro, apercebemo-nos que teoria e prática são assumidas como duas
entidades
com
hierarquizados,
estatutos
concebidas
como
diferentes, diferentes
distintos
e
perspetivas
da
realidade, tendendo-se para uma subordinação dos níveis mais práticos abstratos
e
concretos,
que
fornecem
relativamente os
meios
aos
para
o
mais exame
teóricos
e
crítico
e
reflexivo das práticas (Correia:1999). Em suma, estes estereótipos são lugares que ao mesmo tempo que estão a circunscrever um saber, estão também a apontar um caminho
através
do
qual
podemos
realizar
uma
narrativa
profissional, o que me leva a pensar “porque estabelecemos uma ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
37
REVISTA
APOTHEKE fronteira entre a arte como forma de ‘cultivo’ individual e a arte
como
pensar
a
profissão?” quem
(Martins,2011,p.15).
importa
se
sou
professor
Autorizo-me ou
a
artista?
Ou
professor-artista? Onde se situa este tipo de pensamento que cria para nós a necessidade de nos inscrevermos num grande grupo
de
coisas,
segundo
categorias
e
características
específicas, criando redes que nos confortam no sentimento de pertença mas nos impedem de pensar e agir? Possibilidades de resistência [O professor-artista como infeção do sujeito ou vírus] Uma das questões mais debatidas em torno do professorartista
está
relacionada
com
a
questão
da
identidade;
ou
melhor, com a convivência de duas figuras (o professor e o artista)
com
melhor
compromissos
palavra,
que
de
vida
quando
diferentes,
interiorizadas
à
falta
no
de
espaço
identitário de um sujeito lhe provoca dispersão e conflito interior. Se
por
consideram
um
lado
encontramos
professores,
alguns
alimentando
uma
artistas
atividade
que da
se
outra
como algo essencial e inevitável. Por outro, temos artistas que desejam manter alguma distinção entre o seu lado artístico e
o
ensino,
termos
oferecendo
‘educação’
experiência
ou
escolar
contraditórias
algum
entrave
‘ensino’,
com
algumas
como
e
consequência
práticas
(Adams,2007,p.268).
distanciamento de
aos uma
traumatizantes
Concomitantemente,
e
também
os artistas que trabalham em regime de residência artística em museus, espaços culturais ou parcerias com escolas, vivem na incerteza de que papéis estão a representar quando trabalham com os alunos, mostrando-nos, por vezes, a própria tendência em que estes programas estão inseridos (Upitis,2005). Sabendo
sempre
que
é
de
um
constructo
social
de
que
partimos, podemos dizer que as delineações que vagueiam em torno do
artista
o
descrevem
como
um
sujeito com
atitudes
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE despreocupadas, atividades espontâneas, condições atípicas de trabalho, objetivos de produção tendo em vista uma exposição, exposições em galerias ou museus, etc.; enquanto o professor, por comparação, pois parece ser assim que as coisas funcionam, é visto como alguém que trabalha dentro de um sistema estável e estruturado, cujos objetivos são o sucesso dos seus alunos e não tanto os seus êxitos individuais. Neste sentido, a união destas duas entidades pode parecer confusa e frustrante para quem deseja assumir a representação de ambos os papéis, já que entra
num
dilema
baseado
nas
diferenças
de
objetivos
e
características entre ambas. Mas mais do que uma questão de convivência entre o professor e o artista, é a própria noção de
convivência,
categorização
ao
e
trazer
consigo
normalização
da
uma
certa
tensão,
que
ideia deve
de ser
questionada. Num artigo publicado na década de 50 pela Art Education, Lanier (1959) desaprovava a utilização da palavra, já que na sua opinião o professor-artista não teria lugar no campo da educação artística, pois ser artista era bastante diferente de ser professor confusões
e
professores artistas
de ter
arte.
aplicação
implicações
levam
vivem
A
vidas
num
do
negativas,
profissionais
mundo
termo já
que
muito
relativamente
poderia
gerar
artistas
diferentes.
aberto,
e Os
combinando
objetivos pessoais e profissionais, nomeadamente exposições, com a
produção de
autossustento
económico.
O
artista
é
um
espírito livre e sem restrições, enquanto o professor vive num mundo de prestação de contas (Daichendt,2010:64; Lanier,1959). É diante desta realidade que se pensarmos a palavra tensão com mais cuidado, veremos que ela pode significar: i) ao nível fisiológico um estado de rigidez dos corpos; ii) ao nível da eletricidade a diferença de potencial entre as extremidades de um condutor = voltagem; iii) ao nível da física a força de expansão dos fluidos elásticos. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
39
REVISTA
APOTHEKE Isto
quer
dizer
professor-artista
que
podem
as
tensões
assumir
que
várias
rodeiam
formas,
o
pelo
termo que
a
pessoa que a ele se associa não terá necessariamente que se colocar
numa
expansão,
posição
algo
em
rígida,
podendo
movimento.
Neste
assumir caso,
uma
força
Anderson
de
(1981)
constatou que “entre os papéis do artista e professor de arte, deve-se ter em mente que o papel de cada um não é uma entidade separada,
mas
que
há
uma
grande
quantidade
de
fusão
interdisciplinar” (1981,p.45). Se
por
um
experimentação, problemas.
lado
o
conceito
de
‘artista’
produção
e
uma
outro,
o
‘professor’
Por
forma
de
valoriza
pensar mais
a
sobre
os
que
um
do
especialista é também um agente manipulador e criativo que se adapta, reage e cria ambientes onde incita os alunos a pensar por meio de conceitos e questões visuais. Por isso, da mesma forma que um ‘artista’ utiliza vários médiuns para exprimir as suas ideias, o ‘professor’ manipula objetos táteis, sons, voz e conceitos para mobilizar um ambiente de aprendizagem. Deste modo, o professor-artista torna-se numa adaptação constante de dois
campos
onde
o
engenho
artístico
se
presta
ao
ensino
(Daichendt,2010,p.65). Todavia, viver na junção de dois campos que
interagem
não
é
só
viver
numa
zona
de
contacto,
como
também é estar continuamente numa zona inflamada. E como bem sabemos, as inflamações são reações do organismo às infeções produzidas por um corpo estranho – o antigénio. Tomando esta metáfora como exemplo, o professor-artista ao se assumir como um corpo estranho que está a invadir o sujeito e o está a infetar, consequentemente o seu sistema imunitário irá ativar-se e produzir anticorpos. Poderíamos admitir que perante
esta
situação
se
impusesse
ao
sujeito
artista
desenvolver antigénios, corpos estranhos ao organismo escolar, de
forma
a
infetá-lo
e
observar
nessa
reação
movimentações dos seus anticorpos (Groys,2009).
o
tipo
de
Uma posição
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE que significa nos aceitarmos como bancada de experimentação, um pouco à semelhança do estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, onde como indivíduos infetados nos pudéssemos pensar a nós próprios e criarmos campos de resistência. Só desta forma poderíamos equacionar colocarmo-nos numa posição contrária à do
médico
ou
do
técnico,
que
procura
corrigir
o
mau
funcionamento ou deficiência de uma peça ou de um corpo. Deste modo,
os
artistas
e
o
ensino
da
arte
deveriam
seguir
a
alegoria da evolução biológica, no sentido em que os “artistas precisam de alterar o sistema imunológico da sua arte, de modo a incorporarem novos bacilos estéticos para sobreviver a elas, e encontrar um novo equilíbrio interior, uma nova definição de saúde”
(Malevitch
função
do
‘desativar’
cit.
artista a
Groys,2009,
na
imunidade
escola do
p.28).
passaria
estudante,
Sendo
assim,
precisamente
permitindo-lhe
a
por estar
constantemente infetado e doente. Relativamente aos professores, se por um lado são estes que tendencialmente se deixam ‘isolar’ mais, permitindo mais facilmente à escola identificá-los, analisá-los e imunizá-los; por outro, é precisamente neste isolamento que se potenciam também as melhores condições para o desenvolvimento da infeção (Groys,2009). Um espaço de transformação e desprendimento de si, onde o político, o animal e o artístico que habitam em nós não encontrassem equilíbrio entre o ensino e o fazer arte, mas antes uma tensão que inflamasse estas articulações ao ponto de gerar
uma
infeção,
identitário do
cujos
antigénios
deixassem
o
organismo
sujeito professor-artista em dificuldades de
imunidade, ao ponto dele próprio se tornar numa espécie de vírus, um ser vivo sem qualquer classificação biológica, que não se enquadra em nenhuma categorização. Em
suma,
contraditórios
ainda com
os
que
os
objetivos
objetivos
do
do
artista
professor,
pareçam
acredito
que
entender a educação do ponto de vista do artista oferece um ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE grau zero de escrita para que outras possibilidades e desvios aconteçam, ainda que num lugar de compreensão aparentemente ilógica ou intraduzível. Assim, como o pensamento artístico está
em
constante
devir,
qualquer
forma
de
ensino
que
se
baseie nela terá forçosamente que a acompanhar, ou será tão eficaz como tentar ensinar a uma planta o alfabeto, ou um quadro a uma lebre morta. Contudo, mesmo que a racionalidade técnica desta relação possa ser superada a favor da interação e se possam encontrar, metaforicamente, semelhanças entre o professor e o artista, a verdade é que ela não deixa de ser precisamente o que é: uma metáfora. REFERÊNCIAS ADAMS, J. (2007) Artists Becoming Teachers: Expressions of Identity Transformation in a Virtual Forum. International Journal of Art & Design Education, 26 (3), pp.264-273. ANDERSON, C. H. (1981). The identity crisis of the art educator: Artist? Teacher? Both?. Art Education, 34(4), pp.45-46. BASBAUM, R. (2004). I Love Etc.-Artist. In Jens Hoffmann (eds). The next Document should be curated by an artist. Frankfurt: Revolver Archiv für aktuelle Kunst. CAMPBELL, H.L. (2005). Spiritual Reflective Practice in Preservice Art Education. Studies in Art Education: A Journal of Issues and Research Studies in Art Education, 47(1), pp.51-69 CORREIA, J. (1999). Os lugares-comuns na formação de professores. Porto: Edições ASA. CORREIA, J. & MATOS, M. (2001). Solidões e solidariedades nos quotidianos dos professores. Porto: Edições Asa. EISNER, E. (2008). “O que a educação pode aprender das artes”. Currículo sem Fronteiras,8(2), pp.5-17. ELLIS, C, & BOCHNER, A. (2000). Autoethnograpby, personal narrative, and reflexivity: Researcher as subject. In N. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), The handbook of qualitative research (2nd ed.), (pp.733-768). Thousand Oaks, CA: Sage Publications. DAICHENDT, J. (2010). Artist-Teacher: a philosophy for creating and teaching. Chicago: The University Chicago Press. GROYS, B. (2009). Education by infaction. In S. Madoff (Eds.), Art School: (Propositions for the 21st Century) (pp.15-32). Massachusetts: MIT press books. HUBERMAN, M. (1995). O Ciclo de vida profissional dos professores. In A. Nóvoa (Org), Vidas de professores (pp.31-61). Porto: Porto Editora. JENNINGS, C. & KENNEDY, E. (1996). The reflective professional in education. Londres: Jessica Kingsley LANIER, V. (1959). Affectation and Art Education”. Art Education, 12(7), pp.10-21. LARROSA, J. (1994). Tecnologias do eu e educação. In Tomaz T. da Silva, O sujeito da educação (p.35-86). Petrópolis: Vozes. MARTINS, C. (2011). As narrativas do génio e da salvação: a invenção do olhar e a fabricação da mão na Educação e no Ensino das Artes Visuais em ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
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Joaquim Jesus info@joaquimjesus.com Doutor em Educação Artística e Membro Integrado do Núcleo de Educação Artística (nEA), do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (I2ADS), Faculdade de Belas Artes, Universidade do Porto.
43
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE [entre]margens poéticas e pedagógicas Elaine Schmidlin(UDESC) RESUMO O texto apresenta as relações (in)tensas entre o poético e o pedagógico, as quais foram experimentadas durante o processo de um curso de licenciatura, bem como pretende contribuir com a produção de uma diferença de sentido para a formação docente. A escrita, em forma de ensaio, propõe entrelaçamentos com a filosofia e a literatura e deriva de encontros ocorridos em disciplinas de estágios curriculares, em que estudantes foram provocados a pensar um trabalho poético a partir de projetos de ensino e relatórios que consistem de trabalhos pedagógicos obrigatórios para atuação em escolas. Com a finalidade de provocar uma diferença em modos de viver a vida e a docência, essas proposições, em formato de publicações artísticas, tinham o propósito de agir como dispositivos para esburacar a representação docente padrão, usualmente construída no processo de formação. Palavras-chave: Pedagógico; Poético; Formação docente; Diferença. ABSTRACT This paper presents the (in)tense relations between the poetic and the pedagogical, which were experienced during the process of a teaching undergraduate course, and also aims at contributing to the production of a difference of meaning in the teacher training. In the form of an essay, it proposes the intertwining with philosophy and literature, and resulted from meetings held during the curricular structured teacher training, when students were challenged to think a poetic work inspired in pedagogical projects and in reports about educational works which are required for the professional performance in schools. In order to cause a difference in the ways of living life and teaching, these propositions, shaped as artistic publications, were meant to act as devices to make holes in the standard teaching representation, which is usually built in the training process. Keywords: Pedagogical; Poetic; Teacher training; Difference.
[entre]Margens [...] numa canoinha de nada, nessa água que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro – o rio. João Guimarães Rosa
Rio abaixo, rio acima, numa canoinha de nada, permaneço “naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa,
para
dela
não
saltar,
nunca
mais.”
(ROSA,
2005,
p.78). Nesse meio, entre margens, surge a escrita em torno da arte como manifestação poética e o ensino de arte como proposição
pedagógica,
ambos
envolvidos
em
uma
formação
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE inicial de licenciatura. Essa relação poética e pedagógica pode contribuir para produzir uma diferença em modos de ser docentes? Certamente, importância da
muitas arte
publicações
para
a
já
educação.
evidenciaram
Entre
elas,
a
Elliot
Eisner, com o artigo “o que pode a educação aprender das artes sobre a prática da educação?”, Herbert Read, com “a educação
através
experiência”
da
são
arte”
e
fontes
John
Dewey,
referenciais
com
“arte
como
importantes
para
artigos e textos que ressaltam a importância do pensamento artístico para a educação. Entretanto, na graduação em artes visuais (bacharelado e
licenciatura)
aparece
uma
relação
dicotômica
entre
o
poético e o pedagógico, entre o artista e o professor, ou seja, entre arte e ensino de arte. Essa dicotomia colabora com
um
pensamento
criação
na
representação
representacional
docência. volta-se
Esse para
incapaz
pensamento a
busca
de em
de
afirmar torno
uma
a da
identidade
docente que em nada contribui para o percurso da formação, especialmente no período dos estágios curriculares, em que muitos estudantes se deparam com perguntas. Entre elas, a questão de como se torna professor(a). Como salienta Pereira, “[...]chamo professor o sujeito que se produz em uma prática de ensinar, de trabalhar na formação de (PEREIRA,
outros
2013,
sujeitos,
p.13).
em
Essa
uma
prática
produção
ou
de
educar.”
configuração
docente, sem dúvida, deve se constituir na prática em um estado de desequilíbrio permanente, para que formas e modos de ser docente se reconfigurem continuamente. Entretanto, nas escolas em geral, essa prática docente se mostra referenciada em um modelo representativo que busca um
perfil
pedagógicos
de
uma
identidade
preconcebidos.
A
estabelecida partir
dessa
em
modos questão
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE problemática, como pode a experiência com a arte afetar a formação do licenciando de modo a produzir a criação da diferença em seu exercício docente nos estágios curriculares supervisionados? [uma] Margem Na formação inicial se encontram as disciplinas dos estágios
curriculares
supervisionados,
em
que
estudantes
realizam observações sobre as práticas do professor de arte no
campo
de
atuação,
para
posteriores
reflexões
e
elaborações de projetos de ensino e planejamento de aulas. Essas
observações,
em
sua
maioria,
evidenciam
um
ensino
artístico muito voltado para um conteúdo histórico sobre arte, oferecendo pouca experiência com a materialidade da arte na escola. Esse fato tem provocado reflexões por parte dos
estudantes/estagiários
licenciatura, artísticas
pois,
O
tem
desenvolvidas
consonância com estágio.
se
quanto
a
licenciando
a
que
âmbito
docente
tem
formação
verificado
nesse
prática
à
inicial as
práticas
não
observada
oportunidade
em
estão no
de
em
campo
de
vivenciar,
durante a sua formação, diversas experiências artísticas em ateliê, porém, na escola, o tempo é limitado e nem sempre se dispõe
de
garantir
espaço
essa
físico
experiência
adequado. com
a
Afinal,
arte
em
não um
há
espaço
como com
carteiras e cadeiras que (quase) impossibilitam o trabalho artístico. Isso também afeta a prática docente. A partir disso, como provocar então a criação de outros modos pedagógicos fora dos modelos e representações docentes conhecidos em um contexto tão tradicional como a educação escolar? Parece que o ensinar com arte ainda é algo que deixa o professor com receio de voltar a um ensino, próximo ao que era na década de 80, quando a arte na escola era ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE reduzida a uma atividade, algo que, infelizmente, ainda se observa em muitas escolas. Nas práticas de alguns docentes ainda
se
configura
um
ensino
de
arte
que,
ora
está
preocupado com um conteúdo sobre arte, ora com a expressão artística. Essas questões são importantes para o contexto do ensino,
pois
uma
não
deve
excluir
a
outra.
Entretanto,
parece que o ensino sobre arte se sobrepõe ao ensino com arte tornando o conhecimento, nessa área, apenas informação e a expressão artística, um resultado do processo da leitura de uma imagem de arte. A criação de uma poética que envolve o pensamento visual
deixa
de
ser
considerada
na
prática
docente do licenciando que, no entanto, a vivencia em sua formação nas disciplinas práticas de linguagens artísticas oferecidas pelo curso.
Poderia esse exercício poético de
experimentação artística esburacar modelos de representação docente na graduação em licenciatura? Para estágio
tanto,
em
curricular,
provocados
a
pensar
um
dos
os
encontros
na
disciplina
estudantes/estagiários
poeticamente
a
questão
de
foram
pedagógica,
aproximando o fazer arte do ensinar arte. Algo que, muitas vezes, por
inúmeras
razões,
se
apresenta
como
uma
linha
divisória entre bacharelado e licenciatura. Parece que, ao professor cabe o pedagógico e, ao artista o poético. No entanto, o poético está na vida de cada um, em suas escolhas estéticas
pessoais,
constituintes
de
qualquer
sujeito
em
formação. O exercício poético foi realizado a partir do projeto de ensino e do relatório, ambos obrigatórios para atuação nos
campos
de
estágio.
Manteve-se,
ainda
assim,
nesse
trabalho, o cuidado com a sistematização da construção do projeto de ensino e, também, com a reflexão sobre a atuação nos estágios, os quais não foram excluídos da construção poética, mas incorporados a ela. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Ao
final
apresentaram
dos
suas
encontros,
os
publicações
e,
estudantes/estagiários por
atravessamentos
e
afecções, passaram, também, a questionar a formação docente e, de certo modo, a produzir diferença em suas próprias concepções do tornar-se professor e artista.
Publicação Artística – Autor: Leonardo Irineu José de Souza (2015) Projeto e Relatório – Vídeo Experimental
48 Alguns
experimentaram,
eles
mesmos,
suas
proposições
pedagógicas e artísticas oferecidas aos estudantes, e as colocaram
em
palavras e
suas
imagens
publicações; produzindo
outros, textos
interferiram
visuais,
como
com o
de
Leonardo, que trabalhou no estágio o olhar do estudante para a
escola,
o
que
resultou
na
produção
de
vídeos
experimentais. De certo modo, todos tiveram a preocupação de realizar
suas
reflexões
acerca
da
experiência
docente,
valorizando o que Pereira denomina de professoralidade: Estou entendendo que a professoralidade não é uma identidade que um sujeito constrói ou assume ou incorpora, mas, de outro modo, é uma diferença que o sujeito produz em si. Vir a ser professor é vir a ser algo que não se vinha sendo, é diferir de si mesmo. E, no caso de ser uma diferença, não é a recorrência a um mesmo, a um modelo ou padrão. (PEREIRA, 2013, p.35)
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REVISTA
APOTHEKE Essa
importante
experimental
questão
poético,
pois
foi
foi
ativada
pelo
necessário
exercício
desconstruir
a
docência como representação de uma identidade, no intuito de apontar para a possibilidade de uma educação como produção de uma
diferença.
Ainda
hoje,
as
representações
docentes
são
formas estáticas que nos levam a figurar uma docência padrão, estereotipada, que amarra a vitalidade da criação e contribui para um ensino sobre arte, que inclui a escrita de projetos e relatórios. Apesar de serem importantes para a atuação nos estágios,
os
mesmos
são
vistos,
geralmente,
como
algo
que
prioriza os aspectos pedagógicos. Entretanto, o exercício da poética
pode,
de
algum
modo,
vitalizar
e
ampliar
contatos
estéticos, propondo vivências com a materialidade da arte que abrem
interstícios
e
fendas
para
o
acontecimento,
o
inesperado. Porém, O acontecimento não é o que acontece (acidente), ele é no que acontece o puro expresso que nos dá sinal e nos espera. [...] ele é o que deve ser compreendido, o que deve ser querido, o que deve ser representado no que acontece. (DELEUZE, 2003, p.152
Penso poético
que
atuam
os como
acontecimentos forças
que
decorridos
do
desequilibram
exercício a
suposta
estabilidade do sistema pedagógico, projetando-o no movimento, em um bloco de sensações que realiza uma torção no sentido representativo da forma docente, pensando arte como perceptos e afectos, como diria Deleuze.
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REVISTA
APOTHEKE
Publicação Artística – Autora: Maria Eduarda Müller(2015) Projeto e Relatório – As cidades invisíveis
É uma força que nos move a múltiplas conexões. Como aquela que move o trabalho de Maria Eduarda (Duda), que abre um olhar para a cidade tornando visível suas (in)visibilidades. Talvez, algo a impulsione e faça querer outros caminhos que, muitas vezes, não foram aqueles que a moveram inicialmente, mas que, de alguma forma, estavam latentes e a moveram em atos de criar outros modos de ser docente, sendo também poética. As experiências poéticas no exercício docente poderiam, então,
ser
arrastam
compreendidas
alguns
clichês
como em
um
movimento
projetos
de
forças
pedagógicos
que para
potencializar a própria formação docente em artes visuais, ser compreendidas, como encontro que articula no acontecimento um sentido, pois “a experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova”. (LARROSA, 2015, p.26)
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REVISTA
APOTHEKE
Publicação Artística – Autora: Graziela Martins(2015) Projeto e Relatório – Uma Versão dos HQs
Encontros como os registrados no caderno de desenho de Graziela, povoado de recortes de autores, imagens de histórias em quadrinhos, fantasias, desejos e potências expressos quase como em um diário, carregado de experiências que se provam à medida
que
se
realizam.
estudantes/estagiários, longe de
Outras
publicações
dos
se abrigarem no conhecido,
desalojaram-se de seus lugares para experimentar outros modos de realizar seus trabalhos e exercícios pedagógicos.
Publicação Artística – Autora: Fabiana Vargas Quevedo(2015) Projeto e Relatório – História em Quadrinhos (HQ): processo de criação como forma de aprendizado
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REVISTA
APOTHEKE Fabiana histórias
criou
sobre
narrativas
a
em
construção
de
seu
caderno,
uma
HQ
contando
em
invenção
metodológica, em que participaram, também, os estudantes do campo do estágio. Cabe
salientar
que
os
estágios
curriculares
relatados
ocorreram em uma instituição pública localizada no centro de Florianópolis (SC). A mesma possui em sua estrutura bastante ampla
uma
sala
de
artes
que
professores. Entretanto, muitos
é
pouco
utilizada
pelos
estágios ocorreram em aulas
faixas, o que possibilitou a ida a sala de artes equipada com mesas
maiores,
pincéis
e
banquetas,
tintas
para
aparelhos
pintura,
de
entre
vídeo outros
e
televisão,
materiais.
A
escola segue os Parâmetros Curriculares de Santa Catarina em suas ações educativas, norteadas pela visão sócio histórica de aprendizagem em Vygotsky. Outras
publicações
foram
produzidas,
mas
não
estão
mencionadas neste texto. Porém, cabe salientar que todos os trabalhos
produzidos
relevantes
para
o
pelos
exercício
estudantes/estagiários reflexivo
da
prática
foram docente
desenvolvida no campo de estágio, e também salientaram a tênue margem entre a poética e a pedagogia. Cabe a pergunta: o que se pode ver na/da outra margem? [outra] Margem Por
outro
lado,
percebe-se
na
escrita
dos
Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs)- Arte a preocupação de abarcar todas
as
manifestações
artísticas,
estendendo-as
para
a
visualidade cultural e cotidiana, articulando-as com a própria vida.
Além
das
diretrizes
educacionais
de
licenciatura
referenciam-se
nacionais
professores
em (ou
e
estaduais,
escolas poderiam
e
as
ações
estudantes
de
referenciar-se)
em
inúmeros autores que contribuem com a educação e com propostas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE metodológicas, que compreendem a arte na escola como mediadora de ações culturais. Embora essas questões estejam salientadas nas
publicações
e
configurações
docentes
observadas
distância
entre
prática elas,
as
docente.
a
falta
secretarias
nos
de
estágios
diretrizes
Isso
curriculares,
acontece
compreensão
educacionais,
que
dos
muitas
evidenciam documentos
por sobre
diversas a
área
insistem
uma
enorme
oficiais razões, de
no
ações
arte
e
a
entre pelas
exercício
da
polivalência; por outro lado, também existe a problemática da formação do professor e da falta de uma educação continuada nesse campo de conhecimento. Diante disso, como nos deslocar para a formação docente sem levar em conta que a educação ainda prescreve (ou até oferece) modelos
referenciais?
Como nos reinventar enquanto
professores de arte em formação quando as escolas restringem espaço e tempo para o exercício artístico? Como nos descolar de imagens representativas do que seriam modos docentes em arte?
Quais
discursos
e
narrativas
produzimos
ao
nos
deslocarmos para as experiências com a arte? Muitas perguntas para poucas respostas, ou talvez resposta alguma; somente um pensamento à deriva como aquele que dirige “a canoinha de nada pelo rio, nessa água que não para”. Assim, no movimento entre o poético e o pedagógico é possível acionar outros sentidos
para
outros
e novos
modos
de ser
docente.
Afinal, quando não se tem um modelo prescritivo de ensino, a incerteza instaura-se de modo instigador. “O que é, afinal, sentir-se uma “esponja” que absorve ideias, interrogações de outros que passam a fazer parte da nossa própria experiência? Soma, fusão, mixagem” (LOPONTE, 2007, p.238) de identidades variáveis que se configuram a partir de capturas e encontros¹ com a própria história social e cultural, sobre e com o ensino de arte. [Margens] ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE [...] Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. [...] aquilo que não havia, acontecia. João Guimarães Rosa Esse de meio a meio, sempre entre, em devir, pode ser o caminho para transitar por uma formação em licenciatura que, longe de buscar um modelo, mova-se entre encontros para compor variáveis infinitas em composições de modos docentes, como os encontros que ocorrem na experiência. Como afirma Larrosa: [...] A experiência é algo que (nos)acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão, e que às vezes, algumas vezes, quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma a esse tremor, então, somente então, se converte em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em outras experiências e em outros tremores e em outros cantos. Em algumas ocasiões, esses cantos de experiência são cantos de protesto, de rebeldia, cantos de guerra ou de luta contra as formas dominantes da linguagem, de pensamento e de subjetividade. (LARROSA, 2015, p.10)
Larrosa, com a noção de experiência, aproxima-se da concepção de acontecimento em Deleuze. Algo (nos) acontece, dizem
os
dois,
expressão. Deleuze, diferença
o
que
nos
interpela,
que
luta
por
uma
Em Larrosa, porém, o canto tem forma e, em canto ou
a
é um
representação.
Em
experiências,
algo
sempre sentido Larrosa, que
se
informe,
oferecendo-se
diferencial, o
canto
oferece
a
longe
ressoa outros
em
a
uma
de
uma
outras
cantos
de
experiência como cantos ou campos de luta, como esse embate entre a poética e a pedagogia. Quanto a poética... [...] olho muito tempo o corpo de um poema até perder de vista o que não seja corpo e sentir separado dentre os dentes um filete de sangue nas gengivas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Ana Cristina Cesar
Na poética se apresenta o corpo do poema, em um sentir separado da pedagogia, esse corpo-palavra enrijecido pelos modelos
representacionais
que
insistem
em
modelar
a
educação. Porém, juntas, pedagogia e poética afirmam uma diferença potencial, entre núpcias, em devir, como diria Deleuze, nunca uma forma acabada mas sempre por vir, algo [entre]
margens.
Separadas,
porém,
em
campos
representativos, como arte (poética) e educação (pedagogia), formação
docente,
formação
artista,
entre
outras
representações, entristecem e aprisionam vidas. Os trabalhos apresentados apontam para a possibilidade de pensar uma formação docente a partir da trama de forças que a constitui, que é tanto poética quanto pedagógica. Essa trama,
complexa,
é
capaz
de
produzir
acontecimentos,
causando um desequilíbrio que retira certezas em torno de concepções históricas, culturais e sociais de um docente ideal presente em nós mesmos, e relevante em uma formação que leva em conta a subjetividade, ou seja, a atualização de forças-fluxo, como afirma Pereira: A busca não está dirigida para responder à questão “quem sou eu” ou “o que é ser professor”, mas, de outro modo, “como me tornei o que estou sendo” e “como é ser professor”. Ao contrário de trabalhar na direção de uma representação sobre mim mesmo, constituível a partir do indagar-se “o que sou” ou “como sou o que sou”, o movimento vai no caminho de descobrir algumas tramas constitutivas dos diferentes estados de ser que se sucedem, isto é, deriva de indagações sobre “como e por que tenho sido o que tenho sido”. [...] Trata-se de colocar o dinamismo dos modos de ser já na questão sobre esses modos ser. (PEREIRA, 2013, p.37)
Esses modos de ser, plurais e heterogêneos, encontramse na existência singular, situada em um campo coletivo de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE formação, lugar de forças capazes de produzir diferenças em uma constante “iminência de deixar de ser o que vem sendo para tornar-se diferente de si mesmo.” (Idem, p.38). Talvez, pensar na constituição do professor (como me tornei o que estou sendo), em um contínuo modo de se refazer, sem assumir uma identidade estável, sem modelos representativos de um professor ideal, mas apenas ideias que possam compor, com outros planos, proposições e modos de ser na vida e na docência em artes visuais. Notas 1
Encontrar é achar, é capturar, é roubar, mas não há método para achar, só uma longa preparação. Roubar é o contrário de plagiar, copiar, imitar ou fazer como. A captura é sempre uma duplacaptura, o roubo, um duplo roubo, e é isto o que faz não algo mútuo, mas um bloco assimétrico, uma evolução a-paralela, núpcias, sempre “fora” e “entre”. (DELEUZE e PARNET, Dialogue) REFERÊNCIAS CESAR, Ana Cristina. Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 2000. ______________; PARNET, Claire. Diálogos. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2004. _______________; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. LOPONTE, Luciana Gruppelli. Arte da docência em arte: desafios contemporâneos. In OLIVEIRA, Marilda Oliveira de (Org.). Arte, educação e cultura. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2007. PEREIRA, Marcos Villela. Estética da professoralidade: um estudo crítico sobre a formação do professor. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2013. ROSA, João Guimarães. A terceira margem do rio In Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
Elaine Schmidlin http://lattes.cnpq.br/9781556928615419 Professora no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV) e no curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Doutora em Educação, linha de pesquisa Ensino e Formação de Educadores, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 2013; Membro do Grupo de Pesquisa Entre Paisagens UDESC/CNPq.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE PELES PEDAGÓGICAS Mirian Celeste Martins (Mackenzie/SP) Resumo Ao apresentar o livro sensorial Peles Pedagógicas (2010) composto como um mostruário de tecidos este artigo se torna um modo de pensar sobre processos de criação e desvelar a vida de artista, de pesquisadora e de professora que nele se visibiliza. As “peles-metáforas” foram produzidas com matérias, texturas, cores, formas, palavras e porcentagens que, como tecido-metáfora, provocam outras leituras. Palavras-chaves: Arte; Docência; pesquisa; metáfora. Abstract Presenting the sensory book Pedagogic Skins (2010) compound as a tissue showcase this article becomes a way to think about creative processes and reveal the life of one artist, researcher and teacher present in it. The "skin-metaphors" were produced with materials, textures, colors, shapes, words and percentages, such as tissue-metaphor provoke further lecture. Keywords: Art; teaching; research; metaphor.
Resumo visual:
57
Pele-corpo. Fantasia, máscara ou o recheio de mim virado do avesso? Peles pedagógicas. No mostruário escolho, seleciono, misturo, transformo, transpiro compartilhando tecidos-metáfora. Fazer-se professor, pensar-se professor. Memórias e sonhos. Esperanças. No toque, sentidos se ampliam E remexem na intimidade da pele. Minha. Tua. De quem foi/está professor ou aluno. Provocações para seguir pensando com as sensações entre os dedos. Mirian Celeste Martins (outubro, 2010)
Tudo começou com um convite do professor, artista, pesquisador e curador Marcos Rizolli: participar de uma exposição – Biblioteca ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE sensorial, sob sua curadoria. Concordando com Cauê Alves (2010, p. 46)
que
o
curador
é
“[...]
um
profissional
cuja
ação
pode
ser
instituinte no sentido em que abre um acontecimento que está por vir e
assim
possibilita
uma
série
de
outras
experiências
que
podem
formar uma história”, a proposição de Marcos Rizolli provocou em mim uma ebulição criativa. Desafiada por esse acontecimento que estaria por vir e, reconhecendo que minha criação pessoal tem andado mais focada
nas
artísticos, poderia
palavras aceitei
conectar
a
e
ações
o
pedagógicas
convite
atitude
sem
de
do
nenhuma
artista
com
que
em
trabalhos
resistência. a
pesquisa
Assim, que
tem
alimentado também minha vida de professora, especialmente em relação à mediação cultural e formação de educadores. Ao meu ver uma proposição de biblioteca sensorial traduz um desejo de promover encontros entre os visitantes e seus corpos com algo
criado
para
ser
“lido”,
um
acontecimento
a
impulsionar
experiências outras. Neste artigo, neste dossiê dedicado ao artista, educador e pesquisador, utilizo-me desta experiência vivida para rever
processos
de
criação
e
desvelar
a
vida
de
artista,
de
pesquisadora e de professora que no livro de artista se visibiliza. (des)caminhos da criação Nós somos como tartarugas, carregamos a casa. Essa casa são as lembranças. Nós não poderíamos testemunhar o hoje se não tivéssemos por dentro o ontem porque seríamos uns tolos a olhar as coisas como recém-nascidos, como sacos vazios. Nós só podemos ver as coisas com clareza e nitidez porque temos um passado. E o passado se coloca para ajudar a ver e compreender o momento que estamos vivendo. (CAMARGO, 1998, p.34).
Nas palavras do artista Iberê Camargo (1998) em seu livro Gavetas dos guardados, se desvela a estreita relação entre passado e presente. Carregamos nossas experiências de vida, as lembranças, o passado e são trazidas à tona no momento da criação como nas Peles pedagógicas. armazenado,
O
momento
revive
ao
presente
encontrar-se
é
regado frente
a
pelo uma
passado nova
que,
situação.
“[...] todo indivíduo traz consigo, ao exercer sua individualidade, um modo de ver e sentir que, em sua interação com o material antigo, cria algo novo, algo que não existe na experiência” (DEWEY, 2010, p. 219). Para ele, o velho e o novo soltam chispas e quando se ajustam ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
58
REVISTA
APOTHEKE nasce a intuição que cria harmonias inesperadas, rearranjos do que sabíamos,
nascidos
incubação.
repentinamente
Rever-se,
ou
revolver-se,
marcados
por
períodos
intuir/rearranjar
as
de
camadas
sobrepostas / justapostas da artista, professora, pesquisadora... No diário de bordo que acompanha este projeto para a Biblioteca sensorial,
pode-se
perceber
momentos
de
clareza
e
inquietação
durante o processo. Vê-se que das referências passadas surge a ideia de fazer um livro com luvas de silicone coloridas com surpresas táteis.
Uma
possível
recriação
a
partir
de
objetos
relacionais
criados por Lygia Clark como as Luvas sensoriais (1968), que me levaram
a
nomear
de
objetos
propositores
dispositivos
para
a
mediação cultural (MARTINS,2005,2012). Relembro também a experiência tátil
de
minha
orientanda
Maria
Cecília
Santiago
(2005)
que
pesquisou a experiência estética em portadores de baixa visão. Mas, me perguntava: por que o sentido da sensorialidade ficaria preso às mãos? De
volta
ao
meu
percurso
formativo/pessoal/artístico,
a
inquietude da pergunta, escrita no diário de bordo, me leva hoje à minha
tese
de
doutorado
(MARTINS,
1998)
onde
trabalhei
com
a
metáfora da cigarra e a da formiga, acreditando que os projetos nos fazem cigarras, nos fazem voar e cantarolar frente a planos, sejam de
uma
proposição
artística
ou
planos
de
aula.
Nesta
tese,
o
depoimento da artista, professora e pesquisadora Regina Silveira conta o projeto para Gone Wild, instalação no Museu de San Diego/USA e revela que os dados que tem para criar, como a planta do hall onde ficaria
a
instalação
provocativos,
e
tempo
oferecem-se
restrito,
como
não
parâmetros.
são
limitantes,
Assim
também
mas são
parâmetros a criação de algo que permita “leituras”, já que é para uma
biblioteca
sensorial.
Entre
os
momentos
de
caos,
de
aproveitamento do que emergia, de tolerância com o que ainda não estava definido, uma lembrança abriu uma fenda. Não sei bem qual a origem, mas já fazia parte de minhas palavras-conceitos a ideia de peles pedagógicas. Talvez possa reencontrá-la nos textos reflexivos que escrevíamos no Espaço Pedagógico onde atuei com Madalena Freire, Juliana Davini e Fátima Camargo na formação de educadores. Uma ideia potente. Não temos uma pele, mas muitas, que se transformam e se ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
59
REVISTA
APOTHEKE metamorfoseiam
frente
a
cada
situação,
a
cada
encontro
com
os
estudantes que conosco convivem. Pele dedicada, machucada, ferida, ressecada, desesperançada, otimista,
infantilizada,
pele
tatuada,
pele
surrada,
suturada,
remoída pela memória que aquece e que entristece, pele marcada por rígidas
estruturas
singulares,
nasceu
como a
espinhos...
ideia
de
Com
fotografias
peles de
distintas
e
tecidos-metáforas
compondo um álbum como os de gravura. Inicialmente, esse álbum viria acompanhado de um kit sobrevivência: colírio para ver pelos olhos de outros; creme para feridas, gaze para palavras silenciadas; algodão para limpar as misturas de si mesmo com as marcas dos outros que impedem
a
ressecadas;
percepção filtro
do
que
protetor
é
de
para
cada
raios
um; de
pomada
comando
para sem
peles
sentido;
comprimidos de vitaminas múltiplas para renovar energias... No processo, abandonei o kit de sobrevivência, pois os tecidos pensados para essas peles teimaram em convidar sensorialmente para um outro caminho, para o toque e daí nasceu com mais clareza o mostruário de tecidos, como aqueles que se escolhe tecidos para
60
forração de sofás ou para cortinas. Em uma conceituada loja especializada em tecidos, fui buscar a forma da pasta mostruário. Minha intenção era obter uma já gasta pelo tempo, mas não foi possível. Mas obedeci ao mesmo tamanho e cor e assinei na capa como se fosse um designer: Mostruário – Peles Pedagógicas, by mcmartins. Na Figura 1 os tecidos que se vê ao fundo do
mostruário
escrivaninha.
na Para
loja
são
substituídos
complementar,
encomendei
por o
livros título
em em
minha braile,
assim como as tabelas que acompanham cada tecido.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Figura 1. Mirian Celeste Martins (2016). Do modelo na loja de tecidos para a criação fotografada na mesa de trabalho. Fotoensaio composto por quatro fotografias digitais da autora.
Onze
tecidos-metáforas
compõem
o
mostruário,
que
é
complementado com uma espécie de ficha que apresenta a epígrafe que abre este artigo, pequenas fotos dos tecidos e a sua porcentagem (há muito o que refletir nelas). Também faz parte um pequeno caderno de bordo que registrava o processo e a busca pela materialidade. Busca constante que me fez percorrer lojas de produtos diversos, assim como bisbilhotar armários e gavetas, além de recorrer aos velhos tecidos de roupas usadas que tenho, ou tinha, o hábito de guardar. Lembro-me de registrar fotograficamente o processo, mas não fui capaz
de
encontrar
estas
fotos,
provavelmente
arquivadas
entre
tantas outras imagens digitais. Parece que éramos mais cuidadosos com os álbuns de 24 ou 36 fotos analógicas que buscávamos ansiosos no laboratório fotográfico. Na época da escrita final da minha tese, Regina Machado (1998) também escrevia seu livro A formiga Aurélia e outros jeitos de ver o mundo.
Estudiosa
Gilbert
Durand
da que
imaginação, formula
a
Regina
apresenta
necessidade
de
uma
o
trabalho
de
pedagogia
do
imaginário: O trabalho de Durand busca mostrar que tanto a cigarra quanto a formiga não são duas instâncias que exemplificam dois tipos de atividade, uma mais importante - o conhecimento científico - e outra menos importante - a imaginação, mas advoga para a imaginação uma pertinência essencial na constituição de qualquer forma de atividade humana, seja ela estética, científica ou prática (MACHADO, 1989, p.308). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
61
REVISTA
APOTHEKE O
mostruário
nasce
como
mais
uma
metáfora
conectada
com
a
proposta da metamorfose da cigarra/formiga. Cada tecido composto com colagem,
recortes
e
costuras,
mostra
a
porcentagem
de
sua
composição, repetindo o que vemos no mostruário real. Ao re-ver o processo de criação para Peles Pedagógicas, o estético, o científico e o cotidiano parecem presentes em sua proposição. O que nos dirão os tecidos neste mostruário, apresentado a seguir?
62
Tecido #1 Figura 2: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #1. (véus de missa, flores e plumas de buquê de noiva e leve tecido com pequeno brilho de um vestido de festa). Fotografia independente. Fotografia digital da autora
Composição do tecido #1: 63,3%_ memórias de afetos aquecidos 13,8%_ amorosidade condensada 11,8%_ lembranças de abraços, de ritos de despedida no final de cada ano 11,1%_ coleta sensorial: delicadeza/transparência
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REVISTA
APOTHEKE
63 Tecido #2 Figura 3: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #2 (pele tatuada com nomes). Fotografia independente. Fotografia digital da autora.
Composição do tecido 2: 33,33%_ misturas de si 33,33%_ intercessores que contaminam 33,33%_ ressonâncias-ações que impulsionam procuras
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Tecido #3 Figura 4: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #3 (patchwork). Fotografia independente. Fotografia digital da autora.
Composição do tecido #3: 55,5%_ 33,3%_ 16,1%_ 10,4%_
patrimônios do vivido fragmentos viventes coleta sensorial nos guardados doces saudades
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REVISTA
APOTHEKE
Tecido #4 Figura 5: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #4 (camadas). Fotografia independente.
Composição do tecido #4: 80,9%_ 15,5%_ 08,8%_ 03,5%_
marcas do tempo, cicatrizes sem dor camadas sentidas dando sentido rugas da pele vozes silenciadas, conversas internas
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65
REVISTA
APOTHEKE
Tecido #5 Figura 6: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #5 (da natureza). Fotografia independente. Fotografia digital da autora.
Composição do tecido #5: 27%_ 27%_ 27%_ 19%_
pele orgânica tramas, trança, entrelaçamentos nervuras secas vigília criativa
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REVISTA
APOTHEKE
Tecido #6 Figura 7: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #6 (jeans surrado). Fotografia independente. Fotografia digital da autora
Composição do tecido #6: 33,3%_ 33,3%_ 33,3%_ 0,01%_
pele azul desbotada cotidiano surrado alguém como recheio maciez do já conhecido
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REVISTA
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Tecido #7 Figura 8: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #7 (chita). Fotografia independente. Fotografia digital da autora
Composição do tecido #7: 30,6%_ 44,4%_ 13,1%_ nhém 11,9%_
pele de infância persistente cores da brasilidade bonitinho, lindinho, mimosinho, nhém nhém meninice prolongada em fios
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REVISTA
APOTHEKE
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Tecido #8 Figura 9: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #8 (pele armadura). Fotografia independente. Fotografia digital da autora
Composição do tecido #8: 71,5%_ 13,8%_ 10,8%_ 03,9%_
fria armadura metálica ferida que sangra recoberta brilho falso em grito sufocado filtro camuflado
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REVISTA
APOTHEKE
70 Tecido #9 Figura 10: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #9 (estruturas sobre espinhos). Fotografia independente. Fotografia digital da autora
Composição do tecido #9: 55,4%_ 22,6%_ outro 13,2%_ 08,8%_
espinhos-pele que alinham estruturas obediência incorporada que fere a si e ao linhas de fuga, rupturas, fendas “Cumpra-se”
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REVISTA
APOTHEKE
Tecido #10 Figura 11: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #10 (vermelho) (este é o nome da obra ou a descrição do material? ). Fotografia independente. Fotografia digital da autora
Composição do tecido #10: 49,9%_ 49,9%_ 01,8%_ 01,8%_
não-pele ferida à flor da pele casca, crosta ranhuras da dor
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REVISTA
APOTHEKE
Tecido #11 Figura 12: Mirian Celeste Martins (2010) Tecido #11 (liso). Fotografia independente. Fotografia digital da autora.
Composição do tecido #11: 48,5%_ 48,5%_ 01,5%_ 01,5%_
maciez sem marcas espaço liso deleuziano idealização, ingenuidade visão de Polyana
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
72
REVISTA
APOTHEKE Peles pedagógicas Não somos espelhos que refletem a realidade, mas conversadores que a entrevistam. (MARINA, 1995, p. 124). Muitos aspectos poderiam ser aprofundados no livro de artista e seus
tecidos
de
resistências se”.
peles
frente
pedagógicas,
aos
entre
limites
delicadezas,
sufocantes
e
ao
durezas, “cumpra-
Pequenas flores e plumas se escondem na leveza e transparência
da pele delicada. Após décadas de trabalho com arte, e formação de artistas
e
encontros,
de de
educadores,
ritos
de
tantas
despedida
lembranças
de
final
de
de
abraços,
ano.
de
Memórias
do
passado terno e frágil ou que deixaram rugas, feridas, cicatrizes em armaduras
e
peles
machucadas,
com
marcas
do
tempo.
Texturas
múltiplas, macias ou espinhosas, duras e moles. Tecidos e ideias, ideias tecidas. Diferentes composições dos tecidos que compõe as peles, entre materiais orgânicos e sintéticos, no sentido literal e metafórico.
Para
quem
não
conhece
o
ofício
e
não
olha
mais
profundamente, a ilusão do material brilhante e da falsa resistência da pele-armadura que esconde a dor.
A décima primeira traz a pele
lisa, fugindo de espaços estriados que nos levam a trilhar caminhos já trilhados. Lembrando o conceito de Deleuze e Guatarri (1997), autores também presentes no segundo tecido e instaura a trama entre as páginas deste livro, e dele com a vida. Tudo
isso
experiência,
à
flor
tecidos
possam
sensibilizar
vierem
a
tocar
o
da
pele,
transbordam algo
livro
nos
camadas pelas e
memória
gavetas...
intercessores
sensorial
de
que
de
minha
e
espero
que
(DELEUZE,
....).
que
vierem
a
folhear
este
artigo. Aqui, Peles pedagógicas são provocações para seguir no ofício da vida de artista, professora e pesquisadora que tantos de nós operam, junto com tantas outras facetas de quem vive intensamente. Continuemos “com as sensações entre os dedos”...
REFERÊNCIAS
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
73
REVISTA
APOTHEKE ALVES, Cauê. A curadoria como historicidade viva. In: RAMOS, Alexandre. D. (org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010, p. 43-57. CAMARGO, Iberê. Gaveta dos guardados. São Paulo: EDUSP, 1998. DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992. _____ e GUATTARI, Félix. O liso e o estriado. Tradução: Peter Pál Pelbart. In: Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 5.São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 179-214. DEWEY, John. A arte como experiência. Tradução: Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010. MACHADO, Regina. Arte-Educação e o conto de Tradição Oral: Elementos para uma Pedagogia do Imaginário. São Paulo, Tese (doutoramento), ECA/USP, 1989. ____ A formiga Aurélia e outros jeitos de ver o mundo. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998. MARTINS, Mirian Celeste. Arte - o seu encantamento e o seu trabalho na educação de educadores. A celebração de metamorfoses da cigarra e da formiga. São Paulo, Tese (doutoramento), Faculdade de Educação/USP, 1999. _____ (org.) Objetos propositores: a mediação provocada. In: MARTINS, Mirian Celeste (org.). Mediação: provocações estéticas, São Paulo, Instituto de Artes/UNESP, vol 1, n. 1, p.94-123, novembro de 2005. _____ (org.) Objetos propositores: a mediação provocada. In: MARTINS, Mirian Celeste e PICOSQUE, Gisa (orgs.) Mediação cultural para professores andarilhos na cultura. São Paulo: Intermeios, 2012. SANTIAGO, Maria Cecília do Amaral C.B. Uma experiência estética com portadores baixa visão: uma aproximação com a vida. 2005. 86 p. Dissertação (Mestrado em Artes). Programa de Pós-graduação em Artes, Instituto de artes, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2005.
74 Mirian Celeste Martins http://lattes.cnpq.br/7167254305943668 Professora do Curso de Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura e do Curso de Pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie onde coordena os Grupos de Pesquisa: Arte na Pedagogia e Mediação Cultural: provocações e mediações estéticas. Professora aposentada do Instituto de Artes/UNESP.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Imagens Narradas: educação e vida em duas (e mais) ficções
1
Rita Luciana Berti Bredariolli (IA-UNESP) RESUMO Esse texto aborda os vínculos entre educação e vida, através de uma situação de ensino e aprendizagem de arte criada na intersecção de duas ficções: “Tendo uma experiência” de John Dewey e “Onde fica a casa de meu amigo” de Abbas Kiarostami. PALAVRAS-CHAVE: arte, educação, vida, imagens, ficções ABSTRACT This paper addresses the connection between education and life, through one situation of the teaching and learning of art created in the interwoven of the two fictions: “Having an experience” by John Dewey and “Where is the friend's home?” by Abbas Kiarostami. KEY-WORDS: art, education, life, images, fictions
Pour savoir il faut s’imaginer Georges Didi-Huberman O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. Walter Benjamin O
que
é
“experiência”
uma se
experiência?
diferencia
de
Para uma
Guimarães
“aventura”.
Rosa, No
uma
texto
O
Espelho, o autor expõe sua experiência como aquilo que lhe “tomou,
tempo,
“natureza”, Resultado
desânimos,
preza, de
mas,
“séries
esforços”, absolutamente,
de
raciocínios
algo não e
que, se
por
essa
vangloria.
intuições”
sua
“experiência” transforma-se em algo passível de ser narrado: Se quer seguir-me narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo sem vangloriarme. Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimentos que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe, e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade – um espelho? Demais, decerto, das noções ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
75
REVISTA
APOTHEKE de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo2.
Clássico trecho de Guimarães, usado muitas vezes, para epígrafe de trabalhos dedicados a investigar conhecimentos. Especialmente aqueles compreendidos em forma ampliada, para além dos limites da formalidade, da sistematização, do “rigor na ciência”3. Embora sem renunciá-los. A “aventura”, somente se tornou
“experiência”
porque
induzida
por
“séries
de
raciocínios e intuições”, em alternâncias. Mas, as “noções de física
[...]
suficientes verdade
não
as
leis
da
óptica”,
para
desvelar
a
é
desnudamento
já
familiares,
“verdade” que
de
um
aniquila
o
não
são
espelho. segredo,
“A mas
revelações que lhe faz justiça”4, tudo seria a “ponta de um mistério”, incluindo os fatos, ou sua ausência, pois mesmo quando “nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”. Nesse
texto
também
será
narrada
uma,
considerada,
experiência de ensino e aprendizagem sobre o ofício de ensinar arte,
consumada
imagens
em
narradas
entendo-a
uma
sobre
aqui,
e
sala a
de
aula
relação
naquela
aula,
pela
confluência
entre
educação
como
“uma”
e
de
vida,
experiência
“singular” no sentido exposto por John Dewey. Tais narrações foram geradas pela leitura de imagens narradas em outras duas ficções: Ter uma experiência, texto integrante de Arte como Experiência do já citado Dewey e Onde fica a casa de meu amigo, um filme de Abbas Kiarostami. Antes de começar essa narração, esclareço o que se toma aqui
por
elaborada apresentada
ficção. pelo em
Para
prof.
isso, Ulpiano
oposição
ao
faço de
que
uso
de
Toledo comumente
uma
Bezerra
definição Meneses,
entendemos
pelo
termo. Por ela, a ficção é recuperada em sua potencialidade de promover conhecimentos sobre o mundo. Conhecimentos associados
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
76
REVISTA
APOTHEKE à imaginação, “uma das matrizes da ficção”5.
A ficção nos
permite “fabricar” formas – formas verbais, conceituais, visuais, sonoras, performáticas, etc. - para dar sentido ao mundo, às coisas, a nós mesmos. A linguagem direta, denotativa, não dá conta da realidade; a poesia dá: por ela a linguagem humana é capaz de dizer o indizível [...] é capaz de tornar visível o invisível e, mais que isso, tornar visível o próprio visível que nos escapa6.
A palavra ficção teria como seu lugar de origem um “verbo interessante”
do
latim:
“fingo
(seu
particípio
passado
é
fictus, donde vem o substantivo fictio, ficção). Fingo, de início, indicava a ação do oleiro, que modelava potes, telhas e outros artefatos cerâmicos, mas que passou também a modelar imagens, placas com relevos”7. Etimologicamente,
portanto,
ficção
“não
se
opõe
a
verdade”, mas “designa as figuras (palavra da mesma família de fingo)
que
vastidão
modelamos,
infinitas
distancia
de
do
uma
para
dar
mundo”8.
oposição
ao
conta
Nesse
da
complexidade
sentido,
conhecimento,
a
ficção
tornando,
e se
pelo 9
contrário, “um instrumento seu extraordinariamente eficaz” . Esse sentido de ficção foi apresentado pelo prof. Ulpiano ao dimensionar o museu como “um instrumento excepcional de conhecimento”, sendo, “pela mesma razão”, tomado como “espaço de
ficção.
Mas
um
científico
pode
mutuamente
e
espaço
ser
de
ficção
acoplado
potenciado
pela
ao
em
que
o
conhecimento
poético,
afetividade
fecundando-se da
apreensão
sensorial10”. Vertemos, nesse texto, tal compreensão para o espaço, aparentemente, árido da sala de aula, assumindo-a como “espaço de ficção”, de produção de sentidos pelo encontro de outras ficções. Próximo ao sentido de ficção, presente nesse texto, está o
de
imagem.
potencialidades
Imagens de
também
conhecimentos
são que
tomadas se
aqui
estendem
além
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
como dos
77
REVISTA
APOTHEKE limites da denotação. Representações modeladas “para dar conta da complexidade e vastidão infinitas do mundo”. Para conhecer é afirmação,
preciso imaginar. Ao
Georges
Didi-Huberman,
nos
estabelecer essa reporta 11
redimensionamento da relação entre imagem e saber .
a
esse
Diante de
uma imagem, estaríamos diante de uma porta aberta. Nada nos seria ocultado, mas, ao mesmo tempo, a luz que dessa abertura emerge e nos atrai, também “quase nos cega, nos controla”. Essa
“mesma
abertura
nos
detém”.
Contemplar
uma
imagem
“é
desejá-la, é esperar, é estar diante do tempo”. Diante de uma imagem, estaríamos diante do tempo. “Mas que tipo de tempo? De quais plasticidades e de quais fraturas, de quais ritmos e de quais
golpes
de
tempo
podemos
tratar
nessa
abertura
da
12
imagem?” . Diante de uma imagem, o presente não deixa nunca de ser reconfigurado. Uma imagem é sempre uma atualização; assim como também é incessante a reconfiguração do passado, diante de uma imagem. Uma imagem só se transforma em algo pensável em uma construção de nossa memória13. Imagens são construções de tempos heterogêneos. Passado e presente
se
entrelaçam
e
se
reconfiguram
em
produções
de
sentido, em ficções, criadas pelo rearranjo de um repertório sedimentado,
mas,
no
entanto,
mobilizado
outras referências em aquisição.
pelo
choque
com
Imagens não são criações
alheias ao seu espectador, antes, necessitam de seu olhar para que aconteçam. E esse acontecimento se dá, continuamente, no encontro
entre
as
“coisas”
do
mundo
e
nosso
repertório
imagético já sedimentado por outros encontros do mesmo tipo. As imagens abrem e se fecham a nós ao movimento de nossas sensações e intelecções, ao movimento de nossas atualizações e reminiscências. Mantém-se em abertura, esquivando-se de uma explicação
que
possa
interromper
seu
fluxo
de
sentidos
múltiplos, por vezes, assumindo feições a cada novo lance de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
78
REVISTA
APOTHEKE olhar, lance de propósitos, definidos, por vezes em desvios. Esse movimento incessante de criação e recriação mantido pela trama de tempos, do visível e invisível, estabelecida na relação daquele que olha com aquilo que é olhado14, nulifica o uso da imagem como ilustração. Uso apontado como uma limitação que relega a imagem a um lugar subordinado e subsidiário do “conhecimento verdadeiramente valioso”, que parece estar fora e mais além da imagem. No uso da imagem como ilustração, ou quando a imagem se converte em um objeto que deve ser fragmentado pela análise ou crítica ideológica ou política, não é alcançada a reorganização escolar que supostamente se busca promover15.
Nossos interesse e intenção convergiram para a produção de
sentido
gerada
no
encontro
entre
as
várias
imagens
componentes das ficções definidas como pontos de partida, como núcleos e potencialidades de conhecimento sobre um conceito – o de “experiência”, como definido por John Dewey - que pôde ser
também
experimentado,
elaborado
em
sua
relação
com
os
acontecimentos cotidianos, com a vida de cada um daqueles que participavam
dessa
ação
de
ensino
e
aprendizagem
sobre
o
ofício da educação. O que é uma experiência? Para John Dewey – em definição quase a mesma daquela de Guimarães Rosa - uma “experiência ocorre continuamente, porque a interação com o ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio viver”16.
Porém,
nem
toda
experiência
pode
ser
processo de considerada
“uma” experiência, ou uma “experiência singular”17. Nem tudo que experimentamos cotidianamente, segundo Dewey, consuma-se um “uma” experiência. Nem sempre aquilo que “observamos e o que pensamos, o que desejamos e o que obtemos”, concordam entre
si.
Muitas
vezes
nossas
experiências
se
perdem
em
“distração e dispersão”18. Em
contrapartida
“uma”
experiência
acontece
quando
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
o
79
REVISTA
APOTHEKE “material vivenciado” descreve seu curso até a sua conclusão. “Então, e só então, ela é integrada e demarcada no fluxo geral da experiência proveniente de outras experiências”. Assim como em uma obra de arte, em “uma” experiência, os diferentes atos, episódios ou ocorrências se desmancham e se fundem na unidade, mas não desaparecem nem perdem seu caráter próprio ao fazê-lo – tal como, em uma conversa amistosa, há um intercâmbio e uma mescla contínuos, mas cada interlocutor não apenas preserva seu caráter pessoal, como também o manifesta com mais clareza do que é seu costume19.
Por
essa
unidade
que
a
caracteriza,
a
“experiência
singular” não pode encontrar seu término em uma cessação; seu desfecho é a consumação determinada pela integração das partes em um todo único. “A existência dessa unidade é constituída por uma qualidade ímpar que perpassa a experiência inteira, a despeito da variação das partes que a compõem”. Não podemos, segundo Dewey,
distinguir tal
unidade que caracteriza essa
experiência única como “afetiva, prática nem intelectual, pois esses termos nomeiam distinções”. Tampouco podemos afirmar, ainda
em
consonância
às
ideias
desse
autor,
que
“uma”
experiência é o resultado da soma desses três “adjetivos de interpretação”.
Mesmo
predominância de prática “uma”
–
uma propriedade
usando-a
experiência
final”,
como
chegando
como
vivida,
à –
designação
constatação
por
certa
intelectiva, afetiva ou posterior
nomeando-a,
intelectual,
de
“em
para
sua
exemplo,
definir
significação não
podemos
desconsiderar que, “em sua ocorrência efetiva, também foram emocionais; tiveram um propósito e foram volitivas”. Esses “traços
distintivos”-
intelectual,
afetivo
e
prático
–
se
perdem na constituição de “uma” experiência, por isso não é a sua
soma
que
determinará
a
“qualidade
ímpar”
dessa
“experiência singular”, e sim a sua presença íntegra e única. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
80
REVISTA
APOTHEKE Dewey
abordará
a
predominância
desses
“traços
distintivos” como designação de experiências, problematizando sua validade, pela elucidação e comprovação da integralidade dessas três instâncias como qualificação da experiência, como “uma”
experiência
“singular”.
Inicialmente
dimensiona
uma
“experiência de pensamento”, afirmando que nenhum “pensador pode
exercer
sua
ocupação,
a
menos
que
seja
atraído
e
recompensado por experiências integrais, totais que valham a pena intrinsecamente”. Desprovido de tais experiências, esse pensador ficaria “completamente incapacitado de distinguir o pensamento real do artigo espúrio”. O pensamento para Dewey, “se dá em um fluxo de ideias”; mas a formação desse fluxo somente é possível porque as ideias são “fases, afetiva e praticamente
distintas
[...]
são
variações
móveis,
não
separadas e independentes [...] e sim matizes sutis de uma tonalidade penetrante e em desenvolvimento”20. O término de uma experiência de pensamento é reconhecido como
“tirar
formulação
uma
teórica
conclusão”. desse
Porém,
processo
é
muitas
feita
em
vezes, termos
“a que
escondem por completo a semelhança da ‘conclusão’ com a fase que consuma cada experiência integral em evolução”. Assim como a
experiência
diminuir
de
ver
uma
gradativamente”,
“tempestade a
atingir
experiência
de
seu
auge
e
pensamento
é
integrada por um movimento contínuo dos temas. Assim como no oceano durante a borrasca, há uma série de ondas, sugestões que se estendem e se quebram com estrondo, ou que são levadas adiante por uma onda cooperativa. Quando se chega a uma conclusão, ela é a de um movimento de antecipação e acumulação, um movimento que finalmente se conclui. A ‘conclusão’ não é uma coisa distinta e independente; é a consumação de um movimento. Portanto, uma experiência de pensar tem sua própria qualidade estética.
Uma
experiência,
para
Dewey,
somente
poderá
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
ser
81
REVISTA
APOTHEKE considerada “uma” experiência se dotada de qualidade estética, se possuir “integração interna e um desfecho atingido por meio de um movimento ordeiro e organizado”. Como em uma “estrutura artística”, tal qual a ação de um moleiro, transformando o barro em um “pote útil para guardar cereais”; ele o faz de modo regulado pela série de percepções que resumem os atos seqüenciais [...] há em cada etapa uma antecipação do que virá. Essa antecipação é o elo que liga o fazer seguinte a seu efeito para os sentidos. O que é feito e o que é vivenciado, portanto, são instrumentais um para o outro, de maneira recíproca, cumulativa e contínua21.
A imagem do oleiro, junto a da tempestade ou do oceano durante a “borrasca”, são imagens criadas e usadas por Dewey para corroborar sua ficção. Além dessas outras duas imagens são usadas por Dewey em seu texto como metáforas referentes a “uma” experiência. Uma, a imagem de uma pedra rolando morro abaixo. Em apelo à nossa imaginação, Dewey nos propõe a partilhar o interesse dessa pedra pelas “coisas que encontra no caminho, pelas condições que aceleram ou retardam seu avanço, com respeito à influência delas no final”. Ao final desse percurso descrito em atenção e interação com os obstáculos e auxílios, a pedra atingiria seu repouso como “culminação de um movimento contínuo”22. Em
contraposição
à
essa
metáfora,
Dewey
define
as
experiências desprovidas de qualidade estética, a maioria de nossas experiências, segundo o autor. Essas são caracterizadas pela
ausência
acontecimentos,
de ou
interesse pelo
pelo
controle
vínculo
sobre
sua
entre rejeição
os ou
seleção, inclusão ou exclusão que comporiam “uma” experiência. Essas
experiências
inestéticas
são
feitas
de
“começos
e
cessações, mas não inícios e conclusões autênticos. Uma coisa substitui outra, mas não a absorve nem a leva adiante”. São ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
82
REVISTA
APOTHEKE experiências frouxas e discursivas23. Para Dewey, os “inimigos do
estético
não
são
o
prático
nem
o
intelectual.
São
monotonia, a desatenção para com as pendências, a submissão às convenções na prática e no procedimento intelectual”24. “Vivenciar a experiência, como respirar, é um ritmo de absorções
e
expulsões”.
transformada
em
um
Sua
ritmo
sequencia
pela
“é
existência
pontuada
de
e
intervalos,
períodos em que uma fase é cessada e uma outra é inicial e preparatória”25. pássaros,
Como
ritmados
a
alternância
em
dos
vínculos,
vôos
sem
e
pousos
qualquer
dos
movimento
aleatório, outra imagem usada por Dewey, dessa vez, em citação a Wiliam James. “Cada lugar de repouso, na experiência, é um vivenciar
em
que
são
absorvidas
e
incorporadas
as
consequências dos atos anteriores”, cada um deles trazendo um “significado que foi extraído e conservado”. Mesmo entre
esse
considerando texto
e
as
diferenças
conceitos
de
criados
tempos
por
Dewey
e
espaços
nos
anos
iniciais da década de 1930 e os nossos, atualizamos, por essa leitura nossas próprias experiências ou nossas interações com as condições ambientais com as quais estamos envolvidos. Para que
nesse
ato
de
reconhecimento,
pudéssemos
avaliar
a
interferência da qualidade de nossas experiências. “Escrito há quase
80
anos,
o
livro
levanta
apontamentos
extremamente
pertinentes ao nosso tempo: analisa e pontua o que ocorre na complexa relação entre o mundo e o corpo, através dos sentidos. Dewey descreve com o termo experiência, não uma simples e corriqueira descrição de momento vivenciado, mas uma experiência singular, onde o corpo, a mente e objetos envolvidos estão em completa interação. Vivenciar uma experiência é viver uma intensificada, concentrada, ‘exponenciada’ e consciente relação do que se passa com o mundo e com nós mesmos. Essa experiência descrita apor Dewey é algo que ocorre quando há uma completa fusão entre o sujeito e o objeto vivenciado, é um processo envolvido em ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE consciência corpórea e sentimental26 (C. X.).
Essa atualização, tal como esta citada acima não se fez somente por esse encontro com a ficção de John Dewey, mas pelo relacionamento dessa com as muitas imagens da ficção de Abbas Kiarostami. “Onde
Fica
a
casa
kodjast?, uma ficção
de
meu
amigo?”
ou
Khane-ye
lançada em 1987, criada por
doust
imagens que
ocupam espaços de tempo propícios à contemplação. Imagens que se abrem ao espectador em concisão, precisas em sua função como partes de uma narrativa cujo início é determinado pelo movimento de uma porta entreaberta, definida em planos de uma espécie de azul desgastado pelo tempo. Não fecha tampouco se mantém ou é mantida aberta, apenas bate em pulso determinado pela
força
dos
pequenos
impulsos
provocados
pelos
choques
intermitentes. Dessa abertura instável, escapam sons das vozes de crianças. Permanece assim, uma porta batente, até a chegada
84
de alguém, quando é aberta em firme propósito. E então nos é tornado visível aquilo que se mantinha atrás da porta que teimava não cerrar. Nos é dado a ver uma sala
de
aula
estabelecidas.
com
seus
Alunos
alunos
sentados
e
as
em
relações
dupla.
Dois
que
ali
meninos.
eram Uma
tarefa não cumprida. A repreensão. Choro e um olhar atento. Um caderno esquecido e a necessidade de um encontro. O menino precisa
encontrar
o
colega
para
devolver-lhe
o
caderno
esquecido. Porém ele não sabe aonde mora o amigo. Parte, então, em uma busca ‘às cegas’, seguindo caminhos em ziguezague e vai-e-vem, de uma cidade a outra, se inserindo no cotidiano de pessoas desconhecidas, absorvendo o modo de vida destas pessoas [...] A trajetória do menino em busca de seu amigo para devolver-lhe o caderno se assemelha ao vôo do pássaro [...] e as paradas nas casas e os empecilhos durante a travessia são como os pousos (R. Z.). Cada passo dado é sentido, muitas vezes sofrido e transformado em novas ações num sinal de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE persistência e integridade [...] Todos os pequenos fatos significam algo no interior desse menino que quando se percebe com o caderno de seu amigo por engano, sente-se intensamente na obrigação de devolvê-lo, mantém uma meta firme e segue adiante, seja o que acontecer [...] O filme se desenrola de uma maneira sutil, é tanto um esforço e ao mesmo tempo dá uma sensação de calma, faz-nos vivenciar um pouco dessa relação atenta com o tempo, uma lentidão não muito comum nos filmes mais próximos, americanos e até europeus. Tanto que sua relação segue na mesma dinâmica, uma coisa só pode acontecer depois da outra e em conseqüência delas, como o vôo dos pássaros, onde está tudo ligado, cada cadência significativa para um novo pousar ou voar [...] (Y. M.).
Antes,
porém,
dessa
partida,
o
garoto
tenta,
em
vão,
obter a permissão da mãe, porém não é ouvido. Este é apenas um dos obstáculos que ele vive nesta narrativa, que por meio de sua construção como obra de arte estabelece uma relação com as ideias de John Dewey a respeito de experiência estética, percebidas não apenas através da história do garoto como também da estrutura narrativa do filme [...] O diretor Abbas Kiarostami utiliza das relações entre as pessoas do vilarejo e o menino, para de forma poética, demonstrar diferentes entendimentos a respeito do saber e do aprendizado, levando o personagem a um percurso de conhecimento e experiências singulares [...] a experiência da história está em seu todo carregado de suas partes que vão constituindo-se como obra, os enredos de cada situação vivida pelo garoto têm um ritmo e movimento particulares, esse ritmo é observado também na relação de Ahmed como o senhor construtor de janelas de madeira, cada qual com seu tempo de fazer as cosias [...] Essa troca de portas é uma bela analogia a respeito do passado e do futuro que o diretor retoma quando Ahmed retorna a vila de seu amigo, e encontra um velho marceneiro que resolve ajudá-lo a encontrar a pessoa que procura. Durante o trajeto, este senhor narra estreita relação com o vilarejo adquirida na feitura das portas de madeira da cidade. Todas elas teriam sido feitas por ele, o que o liga diretamente com aquela comunidade e seus moradores, Suas experiências estão relacionadas com o que viveu ali [...] (V.R.). Nas relações feitas durante o filme percebemos que as experiências vividas por Ahmed, o aprendizado ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE tanto a ele quanto para quem assiste ao filme não se dá por meio das instâncias legitimadoras da educação [...] sua experiência se dá pelas relações vividas em seu percurso cheio de dificuldades [...] O espectador também faz esse percurso recriando o sentido dado pelo diretor. Experimentamos a obra enquanto fazemos as relações entre os acontecimentos, as metáforas e as pausas visuais criadas por Kiarostami e nossas próprias experiências, fazendo com que a obra dependa também, da apreciação para ser completada (V.R.). Além das experiências de Ahmed o filme nos oferece outra experiência, a de assistir a ele. Porém não é assistir passivo, ao longo do filme, relações são traçadas, experiências que já tivemos em época de escola são revisitadas. No desenrolar das cenas, envolvemo-nos com a saga do garoto, criamos hipóteses, tentamos pensar como o personagem, afligimo-nos e ao final ingerimos, digerimos e porque não regurgitamos o material visto. Assim temos uma experiência singular, vivida de forma estética: afetivamente, intelectualmente e de forma prática (F. Z.). Sob uma visão ocidental – e porque não ignorante? – parece um tema banal. Porém as idas e vindas do garoto mostram muito mais do que um gesto gentil. Nos mostram um acontecimento na vida desta criança, algo que se torna marcante por ser uma experiência verdadeira e única. Neste ato de procura, o garoto implica toda sua vontade, razão e emoção [...] A experiência singular é um movimento do ser, ou seja, sua modificação, o que o filme mostra de forma literal, física e espacial: o garoto desloca-se por labirintos de construções, sobe e desce morros e escadas [...] Estamos acostumados a ver filmes de grandes histórias, extraordinárias, com diversas ações e suspenses, que não encontramos em ‘Onde fica a casa de meu amigo?’. Há algo que poderia ser considerado por nós como monotonia, que causa estranhamento. ‘O acúmulo de tantas impressões quanto possível é tido como vida’27. No entanto, estamos nos deparando a um encadeamento de situações que seguem um fluxo único e coerente, é esse fluxo que nos faz interpretar as cenas como arte - como intenção do diretor para alcançar suas pretensões e objetivos [...] é surpreendente! É surpreendente como podemos nos surpreender com algo tão simples. A arte não está no espetáculo, pode até fazer parte dele. Arte está onde há envolvimento humano, onde há humanidade, onde há humanidade em sua completude (M. S. N.).
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Estrada em ziguezague. Ruas em labirinto. Encontros entre tempos. [...] O filme todo retrata um outro tempo, um tempo que nosso mundo deixou de prezar, um tempo cheio de tempo. Existe uma calma que se perdeu, uma seriedade e integridade que se desvinculou com o que realizamos atualmente [...] O filme me fez prezar e rever a tranquilidade e integridade que perdemos, e que pouquíssimas vezes vivenciei na vida (C.X.).
Narrações. Madeira e ferro. Portas e janelas. Recortes de luzes coloridas projetadas na parede, o vento. O filme me atentou também para enxergar essa rede que formamos o tempo inteiro, essa relação entre pessoas e experiências [...] O menino também entra nesse papel de obstáculo, no momento em que não tem paciência para ouvir o velho que constrói portas, achei bonita essa inversão e a simbologia da porta como algo manufaturado, experienciada em contrapartida ao técnico, massivo conjunto de portas de ferro (Y. M.). No filme pude ver na figura de um senhor, que ajudou o protagonista a encontrar a casa do amigo [...] um narrador, e para mim a figura do narrador é repleto de experiências, vividas ou ‘inventadas’ nas suas narrações [...] Para o protagonista o encontro com o narrador não pareceu proveitoso durante o momento que aconteceu, pois a sua preocupação em entregar o caderno de tarefas de seu amigo, e voltar cedo para casa, era mais importante, o que me mostrou o quanto desperdiçamos dentro de uma experiência, onde podemos por ora focar tanto em algo e deixar coisas muito importantes de lado, mas que pode ser retomado no final dessa experiência, se ela for completa, como já disse, onde podemos ver o processo de uma forma linear e inteira, ou não tão linear, mas ver tudo o que passamos [...] a atenção ao decorrer do processo da experiência, e ao final com a reflexão sobre o que houve, é essencial, a meu ver, dessa experiência singular e estética, diferente de uma reprodução automática [...] Depois dessa experiência que tive com a leitura, discussão e releitura do texto, comecei a me preocupar com o tipo de cada experiência, tornando-me também uma espectadora de meus atos, ainda não descobri se isso é algo bom, mas estou gostando dessa análise crítica, porém sutil, dos acontecimentos em minha vida (J.M.). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Kiarostami cria assim uma expectativa no espectador, o que faz do filme, aparentemente monótono pela falta de grandes conflitos e pela simplicidade das ações de um garoto e de moradores de uma vila, vire grandes ensinamentos a respeito do mundo e da educação [...] acaba voltando à sua casa onde ainda triste por não concluir sua missão, recusa a comida da mãe, mas faz sua lição enquanto observa sua mãe pela janela, lutando contra a força do vento para pegar as roupas do varal [...] (V.R.).
ßO
caderno,
uma
flor,
imagens
narradas
em
motes
para
“uma” experiência, narrada em outras imagens. Ter uma experiência é algo completo, onde juntamos os momentos de planejamento do fazer no momento, a sensação do que está acontecendo, as lembranças que nos trazem sentimentos e nos fazem criar esse mundo único, que pode acontecer em segundos, ou então em um longo período, mas que, para mim, pode ser distinguido o decorrer de tudo, com início, meio e fim [...] (J.M.). O importante nessa história não são os ‘grandes eventos’, não há nada disso, o que interessa é o caminho que é feito para solucionar o problema, tudo o que o menino tem que ir superando (F. C. P.). [...] a trajetória feita tornou-se parte de Ahmed, a flor que deixou no caderno de Nematzadeh era uma representação disso, de todo o signficado de sua experiência (F. C. P.).
Tais foram algumas das imagens narradas em abertura nas duas ficções de Dewey e Kiarostami. Dos
tempos
presente
das de
imagens suas
que
Imagens feitas de tempos.
compunham
atualizações,
do
as
duas
ficções,
passado
que
do as
reconfiguravam. Das experiências vividas e reconduzidas pela memória.
Da
experimentação
de
“uma”
experiência
a
ser
compreendida. Dessas imagens outras ficções se modelam, dando formas à “complexidade e vastidão infinitas do mundo”. Notas 1
Este texto foi apresentado no 21º. Encontro Nacional da ANPAP, e publicado nos anais desse evento. Disponível em <http://anpap.org.br/anais/2012/pdf/simposio3/rita_bredariolli.pdf>. A ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE decisão por torná-lo público novamente após 4 anos de sua primeira publicação, se deu pela intenção de sua revivescência e atualização. O que é relatado nesse texto, se mantém vivo e presente em variações pela diversidade dos sujeitos que fazem ou fizeram parte dessa história em continuidade. Sua existência, realização e continuidade resultam do entendimento da docência como poiesis, como atos de criação fundados e movidos pela ação simultânea e indissociável do sensível e inteligível, o que a aproxima de “uma experiência”, da experiência singular, tal qual a definida por John Dewey. Essa epistemo-metodologia foi confirmada e densificada no contato com as concepções e práticas integrantes do Program in Art and Art Education do Teachers College, Columbia University, durante meu estágio de pós-doutoramento realizado naquela instituição no segundo semestre de 2015, como bolsista do Programa de Pesquisa Pós-Doutoral no Exterior da CAPES. 2 ROSA, G. O espelho In ROSA, G. Primeiras Histórias. 49ª. imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, pp. 119-128. 3 Jorge Luis Borges narra em seu Do rigor na ciência, deixado em abertura, como as tradicionais narrativas, as edificações de um rigor desmesurado, expondo também o seu contrário. A suspensão definida pelo final em aberto, encaminhado pela ambivalência de um rigor extremado e sua ausência, deixa espaço para aquele que participa com sua leitura, da compreensão dessa narrativa: “...Naquele Império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmesurados não foram satisfatórios e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos Afeitas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes entenderam que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas”. BORGES, J. L. Do rigor na ciência In BORGES, J. L. O Museu. Obras completas de Jorge Luis Borges. São Paulo: Globo, 1999. 1 v., p. 247. 4 BENJAMIN, W. apud MATOS, O. C. F. O iluminismo visionário: Benjamin, leitor de Descartes. 1ª. reimp. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999, p. 73. 5 MENESES, U. T. B. Entrevista concedida ao jornal Cores Primárias <www.coresprimarias.com.br/ed_10/ulpiano_p.hp> acesso em 01/04/2012. 6 Idem. 7 MENESES, U. T. B. Da Arqueologia Clássica ao Patrimônio Cultural: os sentidos da cultura material e seus desdobramentos <http://comunicacao.fflch.usp.br/sites/comunicacao.fflch.usp.br/files/outor ga_ulpiano.pdf> acesso em 01/04/2012. 8 Idem. 9 Idem, ibidem. 10 Idem, ibidem. 11 O potencial da imagem como lugar de elaboração de conhecimentos, vem sendo redimensionado também no campo educacional, como por exemplo, pelos estudos em torno da pedagogia do imaginário ou a pedagogia de la imagen. Cf. TEIXEIRA, M. C. S. Pedagogia do Imaginário e função imaginante: redefinindo o sentido da educação. < www.revistas2.uepg.br> acesso em 01/04/2012 e DUSSEL, I; ABRAMOWSKI, A.; IGARZÁBAL, B.; LAGUZZI, G. Aportes de la Imagen en la Formación Docente: Abordajes conceptuales y pedagógicos. < http://cedoc.infd.edu.ar/upload/24_2010_Documento_Pedagogias_de_la_Imagen__ Ines_Dussel_y_otros_version_preliminar.pdf> acesso em 01/04/2012. 12 DIDI-HUBERMAN, G. Ante el Tiempo: historia del arte y anacronismo de las imágenes. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2008, p. 31. 13 Idem, p. 32. 14 DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. 1ª. reimp. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2005. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
89
REVISTA
APOTHEKE 15
DUSSEL, I. [et.al.]. Op.cit. DEWEY, J. Ter uma experiência In Arte como experiência. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p.109. 17 Em uma edição norte-americana de 2005 do texto “Ter uma experiência”, nos é apresentada a expressão an experience, para designar o conceito de experiência elaborado por John Dewey. Na edição brasileira de 2010, publicada pela Martins Fontes, encontramos a designação “experiência singular”. Cf. DEWEY, J. Art as experience. New York: Penguin Group, 2005. 18 DEWEY, J. Op.cit. 19 Idem, pp. 111-112. 20 Idem, pp. 112-113. 21 Idem, p. 131. 22 Idem, pp. 115-116. 23 Idem, p. 116. 24 Idem, p.117. 25 Idem, p139. 26 Assim como nessa citação, também nas outras, que serão apresentadas nesse texto como exemplos dos resultados obtidos na ação de ensino e aprendizagem aqui descrita, serão resguardadas as identidades de seus autores, todos alunos da disciplina Didática Geral dos cursos de licenciatura em Música, Artes Cênicas e Artes Visuais, durante o ano de 2011. 27 DEWEY, J. Op.cit., p. 124. 16
REFERÊNCIAS BENJAMIM, W. Obras escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. ___. Origem do Drama Trágico Alemão. Trad. João Barrento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004. BORGES, J. L. Obras Completas de Jorge Luis Borges. Vol.1. São Paulo: Globo, 1999. DEWEY, J. Art as experience. New York: Penguin Group, 2005. ___. Arte como experiência. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010. DIDI-HUBERMAN, G. Ante el Tiempo: historia del arte y anacronismo de las imágenes. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2008. ___. O que vemos, o que nos olha. 1ª. reimp. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2005. DUSSEL, I; ABRAMOWSKI, A.; IGARZÁBAL, B.; LAGUZZI, G. Aportes de la Imagen en la Formación Docente: Abordajes conceptuales y pedagógicos. Disponível em < http://cedoc.infd.edu.ar/upload/24_2010_Documento_Pedagogias_de_la_Imagen__ Ines_Dussel_y_otros_version_preliminar.pdf> Acesso em 01 abr. 2012. MATOS, O. C. F. O iluminismo visionário: Benjamin, leitor de Descartes. 1ª. reimp. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999. MENESES, U. T. B. Da Arqueologia Clássica ao Patrimônio Cultural: os sentidos da cultura material e seus desdobramentos. Disponível em <http://comunicacao.fflch.usp.br/sites/comunicacao.fflch.usp.br/files/outor ga_ulpiano.pdf> Acesso em 01 abr. 2012. ___. Entrevista concedida ao jornal Cores Primárias. Disponível em <www.coresprimarias.com.br/ed_10/ulpiano_p.hp> Acesso em 01 abr. 2012. RICOUER, P. A memória, a história, o esquecimento. 1ª. reimp. Campinas: Editora Unicamp, 2008. ROSA, G. Primeiras Histórias. 49ª. imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE TEIXEIRA, M. C. S. Pedagogia do Imaginário e função imaginante: redefinindo o sentido da educação. Disponível em < www.revistas2.uepg.br> Acesso em 01 abr. 2012.
Rita Luciana Berti Bredariolli http://lattes.cnpq.br/0970761217541525 Doutora em Artes, linha de pesquisa Teoria, Ensino e Aprendizagem pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP e mestre pela mesma instituição. Possui Licenciatura e Bacharelado em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Atualmente é professora Assistente Doutora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", IA - UNESP e coordenadora do GPIHMAE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Imagem, História e Memória, Mediação, Arte e Educação)
91
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE O professor e o mágico são o artista (The teacher and the magician are the artist) Michel Zózimo da Rocha (UFRGS)
RESUMO Este artigo busca traçar relações poéticas entre figuras pertencentes aos campos das artes visuais, da educação e da pesquisa científica, estabelecendo diálogos abertos entre tais elementos através do texto “O artista, o cientista e o mágico”, de Luiz Camnitzer. PALAVRAS-CHAVE Artista; professor; mágico; truque. ABSTRACT This article endevors to delineate relationships between poetic figures belonging to the fields of visual arts, education and scientific research by establishing an open dialogue between these elements through the text "The artist, scientist and magician" by Luiz Camnitzer. KEYWORDS Artist; teacher; magician; trick.
92 O que há de comum entre o campo das artes visuais, o mundo da mágica e a esfera científica? Não necessitaremos de muito tempo para responder tal interrogação, afirmando que um dos pontos de contato pode ser aquilo que chamamos de truque. Esta linha de pensamento parece ter sido seguida pelo artista e professor nascido na Alemanha Luiz Camnitzer na elaboração do artigo intitulado: “O artista, o cientista e o mágico”. Ao eleger este ponto de contato, Camnitzer problematizará o papel da
explicação
para
os
três
campos
mencionados,
quando
os
mesmos se conectam com a ideia de truque. Incidem sobre a noção de truque, ao tentarmos definí-la, questões que sugerem sempre o inexplicável, o desconhecido, aquilo que é ardiloso, que engana, que é derivado do jogo e da armadilha. Ao mesmo tempo, podemos subverter tal conceito pensando-o a partir dos seus pontos invisíveis – aquilo que se explica subjetivamente, o que será conhecido através da imaginação, o simples exposto ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE pela dúvida, as regras inventadas, os seus pontos de fuga e tudo aquilo que tange a poesia. Antes de continuarmos esta discussão, gostaria de trazer mais uma figura, além do artista, do mágico e do cientista, já mencionados por Camnitzer, pensando ainda nas noções de truque e explicação. Trata-se do professor. Como uma representação básica
que
remete
aos
modelos
clássicos
e
desgastados,
a
definição de tal profissão ou ocupação tem estreita relação com a função que exerceu ao longo dos tempos. Antes mesmo da escrita
e
antecedendo
as
primeiras
instituições
de
ensino,
essa figura já estava presente nas mais diversas sociedades praticando
informalmente
modos
de
socializar
conhecimentos.
Evidentemente, o papel ocupado por este personagem alterou-se acompanhando
sempre,
de
um
modo
complexo,
as
formas
e
estruturas sociais. Semelhante a um profeta, aquele que gera profecias,
professor
também
foi
sinônimo
das
artes
dos
oráculos, representando aqueles poucos que sabem e que podem responder
todas
as
cultura oral –
dúvidas
que
temos.
De
detentor
de
uma
aquele que poderia explicar os detalhes do
mundo, que ensinaria todos cuidados que o corpo necessita, que conservaria a escrita – a figura do professor, a partir da idade média, passou a prestar seus serviços às instituições de ensino. Esse marcas
dado
histórico
ideológicas
conhecimento mitos.
ainda
Conforme
“Explicar
que
humano
insistentemente, alguma
nos
interessa
acompanharam
ao
longo
permanecem
assinala
Jacques
coisa
alguém
a
as
dos como
para
modelos antes
as
abordagens
séculos
Rancière é,
pensarmos e
que,
latentes
(2013, de
do ou
p.23):
mais
nada,
demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só”. Segundo este mesmo autor (2013, p. 23-24): “Antes de ser o ato do pedagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um mundo
dividido
em
espíritos
sábios
e
espíritos
ignorantes,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
93
REVISTA
APOTHEKE [...]”.
Se
atentarmos
para
os
implícitos
à
qualquer
ação
explicação
–
como
principal
a
que
significados configura
uma
ferramenta
que
estão
operação
prática
de
de um
professor que segue o “mito da pedagogia” – encontraremos os sinônimos
de
instrução,
esclarecimento,
compreensão,
elucidação, resolução, entre outros. Geralmente, os mistérios, as dúvidas, as incertezas e os problemas do mundo são mortos pelas explicações. E os truques, igualmente, não escapam desse triste destino. Mas afinal, o que é um truque? Para
o
ilusionismo,
por
exemplo,
a
expressão
'truque'
está ligada ao mistério que envolve toda exibição de um número de mágica. A forma habilidosa de elaboração de um truque é aquilo que o torna mágico. E quanto mais nos esforçarmos para entendê-lo, maior será o nosso espanto. Ligado à visualidade, o truque é o artifício que nos dá a impressão de que algo impossível
aconteceu
bem
diante
de
nossos
olhos,
como
nos
aponta Bioy Casares, através da fala de um de seus personagens (2008, p.85-86): “Lembrem-se de que na, nossa incapacidade de ver, os movimentos do prestidigitador se convertem em magia”. Contrariando, aparentemente, as leis da física, um truque lida com a ilusão, onde a ação do mágico é mais rápida que nossos olhos, representando ser mais complexa que nossa inteligência. Ao mesmo tempo, é valido lembrar que os truques de mágica funcionam como espécies de contratos de fé, através dos quais o público aparenta ter plena consciência de que a encenação de todo
mágico
integra
sempre
uma
perspectiva,
podemos
interrogar:
trapaça. somente
A os
partir
dessa
mágicos
podem
tirar coelhos de uma cartola, serrar pessoas ao meio e mudar a cor
de
um
lenço
com
apenas
um
toque?
Pensando
nessa
interrogação, podemos cogitar que certos artistas manipulam espécies de truques, onde um tipo de contrato de fé também é firmado. ligado
De
certo
apenas
à
modo,
talvez,
visualidade
de
esse um
contrato
trabalho
de
não
esteja
arte,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
mas
94
REVISTA
APOTHEKE igualmente à linguagem que define o seu modo de existência. Sobrevoando certos trabalhos que podem suscitar algumas dessas relações, podemos lembrar do 'museu chapéu' de Robert Filliou, chamado Galerie Légitime, onde o artista francês, ao tirar
o
chapéu
da
sua
cabeça
(modelo
de
chapéu-coco,
indumentária típica de um cavalheiro elegante, como aqueles das
pinturas
interessar,
de
Magritte),
exposições
apresentava,
miniaturizadas
para em
quem
seu
pudesse
interior.
Imagino, aqui, a imagem de Filliou, andando pelas ruas de Paris,
em
1961,
utilizando
o
gesto
de
um
mágico,
onde
a
representação de uma cartola era, agora, substituída por um chapéu que poderia abrigar, não somente coelhos, mas também trabalhos italiano
de
arte.
Piero
Escultura
Igualmente,
Manzoni
Viva,
de
e
1961.
de Tal
podemos seu
lembrar
trabalho
trabalho,
do
Base
artista
Mágica
constituído
por
– um
sólido de madeira, convertia o status de todos os indivíduos que o pisassem, transformando-os, como em um passe de mágica, em
verdadeiras
referendar
obras
Boîte
de
Mystère,
arte. de
Do
Ben
mesmo
Vautier,
modo, série
podemos
de
caixas
lacradas, onde se pode ler a seguinte instrução em uma de suas faces: “Não abra. Esta caixa perderá todo o seu valor estético se você abri-la”. É necessário ressaltar que os trabalhos dos três artistas mencionados, Robert Filliou, Piero Manzoni e Ben Vautier, aqui funcionam mais como um conjunto subjetivo de ilustrações do que como referências diretas ao presente artigo. No entanto, os mesmos tornam-se necessários, talvez, pela beleza de seus gestos simples, lembrando os movimentos ou as transformações enigmáticas de um truque de mágica. Nesse caso, o movimento de extrair
algo
converter
que
alguém
é em
inesperado obra
de
de
um
arte,
sem
chapéu, mudar
a
nada
ação de
de suas
características e o discurso que confere valor à um objeto artístico
funcionam
como
certos
mistérios
que
são
criados
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
95
REVISTA
APOTHEKE pelos artistas e que podem estar presentes em alguns truques de
mágica.
Exemplificando,
podemos
imaginar
que
o
coelho
transformado em lenço por um mágico teria a sua estrutura física transmutada em uma matéria inanimada, já, no truque de Manzoni,
a
função
social
é
alterada
sem
mudanças
físicas.
Trata-se de uma ação mágica que opera através dos códigos da linguagem, onde apenas o conceito do objeto é alterado. Nos trabalhos
mencionados,
poderíamos
observar
que
há
uma
explicação plausível que justifique como os mesmos funcionam, além
da
mágica
ou
do
mistério?
Ou
bastaria
o
discurso
invisível da arte para legitimá-los como construções irônicas que não necessitam de credibilidade factual? Nesse sentido, gostaria de trazer para essa reflexão a contribuição de Luiz Camnitzer sobre o papel que a explicação exerce para os três campos mencionados aqui: a arte, a ciência e
a
mágica.
Publicado,
originalmente,
em
2011,
na
revista
digital Humboldt do Instituto Goethe, o texto de Camnitzer pontua algumas questões pertinentes para pensarmos essas três figuras: o artista, o cientista e o mágico. Desse modo, são trazidos alguns trechos que foram extraídos do referido texto:
[...] Geralmente, falamos da atividade artística como se fosse algo totalmente diferente da atividade científica. Do cientista exigimos que seja responsável e que sirva ao bem comum, que seja rigoroso em seus processos de especulação, de pesquisa e experimentação, e que seja capaz de prestar contas sobre o que faz, quando isso lhe for pedido. Quanto ao artista, por sua parte, tolera-se que assuma algum grau de onipotência. Uma vez que declarada arte, a obra se torna praticamente indestrutível. [...] Para entender melhor esta relação que existe entre o artista e o cientista com respeito à responsabilidade social, convém introduzir uma terceira personagem: o mágico. É o mágico, não o artista, quem está no extremo oposto ao cientista. Isto é assim, porque a essência do ato mágico está na habilidade de esconder o processo e de mantê-lo secreto. [...] A mulher que o mágico apresenta somente aparenta ser cortada ao meio, mas não o é realmente. O cientista analisa o que aconteceria se a mulher fosse cortada ao ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
96
REVISTA
APOTHEKE meio, uma análise que permite decidir que normalmente é melhor não cortá-la. [...] O cientista trata aqui de explicar o incrível. O mágico trata de simular o incrível. O artista trata de apresentar o incrível para expandir o mundo do crível. É aqui onde entra a função da explicação para cada uma destas personagens. [...] Para o cientista, a explicação é sua missão primária. Quer explicar o que até então não foi explicado e confirmar que a explicação que encontra está correta. Pode-se dizer que tudo o que o cientista faz é uma explicação, mesmo que não utilize palavras. Para o mágico, a explicação é anátema. Toda explicação destruiria a ilusão que ele tenta criar e, por isso, sabotaria o seu espetáculo. Daí o juramento da confraria de mágicos de nunca revelar os seus truques.
Vale observar que Camnitzer, através dessas três personas, elabora um pensamento crítico sobre a figura do artista como um ser que também deve ter responsabilidades sociais e que, como sujeito ético, não deveria assumir o papel cômodo de isentar-se das mesmas. Entre as tarefas de um artista estaria implícita,
igualmente,
a
atividade
intelectual
que,
não
apenas, propõe visualidades, como também explicita, através de suas ações e de seus pensamentos: posicionamentos políticos e outros interesses sociais. Dessa forma, o senso comum de que o campo da arte estaria em oposição extrema ao campo da ciência, por exemplo, é problematizado. Todavia, não devemos ignorar as diferenças entre essas áreas, as quais encontram, nos seus fins, processos com modos de existência muito distintos. Podem surgir
daí
impressões
equivocadas
de
que
caberia
à
arte
somente ações subjetivas, as quais a isentariam de reflexões necessárias para o campo do real. De um modo semelhante à reflexão de Camnitzer, na década de 1930, Walter Benjamin já́ havia atentado para essas três figuras através de uma tríade de personas similares: o pintor, o cirurgião e o mago. Nas palavras do autor (1992, p. 99):
O cirurgião representa o polo de uma ordem cujo outro ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
97
REVISTA
APOTHEKE extremo é ocupado pelo mago. A atitude do mago que cura o doente colocando-lhe a mão em cima, é diferente da do cirurgião que realiza uma intervenção no doente. O mago mantém a distância natural que existe entre si próprio e o paciente; melhor dizendo: ele diminui-a pouco – por força da mão que coloca no doente – e aumenta-a muito – por força de sua autoridade. O cirurgião procede ao contrário: diminui muito a distância relativamente ao paciente – na medida que intervém em seu interior – e, aumenta-a apenas ligeiramente – através do cuidado com que sua mão se move nos órgãos do paciente. Isto é, contrariamente ao mago (que ainda está presente no médico), o cirurgião prescinde, no momento decisivo, de se defrontar, enquanto homem, com seu paciente, intervindo nele de forma operante. O mago e o cirurgião comportam-se como o pintor e como o operador da câmera.
A
análise
comparativa
que
Benjamin
desenvolve
está
relacionada com as linguagens e com as técnicas que essas três figuras operam em seus campos, onde o mago está próximo do pintor, assim como a função do cirurgião dialoga sensivelmente com a do operador da câmera, fotográfica ou cinematográfica, justamente por essas duas últimas figuras, na visão do autor (1992,
p.100),
“intervirem
profundamente
na
textura
da
realidade”. Podemos observar que, apesar das diferentes perspectivas, as análises construídas por Luis Camnitzer e Walter Benjamim possuem
pontos
de
contato
que
as
aproximam
como
ideias
correlatas, nas quais a magia e a técnica são problematizadas. O mago, na perspectiva de Benjamin, não é apenas o curandeiro, mas
também
aquele
que
desafia
os
mistérios
do
mundo,
manipulando com os seus truques a realidade que nos circunda. Propositadamente, o cinema será analisado por Benjamin, nesse mesmo texto do qual o trecho acima fora extraído, como um meio técnico que mudará a forma do homem moderno de se relacionar com a reprodução de imagens. Sob essa perspectiva, podemos pensar
que
artistas,
cientistas
e
mágicos
operam,
certas
vezes, truques visuais que, apesar de explicações, permanecem enigmáticos. Refiro-me, aqui, quando o mistério de um dado
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
98
REVISTA
APOTHEKE objeto,
fato
ou
acontecimento
não
consegue
ser
domesticado
pela função da explicação. A arte parece ser um lugar ainda não domesticado. Ou pelo menos deveria ser o campo onde a explicação nunca suplanta o truque. Do mesmo modo, a esfera da educação, há um bom tempo, já
não
é
mais
o
espaço
ideal
para
as
explicações
que
transformam as dúvidas em ruínas. Contrariando essa lógica, ao professor
parece
caber
mais
o
papel
de
mágico
do
que
de
cientista. Entretanto, o truque criado pelo professor estará mais próximo daquilo que os artistas fazem quando inventam uma coisa que chamamos de arte. Enquanto o mágico ocuparia o polo oposto ao do cientista, na linha de pensamento criada por Camnitzer, podemos pensar que o professor de arte estaria na margem
de
tal
polarização.
Ele
transita
entre
o
processo
investigativo do cientista, com suas pesquisas e resultados, mas
nunca
revela
totalmente
o
funcionamento
dos
truques
operados por ele e pelos outros artistas. Apesar disto, uma aula de arte pode ser equiparada a um número de mágica, onde o suspense, o inesperado e a surpresa do visível acontecerá sem que tenhamos a necessidade de entendê-lo por completo. Chegando a este ponto, gostaria de expor o que penso sobre as aproximações entre artista e professor, a partir de minha prática artística e docente. Em primeira instância, não vejo diferenças entre um trabalho de arte e um plano de aula, principalmente em relação ao momento de suas concepções. A invenção e o processo que dá forma à uma ideia constituem, ao meu ver, a principal unidade que aproxima essas duas áreas de atuação. Escolher um assunto, elaborar um discurso, inventar um método, projetar um plano, aceitar o imprevisível e tornar pública toda essa elaboração são ações intuitivas que estão no mesmo campo de experimentação. Apropriando-nos das palavras de Italo Calvino (1993, p. 108), podemos pensar que: “[...] se trata de uma pedagogia que só podemos aplicar a nós mesmos, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
99
REVISTA
APOTHEKE seguindo métodos a serem inventados a cada instante e com resultados imprevisíveis”. Pensar uma aula de arte como um trabalho de arte não significa afirmar que as peculiaridades relacionadas aos seus fins não serão levadas em consideração. O processo de gestação destas
duas
produções
é
aquilo
que
as
aproxima,
mas
vale
repetir que os seus fins não são os mesmos. Não obstante, podemos
pensar
que
um
trabalho
de
arte
não
funciona
sem
público, assim como uma aula não acontece sem alunos. Mas da mesma forma que o mágico não deve subestimar o seu público, a todo
professor
ou
artista
imagina-se
que
caiba
o
mesmo
exercício com aqueles que de seus processos participam. Assim, criando uma ponte entre aula e truque, podemos abolir a ideia de explicação como ferramenta de elucidação que mataria os mistérios da dúvida que divide o mundo, segundo o senso comum, entre aqueles que conhecem e aqueles que desconhecem. Para fins de esclarecimento, ainda sobre a explicação, cabe lembrar como afirma Rancière (2013, p.23) que: “É o explicador que tem a
necessidade
do
incapaz,
e
não
o
contrário,
é
ele
constitui o incapaz como tal”.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
que
100
REVISTA
APOTHEKE
101
Ben Vautier, Boîte Mystère, 1960.
Para finalizar, retomo o trabalho Caixa Misteriosa de Ben Vautier,
realizado
em
1960,
para
destacar
a
potência
de
significado que esta obra possui quando o enunciado que está inscrito em uma de suas faces é lido além do contexto da arte. O aviso de Vautier serve igualmente para pensarmos sobre os mistérios de um truque de mágica e como a fragilidade das certezas nos levaria a perder todos os outros elementos que não estão calcados no conhecimento. Imaginar o que tem dentro da
caixa
de
Vautier
seria
muito
mais
interessante
do
que
descobrir, como já é intuído, que em seu interior nada existe. O conteúdo de tal caixa não possui peso, volume ou densidade e ao mesmo tempo ele é infinito e mágico tal como os conteúdos de uma aula de arte.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Referências CAMNITZER, Luiz. O artista, o cientista e o mágico. Acesso em: 28/03/2014. Disponível em: http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/156/pt8622845.htm CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. CASARES, Adolfo Bioy. A Invenção de Morel. Cozac Naify: São Paulo, 2008. RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. Michel Zózimo da Rocha http://lattes.cnpq.br/3436614841970303 Possui Doutorado e Mestrado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2014 e 2008 respectivamente), Especialização em Arte e Visualidade pela Universidade Federal de Santa Maria (2006), Graduação em Desenho e Plástica/ Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Maria (2004), Graduação em Desenho e Plástica / Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (2007). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Artes, atuando principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea, exposição coletiva, livro de artista, objeto e ensino da arte.
102
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Modos de ser professor-artista Marcelo Forte (UC) RESUMO O presente artigo pretende apontar posicionamentos acerca da docênciaartística a partir do conceito de desterritorialização, tomando algumas experiências no campo da docência em Artes Visuais, de atividades acadêmicas e de investigação como aportes para a discussão em torno do tema. Há relatos do investigador que partem de sua licenciatura em Artes Visuais, passando pelas experiências docentes até chegar no momento atual em que realiza seu doutoramento, com o foco neste tema tratado. Vê-se neste texto, a docência e a arte enquanto territorialidades em um processo de abertura para desterritorializarem-se e reterritorializarem-se juntas em um novo espaço. Esse novo espaço é tomado como uma multiterritorialidade, pois além de abarcar docência e arte, encontra-se aberto para outras contaminações, para se deixar afetar pelas outras territorialidades que encontram-se conectadas em rede. PALAVRAS-CHAVE: multiterritorialidade
docência-artística;
desterritorialização;
ABSTRACT This article aims to point the positions about teaching-artistic from the concept of deterritorialization, considering some experiences in the field of visual art teaching, in academic activities and the research as contributions to discuss about this theme. There are researcher reports from the author degree in Visual Arts, passing through the teaching experiences to arrive at the current moment that He develops on his Ph.D., with the focus on this topic discussed. In this text one can see that teaching and art as territorialities in a process of openness to deterritorialization and reterritorialization together in a new space. This new space is taken as a multiterritoriality, as well as encompasses teaching and art, it is open to other contaminations, to let it be affected by other territorialities that are interconnected. KEYWORDS: teaching-artistic; deterritorialization; multiterritoriality.
Este texto trouxe para mim a possibilidade de revirar o baú
que
venho
enchendo
desde
que
iniciei
minha
trajetória
acadêmica e desde quando comecei a pensar sobre a profissão que venho desenhando ao longo de minha formação. Essas
retomadas
são
quase
sempre
exercícios
muito
produtivos e que nos ensinam algo. Rever e repensar certas práticas faz-nos ponderar se aquilo que fomos ainda é válido para ser no presente, se o que nos afetou um dia continua a afetar agora e como as mudanças constituem nossos modos de ser e de pensar. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
103
REVISTA
APOTHEKE Posso
dizer
que
venho
desde
a
licenciatura
em
Artes
Visuais pensando a respeito da formação docente, mas ao longo desse caminho diversos atravessamentos colaboraram para que eu reafirmasse
ou
mudasse
minhas
opiniões
e
muitos
foram
os
rearranjos e as remodelações para contemplar meus anseios de pesquisa. Esta escrita gira em torno de minhas próprias práticas acadêmicas e docentes e dos atravessamentos que aconteceram nesse caminho de formação. Servem como base para tratar de uma ideia que venho há muito tempo discutindo, de uma constituição de docência-artística. É um modo de ser que pode estar permeado pelas atividades acadêmicas da formação inicial, mas que não se limita a isso, busca tecer relações com os diversos campos que atravessa no decorrer da vida. Investigo neste momento a docência-artística como um campo multiterritorial¹. E para este texto lanço algumas pontuações que
já
venho
produzindo
a
esse
respeito.
Tenho
buscado
compreender a docência e a arte como territorialidades que são desterritorializadas para reterritorializarem-se juntas em um novo campo, o da docência-artística. Por
estarmos
territorialidades práticas
sempre
e
nos
pertencentes
territorialidade
que
conectados
contaminarmos a
outros surge
com
delas,
campos, é
outras
de
outras
essa
entendida
nova como
multiterritorialidade. Sinta-se
convidado(a)
a
entrar
nesses
espaços
docente-
artísticos pelas ideias que aqui pontuo e fazer reverberar em suas vozes e escritas outras ideias acerca da docência e da docência-artística.
Constituição de uma docência-artística ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
104
REVISTA
APOTHEKE Considero-me professor-artista. Desde minha licenciatura em
Artes
Visuais
venho
pensando
a
respeito
não
só
das
nomenclaturas, mas também das profissões de professor e de artista, e de como elas entrecruzadas podem produzir algo em mim e no campo profissional em que atuo. Minha Federal
formação
de
Santa
inicial Maria
foi
e
realizada
durante
o
na
Universidade
curso
passei
por
disciplinas ligadas à produção artística e outras ligadas à docência. Mas foi no momento de preparar um projeto para a realização do estágio supervisionado que vi minhas produções de arte e docência se entrecruzando. Todos os estudantes a partir do terceiro semestre tinham de
escolher
artísticas
um
e
multimeios.
eu
Foi
ateliê
para
decidi
ir
nesse
desenvolver para
período
que
o
suas
ateliê
comecei
de a
pesquisas objeto
produção
e de
objetos de tecido com palavras bordadas em suas superfícies. Essas palavras vinham de um contexto exterior ao ateliê ou mesmo à faculdade, eram expressões muito particulares vividas somente entre meus amigos e eu. Elas
começaram
a
aparecer
em
meus
objetos
quase
que
instintivamente, pois havia um humor sarcástico nos formatos dos trabalhos que as palavras sabiam reconhecê-lo. Ou seja, palavra
e
objeto
tinham
uma
relação
de
cumplicidade
significar a produção, um precisava do outro.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
para
105
REVISTA
APOTHEKE
Imagem 1: Maldita_cuidado que ela morde, 2008 Arquivo do pesquisador
Essa produção com duplo sentido, com sarcasmos e sutilezas penetrou meu pensamento no momento de produzir o projeto de estágio para a docência. Não diretamente, mas principalmente a partir da ideia do jogo - de interpretação, de manipulação fui estabelecendo relações com a arte contemporânea e a sala de aula, buscando tramar discussões e vivências em torno das produções artísticas táteis, olfativas, sonoras, do paladar e visuais. Com o desenvolver das atividades na escola fui lançando novas propostas a cada semestre que se iniciava. Foram três semestres de estágio no total. Na altura do segundo semestre em
sala
de
artístico
aula,
alguns
dadaísta
como
aspectos
relativos
dispositivo
à
arte
ao
movimento
contemporânea
estavam rondando minha cabeça. A receita de poema dadaísta de Tristán Tzara, teve forte influência para o planejamento das aulas.
Assim,
trabalhamos
com
a
palavra
e
com
as
desconstruções, tanto imagéticas quanto de sentido sobre as coisas. Essas experiências trouxeram para minha formação inicial uma
visão
sobre
a
profissão
que
estava
se
delineando,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
106
REVISTA
APOTHEKE contaminada
por
diferentes
aspectos
vividos
e
que
não
se
caracterizava apenas como artista ou como professor. Produzi como uma necessidade um modo de ser professor-artista e sigo a produzir-me de tal forma, nessa formação continuada que se dá academicamente, mas também nos contatos e atravessamentos com outros espaços. Nesse processo parece-me vital Deixar-se capturar pelos intervalos, devanear e permitir-se mergulhos de alice nos passeios por si, ou no completamente fora de si; percorrer-se sem medo de abrir portas, de beber elixires ou de enfrentar jaguadartes [...] (ROMAGUERA, 2111, p. 135)
Em
minha
experiência
docente
universitária,
tive
a
possibilidade de trabalhar com estudantes do Design Gráfico, Design de Interiores e das Artes Visuais em uma disciplina de Introdução ao desenho na Universidade Federal de Goiás. Para além das questões técnicas, dos grafismos e dos materiais, busquei
trabalhar
permitissem
junto
desconstruir
aos
estudantes
algumas
ideias
com que
questões cada
um
que vinha
trazendo acerca do desenho. Os estereótipos, os desenhos de gênios, a figuração, entre outros aspectos do não saber desenhar, foram na prática sendo discutidos e repensados. Não posso afirmar que todos tenham compreendido que o desenho é democrático e permite que cada um, independentemente da idade ou da formação, desenvolva sua própria grafia e suas maneiras de desenhar. Mas, todos tiveram a chance de
experimentar
através
de
exercícios em
sala
de
aula, formas de desenhar diversificadas. Nesse período minha produção artística estava dedicada ao desenho
e
à
colagem.
Tive
de
interromper
a
realização
de
objetos por questões de espaço físico para armazenamento. No campo do bidimensional segui com uma produção que apesar de não haver mais a possibilidade de manipulação tátil, como era com os objetos, tinha as relações e os relacionamentos como fio condutor. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
107
REVISTA
APOTHEKE Meus
objetos
tinham
um
relacionamento
direto
com
o
público, deixavam-se tocar e produziam nas pessoas diferentes sensações
com
suas
texturas
e
movimentos.
Já
os
desenhos
relacionavam-se entre eles. Mesmo quando a representação era de apenas um indivíduo no papel, esse estava em contato com algo que não aparecia ali, mas que poderia estar fora, em outro desenho ou naquele que olhava para o papel.
108 Imagem 2: O beijo, 2012 Arquivo do pesquisador
O
sarcasmo
produção,
mas,
e
o
humor
continuavam
foi
a
partir
de
uma
atravessando
atividade
minha
desenvolvida
junto aos estudantes que uma nova série de trabalhos começou a aparecer e ganhar força para resistir e existir até os dias de hoje. Levei para sala de aula uma proposta de realização de desenhos
a
partir
de
manchas
em
papeis,
que
poderiam
ser
feitas com diferentes materiais escolhidos pelos estudantes. Como trabalhei essa contaminado
por
atividade com
resultados
muito
quatro
turmas,
diversificados
vi e
e
fui
senti-me
bastante entusiasmado para fazer meus próprios desenhos. Assim surgiu a Série Abraço, produzida a partir de manchas de café sobre papel. A temática veio ao encontro daquilo que ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE eu
já
vinha
produzindo,
das
relações
entre
os
seres,
dos
afetos, das trocas e mesmo das ausências. Em cada desenho da série é necessário pelo menos um abraço entre eles. Chamo de seres,
por
não
ser
possível
trata-los
por
humanos
ou
por
qualquer outro tipo de animal. São híbridos, misturam formas de humanos, aves, quadrúpedes, insetos, etc.
109
Imagem 3: Série abraço, 2016 Arquivo do pesquisador
Propus também com os estudantes, atividades de desenho a partir de poemas de Manoel de Barros e do Livro de perguntas de Pablo Neruda. Esses escritores estavam presentes em minhas leituras
naquela
altura
e
participavam
de
minhas
reflexões
artísticas e docentes. Portanto, a entrada deles nas aulas de desenho foram atravessamentos que mais uma vez aconteciam em minhas práticas. Atualmente desenvolvo
estou
afastado
doutoramento
em
das
Estudos
salas
de
aula,
Contemporâneos
pois pela
Universidade de Coimbra, em Portugal. Mas venho planejando e já desenvolvendo atividades como oficinas e mini-práticas para ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE dar
continuidade
continuar
a
às
pensar
experiências nas
relações
docentes
e,
sobretudo,
docente-artísticas
e
nos
atravessamentos que os diferentes espaços habitados produzem em mim. Nesses planejamentos tanto as relações com as palavras que estiveram
presentes
durante
minha
graduação,
quanto
as
atividades mais atuais que venho vivenciando, participam de alguma maneira, sobrepondo-se umas às outras e tornando minhas práticas docentes sempre diferentes a cada experiência. É assim que se estabelece um estado docente-artístico em mim,
movimentado
diferentes
por
campos,
situações
com
passadas
diferentes
e
contatos,
presentes,
de
e
se
que
tem
estabelecido neste momento a partir de viagens, conversas com amigos,
seminários
e
oficinas
de
arte,
visitas
a
museus,
assistindo filmes e séries, lendo livros, produzindo desenhos, colagens e bordados, entre diversas outras situações. Meu
posicionamento
acerca
da
docência-artística
não
se
limita aquilo que pertence ao âmbito da docência e da arte, mas, a partir deles, busco tramar relações com diversas outras situações que permeiam nossos cotidianos. Pode-se pensar, por exemplo, em como determinados lugares influenciaram a pintura de Paul Cézanne, tais como a montanha de
Santa
frequentes
Vitória em
e
suas
as
paisagens
obras.
Não
de
Aix-en-Provence,
foram
somente
muito
atividades
realizadas em ateliê que determinaram sua produção, mas aquilo que esteve presente em outras instâncias de sua vida. De mesmo modo, as casas noturnas de Paris, lugares onde o artista Toulouse-Lautrec circulou durante grande parte de sua vida,
influenciaram
sua
obra
com
diversas
cenas
de
festas
promovidas nesses ambientes. Se trocássemos os cenários desses dois artistas, certamente teríamos produções diferentes, pois os modos de ver aquelas cenas tinham para os dois motivações próprias de cada um. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
110
REVISTA
APOTHEKE Busquei
por
dois
exemplos
das
artes
visuais
não
por
coincidência, mas porque artistas como eles, que trabalharam com o visual e com a representação, nos deixaram registros de suas vivências, de suas visualidades e isso me faz crer que estiveram imersos e foram atravessados por esses ambientes. Em cada área de conhecimento, em cada profissão, aquilo que nos rodeia, em maior ou menor nível, envolve-se com aquilo que produzimos. É o que costumo chamar de contaminação, às vezes pode ser boa, às vezes pode ser ruim, mas em todos os casos deixam marcas que transformam nossas produções e nossos modos
de
nos
relacionarmos
com
a
vida
e
com
as
situações
vividas. Ampliando as vistas Ser artísticas
professor-artista e
subjetivas
é
com
o
tramar
relações
que
experiencia
se
poéticas, para
a
constituição de si e de sua docência. Por isso, devo pontuar que as práticas artísticas não precisam estar necessariamente institucionalizadas, pertencentes ao ateliê ou à galeria de arte, mas incorporadas aos seus modos de ser. Um(a) professor(a) que se constitui artisticamente é um(a) profissional que antes de escolher técnicas artísticas para elaborar seus planos de aula, pensa artisticamente em como afetar seus estudantes com o conteúdo a ser proposto, em como se aproximar deles, de suas vidas e de suas comunidades. Corazza lança um olhar sobre a docência que é permeada pela
arte
fazendo-nos
pensar
sobre
professores
em
devir-
simulacro. Tal devir-simulacro é composto por processos transversais de artistagem, que permeiam as diferentes subjetividades dos educadores, instauram-se através de cada um deles e dos grupos sociais, realizando uma crítica radical a essas formas determinadas e funções legitimadas. (CORAZZA, 2012, p. 7) ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
111
REVISTA
APOTHEKE São devires múltiplos que se desdobram entre as diferentes atividades pertencentes a(o) educador(a), inclusive as de sala de aula. A autora afirma que essa postura faz com que cada aula seja diferente da aula-modelo ou da aula-tradicional. Em
entrevista
para
Oliveira
(2013,
p.5),
Corazza
ainda
questiona: Se imitar, copiar, fazer decalque, chafurdar nos clichês, repetir o mesmo não funciona mais, por termos explodido os cercados e as segmentações territoriais do currículo, só nos resta artistar, não é mesmo? Se não, você para, como educador, se burocratiza, torna-se cansado, triste, pesado, grave, senta, chora, culpa os outros... A lei da vida docente vivida, e que vale a pena ser vivida, poderia ser: artistar, de vez em quando, ao menos, para continuar vivo.
Viver para além de existir, ser parte de ações que mudem o estado das coisas, que transformem os modos de ver e de se posicionar no mundo.
112 Campos desterritorializados Desde o mestrado em Arte e Cultura Visual realizado na Universidade
Federal
de
Goiás
venho
pensando
nos
atravessamentos entre docência e arte a partir do conceito de desterritorialização de Deleuze e Guattari (1996). Para isso foi necessário imaginar a docência e a arte enquanto territorialidades. Haesbaert (2005, p. 20) amplia o conceito de território de um nível físico e biológico para um nível
mais
imaterial
e
simbólico.
Nesse
sentido,
consigo
compreender a docência e a arte enquanto campos territoriais. Com
a
proposta
de
docência-artística
a
partir
da
desterritorialização, os campos de produção docente e produção artística
são
abertos
para
desterritorializarem-se
e
reterritorializarem-se em outro campo. Tudo isso parte de um esforço individual ou coletivo na tentativa de inventar uma ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE nova
territorialidade
territorialidades
que
não
anteriores,
se
mas
que
assemelha se
produz
às pelos
atravessamentos e se mantém aberta para continuar afetando e sendo afetada. [...] não se deve confundir a reterritorialização com o retorno a uma territorialidade primitiva ou mais antiga: ela implica necessariamente um conjunto de artifícios pelos quais um elemento, ele mesmo desterritorializado, serve de territorialidade nova ao outro que também perdeu a sua. Daí todo um sistema de reterritorializações horizontais e complementares[...] (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 41)
A
desterritorialização
é
um
movimento
que
acontece
a
partir do desejo de um indivíduo ou de um grupo de tramar um novo lugar de pertencimento. Desterritorializar a docência e a arte
surge
a
partir
territorialidade
que
dessa
seja
vontade
permeada
e
de
inventar
atravessada
por
uma esses
dois campos. Portanto,
se
há
o
desejo
de
inventar
uma
docência-
artística, a desterritorialização é a ação que movimentará a arte
e
a
docência
de
seus
lugares-comuns
para
reterritorializá-las nesse novo espaço. Ainda que seja de modo provisório e instável, uma reterritorialização implica novas aprendizagens em outras partes, em outras relações. Sair de um território, deixar o que antes era seguro e familiar, romper com uma estrutura de vida até então estabelecida, tudo isto nos coloca em perspectiva, fazendo-nos questionar o que temos como certezas e investimento de nossos desejos. (NUNES, 2014, p. 387)
Buscar pela desterritorialização e pelos atravessamentos entre
docência
experimentar
e
arte
modos
provisoriamente, caracteristicas transbordamentos
de outro
que que
é
abrir-se
ser
e
de
tipo fogem
movimentem
para se de
do sua
a
possibilidade
tornar,
mesmo
professor(a), modelo
padrão,
docência
em
de que com com
direção
docência-artística. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
à
113
REVISTA
APOTHEKE Como todo esse processo depende do desejo e do esforço que parte de alguém ou de grupos específicos, não há um modelo que sirva de referência para todas as docências-artísticas. Cada um
determinará
a
partir
de
seus
repertórios
como
essa
reterritorialização acontecerá. Ou
seja,
todo
esse
professor(a)-artista atravessar
por
processo
carregando
experiências
implica
em
constituir-se
junto
de
si
longo
do
caminho,
ao
e
deixando-se desde
a
formação inicial, com as disciplinas, com os professores e com os colegas até uma formação continuada que pode acontecer em espaços formais ou informais, através das aprendizagens com os outros e com os espaços. Isso significa que não são apenas duas territorialidades que
se
encontram
para
uma
nova
territorialidade,
mas
há
múltiplos espaços que se cruzam e se conectam e fazem parte de nossas vivências e experiências, dos lugares que habitamos ou visitamos, etc.
114
A partir da reterritorialização para a docência-artística, carregamos
também
territorialidades
situações
vividas
profissionais,
pessoais,
em
outras
afetivas,
de
viagens, de conversas com amigos, de visitas à exposições em museus, de filmes assistidos e de uma série de acontecimentos que perpassam nossas vidas. De
meu
ponto
de
vista,
a
docência-artística
pretende
abraçar todas essas possibilidades, entendendo-as como modos de contaminações para uma formação artisticamente ampliada e poeticamente desenvolvida para os professores e professoras. Haesbaert(2005, p. 19) pontua que há uma grande quantidade de
territórios-rede
que
se
conectam
uns
aos
outros
e
que
possibilitam o trânsito entre um território e outro. Por isso, para
a
docência-artística,
ser
uma
territorialidade
pertencente a uma rede de outras territorialidades faz com que
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE sua
posição
no
mundo
seja
ampla,
fluida
e
aberta
para
os
atravessamentos. Essas
redes
integrações.
são
Não
entendidas
estão
enquanto
teorizadas
propostas
apenas
para
de
suprir
necessidades da pós-modernidade, mas atuam como atravessadoras e fazem com que os espaços se encontrem. Existem os espaços entre espaços e espaços dentre os espaços dos espaços. Existem múltiplas fronteiras difundidas de novo e de novo. E ainda assim, nós não descartamos os territórios que criaram e borraram o perímetro das fronteiras. (IRWIN, 2004, p. 32)
Nada está isolado no mundo. Todas nossas práticas estao imbricadas a outras situações e outros meios. Todos os campos de
conhecimento
informações, maneiras
recebem
produções
atuam
em
e
em
menor
ou
acontecimentos
seu
corpo
maior que
quantidade
de
territorial
diferentes e
promovem
115
movimentações e modificações. Por
isso,
pensar
reterritorializado,
é
a
docência-artística
compreende-lo
também
como como
um um
campo espaço
multiterritorial, que se alimenta e se atravessa em outros campos, que conecta-se em redes e passa constantemente por remodelações e adaptações. Para seguir desterritorializando Pode ser que tão breve os apontamentos que aqui escrevi sejam contaminados por outras falas, por novas percepções e ideias
advindas
de
outros
investigadores,
de
outros
professores-artistas e de diversos espaços que participam de minhas vivências. E
é
isso
que
espero,
que
as
desterritorializações
continuem acontecendo e promovendo novos modos de ser e de pensar
a
docência-artística.
E
que
essas
reflexões
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
sejam
REVISTA
APOTHEKE também
disparadoras
para
outras
pesquisas,
para
outras
ponderações sobre o assunto e, se possível, para professores e professoras repensarem suas práticas de sala de aula e de suas constituições docentes. Que este texto seja também uma provocação aos desejos de professores(as)de
sair
de
seus
estados
comuns,
de
suas
posições endurecidas para compreender a docência de maneira fluida, maleável e, principalmente, em constante devir. Encerro
esta
questionamentos
escrita
que
tive
ao
com
a
começá-la:
mesma em
que
sensação
e
posição
me
encontro nesse momento? O que cabe vir ao texto? Posso dizer que
mesmo
depois
de
ter
escrito
centenas
e
milhares
de
palavras, ainda não sei dar uma resposta direta, mas sei que este texto é parte de mim, do que sou e do que busco ser e a posição
da
qual
eu
falo
é
a
de
um
professor-artista
e
pesquisador.
116 Notas: ¹ Pesquisa em desenvolvimento no curso de Estudos Contemporâneos pela Universidade de Coimbra, sob orientação de José António Marques Moreira e Jociele Lampert. Referências: CORAZZA, Sandra M. Contribuições de Deleuze e Guattari para as pesquisas em educação. In: Revista Digital do LAV. Nº 8, 2012. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 3. Rio de Janeiro: Ed. 34. 1996 HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização, multiterritorialidade e regionalização. In: Anais da Oficina sobre a Política Nacional de Ordenamento Territorial. Brasília, Ed. MI, 2005. IRWIN, Rita L. (2004). A/r/tography: A Metonymic métissage. In: IRWIN, R.L.; DE COSSON, A. (Orgs.). A/r/thography: rendering self through artsbased living inquiry. Vancouver, BC. Ed. Pacific Educationa Press, 2004. p. 27-38 NUNES, Aline. Apontamentos sobre deslocamentos territoriais e suas ressonâncias na formação de professores. In: Anais do 23º encontro da ANPAP – “Ecossistemas artísticos”. 2014. Disponível em: http://www.anpap.org.br/anais/2014/ANAIS/Comit%C3%AAs/2%20EAV/Aline%20Nunes %20da%20Rosa.pdf Acessado em: 13/01/2015 OLIVEIRA, Thiago. Artistagens, escrileitura e pós-currículo: bate-papo com Sandra Corazza. In: Artifícios. V. 3, n.5. 2013. Disponível em http://www.artificios.ufpa.br/Artigos/Entrevista%20Corazza.pdf Acessado em: 10/02/2015 ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE ROMAGUERA, Alda. .e? e escrita e(m) educação. In: AMORIM, A.C.; MARQUES, D.; DIAS, S.O. (Orgs.) Conexões: Deleuze e vida e fabulação e... Petrópolis: De Petrus; Brasília: CNPq; Campinas: ALB, 2011.
Marcelo Forte http://lattes.cnpq.br/1214662166228179 Doutorando em Estudos Contemporâneos pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra. Mestre em Arte e Cultura Visual pelo Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás. Possui licenciatura plena no curso de Artes Visuais - Desenho e Plástica pela Universidade Federal de Santa Maria.
117
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
118
ENTREVISTAS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE ENTREVISTA COM LUCIMAR BELLO (LB) Organização e realização: Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke Coordenado e idealizado pela Profª. Drª. Jociele Lampert Entrevistadores: Fábio Wosniak (FW) Luciana Finco Mendonça (LFM)
L.F.M.: Lucimar, olhando para nossas escolas, parece que a Educação está mais inclinada a um processo escolarização, de formação para o trabalho, de “formatação” do estudante, do que propriamente
um
processo
de
emancipação
do
sujeito.
Diante
disso, fica a impressão que a Arte não cabe mais nessa escola, nesse tipo de Educação formatada. Minha pergunta seria se a Arte, no espaço escolar, é uma resistência a esse modelo de Educação escolarizante, mas levando em conta que você trabalha muito
com
a
reinvenção
das
palavras,
resignificando-as,
e
pensando a entrevista que fizemos há pouco com Lilian Amaral¹, com quem você tem parcerias em projetos e sabendo que escrevem juntas, minha pergunta mudou, foi atualizada! Seria a Arte uma ação, um modo de reexistência no espaço escolar? Reexistência da Educação, da escola, dos professores e, consequentemente, para uma formação emancipatória dos estudantes? L.B.: Então, isso me provoca muita coisa! Mas vamos lá, neste exercício mesmo de ficar em estado de pesquisa. Costumo dizer que não somos pesquisadores, mas temos que viver em estado-depesquisa. Um estado interrogante o tempo inteiro. O tempo-todo pensando. Creio que nós temos trabalhado a existência muito na dimensão constatatória. “Penso, logo existo.”, vem de Descartes. Mas nós poderíamos acrescentar outras situações. Se pensarmos na artista americana, Bárbara Kruger que tem um trabalho “Compro, logo
existo.”.
Descartes
fala
em
“Penso,
logo
existo.”
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
e
119
REVISTA
APOTHEKE Bárbara
Kruger,
contemporânea,
vem
com
uma
outra
frase
“Compro, logo existo.”. Temos trabalhado a existência neste sentido:
“Eu
existo.”,
nasci,
“Eu
logo
tenho
69
existo.”, anos,
“Eu
logo
sou
pessoa,
existo.”,
“Eu
logo sou
professora, logo existo.”, e essas coisas são do nível da afirmação e da constatação, apenas. Eu constato que “Tenho tanto, logo...”. Isso tem uma lógica e essa lógica é super importante, mas ela comporta um certo percentual, talvez uns 50%, de ilógico. Eu não só penso e logo existo. Eu penso, duvido e não sei se eu existo! Veja, eu já colocaria outras coisas aqui e aqui. O que é existir? Não basta dizer que nasceu, existe.
Não basta dizer: “Sou professora e existo.”.
Tenho dúvidas se sou professora, se sou artista, se estou existindo do jeito que gostaria de existir, de coisas que eu consigo fazer, de coisas que eu não consigo fazer. Então, estou
o
tempo
inteiro
em
uma
engenhoca.
A
vida
é
uma
engenhoca!
120
Os budistas afirmam que a vida é sofrimento. Até concordo com eles,
mas
acho
que
não
é
só
isso,
discordo
um
pouco
dos
budistas. Por que falo isso? Porque, volta e meia, vou para os sentidos budistas, pois eles me sustentam. Ficar uma semana olhando para a parede, me obriga a colocar um monte de fichas no lugar. Quando estou muito mal, vou lá olhar para a parede e eu consigo, depois de muito desespero, colocar duas ou três fichas no lugar. Então, fico melhor por um tempo. Minha
inquietude
é
muito
grande,
pensando
como
artista-
pesquisadora. Senão, seria profissional de outras áreas, como ficar
apertando
parafusos
e,
assim,
ficar
feliz.
Nós,
artistas-pesquisadores, não apenas apertamos parafusos, porque nós os espanamos muito rápido, ou ele está curto, ou ainda, está muito comprido. Nós temos outras formas de fazer essas engenhocas.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Quando Lilian e eu estávamos trabalhando na Barra Funda, em São
Paulo,
escrevemos
“resistência”,
mas
questionamos
em
seguida: “O que é resistir?”, é o oposto de uma outra palavra. Resistência. Eu vou resistir a uma outra coisa. Mas não é só resistir, tenho que inventar o ato de resistir. Durante muito tempo eu pensei assim, uma pessoa falava uma coisa e eu já discordava - “Não, não é isso!” - é a resistência nesse mesmo lugar (uma oposição imediata). Tem uma coisa ali e eu sou contra aquela coisa, então resisto contra aquela coisa. Porém, acho
que
discordo,
hoje
não
tem
umas
é
mais
assim,
coisinhas
aquela
nela
com
coisa as
da
quais
qual
eu
concordo.
Então, não é um tom de concordo, sim ou não, é sim em alguns aspectos e não em outros aspectos. Não posso falar: “Não, eu discordo de você”, mas você falou umas coisas que concordo, outras que eu tenho que pensar um pouco mais e outras que discordo. Veja que são três instâncias, umas que eu concordo, umas que eu duvido e outras que eu não concordo. E não mais aquele
sim
começamos
a
ou
não.
usar
Trata-se
de
“reexistência”,
“e... porque
e...
e...”.
teríamos
que
Bem, fazer
esse exercício, todos nós, de ficarmos concordando com umas coisas, mas deixando uns buracos, umas frestas com as dúvidas que temos e outras coisas com as quais realmente não fazemos concessão. Por exemplo, se chegar uma pessoa que fale para mim: “Não sei desenhar”, “Você sabe que eu também, volta e meia, não sei”, meu jeito de chegar já é esse. Antes eu falava assim: “Ah, claro que você sabe! É que você desenha de outro jeito!". Hoje eu já chego de outro modo. “Não sei desenhar.”, “Eu também, volta e meia, não sei.”. Apanho ‘pra burro’ para desenhar, porque
antes
me
ensinaram
que
desenho
era
só
um
jeito
de
desenhar, fui convivendo com outras pessoas e sentindo a mesma sensação de “quase um desenho único, em seu modo de ser”. Atualmente, começo a conversar com a pessoa e ela vai ser ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
121
REVISTA
APOTHEKE acolhida pelo jeito dela, em seu não-saber-desenhar, até que ela pense que tem um outro jeito de desenhar, que ainda não tinha pensado e que talvez interesse à ela. E esse jeito, que eu também não sei como que é, ela é quem vai descobrir. E o que é isso? Talvez seja a opção e o percurso de querer ficar na Educação e na Pesquisa o tempo inteiro que nos dê essa possibilidade do diálogo, não do enfrentamento, mas da reexistência,
de
não
ser
do
contra,
mas
de
ficar
em
“compartilha”, pensando com a pessoa aquilo que ela disse que não sabia fazer e criando juntos, outros modos de saber(es). Então, quando você perguntou sobre a escola hoje, da questão da Arte como disciplina e que isso parece não combinar... Tem uma porção de coisas que não combinam! Aula de Arte com hora marcada. Das sete às oito da manhã, você dá aula de desenho. Tem dia que não dá para desenhar das sete às oito da manhã! Das sete às oito da manhã dispara alguma coisa que só vai acontecer no dia seguinte, então é preciso ter um tempo de acolhida para essa coisa acontecer no dia seguinte. Com isso, fica parecendo que naquele dia você não produziu nada, que você ficou apenas pensando. E aí, cadê o desenho?! O desenho está aqui (apontando para a cabeça), ainda não houve o tempo de brotar para cá (para um papel), porque tem essa engenhoca de cada pessoa, cada aluno tem um tempo. Nós viemos de uma escola que todo mundo tinha que dar uma resposta igual. Havia uma pergunta e todo mundo tinha que dar a mesma resposta. Eu sei na pele e sofri muito, porque eu sempre dava uma resposta diferente. Durante muitos anos, achei que
era
burra.
adolescência,
Na
durante
minha
primeira
muitos
anos,
infância achei
que
e
na tinha
minha uma
coisinha a menos do que as outras pessoas, assim para o lado da burrice, sabe?! Até o dia em que entendi, e algumas pessoas me ajudaram a entender isso, aquilo que durante a minha vida inteira me sustentou, que eu tinha um certo jeito de pensar ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
122
REVISTA
APOTHEKE que
era
diferente.
Por
exemplo,
na
hora
do
recreio,
eu
desenhava no caderno de todo mundo. Todo mundo ia correr, pular, jogar bola e eu ficava desenhando no caderno de todos. Este era um jeito de ser diferente da meninada (que era o jeito
de
correr,
de
pular).
Eu
ficava
quieta,
assim,
por
horas. Daí passava alguém lá do outro lado: “Que tá pensando aí menina? Tá pensando besteira?”, “Não, eu estava olhando as pessoas!”. Eu ficava assim: “Passou uma de cabelo loiro pra lá e de óculos. Agora não passou ninguém. Ah! Passou um carro vermelho!”. Sabe, o tempo inteiro eu ficava super antenada. Até
que
algumas
gostava
da
professoras
palavra,
que
começaram
era
a
perceber
observadora,
que
que
eu
gostava
de
desenhar, então, eu comecei a ser acolhida. Mas porque eu estou dando este meu exemplo? Na verdade, é para dizer que a escola,
ainda
hoje,
quer
que
todo
mundo
responda
a
mesma
pergunta do mesmo jeito. Hoje, sei que existe o pensamento metafórico, mas quando era pequena
não
sabia.
Sempre
fui
pelo
pensamento
metafórico,
mesmo sem saber. Hoje, me sinto muito confortável e não é à toa que virei Artista e Professora de Arte, e não Professora de outro
conteúdo. Nada contra os outros conteúdos, mas a
opção
escolha
de
foi
por
aí.
Aposentei,
mas
continuo
na
pesquisa, continuo na FAEB, continuo na ANPAP, não saio das duas, porque é esse o modo de ficar mais inquieta e, de certa forma,
feliz
no
mundo.
E
continuar
inquieta
dentro
desse
recorte. Essa escola muito programada com notas, com respostas iguais e com temas iguais, expulsa, em muitos momentos, a potência da criação. Desse modo, o grande desafio para ficarmos dentro da escola é criar modos de cumprir as exigências da escola, se tem
nota,
se
tem
que
fazer
diário,
se
tem
que
registrar
conteúdos, se tem que passar de ano, essas coisas todas que a escola
exige,
mas
que
são
importantes.
É
importante
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
que
123
REVISTA
APOTHEKE tenhamos esses limites, mas que possamos achar uns buracos para
essas
outras
reexistência,
de
coisas
contemplar
que
eu
essas
estrutura muito rígida da fôrma²
estava
questões
dizendo dentro
da
dessa
Porque também não dá para
dizer: "Acabe com a escola!", “Tem que fazer Arte fora da escola!”. Não! É dentro da escola, mesmo com esses limites realmente duros e com certa maleabilidade na qual eu construa, não
um
diálogo,
estruturas.
mas
e
sobretudo,
um
questionamento
dessas
Por isso é que nós estamos usando essa palavra
reexistência. Durante
muito
tempo,
fiquei
brava
com
a
palavra
"ré",
o
prefixo "re", porque para nós, em Língua Portuguesa, é “marcha ré”, é dar uma volta para trás; refazer, fazer de novo. Mas não é só fazer de novo, é fazer de novo e de um outro jeito. Então, hoje, não tenho mais essa resistência com a palavra "re", porque não a entendo mais como “marcha ré” ou fazer de novo. É fazer novamente de um outro jeito, ou melhor, nem é fazer de novo, mas fazer sempre de um outro jeito, porque o novo
é
aquilo
que
ainda
não
está
instaurado.
Nós
não
precisamos ter resistência perante o novo. Novo é aquilo que ainda não aconteceu. Então, é um estado de aderir, se falarmos pela filosofia, pensando em Deleuze e em Guattari, e essa corrente
francesa
e
seus
descendentes,
por
exemplo,
Suely
Rolnik e outras pessoas com as quais tenho convivido. Podemos pensar resistência no sentido mais da imanência do que da
transcendência,
porque
a
Educação
se
dá
no
sentido
da
transcendência e muito pouco da imanência, daquilo que ainda não está no mundo. O que é a criação? É aquilo que ainda não existe. fazendo
Aí
você
um
semelhante!”,
vê
um
trabalho mas
não
trabalho e
outra
é
igual.
e
pensa:
pessoa É
um
“Nossa, está
fluxo
de
eu
estou
fazendo energia,
tão de
potência, meio próximo, mas não é igual o seu jeito de fazer.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
124
REVISTA
APOTHEKE Fernando Augusto3 tem um trabalho que, volta e meia, nós damos muita
risada,
porque
ele
está
fazendo
o
dele
e
eu
estou
fazendo o meu, e quando vemos, estamos fazendo coisas muito próximas. Ele e o Eriel Araújo4, da UFBA, também trabalham neste fluxo de mínimos do cotidiano. Eles vão trabalhando uma porção de dias, uma porção de dias, uma porção de dias e quando você vê, o trabalho está pronto. Nós temos essa pegada, embora o meu trabalho seja de um jeito, o do Fernando seja de outro e do Eriel seja, ainda, de outro jeito. O Eriel fez fotografias da Baía de Todos os Santos, todo dia da mesma janela fazendo fotografias (não sei por quanto tempo). Ele é químico e colocou essas fotografias dentro de umas caixinhas de vidro. Colocou água do mar e as fotos iam se desfazendo durante
a
exposição.
Era
super
bonito!
Veja,
eu
estava
fotografando um edifício em construção em São Paulo, todo dia da minha janela, e ele lá na Bahia. Aí nós nos encontramos: "Nossa, eu também ficava fotografando!". Agora, o que eu fiz com as fotografias? Uns postais, uma trilogia de vídeo, uns cartemas, ou seja, fiz outro percurso, mas nós dois estávamos fotografando, observando da janela, ele da casa dele, eu da minha casa. Era a mesma atitude, mas o trabalho é outra coisa. A atitude de processo de trabalho é muito próxima. Fernando, escrevendo lá em Vitória, cartas para as pessoas... Todo dia uma frase (não lembro como era direito), mas eu sei, porque tenho uma carta que ele escreveu. Não sei se era uma carta por dia ou cada dia uma carta para um amigo. Mas não era carta-depalavra, era carta-de-linha desenhada! Então, são atitudes de processualidades parecidas, mas os trabalhos, quando vão para o mundo, vão muito diferentes. E tudo isso está aí, dentro do que estamos chamando de reexistência. A Escola precisa abrir lugares para isso, ou seja, propor uma processualidade de trabalho para todos, mas cada um vai achar seu começo e seus percursos. O começo é fotografar todo dia de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
125
REVISTA
APOTHEKE uma
janela,
mas
cada
um
vai
achar
modos
de
agrupar
suas
fotografias (lá na frente e de jeitos diferentes). Agora, com 50 alunos em uma sala de aula, 800 alunos por semana, eu não sei como isso é possível. Aí, fico desesperada, porque temos uma porção de professores com 800 alunos por semana. Como é que você dá atenção para cada um desses 800 - 1/800, 2/800, 3/800 - por semana? Você multiplica por mês, quantos encontros isso
dá?
Não
sei
como
isso
é
possível.
Então,
há
algumas
coisas no sistema de ensino que são extremamente malucas e não sei como um professor pode dar conta de 40 ou 50 alunos em sua aula
de
Português,
em
sua
aula
de
Matemática.
Acho
nosso
sistema de ensino perverso! Diante disso, penso que a nossa responsabilidade na Arte acaba sendo
quilométrica,
buraquinhos
para
consigamos alunos,
fazer
mas
que
porque
essa ao
tão
marcas desse seu aluno
5
precisamos
reexistência,
menos
seja
nela
um
exercício
forte
que
achar
fragmentos por
deixe
ano
uns
em com
marcas,
que esses
como
as
que vai lá decalcar as marcas de sal,
decalcar marcas de ferrugem, como eu estava aqui decalcando as marcas da colherzinha de café. Que seja apenas um exercício, mas que seja agudo e firme e fundo, que marque para a vida inteira, já é um ato mínimo de reexistência. Então, não é apenas existir, mas ficar inventando essa existência, compondo essa reexistência, e é no corpo, não é projetar para quando eu tiver tantos anos, quando eu sair, quando eu formar. É aqui e agora! A gente não sabe se tem amanhã. F.W.:
Eu
tenho
duas
perguntas
e
eu
vou
caminhar
pela
Pedagogia. Como criar espaço para as Artes Visuais na formação do pedagogo? E como criar através desse projeto de formação, desse
espaço,
um
estado
de
pertencimento
acerca
conhecimentos das Artes Visuais?
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
dos
126
REVISTA
APOTHEKE L.B.: Há uma coisa bem legal na sua pergunta, com a qual briguei muito tempo, o "como". Brigo muito com as palavras. Briguei, durante uma época muito grande, com o "como", "para quê", "quando", "por quê" e "quê". Todas as perguntas que começavam com estas palavras, brigava com elas. Eu falava: "Como? Assim, assim, assim.",
"Por quê? Por isso, por isso,
por isso.", "O quê? Isso, isso, isso.", "Para quê? Para fulano e para fulana.", "Por quê? Por isso.". Respondi! (as respostas poderiam ser curtas e sem pensamento adiante). Hoje, estou brigando um pouco menos e aquela com a qual menos brigo é com o "como". Então, quando você me pergunta "como", eu já fico mais
à
vontade
(risos).
Talvez,
dessas
palavras
todas,
o
"como" não nos dê a possibilidade direta de responder. "Por quê? Por isso.", com duas palavras eu respondo. "O quê? É isso.".
“O
quê?”
já
pressupõe
a
resposta
“É”.
Então,
na
Educação, elas são super perigosas, ainda brigo com elas. Mas o "como" instaura a possibilidade de mais conversas.
127
Você me pergunta desse espaço de pertencimento. Eu dei aula na Pedagogia durante um tempo, porque os nossos professores na UFU, em Uberlândia, que davam aula na Licenciatura, eram todos do Departamento de Artes Visuais e não da Pedagogia. Assim, volta e meia, eles nos convidavam. Em uma das vezes em que fui dar aula lá, dei a prova no primeiro dia de aula. Falei assim: “Vocês têm que fazer a prova no último dia, mas eu vou dar o tema da prova hoje.”. Fotocopiei “As Meninas”, de Velázquez, em preto e branco, dei uma cópia para cada aluna: “Vocês vão achar essa imagem colorida, pois ela não é preta e branca. Imprimi pequenininha por questões econômicas, mas ela não é desse tamanho. Vocês vão achar quem fez, quais são as cores, a data, o tamanho, vão achar coisas que não tem nessa fotocópia. A prova vai ser isso! Nós vamos trabalhar o semestre inteiro com “As Meninas”, de Velázquez, que é o nosso alicerce. No dia final,
vocês
vão
fazer
a
prova
sobre
“As
Meninas”,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
de
REVISTA
APOTHEKE Velázquez. Eu vou fazer algumas perguntas, que agora, é claro, eu não vou fazer, mas nós estudaremos o semestre todo e, ao final, faremos a prova.”. As alunas foram para a coordenação, disseram que eu era uma carrasca, que imagina o Professor de Artes, no primeiro dia, dar prova. Então, eu disse: “Não, eu não dei a prova, eu só dei o motivo da prova. Só dei o motivo da prova que é uma imagem, eu não dei a prova.”. "Ah, mas a gente não vai conseguir!", “Claro que vão conseguir fazer! Vocês têm a prova no primeiro dia, daqui doze aulas vai ser tranquilo, tem tempo físico para fazer isso.”. Até que as pessoas
entenderam
que
aquilo
era
apenas
uma
provocação!
Então, quando você pergunta do espaço... Por que eu dei este exemplo?
Talvez
primeiro
momento,
deslocamentos
e
nós
tivéssemos
pensar
não
como
que
ou
tenhamos
sempre
em
espaço
como
lugar
de
confinamento
que,
no
lugar
de
e
de
ou
confirmação. Em muitos momentos, a Escola é lugar de confinamento e não de deslocamento. Então, esse espaço tem que ter fresta, é espaço com buraco, é espaço inabitado, é espaço que tem que ter desa-locamento, des-a-colocamento, que é colocar de um jeito que não fique-certo, mas que caibam os buracos. E, penso o espaço a ser preenchido. Se eu tenho um círculo, e aí vem das brigas com os desenhos mimeografados, sendo que agora nós temos os desenhos do computador, para preencher com amarelo, vermelho, que eu fico "p" da vida, vejo os meus netos lá, volte e meia, com os programinhas desses e penso: “Ainda existe isso? Pelo amor de Deus! Só mudaram as mídias, mas a mentalidade é a mesma!”.
Aí eu vou lá e balanço a mão deles para sair do
lugar: "Não Vovó...", "É para sair mesmo! Sua Professora tem que aprender que tem que sair do lugar!", pois se todo mundo for aprender que espaço é só habitar aqui dentro, nós estamos perdidos. Tem um monte de coisas que são assim, mas a potência da criação não é só isso, é também isso que vaza para fora, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
128
REVISTA
APOTHEKE porque, para começar, pense isso aqui (apontando um círculo desenhado no diário), isso aqui já é para lá, não para cá. Se eu chamar isso aqui "dentro", aqui é "fora". Mas eu posso chamar
aqui
"dentro"
e
posso
chamar
aqui
"fora",
posso
inverter isso. Isso aqui é limite, então, o espaço é sempre limite, que tem para cá e para lá, para dentro e para fora. E é
sempre
esse
dentro
e
fora,
em
relação.
Com
isso,
fico
pensando no espaço como a “ferida” trabalhada por Deleuze. Ele fala que a ferida é a camadinha, e o que tem daqui para dentro é o machucado, daqui para fora é o que não está machucado. Então, interessa para ele essa linha de limite da ferida, pois ela comporta o machucado que está aqui e o não machucado que está lá. É uma linhazinha tênue. O espaço, para mim, é essa linhazinha tênue. Quando você pergunta sobre o espaço das Artes Visuais dentro da
Pedagogia.
Como
é
isso?
Instaurar
aquela
conversa
que
estávamos tendo no começo, essa linha tênue, do sabido e do não sabido, entre... Vamos pensar em termos bem concretos em Artes Visuais... Vermelho dentro e fora branco. Tem uma linha que daqui para cá é vermelha, daqui para cá é não-vermelha. Daqui para cá é branco, daqui para cá é vermelho. Daqui para cá é uma cor, daqui para cá vou chamar de todas as cores, ou ausência de cor, e se eu pegar pigmentos, se eu for para cor luz, etc, posso fazer "n" exercícios, certo?! Mas é relevante sempre
pensarmos
essa
borda
que
comporta
uma
coisa
e
não
comporta outra, estando fora dela, mas que a constitui. Não há modos de pensarmos o espaço apenas com o espaço ocupado, que só existe, porque o que está para fora dele não está ocupado. É
uma
relação
de
interfaces.
Não
é
só
interface
igual,
é
interface física, para cá é vermelho, para fora é branco. Mas eu só sei que aqui dentro é vermelho, porque tem essa borda entre
vermelho
e
branco,
tem
esse
limite,
essa
linhazinha
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
129
REVISTA
APOTHEKE tênue, tem um espaço ocupado e um espaço não ocupado que são coexistentes, que são cúmplices. Tinha uma conversa há uns anos atrás, quando eu participava da ANPED, depois acabei me desligando, não pude participar mais de “n” coisas, mas tinha essa conversa, talvez há uns 30 ou 20 anos, de que a Pedagogia estava sem conteúdo, sem objeto; que a Pedagogia precisava ter o conteúdo, porque os professores da Pedagogia acolhiam alunos de todos os cursos e não tinham objeto. Eu ficava escutando aquilo e ficava assim: “Gente, não acho que é assim!”, sempre achava que não era assim. “Como é que você pode ser um pedagogo e não ter objeto? Que construção mais
esquisita
é
essa?”,
“Ah,
porque
eu
fico
prestando
serviço para as outras áreas!”. Com isso, eu ficava pensando: "Prestando serviço? Também não é assim". Até que um dia, fui começando a achar que eu é que estava fora do lugar. E falei: "Vou sair, porque não dá mais.". Qual é o recorte de um pedagogo? Muito “cretinamente” vou colocá-lo dentro, como um cúmplice, da Educação, um cúmplice de ativador de distâncias educativas, vamos chamar assim. Isso é falar que não tem conteúdo? Lá você está enfiado de corpo, alma, pé, de tudo o que quiser, tudo envolto, tudo junto, está enfiado dentro do processo da Educação. O que fazia as pessoas acharem
que
a
Pedagogia
achavam
que
Matemática
não
tinha
tinha
um
conteúdo?
conteúdo,
Talvez
porque
Português
é
um
conteúdo, disciplinarizavam formas em uma porção de pedacinhos e esqueciam que tem uma pessoa junto nessa história. O “como”, que você está perguntando sobre o espaço das Artes Visuais na Pedagogia,
tem
a
ver
com
essas
relações
de
trabalhar
a
cumplicidade com as pessoas, e não só com o espaço de Artes Visuais.
São
instaurando
os
espaços
questões
nas
das pessoas
Artes que,
Visuais por
sua
que
estão
vez,
estão
ativando suas reexistências. Parece que estou enrolando, mas estou tentando dar nó em uma rede que tem muitos nós, porque ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
130
REVISTA
APOTHEKE também não dá para ficar respondendo, sem fazer conexões com as coisas que vão passando na cabeça, certo?! Não podemos falar
em
espaços
apenas (mais
ocupar
do
espaços,
que
mas
ocupá-los).
de
Ou,
como
transgredir
também,
instaurar
possibilidades de potencializar espaços, mais do que constatar espaços. Nós estamos constatando muito o espaço, estamos muito na
fôrma.
colocam
A
muito
sociedade na
cultural,
fôrma.
as
Precisamos
questões
sociais,
nos
pensar,
des-instalar
voo
havia
e
habitar as “fórmas”. Outro
dia,
estava
lendo
durante
um
que
não
sei
quantas pessoas na fila para comprar um iPhone 6. Puxa, todo mundo tem que ter um iPhone 6?! Eu não quero ter, mas também não tenho idade para ter. Por que, de repente, tem um apelo para
que
as
pessoas
tenham
aquela
tecnologia
nova?
Porque
daqui a pouquinho já vai sair o 7! Tem que ter o 6, mas já vai sair o 7, porque o 3 já não serve mais, porque já está tão atrasado com esse mundo virtual. É isso o que nos vendem. Eu conheço um monte de gente que não tem nenhum iPhone e que consegue assistir o mundo. Conheço um monte de gente que nem telefone tem! Estava em uma aula ontem, com uma colega, e todo mundo disse: "Ah, vamos criar um grupo pelo WhatsApp?", daí ela falou: "Eu não tenho.". Ela pegou o celularzinho, assim, daqueles bem antigos: “Mas o meu tem lanterna!”, e botou a lanterna na cara de todo mundo (risos). Ela é novinha, tem uns trinta e poucos anos, é professora, e foi ótima, porque ela deu uma lanternada na cara de todo mundo e disse: "WhatsApp eu não tenho. Se quiser a gente monta o grupo, mas eu não vou ter o celular, nem vou comprar para poder baixar esse negócio, porque isso não me interessa.”. E achei o máximo, porque não precisa todo mundo ter. Isso é uma fôrma de consumo que querem nos enfiar. Há pessoas que não querem ter e têm direito de não ter, e podem sustentar o seu não-querer. E elas não serão menos gente porque não têm. Mas a fôrma do consumo, a fôrma do ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
131
REVISTA
APOTHEKE social,
a
fôrma
da
moda,
são
"n"
fôrmas.
Você
precisa
da
beleza, agora não pode ter ruga, tem que esticar tudo, bota o botox e bota não sei o quê, não sei “os quês”. Não pode ficar doente.
Hoje,
nós
vemos
esportistas
fazendo
propaganda
de
remédio, dizendo que você não pode ter uma dor de cabeça, seu organismo não pode dizer que você tem uma alergia, toma o remédio antes para não ter a alergia. Você tem "n" situações que nos enfiam em "n" fôrmas e, com isso, nós perdemos a “fórma”. Algumas fôrmas são necessárias, por exemplo, se eu quiser fazer bolo, se não cozinhar em uma fôrma antes de botar no forno, vai estragar o fogão, não vai virar bolo, aí eu preciso da fôrma. Eu preciso de limite, porque se eu não tiver limite, posso chegar aqui e passar em cima de você. Preciso da fôrma, mas eu preciso da “fórma”. E nós estamos ficando muito carentes de “fórma” e excessivamente enformados. Outra coisa que quero dizer, o acento diferencial caiu, não é?!. Então, quando estou escrevendo e para fazer com que as pessoas
entendam
que
estou
dizendo
forma,
com
acento
circunflexo, e forma, com acento agudo, preciso escrever uma notinha de rodapé e explicar: “Eu sei que caiu, mas eu preciso do acento, porque eu não quero que a pessoa leia do jeito que ela quiser, conforme a norma. Aqui, estou falando de fôrma, com acento circunflexo, e aqui eu estou falando de ‘fórma’, com
acento
posso
me
agudo.”.
dar
o
Ando
direito
falando: de
usar
“Como os
sou
muito
acentos.”
antiga,
(risos).
As
pessoas me corrigiam, iam lá e tiravam os acentos, mas eu preciso deles, porque estou falando de outro jeito e a pessoa pode ler forma (ô) ou forma (ó) se eu não usar o circunflexo. E, para mim, é diferente fôrma de “fórma”. Bem, mas você estava falando de pertencimento. Espaço tem a ver com pertencimento, tanto no sentido de que eu tenho que pertencer à alguma coisa, como ter que escapar dessa alguma coisa. E nós vivemos em fluxo. Hoje, eu estou aqui com vocês, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
132
REVISTA
APOTHEKE nós estamos em uma rede de produção de trabalho. Daqui duas horas, nós estaremos em uma outra rede, noutro grupo que se conecta. E falo que nós vivemos em comunidades, certo?! Tem uma
hora
que
é
a
comunidade
familiar:
“Não
li
seu
ontem, porque meu marido estava em casa e não pude responder, porque
precisei
dormir
para
acordar
cedo.”.
Essa
é
a
comunidade família. Agora mesmo, comunidade de pesquisa. Daqui a pouquinho, comunidade dos “comentes”, porque vamos almoçar. Daqui a pouquinho, comunidade saúde, eu vou para o hospital e fico lá internada. Nós vivemos em fluxos! Como é que podemos falar de um pertencimento único? Não tem jeito, porque cada hora você está agregado de outro jeito. Se nós estamos falando de Pedagogia, estamos falando de Educação o tempo inteiro. É o curso que escolhe como temática central o que eu penso ou não, mas eu também posso ter dúvidas. Educar-se! Não é só educar o outro, é educar-se coletivamente, permanentemente, todo mundo. Como professores, pensamos que vamos dar aula, nós receberemos muito mais do que “vamos dar”. Se você prepara um conteúdo, chega
lá
o
conteúdo
amplia,
multiplica.
Você
pensa
assim:
“Hoje vou por este caminho.”, chega lá as pessoas te olham de um outro jeito, daí você fala: “Não! Não vou mais por esse caminho.”, elas estão dando outras trajetórias, que você vai acolhendo e quando vê, já fazemos outros fluxos. O pertencimento, o pertencer, carrega uma necessidade, mas ao mesmo
tempo
justamente,
deixa porque
escapar
coisas
escaparam.
que
Passam
a
passam
a
pertencer,
pertencer,
porque
o
coletivo criou esses escapes. Então, espaço e pertencimento tem a ver com “fórma” e com fôrma, e estamos falando de Artes Visuais.
Antes,
ampliado,
desse
marcas,
de
nós
falamos
trabalho
coisas
que
mínimas.
de está
Coletar
desenho, no
nesse
mundo,
neblina,
de
sentido decalcar
coletar
água,
fazer fotografia e revelar maravilhosamente bem, para depois botar água do mar, deixar isso lá e a água do mar ir corroendo ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
133
REVISTA
APOTHEKE essa fotografia. Me lembro que eram umas caixinhas, com fotos de 10x15cm. Cada uma tinha um tanto de água, umas tinham mais, outras tinham menos. Assim, a que tinha menos água corroía durante um tempo, a que tinha mais água corroía durante mais tempo, porque a água é salgada e ele é químico - estamos falando novamente do trabalho do Eriel. Ele sabia o que estava fazendo. Ele não estava fazendo um trabalho ligeiro, mas um trabalho que tem a ver com poluição, tem a ver com a Baía de Todos os Santos que não é poluída, tem a ver com a janela da casa dele, tem a ver com o passante, tem a ver com o turista, tem a ver com a química, tem a ver com as Artes Visuais, tem a ver
com
fazendo
ficar uma
durante fotografia
365
dias
para
(eu depois
acho),
todos
colocar
na
os
dias,
água
e
desmanchar. O que é isso? Ficar um ano inteiro fazendo uma coleção de instantes, depois coloca-los na água para que ela desmanche esses instantes? Que raciocínio é esse? Do frágil, do que não dura, do efêmero, mas também do programinha de um ano,
desse
desmontado,
limite esse
formal,
informal,
estruturalista, esse
diluente,
para esse
depois
ser
frágil,
que
vira “uma outra coisa”. Não sei o que virou este trabalho, hoje. Não sei onde estão as caixinhas, mas fiquei curiosa agora que voltei a pensar no trabalho. F.W.: Lucimar, você diz o seguinte “A Arte é manifestação de um sujeito que se faz ver e nos mostra, por sua produção, uma sujeitidade, uma pessoalidade e uma coletividade”, isso está no “Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte”, de Ana Mae Barbosa. A partir disso, como articular propostas ou projetos educativos em Artes Visuais na escola atual, que permita ou possibilite aos sujeitos a compreensão de si no mundo? E que “caminhos”
você
instalaria
como
relevantes
para
que
esse
processo tenha iniciativa nas escolas de Educação Básica? Eu
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
134
REVISTA
APOTHEKE tenho me debatido sobre essa compreensão de si, sobre essa compreensão do mundo. L.B.: Só Educação Básica você está pensando? F.W.: Sim, porque estou focando sobre o Pedagogo. L.B.: Certo! Eu perguntei isso, porque essas nomenclaturas e definições
sobre
Educação
Básica
podem
ser
extremamente
amplas. Para mim, vai além da Básica, porque diz respeito a um tempo físico muito grande. Você considera desde os 5 ou 6 anos... é muito tempo físico. É muita diferença, não apenas em idades cronológicas, mas em idades mentais, criadoras, para colocarmos em um bloco só. Então, eu estava tentando, para pensar
a
resposta,
fazer
esse
exercício
de
criar
alguns
campos.
135 F.W.: Neste caso, podemos pensar apenas na Educação Infantil. L.B.:
Melhor!
Porque
a
Educação
Básica
é
muito
longa.
O
universo de interesse, o universo de um adolescente, de um pré-adolescente, é muito diferente de uma criança de 5 anos. É a mesma pessoa, mas em distâncias quilométricas entre modos de ser, entre modos de existir, modos de pensar, mesmo de preparo físico.
Um
adolescente
está
em
um
fluxo
completamente
diferente de uma criança de 3 ou 4 anos. Então, vamos pensar a Educação
Infantil
para
essa
sua
pergunta.
Façamos
este
“recortezinho”, até mesmo para fazermos esse exercício. Quando você estava aí lendo coisas que eu escrevi... volta apenas aquelas três palavrinhas... F.W.: Sujeitidade, pessoalidade e coletividade. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE L.B.: Isso! Então, quando você fala da compreensão de si e do mundo, isso me remete à Virgínia Kastrup. Ela é uma pessoa que me
deu
um
alicerce
muito
grande
para
pensar
a
atenção.
Virgínia (não sei se ela fez o doutorado) no Núcleo de Estudos da Subjetividade, volta e meia está por lá, e a Suely Rolnik tem convidado a Virgínia para muitas falas. Acabei ficando amiga da Virgínia e foi ela que me deu esse parâmetro de que não existe desatenção. Eu nunca tinha pensado nisso. Primeiro, ela pensa invenção como cognição. Acho isso legal. A invenção é
cognição,
isso
também
foi
a
Virgínia
que
me
ensinou.
Invenção e cognição estão juntos, pregados. Não é um depender do outro, não. É pregado! Não estou falando de um inventar metafórico. Estou falando de invenção e conhecimento pregados. Cognição junto com invenção. A invenção de si no mundo, e ela diz que não existe desatento, quando eu estou aqui mexendo o meu suco e parece que eu não estou vendo você, estou aqui mexendo o meu suco, mas pensando sobre um texto que eu quero escrever de como fazer um suco de hortelã com abacaxi que seja no ponto, nem muito abacaxi, nem pouca hortelã, nem muito gelo, nem muito açúcar. Quatro coisas. Como eu misturo essas quatro
coisas
goste?
Estou
para aqui
dar
um
pensando
suco
que
isso,
a
vocês
maioria estão
das aí
pessoas falando.
Parece que eu não estou escutando vocês, e não estou mesmo, porque minha atenção não está na pergunta que você me fez, mas no suco e no que eu quero escrever, em como juntar essas quatro coisas e como fazer um suco que a maioria das pessoas goste. Estou desatenta aqui. Eu despluguei de “um lá”, para plugar “num aqui, agora, já”. Em muitos momentos, na sala de aula e com os grupos coletivos, parece que uma pessoa está desatenta, porque ela está com sua atenção voltada para outro foco de interesse. Então, na sala de
aula,
considerando
que
estamos
falando
do
público
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
da
136
REVISTA
APOTHEKE Educação Infantil, passa muito por aí. As crianças dessa faixa etária estão muito mais ligadas às descobertas do mundo, muito mais à “fórma” do que à fôrma. Ultimamente, nós estamos muito mais enformatados do que a relação da “fórma” que as crianças estão
descobrindo
no
mundo.
Primeiro,
sai
daquele
plano
bidimensional e começa a engatinhar. Está na cama, está no colo da mãe, está deitada aqui e começa a descobrir as coisas. Quando começa a engatinhar, começa a pegar nas pernas das cadeiras, começa a andar, começa a descobrir que o mundo é vertical. Aí começa a descobrir que o mundo é redondo. E que ver daqui até ali... anda... e o ali já sumiu, porque tem um outro ali para frente. Vai descobrir a linha do horizonte. Vai descobrindo que tem uma porção de coisas... que o cheiro da mãe não é o mesmo no mesmo dia, que o comportamento do colega não é o mesmo do dia anterior. Vai descobrindo o mundo, vai descobrindo,
vai
descobrindo,
até
entender
que
tem
uma
complexidade e não apenas uma linha reta e uma linha vertical. Então, essa descoberta leva um tempo. As crianças vêm dessas descobertas quando chegam na e da escola. Começam a descobrir a sexualidade. Alguém dizia, não me lembro agora quem é o teórico que falava isso, que as crianças de 3 e 4 anos são os pequenos masturbadores do mundo. A primeira vez que eu vi isso, disse assim: “Cruz-credo!”, mas é mesmo. É quando as crianças começam a descobrir que mexer no sexo dá um tesão e isso traz uma possibilidade desconhecida até então. “Mas como? Já?”, “Já, não! A criança já nasceu, já existe!”. É preciso dar a existência para ela, não tem que esperar ela querer-reexistir. Nós, em nossas “adultidades”, é que estamos pensando em não se tratar de um ser humano, pensando uma criança como uma miniatura. Trata-se de uma pessoa-pequena que existe, já nasceu,
a
sexualidade
está
ali,
já
nasceu
com
ela,
a
sexualidade nela existe. Não precisa esperar 10 anos ou 11 anos para alguém mexer no seu sexo para lembrar que existe. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
137
REVISTA
APOTHEKE Opa! Isso seria muito tacanha e muito canalha para consigo e para
com
o
emocionais,
outro.
também,
em
todos
ancorando
separados,
Então, os
a
muito
essas
campos,
criação.
pelo
relações idades
Corpo
contrário,
e
e
são
todas,
físicas,
momentos
criação
estão,
não
constituintes
estão de
Uma
Pessoa. Quando Virgínia fala sobre invenção de si no mundo, ela não está falando somente de um comportamento e de uma atitude. Ela está
falando
da
permanentemente,
consigo
compartilhadas. invenção
vai
pessoa
É
e
que
se
os
outros.
com
corpo-inteiro.
daqui
para
cá.”.
A
Não
inventa-inteira,
dá
São
inteirezas
para
invenção
sou
dizer: eu
com
“A essa
confusão inteira, o tempo todo. É uma grande proliferação e é permanente. nessas
Pensar
crianças
na
da
escola,
Educação
pensar
nesse
Infantil
sujeito,
(nesse
pensar
recorte
que
fizemos) - se chamarmos ao invés de sujeitos, mas nominarmos como sujeitos-numa-criança - e colocá-los neste universo de descoberta do mundo e de mundos, temos que possibilitar para eles, o tempo todo, descobertas de mundos na Arte e na Vida. Eu
não
sou
professora
dessa
faixa
etária,
nunca
fui,
mas
adoraria ser hoje. Não serei, porque também adoro viajar e acharia
um
viajar
a
assume
se
desrespeito
toda
hora;
você
vai
assumir
que
você
escapar,
um iria
mas
grupo
sabendo
escapar. eu
que
Então,
adoraria!
iria
não
Sempre
se fui
professora, desde 1966. Naquela época, de quarta séria para cima
até
o
mestrado,
no
qual
fui
orientadora.
Depois,
aposentei e estou fora do processo oficial da Educação. Essa faixa
que
nós
estamos
considerando
da
Escola
Básica,
reportando às séries iniciais, percebo que a potência está muito viva, que o atrevimento está muito possível. As crianças são muito levadas, são muito espertas, são muito falantes, elas atravessam o tempo inteiro e nós ficamos querendo enfiálas em outros lugares. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
138
REVISTA
APOTHEKE Outro
dia,
vi
uma
aula
de
informática
para
um
grupo
de
crianças entre 4 e 5 anos. E qual era a aula de informática? Um
telão
passando
uma
imagem
daqueles
porquinhos
cor-de-
rosa... Pepa, e que agora em todos os lugares tem Pepa. Não aguento
mais
ver
Pepa.
Em
tudo
quanto
é
lugar
que
vou...
pequeno, grande, de plástico, fofo, mole, duro... não precisa, não é?! Não precisa. Nessa aula de informática, as crianças estavam todas sentadas no chão e todos olhando a Pepa Pig. Isso é aula de informática? Ah, faz favor! Deu uma vontade, mas não posso falar, porque não estou na escola. Eu só passei por lá e não tenho direito de falar nada, mas me deu uma vontade de falar assim: “Gente, não faz isso não. Não chama isso de aula de informática. Isso não é aula de informática.”. Lá no plano da escola estava escrito... E a professora que nos guiava
dizia:
“Agora
a
gente
vai
passar
na
aula
de
informática!”. Eu ficava arrepiada, queria ir embora da escola correndo, porque isso é uma mentira para as crianças, isso é uma mentira para os pais das crianças, isso é uma fôrma muito cômoda de puxar para o que poderíamos chamar de des-educação. “Agora, nós vamos ver um vídeo.”, pelo menos sejam honestos. “Vamos ver a Pepa Pig.”, dá nome para a coisa e pronto e acabou! Que, aliás, nem precisa passar na escola, porque as crianças
já
veem
demais,
em
todos
os
lugares.
Na
escola
deveriam ver e viver outras coisas, camadas de vida-inventiva. E perceba que era uma escola dita “boa”. Não era uma escola qualquer. Era uma escola renomada, tanto que seria muito mais interessante,
penso
eu,
que
as
crianças
estivessem
lá...
“Vamos desenhar no espaço, vamos pular!”, vamos fazer alguma coisa que pelo menos os corpos estivessem em sua potência de criação, do que ficar sentado vendo algo que elas já estão cansadas
de
ver.
Ou
ficar
lá
reproduzindo
o
alfabeto
em
inglês, que se escuta em algum desenho, porque também tem isso, um desenho que fica ensinando a mesmice. Tenho neto ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
139
REVISTA
APOTHEKE pequeno, estou convivendo com essas coisas, na escola e na família. Outro dia, minha neta de 12 anos tinha que fazer uma “crítica literária”. Ah, eu olhei aquilo e perguntei para ela o que era uma crítica literária: “Ah, vovó, é pra gente ler um texto e escrever o que a gente entendeu.”. Falei: “Ai, que dó.”, é muito peso para uma criança de 12 anos. Não mente para ela, porque ela não está fazendo uma crítica literária. Menos é mais! E a escola tem que ser menos para ser mais! Nós estamos muito cooptados por essas fôrmas e reproduzindo as fôrmas, sem pensar na potência e nas “fórmas”. Para se trabalhar com crianças, preciso saber o que são as crianças
e,
acho,
um
curso
de
Pedagogia
faz
isso,
porque
quando lá se dizia que não tinha objeto, eu ficava assustada: “Como
não
tem
objeto?
Estão
sem
conteúdos?
Os
cursos
de
Pedagogia estão sem conteúdos?”. Os conteúdos são as pessoas educáveis, daí falar que estão sem conteúdo... “Estão sem as pessoas? Eu não estou entendendo!”. Mas era desse tipo de conteúdo
que
estava
tantinho
para
cumprir,
Português
sendo
cumprir, esse
dito,
Artes
Matemática tantinho
tem para
Visuais esse
tem
esse
tantinho
para
cumprir,
e
a
pessoa
inteira? Quando você pergunta sobre a relação, nas Artes Visuais, da sujeitidade,
pessoalidade
e
coletividade,
me
lembro
de
Deleuze, de Guattari, da Suely Rolnik. Penso em um sujeito que fica
permanentemente
se
inventando.
Não
um
sujeito-dado
ou
dotado disso ou daquilo. Desse modo, a sujeitidade seria uma tentativa de não ficar no sujeito, mas voltar o sujeito para com sua idade, um contexto, uma ambiência, sua etnia, suas ancestralidades.
Hoje,
colocaria
no
plural,
um
“s”
entre
parênteses – sujeitidade(s). Isso era a tentativa de já pensar um
sujeito
permanentemente
em
estado
de
invenção.
Permanentemente, independente de ser criança, ser adulto, ser ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
140
REVISTA
APOTHEKE professor, ser aluno, ser Educação Básica, se esse recorte da Educação Infantil, independe o instante da vida. Pessoalidade, isso foi uma conversa com o Marcos Vilella, que cria
essa
palavra
para
dizer
do
estado
de
ser
pessoa,
permanentemente se inventando. Eu não sou uma pessoa que fica pronta, ninguém fica pronto! Não tem jeito de ficar pronto, nem jeito de acabar. Dizem que quando morremos, acabamos. Mas isso apenas fisicamente, porque as nossas coisas continuam a menos que queimem tudo. Mesmo assim viramos cinza. Então, não tem jeito de queimar tudo, porque algumas pessoas já levaram algumas coisas que são suas, não tem jeito de destruir, nem que queimem. Podem queimar tudo aquilo que está comigo, mas aquelas outras coisas - em nosso caso, por exemplo, nós que escrevemos, os textos andam - como é que vão pegar tudo o que você escreveu e que alguém copiou, que alguém memorizou? Não tem jeito, não acaba. Nós, pessoas, não acabamos. As pessoas não acabam. Elas estão sempre “em-se-fazendo”. Isso parece um português
esquisito,
“em-se-fazendo”,
mas
não
tem
jeito
de
falar diferente. A pessoa que vai “se-fazendo”, não é a que vai “si fazendo”. Uma pessoa que “se faz”, não é a que “si faz”. Uma pessoa “em se fazendo”, não é “em si fazendo”. É “em se”, ela pode fazer, eu posso fazer; não é fazendo “em si mesma”. E a coletividade é esse trabalho colaborativo, ninguém existe sozinho. É colaborativo, compartilhado. Lilian6 e eu, usamos “compartrilhas”. Me lembro que estava escrevendo um texto para a ANPAP, há dois anos atrás, e que escrevemos juntas. Depois, fomos para as agências de fomento, tentar conseguir passagem. Cada uma fez seu texto. Nós fizemos uma introdução conjunta, mas com um miolo completamente diferente. A introdução era bem pequenininha e igual, um miolo muito diferente (cada uma de nós com seus percursos), e uma conclusão bem pequenininha, também igual, pois construímos juntas o começo e o final (em ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
141
REVISTA
APOTHEKE muitas horas de trabalhos, conversas e inquietações). Na hora de apresentar, o fizemos também juntas. “Eu falo isso, você fala aquilo.”. Nós fizemos uma apresentação juntas, porque era “compartrilhar” o texto. Nós escrevemos juntas, pedimos para nos colocarem uma depois da outra durante a apresentação e, na hora de falar, nós somamos o tempo das duas e vivemos juntas esse estado-de pesquisa-em ato, mesma situação na ANPAP, que é uma associação de pesquisadores-em arte. Ao invés de ser uma e outra,
fomos
pessoa,
nós
as
duas-juntas.
juntamos
em
Os
quarenta
vinte e
minutos
apresentamos
para
cada
com-juntas
(separado). Por que eu estou dando este exemplo? Porque essas frestas,
seja
no
meu
plano
de
aula,
lá
numa
prestação
de
contas, no papel “oficial” com suas exigências, eu coloco que os alunos preencheram os papéis com tinta vermelha, agora, “como”
vou
fazer
isso...
deixa
acontecer
na
aula.
Se
se
borrarem inteiros de vermelho, leva uma tinta lavável e vai tomar banho, passa pano, limpa, mas eu não vou escrever isso. Isso não vai ser legal escrever, porque vão dizer que não estou dando aula. A tinta está no corpo, porque não está no papel. Não! A tinta está no corpo, porque é no corpo, não é no papel. Isso é a nossa visão. Contudo, para o outro lá, tem que ser no papel, então nós escrevemos que só colocamos tinta no papel. Claro que não é tão simples assim, é bem mais complexo, mas é só para termos claro a que estou me referindo. O suporte, que é um cúmplice, é o corpo. Mas eu escrevo que foi o papel. As pessoas querem medidas de 30x40cm, eu coloco lá tudo o que eles querem. E aceitam! Assim, sou um ótimo professor, sou bem avaliado, eu preencho tudo! Mas, no fundo, nada nem 30cm, nem 40cm, nem tinha papel, tinha folha. Coube todo mundo, foi aquela meleca total, mas todo mundo ficou bem. E
é
nessa
relação
que
penso
a
atenção,
trabalhada
pela
Virgínia Kastrup. Não é só ela que está pensando a atenção e a invenção de si, mas a maneira como ela escreve, trouxe, para ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
142
REVISTA
APOTHEKE mim, muito aconchego de entender a invenção de si no mundo. Mas eu também colocaria a invenção de si e de mundos outros. Lembra quando eu estava falando das comunidades? Que uma hora eu sou a comunidade de família, outra hora eu sou a comunidade hospitalar. Como é que eu agito a invenção na minha comunidade hospitalar, na minha comunidade familiar, na minha comunidade mestrando, invenção?
esse Como
estado é
permanentemente
permanentemente,
nós
de
pesquisa,
agitamos
os
de
mínimos
grãozinhos no lugar onde nós estamos? Nesse
dia
em
que
passei
lá
na
escola
e
vi
a
aula
de
informática, não tive jeito de agitar nada e isso me afeta até hoje. Qualquer dia, sou capaz de voltar lá, querer visitar a Escola novamente. Tem horas que não dá para você atuar naquele lugar, isso é extremamente angustiante, porque nós teríamos que
atuar,
ainda
mais
quando
você
vê
que
em
um
espaço
denominado de Educação, a compartilha e a potência da criação estão esvaindo. Uma
outra
143
coisa
Infantil,
é
a
crianças
sabem
que
talvez
escuta. propor
falte
Temos e
que
as
na
escola,
escutar
crianças
as têm
na
Educação
crianças. umas
As
coisas
deliciosas, quer ver? Tenho um sobrinho, hoje já é grande, mas quando pequeninho, dizia duas coisas, aliás vou contar três: “Eu
não
gosto
de
frango
com
caroço,
nem
de
leite
com
semente.”. Frango com caroço o que é? Frango com osso. E leite com semente? É leite com nata. Mas não é lindo?! Poxa, você escuta isso de uma criança e pensa: “Ah, eu vou desenhar um frango com caroço!”. Se ele vai desenhar frango ou não frango, com caroço ou sem caroço, você tem que ver o que ele entende dessa junção de palavras e vai fazer o desenho. Escutar isso em uma aula é um prato cheio para colocá-los para desenhar. E o que vai sair? Eu não sei, eles têm 5 anos, 6 anos, eu não sei o que “vai sair”, mas ele me deu essa dica. Aí tem um outro
exemplo.
Ele
estudava
o
vencimento
das
coisas
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
e
REVISTA
APOTHEKE perguntou: “Todas as coisas vencem?”,
aprendeu na escola que
as coisas têm validade. Chegou em casa, na hora da refeição e disse: “As coisas vencem.”. “Ah, pão vence? A pasta de dentes vence?”, “Isso vence?”, “Vence.”, “Isso vence?”, “Vence.”, a água vence?”, né?!”...
A
avó
“Vence.”, tinha
“E
“Ah, então a vovó também venceu,
morrido
e
“ido
para
o
céu”.
Não
é
demais?! Então, “A vovó também venceu, não é?!”, poxa, se uma criança fala isso em uma aula, eu vou desenhar a avó que venceu, porque é muito lindo! E, então, a vó morreu e ele continua: “Cadê a porta do céu?”, “Como assim, cadê a porta do céu?”, “Ah, disseram que a vovó morreu, foi para o céu, mas céu
não
tem
desenhar
a
porta!”,
porta
então
do
céu?”.
você
desenha
Imagina
que
a
porta:
desenhos
“Vamos
lindos
a
partir da porta do céu? Há pouca escuta de um pensamento metafórico. E que, às vezes, parece
que
enquanto
você
está
trabalhando
um
determinado
conteúdo, a criança fala uma dessas e parece que isso é de fora, que ela está desatenta. Que nada! Ela está no que ela viveu e está nela acesa, está dando uma pista do cotidiano dela, de alguma coisa que ela associou, de alguma fresta que brotou e nós não acolhemos esse brotar, esse brotamento. A Virgínia
Kastrup
maravilhosa!
As
trabalha crianças
a têm
des-atenção esse
de
pensamento
uma
forma
metafórico
extremamente ativado, de uma forma potente, intensa e linda! Notas 1
Lilian do Amaral Nunes é Artista Visual, Pesquisadora, Curadora Independente e Professora, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual, Faculdade de Artes Visuais, da Universidade Federal de Goiás. 2 Conforme o Novo Acordo Ortográfico, de janeiro de 2009, o acento circunflexo diferencial para o vocábulo fôrma passou a ter uso facultativo. Assim, podemos escrever fôrma ou forma (ô). Algumas pessoas defendem a continuação do uso desse acento diferencial, mas outros acreditam que é possível fazer a diferenciação pelo contexto. Desse modo, apenas no caso de gerar ambiguidade no texto é que o acento deve ser utilizado. Nesta entrevista, decidimos manter a utilização do acento para diferenciarmos os vocábulos fôrma de forma (ó), tendo em vista o próprio sentido desse modo
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE de escrita para a Artista Professora Lucimar Bello. Adiante, ela mesmo explica os motivos desse uso. 3 Fernando Augusto dos Santos Neto, Artista e Professor do Departamento de Artes Visuais, da Universidade Federal do Espírito Santo. 4 Eriel de Araújo Santos, Artista e Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. 5 Referindo-se à prática artística de Leandro Serpa, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/ UDESC, durante os anos de 2013 e 2015, sob orientação da Profª Drª Jociele Lampert. 6 Lilian do Amaral Nunes.
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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE ENTREVISTA COM ANA MAE BARBOSA (AMB)¹ Organização e realização: Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke Coordenado e idealizado pela Prof.ª Dr.ª Jociele Lampert Entrevistadora: Tharciana Goulart da Silva (TGS)
T.G.S.: Considerando a perspectiva do professor/artista, como a
senhora
avalia
a
relevância
da
prática
poética/artística
para a prática docente? A.M.B.:
Eu
acho
as
duas
coisas,
a
prática
e
a
teoria
extremante relevantes para a formação de um artista. Costumase dizer que a Universidade não forma artista, claro, família também não forma artista. O que forma um artista é o desejo do artista de ser artista. Agora, que a Universidade pode ajudar muito e atrapalhar muito, também pode. Essa coisa das modas, da Educação seguir a moda, parece coisa de moda de vestir. A moda é sazonal, passa um tempo que é Derrida, depois vai para um
outro,
sempre
filósofo
francês.
O
Brasil
é
um
país
de
mentalidade extremamente colonizada. Cada vez eu me espanto mais com o inconsciente coletivo colonizado que nós temos, que rejeita a América Latina somente para valorizar Estados Unidos e Europa. Tudo que vem da Europa é bom para esse pensamento colonizado, perdidos encontrar
no
quando mundo
dentro
realmente de
de
hoje
nossas
não quanto
é
isso. nós
experiências
Eles
estamos. comuns
estão
tão
Precisamos de
América
Latina respostas para o nosso problema, que é dirigido pelo principal problema, que é essa mentalidade colonizada. Mas, essa relação da teoria com a prática é absolutamente fundamental para que o artista tome consciência do que quer e do que fazer. Foi um artista que colocou isso em prática de uma
maneira
extraordinária,
a
pergunta:
“Quem
somos,
onde
estamos, para onde vamos?”. Essa pergunta de Gauguin, que foi um dos mais perturbados artistas da História da Arte Moderna, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
146
REVISTA
APOTHEKE é
fundamental.
Gauguin
foi
também
um
dos
mais
maltratados
artistas, não pelo mercado, o mercado valoriza muito, mas até hoje o preconceito contra Gauguin é muito grande. A coisa mais normal
na
desfazem,
vida casar
comum outra
é
você
se
separar,
vez,
ir
para
lugares
casamentos distantes
de etc.
Gauguin foi sempre criminalizado pela sociedade porque largava a mulher e se mandava para o Taiti, enlouquecido por lá, mas uma loucura extremamente produtiva. Fui obrigada a pesquisar um pouco sobre Gauguin, porque, no último congresso em que fui presidente da INSEA, escolhemos para o tema não algo escrito, escolhemos uma obra para ser o tema, e a obra foi esse quadro do Gauguin, “Quem somos, onde estamos,
para
onde
vamos?”.
Que,
aliás,
é
um
trabalho
lindíssimo. Isso aconteceu em Montreal. Todas as escolas da cidade receberam para cada aluno uma reprodução da obra e foi pedido para os professores que se trabalhasse com os alunos essa obra. Foi fantástico! Em um jantar, as coisas usadas, inclusive não só em Arte, mas em design também, tinham alguma intervenção. Eram re-leituras, re-organizações, um re-pensar da obra do Gauguin. O jogo americano era desenhos de crianças, e nós podíamos refletir inclusive sobre a orientação que eles haviam tido, porque depende muito da orientação do professor o que a criança vai fazer. Em alguns, era óbvio que a professora tinha ressaltado o problema da natureza, Gauguin e a natureza. Outras,
que
havia
ressaltado
principalmente
o
problema
religioso, a dupla religiosidade que o quadro mostra. Outros mostravam claramente a dupla cultura do Gauguin, a do Taiti e a europeia. E assim por diante. Outros, até a própria forma de ler o quadro, como ele havia invertido a leitura da escrita ocidental para privilegiar a leitura da escrita oriental. O nascimento começava na direita e a juventude vinha mais à esquerda até a velhice que está representada no fim do quadro, na
extrema
esquerda.
Então,
havia
leituras
diversas,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
147
REVISTA
APOTHEKE interessantíssimas. Gauguin coloca o problema da reflexão, não digo
nem
teoria,
refletir
sobre
o
que
você
faz,
absoluta
consciência do que você faz, buscar essa absoluta consciência daquilo que você faz e do que você quer. Não é claro o que você quer, para ninguém, não é claro o que a gente quer da vida,
mas
é
isso
o
que
nos
leva
a
sermos
seres
humanos
racionais, leva a crescer, é pensar sobre as nossas próprias propostas. Então, a teoria ajuda a pensar nas propostas, no caso do artista. Eu acho absolutamente fundamental isso, e o que faz um artista não é só domínio técnico. Outro erro é só prestar
atenção
ao
processo
de
criação
e
não
ao
processo
técnico. Não é bem isso, você tem que levar em consideração todos
os
elementos
que
entram
na
criação,
na
busca
de
representação ou de apresentação de uma obra de Arte, e um deles, fundamental, é a consciência daquilo que você faz. Eu acho essa palavra conscientização, que é freiriana, uma palavra
importantíssima
para
o
artista.
Mesmo
que
ele
não
tenha pensado nada daquilo no momento de fazer, mas a ele é dado pensar depois do que aconteceu. Mesmo que de repente junte a heurística, que os russos não chamam criatividade, mas a heurística tem alguns caminhos de surpresa para o próprio criador.
Ele
vai
por
um
caminho,
de
repente
algo
o
desencaminha do que ele estava propondo e este algo apresenta a ele uma solução. Mesmo assim, é preciso ter paciência com o que aconteceu. Desencaminhar também é importante. Então, a sua pergunta para mim é positiva. Gauguin dizia, por exemplo, que para esse quadro tinha subido ao pico de uma montanha, com muita febre, doente, e lá ele tinha pintado isso de uma maneira como um jato. Passou vários dias sem comer e sem
dormir,
inconsciente
pintando. dele.
Então
ele
Descobrisse
atribuía depois
muito que
há
isso
ao
alguns
exercícios, alguns desenhos dele de tempos que parecem que ele usou partes desse exercício em um quadro. Não o desmente, ele ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
148
REVISTA
APOTHEKE pode estar em um processo de busca e procura e ter desenhado muitas coisas nessa busca e de repente essas coisas se interrelacionaram,
um
descaminho
inter-relacionarem.
Daí
ele
qualquer passar
fez
três
essas
dias
sem
coisas
se
comer
ou
dormir, não sei quantos dias que ele afirmou, e terminar o trabalho.
Mas
não
um
pipocar.
É
resultado
de
caminhos
e
descaminhos. Então, acho que o artista às vezes por efeito de marketing,
hoje
é
efeito
de
marketing,
naquela
época
não,
naquela época havia certo romantismo sobre o ato de pintar e criar. Então, seja lá qual for a razão em um momento cultural, muitas vezes o próprio artista não reconhece o caminho que trilhou. Sobre o processo criativo, por exemplo, um dia, alguém estava buscando uma solução para um pneu. Como vamos remendar pneu? E aí caiu um pedaço de borracha em cima de uma chapa quente. Quer
dizer,
deu
uma
luz
na
cabeça.
Quem
sabe
vamos
experimentar isso. Quem falava muito dos acasos no processo de criação era Fayga Ostrover, mas não era um acaso muito acaso, é um acaso para algo que estava sendo procurado, já estava sendo empreendido. Essa consciência do processo de criar é fundamental para o artista lúcido, o artista que constrói sua história, sua carreira, etc. Mas vocês podem dizer, há mais os doentes mentais? Aí é outra história que eu não conheço, não domino. certos
Há
um
processo
momentos,
fazer
mental
qualquer
trabalhos
que
os
leva
extraordinários
a,
que
em
eles
mesmos julgam extraordinários, que dizem que não sabem como. É muito comum dizer que foi uma inspiração de Deus, que foi algo, eles costumam dizer isso, mas são, na minha opinião, uma busca de saúde mental. Em um momento ele acerta algo porque está com uma forte mobilização interna em busca de sua saúde mental.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
149
REVISTA
APOTHEKE T.G.S.: Em uma entrevista à Carta Maior de 2006, a senhora defende a presença do Arte Educador e do artista em sala de aula. Desse modo, pergunto: como a senhora percebe a concepção da
identidade
do
professor/artista
atualmente,
considerando
este um profissional que possa atuar em ambas as áreas, da docência e do fazer artístico? A.M.B.: Muito positiva também, mas é preciso ter formação como professor. O artista, por ser artista e por ser criador, pode cometer erros extraordinários com uma criança e impedi-la de continuar
criando,
bloqueá-la,
e
com
as
melhores
das
intenções. É preciso conhecer a evolução do pensamento visual da criança, a evolução da produção, a evolução da recepção do objeto visual, da imagem na criança. Tudo isso é preciso que o artista
conheça.
Conhecer
também
alguns
elementos
de
Educação. Eu me assusto quando vejo artistas falarem de fazer uma cartilha para Ensino da Arte, pelo amor de Deus, quer dizer,
nunca
ouviram
falar
em
Paulo
Freire.
Para
mim,
o
educador brasileiro que nunca ouviu e que nunca leu nada de Paulo Freire, tem que voltar a estudar, não precisa ir para a Universidade,
mas
voltar
a
estudar.
Aluno
meu,
a
coisa
é
assim, sou eu e Harvard, porque Harvard é assim. Você só entra na
Pós-Graduação
em
Educação
em
Harvard
tendo
lido
Paulo
Freire. Tenho uma orientanda agora que está nesse caso. Ela quer fazer uma tese de doutorado sobre a gestão em design. “Como
você
pode
desenvolver
a
capacidade
empreendedora
do
indivíduo através de uma disciplina que é chamada de Gestão do Design, que existe em quase todos os cursos de design?”. Não ser apenas um gestor replicante, mas um gestor que propõe novos negócios e etc. Tudo muito bem, a primeira coisa que eu disse para ela é “leia Paulo Freire”. Eu não vou dar receita, mas vou avisando, Pedagogia do Oprimido é o mais difícil livro de Paulo Freire. Quer entrar
de cabeça? Leia Pedagogia do
Oprimido. Não quer entrar de cabeça, pois esse é filosófico e ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
150
REVISTA
APOTHEKE tudo mais, mas quer ler Paulo Freire mais para lhe iluminar, você vai para uma livraria, senta próximo à estante de Paulo Freire e comece a olhar, e compra e leva para casa o livro que você achar mais indicado para o seu caso. Não dou receita e nem título de livro. Você vai escolher, porque eu quero que você leia. Um professor brasileiro, sem ler Paulo Freire, eu acho um pecado, de qualquer área. Sou completamente contrária aquele que botou ‘chega de Paulo Freire’ na manifestação³. Eu acho que a identidade, para mim, do professor artista é aquele
que
trabalha
em
função
do
desenvolvimento
da
sua
própria construção pessoal. Estou falando do artista visual, a construção pessoal da sua visualidade, e ao mesmo tempo se interessa por Educação, por aquilo que a Arte pode influir na Educação em crianças e adolescentes, e que se prepara para as duas funções, a de ser artista e a de ser educador. Eu acho que falta, em geral, aos educadores, um trabalhar com Arte. Não é nem ser artista, é um trabalhar com Arte, porque ser artista, quem diz, quem determina, não sou eu, não é você, não é a própria pessoa, é a comunidade crítica. E esta é um imponderável. Você não entende como passa gente completamente à margem da comunidade crítica e vai de repente encontrar uma comunidade crítica fora o Brasil que o valida. Hoje em dia tem vários casos, como por exemplo, Vik Muniz. Ele só foi ser valorizado depois que foi valorizado lá fora. Ele é um artista muito consciente, muito interessante. O que ele pretende? Ele pretende ao mesmo tempo fazer valer a Arte para todos, para todas
as
classes
sociais.
Ele
está
envolvido
em
trabalhos
educacionais, ele busca o trabalho educacional. Também admiro muito aqueles que fazem do seu trabalho de Arte um trabalho educacional,
quando
o
seu
trabalho
já
é
um
trabalho
educacional. O Beuys é um exemplo clássico desse que fazia das suas
performances
certas
já
performances
um aos
trabalho seus
educacional.
alunos
que
Que
eram
o
propunha próprio
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
151
REVISTA
APOTHEKE trabalho educacional dele de artista. Dizem que ele fazia, por exemplo, o Kiefer andar a pé uma enorme distância até chegar a casa dele para eles discutirem a Arte, falarem sobre Arte. Ele dizia que aquela caminhada, era e fazia parte do processo educacional. Então, eu acho que hoje os artistas estão muito conscientes disso, de que é possível ser um artista e o seu trabalho de artista ser um trabalho educacional, considerarem assim. E também o seu trabalho de educador ser considerado Arte, vice-versa, as duas coisas. Mas eu acho bem possível isso, e também acho que é possível você ser só um educador e trabalhar
com
Arte.
Acho
importante
sempre
trabalhar
com
artes, sempre tentar fazer alguma coisa, não para mostrar. Eu tenho muitas vezes necessidade de voltar a pegar em tinta, em lápis, em coisas assim. Há uma necessidade de equilíbrio. Eu fazia, no começo da minha vida, eu desenhava e pintava. Desenhar e pintar eram minhas atividades preferidas. Mas, com o correr do tempo, com a vida corrida, eu fui largando isso e fui
trabalhando
somente
a
parte
teórica.
Mas
sinto
muita
falta, às vezes. Então, em alguns momentos, eu penso por que que não vou para um lugar fazer um processo de ritual mesmo, de ir a um ateliê de alguém. Botar um ateliê em casa eu nunca pensei, pois não tenho espaço e possibilidade. Mas, ir para um ateliê de um artista, trabalhar um pouco, pegar um material qualquer, uma base, uma madeira, uma lata, um papel, o que for, e começar a trabalhar com tinta. Eu muitas vezes sinto necessidade da tinta. Eu sou mais movida à tinta do que movida a
desenho.
Vou
adiando
fazer
isso,
mas
eu
tenho
essa
necessidade. Alguém me disse: “Por que você não fotografa? Hoje em dia é tão fácil”. Não é assim, não é a mesma coisa para mim, é outra coisa. Eu só vim a entender isso em mim depois digital
da
minha
antes
de
filha, ela
pois ter
o
minha AVC
filha e
trabalhava
ficar
com
paralisada.
o No
hospital, Sarah tentou várias vezes. Há uma excelente Arte ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
152
REVISTA
APOTHEKE Educadora no hospital, a Sarah, que tentou fazê-la não ir diretamente para o digital, pois ela dizia: “Não, eu tenho necessidade da materialidade da tinta”, e até hoje ela faria melhor se não usasse o computador. Ela usa com os alunos dela o computador, mas ela trabalha e precisa sentir o pincel, a tinta
correr
professor
no
papel.
exercitar
a
São
Arte
necessidades
e
para
o
intrínsecas
artista
do
conhecer
a
Educação, conhecer a criança. Eu defendia os dois juntos em uma sala, quando havia uma grande reação temível dos artistas a
trabalharem
com
qualquer
área
da
Educação.
Educação
no
Brasil é uma coisa que sofre um preconceito violento. T.G.S.: Como a senhora percebe a Abordagem Triangular em vista dos
conceitos
e
percepções
presentes
no
termo
professor/artista? A.M.B.: Eu vejo a Abordagem Triangular como uma bússola. Essa imagem, na verdade, não é minha, é de Regina Machado. Por onde começar? Problema da relação professor-aluno,é o professor em relação com o aluno. O professor em uma turma pode começar pelo
fazer,
em
outra
turma
pela
leitura,
em
outra
pela
contextualização. A Abordagem Triangular é isso, ela não sai dando receita. E o artista, o que faz? Eu parti um pouco dessa pergunta e do que estava no ar no pós-modernismo. E o que estava no ar era a importância da imagem. Portanto, negar a imagem na sala de aula era um absurdo total, como se fazia. O aluno poderia desenhar,
pintar,
fotografias
de
fazer seus
uma
instalação,
colegas,
mas
não
fotografar, poderia
ver ver
as as
fotografias de um Sebastião Salgado, de um Cartier Bresson. Por quê? Porque havia o medo, o terror da cópia, mas, podemos argumentar com alguns teóricos que não há uma cópia absoluta, não é possível uma cópia idêntica. Portanto, mesmo que você
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
153
REVISTA
APOTHEKE queira copiar, até mesmo sendo um falsário, dá para descobrir que é falsa. O livro Abordagem Triangular no ensino das Artes Visuais, que eu fiz com a Fernanda, foi um livro meio movido a desespero. Eu estava muito desesperada com a tradução que fizeram da Abordagem Triangular, de releitura. Eu não falava no texto do livro A Imagem no Ensino da Arte nenhuma vez em releitura. Caí na
bobagem
de
colocar
na
legenda
“releitura
de
Maria
Martins...”. Como não liam o livro e liam só as legendas, começaram a fazer releitura, cópia mesmo. Eu estou me sentindo um monstro, porque estou fazendo a Arte Educação voltar atrás cinquenta anos, realmente me desesperou. Mas em um congresso em Medellín, na Colômbia, eu vi um professor espanhol dizer isso: “Se a Abordagem Triangular não tivesse sido lançada por uma
professora
mundo”.
Falei
Latino-Americana, com
Fernanda,
ela
vamos
já
estaria
procurar!
ganhando
Então,
o
muito
animada, comecei a pedir artigos. O livro só tem um artigo que foi escrito especialmente para ele. O resto é tudo artigo que já existia, já estavam escritos. Eu tive um problema sério no computador nessa ocasião e perdi muitos textos, e deixei de lado muitos textos bons. Não sei como recuperar esses textos. Me lembro de uma moça do Rio Grande do Sul que perguntou: “Eu lhe mandei um texto...”. Me lembrei, meu Deus, o texto dela era excelente. Só que eu perdi, nunca mais recuperei o texto dessa
moça.
Era
Paula
Zoran
o
nome
dela,
da
Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Então
foi
dado
o
problema.
Eu
própria
digo
que
teve
influências. Por exemplo, tinha muita crítica ao DBAE e ao Critical Studies no sentido de que eles estavam transformando o Ensino da Arte em pura crítica e dando muito pouca atenção ao fazer. Eu já tinha conhecimento dessas duas linhas quando sistematizei,
pois
não
digo
que
criei,
sistematizei,
pois
estava no ar essa necessidade da imagem na sala de aula. Era ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
154
REVISTA
APOTHEKE um absurdo. Na literatura não só estimulavam para escrever, mas também a ler bons textos na sala de aula. A criança desde pequena tem livro na sala de aula. Por que na Arte você não tem imagem? Você é obrigada a só ver os trabalhos uns dos outros. Essa lógica não funcionava. Então, acho que para o professor artista também, pois o que se pede para o professor artista é que ele se contextualize. O que é que se pede ao artista? Que ele se contextualize. Felizmente as Universidades hoje aceitam as teses de Mestrado e Doutorado na linguagem da pessoa, do artista. Então, se é pintura, vai fazer pintura; se é vídeo, faz vídeo. Aceita mas exige também, porque ele vai ser
professor,
então
se
exige
também
o
que
se
chama
um
memorial. Não é para você explicar a sua imagem, é para você se colocar, você mostrar que se entende como artista e como se entende como artista. Então, eu acho muito equilibrado até essas provas hoje para artista em Universidade. É isso que você quer, quer que você se contextualize. Quais são os seus, de
onde
vem
você,
qual
a
sua
herança
visual?
Como
a
sua
proposta está dialogando no mundo de hoje? Então essas são perguntas
fundamentais
para
um
artista.
Portanto,
a
contextualização, eu acho que na Abordagem Triangular é uma coisa absolutamente imprescindível. Para viver no mundo, para estar
no
mundo,
você
tem
que
se
contextualizar
e
contextualizar aquilo que você vive, aquilo que você conhece, enfim. Então, a gente vive dependendo dos contextos para tomar posição, e educação é contexto. Descobri
uma
coisa
há
pouco
tempo
lendo
uma
revista
na
internet, não me recordo qual revista era, mas dizia que o colégio Porto Seguro, que é caríssimo para todos, criou em uma favela
aqui
em
São
Paulo
um
colégio
que
tem
os
mesmos
professores, o mesmo currículo. No Porto Seguro da cidade, você tem 92% de vitória no vestibular dessas crianças, e lá na favela 20% apenas passam no vestibular. É o mesmo currículo, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
155
REVISTA
APOTHEKE os mesmos professores, o que falta? contexto
cultural,
nesse
caso.
O contexto era outro, o
Eles
agora
chegaram
a
essa
conclusão, que é preciso ver como fazer, e vai ser mais caro para eles fazerem essas crianças chegarem a uma vida cultural ativa, museus, galerias, teatros, cinemas etc. Porque falta a eles
contextualizar
as
coisas,
e
se
falta
isso
falta
contextualizar as perguntas do vestibular. Quer dizer, é um problema de não entender sequer a pergunta que está sendo feita.
Então,
acho
a
contextualização
absolutamente
básica
para qualquer tipo de aprendizagem, especialmente a da imagem, que você não traduz facilmente por palavras, nem a função do Ensino da Arte é fazer traduzir em palavras as imagens. Mas é importante também que você construa verbalmente um equivalente de interpretação pela imagem. Nota: ¹ Possui graduação em Direito - Universidade Federal de Pernambuco (1960), mestrado em Art Education - Southern Connecticut State College (1974) e doutorado em Humanistic Education - Boston University (1978). Atualmente é professora titular aposentada da Universidade de São Paulo e professora da Universidade Anhembi Morumbi. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Arte/Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Ensino da Arte e contextos metodológicos, História do Ensino da Arte e do Desenho, Ensino do Design, Administração de Arte, Multiculturalidade, Estudos de Museus de Arte e Estudos Visuais.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
156
REVISTA
APOTHEKE
157
TRADUÇÃO ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Artista Professor¹ A evolução do ensino das Artes Por que nós ensinamos? Para que fim ensinamos Arte? Diante das perspectivas do século XXI, isto pode ser óbvio em certas situações, porém ambíguas
em
outras.
Educação
Básica
Por
propõe
exemplo,
o
objetivos
Professor
diferentes
de do
Arte
da
Professor
Universitário? O Professor da Escola Básica espera desafiar, afirmar, ampliar horizontes, inspirar, partilhar e questionar a compreensão do estudante de si e do mundo. Em contraste, o Professor
Universitário,
aconselhar,
mostrar,
potencialmente,
dar
forma
e
espera
instruir
o
criticar,
estudante
de
maneira a se tornar um artista, designer ou um profissional. À primeira vista, os dois são muito diferentes. Entretanto, em muitos aspectos, os dois Professores de Arte compartilham um campo
de
conhecimento
ancestral
e
comum,
ainda
difiram no racionalismo, educação e contexto.
que
eles
Ou não? Eu
argumento que as ações, filosofias e contextos dentro do qual nós
trabalhamos
como
Artistas
informam
muito
do
que
nós
sabemos e ensinamos. A diferenciação entre a Educação Básica e o Ensino Superior de Professores não é o interesse, ao invés disso, é a maneira como nós Artistas vemos o mundo e como esta visão nos leva ao conhecimento da nossa prática de ensino. Esta posição é sempre presente nesta introdução, assim como nós descobrimos vários métodos para ensinar Arte. Uma consciência do passado traz
tradição,
profissão
como
contemporânea,
vocabulário Artistas então,
e nos
e
aspectos
esquecidos
Professores. permite
Nossa
da
nossa
perspectiva
reinvestigar
aquelas
histórias vindas de perspectivas particulares - e perspectivas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
158
REVISTA
APOTHEKE educacionais e artísticas - sendo pontos focais. Os parágrafos seguintes
introduzem
e
engajam
vários
tópicos
e
tendências
usados para compreendermos a natureza em mudança do ensino da Arte. A História da Arte é repleta de Artistas distintos, os quais têm contribuído para o processamento e questionamento da sensibilidade estética através do seu meio escolhido. A vida desses Artistas continua através dos seus trabalhos gravados visualmente. Os Artistas são melhor representados em nossos livros de História, então, o que nós fazemos dos Professores de
Arte?
muito
Os
produtos
dos
mais
efêmeros.
Embora
bem
sucedido,
muito
ensino
Professores alguns deles
são,
frequentemente,
registros
são
permaneçam
esquecidos.
do
Ainda,
a
Educação – formal ou informal – é um aspecto necessário do esforço para alcançar a posição do Artista que é anunciado e é o precursor das maravilhas por vir. Então, o que nós fazemos do
Professor
de
Arte?
Artistas
estabelecidos
por
direito
próprio têm, frequentemente, dedicado suas vidas para ensinar outros.
Como,
então,
podemos
começar
um
exame
da
complexa
inter-relação entre fazer Arte e ensinar Arte? Um significativo contribuidor a respeito de tendências em Arte Educação é a preparação ou não dos futuros Professores. Instituições educacionais enfatizam a importância dos estudos artísticos
e
combinações.
da
preparação
pedagógica
em
diferentes
Embora haja muitas possibilidades, o papel do
fazer artístico pode ser praticamente inexistente abrangendo o programa todo. Estudantes com o grau de Mestrado em Belas Artes sabem isto muito bem. A maioria deles, senão todos, tem uma Educação que consiste de práticas artísticas e Teoria da Arte. Estes estudantes se graduam e entram no campo de ensino de Nível Superior e Médio sem a teoria educacional da Arte Educação que outros
estudantes
recebem.
Formados
e
não
formados
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
(em
159
REVISTA
APOTHEKE formação) que estudam dentro de um Departamento de Educação estão mais propensos a receber a Teoria Educacional e menos desenvolvimento artístico ou cursos de Teoria da Arte. Este nem sempre é o caso, mas é uma suposição razoável. Isto não se destina Artes,
a
desintegrar
ao
invés
a
Arte
disso,
Educação
procura
ou
realçar
os as
Mestrados
em
diferenças
na
preparação. É importante entender que não existe um método correto para preparar estudantes para entrar no campo do ensino da Arte. Artistas têm ensinado, com e sem sucesso, diferentes experiências
de
regulamentos
ou
vida
por
graus
centenas são
de
anos.
obrigatórios
Determinados
em
diferentes
contextos, porém existe uma grande variedade de maneiras para obter uma Graduação em Arte ou qualquer outra certificação. Para compreender o século XXI, olhar para o passado ajuda a situar nosso tempo atual. Eu, em última análise, proponho a importância
de
ser
um
Artista
em
nosso
atual
contexto
educacional. Contudo, a ideia de Artista Professor não é nova e não pressupõe uma Graduação específica. É um caminho de pensamento
que
pode
ser
realizado
independentemente
do
contexto. Arte Acadêmica O
desenvolvimento
dos
programas
de
Arte
dentro
da
estrutura institucional é importante para entender a natureza complexa
do
ensino
de
Arte.
Artistas
e
Professores
não
trabalham em um vácuo, as circunstâncias – incluindo tradição, cultura e contexto – assumem papéis chave no entendimento do lugar
e
da
importância
Francesas
estão
disciplina
do
entre
ensino
as de
da
Arte.
primeiras Arte.
Academias a
Italianas
e
profissionalizarem
a
Permeando
certos
valores
e
estabelecendo contratos que regulam a prática e a organização ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
160
REVISTA
APOTHEKE do
ensino,
profissional artesãos.
essas que
A
artísticas
Academias
era
bastante
Academia que
formularam
está
eram,
diferente
uma
das
representada
oficinas
por
frequentemente,
atmosfera dos
orientações
transformadas
em
fórmulas, as quais privilegiavam a noção da produção de Arte. Eu
apresento
que
esta
base
de
trabalho
estabelecida
pelos
acadêmicos é importante para o entendimento atual das escolas de
Educação
Superior.
infraestrutura
As
permanece.
filosofias
Mais
tarde,
mudaram, no
século
mas
a
XIX,
na
Inglaterra, a nomeação de John Ruskin como Professor de Arte e os
subsequentes
Departamento
desenvolvimentos,
de
Arte
dentro
das
incluindo
Universidades
um
novo
Liberais
de
Artes e a inserção da História da Arte como uma disciplina nos EUA, estabeleceram o campo da História da Arte e do Estúdio de Arte como áreas legítimas de estudo no Nível Universitário (fora do Ensino Superior de Arte). Anterior ao século XVIII, a Academia era o padrão profissional. Potenciais Artistas tinham que
se
inscrever
em
uma
Academia
para
ter
sucesso.
Estes
desenvolvimentos sobre os quatrocentos anos passados fizeram bastante pelo movimento do campo para longe das oficinas em direção
a
uma
nova
maneira
de
entender
um
campo
profissionalizado. Embora o mundo da Arte do século XXI, com sua pluralidade ou visões pós-modernas, difiram grandemente da Filosofia do início do século XIX, envolvendo o Romantismo ou Idealismo, os dois
estão
intimamente
alinhados
ao
profissionalizar
seus
respectivos campos. Durante o século XIX, a Academia Francesa estabeleceu um conjunto específico de regras e doutrinas, o qual
organizou
o
campo
e
estabeleceu
um
paradigma
que
constituiu sucesso e promoção. Em comparação, o mundo da Arte do
século
XXI
alterou
este
paradigma
e
ainda
mantém
com
sucesso uma visão pluralística constante através da educação em todos os níveis. Artistas modernos, portanto, rejeitaram as ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
161
REVISTA
APOTHEKE tradições e profissionalização do sistema Acadêmico de Arte e procuraram um novo começo sem regras. As partes do jogo e tradições têm mudado na contemporaneidade, entretanto, existe ainda uma base conceitual que mantém a ordem e a base comum para a hierarquia e sucesso. Assim que as Artes transitaram como um assunto de estudos para dentro das Universidades, as Artes filosoficamente se tornaram uma máquina bem mantida que continuamente
moldaram
mentes
para
entrar
na
fábrica,
onde
deve-se ser um produto para trabalhar dentro dela. Um débito é devido para os Artistas da Renascença, os quais estabeleceram o
começo
da
fábrica
(isso
metaforicamente),
uma
tradição
continuada nas Escolas de Artes de hoje, construídas em um conjunto
conceitual
de
doutrinas
que
praticamente
todos
os
Artistas os quais entram devem seguir. A ideia que não existe uma maneira certa de ensinar ou aprender é, em uma maneira de falar,
a
própria
maneira
de
ensinar
e
aprender
nas
Artes
Visuais, hoje. A ausência ou rejeição de uma filosofia central é a filosofia. As Escolas de Artes seguem a tradição acadêmica e profissionalizante como eles ensinam e mantém um conjunto de regras e orientações firmemente inconsistente. Elkins considera
(2001) a
respeito,
postula
questão “Acadêmico”
“O
um
que é
é
argumento Arte
convincente
Acadêmica?”.
referenciado
em
um
A
que este
sentido
tradicional, se referindo à Arte que é realista, de um período particular,
e
influenciada
por
uma
Academia.
O
sistema
de
ensino de Arte Italiano e Francês, responsável por grandes Artistas dos séculos XVII, XVIII e XIX, são, frequentemente, responsabilizados por esta associação. O termo “Acadêmico” tem se
tornado,
em
alguns
círculos,
uma
expressão
negativa
ou
Kitsch que degrada a matéria do estilo dos artistas do século XIX, adicionando uma ênfase viral. Embora as regras, tradições e hierarquias da Escola Francesa sejam muito diferentes das Escolas Contemporâneas, tais como a Universidade de Yale ou da ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
162
REVISTA
APOTHEKE Escola de Design Rhode Island, a infraestrutura que estabelece regras, sugere práticas e que influencia o campo também são bastante similares. Entretanto,
a
compreendida.
noção A
acadêmica
este
pode
respeito,
ser
também
geralmente,
amplamente
envolve
uma
infraestrutura profissional que suporta o ensino e educação de Artistas
através
de
uma
filosofia
particular.
Agora,
as
escolas e os departamentos de trabalho de Arte hoje estariam horrorizados ao serem comparados a um dinossauro como a École des Beaux-Arts. O modelo desatualizado não poderia preparar Artistas para trabalhar na sociedade altamente conceitual e esclarecida que Artistas de hoje devem navegar. Afinal, para tornar-se
um
Artista
de
sucesso
como
Jeff
Koons
ou
para
praticar seu ofício e engajar-se com o campo semelhante ao de Rachel
Winteread,
não
devemos
nos
matricular
em
um
datado
sistema de educação. Um promissor Artista deve se engajar em questões
do
cotidiano
na
melhor
escola
para
aprender
com
mestres e para estabelecer um fundamento adequado para iniciar sua escalada de sucesso. Ironicamente, isto é exatamente o que um
Artista
Academia. assim
aspirante
A
como
do
Academia todas
as
século
Francesa escolas
XVIII
tinha de
teria
uma
Arte
dito
sobre
filosofia
de
hoje
–
a
central,
quer
eles
percebam isto ou não. O entendimento de que a Academia era, em sua essência, uma instituição
que
estabelecia
padrões
e
aplicava
doutrinas
é
esclarecedor – não era um estilo particular. Estilos mudam constantemente, até dentro da Academia tradicional. Até este ponto,
a
Academia
do
século
XVI
era
muito
diferente
da
Academia do século XIX. Os registros mais recentes da Academia Florentina não mostram evidências do estudo do nu, nem incluem o incrível número de diretrizes que a Academia do século XIX manteve (GOLDESTEIN, 1996). O nu clássico representa o século ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
163
REVISTA
APOTHEKE XIX e é o aspecto central da Academia tradicional, então, percebe-se
que
estilo
e
conteúdo
mudam
com
a
cultura
e
contexto. As Escolas Contemporâneas Liberais de Artes e as Escolas de Belas Artes, preparando milhares de Artistas por ano, deveriam ser consideradas acadêmicas pelas seguintes razões: Escolas Contemporâneas
certamente
mantém
diretrizes
e
corpo
de
conhecimento considerados sagrados, exatamente como a antiga Arte Acadêmica mantinha. A filosofia de que as regras não importam é uma suposta ideia, assim, uma doutrina ou regra definem a Arte Educação contemporânea. John Baldessari, Ed Ruscha e outros Artistas conceituais e Professores
de
Arte
são
bem
conhecidos
por
dizerem
que
Artistas viraram as costas para as regras, cânones, técnicas convencionais
e
materiais
durante
o
final
do
século
XX
(DANNENMÜLLER, 2006). Através destas ações, futuros Artistas resplandeceram novos caminhos com uma infraestrutura similar guiando suas decisões e, assim, estabelecendo uma doutrina de valor para seguir. O entendimento pluralista do mundo da Arte, regras
e
educação,
usados
nas
Academias
modernas,
são
combinadas para formar uma nova instituição. Possivelmente, poderia-se argumentar que sim, as Escolas de Arte parecem ensinar uma nova doutrina semelhante às regras. Mas
não
ter
uma
faculdade
plena
de
diferentes
ideias,
estéticas e práticas de ensino contradiz esta doutrina? Na verdade,
todas
Filosofia
de
as
Escolas
Baldessari,
de
Arte
muitas
no
mundo
escolas
não
possuem
ensinam
a
diferentes
filosofias até mesmo as que contradizem umas às outras. Não estamos quebrando as regras e diferenciando-nos da Academia como um sistema de governo institucional? Não temos nos movido para além disso? Afinal, há muitas filosofias diferentes de Arte acontecendo ao mesmo tempo. A simples resposta é não. Esta
seria
uma
micro
perspectiva
e
não
um
entendimento
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
164
REVISTA
APOTHEKE abrangente
do
que
está
acontecendo
fora
de
escolas
particulares. O simples fato de que milhares de filosofias concorrentes
trabalham
simultaneamente,
reforça
o
que
as
Academias de hoje ensinam como uma atitude pluralística (com uma visão macro) em direção ao entendimento da Arte Educação e da preparação de Artistas. A filosofia de que não existe uma única maneira correta para se fazer as coisas concorda que virar as costas às regras é de fato a forma correta. Harold Rosenberg, o proeminente crítico, desafiou os artistas de meados do século que estavam matriculados em Escolas de Arte
e
comparou-os
indiretamente
às
Academias
(GOLDSTEIN,
1996). Rosenberg duvidou da Universidade e sua habilidade em preparar os jovens para se tornarem artistas profissionais. Ele afirmou que apenas um dos dez melhores expressionistas abstratos tinha um diploma em Arte. O diploma universitário estava mudando a natureza da expressão artística e, segundo o campo da Arte, a expressão genuína não exige escolaridade. Rosenberg
via
como
negativa
a
inscrição
de
artistas
no
Departamento de Arte da Universidade, ele sentia que nada de novo ou emocionante viria em voltar a praticar a tradição ou manter o seu status quo. A visão de Escola de Arte foi que estudantes estavam comprometendo o estúdio em virtude da sala de aula, o pensamento de que a Arte não pode ser ensinada não é
uma
ideia
nova
e
é
parte
do
argumento
para
uma
nova
Academia. Outro dogma da Arte Acadêmica era o controle que a Academia exercia
sobre
quem
era
capaz
de
ensinar.
Estes
acadêmicos
foram educados de uma maneira similar e, assim, continuavam as tradições e as regras. Para o Ensino Universitário do século XXI é necessário que Professores atinjam um nível específico de educação ou eles não são considerados bons para o emprego. Ao fazer isto, o potencial Professor de Arte deve caminhar através da gauntlet²
do Ensino Superior, antes de ser-lhe
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
165
REVISTA
APOTHEKE dado uma arma e posicionado na linha. Este sistema exige um Mestrado em Belas Artes e, em algumas situações, um Doutorado em
Filosofia
ou
Educação,
ou
ainda,
o
ensino
pode
ser
garantido em áreas correlatas como História da Arte e Arte Educação. Este sistema de promoções exige futuros líderes para se destacarem e terem sucesso no dado sistema antes ensinado nele.
Isto
é
semelhante
ao
processo
acadêmico
usado
para
defender e manter a infraestrutura educacional e garantir a continuidade dos objetivos da cultura. Apenas graduados que praticaram métodos aceitáveis prosseguiriam e se graduariam. Questionar a preparação da Arte ou sua correta preparação é um assunto de muito debate, visto que as filosofias do fazer artístico moderno se desenvolveram mais e mais fragmentadas durante
o
período
pós-guerra.
Reinhardt
(1957),
como
um
Artista-Professor, escreveu “as doze regras (ou como alcançar as doze coisas para evitar)” para a nova academia. Em síntese, a lista é a seguinte:
166
Nenhuma textura Nenhum pincel ou caligrafia Nenhum esboço ou desenho Nenhuma forma Nenhum design Nenhuma cor Nenhuma luz Nenhum espaço Nenhum tempo Nenhum tamanho ou escala Nenhum movimento Nenhum símbolo,
objeto; imagem
nenhum ou
assunto;
signo;
nenhum
nenhuma prazer
matéria; ou
tinta;
nenhum nenhum
trabalho descuidado ou não trabalho irracional; nenhum jogo de xadrez. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Regras e tradições desempenham um papel proeminente na Arte
Educação
renunciou
a
e
Reinhardt
muitos
entendeu
aspectos
da
este
Educação
dilema,
de
Arte
porque Moderna,
propagada durante o século XX. Similar às estruturas do fazer Arte que formaram o Movimento Modernista, os estilos de ensino e
técnicas
subsequentes
tentaram
similares
em
Arte
Educação.
tradições
em
Arte
Educação
A
responder
rejeição
levou
ao
aos
destes
ensino
problemas sistemas
de
e
filosofias
relacionadas ao nada e nem à coisa alguma. A nova Academia está presente em todos os níveis da Arte Educação (da Educação Básica
até
a
Superior)
e
é
preciso
ser
seu
membro
para
ensinar. Profissionalização da Arte Educação A profissionalização da Arte Educação também infiltrou-se no que poderia ser considerado uma subdisciplina ou, em outros casos,
uma
todos
os
disciplina
assuntos,
maior
das
e
Artes,
mais da
abrangente
Arte
que
Educação,
e
envolve separa
ainda, o campo de Educação relacionado. Os campos da Educação e
Arte
relance,
Educação no
são
fortes
Periódico
áreas
de
Internacional
estudo.
de
Em
Educação
um em
rápido Arte
e
Design - periódico de Ensino de Artistas ou Estudos em Arte Educação - mostra um grande número de profissionais os quais trabalham para definir e refinar o processo e conhecimento base da Arte e Educação do Design. O avanço da Arte Educação é afirmado
no
crescimento
da
disciplina
de
Educação.
A
Organização das Associações Nacionais – Associação Nacional de Arte
Educação,
Associação
Associação
de
Artistas
convenções
continuam
localmente
e
a
do
Ensino
Professores definir
nacionalmente.
Este
-,
os
Superior
de
encontros
anuais
propósitos
crescimento
do
Arte, e
campo
demonstra
e
considera a Arte Educação como uma disciplina distinta que ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
167
REVISTA
APOTHEKE combinou dois campos relativamente jovens: Arte e Educação. Este
relacionamento
não
usual
entre
dois
assuntos
gera
confusão quanto ao local onde o Departamento de Arte Educação deve estar localizado dentro da Universidade. Ele deve estar nos Departamentos de Educação ou em Escolas de Arte? Ambos os Departamentos de Educação e Arte oferecem o diploma de Arte Educação. Mas qual seria apto para facilitar tal aprendizagem? Existe um problema similar com o assunto da História da Arte, definir se está no Departamento da História ou da Arte. O advento da Escola Normal, no século XIX, foi importante para o Professor de Arte, porque era uma instituição que preparava especificamente
Professores
para
o
ensinar
Arte
(EFLAND,
1990). Anterior a esta escola, estudantes foram treinados ou educados como artistas ou artesões, que então transmitiam a tradição
ou
ensinados
habilidades
pela
como
necessidade,
Professores. não
como
Eram uma
Artistas identidade
profissional. Não existia ênfase no processo de ensino por si – apenas uma continuação de métodos efetivos. O ato de ensinar tornou-se um assunto de estudo através das Escolas Normais na Inglaterra
e
nos
Estados
Unidos
(EFLAND,
1990;
MACDONALD,
1970). Nestes países, a preparação do ensino foi notada como significativamente
importante
por
causa
de
teorias
contrastantes da Arte Educação. As Belas Artes e as Artes aplicadas foram divididas e cada disciplina necessitou de um tipo
específico
outros
de
treinamento/educação
currículos.
objetivos
diferiam
Os muito
assuntos
de
dependendo
não
estudos, do
disponível processos
contexto.
O
em e
ensino,
então, tornou-se um assunto de estudo (em certas regiões como na Inglaterra e nos Estados Unidos) ao invés do assunto de Arte por ele mesmo. Isto é significativamente diferente das duas alternativas no ensino: preparação artística (objetivo do acadêmico) e dos assuntos de preparação geral (objetivo do Professor de escola). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
168
REVISTA
APOTHEKE Mestres, clássicos
Professores
até
o
século
e
instrutores,
XXI,
foram
desde
educados
os
tempos
formalmente
e
informalmente na disciplina do fazer artístico, aprendendo um ofício ou explorando a mudança de componentes que compõe a disciplina de Arte. Em essência, eles aprenderam como desenhar e,
então,
ensinaram
desenho.
Este
tipo
de
educação
está
interessado, primeiramente, na preparação do Artista, com o ensino
considerado
como
sendo
menor
ou
não
mencionado
no
aspecto da educação. O estilo ou a filosofia do ensino da Arte,
adotado
instrutores
de
nestes sucesso,
casos,
é
usualmente
intencionalmente
ou
copiado
não.
Os
de
atuais
programas de Mestrado em Belas Artes ao redor do país ainda trabalham dentro deste paradigma, como Artistas potencialmente preparam suas carreiras no ensino sem a mais frágil ideia que eles estão expressando uma filosofia particular ou, em alguns casos,
contrastando
ideias
em
seus
ensinos
–
uma
noção
particularmente espantosa, porque muitos graduados no Mestrado em Belas Artes buscam a carreira no ensino. A alternativa para um sistema de regras e tradições é uma falta do ensino da Arte. Por não ter esta tradição de criação, pode-se aprender para ensinar, porém deve-se escolher uma – ou mais provavelmente muitas – doutrinas, métodos e filosofias. Isto é, essencialmente, o que os programas de preparação de Professores esperam realizar. Eles não refinam habilidades de desenho ou desafiam a produção artística dos estudantes, ao invés disso, eles introduzem a pedagogia e vários aspectos do ensino. Os primeiros proponentes em Arte Educação, nos Estados Unidos, ensinar
buscavam desenho
preparar
para
seus
professores estudantes
generalistas
desta
maneira
para
(SMITH,
1873). Assim, graduados se fortalecem com uma teoria ou um sistema de Arte Educação sem praticar muitas das experiências do fazer artístico por eles mesmos. Harkening Shaw (1903), no livro Máximas para revolucionários, em Homem e Super-homem: ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
169
REVISTA
APOTHEKE Ele que pode, faz. Ele que não pode, ensina (linha 36) Sendo uma expressão usada para desencorajar Professores, a citação é, frequentemente, repetida e usada incorretamente, mas é aplicável para os primeiros programas de formação de Professores que descontavam a habilidade do fazer artístico. Isto é, onde muitos os quais estudam o assunto do Artista Professor
são
surpreendidos.
Eles
sentem
que
treinamento
artístico é o que, potencialmente, faz um Artista-Professor, em comparação a uma experiência anterior em Arte Educação ou Educação (ZWIRN, 2002). Embora a Educação em Artes Visuais ou Arte Educação pode contribuir para uma identidade alinhada como ser um Artista ou Professor, argumento que ser um Artista é mais do que um grau ou curso de estudo, ao invés disso, é uma maneira de ver e viver. Ser um Artista é fundamental para quem você é. Uma maneira
de
conhecer
e
ser
(HICKMAN,
2005).
Artistas-
Professores não são apenas Artistas que ensinam, muito além disso, o processo de pensamento artístico deles é incorporado dentro de vários elementos do processo de ensino. Uma compreensão conceitual do Artista-Professor não baseia-se na descriminação por grau ou educação, mas trata sobre aplicar o
fluxo
artístico
perspectiva
do
estética
pensamento informa
à
dentro pedagogia
do
ensino. de
ensino
Esta um
potencial em muitos níveis. É preciso considerar, portanto, que esse entendimento do Artista
Professor
é
sintético
e
entrelaçado,
não
é
combinação dos papéis definidos pelas instituições. Relacionamento com o campo do conhecimento
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
uma
170
REVISTA
APOTHEKE Através
de
literaturas
relevantes,
encontrei
assuntos
relacionadas ao Artista Professor considerando que o sujeito é melhor compreendido através de cinco categorias: Educação e a dupla
identidade;
parcerias;
Artistas
Professores
não
tradicionais; História; estudos de Professores individuais. As cinco categorias representam subtópicos de questões maiores do Artista Professor. Estes temas servem como um pano de fundo para o entendimento deste texto como conhecimento histórico e, também, situa o processo do pensamento de muitos contemplado neste tópico.
Há uma excessiva quantidade de pesquisas sobre
o Artista Professor, ainda que nenhuma leve a uma perspectiva holística
do
perspectivas
assunto. de
A
figura
pesquisadores
seguinte e
o
uso
representa de
várias
autores
para
compreender o termo ou conceito do Artista Professor.
Pesquisa de Artista Professor
171
- História - Educação e dupla identidade - Parcerias - Estudos de Professores individuais - Artistas Professores não tradicionais
Figura 1. Cinco características da pesquisa do Artista Professor.
Educação e a Dupla Identidade Identidade
é
frequentemente
um
assunto
de
importância
para aqueles que usam o termo “Artista Professor” (ORSINI, 1973). Artista Professor como um título parece bom, algo que adiciona além de enfatizar o papel dual de ser um Artista e um Professor praticante. Contudo, há muitas características que pesquisadores têm usado para definir o que é um Artista. Por ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE exemplo, é necessário exibir, ter representação na galeria ou manter uma prática de estúdio ativa para ser um Artista? Outro identificador
é
o
nível
de
educação
ou
da
qualidade
da
educação recebida. Ter um grau de Bacharelado em Belas Artes ou um Mestrado contribui muito para a identidade de muitos Artistas Professores como Artistas. Pesquisas demonstram que a educação (nível e tipo) de Artistas Professores tem um profundo efeito no ensino, baseado em estudos anteriores (HANSEL, 2005; LUND, 1993; ZWIRN, 2002). O tipo de escola que eles frequentam (Escola de Arte versus Escola de Educação) e as aulas que eles escolhem ter (estúdio de
Artes
versus
ramificações
na
relacionamento
Arte
Educação)
identidade.
do
Artista
possuem
Zwirn
importantes
(2002)
Professor
como
um
abordou
o
enigma.
Em
contrapartida, Weiss (2001) examinou muitas interpretações que estudantes formados.
Pós-Graduados Em
muitas
tinham
de
circunstâncias,
Professores quando
a
Artistas
identidade
é
dirigida, o Artista Professor é visto como um dilema, onde o papel de um não suporta os objetivos ou características do outro.
Características
atitudes
estereotipadas
despreocupadas,
dos
Artistas
atividades
incluem
espontâneas,
arranjos/condições de trabalho atípico e objetivos associados com
exposição,
exibição
e
galerias
ou
museus.
Em
contrapartida, o Professor está, frequentemente, trabalhando em
um
sistema
estruturado.
Os
regimentado
que
é
sistemático
objetivos
são
associados
ao
e
altamente
sucesso
de
estudantes e são menos pessoais em sua natureza. Assim, uma identidade
associada
com
ambas
destas
posições
pode
ser
confusa e frustrante para aqueles interessados em manter ambos os papéis. O
papel
do
Artista
Professor,
no
Nível
Universitário,
incita um número de problemas. Risinhoover & Blackburn (1976) escrevem
sobre
Artistas
e
suas
dificuldades
com
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
as
172
REVISTA
APOTHEKE responsabilidades criativo
em
limitadoras
posições
Universitário.
Os
de
que
diminuem
Professor
sujeitos
de
o
Arte
entrevistados
resultado no
eram
Ensino
Artistas-
Professores trabalhando dentro de contextos universitários ao redor
dos
Estados
desconfortáveis,
Unidos. assim
Os
como
autores
documentaram
histórias
de
relações
sucesso
sobre
ligações em combinar
ensino com ser um Artista. Apesar do
sucesso,
reconhecem
dentro
os
da
autores
configuração
da
que
a
posição
Universidade,
é
do
Artista,
problemática.
Os
produtos artísticos (pintura, escultura, filme entre outros) criados como
por
Artistas,
conhecimento.
Educação
Superior
entrevistados
frequentemente,
Combinado (Doutorado
combatem
essa
com
não
são
diferentes
versus posição
credenciais
Mestrado), não
reconhecidos os
usual.
da
Artistas
Apesar
de
muitas Universidades se moverem além, reconhecendo produtos artísticos
como
conhecimento,
elas
ainda
combatem
a
significação de certos produtos e como mensurar ou avaliar tal trabalho. O
estudo
de
identidade
de
Ritenbuagh
(1989)
examinou
profissionais de Arte Educação, os seus papéis percebidos e seus
status
líderes
como
administradores,
organizacionais,
Artistas,
estudiosos
e
colecionadores,
Professores.
Os
educadores incluídos no estudo eram de todos os níveis de instrução, da Educação Básica à Educação Superior, e incluíram aqueles na administração. As descobertas deste estudo, juntamente com Dohm (2000) e Zwirn (2002), mostram evidências da complacência do Professor de Arte com seus títulos. Autores,
tal
como
Dohm
(2000),
escreveram
sobre
a
carreira da Educação em Arte e o treinamento e habilidades necessárias para Graduados de hoje. A identidade, certamente, está atada à Educação, assim como é menos provável ver Arte Educadores como Artistas. Mas seria isso o melhor para a Arte ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
173
REVISTA
APOTHEKE Educação? No passado, a preparação artística sempre tomou a cena principal. Agora, aqueles papéis estão sendo revertidos através
de
importantes presença
avanços e
quando
o
na
educação
pedagógica.
Artista-Professor
Professores
de
tem
Arte
Títulos
uma
tentam
são
significante
descrever
seus
papéis dentro de instituições educacionais. Este ainda não é o propósito deste texto – o Artista Professor é mais que um título. Parceiras Circunstâncias
particulares
que
unam
o
Artista
e
o
Educador na sala de aula também são uma opção na compreensão do duplo papel. Nesses casos, o Artista Professor é usado para descrever a combinação de duas pessoas diferentes (Artista e Professor) ou o papel do Artista visitante na sala de aula. Douglass (2004) examina iniciativas específicas em Arte que facilitam a parceria entre Artistas e Educadores na sala de aula. Esses programas ilustram o papel dual que existe na Arte Educação e esta parceria entre dois indivíduos é uma solução para a combinação do papel dual do Artista e Professor. Uma
compreensão
da
colaboração
que
acontece
entre
Artistas e Professores tem sido estudada para aprender sobre os muitos benefícios de tais contribuições (DOUGLASS, 2004; KINSEY, 2001; STROKES, 2001). As colaborações entre Artista e Professor,
de
Douglass
problemas
com
jovens
métodos/estratégias Professores,
usam
(2004), em
que incluindo
estão
situação
os
relacionadas de
Artistas,
percepções
da
risco
e
servindo sua
aos os como
eficácia.
A
categoria parceria traz à mente museus que recrutam Artistas para visitar salas de aula de escolas públicas. As parcerias entre Artista e Professor, quando funcionando perfeitamente, convocam as qualidades desejáveis para ambos - o Artista e o ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
174
REVISTA
APOTHEKE Professor - a encontrar as necessidades de um grupo específico de estudantes. O Programa de aprendizagem do Museu Salomon R. Guggenheim usa a combinação de parceria por colocar os Artistas de Nova Iorque nas escolas públicas da cidade. Os Artistas Professores colaboram
com
os
Professores
de
sala
de
aula
para
criar
projetos de Artes relacionados aos temas do currículo escolar. Estas parcerias têm sido muito bem sucedidas para ambos os lados (Museu e Escola), especialmente, porque as descobertas mostram
a
importância
literário,
pensamento
deste
crítico
programa e
no
habilidade
desenvolvimento em
resolução
de
problemas (RANDI KORN & ASSOCIATES, 2007).
Professores Artistas não tradicionais Posições profissionais do Artista Professor, tipicamente, incluem o emprego na Educação Básica e no Nível Superior. Contudo, há outras posições fora de sala de aula para o ensino de
Arte.
Há
oportunidades
em
Museus,
Galerias,
Centros
de
Arte, empresas privadas e sem fins lucrativos. Pujol (2001) abordou a eficácia do Artista-Professor dentro do espaço do Museu, enquanto Hanson (1971) investigou a eficácia do Museu ensinando Artistas a trabalharem com Professores tradicionais de sala de aula. Quem seria melhor para interpretar o trabalho artístico em um Museu ou Centro de Arte do que uma pessoa com uma prática artística ativa? Estudos usando o termo “Artista Professor”, nesta
em
contextos
categoria.
tradicional
usa
não
Tipicamente, suas
tradicionais o
perspectivas
de
Artista como
um
ensino,
caem
Professor
não
Artista
aumentar a experiência estética do visitante. História ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
para
175
REVISTA
APOTHEKE A
relação
Artista-Professor
documentada
na
determinado
período
histórico.
O
cultura e
de é
relatos
o
Historiador
também
tipo
em
sido
históricos
mais
Arte
tem
comum
Educação
bem
sobre
de
um
trabalho
Efland
(1990)
escreve sobre o Artista Professor no começo do século XX. Aqueles Artistas Professores, em particular, fizeram um nome para eles mesmos entre os anos 1920 e 1940, desenvolvendo uma maneira de ensino que encorajou a auto expressão. Outras sido
histórias
escritas
reconstruídas
pelo
ponto
de
de
Arte
vista
de
Educadores antigos
têm
alunos,
promovendo um olhar alternativo para a aprendizagem (CHEUNG, 1990).
Por
exemplo,
Brown
(1990)
usa
dados
de
Artistas-
Professores extraídos de relatos de antigos estudantes, usando aulas
gravadas
e
objetos
de
aula
para
reconstruir
sua
Artista-Professor
são
História. Referências abundantes
e
o
históricos
(BYRD,
históricas termo
é,
1963;
para
o
frequentemente,
EFLAND,
1990;
usado
ELKINS,
em
textos
2001;
LOGAN,
1955; MACDONALD, 1970). Contudo, seu efeito recai em aumentar a importância do Professor como um Artista. Hans Hofman e Georgia O’Keeffe são bons exemplos por ambos serem conhecidos pelas
suas
Artistas
contribuições
Professores
contribuições
para
de
por
a
Arte
ensino, causa do
mas
de
são
suas
século
XX.
chamados
de
significantes Em
um
nível
superficialmente significante, o Artista Professor, na veia histórica, é um título decorativo. Estudos Individuais de Professores Vários
autores
abordaram
a
relação
Artista-Professor
através de estudos de casos individuais (BEER, 1999; BROWN, 1990; DOUGLASS, 2004; KENT, 2001; TUCKER, 1998; WOLFE, 1995). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
176
REVISTA
APOTHEKE Pelo estudo excepcional de Artistas Professores, pesquisadores são capazes de escrever sobre características que contribuem para
a
compreensão
do
ofício
deles.
Retratos
de
Artistas-
Professores têm sido estudados para esclarecer as qualidades que
eles
compartilham
com
outros
(BROWN,
1990;
CAMPEBELL,
2003). Cho (1993) examinou a combinação da função do ArtistaProfessor
no
Professores:
nível Hans
escolar, Hoffmann
pelo e
estudo
Josef
de
Albers.
dois A
Artistas-
análise
dela
focou seus ensinos, fazeres artísticos, exposições e escritos. Ela, simultaneamente, ofereceu sugestões desta pesquisa para Artistas-Professores que equilibravam suas duplas carreiras. Este tipo de pesquisa compartilha traços úteis que servem como um modelo para o ensino. Uma
pesquisa
qualitativa
na
eficácia
do
ensino
é
importante para o campo da Arte Educação. Brow (1990) e Wolfe (1995) forneceram exemplos de ensino e aprendizagem em salas de
aula
de
Professores-Artistas.
Pesquisadores
como
Tucker
(1998) escrevem para educar futuros Artistas-Professores na esperança
que
tais
estudos
possam
ser
usados
como
uma
referência para aprimorar a prática. O
uso
da
crítica
e
o
encorajamento
do
pensamento
metacognitivo por estudantes, do Artista-Professor, foram os assuntos
de
estudo
(KENT,
2001).
Traços
específicos
de
Artistas-Professores – tal como espiritualidade, por Campebell (2003), e o uso da repetição – também foram estudados para promover
o
ofício.
proporcionaram
uma
Risenhoover
fonte
primária
&
Blackburn
valiosa
através
(1976) de
uma
coleção de entrevistas com Artistas-Professores. Os Artistas Professores
escolhidos
para
a
publicação
são
limitados
à
pintores, escultores e músicos, os quais endereçam assuntos de ser um Artista e Professor no Nível Universitário. O estudo também relação
tratou ao
de
tópicos
trabalho
em
pertencentes
uma
instituição
à
criatividade burocrática.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
em Este
177
REVISTA
APOTHEKE recurso é um bom exemplo da difícil questão discutida por Zwirn
(2002)
sobre
o
duplo
papel
que
Artistas-Professores
devem equilibrar. Apesar de estudos de caso proverem excepcionais registros dos
indivíduos,
poucos
Artistas-Professores
tomaram
as
matérias em suas próprias mãos ao publicarem informações ou currículos para ajudarem futuros Educadores de Arte com seus duplos
papéis.
Rockman
(2000),
um
experiente
Artista-
Professor, escreveu um livro voltado para Artistas usarem no ensino
de
Arte
no
Nível
Universitário.
Ela
sentiu
que
a
maioria dos Artistas não são bons Professores (possivelmente um sintoma do currículo do Mestrado em Belas Artes). Seus escritos Educadores
são em
direcionados seus
para
ajudar
empreendimentos
futuros
Artistas
educacionais.
Kellman
(1999) escreveu com o propósito de oferecer aos Educadores de Arte um valioso conhecimento do ponto de vista de um Educador de Arte mais experiente. Walker (2001) abordou a Educação do Artista Professor da perspectiva de um Artista. Através de entrevistas, o Artista se torna um Educador na sala de aula, discutindo
dificuldades
e
métodos
únicos
para
abordar
esta
educação. A
maioria
desses
estudos
de
caso
sobre
a
relação
do
Artista-Professor, lidou com problemas pertinentes ao ensino de qualidade. Uma pequena quantidade discutiu os problemas de ser um Artista profissional e apenas alguns poucos estudos comentaram sobre a necessidade de pesquisas adicionais na área de liderança e Educação de Arte. John Steuart Curry foi o primeiro Artista em residência em uma Universidade Americana – no caso, a Universidade de Wisconsin. Em meados do século XX, a ideia do Artista em residência continuou a se desenvolver após a 2ª Guerra Mundial, porque os administradores sentiram que os estudantes ganhariam uma melhor Educação em Artes a partir
de
Artistas
profissionais
(RISENHOOVER
&
BLACKBURN,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
178
REVISTA
APOTHEKE 1976).
Esta
tradição
continuou,
mas
sob
certa
confusão
no
campo da Arte. Apesar da disposição apropriada do Departamento de
Arte
Educação
poder
ser
debatido,
o
Artista
Professor
sempre compartilhará duas áreas de estudo. Racionalidade
e
mudança
de
objetivos
no
ensino
de
Arte
Americano O propósito de ensinar Arte é importante para entender o termo de Artista-Professor. A escolha de preparar Artistas ou uma
grande
quantidade
de
objetivos
variados,
mudou
nosso
entendimento de porquê ensinamos Arte. Efland (1990) fornece um
profundo
relato
das
várias
racionalidades
do
ensino
de
Arte, nos Estados Unidos. Apesar dele, principalmente, focar nas
justificativas
de
Arte
Educação
como
um
componente
de
educação pública, as tendências e valores que a sociedade tem usado para validar os estudos em Arte, são um esclarecimento para aqueles que estão entrando no campo. A Arte tem sido ensinada por várias razões, incluindo preparação de Artistas, expressão
pessoal,
terapia,
estética,
história,
treinamento
industrial, nacionalismo, paz entre outros. Siegesmund (1998) expressa sua frustração e ansiedade com este sentimento de que as
justificativas
conflitantes
que
racionalizam
a
Arte
Educação não são um aspecto positivo para o campo. Estou
preocupado
que
qualquer
sucesso
que
a
Arte
Educação atual tenha seja baseado mais nesta política de abarcar diversas concepções de arte juntas do que na força
de
um
raciocínio
educacional
claramente
articulado, persuasivo e duradouro. Estou preocupado que a ausência de um centro conceitual na abordagem eclética ao
currículo
de
Artes
irá
se
provar,
por
fim,
problemática. Meu medo é que sem um centro, o padrão histórico
de
ciclos
educacionais
persistirá
e
as
reformas curriculares atuais se provarão efêmeras como ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
179
REVISTA
APOTHEKE as reformas curriculares do passado. (SIEGESMUND, 1998, p.198)
O
medo
de
Siegesmund
é
compreensível,
mas
o
que
ele
considera como fraqueza da Arte Educação, Davis (2005) aponta como a sua força. A metáfora de, constantemente, aplicar novas lentes é usada por Davis (2005) para traduzir o vocabulário do aprendizado em Arte em outras propriedades. Repensar e alargar as fronteiras da Arte Educação é, certamente, diferente da ausência de um centro. De fato, o centro da Arte Educação parece se expandir conforme estudamos a História de como a Arte é ensinada. Este debate único, embora desencorajador para alguns,
pode
Artistas
servir
como
um
exemplo
Professores
para
se
adaptarem
da
maleabilidade
de
(artisticamente)
e
continuarem a influenciar e transformar nosso entendimento em muitas culturas e contextos diferentes. O advento de novos estilos
e
movimentos
surgimento
do
na
homem
História das
da
Arte,
cavernas
a
até
partir
os
do
Artistas
contemporâneos trabalhando em Nova Iorque, não enfraqueceu o significado
das
Artes
Visuais,
mas,
em
vez
disto,
ampliou
nosso entendimento do que é possível. Arte para a Educação Industrial Antes Estados
da
1ª
Unidos
Guerra era
Mundial,
associada
a
ao
Educação
em
treinamento
Artes do
nos
Desenho
Industrial. Um sistema de Educação para preparar os designers foi adotado do sistema de South Kensington de Arte Educação, da Inglaterra. Estes Professores de Artes esperavam introduzir habilidades de desenho apropriadas para avançar o estado de Design de um jovem país. Os Estados Unidos perceberam que a Grã
Bretanha
estava
perdendo
seu
posto
em
manufaturas
e
comércio por pelo menos os últimos 25 anos, na segunda metade do
século
XIX
(CHALMERS,
2000).
Em
comparação,
os
Estados
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
180
REVISTA
APOTHEKE Unidos estavam atrás da Grã Bretanha, então, algo deveria ser feito
para
corrigir
esta
deficiência
(CHALMERS,
2000).
O
argumento econômico para produtos melhor desenhados requeria habilidades
artísticas
superiores,
as
quais
exigiam
uma
infraestrutura educacional para uma Arte Educação técnica. Walter Smith (1836-1886), outrora diretor da Escola de Artes em Leeds, era o instrutor treinado de South Kensington, contratado
pelo
Estado
de
Massachusetts
para
introduzir
um
sistema de Educação em Design nas escolas públicas de Boston (CHALMERS, House,
2000).
Smith
vitoriano
foi
Como
estudante
colega
Christopher
de
Dresser.
na
London’s
classe
do
George
Wallis
Marlborough
notório
Designer
(discutido
na
parte 2) lecionou na escola deles inúmeras vezes, durante os anos de 1840, quando Dresser e Smith eram estudantes e tinham uma forte influência no corpo estudantil (HALÉN, 1993). Como Smith era Graduando da South Kensington, existe uma ligação teórica entre as antigas iniciativas de Arte Educação, nos Estados
Unidos,
e
programas
de
Arte
Educação
aprimorados
durante o século XIX, na Bretanha. Smith (1873, p.42) declara que “o tipo de desenho que o Estado de Massachusetts requer e exige para que seus cidadãos tenham uma oportunidade de estudo é chamado ‘desenho industrial’... um importante elemento no sucesso do comércio e das manufaturas”. Dentro do amplo contexto da Revolução Industrial, estes designers criaram padrões, decoração e ornamentos para itens desde papel de parede até encosto de cadeiras e desenhos de carpetes. A apreciação pública do design e seu ofício foram resultado
de
uma
educação
apropriada,
elevando,
assim,
a
percepção estética da população que produzia e comprava tais produtos (SMITH, 1873). A educação de estudantes e um aumento do bom design no mercado cultivaram o público como um todo. Smith não apoiava o desenho para fins estéticos, em vez disto, ele pensava que “o desenho deveria ser considerado como um ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
181
REVISTA
APOTHEKE servo ou veículo, para ajudar a expressão no estudo de outros assuntos, como é na Geografia, por meio de desenhos de mapas” (SMITH, 1873, p.10). Foi uma aplicação prática do ensino das Artes,
onde
pragmático. Americana,
estudantes Como
a
uma
Arte
era
aprenderam primeira
ensinada
um
ofício
que
era
iniciativa
educacional
propostas
industriais,
para
entretanto, conforme os tempos mudaram, também mudou a forma que a Arte foi sendo ensinada. Arte como agente cultural Após a década de 1920, o propósito industrial do ensino da Arte enfraqueceu enquanto distinção das oportunidades que o design tomou lugar. A Arte passaria a ser ensinada para fins culturais (EFLAND, 1990). A apreciação da Arte por ela mesma e as maravilhas da natureza eram justificativas suficientes para estudar e ensinar Arte. Ruskin (1971) defendeu uma opinião semelhante, em que o estudo da natureza leva o indivíduo a entender Deus e a moral. Na verdade, a fé, a moral e o império foram todos relacionados à Arte (BELL, 1978). Semelhante aos movimentos
de
educacionais
Arte,
que
foram
reagiram
construídas
um
ao
sobre
outro,
ou
filosofias
reagiram
contra
teorias anteriores. Como Professor de Arte na Universidade de Oxford
e
movimento
autor do
de
Elementos
design
de
industrial,
Desenho,
Ruskin
criticando
reagiu
sua
ao
abordagem
fabril e a falta de influência artística (MACDONALD, 1970). Além foram
disso,
praticadas
muitas
teorias
simultaneamente,
concorrentes ao
invés
progressiva ou uma compreensão de ideias.
de
trabalharam uma
e
melhoria
A História tende a
lembrar a teoria dominante até críticas históricas recentes. De algum modo, as ideias de Ruskin tiveram pouca influência na Educação Pública, porque ele não era politicamente envolvido e seus escritos eram, às vezes, muito vagos e mal interpretados ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
182
REVISTA
APOTHEKE (MACKDONALD, 1970). Até que em 1872, Ruskin abriu a incipiente Escola de Desenho Ruskin (Rusking Drawing School), praticando o South Kensington - sistema mencionado anteriormente. Para entender a História da Arte Educação do século XX, nos Estados Unidos, Efland (1990) categoriza as maiores áreas na
instrução
Racionalista
artística e
como
Reconstrutivista,
Expressionista.
Estas
Científica,
categorias
foram
construídas para organizar as diversas aplicações e teorias, e para servir como uma ferramenta útil na compreensão das várias bases teóricas. Siegsmundo (1998) também usa estas categorias para o seu propósito de expressar a ausência de um centro. Criticamente, eles servem como marcadores nas quais as várias e diversas Teorias da Arte Educação podem ser discutidas fora de uma linha do tempo ou cronologia. Defensores da corrente Expressionista mantém a ideia de que
ensinar
Arte
facilita
as
habilidades
imaginativas
e
autônomas do estudante, com a expressão como sendo o objetivo principal. Arte como um agente expressivo e origem para o ensino é um tema dominante ao longo do século XX e do século XXI, aparecendo de diferentes formas. Primeiro, o Movimento Progressista,
defendido
por
John
Dewey
(1944)
e
Andreas
Kazamias (1966), realizado através de um currículo centrado no estudante (EGAN, 2002).
Isto é significante em comparação a
um currículo centrado em matérias no qual uma lista definida de
objetivos
é
produzida
e
despejada
em
cada
estudante.
Herbert Spencer (1966) defendeu o progresso como darwinismo social. Como a sociedade industrial, no século XIX, progrediu, também deveria a Educação progredir. De acordo com Spencer, isso
poderia
ser
realizado
pela
busca
de
conhecimento
científico de maior valor e não de informações irrelevantes. O
trabalho
de
Dewey
é
mais
reconhecido
do
que
o
de
Spencer, mas as ideias de Dewey são construídas a partir da fundação alicerçada por Spencer (EGAN, 2002). A crença central ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
183
REVISTA
APOTHEKE que
há
por
trás
do
progressismo
é
a
de
que
atendendo
a
natureza do estudante, seu modo de aprendizado e estágios de desenvolvimento,
este
é
o
modo
como
eles
aprendem
(EGAN,
2002). O currículo centrado na criança aborda cada estudante como um único ser e a informação deve ser fornecida apenas quando o estudante está pronto. Isto pode ocorrer através de questionamento, exemplo,
o
diálogo
instrutor
ou
observando
apresentaria
uma
o
estudante.
perspectiva
Por
quando
o
trabalho do estudante poderia se beneficiar de tal instrução para
expressar
ele
mesmo,
inteiramente.
Nesta
situação,
o
estudante aplica seu conhecimento recente quando ele(a) deseja ou necessita. Uma corrente avançada de pensamento progressista continua, contemporaneamente, em todos os níveis de Educação nos Estados Unidos, com muitos educadores esperando que isso resolvesse os desafios educacionais do período. É comum ver uma atenção individualista como essa em campos Universitários, além de Escolas Básicas, em diversos formatos.
184
O Expressionismo é também alinhado com o Movimento da Arte Moderna e teorias que se desenvolveram durante o século XX.
A
expressão
própria
era
valorizada
e
representava
um
distanciamento da indústria e do comercialismo. “A maioria da Educação Artística auto expressiva, como eles ... defenderam, era por Artistas que estavam profundamente inspirados com a convicção de que existe uma afinidade entre a atividade do Artista e a expressão gráfica da criança” (EFLAND, 1990, p. 196). Franz Cizek, um influente Professor vienense, esperava libertar
a
criatividade
defendendo
um
“tirar
a
tampa”,
abordagem similar da Educação baseada em Emile, de Rosseau (1764/1979)
–
totalmente
natural
e
não
influenciada
pela
sociedade. Siegesmund (1998, p. 200) afirma que o uso da “Arte como um veículo para expressar a emoção é postulado como essencial para a liberação das preocupações cognitivas onerosas e acesso ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE para o inconsciente, que juntos resultam em um desenvolvimento positivo do crescimento”. A Arte torna-se um assunto leve, de acordo
com
Siegesmund,
não
implicando
em
resultados
acadêmicos. É um lugar para clarear a mente e tornar-se um indivíduo bem equilibrado. Apesar das conclusões de Siegesmund serem
questionáveis,
Educação
que
assunto
tem
de
sociedade.
ele
sido
interesse Contudo,
levanta
um
aspecto
para
criticado
e
incompreendido
individual
e
não
sem
a
corrente
relevante
a
Arte
como para
Expressionista,
um a os
princípios do Progressismo não teriam suportado tornarem-se a filosofia
dominante
no
campo
da
Educação
(EGAN,
2002).
O
Expressionismo representa um aspecto e força na área do ensino que muitos continuam a abraçar (ou adotar). Um
grupo
Expressionismo
de
Artistas-Professores
tradicional,
arraigados
rotularam-se
como
no
Artistas-
Professores no início do século XX, enquanto alcançavam ideais progressistas
(EFLAND,
1990).
Em
essência,
este
grupo
de
Professores, incluindo Victor D`Amico, sentiu que o ato de ser Artista
os
colocaria
numa
posição
melhor
para
liberar
e
facilitar a natureza criativa dos alunos, algo que um não especialista em Arte não poderia fazer, porque eles não teriam a experiência necessária de ser um Artista. Antes disso, era comum as Artes Visuais não serem ensinadas por Professores de Arte. Invocando a Filosofia Progressiva e o Movimento de Arte Infantil, mencionado anteriormente, este currículo centrado na criança atendeu às necessidades individuais dos estudantes. Esta experiência de ser Artista colocou o Artista-Professor em uma
posição
estudantes
melhor que
para
estavam
reconhecer encontrando
e
trabalhar
problemas
com
os
artísticos
similares aos que os Professores também haviam encontrado. Reconstrutivismo
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
185
REVISTA
APOTHEKE Através
da
corrente
Reconstrutivista,
Efland
(1990)
escreve como a Arte tem sido usada como um agente para a transformação desde
social.
Artistas
A
partir
individuais
de a
investigações grupos
pessoais,
organizados
de
profissionais em Arte preocupados com mudanças no mundo, a Arte
é
uma
cultural.
poderosa
ferramenta
Morais/valores,
para
democracia
e
provocar
a
cidadania,
mudança têm
sido
todos tópicos populares dentro desse paradigma e não é preciso viajar muito longe para perceber o poder da Arte para mudar ou desafiar o processo de pensamento e ações do público em geral. Usar a Arte como uma lente para engajar-se criticamente com condições
sociais
e
valores,
ao
invés
de
vê-la
como
uma
disciplina, libera esta corrente de pensamento, cuja base pode lutar por várias causas, incluindo pureza do ar, reciclagem, direto
das
mulheres,
controle
de
armamento,
mudanças
no
governo ou salvar espécies em risco de extinção, isso para citar apenas algumas.
186
A Arte para o nacionalismo foi uma reação ao envolvimento da América na 2ª Guerra Mundial. Efland (1990, p.231) captura o aspecto essencial deste movimento ao afirmar que “a guerra representou um desafio especial para os Arte Educadores, que tiveram
que
demonstrar
compromissada democracia, pessoal”.
com a
Logo
a
que
luta
mesma que
a
para
liberdade a
economia
Arte
era
preservar que se
ideologicamente
a
liberdade
permitia lançou
a
para
e
a
expressão suportar
o
esforço da guerra, a Arte Educação seguiu com projetos para promover
mensagens
de
apoio
para
as
tropas
no
exterior.
Artistas contemporâneos que ensinam ou fazem Arte para causas sociais defendem ideologias similares. A Sociedade Internacional para a Educação através da Arte (INSEA)
foi
fundada
em
1951
com
o
propósito
de
trocar
informações em relação às Artes Visuais, em uma Arte para o movimento de paz (EFLAND, 1990). A Arte tem a habilidade de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE expressar
assuntos
difíceis
e
serve
como
porta-voz
para
o
engajamento. A Arte para o movimento de paz é um exemplo no qual o fazer Arte, o processo artístico e a apreciação foram usados para promover a consciência ou arrecadar dinheiro para causas importantes. Usar a Arte para promover a paz continua sendo
uma
estratégia
para
indivíduos
e
comunidades.
Nesta
perspectiva, a INSEA continua o diálogo facilitando o debate através de conferências, projetos especiais e publicações. A corrente
Reconstrutivista,
maleabilidade
e
a
força
mais
abrangente
tarde,
ilustrou
a
da
Educação.
Em
Arte
essência, o Reconstrutivista pensa que a Arte Educação diz respeito
à
consciência
crítica
ao
invés
da
apreciação
ou
expressão. Neste paradigma, a Arte se torna uma ferramenta para propósitos e disciplinas sem limites. Racionalismo Científico
187 Efland ideias
(1990)
que
têm
descreve
raízes
na
o
racionalismo
ciência
e
científico
afirma
que
como
todos
os
problemas filosóficos podem ser resolvidos através de métodos científicos.
Esse
movimento
ou
corrente
de
influência
se
apropriou de disciplinas definidas pela Ciência como um ponto de
início
objetiva Embora
para para
o
a
reforma.
observar
racionalismo
Também,
postula
empiricamente científico
os
possa
uma
perspectiva
fenômenos falar
de
físicos. condições
físicas, é impossível ter uma visão objetiva separada do modo como entendemos o mundo. Como o filósofo Thomas Nagel (1986) reconhece,
somos
os
primeiros
obstáculos
no
caminho
da
realidade objetiva - Nagel não pensa a realidade como apenas algo físico. O progresso da Ciência não é dividido ordenadamente a partir
das
correntes
de
influência
Reconstrutivista
e
Expressionista. Na realidade, as descobertas científicas do ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE século XIX abasteceram os primeiros pensamentos progressistas através
de
pessoas
descobertas
de
como
Charles
Herbert
Darwin
e
Spencer, sua
que
Teoria
usava
da
as
Evolução
(EFLAND, 1990; Egan, 2002). A separação e categorização serve como uma ferramenta de organização para conectar ideias que contém
fundações
diferença
de
conceituais
doutrinas
similares.
fundamentais
A
variedade
tece
uma
e
complexa
tapeçaria conforme as ideias surgem e são tecidas dentro do panorama
da
filosofias
Arte
são
Educação.
menos
Em
efetivas
ou
retrospectiva, mesmo
algumas
prejudiciais
-
o
conceito de Herbert Spencer a respeito de qual conhecimento é de
maior
expandem
valia
-
para
horizontes
desenvolvidos
e
(Teorias
a
Arte
Educação,
continuam do
a
enquanto
ser
outros
pesquisados
Progressivismo).
À
luz
e
destes
movimentos, as correntes históricas de Arte Educação estão em constante movimento.
188 Produzindo Artistas ou produzindo pessoas artísticas? Dadas as várias teorias e ideologias praticadas no campo da Arte Educação, no passado e no presente, o que aconteceu ao preparar os Artistas? Uma resposta fácil é dividir o ensino escolar do ensino acadêmico e usar o divisor estereotipado de que
Professores
de
escola
preparam
jovens
e
crianças
para
aprender sobre as Artes (ou, possivelmente, uma das várias justificativas atmosfera
anteriormente
acadêmica
prepara
mencionadas), Artistas.
enquanto
Entretanto,
que
a
também
argumentei que a Academia pratica um método de Arte Educação contraditório, portanto preparar Artistas não é um objetivo suficiente,
consistente
ou
notável
para
ser
um
Artista
Professor. Se aceitarmos o caso relevante de Arthur Danto (1992), de que as fronteiras entre a alta e a baixa Arte foram quebradas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE para
além
da
divisão
entre
Belas
Artes
e
o
processo
industrial, há um ofuscamento da educação que um indivíduo recebe na grade escolar comparada à da Universidade? Nenhum destes dois contextos tem um currículo constante e o Professor Escolar é um produto da Universidade. Por conta da relação próxima
dos
Professores
Escolares
de
hoje
em
dia
e
dos
Professores Universitários, Professores da Educação Básica e da Superior, aderem às estruturas similares. Como alguém que trabalha em ambos os mundos, estou constantemente confuso se há uma diferença ou se isto deveria realmente importar. Atualmente,
pensamento
visual
é
um
termo
usado
para
justificar o estudo da Arte em todos os níveis. Assim, os recentes desenvolvimentos da Arte Educação estão fazendo esta divisão bastante leve, o que acredito ser uma grande força. Conforme os estudantes da Escola Básica estudam os movimentos artísticos e exercícios de desenho, o Professor espera que estes
exercícios
preparem
seus
estudantes
para
serem
inteligentes apreensores do mundo. Isto está na mesma veia dos estudantes
de
Arte.
impressionante,
O
crescimento
especialmente
da
porque
prática existe
artística
mais
é
Artistas
praticando hoje em dia que todos os Artistas da Renascença juntos.
Embora
indústrias
da
haja, Arte,
a
atualmente,
aspectos
maioria
Graduandos
dos
prósperos em
Arte
das das
Faculdades da nação não suportarão à si mesmos como Artistas tradicionais. Uma situação similar existe com a maioria dos Bacharéis (todos os Bacharéis em Matemática não se tornarão matemáticos).
Esse
argumento
é
usado
diversas
vezes
por
Professores da Escola Básica (que perceberam que todos os seus estudantes não se tornarão Artistas) em suporte à um currículo que
apoia
filosofias
desenvolvimento
de
educacionais
estudantes
alternativas,
equilibrados
ou
como
pensadores
críticos. Assim tornar-se um Artista não é sempre o objetivo da Educação Básica ou da Universidade. Afinal, Graduados não ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
189
REVISTA
APOTHEKE estão
limitados
a
se
tornarem
Matemáticos
ou
Historiadores
quando recebem estes diplomas. O propósito da educação não é mais amplo do que a preparação para o trabalho? Hetland
et
al.
(2007)
hipotetiza
oito
disposições
cognitivas e atitudinais dentro de programas de Arte: -
desenvolver
habilidades
que
incluam
aprender
a
usar
ferramentas; - empenhar-se e persistir através de problemas com foco; - visionar o que não pode ser observado; - expressar ideias através da Arte; - observar e desenvolver habilidades visuais; - refletir sobre, questionar e avaliar o seu trabalho; - expandir e explorar além de suas capacidades; - entender o mundo da Arte e o contexto da História da Arte. As disposições se combinam para representar processos de pensamento no estúdio facilitados por programas de Arte de qualidade.
Estes
objetivos
combinados
poderiam
ser
considerados uma forma artística de pensar o ensino. Organizálos e aplicá-los nas salas de aulas e estúdios poderia ser similar a aplicar os elementos e princípios do Design. Arthur Wesley Dow (1899/1926) organizou um sistema estrutural para desenhar
imagens
em
seu
texto
composition.
Elementos
como
notan³ , linha e cor foram definidos e demonstrados como forma de controlar os produtos estéticos. Saber quais combinações de elementos usar – ou apenas estar ciente do que elas são –, desperta possibilidades na criação de composições. Ao invés de produzir
a
mesma
imagem
repetidamente,
um
conjunto
de
diretrizes é estabelecido (que contemporâneos podem seguir ou quebrar)
para
organizar
suas
criações.
Os
elementos
e
princípios do Design, através de Dow, tornam-se uma ferramenta de organização estética. Na sala de aula, elas adquirem outra ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
190
REVISTA
APOTHEKE linguagem,
incluindo
exploração.
Combinar
técnicas a
motivacionais,
mistura
correta
pesquisa
das
e
disposições
educacionais similares aos princípios de Dow, levam à criação de uma experiência relevante de aprendizado. A metáfora do Artista
funciona
perfeitamente
Artista
Professor
molda
e
nesta
cria
situação,
poderosos
conforme
o
ambientes
de
reorganizada
e
aprendizado. Ensinar redefinida
Arte em
circunstâncias
é
uma
tradição
numerosas culturais
que
instâncias e
foi
para
contextuais.
E
se
adaptar
Arte
às
Educadores
reajustam a composição do ensino a fim de potencializar seu efeito. A natureza estética de ensinar Arte é valiosa para impulsionar como uma metáfora. Similar a um pintor retrabalhando uma tela, novas ideias emergem
e
diferentes
algumas
instâncias
em
parcerias vez
de
tornam-se
outras.
De
importantes modo
similar,
em o
Artista Professor também ajusta a composição da sala de aula, mudando lógicas, filosofias e, às vezes, a elaboração, para melhor capturar e comunicar o que é importante. *** O ancestral comum da profissão de Artista Professor se empresta a quebrar barreiras entre os níveis de instrução de Arte
desde
a
Educação
Infantil
à
Universidade.
A
atual
adaptação da Academia tem contribuído para este entendimento democrático
reforçando
ideais
pluralísticas,
que
afirmam
múltiplas perspectivas. Felizmente, as Artes têm a habilidade de se deslocar e se ajustar à mudança, uma grande força que garante a prática da Arte, apreciação e Educação serão sempre um serviço à sociedade. Perceber essas trocas e mudanças e como
elas
são
manipuladas,
remonta
às
várias
decisões
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
191
REVISTA
APOTHEKE estéticas que um Artista faz quando cria uma peça de Arte, por exemplo. Enquanto que um Artista usa várias linhas para comunicar emoções
particulares,
objetos
táteis,
ambiente
de
o
Professor
ruído/voz
aprendizado
e
que
de
Arte
conceitos é
também
para
conducente
manipula
produzir
ou,
às
um
vezes,
obstrutivo para o aprendizado. Assim, as razões para ensinar não fazem o Artista Professor. Na realidade, as justificativas para a Arte Educação, em todos os níveis, são mais próximas do que pensado anteriormente. Além disso, a Educação não aparenta fazer o Artista Professor, embora, certamente contribua para a sua autoestima. O verdadeiro conceito em aplicar uma forma estética para enxergar e entender é o fator central que requer abranger
um
pensamento
profundo
sobre
ser
um
Artista
Professor. ¹ Texto Original: DAICHENDT, James. Artist Teacher: A philosophy for creating and teaching. Chicago-USA: The University of Chicago Press, 2010, p. 3-27. ² Uma punição anteriormente utilizada no serviço militar em que um indivíduo é forçado a correr entre duas linhas de homens armados, que vão batendo enquanto o outro percorre o centro. ³
O
termo
japonês
“Notan”
é
usado
por
Dow
para
representar
a
qualidade do claro e escuro na gradação de tons. “Notan-Beauty” é também
usado
para
representar
a
harmonia
resultante
de
espaços
claros e escuros.
G. James Daichendt, Ed.D. Dean, Arts and Humanities Point Loma Nazarene University E-mail: jimdaichendt@pointloma.edu www.artistteacher.com Tradução: Fábio Wosniak Revisão em Inglês: Bárbara Cidral Revisão em Português: Luciana Finco Mendonça
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
192
REVISTA
APOTHEKE
193
ENSAIOS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
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REVISTA
APOTHEKE
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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE
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APOTHEKE
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REVISTA
APOTHEKE
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250
NOTAS SOBRE EXPERIÃ&#x160;NCIA ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE O exercício de Albers como propulsor da experiência de Dewey Adriane Cristine Kirst Andere de Mello (UDESC)
251
Exercício com papéis – Quando 3 cores parecem 4 (Projeto Albers – Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke)
Dois importantes teóricos norteiam os estudos do Estúdio de Pintura Apotheke, são eles: John Dewey e Joseph Albers. O primeiro,
John
Dewey,
nasceu
nos
Estados
Unidos
em
1859,
psicólogo, filósofo, professor e cientista político e social, foi um dos fundadores do pragmatismo e da educação progressiva. O pragmatismo, segundo Kaplan (2010), na introdução do Arte como Experiência, “[…] não é um oportunismo na busca de fins materiais,
mas
uma
avaliação
de
meios
e
fins
por
suas
condições e consequências na experiência” (p. 9). Para Dewey, o pragmatismo é fundamentalmente uma revolta contra o hábito mental,
ou
seja,
aquilo
que
fica
unicamente
no
plano
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
das
REVISTA
APOTHEKE ideias. Contudo, é importante ressaltar que sua filosofia não se restringe ao plano da ação, mas parte dela, para ampliar-se na filosofia do pensamento e do sentimento (KAPLAN, 2010, p. 11). Por sua vez, Joseph Albers nasceu na Alemanha em 1888, um artista, professor, designer, fotógrafo, tipógrafo e poeta. Em 1933, migrou para os Estados Unidos e foi lecionar na Black Mountain
College,
uma
instituição
educacional
de
ensino
superior, voltada principalmente para o ensino de Arte, que possuía
nas
suas
bases
grande
influência
das
teorias
pedagógicas de John Dewey. Ambos partem da concepção de que o aprender ocorre na experiência. A experiência é algo complexo na teoria de Dewey (2010). Ela
faz
perceber
as
diferenças
entre
aquelas
banais
e
as
significativas; as interrompidas e as que têm repousos; as que cessam e as que terminam em uma consumação; as intelectuais e as
estéticas.
Para
Dewey
(2010),
um
dos
problemas
da
aprendizagem é não perceber a importância de se entregar, e abrir-se para perceber as coisas sem pressa, “[…] para ver uma paisagem tal como o geólogo a vê” (p. 136). Um olhar atento está
intimamente
segundo
o
autor,
ligado ela
é
à tida
experiência como
algo
estética,
contudo,
ocasional,
e,
como
consequência, ocorre um distanciamento entre Arte e público. O olho e o aparelho visual podem estar intactos, e o objeto pode estar fisicamente presente – a Catedral de Notre Dame ou o retrato de Hendrickje Stoffels pintado por Rembrant. Em um sentido simples, os objetos podem ser “vistos”. Podem ser olhados, possivelmente ser reconhecidos, e ter os nomes corretos ligados a eles. Mas, por falta de uma interação contínua entre o organismo total e os objetos, estes não são percebidos, decerto não esteticamente (DEWEY, 2010, p. 136).
É na experiência que Albers leciona. É dela que nasce sua teoria das cores, nos exercícios empíricos que fazem ver a interação e a instabilidade inerente a elas. Em suas aulas, ele põe em prática a teoria de Dewey. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
252
REVISTA
APOTHEKE A
percepção,
para
Dewey
(2010),
é
distinta
do
reconhecimento, sendo, também, mais verídica para com aquilo que se olha. Para ele, só se pode ver o que se espera ver. De modo geral, desprende-se pouco tempo para a contemplação. “Ver, perceber, é mais do que reconhecer” (p. 91). Assim
como
Dewey
(2010),
Albers
(2013)
entende
que
a
percepção vai além do reconhecimento e funda sua teoria da cor, justamente na percepção a partir da experiência, fato que o tornou fundamental na área da Arte, pois quebra paradigmas em relação às teorias mecanicistas. Para Albers (2013), não é possível sempre planos.
estudar
em
um
Ela
a
cor
contexto, é
relativa,
isoladamente,
pois
envolvida
formas,
em
confunde,
e
ela
isso
se
encontra
contrastes
fica
claro
e
nos
exercícios que propõe. Por exemplo, quando duas cores iguais parecem sobre
ser
diferentes,
outras
cores,
ou
simplesmente ao
por
contrário,
estarem quando
dispostas
duas
cores
diferentes parecem uma mesma, ou ainda, quando há a ilusão de transparência. A cor tem muitas faces, e uma pode se fazer parecer duas cores diferentes. No design original para o estudo IV I, as listras azul-escura e amarela, na horizontal, podem ser levantadas para mostrar como a tira de cor ocre, na vertical, é da mesma cor, tanto na parte superior, como na parte inferior. Aqui é quase inacreditável que os pequenos quadrados superior e inferior sejam parte da mesma faixa, e, portanto, da mesma cor. E nenhum olho humano normal é capaz de ver os dois quadrados como iguais (ALBERS, 2013 – Trad. nossa).
Albers dirigiu sua atenção ao estudo da cor, percebendo que não é válido estudá-la isoladamente. É possível visualizar a
influência
de
Dewey
(2010),
que
de
modo
mais
amplo,
compreende que não é concebível estudar a Arte ou ter uma experiência estética isolando-as da vida. Ao contrário, é na interação efetiva que o acontecimento se dá.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
253
REVISTA
APOTHEKE Exercício: interação e percepção
254
Exercício com papéis – Escalas, transparências (Projeto Albers – Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke)
Quando Albers (2009) propõe aos seus alunos exercícios para
que
percebam,
descubram,
investiguem,
produzam
a
interação da cor, ele acaba por impulsionar, ao mesmo tempo, para que aconteça uma experiência mais profunda com aquilo. Por meio da pesquisa e investigação empírica torna o objeto de estudo revelador, contribui para que aconteça, então, aquela experiência atenta, singular, da qual nos fala Dewey (2010). Ao fazer os exercícios que Albers (2009) convida, ou seja, ao
experienciar
procurando próximas,
os
empiricamente papéis,
analisando
a
o
que
é
proposto,
selecionando
as
paleta,
sobre
tom
cores, tom,
coletando,
colocando-as para
depois
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
REVISTA
APOTHEKE recortar
os
papéis,
fazer
uma
quase
curadoria
de
como
apresentar, notar os valores tonais primeiro, a escala, ir do claro para o escuro, encontrar os tons intermediários. Compor, brincar, montar de diferentes formas. Não colar, ou prender e estabelecer um fim, mas deixar aberto para outras descobertas. Primeiro do branco para o preto, depois com outras cores, muitas
paletas.
Investigar
a
transição
entre
as
cores.
Observar a intensidade, o brilho, a opacidade, a transparência, a luz, a sombra, o espaço, ou seja, como tudo age e reage no modo de perceber a cor. A
cor
não
é
estática.
Ela
interage,
atua,
modifica,
camufla, confunde o olho. Albers (2009) indica isto no fazer, mostra esses acontecimentos em ato, em exercícios. Na
pedagogia
de
Albers
(2009)
era
incentivado
o
autoconhecimento, quando o aluno é estimulado a ter interesse, curiosidade em investigar. Podem-se elencar alguns princípios nos quais suas práticas e estudos sobre a cor se fundavam. Como por exemplo, para ele, a percepção visual dificilmente vê a cor como é fisicamente; a cor é o material mais relativo; sempre engana; provoca várias leituras; é prudente que seja estudada em comparação ou contraste com outra; o fato físico não condiz com o psíquico. A prática vem antes da teoria é deste preceito que parte, e os exercícios que propõe não tem o objetivo
de
ilustrar,
pois
são
modos
de
interagir
(ALBUQUERQUE, 2013). Albers
(2009),
na
artista/professor/pesquisador,
sua por
meio
prática dos
exercícios
como que
proporcionavam aos alunos formas de investigar e descobrir, relaciona-se diretamente com as teorias propostas por Dewey (2010). O exercício, a atividade consciente, é que detona a experiência, as descobertas, os devaneios: O artista interessa-se pelo exercício de atividades dotadas de uma referência claramente objetiva – um efeito sobre o material, a fim de convertê-lo em um ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
255
REVISTA
APOTHEKE veículo de expressão. Brincar continua ser uma atitude de liberdade da subordinação a um fim imposto por exigências externas, em contraste com o trabalho pesado, mas se transforma em trabalho pelo fato de essa atividade estar subordinada à produção de um resultado objetivo. Ninguém jamais observou uma criança absorta em sua brincadeira sem se conscientizar da completa fusão do brincar com a seriedade (p. 480).
O
autor
faz
notar
a
importância
do
exercício,
da
experimentação, do brincar com os materiais, sem a obrigação do produto final. Contudo, é nesse processo que o produto, a fatura, vai se moldando e acontecendo, para então culminar na criação de algo.
REFERÊNCIAS ALBERS, Joseph. Interaction of color. London: Yale University Press, 2013. ALBUQUERQUE, Marcelo. Laboratório de cor: paradigmas do estudo da cor na contemporaneidade. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013. DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. KAPLAN, Abraham. Introdução. In: DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Adriane Cristine Kirst Andere de Mello http://lattes.cnpq.br/1209118072455218 Possui Bacharelado e Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, Mestrado em Artes Visuais (Ensino) e atualmente cursa o Doutorado em Artes Visuais (Ensino), também pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
256
REVISTA
APOTHEKE Experiência, percepção e pedagogia da cor Juliano Siqueira (UEL/UDESC)
A percepção é o ponto de contato entre a pedagogia da cor e a noção
de
experiência
estética
de
Dewey.
Para
Dewey
a
experiência estética está diretamente relacionada à percepção do objeto, ao contrário das correntes da Estética que situam este
tipo
de
experiência
como
algo
meramente
mental,
conceitual. Não que a experiência intelectual para Dewey não possa ser estética. Uma experiência intelectual pode até ser estética; todavia uma experiência estética nunca é meramente intelectual.
Neste
sentido
a
percepção
não
está
sempre
texto
refere-se
principalmente
subordinada ao intelecto. Pedagogia
da
proposições Basiaco,
cor dos
Miguel
discípulo
de
neste artistas Angel
pintura
Josef
Pareja de
Albers,
e
Roger
Pareja
que
Silvestre
Bissière.
estudou
em
às
Peciar
Peciar 1937
é
com
Bissière em Paris. Busca-se neste texto articular as ideias destes artistas com a noção de experiência estética de Dewey. Roger Bissière ensinava sobre a cor e deixava o desenho de seus discípulos sem orientação, nem crítica. Deixar o desenho livre
é
um
princípio
pedagógico
no
sentido
de
respeito
absoluto à iniciativa pessoal. Todavia falava sobre o “sentido da
cor”.
Nenhuma
teoria,
somente
a
sensibilidade,
a
experimentação e a intuição de uma cor que se constrói pelas relações
de
finalmente
cada o
cor
sentido
no do
contato todo
que
com
as
compõe
outras o
cores
e
conjunto:
a
harmonia. A pedagogia da cor herdada por Peciar propicia a pintura-pintura, sem literatura, sem realismo, sem fantasias, sem conteúdos conceituais. Ver a cor. A percepção é a base como em Alber. O caminho é a experimentação como em Dewey; experimentação apaixonada, às vezes dolorosa e solitária. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
257
REVISTA
APOTHEKE Peciar ao apresentar a pedagogia de Bissière, destaca que ele não corrigia as cores “sujas” ou “mal colocadas”, não corrigia as cores que se afundavam ou saltavam do plano. Sua pedagogia levava o estudante a duvidar da cor, do tom, do matiz que destrói a intenção harmônica; sem receitas, sem fórmulas, sem teoria,
sem
intelectualismo.
“Análise”
sensível,
dúvidas
e
ênfase nos encontros felizes das cores. Nesta pedagogia cada centímetro quadrado deve ter sua cor com toda consciência de claro-escuro, de frieza ou de calor. Tudo é cor! A cor nasce na
paleta,
depois
sensibilidade pesando
seu
para tom,
o
toque
avaliar seu
a
no
lugar
forma
matiz.
A
cor
correspondente;
colorida na
no
busca
da
conjunto, unidade
indissolúvel da grande variedade, sem destoar. Peciar fala de todas as cores “cantando” e se fazendo ouvir sem estridência. Esta pedagogia da cor de Bissière-Pareja-Peciar se aproxima da maneira
experimental
de
estudar
e
ensinar
desenvolvida
por
Albers, onde a cor é o mais relativo meio empregado na arte, que nos engana e ilude continuamente. Albers confirma que as leis e normas de harmonia cromática não são pressupostos da experimentação,
ele
investe
em
estimular
os
estudantes
a
produzir efeitos cromáticos definidos através da apreciação da interação das cores. O objetivo é desenvolver a vista para a cor através da experiência mediante um processo de “tateio”, ou seja, observar a ação das cores e senti-las. Sua docência desenvolve a capacidade de observação e articulação. Numa aproximação destas pedagogias das cores com a experiência de
Dewey,
podemos
pensar
num
rompimento
com
a
concepção
dualista teoria e prática. Parte-se da prática experimental, único ponto donde pode derivar-se esta “teoria das cores”. Nenhum sistema de cor, afirma Albers, pode desenvolver por si só a sensibilidade necessária para perceber a relatividade e falta de estabilidade das cores. Nesta pedagogia o que conta não é o conhecimento de fatos, mas sim a visão, o ver. ParteISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
258
REVISTA
APOTHEKE se de uma constatação visual da interação das cores até chegar a uma consciência da interdependência da cor com a forma e sua localização, com a intensidade luminosa e com a tonalidade. Como Bissière, Albers não dá respostas concretas, mas sugere modos de estudo da cor. Esta pedagogia da cor refere-se a um dos princípios básicos de Dewey: “a experiência é uma questão de interação do organismo com seu meio”. Experiência como interação quer dizer que nunca é meramente mental, nem meramente física, por mais que um desses fatores predomine. Dewey problematiza a ideia que supõe que a experiência ocorra dentro de um “eu”, dentro de uma mente. Quando se rompe a relação do ser com o mundo, somos divididos em fragmentos. Dewey considera a interação continua e
variada
com
o
ambiente,
ao
contrário
das
correntes
da
Estética que separam o organismo e o mundo, com base na ideia que
a
qualidade
estética
não
faz
parte
do
objeto,
mas
é
projetado nele pela mente.
259
Uma pedagogia da cor tem o foco na experiência estética, onde não existe distinção entre o “eu” e o objeto. A experiência é estética na medida em que o organismo e o meio cooperam na instauração
da
experiência,
na
qual
ambos
ficam
plenamente
integrados que desaparecem. Em japonês usa-se o termo Kenshō, em
chinês
Wu,
para
referir-se à
realização
da não-
dualidade entre o sujeito e o objeto. Na
experiência
controle
do
experiências
estética
“eu”,
a
com
questão
‘práticas’
e
a
cor é
não
há
necessidade
perceptual
‘intelectuais’.
O
diferente ‘sujeito’
do das da
experiência estética fica livre do desejo diante do por do sol ou
de
uma
pintura,
seus
desejos
se
realizam
na
própria
percepção. Ele não quer o objeto em nome de uma outra coisa. Considera-se a percepção por si mesma, como a realização plena de nosso ser psicológico.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE O artista ao usar a cor tem uma experiência em que a ação não é
automática,
mas
tem
um
toque
emocional
e
imaginativo.
Considerando Dewey o foco da pedagogia da cor é a percepção direta,
pois
a
obtusidade
na
percepção
nunca
pode
ser
compensada por nenhum volume de conhecimento, nem pelo domínio de
teorias
substituam
abstratas. a
Não
percepção
existem
sensível
regras
para
se
nem
padrões
chegar
à
que
unidade
construída pelas relações dos planos de cor numa obra. Dewey
ajuda
a
perceber
de
forma
sensível
às
incontáveis
interações que compõem as cores na experiência. Parafraseando Dewey ao abordar a crítica de arte, podemos afirmar que uma pedagogia
da
cor
tem
a
função
de
reeducar
a
percepção,
auxiliar no processo de aprender a ver, eliminar preconceitos, retirar os antolhos que impedem os olhos de ver, rasgar os véus
decorrentes
do
hábito
e
do
costume,
aprimorar
a
capacidade de perceber. A capacidade de perceber é o que aproxima a pedagogia da cor da filosofia da experiência. Peciar lembra que quando damos nomes
às
conceitos antolhos
cores
perdemos
mentais que
esta
tornam-se
impedem
a
capacidade
os
de
percepção;
preconceitos,
percepção
da
os
interação
véus, das
os os
cores;
percepção que está além do pensamento conceitual e do controle do “eu”. Referências: Albers,
Josef;
La
interacción
del
color.
Madrid:
Alianza
Forma, 1980. Basiaco,
Silvestre
Peciar;
Memórias
personales
sobre
la
pintura del maestro Miguel Angel Pareja. Comunicação pessoal do autor, s/ edição; 64p., Montevidéo, 2014. Dewey, John; Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2012. Juliano Siqueira ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE http://lattes.cnpq.br/8014633709940019 Professor no curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina. Doutorando em Artes Visuais (UDESC). Mestre em Educação e Artes (UFSM). Bacharel em Escultura e Licenciado em Desenho e Plástica (UFSM). Coordenador do PIBID/CAPES/UEL/Artes Visuais (2013-2016).
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APOTHEKE Fábio Wosniak http://lattes.cnpq.br/6525393533253057 Doutorando em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino das Artes Visuais sob a orientação da Profa. Dra. Jociele LampertPPGAV/UDESC; Mestre em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino das Artes Visuais - PPGAV/UDESC; Ator; Pedagogo habilitação em S.I. e E. I /2006 e S.E./2012 FAED/UDESC; Psicanalista; extensão em História, Sociedade e Cultura - PUC/SP e imaginação Infantil e Arte Educação ? PUC/SP. Fábio trabalhou como Coordenador; Assessor Pedagógico e Professor de Artes em instituições Públicas e Particulares de SC e SP. Em São Paulo, Fábio trabalhou nos anos de 2006 - 2011 como Assessor da Prefeitura do Município de São Paulo em Arte Educação, Brincadeiras e Teatro. Vice-Coordenador da Rede de Educadores de Museus de Santa Catarina - REM/SC (Gestão 2013-2015), membro/ pesquisador do Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia Coordenado pela Profa. Dra. Mirian Celeste Martins (Mackenzie/SP), membro/pesquisador do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem (UDESC/CNPQ) e integrante do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke - ambos coordenados pela Profa. Dra. Jociele Lampert (UDESC).Participa como editor assistente no periódico online Revista Apotheke. atuando principalmente nos seguintes temas: Arte Educação, Arte e Pedagogia, Formação Docente em Artes Visuais.
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ENSAIO VISUAL ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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APOTHEKE Sobre cores: estudos do Estúdio de Pintura Apotheke O Estúdio de Pintura Apotheke trouxe, em seu terceiro ano de atuação, a proposta de realização do Projeto Albers para seus pesquisadores. Durante vinte semanas, trabalhamos com tarefas específicas
que
permearam
Albers, Interaction
of
o
conteúdo
Color.
do
Cada
livro
de
Josef
pesquisador
vem
desenvolvendo um projeto final, com estudos a serem realizados fora dos encontros semanais, os quais apontam como proposta de trabalho
estudar
intensidade
e
transparência, partem
do
estudamos
a
sequência
luminosidade, adição
livro,
e
dos
gradação,
subtração.
compreendendo
anteriormente
conteúdos: fundos
Tratam-se
também,
(encáustica,
as
valores,
invertidos,
de
eixos
que
técnicas
que
cianotipia,
antotipia,
colagem, monotipia, aquarela, suminagashi e pintura a óleo). Interaction of Color é uma publicação singular nos estudos das cores e Josef Albers tem sido nossa referência como Artista Professor, estudo
pois
de
articulando
construiu
cores, formação
exercícios
baseados artística
na e
práticos
Arte
como
reflexões
pautados
no
Experiência,
pedagógicas
que
aproximam-se dos escritos de John Dewey. Seu estudo se faz relevante, pois propõe uma percepção sobre o aprender a ver, construindo a percepção do olhar e do fazer artístico. Referências: ALBERS, Josef. A interação da cor. São Paulo: Martins Fontes, 2009. DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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QUEM SOMOS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.3, n.2, ano 2, julho de 2016.
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Jociele Lampert Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College na Columbia University na cidade de New York como Bolsista Fulbright (2013), onde realizou estudo intitulado: ARTIST'S DIARY AND PROFESSOR'S DIARY: ROAMINGS ABOUT PAINTING EDUCATION. Doutora em Artes Visuais pela ECA/USP (2009); Mestre em Educação pela UFSM (2005). Possui Graduação em Desenho e Plástica - Bacharelado em Pintura, pela Universidade Federal de Santa Maria (2002) e Graduação em Desenho e Plástica Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Professora Adjunta na Universidade do Estado de Santa Catarina. Foi Coordenadora de Estágio CEART/UDESC (2006-2009); Foi Chefe de Departamento de Artes Visuais DAV/CEART/UDESC (20092011); Coordenadora do PIBID/CAPES/UDESC da área de Artes Visuais (2011-2015). Atua no Mestrado em Artes Visuais PPGAV/UDESC na Linha de Pesquisa de Ensino de Arte e na Graduação em Artes Visuais DAV/UDESC. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura UFSM/CNPq. Membro/Líder do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem UDESC/CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). Tem experiência na área de Artes Visuais, atuando principalmente nos seguintes temas: pintura, arte e educação, formação docente. É membro associado da ANPAP. Email: jocielelampert@uol.com.br
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APOTHEKE Adão Roberto Swatowiski Natural do Rio Grande do Sul, aeronauta aposentado, com graduação em Artes Plásticas pela UDESC. Reside em Florianópolis e dedica-se, principalmente, à pintura e desenho, explorando o veio da abstração geométrica e campos de cor.
Ana Camorlinga Graduada em Letras e Literaturas (UFSC), professora, encadernadora, tradutora e achou seu prumo nas Artes. Atualmente, cursa Bacharelado em Artes Visuais (UDESC) onde descobriu os desdobramentos da pintura e, especialmente, se diverte na gama de possibilidades de foto-pintura. É bolsista Apotheke desde 2014.
Ana Carolina Martins Ferreira Graduanda do curso de Bacharelado em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina desde 2014 e bolsista de extensão do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, coordenado pela Profª Drª. Jociele Lampert.
Adriane Kirst Possui Bacharelado e ......Licenciatura em Artes ......Plásticas pela Universidade ......do Estado de Santa Catarina ......UDESC, Mestrado em Artes ......Visuais (Ensino) e ......atualmente cursa o Doutorado em Artes Visuais (Ensino), também pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Fez curso de Introdução a Curadoria na Central Sant Martins, University of the Arts London - UAL. Tem experiência na área de Artes Visuais, investigando processos que aproximem as pessoas da arte, atuando em projetos de formação de alunos, professores e públicos. Estuda principalmente os seguintes temas: arte contemporânea, infográficos e ensino de artes visuais por meio da experiência.
286 Carolina Ramos Nunes Sua trajetória vai da sala aula de escolas públicas até instituições culturais. Atualmente é arte educadora da Fundação Cultural Badesc. Estar em contato com a arte e produções contemporâneas é fundamental para desenvolvimento de sua poética. Dentre as técnicas estudadas no Grupo Apotheke, a Cianotipia e Antothypia são aquelas que conversam com sua proposição sobre o vazio e o tempo de inércia na insanidade e a doença.
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APOTHEKE Daniela Almeida Moreira
Licenciada em Artes Visuais (UDESC) e bacharel em Letras Português/Língua Brasileira de Sinais (UFSC). Atualmente é mestranda do Programa de PósGraduação em Estudos da Tradução – PGET/UFSC. Participa do Ateliê Alvéolo, da artista Zulma Borges e do grupo Chinese Brush Painting, com o mestre Henry Li. Desenvolve um processo de estudo da pintura com interesse na técnica aquarela, entre outras técnicas do desenho em grafite, giz pastel e carvão, sendo o tema "natureza morta" e "retrato", os assuntos de maior interesse para sua pesquisa. O estudo da aquarela, conduziu a busca do conhecimento sobre os princípios da pintura oriental, introduzindo os conhecimentos da técnica Sumi-ê, que tornou-se objeto de estudo em paralelo com a aquarela.
Daiane Barônio Aspirante a fotógrafa e graduanda de Bacharelado em Artes Visuais pela UDESC. Atuo como bolsista de iniciação cientifica no projeto de pesquisa coordenado pela Prof. Dra. Jociele Lampert
....Fabiana Burnato do Amaral ....Natural de São Paulo ....SP. Cursa atualmente ....Bachrelado em Artes Visuais na UDESC e traz na bagagem uma graduação não concluída em arquitetura e urbanismo. Sua poética 287 figura entre técnico e lúdico, tendo como principal tema de estudo a cidade e suas relações. É bolsista de extensão do grupo de estudo Apotheke desde 2015.
Denilson Cristiano Antonio
Natural de Campo Mourão/PR. Começou a desenhar muito cedo, estimulado pelo interesse em gibis, os quais costumava copiar e recriar algumas histórias. Aos 22 anos fez seu primeiro curso de Artes pela Prefeitura de Foz de Iguaçu, onde residiu desde seu primeiro ano de vida. Mudou-se para Florianópolis em 2006, onde concluiu o curso de Licenciatura em Artes Visuais, em 2014, na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). Atualmente, dedica-se à pintura, ao desenho e curadoria, este último vinculado ao trabalho que desenvolve no Museu Hassis/ Florianópolis.
... Fábio Savicki Henschel
....Natural de Itaiópolis ....SC, graduando do ....curso de licenciatura em Artes VisuaisUDESC , atualmente bolsista no programa Pibid de Artes Visuais com orientação da Prof.ª Dr.ª Jociele Lampert.
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Fábio Wosniak Doutorando em Artes Visuais - PPGAV/UDESC,na linha de Ensino das Artes Visuais, sob orientação da Profª. Drª. Jociele Lampert. Licenciado em Pedagogia/Supervisão Escolar pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Faculdade de Educação (FAED/UDESC).
Juliano Reis Siqueira Professor de escultura no curso de Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Estadual de Londrina. Doutorando em Artes Visuais (UDESC), Mestre em Educação e Artes (UFSM), Bacharel em Escultura e Licenciado em Desenho e Plástica (UFSM). Coordenador do PIBID/CAPES/UEL Artes Visuais (2012-2015). Atua na Formação de Educadores em Artes Visuais com ênfase em educação não formal e arte pública.
Kátia Speck Fotógrafa, Técnica em Informática e graduanda em Bacharelado de Artes Visuais pela UDESC. Atualmente é bolsista de Iniciação científica do projeto de pesquisa coordenado pela Profª Drª Jociele Lampert.
José Rocha
Carlos
da
Artista plástico, bacharel em Artes Visuais/UDESC, 2013 e bacharel em Ciências Econômicas/UFSC, 1978, além de especialista em Administração Pública/UDESC, 1998. Participa do Projeto “Arte Educação pela pintura: produção artística do artista” e cursou, como aluno especial, a disciplina “Sobre Ser Professor Artista”, ministrada pela Profª. Drª Jociele Lampert no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/UDESC, 2014.
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Luciana Finco Mendonça Mestranda em Artes Visuais/UDESC, bolsista CAPES, na linha de Ensino das Artes Visuais. Graduou-se em Licenciatura Letras/UNESP e Artes Visuais/UEL. Leciona desde 2007. É integrante dos Projetos de Pesquisa “Formação de Professores de Artes Visuais: sobre o ensino/aprendizagem de pintura” e “Arte Educação pela Pintura: a produção do artista professor”, ambos coordenados pela Profª. Drª Jociele Lampert.
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APOTHEKE Márcia Amaral de Figueiredo Marisete M. Colbeich Formação em Licenciatura em Educação
Artística/Artes
Plásticas
em 1991 pela Faculdade de Artes do Paraná.
Especialização
Fundamentos
Estéticos
Educação
pela
Especialização
FAP/PR em
em
de
Arte
-
em
1992
e
História
da
Arte
do Século XX na EMBAP/PR no ano de 2004.
Atuou
como
professora
de
ensino de arte no ensino fundamental séries
iniciais
Municipal
de
e
finais
Ensino
de
na
Rede
Curitiba,
período de 1987 até 2014.Frequentou o ateliê permanente de escultura de 1996 até 2006, orientação
da
em Curitiba, sob a escultora
Elizabete
Titton.
Atualmente
participa
do
programa
de
no
de
Mestrado
Ensino
Natural de Cachoeira do Sul/RS, é artista visual, atua como professora efetiva no Estado de Santa Catarina e leciona no curso de Design de Interiores/FATENP. Possui bacharelado e licenciatura em Desenho e Plástica/UFSM; especialização em Mídias na Educação/FURG (2012) e Gestão Educacional/UFSM (2005). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa GEPAEC/UFSM. Tem trabalhos, principalmente, nas áreas de desenho, escultura e cerâmica. Participou de várias exposições individuais e coletivas, bem como salões de artes, tendo recebido menção honrosa no XIII Salão de Inverno de Artes Plásticas de Sant'ana do Livramento/RS,2001.
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Artes Visuais na UDESC. Osmar Yang
Marta Facco Nasceu no Rio Grande do Sul e formou-se em Artes Plásticas pela UFSM em 2001. Possui diversas exposições individuais, coletivas e participações em salões de arte no RS, PR, SC, SP, BA e Buenos Aires/ARG, com algumas premiações. Atualmente reside em Florianópolis/SC, participa do grupo de pesquisa Estúdio de Pintura Apotheke CEART/UDESC, onde interessa-se pelo sensível dos objetos.
Engenheiro Eletricista ....... de profissão, artista . plástico graduado em 2013 pelo curso de Artes Visuais da UDESC. Iniciou como autodidata até os anos 80, quando frequentou o curso da pintora Ida Hannemann de Campos na Galeria Cocaco em Curitiba. Após estadia na Europa de 1998 a 2001, onde frequentou oficinas de pintura da Volkshochschule em Munique (Alemanha), e oficina de restauração em Florença (Itália) retornou ao Brasil para Florianópolis. Frequentou ainda oficinas no CIC (Centro Integrado de Cultura) com a artista Patrícia Laus. Em 2011 teve obra selecionada para exposição na mostra de Arte Cibernética (ABCiber) no Centro de Eventos da UFSC.
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Silvia Carvalho Artista, mestranda em Artes Visuais e bacharel em Artes Plásticas, UDESC/SC; Criação e Ilustração, EPA/SP; Design de Interiores, Florianópolis/SC. Suas principais mostras são “FUTURO”, Salão Nacional de Arte Contemporânea e Novas Tecnologias, Jundiaí/SP; “Concurso de esculturas CriAção Scotch”, MuBE/SP; “Estações-pinturas ao tempo”, Espaço Lindolf Bell, Florianópolis/SC; “De dentro pra fora”, MASC, Florianópolis; 20º Salão de Arte, Pinheiros/SP; “Sob a pele”, Universidade Alanus/Alemanha & UDESC; Fundação Cultural BADESC, Florianópolis/SC. Ministra oficinas de Pintura, Desenho e Pigmentos Naturais.
Rita Eger Artista visual, natural de Itajaí, SC, vive e trabalha em Florianópolis, SC, Brasil. Mestre em Matemática pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Sua obra abrange pintura, desenho, instalação, bem fotografia, arte postal, a palavra e a gravura no campo expandido.
Talita Esquivel
Tharciana Goulart da Silva Mestranda em Artes Visuias sob orientação da Profª Drª Jociele Lampert, graduada no curso de Licenciatura em Artes Visuais, UDESC. Atua como bolsista de iniciação científica no projeto “Paisagem e Ensino das Artes Visuais” (CAPES/PIBID/UDESC). Integrante do grupo de pesquisa “Entre Paisagens” (UDESC/CNPq). Integrante do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, todos coordenados pela Profª. Drª. Jociele Lampert.
Doutoranda em Artes Visuais, UNESP; Mestre em Artes Visuais/ UDESC; Especialista História e Teorias da Arte/ UEL e graduada em Educação Artística/ Artes Plásticas, UFPR. Atualmente é professora de pintura na EMBAP. É artista plástica, dedicando-se à pintura, fotografia e vídeo. Em 2009, realizou residência artística no Centro de Artes CAMAC/França. Participou de diversas exposições, dentre as quais “Arte Como Experiência”, Fundação Hassis & UDESC, 2014; “Mostra Lote 7 de Arte Contemporânea”, Fundação Hassis, 2013; “Mostra Álbum”, BADESC, 2010; “Corpo Grotesco”, Museu da Escola da UDESC, 2009; “12º Salão Nacional de Itajaí”, 2010; “CAMAC Open Studio”, Marnay-surSeine/França, 2009; “Suitcase, East Lansing e Chicago”, EUA, 2009.
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