V.5 Março
2017
R E V I S T A
VOLUME 5
PESQUISA: ensino & poéticas visuais ISSN: 2447-1267 MARÇO 2017
R E V I S T A
Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
ISSN: 2447-1267
Apotheke e-periódico [recurso eletrônico] / Universidade do Estado de Santa Catarina. Centro de Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. v. 5, n. 1 (2017) – . – Dados eletrônicos. – Florianópolis : UDESC/CEART/PPGAV, 2017 – p. 273 Quadrimestral Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: World Wide Web: <http://revistas.udesc.br/index.php/APOTHEKE/index>. Apotheke e-periódico (acesso em 20 maio 2016). ISSN: 2447-1267 1. Artes Visuais. 2. Arte - Educação. I. Universidade do Estado de Santa Catarina. Centro de Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais.
CDD: 707 - 20. ed. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca UDESC
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
EXPEDIENTE REVISTA APOTHEKE Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Universidade Do Estado de Santa Catarina Reitor: Prof.Dr. Marcus Tomasi
Centro de Artes – UDESC/CEART Chefe de Departamento: Profª.Mª Rosana Tagliari Bortolin
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Coordenadora: Profª.Drª Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva
A Revista APOTHEKE é uma publicação eletrônica de caráter acadêmico-científico, editada pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, relacionado ao Grupo de Pesquisa [Entre] Paisagens, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/UDESC). Com periodicidade quadrimestral, tem como propósito divulgar a produção de pesquisadores brasileiros e estrangeiros que enfocam as relações entre Artes Visuais, Educação e Pintura, em diálogo com diferentes aportes teóricos, visando enriquecer a discussão interdisciplinar do conhecimento nas áreas de Artes Visuais e Educação. Publica artigos, ensaios, narrativas visuais, resultados de investigações baseadas nas Artes, resenhas, entrevistas e traduções. A revista tem como objetivo servir de veículo não apenas para o conhecimento e as pesquisas já consolidadas, mas também para perspectivas inovadoras, tanto no que se refere à argumentação quanto à metodologia, e que se apresentam como alternativas aos modelos estabelecidos.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Equipe Editorial Editora-Chefe Jociele Lampert, UDESC, Brasil Editores Associados Fábio Wosniak, UDESC, Brasil Marta Cabral, Teachers College, USA Editores Assistentes Liane Carvalho Oleques, UDESC, Brasil Adriane Kirst, UDESC, Brasil Juliano Siqueira, UDESC, Brasil Organizadores do volume 5, número 1, ano 3, Março de 2017. Jociele Lampert Fábio Wosniak Liane Carvalho Oleques
Conselho Editorial Nacional do volume 5, número 1, ano 3, Março de 2017. Luciana Gruppelli Loponte, Lúcia Gouvêa Pimentel Fernanda Pereira da Cunha Cristian Poletti Mossi Elaine Schimidli Fábio Rodrigues Marilda Oliveira Rita Bredarioli Ronaldo Alexandre de Oliveira Belidson Dias Bezerra Júnior Maria das Vitórias Negreiro do Amaral Christina Rizzi Rejane Galvão Coutinho Talita Esquivel Maria Helena Wagner Rossi Ana Cláudia Assunção Marcos Villela Pereira
Lucimar Bello Pereira Frange Olga Maria Botelho Egas Fernando Augusto
Conselho Científico Internacional do volume 5, número 1, ano 3, Março de 2017. José Carlos de Paiva e Silva, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto Rita L. Irwin, British Columbia, Canadá Teresa Torres De Eça, Universidade do Porto, Portugal Marta Cabral, Teachers College, Columbia, USA
Bolsistas Fábio Savicki Henschel Fabiana Burnato do Amaral Diagramadora Manuela Cristina Siebert Capa Foto: Acervo Grupo de estudos Estúdio de Pintura Apotheke
Contato Av. Madre Benvenuta, 1907 Itacorubi, Florianópolis / SC (48) 3321-8300 Centro de Artes Site Grupo: http://www.apothekeestudiodepntura.com
E-mail: apothekestudio@gmail.com
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
SUMÁRIO Editorial
10
Artigos
11
El artista profesor en el ámbito escolar de la enseñanza artística. Propuestas expresivas vs. Interdisciplinarias? Lila Nemirovsky (Universidade Politécnica de Madrid)
12
Sobre ser professor-artista-etc e vice-versa, ou como construir escolas de arte Mônica Hoff Gonçalves (UDESC)
28
Docência e formação de professores(as): cenários e perspectivas Alba Regina Battisti de Souza (UDESC) Lourival José Martins Filho (UDESC)
40
Fragmentos e aporias da paixão em pesquisa: do amor latente ao desejo potente Carolina Ramos Nunes(UDESC) & Elaine Schmidlin (UDESC)
58
Sobre desenho, memória e aprendizagem: uma abordagem neurocientífica visando a educação inclusiva Maria Lúcia Batezat Duarte (UDESC)
72
Uma aprendizagem em deslocamento: docência, artes visuais e pesquisa Aline Nunes (UDESC)
92
Sobre o ensino das artes visuais: o estúdio de pintura como laboratório Jociele Lampert (UDESC)& Fábio Wosniak (UDESC)
Entrevista
106
117
Entrevista com a Artista Professora Lilian Amaral concedida ao Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke. Entrevista realizada por Fábio Wosniak.
Traduções
118
127
Las Esculturas del IENBA: Significado y motivaciones As esculturas do IENBA: Significado e motivações Silvestre Peciar Basiaco (IENBA). Tradução de Juliano Siqueira (UDESC)
128
What will I teach? O que eu ensinarei? Nick Jaffe,Becca Barniskis & COX, Barbara Hackett Tradução de Fábio Wosniak (UDESC)
133
Ensaios
151 Da busca por encontrar-me Taliane Tomitta (UDESC)
153
Cadeira: Um objeto epistêmico em processo Marta Facco (UDESC)
190
Notas sobre a experiência “Agora já sei desenhar!” Ensino de desenho para crianças com deficiência intelectual Liane Carvalho Oleques (UDESC)
Grupo de estudos Estúdio de Pintura Apotheke ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
238 239
262
EDITORIAL A palavra APOTHEKE tem origem grega. O substantivo apotheke, designava armazéns do Porto de Atenas na Grécia Clássica; também de origem germânica, indica a origem da palavra botica, boticário ou farmácia. A escolha por esta nomenclatura, ao Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, decorre da percepção da botica como um lugar de laboratório, de um labor experimental, o que se aproxima da proposta de um Ateliê. A pintura apresenta-se como eixo norteador para o processo artístico deste Grupo de Estudos, considerando o campo ampliado e possíveis desdobramentos para o pensamento plástico pictórico. Trata-se de um Grupo de Estudos vinculado à UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC/Brasil, coordenado pela Profa. Dra. Jociele Lampert, articulado também, com o Grupo de Pesquisa [Entre] Paisagens - CNPq/UDESC, que acolhe artistas, professores e pesquisadores. A REVISTA APOTHEKE, em seu quinto volume, apresenta artigos, ensaios, entrevistas e traduções que contemplam o tema "Pesquisa: Ensino e Poéticas Visuais”. Investigações e estudos que consideram a prática artística e a prática docente, tendo como base a Arte e a Educação como eixos para reflexões acerca das Artes Visuais e o seu ensino.
Professora Dra. Jociele Lampert (Editora-Chefe) Professor Doutorando Fábio Wosniak (Editor-Associado) Site http://www.apothekeestudiodepintura.com Facebook https://www.facebook.com/pages/Est%C3%BAdio-de-pinturaApotheke/690107797707990?sk=timeline
=10=
ARTIGOS =11=
El artista profesor en el ámbito escolar de la enseñanza artística. Propuestas expresivas vs. Interdisciplinarias Lila Nemirovsky (U.P.M)
Resumen En el presente trabajo nos planteamos las posibilidades didácticas que excedan el límite de lo meramente expresivo para dejar lugar a propuestas de arte interdisciplinares en el ámbito de la enseñanza escolar. Suponemos que el artista profesor primeramente es artista en nuestro imaginario colectivo, nos encontramos con aquel que juega con sus manos, explora su imaginación, hace uso de sus sentidos y ejecuta sus ideas, en papel, lienzo, yeso, telas o cualquier medio plástico que permita la representación de aquello con lo que desea expresar. Porque en nuestro imaginario, el artista tiene la profunda necesidad de expresar y hacer visible su imaginación. En este sentido nos olvidamos del arte que no es netamente expresivo como eje central y presenta propuestas vinculadas a materias tangenciales como la física, la química, el deseo inconsciente y la actuación, entre otros. Palabras – clave Educación artística; interdisciplinaridad; proceso creativo; arte; educación
Comencemos preguntándonos ¿Qué se espera entonces del artista profesor en el marco escolar de enseñanza de las artes visuales? En nuestro imaginario social se espera muchas veces que el artista -convertido en profesor- enseñe artes visuales cuyo fin creativo se manifieste en el resultado inmediato del alumno, alentándolo a una producción expresiva y muchas veces sin dar demasiado lugar hacia otras funciones enraizadas del arte que bien podrían ser aprovechadas y enseñadas de modo de ir conformando tal como mencionado previamente, un proceso creativo flexible e interdisciplinar que pueda también ser aplicado en otros contextos ¿O acaso el artista tuvo tradicionalmente a la expresión como fin único del arte? No se trata aquí de proponer una suerte de programación artística meramente académica respecto a la enseñanza de las artes visuales en el contexto escolar sino de mirar más allá de la proposición simplemente artesanal-expresiva en cuanto a las artes en el colegio se refieren y sugerir quizás un camino que se nutra también de la enseñanza de la historia del arte de forma simultánea a la proposición de las variadas técnicas artísticas, alternando
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instrucción con expresión, de manera de ir construyendo un proceso creativo cuyos pilares encuentren en la historia del arte fuentes de inspiración que contribuyan a la creación artística interdisciplinar y que tienda a contribuir con la resolución de problemáticas que se presenten a lo largo de la vida. Conformando así un proceso creativo que pueda aplicarse a otros contextos y situaciones independientemente de la expresión visual. Quisiera proponer algunos ejemplos de la historia del arte donde observamos las diversas funciones de la creación artística, no siempre vinculada con la expresión personal. Es que tal como sostenía E. H. Gombrich, “cuanto más retrocedemos en la historia, mas definidos pero también más extraños, son esos fines a los cuales 1 el arte tenía que servir”. Si abandonamos nuestros países civilizados para viajar por aquellos cuyos modos de vida conservan todavía semejanza con las condiciones en las cuales vivieron nuestros remotos antepasados, nos daremos cuenta que no existe diferencia entre la construcción útil y la creación de imagen, en cuanto a necesidad concierne. Sus chozas están ahí para resguardarle de la lluvia, el viento, el sol y también de los espíritus. Porque las imágenes están hechas para protegerlos contra otras fuerzas que son tan reales como la naturaleza. Pinturas y esculturas son empleadas con fines mágicos (Gombrich). Es así como estas ideas pueden ayudarnos a entender la finalidad artística del hombre prehistórico, cuyas pinturas al ser descubiertas por los arqueólogos en cuevas de España y al sur de Francia en el siglo XIX, no podían creer que estuvieran hechas por los hombres del periodo glaciar. “Una cosa está clara y es que nadie se arrastraría dentro de las profundidades de una montaña solamente para decorar un lugar tan inaccesible. Incluso más, vemos que pocas de estas pinturas se distribuyen con claridad por los techos o las paredes de la cueva excepto algunas pinturas de la cueva de Lascaux.”
2
¹ Gombrich plantea en su libro La historia del arte que el sentido del arte variaba según las necesidades coyunturales y culturales de cada época, presentando una diversidad de funciones artísticas según la época histórica que estudiemos. ² Ramírez Juan Antonio en su libro, Arte pre-histórico y primitivo, nos comenta sobre el sentido que podría llegar a tener el hecho de haber pintado las escenas en las profundidades interiores de las cavernas del hombre glaciar, preguntándose si acaso la distribución de las pinturas afectaría el sentido de la obra.
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Figura 1. Cueva de Lascaux, Francia 15.000 – 10.000 a.C
Las pinturas están colocadas allí confusamente, una por encima de la otra. Resulta entonces verosímil creer que fueran parte de la creencia universal reinante en aquel entonces bajo la cual con el sólo hecho de pintar a sus presas, los verdaderos animales sucumbirían al poder del hombre. En este mismo camino observamos la representación de manos en algunas cuevas de la Cordillera de Los Andes, como en la cueva del arroyo Pedregoso, en la Patagonia chilena, por mencionar sólo un ejemplo, en los que se han encontrado hartas pinturas de manos en positivo y negativo. “La mano inmóvil y ficticia de la cueva no agarra ni atrapa y sin embargo procrea; la mano de piedra no trabaja y caza y sin embargo produce y crea; la mano abstraída de la mano concreta no lucha ni manda y sin embargo impera; la mano pintada e impresa no sanciona ni castiga y sin embargo santifica”
3
³ César Romeo en su libro, La mano y la máscara, evoca poéticamente el sentido de la mano en las cuevas patagónicas argentinas, y expande su idea hacia el resto de las cuevas rupestres, explicando cómo la mano está ligada a la representación y simbolismo.
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En síntesis la mano se revela a la comunidad como lo sagrado y está presente a lo largo de los años en el arte rupestre, siendo que 4 la diferencia de materialidad –carne o piedra – no es esencial. De esta forma vemos que la necesidad artística no pasa por la mera expresión personal sino que se da bajo un proceso simbólico cargado de creencias mágicas en los poderes que iban más allá de la propia ilustración física para convertirse en una suerte de talismán, plasmado en las cuevas que ciertamente rendiría sus frutos en la vida cotidiana.
Figura 2. Proceso simbólico-creativo en la elaboración del mapeamento de una ciudad ideal realizada por alumnos de 4º año de Fundamental I.
Es así como el deseo de alcanzar aquello que está afuera es sintetizado en esto que está adentro de la cueva, que bien podríamos interpretar como la propia cabeza del hombre glaciar, mostrando por ejemplo diversos animales y formas de caza. El proceso tiene aquí más que ver con el deseo de alcanzar un objetivo y dentro de este proceso se inscriben las formas y los pasos a seguir como si se tratara de una suerte de organigrama para cumplir. De esta manera, la idea de proceso expresado simbólicamente, en el campo de arte glaciar podría introducirse y por qué no traducirse a propuestas artísticas en sala de aula que contribuirán sin duda a la capacidad de aplicar procesos en otros campos de la vida. Si nos remontamos ahora al periodo Medieval, vemos como “La
4
María Mercedes Podestá, Rodolfo A. Raffino, Rafael Sebastián Paunero y Diana S. Rolandi en su publicación sobre El Arte rupestre de Argentina indígena: Patagonia, enfocan con precisión que la materia carece de importancia al tratarse de un arte simbólico.
=15= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
pintura era para los iletrados lo mismo que la escritura para 5 aquellos que saben leer” Ya hemos visto que nuestra moderna noción de que un artista debe ser creativo, innovador y original no fue en modo alguno compartido por la mayoría de los pueblos del pasado. Ningún artista medieval europeo habría comprendido por qué tendría que crear nuevos modos de planear una iglesia, dibujar un cáliz o representar escenas de la historia sagrada cuando tan bien habrían servido a tal propósito los modos antiguos. El donante que deseaba dedicar un nuevo altar a una reliquia sagrada de un santo patrón, no solo intentaba procurarse los materiales más preciosos que se hallaban a su alcance, sino que también intentaba suministrar al maestro que ejecutaría la obra, algún modelo de cómo debía ser interpretada la leyenda del santo y la producción del altar. De esta forma vemos que los artistas medievales no se proponían crear una imagen convincente de la naturaleza o realizar obras bajo la estética de belleza expresiva que esperamos ver en las obras actuales, sino que deseaban comunicar a sus hermanos en la fe, el contenido y el mensaje de la historia sagrada, al mismo tiempo que pretendían enseñarla a aquellos imposibilitados de acceder a la lectura de los textos. La imagen a continuación pertenece al Libro de los evangelios que fue ilustrado en Alemania alrededor del año 1000 Representando el incidente relatado en el evangelio, cuando Cristo lava los pies a sus discípulos tras la última cena: Le dice Pedro: “No me lavarás los pies jamás” y Jesús le respondió: “Si no te los lavo, no tienes lugar conmigo” y le dice 6 Simón a Pedro: “No sólo los pies sino hasta las manos y la cabeza” “Esta conversación era lo único que importaba para el artista. Representar la habitación en donde la escena tenía lugar resultaba irrelevante para él e incluso podría ser que desviase
la
atención
del
significado
interno
5
del
Cita del Papa Gregorio I (n. Roma; c. 540 – m. 12 de marzo de 604), llamado Magno por sus importantes escritos teológicos, fue el sexagésimo cuarto papa de la Iglesia católica (desde el 3 de septiembre de 590 hasta su muerte) y primer monje en alcanzar la dignidad pontificia. 6
Evangelio de Juan 13, 1-15
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acontecimiento.
En
cambio
situó
las
principales
figuras
contra un fondo dorado, luminoso y plano, sobre el que los gestos de los protagonistas resaltan como si se tratara de una inscripción solemne: la actitud implorante de San Pedro y el gesto calmo con el que Cristo imparte su enseñanza. A la derecha uno de sus discípulos se saca las sandalias mientras otro acerca un recipiente, los restantes se apiñan detrás de San Pedro.”
7
Figura 3. Ilustración del Libro de los apóstoles. Aprox. Año 1000. Alemania
7
El historiador André Grabar nos explica en su libro, Las vías de la creación en la icnografía Cristiana, que el eje principal en la pintura medieval tiene que ver prácticamente con el ideal de comunicación del texto sagrado, sin adicionar “adornos” que distraerían la atención del espectador.
=17= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Observamos que todas las miradas se dirigen hacia el centro de la escena con cierta rigidez, dándonos la sensación de que allí está sucediendo algo de suma importancia. La expresión aquí es pues el contenido comunicado, que nada tiene que ver con los propios sentimientos del artista creador. Vemos
pues
que
en
efecto
la
experiencia
de
la
belleza
inteligible constituía una realidad moral y psicológica para el hombre de la edad media y la cultura de la época no quedaría suficientemente iluminada si se pasara por alto este factor. Los medievales elaboraban al mismo tiempo, mediante analogía, por paralelos explícitos o implícitos, una serie de opiniones sobre la belleza sensible, la belleza sobre las cosas de la naturaleza y el arte. Efectivamente, el campo de interés estético de los medievales era bastante más amplio que el nuestro y su atención hacia la belleza de las cosas a menudo estaba estimulada como la conciencia de la belleza como dato metafísico. Los medievales, al desconfiar de la belleza exterior, se refugiaban en la contemplación de las escrituras o en el goce de los ritmos interiores de un alma en estado de gracia. No tenían una religión de la belleza separada de una religión de la vida, si lo bello era un valor debía coincidir con lo bueno, lo verdadero y demás atributos del ser y la divinidad. En esta misma línea nos comenta Gombrich que “Lo importante para el artista era transmitir el mensaje de los textos sagrados y que éste sea comprensible para una gran mayoría de espectadores. De esta forma la belleza exterior no resulta ser el objetivo principal del artista sino que el interés primario radica en transmitir un mensaje revelador a modo de belleza interior.”
8
El arte es pues comunicación de aquello que es bello, bueno y verdadero y la importancia de la transmisión de las ideas se vuelve uno de los ejes principales de la época medieval. 8 Gombrich, en su libro, La historia del arte, explica cómo en la pintura medieval la mayor importancia se situaba en la pura comunicación de los textos sagrados hacia aquellos que se veían imposibilitados de poder comprenderla de otro modo. De esta forma se revelaba una suerte de belleza interior de la pintura, dejando a un lado aquello que resultaba superficial o de “belleza exterior”.
=18= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Transmitir y traducir las artes medievales al ámbito escolar, podría ayudar en la realización de actividades donde ilustraciones basadas en textos consigan transmitir un mensaje claro y específico, contribuyendo conceptuales
de en
esta la
manera
lectura,
a la
la
elaboración
capacidad
de
de
procesos
síntesis
y
el
desarrollo de representación de textos. En definitiva un texto resumido en imágenes logra convertirse en un excelente esquema, incluso mental para recordar relatos en la posteridad. No se trata de introducir las artes medievales con el fin de copiar la acción de gráfica del artista medieval. Sino por el contrario, resulta ser un claro ejemplo de transmisión y traducción de textos –en aquel caso sagrados- para la comprensión final del relato a través de las imágenes visuales. La idea de enseñar este tipo de ejemplos históricos vinculados con la actividad plástica escolar, resalta la importancia de vincular la imagen visual con la comunicación escrita y permite desarrollar la capacidad de comprensión de texto al mismo tiempo que desenvuelve una potente capacidad de síntesis en el alumno. Particularmente, en el transcurso de los años como profesora de artes visuales en una escuela particular y bilingüe de la ciudad de San Pablo, Brasil tuve el placer de poder sugerir diferentes textos a mis alumnos en función de sus edades. Cuentos cortos de Franz Kafka, Italo Calvino, Hans Christian Andersen o fabulas de La Fontain, entre otros, fueron parte del repertorio propuesto a los alumnos de entre 8 y 13 años. Los textos, mayoritariamente en ingles debido al carácter bilingüe de la institución, fueron leídos, subrayados, resumidos, prácticamente desmembrados y sintetizados en pocas palabras bajo un ejercicio de comunicación visual a imágenes únicas que pudieran resumir el contenido general del relato,
eligiendo
importancia.
y
destacando
aquello
que
fuera
de
mayor
De esta forma, el proceso creativo se construía
resaltando la síntesis de la comprensión de texto en una imagen ilustrada donde el trazo y el color constituían las partes libradas al azar muchas veces explotadas en el conjunto visual.
=19= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Figura 4. Síntesis visual realizada por alumna de 7º año basado en el texto Ciudades invisibles I de Italo Calvino.
Una vez más volvemos a preguntarnos si el artista tuvo tradicionalmente a la expresión como fin único del arte y si los profesores de educación artística deberíamos proponer únicamente actividades donde el proceso expresivo sea el predominante. ¿O acaso no podríamos contribuir a la construcción visual con procesos que involucren la interdisciplinaridad junto a otros campos tales como por ejemplo la física y la incidencia de la fotografía? Observemos ahora el caso de los pos impresionistas como Georges
Seurat
quien
empleando
los
métodos
pictóricos
impresionistas , estudió la teoría científica de la visión cromática y
decidió
construir
sus
cuadros
mediante
minúsculos
puntos
uniformes de colores puros como si se tratara de un mosaico, confiando que con éstos se mezclarían en la retina de quien mirase. Estos colores puros y primarios que yuxtapuestos evitando mezclarse, son combinados en la retina de quien observa, conforma la tonalidad deseada por el autor, pudiendo ésta variar según la distancia que se deje. Es así como la imagen puntillista pasa a tener continuidad como si hubiera sido pintada por líneas en lugar de puntos.
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Figura 5. La Parade, Seurat 1889
“Las teorías de Seurat procedían de sus lecturas de los textos estéticos y científicos del siglo XIX sobre el color y de esta forma podemos afirmar que la tonalidad ideada por el artista no se encontraba en el cuadro pintado sino en la mente de quien observaba, como si se tratase de una ilusión óptica que se genera en la retina o mejor aún en la mente.
Es el
cuadro construido en la mente, como si se tratara de una nueva aparición
de
arte
conceptual
anticipándose un siglo.”
del
siglo
XX
aunque
9
Esta misma ejercitación de ciencia y arte trae aparejada una serie de desarrollos en los procesos creativos que bien podrían llevarse a cabo en sala de aula. No se trata de acotar sino de acrecentar la búsqueda en campos incluso aparentemente ajenos al arte, de modo de ampliar la capacidad creativa, cognitiva e incluso expresiva del alumno. Llevando la materia artística hacia un área interdisciplinar de pensamiento múltiple donde la reflexión, la observación y el proceso creativo integren el dinamismo de la disciplina. 9
Valero Muñoz Antonio, en su libro, Principios e Luz y holopintura, nos comenta sobre los efectos físicos de las pinturas post impresionistas, rescatando que la pintura en su totalidad se forma en la mente de quien la observa ya que los colores –pequeños puntos de color puro- se reciben en la retina y es el cerebro quien termina descifrándolos, estableciendo una imagen global.
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¿Qué ocurre cuando el fin único del artista es la pura expresión individual? Tomemos el ejemplo de Jackson Pollock, quien ya en 1947 había creado el estilo que lo había hecho famoso: abstracciones libres e informales basadas en una técnica de goteo y manchas sobre el lienzo, cuyo ejemplo podemos ver a continuación
Figura 6. Jackson Pollock en su atelier de East Hampton, New York
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=23=
El mismo artista nos contaba sobre su proceso creativo: “Mi pintura no procede del caballete. Casi nunca tenso el lienzo antes de pintar. Prefiero sujetar con tachuelas el lienzo sin tensar en la dureza de la pared o en el suelo porque necesito la resistencia de una superficie dura y en el suelo me siento mucho más a gusto. Me siento más cerca del cuadro, mas parte de él porque de esta manera me es posible dar vueltas en torno a él, trabajar desde sus cuatro lados y literalmente, estar en la pintura. Esto guarda semejanza con la manera de trabajar de los indios pintores de arena del oeste. Sigo apartándome de las habituales herramientas de los pintores, como el caballete, la paleta, los pinceles, etc. Prefiero palos, cuchillos, pintura liquida que gotea o un fuerte empaste con arena, cristales rotos y otros materiales extraños añadidos. Cuando estoy en el cuadro, no me doy cuenta de lo que hago y es sólo después de una especie de periodo de ponerme al tanto que me veo lo que he estado haciendo. No me preocupa hacer cambios, destruir la imagen, etc., porque el cuadro tiene vida propia. Trato de dejar que esta vida salga a la superficie. Sólo cuando pierdo contacto con el cuadro el resultado es un caos. Sino, lo que resulta es pura armonía, un fluido intercambio y el cuadro sale bien”
10
Una de las consecuencias más radicales del método de trabajo de Pollock fue el hecho de que cambiaba completamente el tratamiento del espacio. “Pollock hace caso omiso de los problemas espaciales; sus pinturas no son planas”.11 En cambio él crea todo un espacio ambiguo donde el impulso primordial en su proceso creativo tiene que ver mayoritariamente con impulso de la expresión instantánea. En el manifiesto presentado en el periódico New York Times de 10
Jackson Pollock nos comenta en sus escritos, Possibilities 1, sobre su propio proceso creativo a la hora de ejecutar un cuadro, en el cual interactúa con los materiales como si se tratara de una puesta en escena en la que ominada por una suerte de catarsis, logra expresarse a través de movimientos no siempre conscientes. 11
Bajo esta premisa, Edward Lucie-Smith interpreta a Pollock como un artista que crea un arte en movimiento y por ende vital, orgánico y tridimensional en el hacer de su acción para obtener los resultados pictóricos finales.
=24=
1943 por los tres artistas expresionistas: Mark Rothko, Adolf Gottlieb y Jackson Pollock sostenían que entre sus preferencias artísticas se encontraban los grandes lienzos y un punto de vista enfocado en el arte como si se tratara de mundo desconocido”
“una aventura hacia un
12
De esta manera y citando al coleccionista y crítico de arte Samuel
Kootz
vemos
que
“La
combinación
americana
de
pura
abstracción y expresividad en el pincel, gritaba realmente algo nuevo”
13
como si se tratara de una puesta en escena, “el lienzo
parecía un escenario en donde actuar, antes de ser un espacio para 14
reproducir” se trataba pues de un espacio dedicado exclusivamente a
la
expresión
espontanea
condicionamiento,
desvinculada
convirtiendo
el
proceso
de
cualquier
creativo
era
exclusivamente un proceso de auto-conocimiento. Es así como la vinculación de los casos que hemos venido viendo entre
arte
y
deseo
–en
el
caso
del
arte
rupestre-
arte
y
comunicación –como hemos visto en el arte medieval eclesiásticoarte vinculado a las teorías de la física –como hemos analizado en el post impresionismo- e incluso en el arte expresivo de los expresionistas interdisciplinar
abstractos, nutrido
conforman
de
un
campo
un
universo
tangencial
artístico que
excede
teóricamente el campo del arte y que sin embargo lo nutre en forma constante, contribuyendo por qué no al desarrollo inteligible que bien podría aplicarse en sala de aula de forma de conseguir la interacción de varias disciplinas cuyo denominador común resulte en la producción artística, esta vez con un background de información que conlleve a la profundización de la materia. 12
Harold Rosenberg comenta en sus escritos que la ejecución de lo que él llamó de Expresionismo abstracto está estrechamente vinculado con el acto de lanzarse al vacío en lo que depararía en una aventura hacia lo desconocido. 13
El coleccionista y galerista Samuel M. Kootz quien a principios de la década del 40´se encontraba en búsqueda de un nuevo tipo de arte, resumía de esta forma la genial originalidad que él veía en los nuevos expresionistas americanos. 14
Nuevamente el crítico y escritor Harold Rosenberg, define a los expresionistas abstractos americanos como artistas de la acción en una suerte de arena o escenario donde a través de la catarsis de su interpretación, encontraban el vínculo efectivo con la expresión gráfica.
=25= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Referências ALONSO TEJADA, Anna; GRIMAL Alexandre. Introducción al Arte levantino a través de una estación singular: la Cueva de la Vieja. 1.ed. Albacete: Revista Dialnet, 1999. CHAREAU, P; CAGE, J; ROSENBERG, H. Possibilities 1: an occasional review. New York: Editorial George Wittenborn, 1947. ECO, Umberto. Arte y belleza en la estética medieval. 1.ed. Barcelona: Editorial Lumen, 1997. FREEDBERG, David. El poder de las imágenes. Madrid: Ediciones Cátedra, 1992. GOMBRICH, E.H. La historia del arte. Londres: Editorial Phaidon, 2009. GRABAR, André. Las vías de la creación en la iconografía cristiana. 4.ed. Madrid: Editorial Alianza Forma, 1994. KERR, Houston. An introduction to art criticism. 1.ed. Maryland: Maryland Institute College of Arte - Editorial Pearsons, 2013. KOOTZ, Samuel. New Frontiers in American Painting. New York: Literary Licensing, 2012. LUCIE-SMITH, Edward. Movimientos Ediciones destino, 1995.
artísticos
desde
1945.
4.ed.
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=26= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Lila Nemirovsky, nascida em Buenos Aires, Argentina. Mestranda do curso de Pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em História da Arte, Universidade Autónoma de Madri, Espanha, cujo diploma foi homologado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialização em Design e Produção de vidro, Instituição Vetroricerca, Bolzano, Itália. Recebendo o prêmio de Bolsa integral de estudos do FSE para a totalidade da especialização de 2 anos. É professora de Artes visuais –em inglês- na escola bilíngue Aubrick de São Paulo. Trabalhou em Venezia, Holanda e Finlândia sempre no campo do design e do vidro. Fez exposições em Bolzano, Barcelona, Madrid, Turku e Buenos Aires. Foi convidada como palestrante da Bienal do Design de Chile 2010 e desde o 2012 mora em São Paulo. http://lattes.cnpq.br/8269952145343993
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Sobre ser professor-artista-etc e vice-versa, ou como construir escolas de arte1 Mônica Hoff Gonçalves
Resumo Entre 1970 e 1974, Allan Kaprow escreveu aqueles que seriam textos seminais para pensar as relações entre arte, filosofia e educação no contexto da arte. Refiro-me aqui à trilogia A educação do an-artista. As partes I e II do texto, publicadas no Brasil nos anos de 1990, têm sido constantemente analisadas, discutidas e atualizadas em debates internacionais sobre as contribuições do artista para os campos da arte e da educação (da arte) há, pelo menos, duas décadas. Sobre a parte III, no entanto, ainda se versa muito pouco. O presente artigo busca, a partir de ponderações feitas por Kaprow nesta última parte da trilogia, e, principalmente, do que ali não está contemplado, refletir e discutir sobre projetos que pensam artisticamente a academia, ou projetos de arte que se apresentam como escolas, e o papel do artista-professor. Abstract Between 1970 and 1974, Allan Kaprow wrote those seminal texts that would be very important to think about the relationship between art, philosophy and education in the context of art. I refer here to the trilogy The education of an-artist. Parts I and II of the text, published in Brazil in the 1990s, has been constantly analyzed, discussed and updated in international discussions about the contribution of the artist to the fields of art and education since the mid-1990s. About part III, however, there are very few discussions and reflections. This article seeks, from considerations made by Kaprow in this last part of the trilogy, and especially from what the text does not speak, reflect and debate about projects that think the academia from an artisticaly perspective, or art projects that arise as schools, and the role of the artist-teacher.
Em A educação do an-artista III2 (1974), última parte da trilogia que Allan Kaprow jogou para o mundo na primeira metade da
¹ Este artigo foi concebido a partir das leituras e discussões geradas no contexto da disciplina Sobre ser professor-artista, ministrada pela Profa. Dra. Jociele Lampert junto ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da UDESC, no segundo semestre de 2015. ² Na primeira metade da década de 1970, o artista norte-americano Allan Kaprow escreveu A educação do an-artista, publicada em três partes, sendo a primeira em 1971; a segunda em 1973; e a última em 1974. As duas primeiras foram traduzidas para o português e a terceira pode ser acessada apenas em versões em inglês e espanhol. Para acessar a Parte I, ver KAPROW, Allan. A educação do an-artista I. In: Concinnitas / IA/UERJ, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, 2003. Disponível em https://cidadaniaearte.wordpress.com/2014/11/13/a-educacaodo-an-artista-parte-1/.Para a Parte II, ver A educação do an-artista II. In: Concinnitas / IA/UERJ, Rio de Janeiro, ano 5, n. 6, 2004. Disponível em http://issuu.com/websicons4u/docs/revista6/169.(Parte II). Para acessar a Parte III, ver (em inglês) KAPROW, Allan. Essays on the blurring of art and life. Org. Jeff Kelley. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press. 1993; e (em espanhol) KAPROW, Allan. La educación del des-artista. Madrid: Ediciones Ardora, 2007.
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década de 1970, o artista argumenta que os modelos de arte experimental daqueles tempos, e sobretudo daquela geração, não eram tanto as pautas herdadas ou procedentes do campo da arte mas as formas sociais engendradas no período, particularmente como e o quê se estava comunicando, como o processo afetava o trabalho e as investigações, e como isso levava a conexões com processos naturais para além do campo social. Kaprow acreditava que, até então, embora os artistas estivessem conscientes, em alguma medida, da “natureza do universo físico, das ideias e de assuntos humanos”3 suas proposições ainda eram traduções de tais processos e vivências, portanto, obras de arte4. De acordo com sua leitura (“daquele mundo naquele momento”), a vida era compreendida em si como “um modelo secundário; um artista frequentava a escola de arte para estudar arte, não a vida”5. Esta lógica, segundo Kaprow, estaria, contudo, mudando ele acreditava que estava-se vivendo, naqueles anos, uma espécie de turning point no contexto, principalmente, das práticas artísticas. Para dar visibilidade a tal giro, na parte III de sua educação do an-artista, Kaprow se propôs um exercício bastante simples: tratou de elencar a partir de cinco modelos6 (categorias) que, segundo ele, poderiam ser encontrados tanto na vida cotidiana como nas profissões não-artísticas ou na natureza, uma série de exemplos do que acreditava ser uma nova métrica em termos de produção e pensamento artísticos. Dentre tais modelos, um nos chama especialmente a atenção, trata-se do modelo de aprendizagem, o qual o artista divide em três eixos (ou formatos distintos): alegorias de questões/investigações filosóficas; rituais de sensibilização; e manifestações educativas. No primeiro refere-se, principalmente,
³ Ver KAPROW, Allan. Essays on the blurring of art and life. Org. Jeff Kelley. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press. 1993. p. 140. tradução nossa. 4
Equação esta que o próprio Kaprow buscou desconstruir com intensa reflexão na parte I da trilogia. Refiro-me aqui às divisões arte-Arte, não-arte e an-arte propostas pelo artista na parte I de A educação do an-artista. Ver KAPROW, Allan. A educação do an-artista I. In: Concinnitas / IA/UERJ, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, 2003. Disponível em http://www.concinnitas.uerj.br/arquivo/revista4.htm Acesso em 19/03/2012 5
Ver KAPROW, Allan. Essays on the blurring of art and life. Org. Jeff Kelley. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press. 1993. p. 139-140. tradução nossa. 6
São eles: modelos de situação, operacionais, estruturais, auto-referenciais e de aprendizagem.
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a processos e pensamentos filosóficos e educativos transformados em formas e dispositivos de arte. O segundo, por sua vez, vincula-se a uma ideia de experiência coletiva de sensibilização em que a noção de espectador se deixa nublar diante da possibilidade de participação ativa das pessoas, uma vez que é isso o que confere sentido ao próprio ritual/experiência. O terceiro, por fim, poderia compreender tanto os programas e cursos propostos por artistas em contextos e situações artísticas (dentro de galerias e museus, em espaços expositivos, e bienais e feiras de arte, se levarmos em conta o contexto atual), como as metodologias artísticas propostas por artistas em outros ambientes, situações e contextos que não os, até então, designados para a exibição de arte (como uma sala de aula, por exemplo). Neste caso o que se torna turvo não são as noções de artista e espectador, mas do que é arte e do que é pedagogia. Os elementos (e exemplos) apresentados por Kaprow, relatados nesta breve introdução, poderiam constituir sem dúvida e desde já um corpo de investigação bastante interessante para o presente ensaio. No entanto, fugiremos disto. Gostaríamos de abordar aqui algo que, embora pareça tangenciar os três eixos do modelo de aprendizagem e integrar o pensamento de Kaprow, não é tratado, tampouco mencionado, ao longo da terceira parte de A educação do an-artista. Talvez, sequer percebido pelo artista naquele momento. Desta forma, tal qual propõe Walter Benjamin em uma de suas teses sobre o conceito de história7, versaremos sobre aquilo que no passado não parecia estar presente mas que numa leitura feita nos dias de hoje parece reclamar seu lugar, nos levando, portanto, a uma reinvenção do passado, alterando por conseguinte nosso presente. Referimo-nos à noção de escola de arte8 como site specific. Ou seja, a escola de arte como um lugar pensado artística e criticamente a partir de suas especificidades materiais, 7
Referimo-nos aqui, principalmente, às teses 6 e 7 nas quais Benjamin declara a necessidade de desviarmos da história como processo de transmissão cultural dominante. Segundo o autor, é preciso “escovar a história a contrapelo”, vê-la e esmiucá-la ao revés. Ver BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.222-232. 8 Incluimos nesta compreensão universidades e academias de arte. O sentido de escola de arte exposto aqui é o das instituições de formação em e sobre arte, formais e não-formais, que se compreendem como tal.
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conceituais, operacionais, físicas, humanas, econômicas, políticas e sociais e que, além de saberes experimentais do ponto de vista pedagógico, produz também metodologias, “modos de vida” e de organização específicos, os quais geram novas possibilidades de pensar o campo da arte, a prática artística, bem como os papéis do artista e do professor. Esta temática é verificada, em algum grau, por Ricardo Basbaum no texto O artista como pesquisador, quando este debate sobre a atuação do artista e o lugar da pesquisa em arte na universidade, e o fato de a universidade fazer parte de um circuito mais amplo, pertencente ao sistema da arte. Embora pensar a universidade como campo específico para a prática artística não seja o foco central do texto - Basbaum está centrado em debater as relações conflitantes, porém, proveitosas e produtivas entre este universo e o circuito da arte - o artista sugere atentarmos aos novos territórios que esta “dobra” a mais no sistema da arte - no caso, a universidade - pode oferecer. Basbaum nos pergunta: “que caminhos podem ser inaugurados? Quais possibilidades podem ser apontadas? Se tomarmos a arte enquanto produção de conhecimento e processamento sensorial, quais modos problematizadores são trazidos para o primeiro plano?”.9 Principalmente no decorrer das décadas de 1960-70, mas também no decurso de todo o século XX, muitos artistas estiveram diretamente envolvidos com a criação e gestão de escolas de arte, com a preparação de currículos, cursos, disciplinas e programas de aula, pensando prática artística e prática de ensino como aspectos de uma mesma atividade. Em linhas gerais, poderíamos dizer que as escolas de arte surgiram, originalmente, por demanda dos artistas, logo, seriam eles seus principais pensadores. Isto se vê com maior força, seguramente, a partir das vanguardas artísticas do começo do século XX, com o advento da noção de arte como campo de conhecimento autônomo. Logo, como um “lugar” com normativas e métodos próprios, e com seu próprio sistema. Mas pode ser observado antes também, se considerarmos que as escolas de arte decorrem, principalmente, das práticas em/de atelier, às quais remontam o século XV.
9
Ver BASBAUM, Ricardo. O artista como pesquisador. In: BASBAUM, Ricardo. Manual do artista-etc. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013. p. 195.
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Apesar disso, reflexões acerca das especificidades deste “lugar” como determinantes para um pensamento em arte (prática artística + debate crítico) ainda seguem raras. No geral, a universidade é (compreendida como) o lugar onde se pesquisa, não o campo
10
da pesquisa ou da experiência em si. Ou seja, um lugar que
investiga o mundo da arte (suas teorias, pedagogias e práticas), mas não se inclui nele. Parece contraditório, considerando que as escolas de arte têm sua origem, como acabamos de mencionar, principalmente na prática artística e no desejo de artistas de compartilhar e pensar mais sobre seus métodos; além de sintomático, se levarmos em conta a relação historicamente conturbada entre arte e educação que se convencionou criar no contexto da arte. Tal paradoxo fica ainda mais evidente quando nos damos conta que
alguns
dos
grandes
exemplos
de
prática
artística,
especialmente no século XX, que perduram e são constantemente revisados, citados e atualizados, são justamente as escolas de arte experimentais e as iniciativas de artistas no campo da educação. Talvez o uso de alguns exemplos possa nos ajudar a ver isso melhor. No que tange à primeira metade do século XX, poderíamos destacar as experiências levadas a cabo, principalmente, pelos construtivistas russos, ressaltando as investigações exemplares de Malevich e seu envolvimento com o UNOVIS11, quando professor da Vitebsk Art School; por Walter Gropius, na Alemanha, com a fundação da primeira Bauhaus
12
(1919-23); além da participação ativa e
ativista de Josef Albers, dissidente da Bauhaus, na construção em tempo real do Black Mountain College (1933-57), chegando a ser reconhecido como força central da escola.
10
No sentido usado pela antropologia, de fazer campo.
11
Grupo de artistas formado por Malevich e seus alunos, em 1919, na Vitebsk Art School (1897-1923), Russia. O significado de UNOVIS é "Utverditeli Novo Iskusstva" ou algo como “Os Campeões da Nova Arte”. 12
Como primeira Bauhaus entendemos a primeira fase da escola, que poderia, de acordo com sua história, ser dividida em 3: Bauhaus-Weimar (1919-23), em que o ensino era o fundamento principal, constituindo-se como uma escola livre no sentido de não seguir dogmas; Bauhaus-Dessau (1923-1928), já mais focada numa aproximação direta com a indústria e a produção em série, estruturando-se como uma própria indústria de conhecimento; e Bauhaus-Berlim (1929-1933), talvez ainda mais dogmática que a segunda quanto à sua função na formação de designers e arquitetos e, por isso, cada vez mais contrária às premissas que a originaram, o que acabou gerando sua dissolução.
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Embora não compartilhem o mesmo contexto político, social e cultural - afinal, estamos falando da Rússia da virada do século diante do processo de industrialização; da Alemanha pós-Primeira Guerra frente à retomada do país; e dos EUA da Grande Depressão; tampouco o mesmo tempo histórico - praticamente uma é inaugurada quando a outra encerra suas atividades -, as três escolas dividem uma ideia comum de universalidade da arte, mesmo que, na prática, para isso, tracem caminhos distintos. Vitebsk13o faz a partir da teoria suprematista de Malevich; a Bauhaus, originalmente como um projeto de um homem só - Gropius - e sua proposta de, ao mesclar arte, artesanato e indústria, formar profissionais mais universais; e o Black Mountain College, coordenada por um artista, através de 14
sua organização como uma espécie de liberal arts school , aberta a artistas e não-artistas, que defendia a prática ante a teoria, o ‘aprender fazendo’ e a investigação mais do que a produção de arte e que não pretendia formar ninguém em coisa alguma, convertendo-se, por conta disso, numa das mais importantes experiências de educação (da arte) do século XX. O que podemos perceber com estas experiências é que mais do que pedagogias instituintes que se converteram em escolas de arte, tratou-se, sobretudo, de investigações no campo da prática artística que levaram a teorias (da percepção) que acabaram, então, gerando novas pedagogias e estas, modelos mais experimentais de escolas. De certa forma, foi a soma destas experiências que, por contraste e complementaridade, fabricaram a noção de escola de arte 13
Vitebsk se transformou, de certa forma, na escola de Malevich. O artista desenvolveu sua teoria suprematista durante os anos em que esteve em Vitebsk, a partir de sua prática como professor. O ensaio teórico “Dos novos sistemas na arte”, em que o artista busca estabelecer os princípios de uma pintura abstrata vinculada às experiências contemporâneas, foi impresso em 1919, em um workshop de litografia realizado com estudantes na escola de arte. Atualmente, seria possível afirmar que muito do que conhecemos da Vitebsk School of Art advém das iniciativas e experiências propostas por Malevich nos anos em que lá esteve. Ele tentou introduzir um novo tipo de ensino da arte, no qual todas as formas de arte eram desenvolvidas tendo como base o Suprematismo, sendo integradas dentro de um sistema universal. 14
O termo liberal arts surgiu na Grécia antiga como uma espécie de formação multidisciplinar com o objetivo de preparar o homem, em sua prática individual, para a vida em sociedade de modo que pudesse se posicionar e defender publicamente, servir ao governo, etc. Atualmente, consiste numa formação universitária de caráter amplamente interdisciplinar com currículo formado por áreas e disciplinas que, no geral, envolvem ciências sociais, ciências naturais, humanas (letras, artes, etc) e exatas (matemática, lógica, estatística) e também com o objetivo de possibilitar uma formação mais “global” ao cidadão. Este tipo de formação se popularizou nos EUA na segunda metade do século XX e, mais recentemente, na Europa, e é compreendida como uma formação completa que visa auxiliar o homem nos mais diversos campos do conhecimento e áreas de atuação profissional.
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que vigorou ativamente ao longo do século XX. Como escolas fundadas e/ou geridas por artistas, elas acabaram assumindo ideias individuais, que foram reelaboradas num plano coletivo. No que diz respeito à segunda metade do século XX, principalmente aos anos de 1960-70, há uma renovação por parte dos artistas com relação à educação, conferindo novos contornos à noção de escola de arte. De fato, há uma intensa participação de artistas junto a escolas de arte e universidades, mas desta vez, de uma maneira menos afirmativa e mais desconstrutiva da instituição e seus valores - talvez pudéssemos encontrar aí indícios do que alguns anos depois viríamos chamar de crítica institucional - que leva muitos deles à concepção de escolas autônomas, universidades livres e academias independentes nas quais, no geral, as distinções entre prática artística e prática de ensino se diluem através da mediação do cotidiano, do ordinário, da prática da vida diária. Exemplos pertinentes desta nova configuração seriam as aulas-atividades de Kaprow no CalArts, principalmente, nos anos de 15 1960-70; o envolvimento político de Joseph Beuys como professor da Academia de Artes de Dusseldorf, fundando com seus estudantes o Partido dos Estudantes e abrindo suas aulas para mais de 400 pessoas, dentre as quais estavam alunos e não-alunos da escola, e a 16 posterior criação da Universidade Livre Internacional ; a criação da Lidl School, por Jorg Immendorf, dentro da Academia de Artes de Dusseldorf, quando aluno de Beuys; as Oficinas Pluridimensionais oferecidas por Helio Eichbauer no Parque Lage, que se converteram em performances-aulas conformando boa parte da aura de experimentalismo atribuída à escola até hoje; a própria criação do Parque Lage (1975), que teve como idealizador e primeiro diretor o artista Rubens Gershman; a criação da Non-École de Villefranche, por Robert Filliou e Georg Brecht no litoral francês no fim da década de 1960, que consistiu numa loja-escola-ateliê; o projeto do New Marlborough Centre for Arts, proposto por George Maciunas, que pretendia ser um misto de Bauhaus e Black Mountain College, e que
15
Para compreender mais profundamente a atuação e posicionamento de Joseph Beuys como professor e as consequências políticas sofridas por ele, principalmente, no contexto da Escola de Artes de Dusseldorf, ver SARMIENTO, José Antonio. La clase de Beuys. Cuenca: Une, 2015. 16
A Free International University (FIU) foi fundada por Joseph Beuys e Heinrich Böll em 1 9 7 3 . O m a n i f e s t o e s t á d i s p o n í v e l e m <https://sites.google.com/site/socialsculptureusa/freeinternationaluniversitymanifest o> Acesso em 05/02/2016
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ocorreria em Massachusets caso tivesse se concretizado; ou mesmo, a série de pinturas tituladas Art Lesson, de John Baldessari, bem como sua experiência como professor no Cal-Arts; a experiência do Artist Placement Group, iniciativa concebida originalmente por Barbara Steveni em 1965, e fundada um ano mais tarde por Barbara, Barry Flanagan, David Hall, John Latham, Anna Ridley and Jeffrey Shaw em Londres; a Eksperiment Kunst Skolen (1961-69) fundada por um grupo de artistas dinamarqueses; e no Brasil, a experiência da Escola Brasil (1968), em São Paulo, levada a cabo pelos artistas José Resende, Carlos Fajardo, Luis Paulo Bravelli e Frederico Nasser; e da ASTER (1978-81), escola de arte experimental criada por Regina Silveira, Julio Plaza, Walter Zanini e Donato Ferrari; para citar alguns exemplos. Atualmente, ou seja, com certo distanciamento histórico, e considerando as produções e debates ao redor da virada educacional nas práticas artísticas contemporâneas, realizados sobretudo nas últimas duas décadas (que verificaram um boom de escolas fundadas por artistas em contextos domésticos, barcos, caminhonetes, praças, bicicletas, dentro de exposições, em bienais de arte, como programas temporários e, inclusive, dentro das próprias escolas de arte17), poderíamos considerar ou mesmo nominar 17 Dentre elas podemos citar Mildred's Lane Project (Mark Dion, 1998) / Cittadellarte / École Temporaire (Dominique Gonzalez-Foerster, Philippe Parreno e Pierre Huyghe, 1998–1999) / Proto Academy (Charles Esche, 1998–2002) / The Independent Art School (1999) / School for the History and Theory of Images (Branimir Stojanovic, 1999) / The Real Presence (Biljana Tomic, desde 2000) / Copenhagen Free University (Henriette Heise e Jakob Jakobsen, 2001-07) / ArtSchool Palestine (2001) / Campus 2002 (Marius Babias e Florian Waldvogel) / Gasthof 2002 at Staedelschule, Frankfurt / School of Missing Studies (2002-) / Future Academy (Clementine Deliss, 2002) / University of Openness (2002) / Cátedra Arte de Conducta (Tania Bruguera, Havana, 2002-09) / Escuela Panamericana del Desasosiego (Pablo Helguera, 2003-06) / Manoa Free University (2003-2008) / Informal University in Foundation (2003) / The Paraeducation Department (Sarah Pierce e Annie Fletcher, 2004) / Cork Caucus (2004–05) / Momentary Academy (Ted Purves, 2005) / Mountain School of Art (Piero Golia e Erik Wesley, 2005) / ArtSchool Palestine (2005) / Escuela Móvil de Saberes y Practica Social (2005) / Manifesta 6 School (2006) / Escuela de Arte Belleza y Felicidad de Villa Fiorito (2006) / Brown Mountain College (2006) / Unitednationsplaza (2007) / Potential School (Liam Gillick, 2007) / Islington Mill Art School (2007) / The Public School (2007) / The Independent Art School (2009) / Night School (2009) / Parallel School (2009) / Picketpocket Almanck (Joseph del Pesco, Franck Leibovici, Sébastien Pluot, Vivian Rehberg, Eric Périer e Mathieu Kleyebe Abonnenc, 2009) / Department 21 (2009) / Institut für Raumexperimente (Olafur Eliasson, 2009) / MASS Alexandria (2010) / Trade School (2010) / Campus (Libia Castro & Ólafur Ólafsson, Renata Lucas, Peter Piller e Adrià Julià, 2011) / Turps Art School (Marcus Harvey e Peter Ashton, 2012) / Göteborgs Autonoma Skola / Workers Punk Art School (Hito Steyerl, 2008-09) / Center for Land Use Interpretation (Damon Rich) / Machine Project / The Anhoek School / Mobile Academy / Centre for Possible Studies (Janna Graham e Sally Talant) / La Ivan Illich (Beta-Local, San Juan, Puerto Rico) / Open School East (2013) / Fairfield International Art School (Ryan Gander, 2015) / Escuela de Garaje (Laagencia, Bogotá, 2015) / Amen Foundation (Abdulnasser Gharem, 2015) / Surf school-etc (Mônica Hoff, 2015) / The Antiuniversity Research Project (Jakob Jakobsen, London, 2015), entre outras. Ver GONÇALVES, Mônica. Universidades livres, DIY schools, academias caseiras: as escolas de artista contemporâneas. In: GONÇALVES, Mônica. A virada educacional nas práticas artísticas e curatoriais contemporâneas e o contexto de arte brasileiro. Dissertação de mestrado. Porto Alegre: PPGAV/UFRGS, 2013. pp. 121-142
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tais experiências - compreendidas originalmente como aulas, planos de aula, cursos, palestras, disciplinas, currículos, e as próprias escolas - como projetos artísticos. Ou, no caso específico das escolas, de escolas de artistas, uma vez que a o desenvolvimento e a autoria das metodologias (artísticas) empreendidas é o que confere forma a estes espaços. No entanto, esta equação não é tão simples quanto aparenta - e sua complexidade está menos relacionada ao fato de que não seria fácil categorizar tais experiências e mais ao feito de que, ao categorizá-las, tendemos a legitimá-las como “coisas artísticas” que passam a ser analisadas na academia como “objetos de arte” externos a ela - ou seja, como traduções, ou obras de arte, tal qual citara anteriormente Kaprow. Numa matemática simples seria algo como importar o que se exporta - o que pode ser interpretado como um movimento interessante do ponto de vista conceitual, uma vez que, ao importar o que antes se havia exportado, sendo este algo o conhecimento, então, pelo menos em teoria, a academia garante que o conhecimento esteja em constante transformação. Por outra parte, contudo, ao fazê-lo, ela tende a olhar para este conhecimento - organizado no formato de aulas, currículos, planos, atividades, escolas - como um objeto de análise, valendo-se menos, portanto, de suas especificidades metodológicas, desconstrutivas e transformadoras do ponto de vista pedagógico, e mais dos seus efeitos artísticos. Diante disso, nos perguntamos: como analisar tais iniciativas? Elas devem ser avaliadas? Sob que perspectiva? Desde que lente? No que diz respeito aos artistas, por que eleger a academia, escola de arte ou universidade como território no qual ou 18 a partir do qual realizar intervenções e práticas artísticas? Qual o sentido político desta escolha? Para, ou com, quem se quer falar? No que tange à escola de arte, como ela e seus atores lidam com um conhecimento que nasce como uma metodologia artística, criada especificamente para seu contexto, muitas vezes decorrente de uma 19 investigação feita nos campos da filosofia e da educação , que se 18
Esta pergunta inaugura o texto “Mantener las Formas: la academia en y desde las prácticas artísticas”, de Selina Blasco. In: BLASCO, Selina (Org.). Investigación artística y universidad: materiales para un debate. Madrid: Ediciones Assimétricas, 2013. 19
Os exemplos mais conhecidos são o próprio Allan Kaprow e a influência sofrida pelas teorias de John Dewey; e Joseph Beuys, o qual tinha como seu principal mentor filosófico Rudolf Steiner.
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converte em objeto artístico? Ou, como ela lida com metodologias artísticas que se transformam em pedagogias que geram escolas de arte como projetos de arte? E, ainda, de que forma e em que medida as escolas caseiras, autônomas, livres e/ou independentes - escolas de artistas, como chamamos anteriormente - podem gerar processos de revisão nas escolas e academias de arte? Como a experiência das escolas de artistas pode gerar debates e transformações significativos nas escolas de arte, as quais não podemos nos esquecer têm seu germe nas escolas de artistas, ou seja, são originárias de metodologias criadas por artistas? E, por fim, quando, e sob que circunstâncias, uma aula, um curso, uma palestra ou um plano de aula é considerado arte e quando, e sob que circunstâncias, é considerado pedagogia? O que exatamente tais definições ocasionam, e o que negligenciam ou esquecem de considerar? Ao que parece, pensar a escola de arte como campo de pesquisa específico implica muito mais do que podemos supor. Não se trata, certamente, de uma matemática simples, tampouco exata. E, talvez, seja justamente o fato de ser uma orquestração inconciliável o que leva artistas a pensá-la como uma potente forma de arte. Mais do que mais uma categoria artística a ser analisada, as escolas de arte empreendidas por artistas, ou escolas de artistas, se efetivam como um problema filosófico para o campo, uma vez que o caráter autorreferente da arte, ou seja, de observar-se e pensar-se como campo e portanto poder colocar em cheque suas próprias normas, encontra o político como condição de existência, ou seja os acordos sociais, as normativas, regras, questões étnicas, de gênero, hierarquias e relações de poder das quais não podem escapar. Mas não é esta a condição de existência da arte? De nublar as definições, de reinventar constantemente suas próprias diretrizes, de ser o quiser ser, e, assim, ser coisa política? Se optarmos por responder que sim, provavelmente compreenderemos que uma das grandes contribuições das escolas de artistas para o campo da arte é que elas muito apropriadamente “bagunçam” as fronteiras epistemológicas e zonas de poder existentes entre prática artística, ensino e teoria da arte, tornando impossível de serem definidas como isto ou aquilo. São ora estruturas fixas ora estruturas móveis; não assumem identidades permanentes; no geral, assumem o conceito de autoinstitucionalização; tem uma natureza aleatória e/ou aberta; uma
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preferência por abordagens exploratórias, experimentais, e multidisciplinares em termos de produção de conhecimento; uma consciência em relação à instrumentalização da academia; uma tendência para o processo mais do que para o objeto; assumem-se como uma escola que funciona como um meio social que prioriza a produção colaborativa e que lida com uma temporalidade contínua e potencialmente infinita. Trata-se, no entendimento da crítica, 20 acadêmica e artista Kristina Lee Podesva , de “um ambiente de aprendizagem pós-hierárquico, onde não existem professores, apenas co-participantes”. Uma proposição que busca desviar da chamada “economia do conhecimento” que vem cimentando e constrangendo o sistema de ensino, principalmente, desde a virada do milênio. E para o qual as próprias escolas de arte, pelo menos em teoria, torcem o nariz. Os artistas estão respondendo a isso. Ao criarem escolas experimentais, eles estão fazendo um exercício de imaginação institucional. Um exercício que é concomitantemente poético, político e pedagógico. Um exercício necessário de reinvenção. Diante disso, poderíamos nos questionar, como num último suspiro, para que servem, então, hoje, as escolas de arte? Se for para formar artistas que pensem e façam escolas de arte já podemos nos dar por felizes.
Mônica Hoff Gonçalves é doutoranda em Artes Visuais, na linha de Processos Artísticos Contemporâneos, pelo PPGAV-UDESC.
20
Ver PODESVA, Kristina Lee. A Pedagogical Turn: Brief Notes on Education as Art. In: Filip 6, Vancouver, n° 6, 2007. Disponível em: <http://fillip.ca/content/a-pedagogical-turn>
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Mônica Hoff Gonçalves é doutoranda em Artes Visuais na linha de Processos Artísticos Contemporâneos, sob a orientação da Profa. Dra. Regina Melim Cunha, no PPGAV/UDESC. Mestre em Artes Visuais, na linha de História, Teoria e Crítica de
Arte,
pelo
PPGAV/UFRGS
(2014),
com
pesquisa
financiada
pela
CAPES;
especialista em Pedagogia da Arte, pelo PPGEDU/UFRGS (2008); e bacharel em Artes Plásticas pelo IA/UFRGS (2002). Atua como artista, curadora e pesquisadora, com pesquisa no âmbito das relações entre arte e educação no contexto artístico contemporâneo com especial atenção para temas como mediação cultural, públicos, curadoria educativa e programas públicos. De 2006 a 2014, foi responsável pela coordenação geral do Projeto Pedagógico da Bienal do Mercosul (POA/BR), atuando também como curadora de base na nona edição do evento, realizada em 2013. Desde então vem colaborando com instituições culturais como Colección Cisneros, Alumnos 47, Casa Daros, New Museum, Liverpool Biennial, Instituto Mesa, Circuito Líquido, entre outros. Em 2011 e 2013, respectivamente, organizou as publicações Pedagogia no campo expandido, com Pablo Helguera; e A Nuvem e Manual para Curiosos, com Sofía Hernandez Chong Cuy.
http://lattes.cnpq.br/2582745531405339 b
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Docência e formação de professores (as): Cenários e perspectivas Alba Regina Battisti de Souza (UDESC) Lourival José Martins Filho (UDESC)
Resumo Este artigo é resultado de uma pesquisa sobre a formação docente considerando produções teóricas e políticas voltadas para a formação, mais especificamente o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). As questões orientadoras são: quais os principais desafios e perspectivas para a docência segundo as produções teóricas em evidência? Como os bolsistas de ID (Iniciação à Docência) percebem as influências do PIBID na sua formação? Quais as relações entre as premissas teóricas e a efetiva contribuição do PIBID na formação dos licenciandos? Trata de um estudo bibliográfico conjugado com análise documental. A partir de uma abordagem qualitativa, os dados foram discutidos considerando princípios da análise de conteúdo. Dentre as tendências identificadas nas produções teóricas destacam-se: a concepção de docência como uma profissão altamente complexa na qual os professores lidam com interações humanas e situações diversas e adversas nas quais precisam mobilizar saberes, por exemplo, aqueles relacionados à própria experiência; o princípio do “protagonismo docente”, no qual os professores são vistos como sujeitos, autores e mentores da construção de sua identidade profissional traçada ao longo do processo de formação inicial e no exercício da profissão; a relação universidade e instituições escolares numa perspectiva de integração de propostas e projetos de formação. Em vários aspectos há certa consonância entre as produções sobre a formação docente e as vivências dos Bolsistas de ID sobre o Programa, como foi possível identificar nos relatos: propicia uma maior articulação entre teoria e prática; promove um reconhecimento mais aprofundado do contexto escolar e, em especial, da sala de aula; viabiliza a construção de saberes específicos para a prática docente, com crescente autonomia e protagonismo.
Palavras-chave: formação docente, saberes docentes, educação básica, PIBID
Resumen El artículo es el resultado de la investigación sobre la formación del profesorado teniendo en cuenta las producciones teóricas y políticas centrado en la formación, en concreto PIBID - Programa Institucional de Iniciación de subvención para la enseñanza. Las preguntas orientadoras son: ¿cuáles son los principales retos y perspectivas de la enseñanza de acuerdo a las producciones teóricas en evidencia? Como estudiosos ID (Iniciación a la Docencia) se dan cuenta de las influencias de PIBID en su formación? ¿Cuáles son las relaciones entre los supuestos teóricos y la contribución efectiva de PIBID en la formación de los futuros docentes? Es una conjunción estudio bibliográfico con el análisis de documentos. Desde un enfoque cualitativo, se discutieron los datos teniendo en cuenta los principios de análisis de contenido. Entre las tendencias identificadas en las producciones teóricas son: el diseño de la enseñanza como una profesión muy compleja en la que los maestros se ocupan de las interacciones humanas y situaciones diferentes y adversos que deben movilizar los conocimientos, incluidos los relacionados con la experiencia personal; el principio de "rol docente" en la que los profesores son vistos como temas, autores y mentores de la construcción de su identidad profesional forjado durante el proceso de formación inicial y en la profesión; relaciones universitarias e instituciones educativas desde la perspectiva de las propuestas de integración y proyectos de formación. En muchos sentidos, hay una cierta consonancia entre las
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producciones en la formación del profesorado y las experiencias de I + D becarios en el programa, como se ha identificado en los informes: proporciona una mayor articulación teoría y la práctica; promueve un mayor reconocimiento del contexto escolar y en particular de la clase; permite la construcción de conocimientos específicos para la enseñanza, con el aumento de la autonomía y el liderazgo. Palabras claves: formación educación primaria.
del
profesorado;
maestros
del
conocimiento;
Abstract This article is the result of a research on teacher training considering theoretical and political productions on the education training, specifically the Institutional Program of the Initiation to Teaching Grant (PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência). The guiding questions are: what are the main challenges and perspectives for teaching according to the theoretical productions in evidence? How do the PIBID scholarship students perceive the influences of the Program in their formation? What are the relationships between the theoretical premises and the effective contribution of PIBID in the training of this students? It is a bibliographical study combined with documentary analysis. From a qualitative approach, the data were discussed considering principles of a content analysis. Among the trends identified in theoretical productions are: the conception of teaching as a highly complex profession in which teachers deal with human interactions and diverse and adverse situations in which they need to mobilize knowledge, for example, those related to their own experience; the principle of "teacher as protagonist", in which teachers are seen as subjects, authors and mentors of the construction of their professional identity drawn during the initial training process in the exercise of the profession; the relationship between universities and schools with a view towards integrating proposals and training projects. In several respects, there is a certain consonance between the productions about the teacher formation and the experiences of the students on the Program, as it was possible to identify in the reports that it allows a greater articulation between theory and practice; promotes a more in-depth recognition of the school context and, in particular, of the classroom; enables the construction of specific knowledge for the teaching practice, with increasing autonomy and protagonism. Keywords:teacher training; teacher knowledge, basic education; PIBID.
Pontos de partida Há algum tempo as reiteradas críticas ao distanciamento entre o que é propagado nos cursos de formação docente e os efeitos no cotidiano educacional, incluindo as atividades de ensino, pesquisa e extensão, têm provocado os estudiosos do campo da educação. Além disso, é possível encontrar em propostas e documentos oficiais da esfera educacional diversas considerações sobre aspectos que, conforme destacam, precisariam ser revistos e até superados. Este estudo resulta de uma pesquisa do tipo bibliográfica e documental e apresenta a análise de produções acadêmicas e algumas propostas oficiais que abordam a formação de professores com o objetivo de compreender quais as principais tendências sobre a
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docência na atualidade e suas possíveis repercussões na formação e na atuação do docente da Educação Básica. Para sistematização e discussão dos dados foram utilizados alguns princípios da análise de conteúdo segundo Franco (2003) e Bardin (2009). Ao selecionar e sistematizar os dados sobre as discussões mais recorrentes nas produções pesquisadas, destacam-se neste artigo três perspectivas a serem tratadas: 1) a concepção de docência como uma profissão altamente complexa na qual os professores lidam com interações humanas e situações diversas e adversas e nas quais precisam mobilizar saberes, dentre eles aqueles relacionados à própria experiência; 2) a ideia de “protagonismo docente”, ou seja, os professores sendo vistos como sujeitos, autores e mentores de sua construção de identidade profissional traçada ao longo do processo de formação inicial e no exercício da profissão; 3) a relação universidade e instituições escolares em uma perspectiva de integração de propostas e projetos de formação. Quanto aos impactos do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) identificados a partir dos relatos dos bolsistas, contidos em documentos de avaliação do programa, observa-se uma significativa aproximação com as produções sobre formação docente mais veiculadas na atualidade, principalmente quanto à relação teoria e prática, ao reconhecimento do contexto escolar paralelo à formação e à possibilidade do desenvolvimento de saberes específicos da prática docente. Ao revisitar alguns estudos sobre a docência ao longo de nossa história, é relevante destacar as afirmações de Tardif e Lessard (2008). Segundo os autores, por muito tempo o ensino foi reconhecido como uma vocação, um apostolado ou sacerdócio leigo; seu exercício tinha como base as qualidades morais que o bom mestre deveria ter. Nas últimas décadas, com o processo de massificação do ensino, houve um movimento em prol do reconhecimento da docência como ofício; e, mais recentemente há uma tendência em se considerar o ensino na perspectiva da profissionalidade docente. As três concepções – vocação, ofício e profissão – exprimem uma linha de evolução do ensino, que, em maior ou menor grau, estão presentes na contemporaneidade. Para Nóvoa (2009:13), na atualidade os professores retornaram ao centro das atenções, reaparecendo no século XXI, depois de quase quarenta anos de relativa invisibilidade “como elementos insubstituíveis não só na promoção das aprendizagens, mas também na construção de processos de inclusão que respondam aos desafios da
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diversidade e no desenvolvimento utilização das novas tecnologias”.
de
métodos
apropriados
de
Docência: entre tensões e dilemas A docência é um trabalho como qualquer outro trabalho humano (Tardif & Lessard, 2007), se considerarmos que trabalhar é agir em função de um objetivo e em um determinado contexto – ensinar é agir na sala de aula com o objetivo de promover a aprendizagem e a socialização dos alunos. Porém, por se tratar de uma profissão de interações humanas, na qual o docente é parte integrante, sua personalidade torna-se uma tecnologia do trabalho, na qual muitos desafios e dilemas estarão sempre presentes. O nível de complexidade que envolve a docência é elevado, o professor está constantemente diante de urgências e incertezas. Perrenoud (2001) entende que a urgência se refere à necessidade de compreender a dinamicidade de um sistema complexo, no qual o docente deve agir, tomar decisões e fazer encaminhamentos cujos resultados são marcados pelas incertezas. Nesse sentido, a docência está em contínua transformação, não havendo grandes regularidades na ação docente; mesmo compreendendo as rotinas do ambiente escolar e acadêmico, é impossível repetir processos na mesma intensidade e com os mesmos significados. Os docentes aprendem com o que fazem e usam esses saberes para propor novas experiências podendo até guardar elementos das anteriores, mas sempre ressignificadas no novo contexto (Cunha, 2004). Trata-se de um trabalho “...cujo objeto não é constituído de matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas com pessoas capazes de iniciativa e dotadas de uma certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos professores.” (Tardif & Lessard, 2007: 35). Em meio a todas as exigências sociais, de caráter amplo, há um conjunto de condicionantes específicos dos ambientes nos quais os docentes atuam, caracterizados por aspectos estruturais, administrativos e pedagógicos, somados às variáveis do espaço onde ocorre efetivamente a docência, acrescendo-se as características socioculturais e as expectativas do grupo de estudantes. Assim, ser docente é lidar com um conjunto de variáveis presentes no cotidiano, desde o planejamento, elaborado na expectativa da participação de um determinado grupo de pessoas, cuja reação pode ser totalmente diferente da esperada aos aspectos que envolvem a
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instituição escolar, como as relações profissionais e com a comunidade escolar, os materiais e recursos disponíveis ou não, a organização curricular, as demandas específicas da turma e da escola, dentre tantos outros itens. Dessa forma, a docência não é uma tarefa simples, meramente repetitiva, mas sim algo que exige criatividade, constante atenção, redirecionamentos e formação contínua. Outro aspecto que confere à docência uma atividade repleta de dilemas, pluralidade e pouca regularidade, é o fato de esta ser uma atividade essencialmente humana, ou seja, que se sustenta por meio de relações e interações com e entre seres humanos. São inúmeras as pessoas com as quais o professor tem de lidar, em um mesmo espaço e em geral por um período de tempo considerável. Nesse conjunto de relações, ele administra tensões, resistências, atitudes diversas e, em alguns casos, até reações adversas. Autores e protagonistas? Partindo do princípio de que as pessoas são fundamentais na organização da escola (Alarcão, 2001) e que elas deveriam protagonizar suas ações, sendo os professores – por sua permanência mais duradoura em relação aos alunos – os atores principais e sociais e que têm um papel a desempenhar na política educativa; além disso, no seio da escola, as suas atividades desenrolam-se no cruzamento das interações político-administrativo-curricularpedagógicas. No percurso da investigação foram encontradas várias produções sobre as pesquisas autobiográficas, a princípio como uma referência metodológica para estudos sobre as práticas de formação, porém, ao verificar as discussões presentes nestas propostas, percebe-se como os professores tomam uma posição de destaque. Como exemplo, tem-se os estudos de Souza (2014), que afirma que o trabalho com histórias vem apresentando uma gradativa consolidação no campo educacional brasileiro e para sujeitos em processo de formação, pois, ao narrarem suas experiências através de suas narrativas orais e/ou escritas, expõem diferentes marcas que possibilitam construções de identidades pessoais e coletivas. Ainda segundo o autor: Pesquisas com histórias de vida no campo educacional evidenciam a pessoa do professor, ao ressaltar a relevância da subjetividade como um dos conceitos articuladores dos questionamentos teóricos vigentes e das propostas que
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realizam o estudo do método. Novos conceitos para a compreensão do trabalho docente surgiram com os estudos educacionais, cujas abordagens de pesquisa passaram a reconhecer o professor como sujeito, trazendo à tona a necessidade de investigar os saberes de referência dos professores sobre suas ações e pensamentos caracterizando-os inclusive, como sujeitos de um saber e de um fazer inerentes à profissão. (Souza, 2008:144).
As histórias de vida também têm sido reconhecidas como uma dupla função (Souza, 2014), pois, além de sua utilização como método de investigação das ciências da educação também têm sido aplicadas no processo de formação de novos professores por meio de memoriais acadêmicos. Tanto em uma como na outra forma de aplicação o professor ganha destaque, uma vez que tem em suas memórias uma significativa referência para refletir, analisar ou redimensionar sua trajetória em uma condição mais ativa. A utilização das “histórias de vida” como método é definida segundo diversas compreensões, porém, como explica Alcoforado (2014), comumente baseiam-se no princípio de que é sempre a própria pessoa que, ao elaborar uma compreensão total ou parcial do seu percurso de vida “...forma-se e, ao ganhar consciência do processo e das condições de construção de seu conhecimento, desenvolve uma completa implicação pessoal nesse mesmo processo, podendo imprimir uma continuidade temporal no presente e fazendo a sua projeção no futuro.” (2014: 78). Segundo Nóvoa (2009), é preciso uma dinâmica na qual o professor se integre ativamente: […] nossas propostas teóricas só fazem sentido se forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma reflexão dos professores sobre o seu próprio trabalho. Enquanto forem apenas injunções do exterior, serão bem pobres as mudanças que terão lugar no interior do campo profissional docente(2009: 19).
Entre a necessidade e a urgência Em geral o posterior campo de trabalho dos docentes em formação fica um tanto quanto distante, mesmo nos estágios a convivência com o contexto escolar ainda é muito pontual, na maioria dos casos, restringindo-se mais ao “conhecer” do que ao “conviver”. Não obstante a necessidade de conhecer as instituições, uma aproximação real entre universidade e escolas deveria constituir um projeto comum, ultrapassando a antiga fórmula: a
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universidade “forma” e a escola “recebe” os novos docentes. Assim, a responsabilidade sobre a formação inicial e continuada poderia ser de ambas, resguardando suas peculiaridades, mas com um envolvimento comum. Nas instituições formadoras em geral apenas os professores responsáveis pelo estágio têm contato com as instituições escolares e esta é uma questão merecedora de atenção, tal como alerta Nóvoa (2009): Muitas vezes, e isto é um problema de fundo as instituições de formação de professores, ignoram ou conhecem mal a realidade das escolas, especialmente do ensino fundamental. É fundamental assegurar que a riqueza e a complexidade do ensino se tornem visíveis, do ponto de vista profissional e científico, adquirindo um estatuto idêntico a outros campos de trabalho acadêmico e criativo. E, ao mesmo tempo, é essencial reforçar dispositivos e práticas de formação de professores baseadas numa investigação que tenha como problemática a ação docente e o trabalho escolar. (2009: 22).
No Brasil, podem-se apontar algumas proposições para formação docente como a necessidade de se construir projetos e ações de formação inicial e continuada de forma articulada entre instituições formadoras, instituições educacionais da Educação Básica e sistemas de ensino, porém faz-se necessário um conjunto de políticas públicas que incentive e valorize com mais ênfase algumas iniciativas e deem espaço para outras. A esse respeito o PIBID oferecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (MEC), como várias pesquisas têm indicado, demonstra um nível de efetividade merecedor de mais atenção e talvez represente uma alternativa para dirimir em parte várias críticas sobre o processo de formação docente, dentre as quais se encontra a desarticulação teoria e prática e a excessiva burocratização dos estágios supervisionados em docência. Ao que indica a Portaria nº 096, de 18 de julho de 2013 que regulamenta o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), a Seção II, Art. 4º, apresenta objetivos que primam pela aproximação entre universidade e escola, tal como se pode perceber no inciso III: “elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica”. (CAPES, 2013: 2). Tal integração, em especial no que diz respeito à inserção de docentes em formação é detalhada no inciso IV do mesmo artigo: Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes portunidades de criação e participação em experiências metodológicas,
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tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino aprendizagem. (CAPES, 2013: 2).
Foi sancionada a Lei nº 13.005/2014 referente ao novo Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024. Dentre as vinte metas, destacam-se algumas ações da Meta 15, que trata da formação dos profissionais da educação, ressaltando a relação com as demandas da Educação Básica, (Brandão, 2014:.75-76), no item 3: Ampliar programa permanente de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, a fim de aprimorar a formação de profissionais para atuar no magistério da educação básica.” E no item 8: “Valorizar as práticas de ensino e os estágios nos cursos de formação de nível médio e superior dos profissionais da educação, visando ao trabalho sistemático de articulação entre a formação acadêmica e as demandas da educação básica.” Cabem aqui, no entanto, algumas indagações: se nos reportarmos às propostas curriculares dos cursos de Licenciatura, ou mesmo para as práticas realizadas, encontraremos de forma objetiva e concreta a articulação com as demandas da Educação Básica? Os estágios, seus projetos se configuram em proposições elaboradas em conjunto com as instituições educacionais? As políticas públicas em educação têm primado
mesmo
para
uma
real
articulação
entre
escolas
e
universidades? Por fim, o que os professores que atuam na formação e gestão dos cursos de licenciatura entendem por “demandas” da Educação Básica? A partir desse conjunto de indagações, pode-se deduzir que buscar alternativas para uma maior integração entre as demandas da educação básica é urgente, e esta é uma responsabilidade de diversos segmentos, como agências formadoras, sistemas de ensino e gestores.
Tomar
como
análise
iniciativas
que
têm
mobilizado
diversos setores em prol da formação, como o PIBID, pode ser uma possibilidade de se repensar alguns aspectos da formação, em especial, como passamos a tratar neste estudo, quando buscamos entender como o bolsista, que será o futuro professor se reconhece nesse processo.
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O PIBID em foco Nesta seção, a partir da análise de um questionário que faz parte da documentação do PIBID de um Curso de Pedagogia (Anos Iniciais), são consideradas as vivências relatadas por dez bolsistas de Iniciação à Docência. Os trechos dos questionários são identificados pela letra R (Respondente) seguido por um numeral. Destaca-se que estes questionários se configuram em documentos, pois fizeram parte do processo de avaliação do Programa, aplicados pelos coordenadores de área. A pergunta considerada uma das perguntas-chave do questionário – Quais as principais aprendizagens que o programa tem lhe proporcionado? – de fato indaga, afinal, o que os bolsistas afirmam ter aprendido com relação ao exercício da docência? “Através do programa estou tendo a oportunidade de entender a importância e a necessidade que o professor tem de planejar suas aulas, bem como de adapta-lo já que nem sempre as coisas saem como foi esperado, por isso o professor tem que ser dinâmico e flexível em suas ações. Além disso, o PIBID tem me feito pensar em uma educação que faça os alunos refletirem, se tornarem seres críticos, daí se dá a importância de nunca dar respostar prontas aos educandos, e sim fazê-los buscar suas próprias conclusões.” (R2)
Essa convivência com a dinâmica da escola, da sala de aula e do trabalho docente no cotidiano da escola, aproxima o bolsista PIBID de um contexto no qual irá atuar, possibilitando a compreensão de princípios e conceitos com os quais tem acesso em um âmbito teórico na graduação, como planejamento, e acompanhamento do processo de aprendizagem. Nessa direção a próxima respondente corrobora: “Com a minha participação no PIBID eu consigo compreender melhor o funcionamento de uma unidade escolar, do trabalho desenvolvido com turmas de anos iniciais, bem como conciliar os conhecimentos teóricos vistos na faculdade com as práticas pedagógicas dos profissionais atuantes, além de propor atividades diversificadas com o objetivo de contribuir na aprendizagem dos alunos. Também é possível refletir sobre que tipo de profissional eu quero ser e sobre os desafios da profissão docente na atualidade.” (R5)
O contato mais direto e contínuo com o professor que atua na sala de aula merece atenção. Em geral a pessoa referência nos processos de formação em campo, como nos estágios, é um docente de graduação, responsável por coordenar e orientar todas as etapas.
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O PIBID, ao incluir os professores da escola no programa, como coformadores, os imbui de outra responsabilidade, para além de “receber” os licenciandos, pois criam uma relação com os bolsistas que os valoriza muito mais. Quanto às aprendizagens, destacam a compreensão do funcionamento da escola, do trabalho nos anos iniciais, do planejamento das aulas e da atitude do professor diante das novidades que possam ocorrer: “O PIBID também traz aprendizagens nos momentos que estamos em sala de aula e visualizamos como a professora regente da turma explica tal conteúdo aos alunos, qual a metodologia utilizada etc. Também experimentamos situações de aprendizado quando ajudamos as crianças na realização de atividades e, ainda, quando levamos para elas atividades preparadas por nós, bolsistas. Nesses momentos sentimos o quanto é significativo esse momento de aprendizagem para os alunos, o quanto eles têm “fome” de perguntas, dúvidas, afirmações; desse jeito percebemos que além de ensinar, também aprendemos.” (R4)
Reconhecer a docência como uma atividade pautada também na reflexão, na discussão e trabalho coletivo também é um importante exercício, ao que demonstra outro bolsista: “Acredito que, primeiramente, nos é proporcionado o conhecimento do 'caminhar' da escola e dos seus profissionais. Participamos, por exemplo, de reuniões pedagógicas que abordam assuntos de ordem burocrática, como a decisão do calendário escolar, datas de festas temáticas e entregas de boletim etc. Por outro lado, também nessas reuniões e em outros momentos, temos a possibilidade de participar de formações pedagógicas que trazem novos conhecimentos e nos enriquecem com experiências.” (R7)
Os cursos de licenciatura em geral se limitam à formação docente por meio de estágios curtos e pontuais e se eximem da responsabilidade com o egresso, ou, no máximo, aplicam pesquisas sobre o papel da graduação na sua formação. Ir além da constatação das dificuldades dos ingressantes, significa também pensar e propor uma formação mais próxima do contexto de atuação propiciando um real convívio dos licenciandos com o cotidiano da cultura escolar o mais cedo possível. Nóvoa (2009) traz algo interessante sobre a realidade dos docentes “iniciantes”: Um momento particularmente sensível na formação de professores é a fase de indução profissional, isto é, os primeiros anos de exercício docente. Grande parte da nossa vida profissional joga-se nestes anos iniciais e na forma como nos integramos na escola e no professorado. Neste sentido, este momento deve ser organizado como parte integrante do programa de formação em articulação com a licenciatura e o mestrado. (Nóvoa, 2009: 38).
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Outra questão foi sobre como os bolsistas percebem a relação entre as políticas públicas para a educação básica e as reais condições de trabalho dos professores, ao que um bolsista descreveu que: “O contato com a escola e, mais especificamente, com a educação pública me faz refletir constantemente acerca de muitos aspectos estudados ao longo do curso de Pedagogia. Consigo perceber a importância da formação continuada para o aprimoramento do trabalho dos educadores; a importância (ou a falta!) de políticas públicas direcionadas para a educação e para proporcionar melhor condições de trabalho aos professores e melhores condições de aprendizagem aos alunos; a necessidade de um contato mais profundo com as instituições escolares, no caso de estudantes de Pedagogia em formação.” (R5)
Os depoimentos indicam que a inserção na escola durante a graduação possibilita o contato com a profissão e assim conhecer a grande diversidade de questões, problemas e possibilidades do trabalho docente. Para Tardif & Lessard (2008): […] os saberes que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos professores, não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependem de um conhecimento especializado. Eles abrangem uma grande diversidade de objetos, de questões, de problemas que estão todos relacionados com seu trabalho. Além disso, não correspondem, ou pelo menos muito pouco, aos conhecimentos teóricos obtidos na universidade e produzidos pela pesquisa na área de Educação: para os professores de profissão, a experiência do trabalho parece ser fonte privilegiada de seu saber-ensinar. (Tardif & Lessard, 2008: 61).
Sobre os principais desafios e perspectivas, os bolsistas questionam os rumos da educação, e demonstram um compromisso de repensar a prática pedagógica: “Assumir a escola como um espaço político, de exercer a cidadania; olhar para os estudantes e entendê-los dentro de todo um contexto que envolve sua história, a família e suas condições econômicas e sociais; estar atento aos conflitos internos presentes no dia a dia da escola, a precarização da profissão, o compromisso de repensar a prática pedagógica para melhoria e qualidade de ensino.” (R6)
Outra preocupação é com relação à política de educação inclusiva. Torna-se evidente a distância entre o discurso de inclusão e a sua prática real: “Penso que o principal desafio está ligado à educação especial. Muitos têm a visão de que a educação especial nas escolas (tanto públicas como privadas), de que ela é só
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inclusiva. Na minha visão a educação especial não está conectada a somente isso. É um espaço de aprendizagem dos conteúdos sim, para essas crianças com necessidades especiais. É um descaso com essas crianças, observei muitas vezes essas crianças serem deixadas de lado, pois não há atividades voltadas para suas necessidades. Penso que esse aspecto é um dos principais desafios das escolas públicas.” (R8)
O período inicial na docência é difícil e crítico, em muitos casos, devido à estrutura e organização da instituição agravado pela falta de experiência e à ausência de um acompanhamento sistematizado: “Ao mesmo tempo em que tenho vontade de estar dentro das instituições para poder mudar algumas práticas exercidas, tenho anseio de, após alguns anos, estar decepcionada com a realidade da educação e perceber que é uma luta 'vencida'.” (R9)
Mesmo cientes das condições dos professores da Educação Básica na atualidade, grande parte dos bolsistas pretende permanecer na área da educação e existe uma preocupação sobre “como” atuar na docência diante de tantos desafios: “Sim. Tenho uma grande vontade em continuar trabalhando em sala de aula. Apesar de que algumas vezes desanima alguns atos e contradições no âmbito educacional; o ato de ser docente, de ensinar e ter contato com a escola e com os alunos me encoraja e me incentiva para a realização de importantes trabalhos. Penso que o mínimo que eu faça, mas com carinho, dedicação e comprometimento irá resultar de forma positiva no processo de ensino e aprendizagem dos alunos.” (R7)
A compreensão da docência integrada a um contexto escolar e a necessidade do trabalho coletivo, da cooperação, faz-se presente na interpretação de um bolsista PIBID que também pretende continuar na carreira: “Sim, ainda não decidi qual área, gosto de séries iniciais e orientação educacional, mas o PIBID está sendo decisivo na minha escolha, pois estou ciente da realidade escolar, e o fundamental é saber que posso fazer a diferença se optar por qualquer uma dessas opções, o PIBID tem me mostrado que o professor não é responsável e nem consegue fazer tudo sozinho, e que para fazer a diferença precisa que o coletivo coopere, trabalhe em conjunto, e o principal conjunto são os envolvidos na escola e a família.” (R10)
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Os depoimentos revelam também muito compromisso e reconhecimento do papel docente na vida de uma criança, pois buscam uma “...humana docência, onde ser educador é ser o mestre de obras do projeto arquitetado para sermos humanos”(Arroyo, 2000: 41); e através de um outro depoimento, podemos constatar: “Pretendo fazer com que os alunos se sintam bem na escola, e não tenham mais o – olha que escola é 'ruim', 'chata' –, e sim que vejam a importância dessa instituição e assim sejam agentes das suas vidas.” (R8). Tardif (2002) defende duas teses: na primeira, afirma que os professores são sujeitos dos conhecimentos e possuem saberes específicos ao seu ofício; e, na segunda, que a prática, ou seja, o seu cotidiano, não é somente um lugar de aplicação de saberes, produzidos por outros, mas também um espaço de produção, de transformação e de mobilização de saberes que lhes são próprios. Assim, a inserção contínua, sistemática e intencional dos licenciandos no contexto escolar pode possibilitar, além da convivência e da compreensão da instituição, a elaboração e a prática de saberes específicos da docência. Ainda compartilhando As análises do estudo demonstram um significativo avanço no âmbito das pesquisas sobre a docência possibilitando identificar algumas tendências aqui tratadas, tais como: compreensão da docência em sua complexidade e dinamicidade, a ideia do protagonismo docente e a necessidade de uma articulação mais efetiva entre escola e universidade (agências formadoras). A importância da profissionalidade docente permeia os estudos, em uma tentativa constante de ressaltar que esse processo exige conhecimentos específicos e legitimados academicamente e na ação, como decorrência dos saberes da experiência. Destacam-se também os estudos sobre a escola como um importante espaço de formação docente inicial e continuada; uma maior articulação entre ensino e pesquisa; uma maior atenção das políticas públicas de formação docente e a formação continuada de professores em/de rede. Na busca da superação do tão denunciado afastamento entre teoria e prática, ressaltam-se a necessidade de políticas de formação partilhadas, parcerias efetivas e contínuas, mudança de perspectiva das ações de cunho pessoal para institucional.
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Os autores que postulam as novas tendências de formação docente, em geral advogam que as avaliações dos grandes projetos têm demonstrado poucas alterações as coordenadas básicas do sistema educativo, concretizadas nas escolas, quando não há o envolvimento efetivo dos docentes, pois se espera que transformem as práticas a partir das diretrizes elaboradas por um grupo pensante. No entanto também é importante salientar a dimensão que os discursos sobre a formação docente foram tomando ao longo dos últimos anos e, ao mesmo tempo, se dissipando em função das poucas mudanças provocadas, assim ainda tem-se um grande desafio pela frente como responsabilidade pedagógica, social e política em prol de uma Educação Básica de qualidade e, sem dúvidas, como os estudos têm demonstrado, os professores devem fazer parte deste processo de forma atuante e central, implicando assim em um necessário reconhecimento e valorização do seu trabalho. Nesse caminhar, os autores que postulam as novas tendências de formação docente, em geral, advogam que as avaliações dos grandes projetos têm demonstrado que estes alteram pouco as coordenadas básicas do sistema educativo, concretizadas nas escolas, quando não há o envolvimento efetivo dos docentes, pois se espera que as práticas sejam transformadas a partir das diretrizes elaboradas por um grupo pensante. Nessa perspectiva, as respostas dos bolsistas PIBID são ricas em “pistas” para que se repense a formação inicial docente. Eles consideram a articulação teoria e prática como fundamental, mas ponderam que esse processo não é fácil, sentem dificuldade em efetivar aquilo que definem como “fazer diferente” e convivem com um certo distanciamento da universidade frente ao cotidiano da escola. Os bolsistas PIBID representam o discurso de um grupo de jovens entusiastas por uma educação de maior qualidade e se colocam à disposição desse movimento, mas também já sinalizam o receio de mais adiante serem “vencidos” e se inserirem em uma espécie de rotina pessimista e comodista. São depoimentos repletos de questionamentos, expectativas e esperança, mas também de angústias e incertezas. Nada muito diferente do que se tem ouvido, visto e lido, porém, quando são oriundos de pessoas prestes a adentrar na vida profissional, trazem alguns alertas, merecedores de maior atenção por parte de várias instâncias, como gestores da educação, agências formadoras, e de todos/as que têm alguma participação ou atuação nas políticas públicas de formação.
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Diante das análises realizadas constatou-se que o PIBID tem tido um efeito bastante positivo e pode, em conjunto com outros programas e ações, compor uma importante iniciativa na construção de novas possibilidades de formação docente vinculada às demandas da Educação Básica, na integração escola e universidade, na valorização da carreira de professor e na conquista da profissionalidade docente. Quiçá o programa seja forte o suficiente para, em conjunto com outras alternativas e medidas políticas, manter e expandir o encantamento expresso pela bolsista (R7): “O contato com a sala de aula, com a escola, enfim com o processo ensino aprendizagem dos alunos é o que mais me encanta. O Programa proporciona você se sentir seguro ante a experiência de ser professor.”
=54= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
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Alba Regina Battisti de Souza (UDESC) Professora Associada do Departamento de Pedagogia. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Brasil. Estágio Pós-doutoral em Educação na UNISINOS/RS. gpddudesc@gmail.com http://lattes.cnpq.br/3119208861422902
Lourival José Martins Filho (UDESC) Professor Associado do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Brasil. Estágio Pós-doutoral em Educação e Religião na PUC/PR. lourivalfaed@gmail.com http://lattes.cnpq.br/2491699071811572
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Defesa de Dissertação de Mestrado em Artes Visuais de Luciana Finco =57= Acervo do Estúdio de Pintura Apotheke
Fragmentos e aporias da paixão em pesquisa: do amor latente ao desejo potente Carolina Ramos Nunes(Ceart/UDESC) Elaine Schmidlin (Ceart/UDESC)
Resumo Este artigo trata de articulações entre a paixão cega e o amor diante de um percurso de pesquisa em quatro instituições culturais, a partir do conceito de cartografia como abordagem metodológica. A escrita é tramada na busca pelo problema da pesquisa, em forma de fragmentos e aporias, que relatam o mergulho na experiência, agenciando pesquisador e objeto de pesquisa em um mesmo plano de composição. Nesse desenho cartográfico, o desejo de pesquisar vincula-se a necessidade de escrever por um viés outro, criando um universo para um deleite enamorado, que afirma o discurso amoroso. Palavras chave: pesquisa; cartografia; paixão; amor; experiência. Abstract Based on the concept of cartography as a methodological approach, this article deals with articulations between blind passion and love, regarding a research itinerary in four cultural institutes. The present loving writing weaves the quest for the object of research, through fragments and aporias that report a diving into the experience, and connects researcher and research object in the same composition plan. In this cartographic design, the desire to search is linked to the need of writing through another angle, creating a universe for a loving delight that states the loving speech.
Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera furta-cor, de quase intolerável fulgor. A princípio, julguei-a giratória; depois, compreendi que esse movimento era uma ilusão produzida pelos vertiginosos espetáculos que encerrava. O diâmetro do Aleph seria de dois ou três centímetros, mas o espaço cósmico estava aí, sem diminuição de tamanho. Cada coisa (o cristal do espelho, digamos) era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo. Jorge Luis Borges
Borges, sentado na parte inferior do degrau, vislumbra uma pequena esfera furta-cor de um intolerável fulgor. O Aleph, de tamanho diminuto, abriga o espaço cósmico em toda sua plenitude, motivo de admiração e paixão àqueles que dirigem seu olhar a ela. Então, pode-se perguntar: diante de um universo de pesquisa para um mestrado em que desejos, paixões e amores pulsam movendo o plano de pesquisa de um lado a outro, como escolher com sabedoria qual degrau de escada sentar-se para olhar as estrelas? O que fulgura na forma da estrela furta-cor? Sobre o olhar para esse mapa constelar, percebendo sua fluidez consiste esse escrito: entre o amor e a pesquisa, a dor e a escrita, desenvolvem-se fragmentos e aporias, para que o enamoro com o problema a ser pesquisado torne-se, também, um discurso amoroso ¹, como diria Barthes.
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Paixão, amor, pesquisa Como pesquisar sem se apaixonar, ou melhor, sem ficar cego pelo amor que mordisca as bordas e transforma aos poucos o pesquisador, entre prantos e alegrias, naquilo que o consome? Desde a definição do que será pesquisado até os livros que acompanharão os capítulos no período de dois anos de um mestrado, a escolha deve ser tal qual como quem escolhe/conhece um amor: há coisas que se tem certeza do que se procura, outras só virão ao longo do tempo em um trabalho de imersão e convívio. O desejo da escrita e da pesquisa consiste em uma paixão como aquela presente nos olhos de um apaixonado, consciente de cada diferença que pode corroer esta relação e ciente que, por mais arrebatadora que seja, toda a paixão culmina no amor e merece ser cultivada como tal: atentamente e detalhadamente.
As nuances do
amor, nas quais a pesquisa surge, estarão imbricadas nas páginas de uma dissertação que precisa, antes de corporificar-se, estruturarse em uma definição metodológica. Essa busca por uma definição permeia uma escolha mergulhada na paixão que irá desdobrar-se nos procedimentos da pesquisa, estruturando-se quase como narrativa em um processo que contempla: [...] uma história, que tem páginas engraçadas, alegres, divertidas e outras que são difíceis, pesadas e tristes. Aprendemos com todas elas e não são lições de consumo imediato, pelo contrário serão incorporadas na nossa vida. No limite, nós somos o maior objeto da tese, pois enquanto sujeitos dela vivemos um embate de forças internas e externas que nos ensina muito sobre nós mesmos. (FREITAS, 2006, p.225).
Entre essas páginas, está ali imersa, quase grudando no fundo branco do papel, o método. Não menos importante, mas fundamental, essa escolha implica uma responsabilidade com os percursos da pesquisa, bem como, com as implicações dadas no projeto que reverberam nos resultados esperados, ou não, ao fim de dois anos. Assim, a escolha pelo método da cartografia recai sobre a possibilidade de circular pela pesquisa de modo a captar os
1 O discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidão. Este discurso talvez seja falado por milhares de pessoas (quem sabe?), mas não é sustentado por ninguém; foi completamente abandonado pelas linguagens circunvizinhas: ou ignorado, depreciado, ironizado por elas, excluído não somente do poder, mas também de seus mecanismos (ciências, conhecimentos, artes). Quando um discurso é dessa maneira levado por sua própria força à deriva do inatual, banido de todo o espírito gregário, só lhe resta ser o lugar, por mais exíguo que seja, de uma afirmação. (BARTHES, 1998)
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acontecimentos nela imbricadas, em que “a diretriz cartográfica se faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do processo do pesquisar sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus resultados” (PASSOS; BARROS, 2012, p.17) Essa imersão na experiência da cartografia como método é um processo de pesquisa fluido, que permite um caminhar que, ao mesmo tempo, traça e acompanha os efeitos do próprio percurso investigativo, tal qual como De Martino (2003) define em seu trajeto de pesquisa: “aquoso, no qual ao inventar um barco com o intento de perseguir as nuances entre o cheio e o vazio, percorri vastas extensões líquidas e terrestres.” (DE MARTINO, 2003, p.06). E será por dentro deste barco que a pesquisadora narra sua excursão: “por um território que era o próprio mapa, percebendo que a minha embarcação também fazia parte da carta geográfica, pois também havia se tornado uma ilha flutuante” (Idem, 2003, p.06). A partir da carta geográfica que flutua como uma ilha, a autora permite-se ficar a deriva sem o desejo de atracar em porto seguro, uma vez que, nessa circunstância, ela também pode fazer emergir/criar outros mapas, atravessada que é pelos encontros durante o percurso. Nessa circunscrição flutuante, a pesquisa pretendida inserese na linha do Ensino das Artes Visuais, bem como seu projeto em desenvolvimento, porém, não se limita a ela, uma vez que é atravessada no caminho pelo processo artístico e pela arte contemporânea, entre arte e educação em instituições culturais. Significativas mudanças ocorrem desde o projeto até a intervenção no campo, mediadas pela cartografia como componente afetivo do processo e do percurso da pesquisa e não somente como doce cereja sobre um bolo de chocolate desfeito, pois, “[...] não se busca estabelecer um caminho linear para atingir um fim [...]” (KASTRUP, 2014, p. 32). O fim não é a cereja, nem o saborear o bolo, mas atentar para cada etapa desde sua confecção até o ato de confeitar. Uma relação muito próxima ao amor a pesquisa quando Roland Barthes, citado por Araujo (2008) diz: “recortando os fragmentos, provoca uma explosão sobre a superfície do texto, deixando seus estilhaços significarem e se comunicarem.” (ARAUJO, 2008, p.05). Essa explosão cria outros possíveis no universo da pesquisa, permitindo outras conexões e encontros na superfície do plano de composição de uma pesquisa, ou seja, um elo que permite aos fragmentos significarem e se diferirem na criação de outras variações em modos infinitos.
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Nesse estilhaçar de fragmentos amorosos em que singularidades espalham-se pela superfície, encontra-se a proposta de pesquisa para este artigo sobre o amor. Movimenta a escrita a necessidade de palavras, não como condição de verdade, mas como camada, não como significação, mas como sentido. Para Deluze: O sentido é a quarta dimensão da proposição. Os Estóicos a descobriram com o acontecimento: o sentido é o expresso da proposição, este incorporal na superfície das coisas, entidade complexa irredutível, acontecimento puro que insiste ou subsiste na proposição”. (DELEUZE, 2003, p.20)
Os sentidos são expressos na superfície da cartografia, de modo a sinalizar trajetos, conexões em um método de pesquisaintervenção que apresenta um plano em que pode-se projetar e intervir, porém, pouco pode-se esperar ou mesmo criar hipóteses, considerando que “intervir, então, é fazer esse mergulho no plano implicacional em que as posições de quem conhece e do que é conhecido, de quem analisa e do que é analisado se dissolvem” (PASSOS; BARROS, 2014, p. 26). Nessa superfície em que tudo se dissolve, espalham-se os fragmentos em uma multiplicidade quase caótica como acontecimentos propondo outros sentidos ao plano de composição desta escrita. Mas, como ocorre o acontecimento? Ou como pergunta Deleuze: Quais são as condições de um acontecimento, para que tudo seja acontecimento? O acontecimento produz-se em um caos, em uma multiplicidade caótica, com a condição de que intervenha uma espécie de crivo. [...] o caos não existe, é uma abstração, porque é inseparável de um crivo que dele faz sair alguma coisa (algo em vez de nada). (DELEUZE, 1991, p.132)
Em fragmentos, a escrita segue, relatando alguns desses acontecimentos ocorridos ao longo do processo, de modo a recortar o objeto da pesquisa, como em um discurso amoroso, à medida que conhecer a realidade e o amor é, também, realizar uma imersão no plano da experiência, em que objeto e sujeito se desfazem para constituírem-se, novamente, no caminho do processo, tanto da pesquisa quanto do amor. Fragmento A A pesquisa-intervenção, recortada neste discurso amoroso, passa a se desenrolar por um recorte-fragmento localizado no centro histórico da cidade de Florianópolis (SC), em quatro
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instituições culturais, sendo três delas fundações públicas (uma federal e duas estaduais) e outra de nível privado. Dessas instituições, três não possuem acervo próprio, realizando exposições temporárias com a temática arte contemporânea. Uma delas possui acervo e, também, realiza exposições temporárias articulando-o a temática contemporânea exposta em seu piso inferior. A pesquisa nesses espaços tem como objeto a mediação cultural e vem da necessidade da pesquisadora em andarilhar por outros espaços culturais, além daquele em que atua como arte educadora. No traçado geográfico da cidade, as instituições se conectam e localizam-se muito próximas umas às outras. Como um desenho cartográfico, a pesquisa aproxima as instituições no mergulho da experiência com a mediação que se desenrola em um trabalho transversal, em que desejos e paixões pelo objeto da pesquisa aparecem e contaminam uns aos outros, como em um encontro, em que “o desejo amoroso é descoberto por intuição” (BARTHES, 1998, p. 128). Assim, o amor pela mediação presente nestes espaços, antes apenas latente, torna-se desejo potente pleno de acontecimentos, efeitos de trocas teóricas, práticas e políticas em uma produção enamorada. Desse modo, a pesquisa parte de dentro dos átrios e ventrículos, das veias e artérias, de “todas as espécies de movimentos e de desejos” (BARTHES, 1998, p. 60) - quase como uma necessidade de olhar para o chão onde andarilha-se todos os dias atentar para as nuances além do observável à primeira vista, no espaço do trabalho de mediação - e do desejo de olhar para as outras instituições e suas práticas e proposições realizadas na mediação cultural. Fragmento B Marguerite Duras, em seu livro Escrever (1994), narra seus dias sozinha acompanhada apenas por seus pensamentos em uma grande casa isolada perto da praia. Um destes dias é marcado por uma morte que marca a autora de tal forma que a faz escrever sobre este acontecimento. A morte é de uma mosca. Em alusão a mosca que Duras (1994) escreve, morrendo no meio de sua cozinha, tendo apenas a escritora como carpideira, propõe-se problematizar a pesquisa como se pudéssemos viver no interior da mosca que lentamente morre, percebendo, pouco a pouco, o apagar de seus olhos, um por um
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apagando-se, dentro e fora, imerso nela e sendo, ao mesmo tempo, observador de sua própria morte. A morte da mosca seria a possibilidade de perceber a partir de dentro a vida que se esvai, algo que escapa, como um momento em que, ao escavar com paixão a pesquisa, uma tensão se produz que permite o desenrolar dos fios da malha que a compõe para, então, realizar outras combinações. Assim, a pesquisa conduz-se morrendo aos poucos como todas as estrelas no céu, e ao se narrar a morte por meio de palavras, estas irão ressoar naqueles que com elas encontrarem-se. Mas por que falar da morte? O que Duras (1994) propõe ao olhar e descrever com tal atenção a morte de uma pequena mosca em sua cozinha, não é o mesmo que se faz ao dissertar sobre algo, uma vez que seu teor é carregado de paixão e desejo que, muitas vezes, pode fenecer? Desse modo, as escolhas no percurso metodológico implicam tanto em aceites quanto em negativas, sendo a pesquisa algo vivo, pulsante, que permite atravessar o pesquisador - sem pedir autorização - no processo cartográfico, as decisões implicadas durante o percurso corroboram com todo o processo, permeando o cerne da pesquisa. A produção do conhecimento não é um empreendimento isolado. É uma construção coletiva da comunidade cientifica, um processo continuado de busca, qual cada nova investigação se insere, complementando ou contestando contribuições anteriormente dadas ao estudo do tema. (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p.27)
Conforme Alves-Mazzoti (2006), pesquisar seria uma construção coletiva e não um empreendimento isolado dentro de um arquivo de computador ou em meio a livros fechados sobre a escrivaninha. Nessa problematização, atenta-se para como a investigação está dentro do coletivo e, ao mesmo tempo, abre-se ao coletivo, fomentando pesquisas a partir dela, deixando pontas a serem tramadas com outras proposições. Sendo assim, nota-se na forma de escrever em De Martino (2003) e até mesmo em Alves-Mazzoti (2006), uma articulação com o objeto de pesquisa e a fundamentação teórica, propondo uma escrita com os autores de modo a interagir com suas ideias. Nesse sentido, o ato de estar entre os autores nas leituras de textos já consiste o coletivo, em que conversar com os mesmos permeia e converge com a perspectiva da proposta desta pesquisa
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sobre o conceito mediação cultural. Conforme Martins (2012), a mediação não seria o ato de criar pontes, mas sim o de “ficar entre muitos”. Esse entre, contudo, é mais amplo que criar um espaço de conversa. É preciso, nesse lugar, provocar a conversa confluindo a pesquisa com aqueles outros autores que já falaram de algo semelhante e com outros atores presentes no processo de pesquisa, entre outros, que atravessam tanto o plano da instituição quanto o pessoal, transformando-se, portanto, em um lugar escorregadio e flutuante. Fragmento C A produção intelectual é ardilosa, por ser flutuante e escorregadia. Ela oscila e tem caprichos. O que chamamos de inspiração é a capacidade de reter e ampliar, com um toque próprio e único, um flash ou um insight, uma coisinha de nada que atravessa o nosso pensamento e pode fugir. Porém boa parte dessa inspiração é fruto da nossa capacidade de concentração, de disciplina, de esforço mental e até de teimosia. Precisamos não de um dia bonito de céu azul, mas de boa dose de paciência para produzir alguma coisa interessante, para organizar os raciocínios, e transformar barro em tijolos e tijolos em casas. (FREITAS, 2006, p. 220).
Como capturar aquele momento, o instante mais fluido e escorregadio? Quais instrumentos inventivos o pesquisador se propõe a criar para cativar a si e ao outro na sua pesquisa? Como mediar a pesquisa equilibrando a teimosia e paciência para confeccionar de tijolos a casas? Mediar pode ser “dividir ao meio; mear. Tratar ou discutir como mediador. Estar no meio; distar igualmente. Ser mediador ou medianeiro.” (Dicionário, 2016). Ou ainda, pode ser como diz Duras: “um livro aberto é, também, a noite.” (DURAS, 1994, p.30). Noite aberta de vazios infinitos de possibilidades. O vazio, repleto de cheio potencial, aparece abrindo ao real, “que não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” (ROSA, 1988, p.52) Mas, em que lugar está esta inspiração que moveria a atenção do céu azul para o campo de pesquisa real no centro histórico da cidade cultural? Não seria, além de muita inspiração alimentada por paixão, uma busca incessante por necessidade de escrever aquilo que rodeia o objeto de pesquisa e a si mesmo? Tal como comenta De Martino (2003), em sua dissertação, ao falar da permissão que deu a si mesma para traçar seus caminhos entre o seu
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objeto de pesquisa e a metodologia, buscando escutar o acontecimento nesse percurso? O que se media em uma instituição cultural? Antes dessa questão podem vir outras tantas como: Como se media? Há forma correta de se mediar? Quem media e quem é mediado? Mas, antes ainda desses questionamentos, faz-se necessário pensar sobre as várias linhas que escapam da meada e que formam o mesmo novelo. Para que esse escape não se torne uma fuga do objeto pesquisado, torna-se fundamental esclarecer a metodologia e os instrumentos a serem utilizados na pesquisa, bem como seu lugar e objeto. Em uma instituição cultural, a mediação, objeto da pesquisa, estabelece-se entre o público, o artista, a obra, além de atravessar a figura do mediador e do público em visita ao campo. Nessa articulação, é necessário considerar as variáveis em torno do espaço disponibilizado para a pesquisa até o espaço de tempo (dois anos) a ser dedicado para a mesma, que incorre sempre em ousadia e risco ao propor-se mergulhar em um projeto, uma vez que [...] o trabalho acadêmico vai necessariamente incluir a pesquisa, a investigação, a ousadia e o risco de não apenas repetir as ideias de outros, mas também desenvolver as suas próprias e posteriormente ajudar na construção das de seus alunos. (FREITAS, 2006, p.216)
Para viabilizar a pesquisa, criou-se um percurso a ser desenvolvido entre quatro instituições separadas por duas 2 quadras, formando o desenho da Constelação de Órion A constelação metafórica escolhida, Órion, permite a atenção para as pontas de seu quadrilátero sem deixar de considerar a existência de outras coordenadas culturais que ocorrem neste entremeio, formando outras possibilidades de pesquisa – outros fragmentos, apresentados na sequência como aporias.
Aporia A – da pedra ao devir pedra Como transformar uma pedra em uma nuvem, pergunto eu, seria pelo amor ou pelo desejo? Diante da pergunta, continuei andando 2
Constelação de Órion – a constelação possui a forma de um trapézio formado por quatro estrelas maiores: Betelgeuse, Rigel, Bellatrix e Saiph, que demarcam o agrupamento de estrelas próximas. Ainda como característica marcante possui o cinturão de Orion, ou As 3 Marias, localizadas ao centro da constelação. Para que a construção do texto fosse consonante com a constelação, definiu-se as estrelas maiores como analogia para 4 instituições pesquisadas, sem desconsiderar a existência de estrelas menores em seus entremeios – outros equipamentos culturais no centro da Cidade de Florianópolis.
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após o termino de uma aula, já passava das 22 horas. O vento era forte e não havia nuvens no céu. Contudo, andava com o peso extra de algo que não me pertencia antes. Descobri-me pedra. Antes vivia margeante entre ser ou não ser pedra, mas, então, percebi que caí na profundidade interna do aniquilamento como trata Deleuze (2003): sou uma pedra. Ainda, no mesmo dia, estabeleceu-se a meta de pensar o que é ser pedra sendo, também, uma não pedra. Ainda no dia de ontem, perguntaram-me o que seria crescer pelas bordas? ou como? não me recordo ao certo. Pedras crescem? segundo Deleuze, pelas bordas. Acho que ontem estava um tanto Alice depois de comer um bolo: E qual não foi sua surpresa ao descobrir que ficara do mesmo tamanho! Para dizer a verdade, isso é o que geralmente acontece quando se come um bolo; mas Alice estava tão acostumada a só esperar por coisas extraordinárias, que então lhe parecia muito tolo e tedioso que a vida continuasse de modo comum. (CARROLL, 2010, p. 21-22)
Ao fim, pedras nem boca tem para comer bolos mágicos, quiçá crescer como Alices. Esse atravessamento da descoberta pedra e desejo nuvem vão além da pesquisa desejante, mas, inicia a travessia em que linhas de força, fora do projeto de pesquisa, forçam o pensamento a pensar a pesquisa de novo. Sendo assim, a narrativa frouxa, que navega entre a ficção e o sonho, permeia a pesquisa com seus delineamentos e objetivos demarcados como que com giz no chão e, ao passar por eles, deixa-se uma marca e fica-se com um pouco do pó branco sob os pés, mas, nada foi como era antes. Aporia B - entre nuvens, a cidade... ... se espalha. Uma nuvem não sabe como se move, ou melhor o vento a move, eu não sei por que me movo e é da mesma forma como andar nessa cidade. Na cidade, dentre inúmeros armários existentes em uma cidade latejante, há aqueles que não são de ferro cinza que rangem à medida que se abre a porta, como se reclamassem da sua função ou da sua existência. Há armários como de antiquários, suaves, com contornos bem delineados, feitos a mão, ou quem sabe herdeiros de grandes guardados perdidos pelo tempo, que jamais poderão retomar aquilo que viveram. Neste escopo de armários, há sempre um destinado aos achados e perdidos. Imagina-se que, quando se entra nos achados e perdidos
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encontra-se tudo, mas, perde-se uma infinidade de coisas, caso contrário, para que serviria os achados e perdidos se não para perder-se nele e, quem sabe, com sorte achar-se? Imagina-se um armário guichê, um pouco menor que o restante ao seu redor, pode ser colorido, aqui não há pudores para normativas. Precisa ser constantemente averiguado, verificado, remediado e suas devidas fechaduras merecem generosas quantias de óleo. Portas grandes para caber qualquer tipo de quinquilharia, janelas para respirar caso bicho vivo seja perdido, luz interna para aqueles que por ali resolverem ficar e perderem-se numa leitura noturna e, ainda, um tapete a sua frente para manter a higiene dos calçados ao entrar-se em solo quase sagrado. Este guichê, que agora ultrapassa sua corporeidade de armário, precisa de um funcionário atento aos detalhes de tudo aquilo e para aqueles que entram e saem dele. Anota-se e notam-se aqueles que entraram para passear, para ver se perderam algo, ou para achar aquilo que se imaginava ter perdido, ou mero desejo de tentar compreender a incompreensível sociedade que se vive. Botinas apertadas, calças confortáveis e um senso atento compõe o funcionário. Aos poucos ele se perde entre o guichê armário e se faz um pouco parte de tudo aquilo, um tanto enrijecido como as portas, com tinta escorrendo e descascando pelas mãos e um olhar que se priva a ver pelas frestas respiradoras da fronte. Então, como fluir a metodologia para que a pesquisa, assim como o guichê descrito acima, tenha respiros, singularidades, feitiçarias, desejos, focos, referências e um corpo vibrante? Andarilhar pelo guichê, ainda que mentalmente, sem a expectativa do que irá encontrar naquele espaço, ou ainda mais, perder-se nele, permite premissas cartográficas. Fala-se em cartografia e imaginam-se mapas. O funcionário, com suas botas, deve ter um mapa daquilo que guarda dentro das portas de seu receptáculo labiríntico, para que ele mesmo não se perca. Será? Como perder-se e fazer parte dos achados e perdidos, mas, como não perder-se entre os rumos que se toma, sem certezas, como a perder-se em um labirinto? Bem, vê-se a necessidade de um norte, para que o armário permaneça no mesmo lugar dentro da imensidão que o compõe, mas dentro desta delimitação, flânear é preciso, como diria Benjamin (2006). Diante do guichê de achados e perdidos flânea-se até as nuvens, pois, a partir da pesquisa cartográfica chegou-se ao objeto de
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pesquisa, ao menos o recorte do mesmo, e o viés poético que une a proposição narrativa do projeto. Sendo assim, do guichê de achados e perdidos que inicia um namoro com a pesquisa e a instituição a ser pesquisada, abre-se outro plano de experiências, que permite ser adensado, ou neste caso, flutuado, até que se possa encontrar as nuvens. Do fim sem fim... Não obstante, ocorre a pesquisa no lugar do entre, estando em consonância com público, artista, espaço expositivo, equipe de arte educação, conceitos, bibliografia, conectando as perspectivas de modo que um roteiro seja criado sem amarras, porém tensionadas pelas partes componentes deste percurso. Sendo esta uma afirmação/proposição a ser investigada por dois anos, ou agora só 1 ano e meio de pesquisa, desejo que a morte tanto das estrelas como de mim mesma como mosca parada no meio da cozinha, se faça potente e articulada com tudo aquilo que foi proposto e, caso não seja, que o amor fale mais alto e deixe-se andarilhar por cada percurso apaixonadamente traçado. Diante da paixão que corrói as escrituras, restam ao pesquisador colher pequenos fragmentos-sentidos que, em separado, podem ressoar como arrogantes e ausentes de sentido, mas em conjunto, propõe corpo caóide e criador para aquele que constrói a leitura. Ampliar pequenos ensaios para grandes inspirações ou melhor aspirar que grandes ensaios tornem-se minutos de inspiração como propõe Deleuze, é tarefa árdua nos entremeios afogados pela pesquisa, mas sempre há margem próxima de onde pode-se, pouco a pouco, tatear desejos, roçar vontades e mirar outras perspectivas.
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Carolina Ramos Nunes Mestranda do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais (PPGAV – UDESC), na linha de Ensino das Artes Visuais, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Elaine Schmidlin; Membro do Grupo de Pesquisa Entre Paisagens UDESC/CNPq; Pós-graduada em Mídias da Educação pela UAB-IFSC, 2014; Licenciada em Artes Visuais pela UDESC - CEART, 2013; Atualmente exerce a função de Arte Educadora na Fundação Cultural Badesc, localizada na cidade de Florianópolis, SC. http://lattes.cnpq.br/5448524601348039
Elaine Schmidlin Professora no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV) e no curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Doutora em Educação, linha de pesquisa Ensino e Formação de Educadores, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 2013; Membro do Grupo de Pesquisa Entre Paisagens UDESC/CNPq. http://lattes.cnpq.br/9781556928615419
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Defesa de Dissertação de Mestrado em Artes Visuais de Luciana Finco =71= Acervo do Estúdio de Pintura Apotheke
Sobre desenho, memória e aprendizagem: uma abordagem neurocientífica visando a educação inclusiva¹ Maria Lúcia Batezat Duarte (UDESC)
RESUMO Este é um ensaio sobre a memória e o seu lugar na aprendizagem humana. Os fundamentos teóricos são organizados a partir de autores atuais, médicos e psicólogos que trabalham no vasto campo da neurociência. Como objeto de pesquisa e reflexão são apresentados desenhos infantis, os esquemas gráficos que esta produção proporciona, e o modo de confecção dos pictogramas que Piekas e eu (2013) sugerimos para o ensino de crianças com necessidades especiais de aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: aprendizagem, memória, desenho, desenho infantil, educação inclusiva ABSTRACT This is an essay on memory and its place in human learning. The theoretical foundations are organized from current authors, doctors and psychologists working in the vast field of neuroscience. Children's drawings are presented as an object of research and reflection, as well as the graphic schemes that this production provides and the way of making the pictograms that Piekas and I (2013) suggest for the teaching of children with special learning needs. KEYWORDS: learning, memory, drawings, children's drawings, inclusive education
O canadense M.G. era caçador e desenhista quando sofreu um acidente. Perdeu uma pequena parte do seu cérebro. No processo de recuperação a equipe médica percebeu que M.G. não era mais capaz de realizar os desenhos de observação visual de objetos pelos quais se destacava em sua pequena comunidade. A perda cerebral estava de algum modo impedindo a conexão correta entre o objeto que seu olho via e efetivação de uma correspondência motora suficientemente adequada ao traçado do desenho. Ele foi diagnosticado com apraxia visual (Guerín et al. 1999). Mas, para surpresa da equipe, M.G. foi capaz de desenhar com resultados idênticos aqueles desenhos que tinha por hábito repetir antes do acidente. Eles denominaram esses desenhos “routine drawings” (desenhos de rotina), indicando a dissociação entre o processo cerebral de desenhar “de memória” e o
¹Parte deste texto foi publicada em: ALMEIDA, A. A e MENDES, E. G. orgs. Educação especial e seus diferentes recortes. Marília: ABPEE, 2016, p. 293-310, com o título: Desenho Infantil e inclusão: a neurociência e os fundamentos teóricos do Vocabulário Pictográfico.
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processo de desenhar observando visualmente um novo objeto. Isto é, verificaram a possibilidade de execução de “desenhos de rotina” sem que as vias cerebrais da visualidade sejam requisitadas, mas apenas a memória associativa, que reconhece o objeto, e a memória procedimental² que armazena a imagem motora necessária ao ato de desenhar. “Nós concordamos que alguns desenhistas podem reter um desenho de memória apurado mesmo com um déficit de imageria visual. Um desenhista competente com um déficit de imageria visual pode reproduzir alguns objetos de memória apoiado na ativação, pela memória associativa, de operações motoras automáticas memorizadas (...) Um trajeto da memória associativa para a memória procedimental poderia explicar sua habilidade para desenhar alguns objetos, muito familiares e frequentemente reproduzidos, apesar de seu déficit de imageria visual.” (Guérin et all., 1999, p. 470)
Penso que é possível, em alguns casos, relacionar este fato clínico com o próprio exercício das Artes Visuais. A história do ofício do desenho é plena de repetições e memorizações. Para sua obra principal, Guernica, Picasso realizou mais de dois mil desenhos estudando, repetindo (e apreendendo/memorizando) cada elemento que usaria na composição visual posteriormente consagrada. Neste ensaio o primeiro ponto considerado é a relação entre memória e aprendizagem a partir da abordagem neurocientífica. O intuito é refletir sobre os diferentes tipos de memória e as várias modalidades perceptivas que atuam na apreensão do mundo e na aprendizagem. No segundo tópico são evidenciados aspectos do desenvolvimento infantil e o papel do desenho (da imagem visual) no estabelecimento de relações concretas e classificatórias entre objetos e seus nomes. Na terceira e última parte a abordagem adotada no “Vocabulário Pictográfico” (DUARTE e PIEKAS, 2013), os procedimentos de elaboração e ensino dessas imagens visuais, são apresentados e discutidos. Pretendo assim, explicitar o valor que atribuo ao ato de desenhar nos processos de aprendizagem ressaltando o entrelaçamento que ele propicia entre a imagem visual simplificada e plana do objeto e a palavra que o nomeia.
² Memória procedimental são representações de “programas de ação” armazenadas solidamente no cérebro. Jeannerod a exemplifica com os gestos cotidianos que não são conscientes e que uma vez aprendidos não precisamos mais reaprendê-los como andar de bicicleta ou fazer tricô. Ver para isso, Guérin et all, 1999 e Jeannerod, 2005.
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1. Sobre aprendizagem e (neuro)ciência Antes do final do século XX neurocientistas de todo o mundo já se ocupavam em divulgar, em linguagem acessível aos leigos, as incríveis descobertas sobre o funcionamento do nosso cérebro que as novas tecnologias de imagem estavam permitindo. Entre esses cientistas Armando Rocha, no Brasil, evidenciava uma clara preocupação educacional. Sua palestra na 23ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd) em 1999, fez com que eu me encorajasse a ler o seu livro e inúmeros outros, até hoje, sobre esse tema fascinante.³ Qual o interesse que as pesquisas sobre o cérebro podem e devem provocar nos educadores? Qual a relação entre essas pesquisas e a educação? Imensas, uma vez que aprender requer a obtenção de percepções e a produção de memorizações processadas na “caixa preta” do nosso cérebro. A primeira acepção do verbo “aprender” é pegar, pinçar. Mas, nos processos educacionais de ensino-aprendizagem, não basta “pegar”, é necessário, também, guardar, armazenar, memorizar. O modo como memorizamos e, portanto, ao modo como aprendemos é uma questão que a neurociência é cada vez mais capaz de responder. Podemos dizer que o desenvolvimento humano, seja do ponto de vista ontogenético (de cada ser) ou filogenético (de todos os seres humanos que existem e já existiram sobre a Terra), depende da aprendizagem realizada durante a vida ou ao longo desta ou daquela civilização. Uma das questões que a neurociência vem conseguindo comprovar é que aprendemos no percurso de toda a nossa vida e não apenas durante a infância e a adolescência quando o nosso corpo ainda está em crescimento e desenvolvimento. Um corpo adulto e já completamente desenvolvido do ponto de vista físico, externo, pode envolver um cérebro pleno de novas descobertas e aprendizagens.4 Esclarece Doidge: “Quando aprendemos uma coisa nova, os neurônios disparam juntos e se ligam entre si, e ocorre um processo químico neuronal chamado 'potencialização a longo prazo', que fortalece as conexões entre os neurônios” (DOIDGE, 2011, p.131). Pode-se dizer, também, que conexões fortalecidas indicam o grau de memorização, um dos fatores que qualifica a aprendizagem. ³ Destaco ainda Antonio Damásio (2000, 2004, 2011) nos Estados Unidos, a equipe de Olivier Houdé na França (2004, 2005) e, mais recentemente Alberto Oliverio ( 2013) na Itália, bem como os cientistas brasileiros Roberto Lent (2005) e Miguel Nicolelis (2011). 4
Ver para isso, por exemplo, Bideaud, Houdé e Pedinielli, (2004) ou Doidge (2011).
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Usualmente os neurocientistas (Rocha, 1999; Lent, 2005; Oliverio, 2013) apresentam os processos de memória a partir de uma primeira grande subdivisão: memória implícita e memória explícita. É denominada memória implícita aquela que se manifesta por meio de ações que ocorrem sem que o sujeito atuante tenha plena consciência ou sinta-se “raciocinando” a cada passo da ação que empreende. É a memória implícita (ou subentendida) que nos permite, por exemplo, após um período de treinamento, passar a dirigir um automóvel sem que seja necessário ficar atentamente repassando na mente cada etapa da sequencia de ações a serem executadas, como fazíamos no processo inicial de aprendizagem. Um outro nome para designar esse tipo de memória é “memória procedimental”, ou “de procedimento”. Ela está altamente vinculada à motricidade5 e às atuações do nosso corpo, seja na aquisição ou manutenção de hábitos, como escovar os dentes ou dirigir um automóvel (procedimentos de repetição), seja nos automatismos mais básicos de proteção, como erguer braços e mãos para evitar um golpe na cabeça ou correr de algo que nos ameaça (procedimentos reflexos). Diferente da memória implícita, a memória explícita demanda evocação e/ou consciência. O outro nome utilizado para indicar esse tipo de memória é “memória declarativa”. Os dois termos, declarado ou explícito, convergem quando eles põem em evidência uma clara presença, na mente, de um dado6 obtido com antecedência. Oliverio (2013, p.111 e ss.) relaciona esse tipo de memória a uma aquisição (um dado) obtida por meio de experiências pessoais, as vezes sem que o sujeito da memória tivesse a intenção de obtê-la, ou por meio de estudos programados, quando o sujeito teve um intenção evidente de obter este ou aquele dado (conhecimento). A memória explícita pode receber algumas subdivisões segundo a sua abrangência (autobiográfica e semântica) e a sua duração (de curto prazo, de trabalho, e de longo prazo). A memória explícita autobiográfica responde a uma evocação de fatos (dados/significados) atrelados à história pessoal e particular de um sujeito. A memória explícita semântica responde a evocação de um significado aprendido na cultura, isto é, um significado atribuído a fatos (dados mentais)
5
Oliverio (2013, p.111 e ss.) localiza esse tipo de memória especialmente nos glângios basais e no cerebelo. 6
A palavra “dado” será usada ao longo deste texto para indicar uma ação, um evento, qualquer tipo de aquisição mental que implique permanência e memória.
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que é válido e similar para todos os sujeitos de uma mesma sociedade ou comunidade linguística. A memória explícita semântica também pode ser denominada episódica especialmente quando um determinado dado mental e seu significado estiverem circunscritos a um determinado espaço geográfico e/ou a uma determinada época (episódio).7 As memórias explícitas podem, segundo a necessidade dos sujeitos, e as demandas da sua existência, ter uma longa duração ou uma curta duração. Assim, são adjetivadas com os termos “de curto prazo” e “de trabalho” quando após um período de utilidade aquele grupo de dados deixa de ser necessário (nome e sobrenome do nosso chefe, por exemplo, que cai em desuso se deixamos aquele emprego ou há uma troca de cargos e pessoal ) e “de longo prazo” quando é requerida constantemente ao longo de nossa vida como, por exemplo, a conjugação dos verbos na língua falada e escrita que utilizamos em nossa comunicação diária. Antonio Damásio (2011) defende outra subdivisão para os processos de memória. Ele qualifica a memória como “única” e “não única”. Na memória “não única”, Damásio inclui, com ênfase, a memória semântica, aquela que mais acima se classificava como uma subdivisão da “memoria explícita”. De fato, Damásio parece usar como critério desta subdivisão dois fatores: a) a dinâmica cerebral, isto é, quais as vias neurais, quais os circuitos ou mapas que são ativados durante essa ou aquela rememoração/evocação, relacionados aos processos denominados pelos neurocientistas “O que?” e “Onde?”; e, b) a complexidade, isto é, o trabalho cerebral exigido para essa ou aquela evocação. Os circuitos responsáveis pela resposta a “O que?” (O que é isso?), encontram-se na parte anterior do cérebro, especificamente, na área temporo-frontal. Eles são acessados mais facilmente, são de uso constante, e guardam as informações mais “genéricas”, válidas para todos os sujeitos de uma determinada cultura. As respostas: É uma fruta, ou É uma maçã, pertencem a este processo.8 Ainda segundo Damásio (2011, p. 176 e ss.) os circuitos que respondem a “Onde?”, ao contrário da generalidade e imediatice do “O que ?” requerem outra complexidade. Esses circuitos se movem para a parte posterior 7
Por exemplo, no Brasil dos anos 70/80 a palavra “bicho” significava “amigo e não apenas um espécime da fauna.” 8
Em culturas diferentes a resposta para esta pergunta é variável em função da língua falada, mas é invariável em relação ao significado e designação. Ser uma fruta, ou um animal é uma categoria válida em todas as línguas e culturas.
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e mais interna do cérebro, áreas parieto-ocipital, e ali vão buscar dados da experiência e do conhecimento particular de cada sujeito.9 A resposta para “Onde?” requer a evocação de fatos e contextos que pertencem necessariamente a história de vida do sujeito respondedor. Por isso, Damásio escolheu denominá-la “Única” em oposição à memória “Não única”, ou genérica, do processo anterior. Esse autor usa como exemplo a palavra casa para indicar as diferenças, mas também os imbricamentos, entre esses dois processos mnemônicos. Confrontado com a palavra casa o sujeito pode evocar o sentido social mais genérico como “lugar onde as famílias habitam”. Neste caso, estaria usando um recurso da memória genérica ou “Não Única”. Mas, especialmente se junto a esta palavra surgir uma imagem visual da casa que ele habitou durante a infância, ou outro tipo de imagem (sonora ou olfativa, por exemplo), a rememoração e o sentido poderão ganhar outra complexidade e particularidade.10 Neste caso, a memória mais particular ou “Única” estaria participando ativamente do processo de significação. Quando define a memória Única como mais particular e de grande complexidade, e a memória Não Única como genérica e de menor complexidade, Damásio não descarta a atuação dos dois tipos em um mesmo processo de evocação. Neste caso, vislumbra um tipo de hierarquia, entre a menor e maior complexidade, na qual os processos mistos poderiam apresentar uma média complexidade (idem, p.177). Se a memória é um conjunto de processos de armazenamento de dados, a aprendizagem, para além deste armazenamento, mostra a sua eficácia quando o sujeito é capaz de combinar dados de sua memória para inferir novas descobertas. A memória e a aprendizagem dependem da formação de uma ligação (sinapses) entre as células cerebrais principais, os neurônios. Nossas modalidades perceptivas sensoriais são, digamos assim, a porta de entrada para os dados que ficam impressos nos conjuntos de neurônios que compõem a nossa memória. De algum modo o nosso corpo, exposto a infinitos estímulos externos (ruídos, imagens visuais, vozes, cheiros,...), seleciona e foca a sua
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Para Damásio (idem, p.176) é essa memoria única, particular a cada sujeito, que atua cada vez mais e progressivamente na sua vida, configura o que nós denominamos “mente”. Assim, a “mente” é diferente, e ainda muito mais complexa do que denominamos “cérebro”. 10
Para os vários tipos de imagem cerebral ver Damásio (2000) ou Duarte(2011).
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atenção em um determinado conjunto de percepções que serão registradas como um novo dado, uma nova memória.11 Armando Rocha define aprendizagem e memória como “... fenômenos que envolvem transações entre neurônios em sistemas neurais amplamente distribuídos no cérebro.”(ROCHA, 1999, p.126) e conclui: “Cada área cerebral tem uma participação definida no processo, mas nenhuma delas é sede desses processos. A participação de cada área nesses processos está relacionada com a sua especialização.” (Idem, ibidem) No conjunto altamente complexo das subdivisões e especializações das áreas cerebrais, importa aqui recordar, que as modalidades perceptivas sensoriais que acabamos de identificar como “a porta de entrada” de todos o tipos de informação com os quais o nosso cérebro trabalha, respondem, no conjunto de tecido neuronal, a zonas ou áreas específicas. Se ao longo da história da medicina e da neurologia, os danos cerebrais em diferente vítimas humanas ajudaram a mapear essas áreas específicas, atualmente, os recurso de neuroimagem permitem precisá-las.12 2. Desenvolvimento, aprendizagem, memória, cognição e desenho Quando a partir dos três meses de idade a criança começa a fase do balbucio, precedente à vocalização das primeiras palavras, ela já demonstra uma grande excitação quando consegue articular um som novo, a mesma excitação que evidencia quando seu cuidador, em meio a brincadeiras de fonação, apresenta-lhe uma nova sílaba troncando, por exemplo, a verbalização de da,da,da por mu,mu,mu. 13 Este fato torna manifesto os rudimentos de uma capacidade fundamental do cérebro humano: a capacidade de identificar similaridades e disparidades. Esta capacidade é essencial para toda a aprendizagem que virá, uma vez que serão necessárias as categorizações que viabilizam, do ponto de vista semântico (memória explícita ou não única) o funcionamento cerebral. Tratase de agrupar objetos semelhantes e por meio desse agrupamento inicial ser capaz de reconhecer, em um objeto novo, certo grau de assemelhamento e pertencimento que o torna mais facilmente 11
Em “Psychologie de l' enfant” de 2004, Houdé chama atenção para a importância dos “ inibidores cerebrais”, um processo que provoca a atenção seletiva e sem o qual nosso cérebro ficaria assoberbado frente a um número infindável de estímulos sensoriais. 12 Para as diferentes modalidades perceptivas e suas áreas especializadas no cérebro ver, por exemplo, Rocha (1999) e/ou Lent (2005).
13
Ver para isso, por exemplo, NEWCOMBE, 1999, p. 212 e ss.
=78= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
identificável e assimilável. (Sem essa capacidade, na primeira vez que nos deparássemos com um urso, poderíamos perder a vida, tentando decifrar aquela coisa totalmente desconhecida.) Há dúvidas se os bebês, antes de um ano de idade, agrupam os objetos do mundo por meio de relações temáticas ou taxonômicas. As relações temáticas permitem associações entre coisas que não pertencem a uma mesma categoria mas, por exemplo, podem pertencer a um mesmo cenário. Assim, é possível reunir macaco/banana ou gato/sofá.14 Já um conjunto taxonômico reuniria, por exemplo, macaco/gato, classificados como animais e pertencentes a uma grande categoria natural. Mas, Newcombe (1999) assevera que, mesmo frente a explosão de novas aquisições que se sobrepõem nos primeiros meses de vida, “... até o final do primeiro ano, as crianças tem um entendimento inicial firme sobre a estrutura categorial do mundo” (p.147). Isto é, as crianças já possuem mesmo na mais tenra idade, uma tendência para agrupar os objetos de modo taxonômico, de acordo com o seu pertencimento ou não a categorias naturais (os animais gato e macaco do nosso exemplo). Newcombe ressalta, ainda, que a linguagem (sua aquisição pela criança) tem, entre outras, a importante função de ajudar na demarcação de categorias perceptuais e conceituais por meio da representação simbólica oferecida pelas palavras e anota que este fato está altamente relacionado com a possiblidade de “inferir e deduzir”, habilidades essas que “compreendem a essência da racionalidade humana” (Idem, p.212). No “Vocabulário Pictográfico para educação inclusiva” (DUARTE e PIEKAS, 2013) Mari Piekas e eu enfatizamos, de acordo com a proposta de Eleanor Rosch, os elementos pertencentes ao Nível Cognitivo de Base (palavras e desenhos, no nosso caso), como aqueles a serem privilegiados na etapa escolar inicial. Em suas pesquisas Rosch pode comprovar a universalidade e o caráter prototípico dos elementos pertencentes a este nível de cognição assim como o “ar familiar” que permanece agregado a esses termos (Rosch, 1978). Nora Newcombe, contemporânea de Rosch na Universidade de Harvard nos Estados Unidos, ao atualizar a
14
Em pesquisas preliminares com crianças cegas, encontrei algumas com mais de 7 anos de idade que agrupavam os objetos segundo esse critério cenográfico. (DUARTE, dados ainda não publicados.)
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abordagem cognitiva de Mussen para o desenvolvimento infantil (NEWCOMBE, 1999), agrega ou reitera a importância do Nível Cognitivo de Base, ainda que não cite literalmente Rosch.15 Mas, é importante sublinhar o lugar do qual Newcombe revê e privilegia este nível cognitivo: a partir de pesquisas com bebês e crianças pequenas nas quais a aprendizagem da fala e a formação de conceitos são acompanhadas e testadas. No âmbito da modalidade perceptiva visual, que é essencial para o ato de desenhar assim como a modalidade motora, requer salientar que: a) objetos em movimento são aqueles que mais atraem o olhar atento das crianças e que esta atenção é perceptível muito cedo porque o pesquisador/observador precisa apenas registrar o movimento ocular da criança; b) pessoas, animais domésticos e veículos são os primeiros objetos, e as primeiras categorias, que se movimentam perto das crianças; c) frente ao movimento, ao olhar atento e a percepção deste interesse, pais e cuidadores tendem a nomear para as crianças esses objetos. Desta tríade, objeto em movimento/olhar atento/nome do objeto, surge as primeiras relações entre figuras (o objeto em sua totalidade) e o seu nome. Duas premissas são fundamentais aqui: i) é o movimento que estabelece para a criança a relação correta entre a totalidade do objeto e o seu nome; ii) é a percepção da totalidade do objeto (asseverada pelo movimento) e o conjunto de detalhes de sua forma visual que, mais tarde, vão permitir que a criança estabeleça relações de pertencimento categorial entre, por exemplo, o gato e o cão. São as figuras visuais compostas e completas do gato e do cão (com corpo, cabeça, quatro patas, orelhas e rabo), associadas a contextos espaciais específicos, que irão permitir o processamento mental de semelhanças e discrepâncias entre dois objetos (o cão e o gato) e a dedução de pertencimento a um mesmo grupo categorial. Na avaliação mental nada impede a compressão de que o cão é um pouco diferente do gato, mas imprime-se com maior força a constatação de que o cão e gato são extremamente diferentes de “papai “ou “sofá”. Neste caso a configuração “ter cabeça, corpo, quatro patas e rabo é a dica visual para agrupar cão e gato na mesma categoria geral e natural. O “girino” é a primeira figura desenhada pelas crianças logo após a fase de garatujas e é a única configuração que sabemos ser 15
NEWCOMBE, 1999, ver para isso especialmente p.220.
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interferência de outra pessoa. Considero que o desenho do girino espelha com perfeição a associação entre totalidade, ou inteireza formal do objeto visual, e o seu movimento (ver Fig. 1), pois neste precedente das demais representações gráficas (o desenho do girino), o corpo humano é apresentado por meio de uma única forma circular. Rompendo com essa unicidade formal, a criança completa o 16 seu desenho acrescentando filamentos à forma circular. Estes filamentos registram exatamente o segundo termo do binômio totalidade/movimento, isto é, apresentam os membros (pernas e/ou braços) que conferem aos humanos a possibilidade de deslocamento no espaço.
Fig. 1. Girinos. Desenho de Lucas, 3a6m. Fonte: LabDIA
16
Luquet foi pioneiro em estudo sobre a configuração do girino em cuja forma circular percebe ora a representação apenas da cabeça, ora a representação do corpo em sua totalidade, isto é, incluindo o torso (LUQUET, 1910). A relevância deste estudo foi reconhecida mais de cinquenta anos depois pelo teórico da arte Rudolf Arnheim (ARNHEIM, 1980).
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Este registro do visual, por meio da totalidade da forma e do movimento, encontra respaldo, também, no fato de a criança, na primeira infância, ter ainda o seu sistema visual cerebral em formação e adaptação. O aparelho perceptivo visual permitirá uma visão plena e detalhada dos objetos apenas em torno dos 5 anos de idade (Newcombe, 1999; Hatwell, 2003). 3. O ato de desenhar e o nível de base O ato de produzir linhas e formas gráficas sobre uma superfície plana adquire a caracterização plena de “desenho” depois da experiência gráfico-motora das garatujas (iniciada após os 2 anos de idade), e das primeiras representações de girinos, cuja configuração inaugura e atesta a presença da visualidade como um claro e eficiente recurso de aprendizagem. Lowenfeld e Brittain classificam os primeiros desenhos infantis ou girinos como pré-esquemas (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977). Estes pré-esquemas resultam, em sequencia, em uma primeira série de esquemas gráficos entre os quais a representação da figura humana é altamente exercitada. Luquet (1927) estabeleceu uma relação precisa entre esses esquemas, que ele denominou “tipos gráficos” e um registro mental, ou memória, que denominou “modelo interno”. O aspecto que marca a evolução do pré-esquema para o esquema é a presença da definição gráfica das partes que compõem o todo visual das figuras. Isto é, aquela totalidade em movimento registrada no girino cede paulatinamente espaço ao desenho de um objeto registrado com maior acuidade visual e detalhamento, no qual o movimento dá lugar a certa rigidez que se torna necessária e cúmplice à suspensão do tempo requerida pelo ato de desenhar.
Fig. 2. Esquema 1 Desenho de Sebastian, 7 anos. Fonte: LabDIA
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Fig. 3. Esquema 2 Desenho de Maria Antonia, 7a 5m Fonte: LabDIA
Observando a Figura 2, pode-se verificar que a evolução do préesquema (do “girino”) faz surgir na representação da figura humana um corpo ou torso, distinguindo-o da cabeça, ainda que a representação permaneça de certo modo assexuada e apenas alguns detalhes, como o cabelo ou acessórios, lhe confiram certa identidade. Já na Figura 3 a grande categoria “ser humano” recebe, do ponto de vista formal e gráfico, uma subdivisão por gênero fazendo a distinção entre menino e menina. Mas, finalmente, qual a relação entre o desenhar e a aprendizagem como um todo? Compreendo que o ato de desenhar e o desenho são recursos altamente produtivos durante a aprendizagem (e memorização) das categorias que organizam e classificam os objetos do mundo e que, esta categorização é fundamental, basilar, nos demais processos de aprendizagem. A capacidade humana para identificar semelhanças, discrepâncias e deduzir generalizações, estabelecer classificações, parece, definitivamente, ser o processo que sustenta a memória semântica (ou Não Única) a qual permite, a nós humanos, além dos processos cognitivos, a comunicação e sociabilidade que nos caracterizam. Eleanor Rosch (ROSCH, 1973, 1975) denominou “nível de base” este lugar cognitivo e mental no qual os objetos do mundo encontram uma primeira grande organização e classificação.
Linguista, ela se
ateve às palavras para indicar este nível e nomeou diferenciando: cadeira, lâmpada, pássaro,... Mas, onde não havia palavras, como na comunidade dos Dani em Papua Nova Guiné esta pesquisadora utilizou
=83= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
figuras,
imagens
visuais,
que,
igualmente,
lhe
identificar os objetos do nível de base ou prototípicos.
permitiram 17
No “Vocabulário pictográfico para educação inclusiva” (DUARTE e PIEKAS, 2013), Mari e eu oferecemos as crianças com necessidades educacionais especiais uma possibilidade gráfica e visual de aprender a identificar alguns animais do nível cognitivo de base. Isto porque temos razões teóricas para crer que a construção e desconstrução visual e gráfica de animais típicos, e pertencentes a esta classificação de base, podem constituir um importante recurso nos processos de aprendizagem.18 Nós estabelecemos uma relação estreita entre dizer/escrever o nome do objeto e desenhar a sua figura. Do ponto de vista da constituição de uma aprendizagem e de uma memória semântica, o entrelaçamento
entre
diferentes
aspectos
perceptivos
(forma
visual do objeto/nome do objeto falado ou escrito) propicia a reunião de recursos mentais oriundos de diferentes modalidades perceptivas que reiteram e fortificam esta aprendizagem. A presença do esquema gráfico (do Pictograma) junto à palavra que o nomeia torna a palavra concreta e refaz a experiência infantil na qual, com o auxilio de pais, cuidadores e professores, a criança vai olhando, tocando, cheirando, os objetos do mundo e descobrindo os seus nomes. Para a produção do “Vocabulário Pictográfico para educação inclusiva – 1 Animais”, além do grande arquivo digital com desenhos infantis que já nos orientava19, foi realizada nova coleta de desenhos com a finalidade de ampliar os dados já obtidos e, posteriormente, uma seleção criteriosa na qual buscamos relacionar aspectos como repetição, simplicidade, objetividade e clareza informacional. Como na fatura dos pictogramas informacionais utilizados como linguagem visual universal (códigos de trânsito, indicadores em aeroportos de entrega de bagagem e toaletes, por exemplo) e respeitando o modo como a própria criança constrói os seus esquemas gráficos, os pictogramas do “Vocabulário” foram desenhados com as linhas e formas geométricas mais simples, primordiais e acessíveis.
17
18
19
Ver para isso DUARTE e PIEKAS, 2013 ou DUARTE, 2011. Temos comprovado isto em nosso trabalho e pesquisa com crianças cegas. Arquivos do LabDIA (Laboratório de pesquisa em Desenho Infantil e Adolescente.
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Fig. 4. Desenho de Vitória, 8 anos. Fonte: LabDIA
Fig. 5. Pictograma criado por Mari Piekas. (DUARTE E PIEKAS, 2013)
Fig. 6. Figuras geométricas, linhas
e pontos que configuram
o Pictograma do Elefante. (DUARTE e PIEKAS, 2013)
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A Figura 4 é um exemplo de desenho infantil (esquema gráfico) que deu origem a um pictograma. Neste caso, trata-se do pictograma “elefante” conforme está apresentado na Figura 5. Ele é oferecido aos pais e professores de crianças com necessidades educacionais especiais como modelo gráfico deste animal, como um protótipo que representa uma categoria do nível cognitivo de base. No livro esclarecemos, também, que os elefantes pertencem a grande categoria do nível cognitivo superordenado (abstrato) denominada “animais mamíferos”. Na Figura 6, o mesmo elefante do pictograma (Fig. 5) está desconstruído nas linhas, pontos e figuras geométricas utilizadas para desenhá-lo. No livro, nós propomos que as crianças exercitem a grafia de linhas e figuras antes de se dedicarem a reprodução e aprendizagem dos pictogramas. Com a proposição dos pictogramas pretendemos que as crianças possam otimizar o processo de aprendizagem estabelecendo fortes conexões entre: o ato motor de produzir o desenho; a visualidade e/ou tatilidade do objeto sendo desenhado e finalmente desenhado em sua totalidade; a sonoridade e/ou a visualidade da grafia do nome do objeto. Isto é, exercitem recursos perceptivos mais amplos para efetuar a memorização e a aquisição de um novo conhecimento. Reflexões Finais De modo muito simples e sintético tento resumir, no elemento gráfico apresentado a seguir, aspectos da abordagem de aprendizagem construída neste texto e suas vinculações com o ensino de desenho para estudantes com necessidades educacionais especiais. Estabeleço relações de interdependência entre: o sujeito e seus “canais receptores” ou modalidades sensoriais; as sociedades e seus processos generalizadores e categoriais; os objetos do mundo e seus sinais de presentificação (formas, sons, cheiros, gostos); e a própria aprendizagem, cuja efetivação requer um movimento orgânico e continuo entre estas “partes”. Percebo a educação inclusiva como uma ação que visa minimizar as “faltas” ou deficiências a partir de estratégias de compensação e provocação cuja finalidade é, de um lado, acreditar nas potencialidades de todos os alunos, e de outro lado, criar possibilidades para que as diferenças, bem aceitas, sejam reconhecidas e enfrentadas proporcionando a aproximação e o assemelhamento que parece deixar mais felizes aqueles que sentem qualquer tipo de privação.
=86= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Gráfico síntese – aprendizagem, neurociência e desenho
Gráfico 1.
Síntese. Fonte: concepção desta autora
Percorrer os processos de aprendizagem com a abordagem neurocientífica e cognitiva permite compreender como o nosso corpo aprende em toda a sua dimensão e complexidade, entre o mais simples movimento de pinçar o lápis de desenho e o mais sofisticado processo de movimento ocular. Trata-se de, com o corpo e com a mente realizar, por exemplo, uma distinção visual entre formas e cores, ou entrelaçar diferentes modalidades perceptivas que ao final podem produzir um novo sentido, oferecer uma nova significação para cada objeto ou cada fato com os quais nos deparamos durante a vida. Talvez educar seja simplesmente um ato que visa facilitar esses encontros, essas significações e ressignificações. Mas, pinçar, pedalar, desenhar, provar uma fruta, conhecer um animal, escrever, ler, resolver um problema matemático... nenhuma ação, nenhum evento novo, nenhuma experiência possibilitada simplesmente pelos nossos sistemas sensoriais, pelo nosso meio ambiente cultural, ou por um ensinamento, seria transformada em aprendizagem se o nosso cérebro não realizasse uma estocagem chamada memória.
=87= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
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Jean-Louis.
L´homme
en
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Conceitos
fundamentais
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=89= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
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Maria Lúcia Batezat Duarte Possui graduação (licenciatura) em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1989), doutorado em Artes pela Universidade de São Paulo (1995) e pós-doutorado na Université Paris-1, Sorbonne (2006). Em 2011 publicou o livro DESENHO INFANTIL E SEU ENSINO A CRIANÇAS CEGAS. RAZÕES E MÉTODO, com apoio da CAPES, onde apresenta toda a sua experiência e estudos na área do desenho infantil e da invisualidade. A importância do desenhar na infância é abordada, no livro, a partir de princípios oferecidos pelas Artes Visuais, a Psicologia Cognitiva e a Neurociência. Em 2013, publicou com Mari Ines Piekas o livro VOCABULÁRIO PICTOGRÁFICO PARA EDUCAÇÃO INCLUSIVA. 1 ANIMAIS no qual buscam estender a possibilidade de desenhar e identificar figuras gráficas do Nível Cognitivo de Base para todas as crianças com necessidades educacionais especiais. Este livro está disponibilizado gratuitamente, também em versão em inglês, no site da Editora Insight. http://lattes.cnpq.br/2670000362289218
=90= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Defesa de Dissertação de Mestrado em Artes Visuais de Luciana Finco =91= Acervo do Estúdio de Pintura Apotheke
Uma aprendizagem em deslocamento: docência, artes visuais e pesquisa¹ Aline Nunes (UDESC)
RESUMO Neste artigo proponho uma escrita construída a partir dos atravessamentos que acontecem entre a experiência vivida na docência, enquanto professora do curso de Artes Visuais da UDESC, e as ressonâncias da pesquisa doutoral “Sobre mudar de paisagens, sobre mirar com outros olhos: narrativas a partir de deslocamentos territoriais”. As relações entre docência, artes visuais e pesquisa são construídas em diálogo com o conceito de desterritorialização (DELEUZE e GUATTARI, 1989; 1997; 1997a), uma vez que estes três eixos são aqui entendidos como territorialidades.
PALAVRAS-CHAVE:Deslocamentos; Desterritorialização; Artes Visuais; Docência; Pesquisa.
Resumen En este artículo propongo una escritura construida desde los atravesamientos que se pasan entre la experiencia vivida en la docencia, como maestra en el curso de Artes Visuales de la Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC-BR, y las resonancias de la investigación doctoral “Sobre mudar de paisagens, sobre mirar com outros olhos: narrativas a partir de deslocamentos territoriais”. Las relaciones entre docencia, artes visuales y investigación son construidas en diálogo con el concepto de desterritorialización (DELEUZE e GUATTARI, 1989; 1997; 1997a), a la vez que los tres ejes temáticos son entendidos como territorialidades.
Palabras
clave:Desplazamientos;
Desterritorialización;
Artes
Visuales;
Docencia; Investigación
1
Defendida no ano de 2015, pelo Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual. A pesquisa foi orientada pela Professora Doutora Alice Fátima Martins, na linha de pesquisa Culturas da Imagem e Processos de Mediação e foi integralmente financiada pela CAPES.
=92= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Pelo menos uma vez na vida, a reflexão sobre nós mesmos nos
leva
a
examinar
as
circusntâncias
do
nosso
nascimento. Por que teremos nascido nesse canto do mundo em particular? As famílias em que nascemos, os países e as cidades a que a loteria da vida nos destina – devemos supostamente amá-los, e no fim das contas de fato os amamos do fundo do coração, mas será que não merecíamos
melhor
sorte?
Às
vezes
me
considero
desafortunado por ter nascido numa cidade velha e empobrecida, sepultada sob as cinzas de um império arruinado. Mas uma voz dentro de mim insiste em dizer que, na verdade, essa foi a minha sorte. (PAMUK, 2007²)
Imagem 1:
sem título (2013). Aline Nunes. Fonte: arquivo pessoal.
2
Fragmento do livro “Istambul”, de Orhan Pamuk. Publicado pela editora Cia. Das Letras, em 2007.
=93= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Sobre coisas menores Procuro abordar o tema “Pesquisa: Ensino e Poéticas Visuais”, proposto
nesta
edição
da
Revista,
problematizando
o
ato
de
pesquisar enquanto algo que se faz de modo orgânico, isto é, imbricado
aos
processos
formais
-
instaurados
nos
âmbitos
acadêmicos - mas que se faz também enquanto fazemos outros planos, enquanto transitamos por outros espaços, nos momentos em que nos descobrimos
fazedores
de
“coisas
menores”,
nas
conversas
despretensiosas ou, nas horinhas de descuido...³ Me parece ser este o ponto de partida para ensaiar uma conversação. E para tanto, defendo a necessidade de criar um viés distinto, que nos possibilite mirar o âmbito da pesquisa em arte, da pesquisa
em
educação
e
das
pesquisas
potencialidade de suas interlocuções.
em
cultura
visual
na
Criar caminhos que nos
desloquem daquilo que está postulado, que nos é apresentado como campos estanques, por vezes tão cheios de purismos e normativas. Falo sobre profanar os lugares demarcados da docência, da pesquisa, dos campos de saber. Começar pelo meio Como pessoas que vivenciam processos de mudanças territoriais produzem em si deslocamentos para além da mudança de cidade, estado ou país? Que mudanças, que torções de pensamento acontecem em meio a estas
experiências,
produzindo
desterritorializações?
Que
mudanças são disparadas, e que aprendizagens acontecem? 4
As perguntas que disparam esta escrita em parte configuram-se das questões que perpassaram minha tese doutoral. Nesta pesquisa, as narrativas autobiográficas produzidas em torno ao tema do deslocamento territorial foram potências para aprender: sobre o outro, sobre mim, e sobre como nos construímos na medida em que nos deixamos tocar, encharcar, contaminar, produzindo assim mudanças naquilo que temos como territorialidades. Deleuze e Guattari (1988; 1997; 1997a) em seu conceito de desterritorialização dizem que, para que haja tal ruptura é 3
Como nos diz Guimarães Rosa.
4
Partes deste artigo foram citadas em um texto inicial, intitulado: “Uma aprendizagem em deslocamento: territórios e paisagens inventadas”, apresentado no Ciclo de Investigações do PPGAV- UDESC, 2016.
=94= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
necessário que antes haja um território, com fronteiras demarcadas. Ainda, reforçam a ideia de que, havendo desterritorialização haverá, por conseguinte, novos movimentos de reterritorialização, pois que, haverá sempre a necessidade de se criar novos portos e novas terras por onde estabelecer outros vínculos. A reterritorialização compreende um reposicionamento, ainda que provisório: pressupõe novas aprendizagens em outras relações, mas mantendo ainda o elemento desterritorializado (NUNES, 2015). Quando nos deslocamos entre lugares, saindo de um território para (aos poucos) conquistarmos outro, como vamos narrando a nós mesmos a partir deste ato? Como nos reposicionamos a partir da saída de um lugar já conhecido para outros, sem vínculos e propriedades, nos quais se tem a possibilidade de contar-se de outros modos e de criar novos laços? Neste processo, os movimentos de desterritorialização e reterritorialização, não tinham a ver com o ato de deixar ou ganhar territórios geográficos, mas sim, produziam abalos, revisões de mundos, afetos, negociações consigo e com o outro, movimentos, estados de território. No decorrer do exercício de pensar sobre o tema de investigação fui percebendo que as mudanças mais importantes não se tratavam exclusivamente do lugar em si, geográfico, mas daquilo que se é capaz de agenciar a partir dele. Meu encontro com o conceito de desterritorialização acabou se mostrando potente para pensar, problematizar ou mesmo, para produzir possibilidades de experimentação, que estivessem implicadas e interviessem nos modos com que nos relacionamos e lidamos com os desejos de partida e as mudanças de territorialidades. O conceito, por sua vez, não foi tomado como totalidade de um pensamento. Ele foi empregado para cartografar um processo, utilizado de forma fragmentada, naquilo que me parecia conveniente. Das derivas produzidas nesta tese doutoral, mais do que registrar vivências e memórias, dando conta de fatos, acontecimentos e da própria sucessão de acontecimentos relacionados às viagens, o intuito foi convidar outros sujeitos a pensarem sobre o que neles era deslocado enquanto se deslocavam. Pensar sobre a própria condição de sentir-se estrangeiro de si, na medida em que se abriam ao risco desta experiência, colocando-se em estado de espreita (DELEUZE e PARNET, 1988) em nome da
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possibilidade de dar vazão ao que é diferente daquilo que já lhes era sabido. Ou seja: no caso do processo empreendido, importou-me conhecer e também dar visibilidade àquilo que era fabricado, inventado e torcido a partir das mudanças territoriais vividas. Preciosa (2010) nos fala sobre este sujeito que, confrontado por suas experiências, é capaz de sair de si, ver-se outro, mas que para isso é necessário um esforço para torcer este sujeito ao qual se acostumou a ser. É preciso investimento, é preciso correr o risco. Movimentos de dispersão Primeiro, caminhe até tua primeira planta e lá observe atentamente como escoa a água de torrente a partir deste ponto. A chuva deve ter transportado os grãos para longe. Siga as valas que a água escavou, e assim conhecerá a direção do escoamento. Busque então a planta que, nesta direção, encontra-se o mais afastado da tua. Todas aquelas que crescem entre estas duas são para ti. Mais tarde, quando estas últimas derem por sua vez grãos, tu poderás, seguindo o curso das águas, a partir de cada uma destas plantas, aumentar teu território. (CASTAÑEDA, apud DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.21)
Embora minhas perguntas de tese nunca tenham se dirigido de modo explícito ao âmbito da educação ou mesmo da reflexão/proposição em torno à criação poética no campo das Artes Visuais, vejo o quanto este trabalho me levou a pensar e assumir novas perspectivas sobre estes territórios. Mais ainda: vejo o quanto minha tese fornecia ferramentas para que eu pudesse operar nestes campos. Naquilo que me competia escolha, em minha formação acabei optando pela diversidade, pelos caminhos que me faziam sair dos lugares que me eram habituais. Graduação em Artes Visuais, Mestrado em Educação, Doutorado em Arte e Cultura Visual. Dentro disso tudo, linhas de pesquisa que me faziam querer explorar aquilo que estava mais além, em zonas fronteiriças: cinema, filosofia, antropologia, geografia. Lugares que não eram meus, mas nos quais eu poderia adentrar. Num retorno às paginas da tese, me encontro com o seguinte fragmento:
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Prefiro, ao menos por ora, 'a liberdade do caminho das infidelidades e traições teóricas, dos deslocamentos institucionais, das derivas existenciais, dos encontros ocasionais e inesperados. Com medo, com riscos.' (LOPES apud NUNES, 2015, p.40)
Minha discussão acerca de deslocamentos territoriais, de alguma forma, me levava a defender uma escolha para além da geografia: fazia-me renovar votos com aquilo que escolhi profissionalmente. Levava-me a ver a professora na qual fui me forjando, justamente nos trânsitos entre diferentes espaços acadêmicos, nas infidelidades teóricas, na abertura para ouvir aquilo que me é partilhado pelo outro que atravessa meu caminho. Não obstante, dos fios de sentido que a tese me forneceu, pude 5 ver também relações com minhas produções artísticas do passado e, 6 ainda, com as novas elaborações de agora. O olhar para os mapas, a (re)construção de lugares afetivos e a apropriação de imagens com intuito de conformar novos territórios constituem-se como parte fundamental nos processos de experimentação com as linguagens artísticas. Ainda, vejo o quanto as problematizações em torno às relações com as cidades, a cultura e as narrativas que se produzem são materialidades para a elaboração de muitas das experimentações artísticas. Em maior ou menor intensidade, percebo que falar, pensar, experimentar sobre o tema do deslocamento e do território fez-se enquanto uma presença ativa seja como opção de vida ou como questão a problematizar enquanto pesquisadora, entendendo que estas “porções” não se separam, posto que são coextensivas. Desde esta concepção, instaura-se também um novo viés para pensar a educação em artes visuais, pautada não somente nas situações regulares e formais de ensino-aprendizagem, vinculadas a escolas, museus e outros espaços educativos. Ante esta posição proposta pela pesquisa, a educação em artes visuais, a experienciação artística, os sentires de quem produz e é atravessado por imagens se dão nos espaços do viver e geram aprendizagens.
5
Como nos diz Guimarães Rosa. Durante os anos do curso de Bacharelado em Artes Visuais, minha produção poética foi marcada tanto pela não filiação a uma linguagem artística (na qual explorei a linguagem da gravura e do desenho, com colagens e bordados) como também pela busca de uma reflexão sobre o conceito de espaço e de (não)lugar, por meio da criação artística. 6
Na produção de fotografias, desenhos, gravuras e outras narrativas visuais que se nutrem das noções de cartografia e paisagem, a partir das territorialidades apropriadas e inventadas no decurso dos últimos seis anos.
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Sendo catadora As experiências de deslocamento territorial, seguramente, provocaram
uma
capacidade
de
observar,
de
invencionar
novas
narrativas de vida, marcadas pelos acontecimentos desdobrados de seus trânsitos e seus embates com diferentes meios e contextos culturais. Deste
modo,
entendo
intrinsecamente
que
a
experiência
relacionada
aos
estética
está
processos
de
desterritorialização: marcada pelos fluxos de pensamento, pelos modos de ver transformados na viagem, pelo desejo de apropriação e recriação de paisagens próprias, nas quais outras relações de pertencimento fossem inauguradas. Esta forma de viver a docência e a experimentação em artes visuais,
relacionando-as
às
ideias
de
deslocamento
e
desterritorialização foi possível, em grande medida, pelo contato com as perspectivas teóricas da Cultura Visual e dos estudos pósestruturalistas. Para Martins: a cultura visual, entendida não como substantivo, mas como orientação epistemológica, oferece um conjunto interdisciplinar e dialogal de referenciais possíveis as aproximações dos assuntos eleitos para investigação. (2012, p. 228)
Mais do que situar o objeto (imagem/artefato visual) e os sentidos que ele produz, importa o contrário deste movimento: os sentidos que produzimos, as conexões que traçamos com espaços, lembranças, histórias vividas em diálogo com outros sujeitos, e que daí resultam matérias onde se possam perceber as relações tramadas, tomando a Cultura Visual como lentes para ver e interatuar nestes processos. Portanto, assumir como orientação teórico-metodológica a cultura visual possibilitou-me entrecruzar os sentidos que são produzidos por espectadores, autores e demais sistemas a partir das entre-relações entre o que é visto e de como se é visto (HERNÁNDEZ, 2010). Neste caso em particular, tornou-se relevante discutir como as mudanças que derivam dos deslocamentos e demais tipos de transições territoriais estão carregadas de sentidos e embates, expostos nas narrativas (sejam elas orais, visuais, escritas...) que os circundam e constroem.
=98= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
No que diz respeito às imagens selecionadas para compor este texto, tratam-se de fragmentos dos percursos realizados: tanto percursos geográficos, como também frutos dos percursos teóricos e metodológicos empreendidos. As visualidades selecionadas para compor este texto, bem como na tese, tem por intuito provocar relações, conexões com e a partir do que é vivido durante o ato de deslocar-se e o pensamento em torno à docência e à arte. De certo forma, pode-se pensar que as imagens que vem sendo catadas, recompiladas e produzidas até aqui atuam como forma de flexibilizar as fronteiras entre os territórios transitados da docência, da arte e da pesquisa, expandindo-os. Lugares de passagem “Un amigo me dijo una vez que el verdadero viaje de descubrimiento no consiste en cambiar de paisaje, sino en mirar con otros ojos”.
7
A partir da deriva, encontram-se superfícies irregulares. Experimentar estas rotas é também uma forma de criá-las, de inventar e “delirar caminhos”. Delirar paisagens que só existem nas histórias de cada um, que monta seu quebra-cabeça existencial, a partir das peças catadas durante o percurso. Nem só de caminhos se cria este quebra-cabeça, muito dele se configura de memórias guardadas: uma cor de céu, um dia de vento norte, o ruído das janelas batendo. A tese teve como propósito discutir a constituição de paisagens tomando como matérias os escritos, os fragmentos de conversa, as imagens e outros fenômenos visuais (ILLERIS e ARVEDSEN, 2012) que marcaram os deslocamentos vivenciados, observando a partir disso os movimentos de desterritorialização e reterritorialização, contínuos ao longo do percurso investigado. Das escritas autobiográficas e das imagens relacionadas às suas experiências, partindo de algumas recorrências, deu-se o surgimento de paisagens. As paisagens, contudo, iam além da
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Fala da personagem Lucía, no filme “La hija del canibal”, em português intitulado como “Aos olhos de uma mulher”.
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figuração/representação conceitos
para
dizer
reterritorialização,
dos
espaços:
desses
fluxos
percebidos
nas
operavam de
como
ideias
e
desterritorialização
e
narrativas
dos
sujeitos
envolvidos nesse processo. Estabelecendo um diálogo posterior à tese com aquilo que vivencio neste momento de atuação docente, percebo que estas paisagens são espécies de categorias, possíveis para pensarmos os processos de aprendizagem e formação, seja no âmbito da docência, da pesquisa, ou no âmbito dos processos artísticos. As paisagens, se entendidas como categorias, nos levam ao conceito
de
desterritorialização,
em
seus
fluxos
de
saída/experimentação; reterritorialização/sedimentação e repouso; movimento/ruptura. Assim, temos como paisagens as seguintes territorialidades: - Callejeo
Imagem 1: Voile (2014). Aline Nunes. Fonte: arquivo pessoal
A ideia de Callejeo enquanto paisagem ajuda a pensarmos na potência existente em se deixar levar, no ato de sair para ver o que pode ser descoberto, capturado durante esse vagar por entre espaços. Por esses movimentos ensaiamos, ainda que timidamente, a possibilidade de fazer diferente daquilo que se mostra como desgastado. A desterritorialização supõe mais do que uma saída de um espaço físico concreto, exige uma desocupação no próprio corpo, daquilo que costumávamos ser. É “a demolição brutal de experiências gastas e formas foscas” (PRECIOSA, 2010, p. 54).
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- Um em casa, outro
Imagem 2: “Provvisorio” (2013). Aline Nunes. Fonte: arquivo pessoal
Nesta paisagem a casa pode ser pensada enquanto agenciamento (DELEUZE e GUATTARI, 1997), isto é, possibilidade de combinar elementos heterogêneos que, ao serem mesclados, tornar-se-ão distintos daquilo que foram inicialmente, elevando sua potência. Espaço aberto às combinações daquilo que nos importa, daquilo que nos toca e que merece ser guardado, trazido conosco para ser bricolado junto a sentimentos, histórias e imagens que, emaranhados, criam um lugar singular, um lugar de pertencimento. Os indivíduos nômades não se distinguem dos sedentários pelo desapreço a uma porção territorializada, a que possam chamar de casa. Distinguem-se sim, pela abertura em ver sua casa transformada de tempos em tempos, cambiada, dilacerada por suas próprias convicções de que mesmo a casa, que congrega uma ideia de fixidez, deve ser efêmera, deve contemplar a possibilidade de virar ruína. A casa talvez mais do que um lugar concreto e endereçado, seja um conceito flutuante criado para dar conta da necessidade de algo que nos faça sentir abrigados, confortados e seguros, e isto tudo é também variável a depender de como e de quem desenha para si esse território.
=101= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
- Quem de dentro de si não sai
Imagem 3: Bòvila (1982). Olga Pérez García. Fonte:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204076599657888&set=a.3511367105500.172517.13115 66949&type=1&theater
Se, para Deleuze só se pensa porque se é forçado, porque existe algo que, estando fora do pensamento o força a fazer novas conexões, o faz vibrar, rompendo com estratificações e com aquilo que estava cristalizado, esta paisagem é também feita a partir de um esforço, de uma violência no sentido de forçar-nos a pensar, ser e fazer diferentemente daquilo que nos acostumamos. Nem que seja para seguir fazendo como antes. O que importa é colocar-se em estado de questionamento, permitir-se a dúvida para sair de si, mesmo se optarmos por voltar, pois o retorno nunca será para o mesmo.
O sujeito nômade, no
decurso de sua marcha, percebe que “lo que es importante es el devenir, el proceso de transformarse en algo diferente, y no necesariamente llegar a serlo” (HORNIKE, 2008, p.66). Por tanto, esta é uma paisagem diretamente relacionada ao conceito de devir; um estado que não se conclui, que está sempre ativo.
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Próxima parada O que conta em um caminho, o que conta em uma linha é sempre o meio e não o início nem o fim. Sempre se está no meio do caminho, no meio de alguma coisa. (DELEUZE e PARNET, 1998, p. 39)
Ao lançar esta possibilidade de pensar os sentidos e referências que foram produzidos no decorrer do tempo de pesquisa enquanto paisagens, parto do pressuposto de que estas (assim como os sujeitos implicados nesta narrativa) estão constantemente se transformando. Atuamos e agimos em seus espaços, desmanchamos algumas formas e alguns mundos, e recriamos outros conceitos e perspectivas para experimentá-las. Vivenciamos processos contínuos de desterritorialização e reterritorialização a partir de experiências ínfimas, menores. Assim, ao longo da tese, defendi que as paisagens se modificam, conforme mudamos nossos pontos de vista, nossos modos de ver e relacionarmo-nos com o que se passa em nossas vidas, sempre de modo engendrado às transformações sociais e à cultura. Nestes processos de transformação, a experiência nos permite aprender, nos condiciona a fazer diferentemente daquilo que já fora feito. Neste sentido, profissionalmente, tenho atuado de modo a colocar estas paisagens inventadas na tese para funcionar em meu dia-a-dia: no trânsito e, sobretudo nas relações que procuro estabelecer entre as diferentes disciplinas que ministro.8 Ao planejar as aulas, entrecruzo olhares sobre educação e experiência artística nas proposições que lanço aos meus alunos, para que entendam que tanto a docência, como a produção e pesquisa em artes podem se retroalimentar. Para isso, é necessário este espírito catador, forjador de coisas, e aberto ao desafio de ensaiar novos diálogos. Por isso, conceitualmente a desterritorialização e a ideia de deslocamento territorial servem como noções que orientam um modo de viver a docência, de fazer pesquisa (a partir de metodologias mais flexíveis, que fomentem o uso de procedimentos artísticos nos processos de investigar)e de produzir poeticamente.
8
No ano de 2016, por exemplo, ministrei disciplinas como “Introdução à Linguagem Gráfica”,
“Artes Midiáticas”, “Estágio Curricular Supervisionado” e “Desenho Infantil”, para turmas iniciantes e mais avançadas dos cursos de Bacharelado e Licenciatura.
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A docência que se faz em deslocamento, desterritorializada, atua como lugar de experiência, de reflexão, de criação. Fabricação contínua de territorialidades, de universos nos quais imprimimos nosso estilo, investimos nossos desejos e fabricamos visualidades. Tudo isso carregado de histórias que configuram novas conexões, agenciamentos e, assim, produzem aprendizagens. Os resultados desses movimentos são ainda muito iniciais, e em razão disso é importante não parar agora, é preciso seguir em movimento, para que outros terrenos sejam revolvidos e outras narrativas possam ser inventadas, sobre paisagens que ainda são devir. Neste sentido, percebo o quanto a pesquisa segue reverberando, convidando-me a pensar sobre os modos com que atuo enquanto docente de artes em nível de graduação, colocando-me a interrogar sobre aquilo que é, ou deve ser desterritorializado em minha prática e com os grupos discentes com os quais venho atuando. As paisagens inventadas, citadas anteriormente, servem também como categorias passíveis de dialogar com os processos de aprender, conhecer e problematizar a docência em artes e seu campo de experimentação poética. Finalmente, posso dizer que os deslocamentos territoriais (e novamente reitero que não se restringem ao âmbito geográfico) são brechas e possíveis que me levam a produzir uma nova narrativa para a pesquisa em artes e a educação das artes visuais.
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Referências DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 5. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997a. DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. O abecedário de Gilles Deleuze: transcrição integral do vídeo, para fins exclusivamente didáticos. Éditions Montparnasse: Paris, 1988.
HERNÁNDEZ, Fernando. Para a Erina ninguém diz nada...e nós não podemos fazer o que queremos. A educação da cultura visual na educação infantil. In: MARTINS, Raimundo e TOURINHO, Irene. (orgs.) Cultura Visual e infância: quando as imagens invadem a escola... Santa Maria: Editora da UFSM, 2010. pp. 71-85.
HORNIKE, Dafna. Los sujetos nómades en Clarice Lispector y Mayra Santos-Febres. Tese de doutorado. Universidade de Alberta, 2008. ILLERIS, Helene; AVERDSEN, Karsten. Fenômenos e eventos visuais: algumas reflexões sobre currículo e pedagogia da cultura visual. In: MARTINS, Raimundo e TOURINHO, Irene.(orgs.) Culturas das imagens: desafios para a arte e para a educação. Santa Maria: Editora da UFSM, 2012. pp. 283- 309. LA HIJA DEL CANÍBAL. Antônio Serrano. 2003. (México) MARTINS, Alice Fátima. Arena aberta de combates, também alcunhada de Cultura Visual: anotações para uma Aula de Metodologia de Pesquisa. In: MARTINS, Raimundo e TOURINHO, Irene.(orgs.) Culturas das imagens: desafios para a arte e para a educação. Santa Maria: Editora da UFSM, 2012. pp. 211-233. NUNES, Aline. Sobre mudar de paisagens, sobre mirar com outros olhos: narrativas a partir de deslocamentos territoriais. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Goiás, 2015. PRECIOSA, Rosane. Rumores discretos da subjetividade: sujeito e escritura em processo. Porto Alegre: Sulina: Editora da UFRGS, 2010. ROLNIK, Suely. Uma insólita viagem à subjetividade - fronteiras com a ética e a c u l t u r a . 1 9 9 7 . D i s p o n í v e l e m : http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/viagemsubjetic.pdf Acesso em 12 de junho de 2012.
Aline Nunes da Rosa Doutora em Arte e Cultura Visual pelo Programa de Pós Graduação em Arte e Cultura Visual (PPGACV), da Faculdade de Artes Visuais (FAV), da Universidade Federal de Goiás. Bolsista PDSE-CAPES (Programa Institucional de Bolsas de Doutorado Sanduíche no Exterior), com estágio no programa de Doctorado en Artes y Educación, da Universidad de Barcelona (2013-2014). Bolsista CAPES 2011/2015. Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE), linha de pesquisa Educação e Artes, da UFSM. Bolsista CAPES 2008/2010. Bacharel e Licenciada em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente é professora colaboradora do Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC. http://lattes.cnpq.br/9068022432974886
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Sobre o ensino das artes visuais: o estúdio de pintura como laboratório¹ Jociele Lampert² (UDESC) Fábio Wosniak³ (UDESC) Resumo O texto apresenta reflexões sobre o Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke da Universidade do Estado de Santa Catarina - SC, bem como, situa o contexto da Arte como Experiência de acordo com Dewey (2010), e aponta para o lugar da prática artista e prática pedagógica para o artista professor. O Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, é um Programa de extensão, vinculado ao Grupo de Pesquisa Entre Paisagens CNPq/UDESC. Como Programa de extensão torna-se um laboratório, no sentido que articula vivências, experiências e propostas de ensino/aprendizagem pautadas em pesquisa.
‘Entre Paisagens’ configura não apenas a nomenclatura do Grupo
de Pesquisa CNPq/UDESC onde me situo como professora, e direciona uma práxis de fazer artístico como pesquisa, que evidencia direcionamentos ao ensino, pesquisa e extensão, na via da Universidade. Neste entre, situa-se a prática de olhar sobre a formação inicial de professores, que tem como eixo principal a construção e estrutura da experiência poética de pesquisa sobre e em Artes Visuais. Seguindo esta perspectiva, e evidenciando os procedimentos metodológicos e pedagógicos, instaurados no espaço/tempo/lugar de minha 'professoralidade', imersa no Ensino Superior, bem como, das possibilidades ¹ Este artigo foi publicado no Livro: SANTOS, Luciane M. dos; PREVE, Ana Maria Hoepers (orgs). Laboratórios de Ensino em Cursos de Licenciatura: Relato de experiências e Práticas. Porto Alegre: Alcance, 2016, p. 88-98. ² Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College na Columbia University na cidade de New York como Bolsista Fulbright (2013). Professora Adjunta na Universidade do Estado de Santa Catarina. Atua no Mestrado e Doutorado em Artes Visuais PPGAV/UDESC na Linha de Pesquisa de Ensino de Artes e na Graduação em ArtesVisuais DAV/UDESC. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura UFSM/CNPq. Membro/Líder do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem UDESC/CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). ³ Doutorando em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino das Artes Visuais PPGAV/UDESC; Mestre em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino das Artes Visuais PPGAV/UDESC; Pedagogo e Psicanalista. Membro/Pesquisador do Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia (Mackenzie/SP), Membro/Pesquisador do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem (UDESC/CNPQ) e integrante do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). Editor associado da Revista Apotheke.
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e potência da articulação entre o saber/fazer da prática docente e artística, construí, um Grupo de Estudos, intitulado, '4Estúdio de Pintura Apotheke’, que representa a busca por pesquisas, ancoradas na paisagem da experiência artística, que pode gerar outras instâncias de produção e reflexão, frente a Educação.
APOTHEKE é um palavra que tem origem grega, do substantivo apot-
heke, que designava armazéns do porto de Atenas na Grécia Clássica; Também de origem germânica, indica a origem da palavra botica, boticário ou farmácia. A escolha por esta nomenclatura, decorre da percepção da botica como lugar de laboratório, de um labor experimental. O que aproxima-se da proposta do grupo de estudos, tendo a pintura como eixo norteador para o processo artístico e prática pedagógica, considerando o campo ampliado e os possíveis desdobramentos para o pensamento visual. Neste espaço, questões sobre Arte como experiência, ou ainda, sobre o lugar de quem produz e de quem ensina Arte ou simplesmente de um saber/fazer/sentir competente ao artista professor, surgem constantemente e evocam a investigação sobre o modo como o ensino/aprendizagem influencia atitudes, crenças, valores, bem como, estudos e produções artísticas dos sujeitos (artistas professores) pesquisadores, envolvidos com o grupo. Propõe-se investigar a Educação em tessitura do espaço/tempo, e das articulações cartográficas, entre o professor e o ser artista professor, com a clave sobre a prática artística articulada aos saberes pedagógicos. De acordo com o projeto de pesquisa "Arte Educação pela pintura: a produção artística do artista professor”, constata-se: O grupo de estudos Estúdio de Pintura Apotheke surge do Projeto de pesquisa “Arte Educação pela pintura: a produção artística do artista professor”. Este apresenta uma tessitura coerente ao contexto do ensino de arte contemporâneo. Pois, deriva da articulação possível entre teoria e prática, assim como, pode abordar questões pertinente a quem ensina e produz Arte. O’ seja, a escolha da articulação entre Arte Educação e pintura, em meio as questões que permeiam a construção do conhecimento do artista/professor/pesquisador, decorre da busca permanente por amplo repertório de quem ensina e produz e pesquisa no contexto pictórico. (LAMPERT, 2013, p. 3)
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Formado por 23 participantes, dentre estes, professores da UDESC, outras IES, alunos de Graduação e Pós-Graduação em Artes Visuais, e professores da Rede Pública de Fpolis/SC. Site: http://www.apothekeestudiodepintura.com
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Há duas linhas que pairam sobre o tema do artista professor: a primeira, instaura que é preciso ter produção, reconhecimento, receber crítica, curadorias e ser legitimado pelo sistema de circuito de Arte; A segunda, (a qual, penso fazer parte), aponta para a percepção sobre o tema, evidenciado por eixos: de perceber no ato criativo a concepção de planejamento e metodologia para aulas, bem como, da relevância em ter processos criativos singulares e experimentações (seja por meio de cadernos, diários, anotações, até em produção sistemática que pode estar (ou não) inserira em um sistema e circuito de Arte, ou da conversa com artistas e reflexões sobre outros textos e diálogos e exemplos de outros processos. Ou seja, para ser um professor artista, (é necessário a pesquisa ser inerente ao processo de criação), também ponderar sobre o lugar/tempo/espaço de produção e recepção do ‘objeto' artístico. Assim como, compreender a produção de conhecimento sobre o ensino/aprendizagem, articulada com o espaço da sala de aula, da Escola, do estúdio do artista ao diário, ao caderno e/ou à cidade, onde deambulamos sobre diferentes visualidades, e que, poderá servir de lugar para outros processos formativos, fora de conteúdos e currículos, a isto nomeia-se transcognição, segundo Sullivan (2005). Como professora de Graduação e Pós-Graduação em Universidade pública no Brasil, venho me questionando: como desenvolver articulação entre teoria e prática no ensino/aprendizagem em Artes Visuais? Também questiono, como são os profissionais que saem da Universidade hoje, dos Cursos de Artes Visuais? Independente de ser professor, artista, artista professor, ou mesmo, artista educador, ocorre refletir sobre como os profissionais reverberam e articulam a potência criativa entre fazer e pensar Arte, e mais, qual o lugar da pesquisa em Arte e sobre Arte, na vida profissional desse sujeito? Dentro de um quadro amplo, do lugar onde situa-se a pesquisa em Arte e sobre Arte, o artista professor está urdido em uma interface crítica e criativa, seja ministrando aulas, organizando eventos, desenvolvendo pesquisas, realizando exposições ou desempenhando funções administrativas em projetos e no contexto universitário. Alan Thornton (2013), questiona sobre a construção da identidade do artista professor pesquisador: 1) Como eu me identifico em minha profissão? 2) Com quais títulos, regras, práticas, conhecimento, valores e vocações os outros me identificam? O autor, refere-se aos rótulos e conceitos, com que, frequentemente lidamos como artistas professores pesquisadores no contexto onde nos
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situamos como tal. Cabe salientar, que todo o objeto artístico poderá ser passível de dinâmicas pedagógicas, políticas e discursivas. Também relevante apontar que a Arte que ensinamos na Universidade é diferente da Arte, que circula no sistema e mercado de Arte, que é diferente da Arte que ensinamos na Escola. Trata-se do mesmo cerne (Arte), e no entanto, com objetivos e proposições diferenciados, (Lampert, 2009), o que pressupõe a construção de pensamentos e ações em instâncias distintas, que invadem práticas artísticas e saberes pedagógicos. Desta forma, minhas reflexões incidem sobre o tema do artista professor. O termo foi usado inicialmente por George Wallis, em meados do século dezenove, e vem sendo construído desde então, para firmar um retrato pedagógico da identidade associado a práxis do fazer/saber Arte. Desde então, uma rede de ações, textos/teorias e práticas foram desenvolvidas, para entender o processo de pensamento que discute o lugar do artista professor, que é um processo conceitual de ampliar um modo artístico e estético de pensar o ensino de Arte. Assim, conforme Joaquim, p. 148-151: O professor-artista surge, no campo da literatura em torno da educação artística, como uma figura na qual confluem diversas tensões que advêm do cruzamento de dois campos diferentes, o professor e o artista, fazendo com que quem nele se inscreva esteja sujeito também a essas forças [...]” “Assim se por um lado encontramos alguns artistas que se consideram professores, alimentando uma atividade da outra como algo essencial e inevitável. Por outro, temos artistas que desejam manter alguma distinção entre o seu lado artístico e o ensino, oferecendo algum entrave e distanciamento aos termos “educação” ou “ensino”. [...] Isto quer dizer que as tensões que rodeiam o termo professor-artista podem assumir várias formas, pelo que a pessoa que a ele se associa não terá necessariamente que se colocar numa posição rígida, podendo assumir uma força de expansão, algo em movimento.
Para Camnitzer (2015), a Arte foi deixada de lado pela Educação, porque supõe-se um instrumento emocional e expressivo, que utiliza uma simbologia imprecisa (quanto não totalmente subjetiva), por outro lado, se supõe que Arte não pode competir com a escrita e a matemática, e assim, seria incapaz de funcionar como algo útil, para que tenha a ver com o conhecimento. Assim, apontase para uma ideologia utilitarista do conhecimento. No entanto, Arte é uma forma de pensar, mais que um instrumento. No sentido amplo, não se refere apenas a objetos “sacralizados ou adorados" (que chamamos obras de Arte), não se trata de negar fantasia, mági-
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ca ou a capacidade de maravilhar-se com o que é produzido, mas há de enfatizar a capacidade de instaurar um pensamento visual com mais propriedade racional (mesmo que percebido como subjetivo). Do mesmo lado, Educação tão pouco deverá ter o sentido de ler, escrever e fazer cálculos, mas sim, 'formar' pessoas capazes de pensar criticamente, que sejam capazes de questionar e utilizar o pensamento criativo. Não sendo Educação, uma mera manutenção ou instrumento (também) de controle do status quo e manutenção do Estado. Assim, problemas geram respostas e respostas geram outros problemas, e isto obviamente, não cabe apenas no campo do ensino de Artes Visuais, e sim, trata da área de Educação amplamente. Refletese sobre a conjunção entre Arte e Educação, e a noção de que Arte tem que ser uma parte do processo. Não se trata de entender "Arte na Educação" isto seria ainda, seguindo as reflexões de Camnitzer (2015), um pensamento esquemático e fragmentado. Ler e escrever, não são atividades distintas de ver e desenhar, não é possível apartar conceitualização e questionamento de um processo de criação, desta forma, ter uma visão multi, poli ou interdisciplinar claramente amplia o repertório disponível para entender os elementos básico de um problema, e assim, Arte não pode ser uma disciplina ancorada em artesania ou fábrica de objetos, mas sim um meio ou lugar para organizar e expandir conhecimento, isto porque é um meio de transbordar e transgredir em diferentes áreas e metodologias, que questionam o próprio conhecimento e sistema. Trata-se de um exercício sobre o ‘duo’, sobre o duplo, no sentido de percorrer fronteiras, ciente do risco, não somente criar uma zona de contato entre o estúdio e a sala de aula, mas perceber em ações e dinâmicas, que é possível uma colagem. Compreende-se que a aula de Arte (Lampert, 2009), deverá ser um contexto multiplicador através da pluralidade de confluências existentes em seu cerne, assim, a colagem propiciaria estratégias conceituais e para Garoian e Gaudelius (2008, p. 23): Dada a posição da colagem como uma forma usada para atrair consumo, ela não é, coincidentemente, a forma de discurso mais amplamente usada pelos sistemas mediados de massa de televisão, publicidade, noticiário, cinema e Internet. Além disso, considerando o excesso de material visual disponível nos jornais, revistas e outras formas de cultura visual, virtualmente cada professor de sala tem empregado a colagem como um processo rápido, fácil e barato de produção de imagem para os estudantes ilustrarem o que eles aprendem em várias disciplinas acadêmicas.
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No entanto, a colagem poderá ser vista não como procedimento ou
meio somente de um fazer artístico tecnicamente concebido, mas sim, evidenciar a dimensão estética e narrativa, entendendo a colagem como um eixo conceitual que permeia a elaboração crítica do contexto. Na colagem há uma indecisão, narrativa de caráter representacional ou anti-representacional (seja qual for o caso), tratando-se de um emblema para a cultura contemporânea, assim é necessário que seja proposto ao ensino de arte uma atenção crítico/pedagógica sobre a colagem.
Assim, partindo da interação (ou integração) entre theoria, prá-
xis e poesis entende-se um princípio onde são acolhidos sentidos múltiplos que acabam por percorrer a tensão e a pulsão na Arte e Educação. Compreende-se que a pesquisa em Arte, que elabora um pensamento sobre o processo criativo, não acaba em um objeto artístico, e sim pressupõe a construção de um pensamento visual que pode ser subjetivado em meio às questões que permeiam a cultura visual. Desta forma, perceber o contexto relacional e o interstício social que a Arte pode apontar, e isto não é negar a expressividade artística ou poesia ou fantasia, como já foi dito, mas pressupõe entender a Arte como produção cultural.
Se pensarmos o artista e sua obra, a poética enquanto relação de
diálogo do processo criativo no fazer plástico e em correlação, pensarmos a questão do professor e suas articulações na ação pedagógica, certamente encontraremos processo criador. Não é o processo de construção plástica, mas sim a poética do ato criador exercido no cotidiano da sala de aula, isto denota pensar o processo artístico paralelo às questões que permeiam o ensino da Arte. Construir esta poética é tarefa árdua, é amarrar a área de conhecimento a implicações imbricadas no processo educacional. Levando-se em consideração que estas questões e tantas outras são trabalhadas nos cursos de formação, de acordo com Lampert (2005), é questionável o porquê ainda encontrarmos professores em escolas (muitas vezes recém formados) trabalhando de forma desconexa da realidade do aluno, sendo extremamente conteúdista, aplicando provas, propondo atividades meramente pelo fazer técnico, e sem fim educacional algum, ou por um mero valor cartesiano.
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Imagem 1: Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, 2014 – 2015. Estudos de modelo vivo, colagem, natureza morta e anthotypes. Foto: Acervo do Grupo.
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Arte como Experiência A constante interação entre sujeito e ambiente, juntamente com os resultados dessa relação, será o que constituirá uma experiência. Neste perspectiva, vale lembrar que Dewey fundou uma ESCOLA LABORATÓRIO, vinculada ao Departamento de Educação na Universidade de Chicago (1894 - 1904), onde a experiência era aproximada do contexto relacional dos sujeitos, e não evidenciada em disciplinas fechadas em conteúdos. Na relação entre a Arte e a Estética, o filósofo afirma que o trabalho poético, desenvolvido em uma perspectiva da filosofia da experiência, seria o clímax da sofisticação entre a união dos saberes – afetivo, intelectual e prático (DEWEY, 2002). Assim, as Artes oferecem vitalidade e aprofundam o conhecimento das experiências acumuladas, porque Toda arte envolve órgãos físicos, como o olho e a mão, o ouvido e a voz e, no entanto, ela ultrapassa as meras competências técnicas que estes órgãos exigem. Ela envolve uma ideia, um pensamento, uma interpretação espiritual das coisas e, no entanto, apesar disto é mais do que qualquer uma destas ideias por si só. Consiste numa união entre o pensamento e o instrumento de expressão. (DEWEY, 2002, p. 76).
É justamente na integração entre o pensamento e o instrumento de expressão que se pode esboçar uma ideia do que o autor nos comunica a respeito da experiência singular/estética. A experiência para Dewey é um processo do viver que relaciona-se de maneira intensa e contínua entre o mundo e o sujeito. Dessa relação brotam conflitos, resistências, impressões. Destes elementos, por sua vez, emergem as experiências, envoltas em ideias e emoções. É, portanto, neste conceito instaurado por Dewey que uma filosofia da experiência para a Arte/Educação contemporânea torna-se pertinente. A experiência singular é também uma experiência estética, tendo em vista que em ambas as experiências há consumação, e nunca cessações - como no caso de uma experiência intelectual. Neste sentido, a experiência intelectual é diferente da experiência singular/estética. A primeira tem como matéria-prima símbolos e signos, e exige uma conclusão, um encerramento. É justamente por sua natureza conclusiva que gera incertezas. Ao contrário, a experiência singular/estética reside em fluxos constantes, possui lugares de repouso, unidade, e o seu desfecho é atingido por um movimento ordeiro e orga-
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nizado. O material vivenciado, ao mesmo tempo em que é marcado pelas percepções, é transformado pelas experiências anteriores. “A conclusão é uma consumação, e não uma cessação. Esta experiência carrega um caráter individualizador e autossuficiente.” (DEWEY, 2010, p. 110) A experiência singular/estética é uma espiral, seu fluxo contínuo unifica a percepção entre o que é feito e o que é suportável; cria conexões com experiências anteriores – uma observação constante entre o que existiu, existe e existirá, o processo é vivenciado conscientemente. A ansiedade e as frustações, que fazem parte da vida cotidiana e estão presentes no processo criativo, não são impeditivas para que a inteligência organize a consumação da experiência pulsante; discernimento entre ações e desejos, não há dicotomias, fragmentações entre inteligência e sensibilidade. Tudo se relaciona, tudo está junto, é o próprio processo do viver unificado ao ambiente tomando consciência de si – esse conjunto consciente propicia ao sujeito uma experiência singular/estética. O estético, na filosofia da arte de John Dewey, não é um fator externo e que se “lança” para a experiência. Tampouco está relacionado ao luxo, ou é idealizado por qualquer corrente de pensamento transcendental. Para o autor, “o estético (...) é o desenvolvimento esclarecido e intensificado de traços que pertencem à toda experiência normalmente completa (...) estético refere-se à experiência como apreciação, percepção e deleite” (DEWEY, 2010, p. 125-127). O estético presente na experiência e que faz desta uma experiência singular/estética, possui uma forma distinta de operação. O estético torna a experiência consciente através da classificação do que é percebido – a consciência do conhecimento. Esse movimento de relações está sempre unificado, incorporado com a apreensão reflexiva de experiências anteriores. O material singular da percepção estética é o equilíbrio e a proporção. Estes materiais surgem da experiência, num primeiro momento das ideias, que proporcionam ao pensamento um carácter estético. A experiência se torna predominantemente estética quando seu desenvolvimento é controlado, ou seja, quando aquilo que é feito transmite a ideia que está sendo executada. A ordem e a realização existem e sinalizam o percurso da ideia, mesmo que assinalem o desvio e a ruptura (DEWEY, 2010). Dewey afirma que “a arte, em sua forma, une a mesma relação entre o agir e o sofrer, entre a energia de saída e a de entrada, que faz com que uma experiência seja uma experiência” (DEWEY,
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2010, p. 128). Como o artístico está relacionado ao ato de produção e o estético ao ato de prazer e percepção, uma obra acontece em sua completude quando o artista, ao trabalhar, assume essas duas atitudes transformando-a em uma só, ou seja, numa atitude artísticoestética. O artista, na concepção de Dewey, comparado a seus semelhantes, é alguém não especialmente dotado de poderes de execução, mas também de uma sensibilidade inusitada às qualidades das coisas. Essa sensibilidade também orienta seus atos de criação”. (DEWEY, 2010, p. 130).
Essa sensibilidade do artista está diretamente relacionada ao seu modo de pensar acerca das coisas do mundo. O artista não apenas reconhece as coisas, ele as vê, e das suas observações sobre as coisas do mundo, constitui sua percepção. O artista apreende a conexão entre o que ele está pensando e o que fará em seguida. O artista vivencia na sua consciência o efeito da sua obra. Se ele utilizar deliberadamente os materiais, não saberá a derivação do seu trabalho. Eles são veículos, não a matéria-prima para produzir a obra. O veículo, diferentemente da matéria-prima, é sempre uma forma de linguagem, expressão e comunicação. Porém, o veículo só encontra formação quando entra em contato com a consciência e a habilidade de um indivíduo. O que está em questão é o controle do desejo. Na ideia inicial até será possível pensar em tudo, mas o “tudo” não é possível na relação que se pretende produzir - o artista encontra os obstáculos, as dificuldades da produção. Saber produzir neste limite da existência humana é aprender que a relação entre pensar e agir, culminando em uma experiência singular/estética e compreendendo que experiência não é uma soma entre o emocional e intelectual, mas que ambos ocorrem inseparavelmente, é uma das modalidades mais exigentes do pensamento. Chegar na consumação desta experiência é proteger o trabalho de uma mera sucessões de excitações (DEWEY, 2010). Sendo assim, a experiência singular/estética presente nos escritos de John Dewey é o lugar onde o autor nos esclarece sobre a proximidade desse conceito com o campo das artes e do trabalho do artista.
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GAROIAN, Charles R; GAUDELIUS, Yvonne. Spectacle pedagogy art, politics and visual culture. Pennsylvania: Penn State University, 2008. JESUS, Joaquim Alberto Luiz de. (IN)VISIBILIDADES: um estudo sobre o devir do professor-artista no ensino em artes visuais. 2013. 260 fls. Tese de doutoramento. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 2013. Disponível em: <http://dea.nea.fba.up.pt/sites/dea.nea.fba.up.pt/files/INVISIBILIDADES_3_se m_pagina_anexos_FINAL.pdf.>. Acesso em: 30 de agosto de 2015.
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LAMPERT,Jociele. Arte Contemporânea, cultura visual e formação docente. 2009.159f. Tese (Doutorado Escola de Comunicações e Artes - ECA) Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.
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ENTREVISTA
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Entrevista com a Artista Professora Lilian Amaral concedida ao Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke. Entrevista com a Artista Professora Lilian Amaral realizada por Fábio Wosniak, na Lake House da Professora Jociele Lampert, em Florianópolis, no dia 09 de outubro de 2014, na ocasião de sua vinda para a Aula Ação “Cartografias Artísticas Territórios Poéticos: dispositivo disparador”, promovida pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke.
Lilian Amaral: Artista Visual, Pesquisadora e Curadora Independente. Pós-Doutora em Arte e Cultura Visual | Bolsa PNPD da CAPES junto ao Programa de Pós-Graduação. Em Arte e Cultura Visual da UFG. Pós-Doutorado em Arte, Ciência e Tecnologia pelo IA/UNESP. Doutora em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2006-2010) e Universidade Complutense de Madrid/Espanha. Fonte:http://lattes.cnpq.br/9200107012768155.
Entrevistadores [E]: Como você traça seus percursos, alinha suas pistas, para realizar os seus trabalhos? Lilian Amaral [L.A.]: É muito interessante esta questão porque não existe um método a priori, existem os acontecimentos. Os acontecimentos são indícios de atravessamentos por espaços geográficos e afetivos que de alguma maneira causam algum tipo de perturbamento de uma ordem. Ou seja, de repente encontro com alguém ou algum lugar me inquieta. E aí se estabelece um desejo de aprofundamento. E: Você poderia exemplificar como acontece essa inquietação? L.A.: Sim. Um trabalho que eu fiz com o grupo da Espanha, Idensitat, quando da bolsa sanduiche no Doutorado pela ECA USP e Universidade Complutense de Madrid. Fui para Espanha seguido de um encontro em Porto Alegre sobre cidades criativas, quando convido o curador do projeto Idensitat, Ramon Parramon para discutirmos entrecruzamentos entre contextos criativos e urbanos.. E, lá na Espanha, eu já havia convidado-o a conhecer o Brasil da seguinte forma: queria que você conhecesse o Brasil, conhecesse São Paulo, mas não pelos seus espaços icônicos, como a Avenida Paulista ou museus como a Pinacoteca; queria que você conhecesse São Paulo pelas bordas!'. Eu desejava que ele tivesse uma experiência imersiva na Zona Sul, de onde emerge uma questão da cultura juvenil que considero extremamente muito importante de ser conhecida, estudada
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como fenômeno urbano, traços identitários de uma megalópole latino americana, a partir daquilo que está fora do campo de visibilidade, do meio conhecido e consagrado. E: E como foi desenvolver este projeto, com o Curador do Idensitat? L.A.: Ele foi para Porto Alegre e conseguimos o apoio do Sesc para que ele viesse para São Paulo após sua participação no Seminário Cidades Criativas organizado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre e o Santander Cultural. Nós ficamos uma semana imersos e em interlocução com as pessoas – artistas e não artistas - da Zona Sul. Um grupo de artistas do Coletivo Imagem, do Bairro Grajaú, da ponta da ponta - que São Paulo é uma coisa assim, parece um cachorro que tem uma pernona para baixo, e é quando acaba o mapa, aí já é toda cercada de água que é a Represa Guarapiranga. O pessoal advertia: 'Nossa, ele vai ter estresse cognitivo, porque é muita informação nova para o estrangeiro'. É assim, terá conteúdo para ficar refletindo a posteriori. Eu tive como experiência pessoal o fato de minha mãe ser professora de escola pública na periferia paulistana, foi professora alfabetizadora. Não era da área de Artes, mas sempre usou a imagem para alfabetizar e era muito competente na alfabetização de seus alunos. A direção e coordenação pedagógicas da escola sempre perguntava qual era sua metodologia. Investigando seu percurso de formação e processo metodológico descubro que ela havia feito um curso com a Ana Mae Barbosa, nos anos 70, curso de formação continuada oferecido pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Nele, a imagem era discutida como importante instrumento no processo de alfabetização visual da criança. Minha mãe fazia uso da imagem, utilizava os recursos tecnológicos da época e promovia uma ampla leitura do entorno, leitura de mundo junto aos alunos. Desta forma, seus alunos sempre eram os primeiros da escola a iniciarem o processo de escrita e leitura, com um rico repertório que chamava a atenção da comunidade escolar, além de trazer para além dela, ou seja, extrapolando o contexto local e reverberando aquela realidade sociocultural para outros entornos. Foi desta maneira que fui sendo apresentada à periferia da cidade e suas demandas. Este é o “empoderamento” que começa lá, com minha mãe atuando na periferia, que me deixou um registro na minha cartografia afetiva da Zona Sul, o qual quis atualizar e compartilhar com esse pesquisador espanhol. E, em função da imersão realizada e dos conteúdos que se desdobraram
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da experiência urbana, fomos instigados a pensar em um projeto “coelabor-ativo”. Ramon Parramon veio em setembro de 2009 e elaboramos um projeto que foi aprovado pelo Ministério de Cultura da Espanha e realizado em SãoPaulo em 2010 e 2011. O Centro Cultural da Espanha, em São Paulo foi a instituição que abrigou sua realização com seminários e discussões acerca de percursos imersivos no território, com coletivos brasileiros em diálogo com coletivos internacionais, com proposições de projetos conjuntos. Conseguimos realizar a primeira parte – seminários e workshops, os quais inspiraram a criação de propostas a serem desenvolvidas posteriormente. Como a Espanha entrou em crise financeira, tivemos que contar com apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo para, no ano seguinte, realizarmos os projetos desencadeados pelos seminários e workshops internacionais. O local de realização foram as Oficinas Culturais Oswald de Andrade, na região central da Luz e Bom Retiro. Nesse meio tempo, a diretora do Centro Cultural da Espanha propõe que olhássemos para uma situação que estava em pleno processo: o intenso fluxo de imigrantes, especialmente latino americanos e africanos, fixando-se ilegalmente na cidade. Nosso projeto tomou outros contornos e passamos a considerar a periferização do centro da cidade, face aos processos de especulação imobiliária e o abandono destas zonas centrais do tecido urbano. Como poderiam as práticas artísticas revelar estes lugares – reais e afetivos – em transformação? E: E como é para você ser Artista Professora Pesquisadora? L.A.: O Artista Professor ou Professor Artista assume e cultiva uma atitude investigativa, de escuta, sustentando as incertezas em lugar de recusá-las, extraindo delas e dos conflitos sua potencialidade criativa e sua força de resistência cultural, atribuindo valor às dúvidas, buscando perceber as singularidades dos sujeitos, as especificidades do processo em meio ao qual está imerso. Atua assim, em uma plataforma que por não estar definida de antemão, então pode dar-se a partir dos elementos existentes e com as respectivas características e contribuições, com a duração da interação com o sujeito e os contextos que os sustentam. A plataforma de mediação que sustenta então as práticas artísticas no campo ampliado da cultura e educação, ao agregar e dinamizar os interesses e vozes polifônicas envolvidas, tem um potencial de configurar-se como lugar de encontro criando arquiteturas de relações. É nesse lugar transitório e consciente de sua posição
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inter e transterritorial que o Artista/Educador, Educador/Artista, Professor/Artista/Mediador/Cartógrafo, busca provocar, estimular e articular os diversos repertórios, códigos, inquietações dos sujeitos e suas relações entre si e com os contextos dos quais se inscrevem. Proponho então, trazer para o lugar do encontro as camadas e os códigos, linguagens, desejos e visões de mundo dos indivíduos, grupos sociais e contextos, criando um campo relacional no qual todos esses componentes configuram-se como plataforma sobre a qual se desenvolvem os processos e os dispositivos da Arte Contemporânea como práxis cartográfica e de mediação. Portanto, os recursos que compõem a referida plataforma poderão, ao longo do processo, produzir novas e flexíveis experiências. inter e transterritorial que o Artista/Educador, Educador/Artista, Professor/Artista/Mediador/Cartógrafo, busca provocar, estimular e articular os diversos repertórios, códigos, inquietações dos sujeitos e suas relações entre si e com os contextos dos quais se escrevem. Proponho então, trazer para o lugar do encontro as camadas e os códigos, linguagens, desejos e visões de mundo dos indivíduos, grupos sociais e contextos, criando um campo relacional no qual todos esses componentes configuram-se como plataforma sobre a qual se desenvolvem os processos e os dispositivos da Arte Contemporânea como práxis cartográfica e de mediação. Portanto, os recursos que compõem a referida plataforma poderão, ao longo do processo, produzir novas e flexíveis experiências. E: Como você brasileiras?
avalia
o
lugar
do
Artista
nas
Universidades
L.A.: Retomando o início da nossa conversa, tudo isso tem a ver com o entendimento das dinâmicas, do movimento, de como o lugar do Artista, Professor, Pesquisador, Curador é um lugar movente, de relações que vão legitimando um discurso e tornando visível o seu estar no mundo, em um espaço habitado, com as suas corporeidades, no corpo da cidade. O urbano está no centro dos debates atuais que implicam diretamente o engajamento dos sujeitos na produção das cidades contemporâneas. Descentralizados e estrategicamente desocupados por táticas que geram degradação urbana promovidas pelas elites imobiliárias ao longo das últimas décadas, os centros urbanos, sobretudo na cidade de São Paulo estão sendo reocupados, tanto pelo capital como pelos movimentos sociais e culturais de foco político. A elite, que nos anos 70, promove a deterioração e abandono do centro urbano da cidade de São Paulo, por exemplo, e após
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quarenta anos, “revitaliza”, [como se não houvesse vida ali! ], revendendo as áreas centrais, obtendo lucros imensos, a que chamase de processo de gentrificação, higienização urbana, ou seja, devido ao aumento do valor imobiliário, os espaços tornam-se inacessíveis, caros, deslocando as pessoas dos lugares centrais da cidade para realocá-las, quando não expulsá-las, para zonas periféricas, onde ainda haveria espaços menos valorizados. Para tais elites, ocupar, em uma abordagem de revitalização, significa colocar um outro preço sobre o mesmo território, revalorizar e revender, lucrando enormemente com os deslocamentos de pessoas cujos vínculos e histórias são deixadas para trás. O discurso adotado é 'Vamos requalificar decentemente', mas para quem? Sengundo a lógica engendrada pelo capital imobiliário a rua é entendida [ou produzida] como o lugar do vazio, do litígio e assim, a Cracolândia ocupa esse espaço que é o da enfermidade social, doença pública, da prostituição, da loucura. É o espaço de ninguém, o espaço da criminalidade, da violência. Esse espaço foi “construído”, criado, planejado para entrar em deterioração a partir dos interesses imobiliários das elites, das empreiteiras e das famílias que usam o próprio território como forma de movimentação do capital, cada vez mais transnacional. Desta forma, a requalificação de tais espaços, não raro, articula-se a planos de marketing urbano envolvendo a assinatura de arquitetos 'estrelas', criadores de cidades genéricas onde o espetáculo, por meio de edifícios maravilhosos, teria a função agregar valor ao discurso bem como angariar a aprovação pública. Quando entendemos que o centro estava passando por um processo de periferização, esgarçamento, decidimos deslocar o foco da discussão e da prática artística da periferia da zona Sul paulistana - Santo Amaro/Grajau - para a região do Bom Retiro, Luz, Campos Elísios. Anos atrás minhas investigações já estavam focadas na questão de que na Zona Sul desenvolvia-se movimentação cultural intensa e coincidia com um projeto onde o SESC que estava criando uma nova unidade. Isso pressupôs uma pesquisa, 'Santo Amaro em Rede Cultura de convivência', e neste contexto fui convidada para falar de redes e passo a conhecer um grupo de sociólogos, antropólogos do Instituto Pólis, pesquisando junto com os moradores do território para iniciar um processo cartográfico, tendo como disparadoras as questões: 'Quem somos nós? O que queremos?', mapeando, trabalhando nessa perspectiva cartográfica. Percebi, então, que já havia indícios e descobertas que estavam acontecendo naquele lugar com relaçãoàs práticas artísticas como forma de construir e habitar os espaços da rua, implicada com as articulações entre linguagens, envolvendo apropriações dos espaços públicos, projeções de cinema nas quebradas e na laje, dança na rua, o grafite, hip hpo, saraus literários, poesia no boteco., teatro e performance, deslocando o
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interesse da cena e ativação cultural para as margens urbanas. Esta vitalidade se dará em torno da cultura juvenil e dos coletivos transdisciplinares, que em sua maioria irão consolidando-se a partir dos fomentos e editais promovidos pela Secretaria Municipal de Cultura, por meio de projetos como Redes e Ruas, que funcionaram como acupunturas sociais urbanas, promovendo a criação, formação, circulação e apropriação dos espaços da cidade. E: E sobre o projeto Cidade Criativa em Porto Alegre? L.A.: O Santander Cultural e a Prefeitura da cidade de Porto Alegre me convidaram para integrar o projeto de Cidade Criativa por meio da curadoria da área de as Artes Visuais, que juntamente com o Design e o audiovisual comporiam o foco das indústrias criativas em debate. Convidei um curador de Barcelona, ao lado de outros especialistas espanhóis convidados para discutir as demais áreas. Com apoio para trazer o curador de arte pública de Barcelona, Ramon Parramon, havia um caminho e um bom pretexto para levá-lo para São Paulo. Neste contexto, mergulhamos na Zona Sul. Poucos meses depois, quando nós desenvolvemos um projeto co-autoral e este foi aprovado pelo Ministério de Cultura e governo da Espanha, tivemos a percepção de que o centro estava precisando muito mais do trabalho de 'acupuntura' cultural do que aperiferia, que nos parecia, a princípio, estar mais desassistida, o que na verdade, o que acontecia era o oposto. A cartografia artística, cultural permite operar, experienciar e visibilizar espaços de sombra. A prática artística, com e na cidade, pode ativar a energia desses lugares promovendo discussões, ocupações, intervenções, construções, tornando-os apropriados e visíveis de inúmeras formas.. Neste contexto emerge o projeto 'iD Bairro', derivação do projeto Idensitat que vinha desenvolvendo, há alguns anos, projeto na Catalunha, muito ligado ao território específico, a que definimos como ultra local. ID, de identidade, é a identidade do bairro, da experiência cotidiana, da rua.. A escola é um equipamento fantástico para atuação do artista na comunidade, no território. Fui atravessada pelas discussões sobre Cidade Criativa e Porto Alegre queria ser uma Cidade Criativa, a partir do quê pode desenvolver políticas públicas [muitas vezes permeadas pela lógica neo liberal], angariando recursos da UNESCO para tais processo. Observamos que na Zona Sul de São Paulo, na periferia a Cidade já era criativa, e nós estamos vendo e deixando o centro da cidade
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deteriorar-se, desvitalizar-se. Então essa ideia de centro e periferia já não se sustentava, temos vários centros e várias periferias que transitam, se tocam e se trocam. Tenho um texto aqui que queria ler, que é o final dessa conversa. Tem a ver com o que a gente conversou, que é 'Arte como experiência,a compa+rtrilhamento e exercício de alteridade'. Eu estou falando da questão do lugar da Arte na cidade, estou falando da complexidade e dessa questão de estar no mundo, estar na cidade com essas noções de tempo e transitoriedade, uma condição humana contemporânea, não uma escolha. Então, isso é um pouco do antecedente do que eu estou trazendo. Nesse panorama complexo, a figura do Artista Mediador, do Artista/Professor/Pesquisador/Cartógrafo ou, como nos aponta Rita Irwin 'o Artógrafo', reveste-se de um relevo especial como um sujeito-chave nos processos de intercâmbio cultural, compartilhamento de saberes e geradores de experiências, contribuindo para a dinamização das interações e redes sociais por operar na articulação e no agenciamento da criatividade social, ação coletiva e práticas artísticas. Alargar a reflexão na configuração de campos de conhecimento, partindo das relações entre Arte Contemporânea e processos de mediação, extrapolando-as, revela um esforço em tratar o Ensino e a Mediação como um campo do saber associado a diversos gêneros artísticos, parecendo ser produtivo considerá-la não como disciplina, sem lugar discursivo definido, justamente por entender que enquanto procedimento interativo reflexivo moldado a inúmeras variáveis e negociações pertinentes, posiciona-se e desenvolve-se em zonas intermediárias, intervalares, de traçado difuso entre as coisas, os saberes, as pessoas e entre essas os territórios. Talvez essa identidade transitiva e transterritorial, seja justamente o seu principal atributo no campo cultural. Pierre Bourdieu, ao elaborar a teoria dos campos, estabelece que toda a organização social está estruturada por uma série de espaços que têm suas regras próprias e leis de funcionamento, onde relações de forças se estabelecem entre os diferentes agentes que intervêm, e a posição que nele ocupam. Segundo Ortega, daí que se possa falar em campo artístico, campo educativo, campo cultural, campo político, campo científico. Complementando tal concepção e seguindo a mesma linha de abordagem, Drummond aponta que os campos são constituídos de produtores, consumidores, distribuidores de bens em estâncias legitimadoras e
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consumidores, distribuidores de bens em estâncias legitimadoras e reguladoras, cuja as características, regras e conformação, variam de acordo com a sua história e relação com campo de poder. Bourdieu analisou o campo da produção cultural e sua luta pela autonomia e legitimação, e como esta é a inseparável luta que estabelece no setor dominante, quando entende a cultura como uma forma simbólica conectada ao poder, domínio e distinção. Esse alargamento em relação a sua afirmação como área de conhecimento, tende a potencializar e a ampliar a performance naquilo que ela tem como proposta de prática crítica. Para promover relações significativas entre sujeitos e contextos, não corresponde assim, a uma suposta anulação de conflitos e insucessos, opostamente ao abrir mão de estratégias apriorísticas e apaziguadora”. E: Cartografias, entrecruzamentos, entrechoques, estes são os campos ou espaços de atuação do Artista Professor Pesquisador? L.A.: Espaços de entrecruzamento, entrechoques, recodificações, negociações cartográficas dos sentidos. Os contextos passam a ser entendidos como categoria abrangente, podendo incluir conjuntos de saberes, manifestações culturais, produções artísticas, tradições, fenômenos sociais e naturais, objetos, códigos, repertórios, enfim, tudo aquilo que integra o universo cultural material e imaterial, histórico conceitual, passível de análise, de interpretação e rearticulação. O Artista/Educador o Educador/Artista/Cartógrafo transita por esses territórios, experimentando estabelecer recortes e investigações em campos e sobre temas de interesse coletivo, desenvolvendo a cada plataforma experienciada, ou plano cartográfico, formas de aproximação e provocação de diálogo entre os sujeitos e o mundo. O processo de mediação proposto por tais práticas cartográficas, colocará em relevo determinados conteúdos e proposições em detrimento de outros, considerando-se a formação e o repertório do Artista/Professor/Cartógrafo. O que está em jogo é compreender o seu papel de forma alargada, não propriamente como especialista neste ou naquele campo, justamente por nunca perder de vista as zonas de fronteira e intersecção entre os saberes, interterritorialidades de espaços e tempos. É exatamente este o seu campo de atuação e onde agencia os lugares de encontro, ao articular passagens de operações que se dão entre diversos territórios, espaços, intermeios geopoéticos, estabelecendo ,assim, cartografias dos sentidos subjetivos, no coletivo. O Artista/Mediador/Cartógrafo é um observador atento das dinâmicas interpessoais que alinhava os modos de perceber dos sujeitos e os objetos com os quais interage, sendo também um propositor. Ele nãositua-se somente nesse lugar, ele é alguém que tem algo a disparar. Por essa razão, as noções de identidade e alteridade, reciprocidade, negociação, deslocamento, recombinação, flexibilidade, reconhecimento, recodificação, significação, lhe são
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tão caras, posto que contribui para o agenciamento de experiências coletivas. O reexistir, o refundar. No momento em que algo que era 'eu' transforma-se em 'nós', temos que refletir sobre que sentido que as coisas passam aqui. Privilegia assim, a experiência, interação e o compartrilhamento. Permeada por diálogos, negociações e interpretações, acordos de divergências, a experiência da Arte expandida no campo cultural, adquire um valor em si, distanciando-se da perspectiva utilitarista e instrumental que tenderia a reduzi-la à mera condição de transmissora de informações e explicações. Que é o que a escola espera do professor. Permeada por uma ética do compartrilhamento o Artista/Professor/Cartógrafo, neste contexto, busca deflagrar e impulsionar situações nas quais os sujeitos envolvidos participem de maneira efetiva e singular das experiências e discussões em processo, expondo e contemplando seus múltiplos pontos de vista. O que ele faz, é ser esse sujeito capaz de todo mundo trazer, todo mundo olha e devolve, esse é talvez o saber que ele tenha, não é?! Instaurando uma integração alocêntrica. Então, eu estou trazendo algo que Ana Mae e eu debatemos, que é essa integração alocêntrica, que foge de um centro predeterminado, se organiza por meio de centros emergentes e que conta também com a participação do observador/ator/aluno, para criação de múltiplos centros organizativos. Não existe um centro na periferia, existe um intercâmbio, uma coisa como se fosse as células de um orbital. Parece complicado, mas é esse processo que Ramon Parramon, curador do Idensitat, Artista Visual e curador de Arte Pública Relacional Contemporânea na Espanha, chama de ações reversíveis, e que a chamamos de cartografia dos sentidos, com base na interterritorialidade, que vai além da interdisciplinaridade. Assim, propiciasse uma pluralidade de falas de movimentos, de deslocamentos que caracterizam a qualidade da dinâmica cartográfica mediadora da experiência, proporcionando efetivos espaços de intercâmbio e alternância de hierarquias entre os diversos interlocutores, instigando uma escuta atenta e ao exercício de alteridade. ” Essa narrativa é texto, processo, escrita que vai e volta. Parte dele está no Doutorado e se desdobra em novas pesquisas e reflexões, derivações em outros dois projetos de Pós-Doutorado. A discussão do texto me interessa pensar, porque tira da camisa de força deste lugar que é o da cartografia artística ou da cartografia social ou da cartografia educativa ou da cartografia digital. Eu estou articulando diversas questões em âmbitos narrativos, da dilatação, da suspensão, e ao mesmo tempo da processualidade, da colaboração e do compar-trilhamento, a questão é permeada pelo vínculo e pela ética. Porque ensino-aprendizagem tem a ver com vínculo e com ética, a gente não ensina porque não quer, e você não estabelece, não instaura um processo de conhecimento quando ele não existe em uma base de interesse mútuo. Nossa comunicação se dá na medida da artografia, neste lugar de uma construção, narrativa, escrita colaborativa, coletiva e compartilhada. O Artista/Professor/Pesquisador, nesta condição de mediador / cartógrafo, tem seu trabalho ancorado no coletivo, tecido e produzido em conjunto. Não daria para fazer de outro jeito, não só soaria falso como não seria possível, esse tipo de prática implica um estar poroso para os acontecimentos.
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TRADUÇÕES
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Las Esculturas del IENBA Significado y motivaciones¹ Silvestre Peciar Basiaco² (IENBA)³
As Esculturas do IENBA Significado e motivações4
Na época da globalização tecnológica, fazer escultura, que sentido tem? A escultura vem da história; é um meio histórico: primitiva, manual, artesanal; trabalhosa; rude, corporal; íntima do barro, da madeira, da pedra. Ou seja: utiliza a natureza tal como aparece “ao natural”; e se sujam as mãos, se transpira no esforço, necessita-se experiência e persistência; é demorada a conclusão e cansa: cansa muito. A escultura não é uma elucubração intelectual: é trabalho. Dizem que no jardim dos Médicis, na Florença do século XV, bateu na porta um jovem que disse querer fazer arte. Perguntaram-lhe com que instrumento: com o pincel? Com a pena? Com a cítara?... O jovem mostrou um martelo. (era nada menos que Miguel Ângelo).
¹ Texto lido por Silvestre Peciar Basiaco na abertura da exposição ocorrida no Ministério das Relações Exteriores do Uruguai em 2013; com referências às Esculturas em grande escala, realizadas por estudantes e docentes da IENBA, expostas por sete meses na Avenida '18 de Julio' em Montevideu. ² Silvestre Peciar Basiaco é artista/educador uruguaio/brasileiro, nascido em Montevidéu em 1935, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes em 1949, sendo discípulo do 'Maestro' Miguel Angel Pareja. Na Itália estudou escultura na Academia de Perugia. Foi docente no ensino médio. Formou parte do grupo de artistas plásticos “La Cantera”.
Foi professor na
'Escuela Nacional de Bellas Artes' e na Universidade Federal de Santa Maria. Realizou varias exposições individuais e coletivas. Seu interesse é a educação estética da comunidade através de murais e monumentos públicos que eduquem e melhorem a qualidade de vida de toda a coletividade. Investiga tanto as técnicas tradicionais como as atitudes contemporâneas que a docência obriga a refletir. Recebeu em 2016 o título de Professor Emérito pela “Escuela Nacional de Bellas Artes – Universidad de la República”. ³ IENBA: Instituto 'Escuela Nacional de Bellas Artes'- Universidad de la República. 4
Tradução: Juliano Siqueira, docente na Universidade Estadual de Londrina e doutorando em
Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina.
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Na era da conquista sideral, dos computadores, das bombas atômicas, da velocidade que vence ao tempo, para que fazer escultura, este gesto tão antigo? Há tradições que atravessam as idades: podemos prognosticar que as tecnologias mais sofisticadas de hoje, serão ultrapassadas amanhã. De momento, a ovelha Dolly já morreu, mas os irmãos Karamazov estão mais vivos do que nunca. Há algo que permanece na arte, que permanece na escultura, que permanece no Homem de todos os tempos: a Liberdade, a Solidariedade, a Criatividade, a Expressão, a Imaginação, a necessidade de Harmonia. Herdamos este mundo desajustado onde se esquece da beleza. O analfabetismo estético generalizado isola aos criadores da arte em um gueto reduzido e os converte, mesmo contra suas vontades, em uma elite. Todavia a arte universal não é só para as elites como foi algumas vezes no passado; cremos que deve ser para todos: a arte é um direito humano, simplesmente porque ”não só de pão vive o homem”. O IENBA tem uma missão social socializante: a educação. Educa ao artista em sua formação como criador. E deve educar o público para fazer sua a riqueza da cultura. 5 Fez-se a Reforma do IENBA com este fundamental conteúdo 6 educativo, como disse o “maestro” Miguel Angel Pareja : “viver para a arte; e não viver da arte”. Um princípio estético, ético e social. Antes da Reforma, nos prometiam “viver da arte” e assim escalar a pirâmide do poder, do prestígio e da economia para poucos. Todavia existem os enfeitiçados que usam a arte como uma alavanca na sociedade de classes. O feitiço é tão venenoso que não percebem como perdem sua liberdade seguindo a moda e adorando o bezerro de ouro.
5
Reformulação curricular da ENBA (Escuela Nacional de Bellas Artes) com origem em 1958 e
implementada de 1960 até o fechamento pelo governo militar durante o processo da ditadura. 6
Miguel Angel Pareja (1908-1984) pintor nascido em Montevidéu, estudou com Roger Bissiere
na Academia Ranson de Paris (1937); expõe em Paris em 1945 a convite da UNESCO; ingressa como professor da ENBA em 1946; Recebe vários prêmios nas décadas de 1940 e 1950 e expõe na primeira Bienal de São Paulo (1951); Em 1954 trabalha na Escola de Mosaico e Cerâmica de Paris, dirigida por Gino Severini; realiza em 1956 em parceria com Fernand Léger os mosaicos públicos do Memorial en Saint Lo, Normandia e no Gas de Francia. Realizou diversas exposições e obras públicas no Uruguai e dedicou-se ao ensino no Taller de Mosaico da ENBA.
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O IENBA se propôs uma “arte popular”7: o sonho profético de todos os socialistas. Uma arte de educação popular independente da tentação consumista propiciada pelos centros hegemônicos estrangeiros. Como as crianças que cantam e dançam; que pintam e modelam sem intermediários tecnológicos alienantes, vivem a vida criativa e sonhadora, a partir de materiais naturais e de seu próprio sentir livre. Nesse sentido, o IENBA faz esculturas e coloca na rua, “aí onde o homem comum passa e olha”. Esculturas nas ruas que são de âmbito comunitário; hoje dominadas e monopolizadas pelos traficantes com sua loucura publicitária; âmbito que deve voltar a ser de todos: das árvores, das crianças, da arte. Uma arte pública para decorar a vida, para dar-lhe significado, para demonstrar que há algo mais e superior, que o poder e o dinheiro. Estas esculturas são o estudo e o trabalho de estudantes e docentes do IENBA; de onde os esforços são em parceria colaborativa; de onde se compartilha a aprendizagem e a horizontalidade do fazer sem hierarquias, com o objetivo comum de ser uma presença coletiva cultural. Sim, seguimos utópicos, somos românticos, queremos a mudança. As esculturas são portadoras de uma mensagem sem pretensões, de leitura acessível, não vendem nem promovem nada. Num mundo de interesses, são gratuitas: pertencem àqueles que as olham e são deixadas ali para que outros a possuam olhando-as. Vão até o observador curioso, não só à análise erudita dos críticos; se não também às crianças. E cuidado com a aparente modéstia e a escassa promoção jornalística: outra coisa séria, as mesmas obras em mármore ou bronze, reveladas em edições internacionais com a intenção de encontrar compradores. Não representam deuses, reis ou generais; representam as coisas cotidianas: um cavalo, um gato, uma boneca quebrada que, todavia baila. Estão feitas de materiais não luxuosos: cimento, madeira e latas. Merecem um lugar fixo no bairro, na escola, no escritório público. Podem deteriorar-se com o tempo: mas faremos 7
Arte popular neste contexto se refere a uma arte acessível a todas as pessoas e integrada
com o cotidiano; realizada por artistas com formação acadêmica ou não.
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outras porque a criatividade não se apaga, vive na gente, sempre renovada. Estas esculturas levam uma mensagem de harmonia; podemos até dizer de alegria, inclusive com um toque de humor. Estão dessacralizadas, ao alcance da mão. Na apreciação da escultura estão os olhos e o tato, porque na escultura os olhos tocam; sentese a textura, o peso e o volume nas próprias mãos, assim como se vê o desenho e a cor. Estão feitas com a alegria de criar, que é uma atitude muito séria. Tudo começa de forma nebulosa no contato com a matéria; deste caos surgem espontâneas as idéias intimamente ligadas às formas. As formas vão surgindo do caos: ordenam-se na geometria e o sentimento a comunicar se faz escultura no processo. A inspiração está no processo. Depois vem a reflexão no diálogo consigo mesmo, com o docente e com os colegas. No IENBA está a responsabilidade individual e a responsabilidade coletiva que nos une e nos anima: sem deixar o “eu” sentimos o “nós”. Como dizia o companheiro docente Jorge Errandonea: “ouvimos nossa própria voz agigantada pelo coro”. É que Jorge era um libertário. O coro não é perfeito: alguns gritando destoam; outros não se ouvem. A harmonia em liberdade deve ser conquistada diariamente. Mas somos muitos e o coro está sempre se aperfeiçoando.
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Defesa de Dissertação de Mestrado em Artes Visuais de Luciana Finco =132= Acervo do Estúdio de Pintura Apotheke
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What will I teach? O que eu ensinarei? Nick Jaffe, Becca Barniskis & Barbara Hackett Cox Tradução livre: Fábio Wosniak. Doutorando UDESC – 2015.2. Disciplina: Sobre ser Artista Professor. Profa. Dra. Jociele Lampert. Tradução do capítulo I do Livro: JAFFE, Nick; BARNISKIS, Becca & COX, Barbara Hackett. Teaching Artist Handbook, V. I:Tools, Techniques and Ideas. Chicago: Columbia College Chicago Press, 2013, p. 03-14. O que eu ensinarei? No seu melhor, o trabalho do artista professor é similar ao fazer arte no que significa ser inventivo, improvisador e flexível. Para ensinar dessa maneira, precisamos conhecer nosso meio e quaisquer outras áreas a partir das quais desejamos ensinar em combinação com nosso próprio contexto. Também precisamos ter uma atitude de curiosidade sobre ambas as áreas, aquela com a qual já somos familiarizados e aquelas que desejamos saber mais sobre. Esta combinação de saberes e curiosidades sobre o que ensinamos é o que permite artistas professores (e todos bons professores) engajarem os estudantes em aprendizagens dinâmicas e emocionantes, e fazer arte para estimulá-los a desenvolver e buscar ideias originais. O ensinar e o fazer arte também compartilham outra característica. Eles tratam amplamente sobre identificar o que é essencial em um determinado contexto. O poder do artista reside, parcialmente, na habilidade para identificar o que é essencial para uma ideia, uma visão, associação ou característica funcional e, a partir disso, o que pode ser comunicado, incorporado ou desenhado em um meio. Similarmente, o artista professor, ou qualquer bom professor, realmente deve identificar quais técnicas, conceitos e processos em uma disciplina são essenciais para ensinar em um determinado contexto. Com isso, os estudantes poderão fazer um trabalho melhor, original, desenvolvido com sucesso, que amplie suas experiências e conhecimentos anteriores. O que você decidir ensinar importa. Esta é a decisão mais significativa que você pode fazer como um artista professor. Ela informa todo o aspecto do seu ensinamento e é sempre o lugar para começar quando você se dirige a uma nova situação de ensino. Também é válido retornar para esta questão e reexaminar o que importa para você enquanto desenvolve sua prática como artista e professor.
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Deixar claro o que você quer ensinar é essencial, melhorando não apenas sua própria prática de ensino, mas a prática de outros – estudantes em sua sala de aula, professores, outros artistas e o campo da Educação em Artes em geral. Este capítulo é sobre decidir o que você quer ensinar através de um processo de descoberta (ou redescoberta) e ir nomeando as habilidades e conceitos em seu meio que você pensa ou acha que são mais importantes e interessantes de ensinar, encontrando novas áreas que você gostaria de investigar. Em última análise, a questão “o que ensinar” está entrelaçada à questão “como ensinar”. Você encontrará algumas sobreposições entre este capítulo e o capítulo 2. Desse modo, você poderá ir e voltar entre os capítulos enquanto for desenvolvendo suas ideias sobre currículo e experimentando-as com o planejamento. Este capítulo inclui um ensaio crítico que objetiva colocar a questão da maneira do que se quer ensinar em um contexto amplo, assim como limites específicos e questões desenhadas para ajudar você a pensar sobre sua forma de arte em um modo muito concreto. Ele também inclui uma série de exercícios/ferramentas com uma gama de exemplos para ajudar você a fazer o seguinte: - identificar sua própria especialidade e experiência na sua disciplina; - identificar quais habilidades e conceitos você vê como essenciais para ensinar em sua disciplina/meio; - identificar áreas que você gostaria de estudar mais dentro da sua disciplina; - identificar áreas de conhecimento e experiência fora da sua disciplina que você gostaria de incorporar no seu ensino. Ao longo deste capítulo, nós oferecemos ideias e colocamos questões que acreditamos ajudar em nossa prática. Não existe uma única maneira de fazer esta investigação. Assim, queremos compartilhar alguns pontos de entrada úteis que têm nos ajudado artistas professores - a começar. Dividimos o capítulo em duas partes: “Ideias e Contexto” e “Passos Concretos”. Se você está com disposição para considerar algumas questões mais gerais antes de começar a trabalhar no atual desenho do currículo, você desejará continuar a leitura. Se você quiser ir direto ao trabalho, poderá seguir para “Passos Concretos”.
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O que ensinar: Ideias e Contexto Quem são os artistas professores? Ensinar de uma forma artística faz de você um professor artista. Os artistas que praticam arte podem ser artistas, especialistas em arte (artes visuais, música, dança, teatro, arte digital etc.) e professores artistas. Para o propósito deste livro, definimos professores, administradores e facilitadores aqueles que introduzem e contextualizam a arte e os artistas para aprendizes como os arte educadores - que são pessoas que podem entender uma forma de arte em um nível profundo e significativo e desmembrar estes conhecimentos levando-os para outros aprendizes. Educadores em arte, normalmente, compreendem como professores artistas trabalham e, frequentemente, dão suporte ao trabalho de educadores artistas de maneira significativa. Mas o foco deste livro recai sobre aqueles que regularmente criam um trabalho em uma disciplina artística e que também ensinam nesta disciplina. De certo modo, o que distingue educadores artistas de um tipo de artista e educadores tem a ver, principalmente, como a educação é organizada nos Estados Unidos. Trabalhando em uma forma de arte e compartilhando seu conhecimento, sua maneira de pensar e respostas associadas a isto, a arte é frequentemente separada como uma experiência distinta da experiência educacional que normalmente é associada com Escolas e outras instituições. Este livro foca especificamente no que concerne ao professor artista, mas qualquer tipo de educador - do jardim de infância ao professor de matemática do Ensino Médio - tem que ensinar de maneira profunda para ensinar bem, buscando fontes de conhecimento e experiências em uma ou mais áreas de conteúdo. É este conhecimento e confiança que brotam de uma forte compreensão da sua disciplina que permitem um professor atingir os estudantes efetivamente, para ensinar o que é mais essencial e para engajá-los como indivíduos, pensadores únicos e criadores. Não há necessidade de ser um professor experiente ou pedagogo para ser um educador artista eficaz. É necessário estar inteiramente bem fundamentado em seu meio e ser capaz de desdobrarse de uma maneira útil. Nós, como educadores artistas, temos uma certa luxúria que a
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maior parte dos educadores não fazem. Embora, algumas vezes, sejamos solicitados a nos engajarmos no currículo e padrões educacionais existentes, nossa primeira função é ensinar a partir de nossa própria prática e experiência como artistas. Esta abordagem é o que cria um fazer artístico no contexto escolar, centros comunitários, prisões dentre outros lugares, e que é diferente do que já existe. Esta abordagem também expande potencialmente o que as pessoas aprendem e ordinariamente experienciam em tais lugares. A maior parte dos educadores deve desenhar um currículo baseado na questão “O que é atualmente sabido no campo que eu estou ensinando e como posso preparar meus estudantes para usar e ampliar estes conhecimentos?”. Educadores artistas desenham currículos baseados na questão “O que eu sei no meu meio e como posso equipar os estudantes para usarem estes conhecimentos e fazerem sua própria arte?”. Examinar de perto “o que são” seus ensinamentos é uma excelente maneira de estabelecer um foco e melhorar sua prática como educador artista, além de ser potencialmente e artisticamente libertador e esclarecedor. Pensar o seu meio, como um artista educador, pode gerar todo tipo de novas ideias para e sobre seu próprio fazer artístico. Esta é uma razão porque tantos educadores artistas encontram no trabalho de ensinar uma parte integral e estimulante de suas vidas como artistas. Se você articular o que importa para você e sua disciplina, pode tanto criar o currículo quanto pensar como um artista. Este primeiro passo em ensinar o trabalho do artista vai direto para o coração do que faz o trabalho tão excitante – isso é simultaneamente ensinar, aprender e fazer.
Agora, você é um professor artista Há metodologias estabelecidas em arte educação e, indiscutivelmente, até no trabalho de ensinar artes. Uma organização ou grupo de artistas educadores podem ensinar de acordo com um tipo específico de arte integrada. Outros podem abordar ensinamentos sob um ponto de vista diferente com uma metodologia específica da teoria da arte, como Educação aplicada à estética. A autora Reggio Emilia aborda que o ensino de arte tem sido muito influenciado em vários ciclos da Arte Educação americana nos últimos anos.
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O trabalho pioneiro aconteceu na Bauhaus alemã e na Soviet Vkhutemas, escolas de design e artes dos anos 20, que através das suas práticas desenvolveram algumas das mais importantes compreensões na teoria moderna de arte educação. Parte destas abordagens, Filosofia ou metodologia, inegavelmente oferecem esclarecimentos úteis para o professor artista, mesmo na forma de exemplos negativos ou provocações para pesquisas adicionais. Algumas destas abordagens incorporam trabalhos teóricos significantes e têm importantes e interessantes raízes históricas. Todas são, potencialmente, dignas de estudo. Isto é relevante para pensarmos, teoricamente e historicamente, o trabalho de artistas educadores. Se você está procurando por precedentes e ideias como um artista professor, por que não investigar o que já tem sido feito? Uma premissa deste livro e desta série é que aplicar excessivamente metodologias gerais e uma abordagem muito convencional limita o trabalho do educador artista. É preciso considerar que o trabalho do educador artista não é uma ciência, mas uma Arte. Por certo que este trabalho pode ter elementos científicos, assim como dentro da ciência há muitas dimensões artísticas. Contudo, tentar reduzir a grande variedade de educadores artistas, contexto e estudantes em uma única metodologia, parece funcionar contra duas forças centrais do campo do artista professor: a variedade e a flexibilidade. Sabemos que modelo e metodologia são necessários no fazer artístico. Nenhum fazer artístico é completamente novo, mas o excesso de consideração para o modelo e a metodologia, inevitavelmente, conduz a uma arte estéril e não original. O mesmo vale para o trabalho do artista educador. Você pode ter que traduzir o que faz dentro de uma organização de metodologias e retórica porque a apresentação necessita disto. Isto está certo. Mas traduzir o que você faz, não representa números. Não apenas seus estudantes irão aprender mais, mas você terá muito mais satisfação. Faz tanto sentido falarmos “especialistas” ou “mestres” no trabalho de educadores artistas como também falarmos de “especialistas” ou “mestres” artistas. Sim, há artistas os quais têm enorme domínio das técnicas do seu meio. Isto não garante que a arte deles seja original, interessante e atraente. Similarmente, há artistas educadores muito bons em diversos aspectos específicos de ensino, mas isto não garante que ensinarão bem ou que seus estudantes farão bons trabalhos. O pré-requisito para um bom
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trabalho do artista educador é ter conhecimento sólido na sua disciplina (ter alguma coisa para ensinar) e ter entusiasmo sobre como trazer este conhecimento para os estudantes de maneira a encorajar um trabalho original. Onde quer que você esteja no seu trabalho, por mais novo ou experiente, jovem ou velho, pode fazer grandes ensinamentos e aprendizados acontecerem com seus estudantes, contribuindo com importantes revelações para o campo – o resto de nós – bem agora.
Você não pode “ensinar arte”, mas você pode ajudar pessoas a fazer Arte Uma definição característica de Arte é ela que expressa, investiga e comunica ideias, emoções, associações e processos, e até resolve problemas criativos e técnicos, que requer uma forma de arte para sua máxima expressão. Muitas dessas coisas são parcialmente ou totalmente inconscientes ou intuitivas na origem. Outras desafiam a expressão na linguagem. Até no caso da literatura onde a linguagem é o meio, os vários formatos de poesia e prosa tornam-se uma forma extralinguística que transmite o que não pode ser feito em linguagem habitual. Portanto, não é possível ensinar diretamente muito daquilo que é essencial em arte. Boa parte, talvez até quase tudo, do conhecimento e experiência necessários para a expressão efetiva em um meio pode ser assimilado somente por trabalhando no meio. É através de interações dinâmicas com o meio – fazendo arte! – que qualquer artista (“estudante” ou não) desenvolve a habilidade para engajar elementos-chave de uma arte interessante e eficaz: especificidade e eficiência. Todos os humanos experienciam as mesmas emoções e, em última análise, encaram os mesmos dilemas básicos. O que faz a arte original e atraente é a especificidade e a surpreendente expressão destas emoções ou dilemas que derivam de um artista particular ou de experiências de grupos de artistas, seu contexto e visão. De certo modo, a arte é um meio pelo qual os humanos simultaneamente mediam entre a realidade objetiva ou subjetiva, e também entre o que é a experiência universal e o que é único para cada pessoa. Não podemos “ensinar” uma visão artística ou ponto de vista. Podemos somente encorajar e dar suporte aos estudantes refinando e estendendo o seu
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trabalho. Ter o privilégio de observar em primeira mão o desenvolvimento e expressão de tais pontos de vista individuais é uma das mais excitantes e completas coisas sobre ensinar o trabalho do artista. Por certo que para tais pontos de vista emergirem, devemos colocar o fazer artístico no centro do nosso trabalho e, assim, ver nosso papel criando e protegendo o tempo e espaço para trabalhar em um meio que é, possivelmente, a coisa mais importante que nós temos para oferecer como artistas professores.
Designer do currículo como processo artístico O que realmente queremos dizer por “currículo”? E, por que se importar com isso? Currículo é, em primeiro lugar, identificar o que você sabe e o que você planeja ensinar, geralmente, em uma sequência (veja o capítulo II deste livro para uma estrutura sugerida). Também pode incluir a denominação do que um ensino e um aprendizado de sucesso parece ser para você, e como você pode determinar o âmbito e a profundidade deste sucesso. Uma coisa para se atentar é que à medida em que se desenvolve e se muda o fazer arte, ao longo do tempo temos a oportunidade de desenvolver e mudar, também, o currículo. O currículo é vivo e só porque você o documenta de uma maneira, não significa que você é obrigado a implementá-lo desta forma para sempre. Alguns artistas professores ficam apreensivos quando alguém sugere que escrevam seus currículos. Eles podem ser protetores de sua prática – com medo de que outros opinem e os ensine “out of a gig”. Outros simplesmente acham a sugestão completamente incompreensível. Para outros ainda tal tarefa parece como uma argola que eles devem atravessar a fim de conseguir “ganhar a atenção”, uma argola que parece completamente desconectada do fazer arte e de ter estudantes fazendo arte. Para artistas professores que ensinam mais intuitivamente, a ideia de documentar um currículo pode parecer amortecedora, supérflua, chata ou pior. É verdade que há muitos currículos de Arte Educação supérfluos e maçantes por aí – mais uma razão para criar e escrever currículos que reflitam seu próprio conhecimento e ideias. À medida em que você cria um novo currículo ou aplica mudanças a um currículo existente, conforme adota novas ideias, você estará constantemente considerando como fazer estas ideias inteligíveis
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aos outros. As formas, as convenções, as linguagens e os rótulos que educadores utilizam para escrever o currículo podem, em alguns casos, ser relevantes à prática do artista professor, apesar de que às vezes elas podem parecer como uma linguagem desconhecida (O que é uma “questão essencial”? Como ela é diferente de uma questão comum? Qual é a diferença entre avaliação e um simples teste? O que é um ensino reflexivo? Quão grande deve ser uma ideia? etc.). Apesar desta linguagem ser às vezes útil, ela também pode ser frequentemente insípida e caprichosa, e não é em si um currículo. Escrever um currículo demanda começar na sua linguagem, a linguagem da sua disciplina e sua experiência nela. Frequentemente, artistas professores são capazes de escrever o que planejam fazer (atividades) quando eles encontram com um professor ou administrador ou até mesmo com estudantes. A lacuna que às vezes vemos está entre o que as pessoas dizem sobre fazer e o que elas realmente são capazes de fazer – por exemplo, a lacuna entre resultados afirmados (“eu quero que todos neste grupo extracurricular participem da peça que estamos escrevendo”) e o nível de profundidade do que acontece em tempo real (estudantes ajudaram a escrever a peça, memorizaram frases, trabalharam no desenho do palco, descobriram como encenar uma performance final para outros estudantes etc.). Se a pessoa nunca dedica tempo para escrever o que aconteceu e, assim, o que poderia acontecer novamente, então se torna difícil focar no que funcionou e por quê, e o que poderia ser melhor ou diferente na próxima vez. Além disso, a profundidade e o rigor do que os estudantes estão aprendendo ao longo do processo, em termos de conceitos essenciais ou técnicas, acaba sendo negligenciada ou, às vezes, comprimida em uma reflexão superficial do produto final ou performance. A falta de atenção para os resultados afirmados também pode afetar negativamente estudantes que possam estar confusos sobre por que um artista está pedindo para que eles apresentem uma ideia específica ou por que eles devem colaborar com um novo parceiro a cada vez etc. Estudantes que não sabem para onde as coisas estão sendo direcionadas, mesmo de uma forma generalizada, podem, às vezes, se sentir menos motivados ou até menos criativos em seus trabalhos – isto é, eles podem perder oportunidades de alcançar o resultado desejado de uma forma nova ou do seu próprio jeito, porque o artista professor nunca deixou claro a visão geral e o objetivo em momento algum. É evidente que há diversas maneiras de ensinar alguém a fazer
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um currículo, e quando e como este alguém escolhe explicar para onde as coisas estão sendo levadas, por exemplo, depende inteiramente de você, do seu estilo de ensino e suas metas. Mesmo que você escolha não divulgar seus objetivos e a estrutura das lições para os estudantes, antes de começar você ainda deve ter uma ideia firme do que está ensinando e por que isto importa para um fazer arte efetivo acontecer. O currículo também permite ao artista professor, estudantes e outros refletir de maneiras que são essenciais para aperfeiçoar a prática. Para alguns artistas, o currículo também pode ser uma forma de entender melhor o que eles fazem em sua forma de arte. Ter uma forte compreensão das capacidades, técnicas e conceitos centrais que alguém emprega mais prontamente e que mais aprecia na disciplina – e mais ainda, ser capaz de descrevê-los aos outros que são de fora da disciplina ou que simplesmente tem menos experiência – pode conduzir a uma experimentação mais intencional e uma prática artística mais atenta. Por exemplo, o planejamento do currículo de Becca deixou claro a ela que, como poeta, ela é obcecada em encontrar a metáfora certa e equivalente para amplificar uma ideia ou emoção. O processo de tal busca é uma prática central que ela deseja transmitir aos estudantes, não importando suas idades. Reconhecer isto permitiu a ela examinar sua própria poesia de novas formas: por qual tipo de terreno metafórico ela geralmente devaneia? Por quê? Sua busca típica é geralmente frutífera? Ela está ficando previsível em sua abordagem? Que tipo de terreno metafórico ela está sugerindo aos estudantes e por quê? Pode este terreno ser limitador a ela (tendo ela já pensado sobre isto) ou através do ensino ela pode encontrar algo novo para se perceber? E a respeito do paradoxo de usar uma metáfora para transmitir o inexplicável ou o proibido? A metáfora é uma imagem – ela força a pessoa a delinear o que outrora era obscuro ou sombreado. Mas isso não é redutível a suas partes sozinhas. Essa é a grande alegria central e o paradoxo que Becca encontra no fazer arte e quer garantir que os estudantes também experienciem. E ela enfatiza tal busca às custas de outros aspectos de escrever poesia que outro poeta pode perseguir (explorando um interesse temático particular, experimentando com similaridade ou rima, delineamento ou som, para nomear apenas alguns). Ela sabe sobre sua própria experiência de sobrepor obsessões poéticas, e que o extremo prazer que ela obtém ao escrever a poesia, que funciona efetivamente em
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metáforas, é aprofundado e ainda mais desenvolvido quando ela ensina. Novos aspectos de poesia se abrem a ela à medida que está escrevendo um novo currículo ou examinando os trabalhos que os estudantes criaram. Inevitavelmente, os estudantes lhe entregam novas ideias estranhas e formas de olhar e experienciar o mundo da poesia. Similarmente, em uma disciplina como dança, quando alguém é forçado a articular o que é mais importante para ensinar aos estudantes com quem conviverá por apenas oito aulas, como pode criar os passos e movimentos certos e o conceito correto de ensinar? E se você começasse com algo que você ama e conhece bem? E se você tiver que desmembrar o que você ama (salsa, por exemplo) para alguém que é novo na dança? Você começaria ensinando o ciclo básico de seis mudanças em oito batidas? Você ensinaria estes elementos com ou sem música ou batida pela primeira vez? Quando ou por que você introduziria o desenvolvimento da salsa a partir das tradições afro-cubanas? Como você definiria os princípios básicos da salsa e seus valores políticos e sociais na cultura latina? E sua própria experiência dançando salsa? O que isto diz respeito aos seus valores como dançarino ou coreógrafo? Depois de passar oito horas com você, qual conhecimento e entendimento sobre salsa você deseja que seus estudantes levem em seus corpos e mentes? Pensar em termos concretos sobre o ensino de alguém pode também ajudar um artista a desenvolver um certo tipo de distância crítica do seu próprio rendimento artístico. Quando consideramos estudantes como companheiros artísticos podemos mudar ou aprofundar nossa apreciação por aspectos fundamentais da nossa prática como um artista. Alguns artistas professores temem que uma abordagem focada e intencional de ensino levará a uma dinâmica prescritiva e mecânica com os estudantes. Pode-se argumentar o oposto: clareza sobre quais técnicas e conceitos específicos você quer transmitir aos estudantes, na verdade permite maior flexibilidade e alcance com os quais pode-se criar tempo e espaço para invenções e experimentações reais de estudantes em sua forma de arte. Se você ensina ferramentas artísticas específicas, os estudantes podem aplicar estas ferramentas de formas originais para criarem seus próprios trabalhos. Finalmente, não se pode superestimar o poder da verdadeira apreciação que alguém tem ao ensinar e como este prazer afeta os estudantes. Planejamento e clareza de intenção podem permitir ao artista professor criar um
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contexto no qual ele consiga realmente relaxar e se relacionar com os estudantes como artista. Desta forma, permitirá que sua personalidade e entusiasmo inspirem e estimulem os estudantes. Fale sua própria linguagem sobre o que importa para você como um artista Por que é tão difícil para alguns artistas professores nomear o que eles sabem e fazem em sua forma de arte? Por que muitos de nós titubeiam ao encontrar palavras para descrever aquilo que desejamos ensinar? Como alguém começa a enfrentar o que pode parecer uma tarefa vaga e onerosa e que tem pouco a ver com o fazer arte? Saber o que você pode e quer ensinar é fundamental para ser capaz de oferecer um aprendizado em artes aprofundado em qualidade aos estudantes. Permite você operar totalmente como artista no seu trabalho como um artista professor. Para muitos artistas professores, em muitos dos contextos nos quais trabalhamos, isto não é tão evidente como parece. No contexto atual, educacional e social, no qual artistas professores trabalham, há muitas pressões que incidem sobre eles: - integrar seu conteúdo artístico com outros assuntos acadêmicos, imediatamente (por si, isso não é uma coisa ruim, mas para alguns professores artistas trata-se de um lugar difícil para começar a pensar sobre sua própria forma de arte); - enquadrar sua arte, ensinando por referências de tendências atuais e conceitos que informam uma grande quantidade de programas educacionais e de arte educação. Nós expressamos tais coisas como “habilidade de trabalho do século XX!”, “criatividade”, “pensamento crítico”, “colaboração” ou “construção em equipe” (veja no capítulo 2 para um glossário crítico de alguns destes termos). Estas são abstrações, e frequentemente correções, não modalidades de aprendizado no meio da arte. Portanto, novamente, eles não respondem à questão do que ensinar; - ensinar de uma maneira que gerencie o comportamento dos estudantes e que conduza-os para um fazer artístico com resultado altamente predeterminado, definido tacitamente ou explicitamente por escolas, administradores de programas, professores ou um coletivo de artistas.
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Nenhuma destas tensões são necessariamente censuráveis por si só. Mas elas se tornam problemáticas quando trabalham para ofuscar a forma de arte ou o poder e a alegria de simplesmente fazer arte. Elas, frequentemente, confundem artistas professores sobre como e se suas formas de arte importam em um contexto de ensino, podendo deixar o artista sempre se sentindo perdido em como proceder com seu ensino. É difícil para artistas professores estarem focados no que sabem e querem ensinar, porque eles são, frequentemente, solicitados a deixar de lado sua identidade artística quando colocados em uma situação de ensino. Mesmo que não seja uma configuração K12, muitos artistas professores preocupam-se com sua falta de habilidade como professor em sala de aula no sentido de “gerenciar o comportamento”, colaboração ou construir um senso de comunidade. Estas habilidades certamente importam e ter bastante experiência no ensino pode levar à maior confidência a respeito da prática do ensino em vários contextos. Mas não ter muita experiência de ensino não significa que você não é conhecedor na sua área de conteúdo. Apesar do que as organizações de arte, escolas, museus e outros dizem a respeito do valor do ensino nas artes, os traços e características que eles às vezes enfatizam e articulam aos financiadores a respeito de por que os assuntos de artes têm pouco ou nada a ver com o conteúdo de uma disciplina artística ministrada. Frequentemente, quando administradores da Educação das artes falam a respeito do uso das artes para alimentar o “pensamento crítico” ou a “colaboração” ou a “criatividade”, eles poderiam simplesmente substituir futebol, Biologia ou História. Jogar bem futebol também desenvolve colaboração e habilidades na solução de problemas, particularmente se você está nos últimos dois minutos do jogo e você acabou de perder seu goleiro. Similarmente, estudar a dinastia King da China e as forças geopolíticas em jogo durante os últimos dias do reinado da Imperatriz Dowager, e surgir com um ensaio bem articulado sobre seus impactos no desenvolvimento político e militar da História Moderna chinesa desenvolve habilidades de pensamento crítico – talvez ainda mais efetivamente e profundamente do que analisar uma pintura ou decidir como abordar uma tarefa poética. O fato de que o trabalho nas artes é amplamente educativo, como o trabalho em qualquer disciplina ou domínio do pensamento e práticas humanas, está realmente ao lado do ponto. Artistas professores e
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aqueles que os contratam e auxiliam seu trabalho devem valorizar o aprendizado em uma forma de arte como valioso e educacionalmente essenciais por si só. Para que o fazer arte interessante e autêntico ocorra, devemos atribuir valor à arte que estudantes e artistas fazem. Uma forma para artistas professores conterem esta discussão e ganharem respeito por sua forma de arte é focar em suas características particulares e sua própria prática na forma de arte desde o começo do desenvolvimento do currículo. Nós somos artistas e nossa ênfase precisa ser no ensino dos outros, em como fazer artes e como fazê-la bem. Como artistas professores devemos defender e articular isto claramente se desejamos mudar os termos do debate sobre o valor do nosso trabalho. Deveríamos ser defensores não apenas pelo valor subordinado da arte, mas defensores pela arte.
Nem tudo é fazer arte Fazer arte diz respeito a usar um medium ou materiais para comunicar um ponto de vista particular ou resolver um problema de criação, mesmo que em um estilo preliminar ou fragmentário. A maioria das pessoas engajam um tipo de fazer arte com ou sem um nós: crianças desenham da sua própria forma, coreografam passos de dança no parquinho e cantam nos pátios das escolas. Alguns adultos tocam instrumentos ou pintam, outros restauram móveis ou carros. Ninguém precisa de um artista professor para fazer arte. Mas um artista professor pode ajudar as pessoas a fazer a sua própria arte e fazêla melhor, mais profunda, interessante e original. Direcionar estudantes em jogos de teatro é fazer arte? Pode ser, desde que os jogos sejam parte de um preparo dos estudantes para usarem habilidades e conceitos de performance a fim de criarem produções significativas em algum sentido – um script, um set, uma produção, a encenação de um texto, uma leitura, um acontecimento ou uma cena espontânea ou improvisada – algo que é experienciado pelo espectador ou audiência como uma comunicação, mesmo que esta audiência consista de artistas estudantes. Trazer artistas de fora para performar em uma montagem escolar é fazer arte? Com certeza é para o artista que está performando, mas também pode direcionar oportunidades interessantes para ampliar o fazer arte dos estudantes que experienciam esta performance. Isto é
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verdadeiro especialmente se alguém esta lá para ajudar a fazer esta conexão entre experienciar arte, responder a ela e criar a partir desta forma de arte. O administrador das artes, se habilidoso, pode fazer uma grande diferença e auxiliar as experiências artísticas e o fazer arte dos estudantes quando ele/ela é capaz de 1) trazer uma experiência artística de alta qualidade aos estudantes; 2) ajudálos e ajudar seus professores a encontrar sentido nisto, por oferecer a eles tempo para responder de uma forma cheia de ideias, intencionalmente e em colaboração tanto com o artista presente quanto com o professor da sala ou os especialistas em arte. Também podemos ensinar outras coisas usando as habilidades requeridas no meio artístico, mas sem uma ênfase central no fazer arte. Por exemplo, podemos ensinar habilidades de instrução usando técnicas e conceitos trazidos do teatro. Podemos usar movimentos de dança para ensinar conceitos matemáticos ou fazer vasos de argila para estudar a História das cerâmicas dos indígenas mexicanos. Todas estas coisas podem envolver o fazer arte significativo, desde que tenhamos certeza de que haja alcance para a invenção e um trabalho original, e desde que não os apresentemos meramente como exercícios de suporte ao ensino das disciplinas não artísticas. Contudo, é possível que tal integração possa tomar lugar de uma forma que relegue à disciplina artística um papel subordinado – certas habilidades ou exercícios são usados para um fim não artístico. Por exemplo, estudantes podem usar tableaux teatrais para retratar cenas e personagens de um livro a fim de demonstrar e reforçar sua compreensão de leitura. Pouca ou nenhuma ênfase devem ser feitas se os tableaux são interessantes para assistir, se são expressivos ou engajados para uma audiência ou performers. A ênfase central deve ser se eles refletem precisamente uma leitura próxima do texto. Não há nada de errado com tais atividades. Na realidade, elas devem ser formas efetivas e divertidas de ensinar alguns elementos de instrução. Mas elas não devem ser confundidas com o fazer arte ou com o trabalho do professor artista em seu sentido pleno. No exemplo anterior, um artista professor está trabalhando como um especialista de tableaux, com o suporte de um currículo de instrução. Um artista professor deve ter diferentes expectativas do que tal tarefa requer – adaptar as ferramentas do meio para metas educacionais bem específicas sem uma consideração particular para o desenvolvimento artístico dos estudantes. Professores, artistas
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professores e administradores devem entender que esta forma de usar um meio não é um substituto dos trabalhos dos estudantes em artes. Ela não permite a invenção, experimentação e profundidade de experiência em uma disciplina que ocorre quando os estudantes focam em fazer trabalhos originais. Ela também não leva, necessariamente, a qualquer um dos tipos menos tangíveis de aprendizado e desenvolvimento que acompanha o fazer arte do estudante. O que importa para você ou te interessa fora da sua disciplina? Muitos artistas têm amplos interesses além de sua disciplina artística. Alguns são especialistas em integrar informações e ideias de diferentes campos. Considere um professor de artes que é um ávido coletor de ágatas e que sabe bem o processo geológico que particularmente criam estas pedras; ou um poeta que estudou a vida e o trabalho de Mendel; ou um artista visual que pilota aviões. Assim como tais interesses e obsessões frequentemente entram ou formam o centro da prática de um artista, eles podem e devem entrar no nosso trabalho como artistas professores. Como um artista, você provavelmente já tem processos pelos quais integra ideias e práticas de campos externos a sua disciplina. Estes processos são excelentes pontos de início para considerar como você deve integrar conteúdos extra-disciplinares no seu ensino. Um forte domínio de sua própria disciplina e um senso de quais aspectos você pode ensinar ao lado de outros artistas e professores é, talvez, ainda mais necessário para construir um currículo integrado do que ensinar um meio por si só. Você também precisa saber algo sobre o outro assunto – se você é um dançarino e é solicitado a colaborar com o professor de matemática, é bom que você tenha um sólido entendimento da matemática que você está procurando integrar. Se você é um artista visual trabalhando em uma classe de ciências com o ensino de desenho de observação, então você precisa ser sério e curioso o bastante para fazer algum estudo do objeto de desenho – se são insetos, conchas, folhas ou flores. Você não precisa ser o instrutor principal, tornar-se um especialista no campo ou escrever o currículo para estes aspectos da unidade de ensino – esta deve ser a responsabilidade do professor ou artista colaborador. Para encontrar conexões profundas e interessantes entre sua forma de arte e outro assunto, conexões que resultam em um currículo que é mais que o resumo das partes, você precisa se engajar
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totalmente com a outra disciplina. Se você e seu colaborador se engajam totalmente com as disciplinas um do outro, então é provável que os estudantes também o farão. Nós não ajudamos os estudantes quando fazemos conexões superficiais entre assuntos e domínios do conhecimento. Integrações rasas ou forçadas podem, frequentemente, distrair os estudantes de aprender aquilo que estamos tentando ensinar. Por exemplo, se usamos o movimento de uma forma convencional ou superficial para ensinar geometria – “faça um triângulo com seus braços e pernas” – quão profundo isto é para a dança como uma disciplina? E o que isto realmente ensina aos estudantes sobre formas? Pode ser uma forma divertida e útil para os estudantes pensarem como é uma forma geométrica e como ela pode ser transposta ou rotacionada no espaço. A menos que você também peça aos estudantes para pensarem como um dançarino e criarem algo que comunique outro sentido a partir destas formas, e você está disposto a ensiná-los algumas técnicas para fazerem a tarefa de forma artística e criativa, então, o exercício pode ser facilmente uma forma ineficiente e distrativa de explorar conceitos geométricos que são melhores examinados em uma folha de papel ou através da construção de um modelo. Não há nada que diga necessariamente que é mais educativo quando alguém usa as ferramentas das artes para ensinar ou aprender algo. É importante considerar, o mais cedo possível no processo de construção do currículo, se o conteúdo que alguém está lhe pedindo para integrar no seu ensino tem alguma conexão significativa com a sua disciplina ou não. Faz sentido ensinar este assunto particular desta forma? Os livros de arte ou os escritos de poemas pessoais são boas formas para estudar o Holocausto? Soa mais educativo e engajado para os estudantes mergulharem no assunto através da Literatura e História? Realmente, depende do artista e professores envolvidos. Eles têm uma razão atraente para explorar o assunto desta forma? Eles pensaram por que a estrutura de um livro pode ser a melhor forma do fazer arte de um estudante e ser a resposta a este assunto? Eles pensaram o quão difícil é para qualquer artista fazer arte sobre um evento histórico tão profundo e grandioso? Eles estão criando tempo e espaço para os estudantes desenvolverem interpretações genuinamente originais e insights dentro da História com o meio, ou estão direcionando os estudantes a usar o meio para criar um produto final pré-determinado? Se a resposta é a última, tal trabalho direcionado está realmente encorajando o pensamento crítico sobre o
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assunto ou talvez perpetuando leituras superficiais e até mesmo estereótipos negativos? O fazer arte trará novas questões e discussões sobre o assunto ou os reduzirá e os fechará ainda mais? É uma linha tênue por onde muitos artistas andam ao abordarem tais questões em seus trabalhos, e se realmente desejamos engajar os estudantes naquilo que significa trabalhar como um artista na investigação do pleno alcance do pensamento e da experiência humana, então precisamos fazer questões mais persistentes a nós mesmos como educadores. Estudantes também precisam ser uma parte desta discussão à medida que seu fazer arte se desenvolve.
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Defesa de Dissertação de Mestrado em Artes Visuais de Luciana Finco =150= Acervo do Estúdio de Pintura Apotheke
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ENSAIOS =151=
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DA BUSCA POR ENCONTRAR-ME
Taliane Tomita =153= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
A arte existe porque a vida nĂŁo basta, a vida ĂŠ pouca. Ferreira Gullar
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DA BUSCA POR ENCONTRAR-ME Revista apresentada como requisito parcial para a conclusão da disciplina SOBRE SER ARTISTA PROFESSOR ministrada no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC/CEART.
Docente: Profª. Dr.ª Jociele Lampert Edição e produção: TALIANE GRAFF TOMITA Mestranda em Ensino das Artes Visuais Dezembro de 2016.
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2
TRADUZIR-SE Uma parte de mim é todo mundo, outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta; outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente; outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem; outra parte, linguagem. Traduzir-se uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte?
Ferreira Gullar
3
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Sumário Apresentação
p. 05
O Dispositivo
p. 06
Entre a prática e a teoria: o dia em que o Sol não apareceu
p. 13
Monotipia
p. 15
Ferramentas
p. 19
[Artigo] Tentativas de encontros: sobre ser professora-artista
p. 21
Caminhos
p. 33
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Apresentação Será possível encontrar a si mesmo sem antes sentir-se perdido? Por alguns momentos percebi em minha trilha pegadas bem delineadas, marcas profundas no solo, que representavam firmeza no passo, certeza de rota. Como um operário que sabe exatamente qual a sua função e não hesita na execução. Em outros tantos, deixei para trás um caminhar mais solto, quase como uma deriva, permitindo-me levar pelas rajadas de ventos mais fortes, cujo trajeto não podia sequer imaginar. As pegadas mudavam de direção repentinamente ou retornavam pelo mesmo caminho sem muita linearidade, sobrepondo-se como numa dança. Vejo que muitas das minhas experiências docentes foram como rajadas fortes que passaram ao meu lado e que tive a oportunidade de, avançando apenas alguns passos, ser tomada pela sua fúria e levada quase sem controle numa jornada intensa e exigente. Já outras foram mais suaves e gradativas, permitindo uma aprendizagem menos brusca.
Tenho percebido que o vento pode quebrar os galhos de uma árvore, derrubar suas folhas, fazê-la moldar-se em sua direção. Por vezes, na prática docente, me senti como uma árvore. Mas o vento pode auxiliar na polinização permitindo que ela se espalhe, que alcance outros terrenos. Ele também impede que a árvore permaneça completamente imóvel, como se não possuísse vida alguma. Exige que ela se adapte, e também que se recupere após algumas perdas em decorrência da tempestade. Enfim, t rago nesta edição algumas das ramificações de meus galhos, buscando um encontro com a professora-artista que se constrói durante processos de ensino e aprendizagem em Artes Visuais. 5
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O
encontro com o desconhecido antes de um feriado. Assim foi recebido o
conjunto de elementos entregue pela professora e nomeado por ela como Dispositivo. A proposta pedagógica envolvia a necessidade de criação por parte dos discentes. O conjunto que recebi era composto por uma folha de sketchbook com textura quadriculada vermelha; dois papéis coloridos em tons de amarelo; uma folha de agenda contendo reproduções de artistas reconhecidos na História da Arte – uma delas era de Vincent Van Gogh; dois fragmentos de um negativo fotográco; duas páginas do livro Arte como experiência de John Dewey; três pequenos papéis pautados para anotações e um gentil e doce acompanhante para completar o pacote. Mas o que fazer com aqueles materiais? O mais simples de resolver, obviamente, era o chocolate. Foi o primeiro a ser capturado dentre os elementos. Estive a observar cada material por algumas vezes. Abria a pasta onde os havia guardado e repassava-os manualmente sem muito resultado. Um ou outro pensamento se mostrava interessante. Aos poucos as ideias foram tomando mais forma e desenvolvendo-se. Senti a necessidade de unir àqueles elementos alguns outros adquiridos no cotidiano, coisas que haviam chamado minha atenção (embalagem vazia de café
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em pó; publicação sobre um projeto intitulado Astrolabio encontrada no hall de um dos blocos da Universidade; postais antigos; folders; desenhos de meu diário gráco; impressões de um trabalho de monotipia do artista e colega Leandro Serpa; restos de folhas coloridas; o envelope que embrulhava a minha mais nova aquisição – o livro à que pertenciam as cópias das páginas de texto de meu Dispositivo; fotograas em negativo produzidas na ocina de pin hole, da qual havia
participado
recentemente;
performance „Desandar
e
imagens
impressas
deixadas
após
a
apresentadana Udesc Florianópolis - Campus Itacorubi,
com Beatriz Cruz e Lívia Piccolo. Estes últimos, eventos do XI Ciclo de Investigações em Artes Visuais realizado na Udesc e produzido pelo Programa de Pós-Graduação - Ceart/Udesc. De tudo aquilo de que me apropriei fui construindo um pequeno caderno cheio de mim. Dos meus olhares, das minhas andanças. Dos meus pontos de interrogação. Dentre as páginas do caderno confeccionado aparecem três das quatro fotograas produzidas durante a ocina de pin hole, não sendo aproveitada apenas aquela cujo resultado poderia ser considerado mais satisfatório, onde a imagem enquadrada aparecia com mais precisão. A seguir, porém, vemos apenas borrões, que pouco ou nada lembram as cenas escolhidas para a composição fotográca.
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=160= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Consegui extrair delas mais desdobramentos justamente pela ausência da certeza, pela possibilidade advinda da falha. As imagens em negativo não se aproximaram do resultado esperado. No entanto, no contraste das manchas pretas e acinzentadas com o fundo claro do papel fotográco, encontrei outras paisagens, vistas apenas pela abertura, pela fenda decorrente da falha na execução do processo técnico. Em entrevista realizada por Daniela Maura em 2013, o professor Eugênio Paccelli Horta aborda, dentre outros assuntos, questionamentos com relação à busca do êxito nas pesquisas como algo que encaminharia na direção de padrões investigativos muito limitantes. Segundo ele, esse direcionamento, “esse desejo de você conseguir êxito nas coisas” acaba por estabelecer formas de investigação que garantem esse êxito, mas que justamente por isso, diminuem as possibilidades do trabalho. E acrescenta: “[...] Por que uma dissertação, uma tese [...] um trabalho nal de um aluno tem que ser exitoso? Por que não pode ser um grande fracasso?” (HORTA, 2013, p. 17).
Fragmentos do caderno produzido através do Dispositivo.
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Reetir criticamente sobre o resultado não esperado de uma prática artística ou pedagógica instaura um momento de pausa, releva a importância de todos os fatores que estão envolvidos no ato criativo e permite um aprendizado a partir da experiência, tenha sido ela próxima ou distante do planejado. [...] Do ponto de vista da investigação dentro da universidade eu só trabalho no padrão de pesquisa considerado acadêmico fazendo o mestrado e o doutorado, nas minhas outras pesquisas, esse padrão [...] não funciona pra mim. Porque tem uma coisa que acho muito importante que é o acaso, gosto enquanto investigador em arte, [...] e o acaso te propicia o êxito e o fracasso também (HORTA, 2013, p. 17).
Pensar a potência do erro e do fracasso foi algo que demorou a ser considerado em minhas experiências. Estar presa na busca do êxito sempre foi algo comum em meu percurso, e me parece ter uma forte relação com a forma de ensino escolar a que estive submetida e que ainda persiste, onde na grande maioria das vezes a competitividade e o foco no que se consideram os melhores resultados continuam tendo presença obrigatória. As formas de avaliação e classicação estão inseridas no sistema escolar e prossional, e nelas, a clara distinção entre o erro, o acerto e as suas consequências nas relações sociais, que envolvem aceitação e rejeição nas suas variadas formas. O aproveitamento dessas brechas abertas pelas falhas/fracassos e das suas possibilidades criativas, referentes principalmente ao campo do ensino da Arte, pode ser visto como uma grande alternativa em direção a processos mais individualizados
que
explorem
a
subjetividade
frente
às
tentativas
de
homogeneização. Como Horta arma: “uma história é feita de fracassos também, então se eu quiser [...] car querendo acertar sempre, não vou poder arriscar” (HORTA, 2013, p. 17). Quando comenta isso, faz clara referência à sua ação docente, dando ênfase à importância que confere às práticas artísticas e pedagógicas que envolvam o risco do fracasso e suas análises. Ou seja, não é apenas um deixar errar, mas trabalhar a potência do erro pela sua análise, pela reexão crítica e pela ampliação criativa que pode abranger. A seguir, trago mais algumas páginas de minha experiência com o Dispositivo e dos desdobramentos desenvolvidos por intermédio de fracassos e de impossibilidades. Não vendo o que esperava pude ver muito mais. 9
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Entre a prática e a teoria : o dia em que o Sol não apareceu
Durante a aula programada para que trabalhássemos com uma técnica artística, o Sol não nos trouxe a satisfação de sua presença, o que acarretou a impossibilidade de realização da Cianotipia no espaço externo do ateliê. Contudo, conseguimos percorrer um pequeno trajeto teórico em torno da técnica. Retomando meu diário gráco, visualizo anotações, dicas e pequenos desenhos feitos a partir das falas daquela aula teórico-prática que me servem de gatilho à memória. Palavras ditas aos discentes em decorrência de pesquisa teórica e de muita experimentação, principalmente por meio da atuação ativa do Grupo de Pesquisa Estúdio de Pintura Apotheke - coordenado pela Profª. Drª. Jociele Lampert, docente desta disciplina (Sobre Ser Artista Professor). A prática artística realizada naquele encontro, devido à presença cinzenta nos céus, precisou acionar o conhecido “Plano B” e o encaminhamento para a utilização de outra técnica, a Monotipia com tinta a óleo.
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Compartilho aqui alguns de meus registros referentes à Cianotipia e à Monotipia cujo conhecimento se fez a partir daquela aula.
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Monotipia
Monotipias com tinta a óleo produzidas pela turma durante a aula no ateliê. Fotograa: arquivo pessoal.
Uma folha de árvore recolhida em 26 de junho de 2016 no Balneário São Miguel e seu desdobramento com desenho e aquarela encontrado em meu Acompanhante – forma de nomear meu caderno gráco desde uma disciplina ministrada pelo Prof. Diego Rayck, em 2012, na qual este termo foi-me apresentado – gerou, a partir da experimentação prática, uma série de impressões apresentadas a seguir. O uso de papéis de gramaturas e texturas variadas, assim como as alterações ocasionadas pela quantidade de tinta e forma de pressão utilizada durante a impressão, resultaram nas diversicadas visualidades das imagens obtidas.
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O trabalho em monotipia exigiu a escolha prévia da imagem a ser empregada como referência visual. Já havia realizado em algum momento durante a graduação esta prática, não recordo ao certo, mas provavelmente durante uma disciplina ou ocina com a presença da Profª. Jociele como ministrante. Lembro-me de trabalhar uma imagem da natureza. Era a representação de uma gravura do Monte Fuji, no Japão. Tenho uma imagem mental da gura utilizada naquela primeira experiência com esta técnica. Fiz uma busca para recuperar a fotograa daquele primeiro contato com a monotipia a óleo, mas não a encontrei. Provavelmente mais uma dentre as imagens virtuais que se perderam em meio ao excesso ou aos instrumentos eletrônicos que, por vezes, se danicam levando consigo uma parte dos registros de nossa história. Tenho uma inclinação em recorrer às imagens da fauna e ora, tanto representações quanto a própria observação em campo. Dessa vez, minha referência visual para a prática artística voltou-se para o meu diário gráco, ou melhor, para o meu Acompanhante - e nele está novamente expresso o meu olhar que insiste em se direcionar aos demais seres vivos, que não os humanos. A história é breve. Um passeio pela praia mais próxima do município onde agora resido (Biguaçu). O local é chamado de Balneário São Miguel e foi a primeira praia à qual tive contato depois de xar-me nesta nova morada. Sua importância está no impacto que a proximidade da oresta, da praia e outros ambientes como estes, cheios de energia positiva, têm sobre o meu dia a dia. Esse contato direto, não apenas visual, reete-se em meu bem-estar como uma recarga propulsora que me permite continuar trilhando os caminhos da docência e da Arte. Quando me sinto sobrecarrega pelo ciclo do sistema e quando os conitos e questionamentos constantes do trabalho com a Arte e com a docência nas Artes Visuais ameaçam me desestabilizar, ou de fato o fazem de alguma maneira, a natureza é minha fonte de recuperação. Nela, com os pés descalços em contato com a terra, a areia ou a grama, ouvindo o mar ou os pássaros, sentindo seus sons e movimentos interconectados, consigo encontrar a minha própria harmonia. Acho um caminho para pensar sobre minhas escolhas e seguir com renovada convicção. A imagem representada e sequencialmente impressa com tinta a óleo pela técnica da monotipia surge de um desses passeios, que são momentos reexivos e me permitem buscar certo esvaziamento da mente, a m de que seja possível continuar o percurso cotidiano.
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Na grande maioria das vezes em que esses momentos de encontro com o meio ambiente acontecem, eu recolho um fragmento, algo que fica como representação física, visual e afetiva de um espaço-tempo vivenciado. Uma folha caída pela qual meu olhar foi atraído. Ela já pertence às memórias do meu Acompanhante, e agora, devido à prática artística da monotipia, se desdobrou em tantas outras.
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FERRAMENTAS Como entender o que é uma ferramenta no âmbito do ensino das A es Visuais? A primeira ideia que vem à mente com relação à palavra é a utilidade . A ferramenta, no entendimento comum, serve para auxiliar na realização de uma ação, tem uma função bem específica . Penso sempre no ma elo, talvez por ter sido citado durante as aulas ou por ser uma das primeiras ferramentas a que se tem fácil acesso quando criança. Lembro-me do balde de ferramentas que minha mãe possuía e que ainda está na lavanderia da casa dela. Um balde pequeno de alumínio com muitos pregos e parafusos, algumas chaves de fenda e um ma elo. A ferramenta, então, é algo que ajuda a executar uma ação? Pode ser um material? Creio que sim. E pensando sobre isso percebi algumas ferramentas não convencionais das quais venho fazendo uso. Não falo aqui dos pincéis produzidos durante a aula de A es Visuais, com restos de cabelos co ados ou com o pelo do rabo do gato de estimação, pois estes também podem ser entendidos como ferramentas no campo de trabalho de um pr essor a ista. Mas, falo das ferramentas que encontrei em meio ao meu c idiano e que não são apenas objetos, mas também espaços f ísicos e temporais.
Pincel produzido em casa por um aluno do 7º ano chamado Marcos, após a aula de produção a esanal de pincéis. Tive o prazer de recebêlo de presente . Osb.: feito com pelo do rabo do gato! F o: arquivo pessoal.
Na tentativa de mapear metodologias, procedimentos e ferramentas fiquei um tanto confusa, confesso. Sem receio de arriscar e falhar, identifiquei
algumas
das
ferramentas
que
mais
me
auxiliam,
principalmente na prática pedagógica, mas que também interferem na prática a ística. Entendo que a forma como as utilizo é o que pode ser denominado de procedimento. O registro é , aqui , pa e integrante e essencial , materializando as ideias. O relato, a escrita ou o registro gráfico , vistos também como ferramentas. Ferramenta nº 1: O caderno gráfico (Acompanhante ). Sempre ao alcance . 19
=172=
Ferramenta nº 2: O dia ensolarado.
Interfere diretamente em minha prática pedagógica e a ística pela influência da luz e da energia do Sol em minha m ivação diária. Um dia de Sol é para mim uma ferramenta fundamental . Ferramenta nº 3: O trajeto Biguaçu <–> Florianópolis:
Todos os dias da semana deste segundo semestre de 2016, com exceção de sexta-feira, percorri entre 80 e 100 quilômetros, me deslocando da casa onde resido até os locais de estudo e trabalho. Observei que o tempo requerido para o deslocamento nesse trajeto foi , por diversas vezes, preenchido por planejamentos. Quando o trânsito não está intenso é possível deixar os pensamentos fluírem e, desse modo, fazer uso do percurso espaço-temporal para resolução de problemas ligados à prática pedagógica e a ística. Acredite , várias ideias relacionadas às aulas, r eiros, metodologias e práticas encontraram um ponto de ebulição nesse momento. Surgiram reflexões a cerca de minha prática docente , voltadas aos fracassos e êxitos das aulas; ideais relacionadas à busca por melhores soluções
e
formas
de
auxiliar
no
desenvolvimento
processual
dos
educandos, assim como “insigths” sobre meu próprio fazer a ístico. Sigo na busca por outras ferramentas...
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TENTATIV AS DE ENCONTROS: Sobre ser professora -artista
RESUMO
Este artigo apresenta reexões sobre o ser professor-artista e a busca pelo entendimento de sua identidade. Em decorrência do percurso acadêmico e das vivências no ensino das Artes Visuais, desencadearam-se embates com a maneira de perceber-me, o que, de certo modo, convergiu para um processo de conscientização
com
relação
à
escolha
prossional
e
a
um
constante
questionamento sobre o campo de atuação e os modos de ver e ser vista no que se refere à prática pedagógica e a prática artística. Apresento algumas considerações com relação ao termo identidade e fragmentos de estudos voltados à atuação e a formação do ser professor-artista.
PALAVRAS-CHAVE: Professora-artista; identidade; prática artística; prática pedagógica.
Considerando o contexto contemporâneo do professor de Artes Visuais e do artista visual no que tange ao ensino e à necessidade ou opção de interligação entre os campos de atuação, enfatizo a nomenclatura PROFESSORA-ARTISTA dentre as tantas possibilidades [artista-professora, professora/artista, (artista) professora, entre outras variações] por perceber-me primeiramente como docente. A prática na área de ensino, que antecedeu a própria formação em Licenciatura nas Artes Visuais, abraçou-me e concedeu-me espaço de pertencimento a um habitat, que era até então completamente desconhecido do meu caminhar. No pequeno trajeto percorrido até o momento foi possível perceber erros e acertos em minha prática docente, alguns instantaneamente, outros após um período de amadurecimento. De alguns questionamentos decorrentes do percurso acadêmico e das vivências no ensino das Artes Visuais desencadearam-se embates com a minha própria identicação, com a maneira de perceber-me. De certo modo, isso convergiu para um processo de conscientização com relação à escolha
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prossional, gerando o entendimento de que este é o lugar que pretendo continuar desvendando. Desde os primeiros movimentos de minha prática docente, quando se dava apenas num âmbito não formal, identiquei-me e ocupei um espaço que compreendia ser o do professor. Não digo isso no sentido de que este termo ou lugar carregue um peso hierarquizador que demonstre a valorização de uma prática frente à outra (pedagógica e artística), mas apenas no sentido de vê-lo como uma primeira forma de sentir-me, uma espécie de identidade assumida, porém em desenvolvimento. Com o tempo, algumas experiências no ensino e aprendizagem em Artes Visuais e estudos relacionados ao ser professor/artista/pesquisador – ponto importante de abordagem do curso de Graduação que concluí - a tríade, que inicialmente não conseguia visualizar e muito menos executar na prática, encaminhou-se para uma variação de nomenclatura na qual a pesquisa encontra-se intrínseca tanto no campo de ação do professor quanto no do artista, sendo assim desnecessária a sua representação visual. Apenas uma questão de apresentação, pois conceitualmente os três ainda se conectam de modo íntimo, formando deste modo a perspectiva contemporânea do artista professor. Esta, aos poucos, mostrou-se ao meu olhar de forma menos utópica. Frente a isso, e abordando a questão das nomenclaturas, compreende-se que:
O termo [artista/professor] foi usado inicialmente por George Wallis, em meados do século dezenove, e vem sendo construído desde então, para rmar um retrato pedagógico da identidade associado à práxis do fazer/saber Arte. Desde então, uma rede de ações, textos/teorias e práticas foram desenvolvidas, para entender o processo de pensamento que discute o lugar do professor artista, que é um processo conceitual de ampliar um modo artístico e estético de pensar o ensino de Arte (LAMPERT, 2015, no prelo).
Inserida no contexto em que a busca pelo entendimento do lugar, dos saberes e fazeres desse prossional continua a desenvolver-se, encontro-me imersa na reexão sobre a identidade deste ser professora-artista. Atravesso um período de transição pessoal diante do qual se tornou possível dar início a um processo
de
perceber-me
também
como
artista.
Contudo,
ainda
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é
um
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reconhecimento parcial, que caminha junto à minha procura pela conciliação saudável e equilibrada entre a prática docente e a prática artística. Sinto necessidade de alguns elementos para conceder-me habitante completa deste outro espaço, o do ser artista. Dentre eles encontram-se uma maior frequência e ação prática de ateliê, mais experimentações e análise de trabalhos próprios e de outros artistas, ou seja, uma maior organização e planejamento da distribuição do tempo para abarcar um número mais amplo de interesses do ser artista, tanto no que se refere à prática quanto à teoria. Neste percurso, visualizando esses espaços e fazeres pertinentes ao professor e ao artista, encontro as considerações de Thorton (2013), que em seu texto A identidade do artista professor aponta em síntese algumas visões sobre o conceito de identidade, trazendo abordagens de diferentes teóricos sobre o tema. Dentre elas o autor traz a visão de Erikson (1980), que compreende a identidade com uma “self awareness ”, como uma consciência própria; a visão de McCall e Simmonds (1982) que tratam a identidade como ocupação de posições sociais; e uma terceira, de Biddle (1979), que se refere a ela como emprego consistente de rótulos. A partir dessas três visões o autor aponta duas perspectivas de identidade com os seguintes questionamentos: “Como eu identico a mim mesmo?” e “Com quais títulos, regras, práticas, conhecimentos, valores e vocações os outros me identicam?” (THORTON, p. 49, 2013). Suas
colocações
me
direcionam
para
uma
constante
problemática
relacionada aos padrões de julgamento e dos possíveis mitos e estereótipos criados tanto em torno da gura do artista como da do professor, sem esquecer os que circundam a mais recente gura do professor artista ou artista professor. Leva a pensar como eu me identico, como me intitulo, se sou ou se me considero professora,
artista, ou ambos? E como sou identicada pelos outros, pela
sociedade, por meio de um conjunto de dispositivos (já citados anteriormente no questionamento feito por Thorton) que participam de um sistema regulador. Diante da complexidade desses questionamentos e seus desdobramentos com vistas à observação dos próprios modos de perceber-se e ser percebida, opto no momento por utilizar um hífen (-) entre as denominações professora e artista, como apresentado inicialmente. Entendendo que sua presença, ao mesmo tempo em que separa os elementos também os mantém, de alguma forma, unidos. Em
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minha percepção, ele representa uma ponte entre esses dois lugares, entre esses dois estados de ser, essas duas escolhas. Ser professora e ser artista: partes de mundos diversos que apresentam relações muito fortes e pontos de troca ou pontes, permitindo que o indivíduo possa ser único mesmo habitando espaços múltiplos pertencentes a esses dois campos. Thorton (2013) apresenta essa noção de justaposição entre conceitos de identidade com o diagrama a seguir:
Figura apresentada por Thorton (2013) como representação da justaposição entre os conceitos de identidades de artista e professor.
Com relação a esta sobreposição que parece evidenciar o caráter de conexão e complementaridade envolvidos no ser professor-artista, o autor ainda acrescenta que: O signicado desta justaposição para a identidade conceitual do artista professor é que características, atitudes, conhecimento e habilidades associadas com ambos, artistas e professores, são combinadas numa identidade única sem necessariamente abandonar alguma em favor de outras. A identidade do artista professor poderia ser vista como simplesmente a soma de fatores associada com as identidades separadas de professor e artista ou como uma sinergia nas quais novas características, atitudes, conhecimentos e habilidades são desenvolvidas ou criadas” (THORTON, 2013, p. 52).
A possibilidade de ser somente professora existe tanto quanto a de ser somente artista. Entretanto, insisto em desvendar esse território que se encontra entre uma e outra, esse espaço complexo que busca denições já na sua forma de nomeação:
professora-artista.
O
termo
é
repleto
de
inter-relações
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e
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atravessamentos que parecem distintos, porém complementares. Esse lugar que se encontra no meio, esse pequeno espaço representacional ocupado pelo hífen, apresenta uma imensidão e amplitude invisíveis, cujas bordas começam a se mostrar turvamente apenas após uma cansativa persistência, um direcionamento de atenção às nossas escolhas, seguido por análises críticas a cerca das funções deste personagem no enredo da prática pedagógica e artística. Pensar essa justaposição entre a professora e a artista, formando uma identidade associativa e suas complexas tramas, não permite que eu me acomode, não deixa espaço para a estagnação, impulsionando desse modo uma pesquisa cujo intuito é o de tornar-me mais ciente de minhas escolhas, para reetir criticamente sobre as ações que realizo e para buscar viver e atuar de forma responsável e com amor na Arte e na Educação. Segundo Thorton (2013), “a integração das funções do artista e professor manifesta como uma identidade profunda, poderia ser construída como reetindo um deslocamento em direção à integração de arte e educação” (THORTON, 2013, p. 53). Existem, contudo, cuidados a serem tomados quando se utiliza o termo identidade, tendo em vista as variações na concepção de entendimento sobre o conceito. Uma das visões, que o enfoca de maneira mais pessimista, entende que “uma identidade é a institucionalização de uma forma, é a redução do movimento de criação à reprodução de modelos hegemônicos e estereotipados” (PEREIRA, 2013, p. 41). Se percebermos a identidade como um bloco xo de características que regulam a ação dos sujeitos, tenderemos a não encontrar uma maneira de conciliar professor e artista de forma uida. A sobreposição sugerida por Thorton (2013) parece-me permear pelo âmbito dessa uidez, o que permite certos desvios e novas formações de identidades, por não visualizá-las em separado e com barreiras limitantes. Ainda com foco neste campo de reexão sobre a identidade e segundo o entendimento de Thorton (2013), parafraseando Goffman (1974), temos que: “apresentando nós mesmos para o mundo, nós somos necessariamente preocupados que a imagem recebida pelos outros corresponda com a que nós desejamos que eles recebam [...]”, e acrescenta: “se nós estamos preocupados com autenticidade, então nós gostaríamos que esta imagem reetisse nosso mais
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profundo senso de nós mesmos, de nossa personalidade, natureza (GOFFMAN, 1974 apud THORTON, 2013, p. 49). Neste momento, sob o ponto de vista do autor, viriam rótulos/títulos e conceitos que teriam por função nos descrever da melhor maneira nos diversos contextos. Entretanto, ressalta que “se acredita-se que um título particular ou rótulo ajuda a identicar aspectos importantes de uma função individual, então isso deveria ser usado e conceitualizado” (THORTON, 2013, p. 49). Aqui ressurgiria a problemática sobre o que se entende como a identidade do artista professor. Pois, por vezes, subjugam-se as especicidades de cada campo. Já que ser artista não inclui automaticamente uma noção sobre ensino das Artes Visuais, assim como ser professor não vem associado obrigatoriamente à prática artística de ateliê, como é possível averiguar ainda em contextos educacionais contemporâneos. Sob uma perspectiva particular, a busca pela professora-artista vincula-se a tentativa de construir um ser mais completo e realizado que circule pelas ssuras abertas entre uma e outra (professora e artista), costurando-as de modo a manter certa unicidade. Parece pertinente relevar essas formas de ver e ser visto, assim como esclarecer que o termo identidade não é aqui abordado de forma a xar-se num conceito que modele e minimize o processo criativo nas esferas artística e pedagógica. Sendo assim, torna-se essencial que visões opostas se choquem para uma construção pessoal do conceito de identidade. Apresento, portanto, a existência de uma visão que questiona o termo por entender que a nossa sociedade “diz o tempo todo, que precisamos ter uma identidade estável, buscar uma identidade, assumir uma conguração cristalizada de uma forma de ser [...]” (PEREIRA, 2013, p. 42). Este autor ainda acrescenta:
[…] A sociedade nos dá, prontas, algumas identidades: homem, mulher, professor, artista, mãe, pai, família, escola etc. Uma identidade é, nesse caso, uma conguração cristalizada, estereotipada de uma maneira de ser ou um ritmo determinado a responder às guras demandadas. A institucionalização das identidades é uma forma de homogeneizar o cotidiano e constituir os grupamentos e as coletividades. [...] A nossa sociedade é extremamente violenta pela forma como prescreve e organiza a produção da subjetividade, postulando contra a processualidade” (PEREIRA, 2013, p. 42).
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Essa visão da formação de parâmetros de conduta e de uma identidade minimizadora de possibilidades, apresentada por Pereira (2013), leva inclusive à ideia de formação de guras e modelos que tendem à repetição, relacionando-se com dois dos três conceitos abordados por Thorton (2013), já comentados inicialmente de forma sucinta, que se referem à ocupação de posições sociais e emprego de rótulos. Sendo assim, pode-se entender por um determinado ponto de vista que “em um procedimento identitário, o sujeito se xa em um modelo que o caracteriza como o mesmo de si” (PEREIRA, 2013, p. 54). Associo a essa noção de identidade xa e limitante abordada por Pereira (2013) o que Almeida (2009)1 apresenta
com
a
denominação
de
mito 2.
Dos
caminhos
abertos
pelos
questionamentos desta última autora surgem, diante das reexões, os próprios mitos que ela buscava desestabilizar. Algumas concepções envolvendo o senso comum mostraram-se presentes, por exemplo, em sua ideia inicial de que seria um “contrassenso a inserção do artista plástico numa instituição de ensino superior”. Pois, como comenta, ela “partilhava da ideia corrente de que o artista se opõe às regras, ao conformismo, ao estável” (ALMEIDA, 2009, p. 40). Diante desses pensamentos rotuladores, e dos mitos pressupostos na história do ensino da Arte, de onde a autora conrma partir, vê-se por meio de sua análise interpretativa uma multiplicidade de concepções em torno do fazer e do pensar na Arte:
Mostrou não ser plausível compreender uma realidade fragmentada e múltipla à luz de modelos teóricos ou clichês do senso comum (construções ideológicas que mascaram e deturpam a realidade ao tratarem da arte como algo único e homogêneo). Enm, demonstrou contradições e conitos na atuação do artista plástico na instituição de ensino superior, gerados no interior desta e na realidade em que ela se insere” (ALMEIDA, 2009, p. 35).
1
Célia Maria de Castro Almeida apresenta em 2009 uma versão de sua tese de doutoramento (realizada em 1991) em formato de livro, intitulado: SER ARTISTA, SER PROFESSOR: Razões e paixões do ofício. Estando nele contido um estudo baseado em entrevistas com artistasprofessores do ensino superior. 2 Almeida (2009) emprega o termo mito num sentido ideológico e acrescenta que o interpreta como “um modo de signicação”; sendo, portanto, uma elaboração social e historicamente construída de modo acrítico. São representações que visam explicar a realidade (BARTHES, 1975 apud ALMEIDA, 2009, p. 21). 27
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Seu estudo tangencia pontos integrantes da conexão professor-artista, considerando um contexto especíco, é claro, mas indicando a existência de possibilidades diversas dentro da inter-relação entre prática artística e prática pedagógica, em decorrência da inserção de artistas nas instituições de ensino superior, ou seja, no âmbito educacional. Segundo a pesquisa de Almeida (2009), foi possível perceber a formação de uma trama que envolve pontos positivos e negativos
desta
relação,
dentre
os
quais:
o
não
reconhecimento
das
especicidades de cada área de atuação; o choque entre a ideia do artista inspirado, espontâneo, gênio individual, e a do artista que leva anos estudando e aprendendo; a facilidade ou diculdade para execução de projetos experimentais devido à presença ou falta de disponibilização de materiais e serviços; riqueza de troca de informações; possibilidade de intercâmbios, bolsas e nanciamentos; liberdade e autonomia no trabalho didático; falta de um espaço próprio para sua produção artística; assim como queixas sobre a estruturação, organização e funcionamento institucional, o que inclui a questão do regime de trabalho e carga horária excessivas, bem como a imagem distorcida que a instituição pode carregar sobre a figura do artista (livre, inconsequente ou aquele que precisou dar aula por razões nanceiras). Fica claro que existem muitos embates e que os pensamentos, ações e idealizações formam uma rede complexa que não permite enquadramentos e classicações generalistas quanto ao desenvolvimento deste ser professor-artista. De acordo com Jesus (2013) 3, “[...] torna-se oportuno analisar as zonas de contacto e pontos de tensão existentes na dualidade do professor-artista, para depois situar ao nível das consequências a forma como professores e artistas se representam a si e à sua prática educacional” (JESUS, 2013, p. 21). Partimos, cada qual, das convicções pessoais acerca do ensino da Arte e, assim como Almeida (2009) nos apresenta, é durante a vivência e o contato direto com a docência que surgem as reexões, indagações e contradições que podem ou não nos encaminhar para uma atitude de mudança.
3
Joaquim Alberto Luz de Jesus aborda reexões sobre o professor – artista em sua tese de doutoramento em educação artística intitulada: (IN)VISIBILIDADES: Um estudo sobr e o devir do professor-artista no ensino em artes visuais, publicada no ano de 2013.
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Na busca por capturar a formação do duplo (professor-artista), Jesus (2013) almeja, dentre outras reexões, um olhar sobre a maneira em que se situa como professor, a forma de se perceber artista e a formação desse duplo professor-artista que se dá no caminho de suas experiências.
“[...] duplo que se gera a partir da relação que eu, enquanto artista, estabeleço com a prática docente no ensino em artes visuais [...]. Neste sentido, esta investigação produz-se na relação que o sujeito experiencia com as classicações que para ele são criadas, observando como é que a nomeação interage com o nomeado, e as possibilidades que daqui derivam no ensaio de outras formas de ser e de estar no ensino em artes visuais” (JESUS, 2013, p.17).
Assim como Jesus (2013), entendo que é através de um arquivo de experiências que nos atravessam no decorrer do tempo, que se “projetará o desdobramento do professor-artista no meu espaço identitário”. E a partir disso, “eu aprenderei a ver-me, pensar-me, a avaliar-me e, consequentemente, a transformar-me” (JESUS, 2013, p. 19). Ou seja, a maneira de identicarmos a nós mesmos tanto quanto sua relação com o modo como os outros nos identicam está inserida no conceito de identidade, e modica-se com as reexões críticas em torno das experiências vividas. Ver-se ou ser vista como professora-artista não é uma paisagem xa e imutável. Deve, pelo contrário, ser constantemente
repensada
e
estar
envolta
por
poros
que
permitam
atravessamentos e novas congurações. Esse apontamento de horizontes de variação é também apresentado com o termo “artista-etc”, em que podemos encontrar inserido o artista-professor. “Aquele que se deixa tomar pelas atividades do campo da arte o faz apontando para diversos caminhos, direções múltiplas”, sendo ainda relevante enfatizar que os “artistas-etc não se moldam facilmente em categorias” (BASBAUM, 2013, p. 21). Nesta perspectiva temos que:
[...] quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de “artista-artista”; quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escreveremos “artistaetc”. (de modo que poderemos imaginar diversas categorias: artistacurador, artista-escritor, artista-ativista, [...] artista-teórico, artistaterapeuta, artista-professor, [...] etc) (BASBAUM, 2013, p. 167). 29
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No processo de identicar-se é necessário um direcionamento do olhar ao percurso próprio levando-se também em consideração aspectos da produção estereotipada de identidades (xas), pois se corre o risco da contaminação com mitos em torno do que se entende por professor-artista. Como arma Pereira (2013), “na sociedade moderna, que estabelece parâmetros para a ação dos sujeitos”, tem-se um condicionamento de “algumas formas de produção de si” (PEREIRA, 2013, p. 42). É pela dinâmica de observar atentamente a si mesmo em suas práticas artísticas e pedagógicas, e a maneira como agimos e reagimos diante da complexidade da relação entre Arte e ensino, que envolve tanto instituição quanto educandos, que se pode iniciar um processo contínuo e paradoxal de reconhecimento e transformação.
[...] Me aperceberei de duas coisas. Do espaço que fui construindo em sala de aula e do espaço identitário que me molda na imagem de professor-artista. Assim, ao mesmo tempo em que se inicia o processo de restituição da minha imagem como professor-artista, um outro movimento de questionamento começa a fazer-se pela visibilidade dessa imagem. [...] O nosso to situa-se num permanente questionar os discursos que se têm naturalizado em torno da gura do professor-artista, levando professores e artistas que com ela se relacionam a uma reexão sobre os alicerces das suas representações” (JESUS, 2013, pp. 21 e 22).
Dentre os discursos naturalizados, tem-se a ideia de que os artistas tornam-se professores principalmente pela necessidade nanceira, devido à diculdade ou insucesso no mercado de Arte. Na busca por investigar a maneira como os artistas-professores experienciam e pensam em suas práticas, Almeida (2009) apresenta dentre as suas interpretações a conclusão de que “todos os entrevistados valorizam o ensino, ainda que o vejam como atividade paralela à produção artística”, e acrescenta: “As respostas me convenceram de que, para os entrevistados, o ensino ultrapassa a necessidade da sobrevivência: é considerado como uma atividade que lhes traz realização pessoal” (ALMEIDA, 2009, pp. 7475). Objetivo o exercício da prossão docente como algo que sobreponha um possível ou provável interesse inicial referente à remuneração e estabilidade nanceira, para habitar um lugar complexo e contraditório dentro dos espaços apresentados pelas instituições formais de ensino ou outros espaços que promovam o ensino das Artes Visuais. Numa tentativa de tornar os limites que
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nos são dados pelo peso da palavra PROFESSOR ou ARTISTA, como fonte potencializadora do desenvolvimento de processos criativos e crítico-reexivos, tanto pessoais quanto coletivos. Ou seja, entendo que a gura do professorartista busca, pela prática docente juntamente com a prática artística, transpor esses limites, de forma sutil ou não, desde que com consciência no que tange à Arte e à Educação. É difícil perceber até onde se pode transgredir e o quanto se deve absorver das regras do sistema impostas no decorrer de uma carreira docente. E acredito que o mesmo pode-se dizer sobre o mercado da Arte. Aprende-se apenas pela experiência. Mesmo que muito se diga, em todo espaço educacional ou comercial que se possa atuar, cada indivíduo tem suas próprias maneiras de enfrentar os acontecimentos do percurso, e cabe a cada um permitir-se arriscar, habitar esse espaço/lugar que une e atravessa a complexidade de ser professor-artista. Tratase, portanto, de “identicar e compreender os discursos que enformam o professor-artista [...]” (JESUS, 2013, p. 17). E, a partir desse entendimento, questionar-se sobre as próprias ideias a respeito da Arte, da educação e do ser professor-artista. Como ensinamos? O que pensamos sobre Arte? Como interagimos e nos relacionamos com colegas e educandos? Quais são as ações que realmente praticamos e como elas se relacionam com nossa forma de pensar e fazer Arte? O que entendemos como parte de nossas funções enquanto professores-artistas? Essas e outras reexões não podem estar ausentes na formação de nossa identidade, na maneira como nos vemos e como somos vistos, e no desenvolvimento de um autoconhecimento que transpasse as barreiras da inexibilidade e nos construa e desconstrua nesse transitar por entre o professor e o artista.
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=184= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
REFERÊNCIAS [artigo]
ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Ser artista, ser professor: ofício. São Paulo: UNESP, 2009.
razões e paixões do
BASBAUM, Ricardo Roclaw. Manual do artista -etc . 1. ed. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013. JESUS, Joaquim Alberto Luz de. (IN)VISIBILIDADES: um estudo sobre o devir do professor-artista no ensino em artes visuais. Tese de doutoramento orientada pela Profª. Drª. Catarina Soa S. Martins e pelo Prof. Dr. José Alberto Correia. Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto – Portugal: 2013. LAMPERT, Jociele. Conferência ministrada em 2015 no XXI Encontro de Arte Educação da UFES (Livro no Prelo). MAURA, Daniela. Cadernos de Estudo: o aprender o ensinar a arte. Número 1. Belo Horizonte/MG, outubro de 2013. PEREIRA, Marcos Villela. Estética da professoralidade: um estudo crítico sobre a formação de professor. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2013. THORTON, Alan. Artist, Researcher, Teacher
. Chicago: Intellect Bristol, 2013.
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=185= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Caminhos
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=189=
=190= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
=191= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
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=197= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
=198= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
=199= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
=200= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
=201= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
=202= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
=203= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
28-43. ROCHA, Michel Zózimo da. O professor e o mágico são o artista. Revista Apotheke eperiódico, Florianópolis, v. 3, n. 2, ano 2, jul. 2016. Disponível em: <http://revista.udesc.br/index.php/APOTHE KE/index>. Acesso em: 01 ago. 2016. pp. 92-102.
________. (IN)VISIBILIDADES: um estudo sobre o devir do professor-artista no ensino em artes visuais. 2013. 260 f. Tese de Doutoramento em Educação Artística – Faculdade de Belas Artes, Universidade do Porto, Portugal. 2013. LAMPERT, Jociele. [Entre paisagens] ou sobre „ser artista professor. Ecologias inventivas: experiências das/nas paisagens. Organização: Leandro Belinaso Guimarães. Curitiba, PR: Editora CRV, 2015. pp. 63 -71.
THORNTON, Alan. The identity of the Artist Teacher. In: ____________. Artist, Researcher, Teacher: a study of professional identity in art and education. Chicago/USA: Intellect, 2013. pp. 47-53. Tradução: Márcia Amaral de Figueiredo.
PASSERON, René. A poiética em questão. Porto Arte, v. 13, n. 21, maio 2004. Porto Alegre: Instituto de Artes/UFRGS, 2004.
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MICRO PRÁTICAS UNOCHAPECó Monotipia
Idealização e concepção: 12
=204= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Terça,19
de
outubro
de
2016 Horário 19 as 23 HS LOCAL: UNOCHAPECó/SC
Curso de Licenciatura em Artes Visuais Conteúdo: Estudo de Monotipia a óleo Ministrantes:Marta Facco(Mestranda-PPGAV/UDESC) e Fábio Wosniak Objetivo: 4
usando
(Doutorando–PPGAV/UDESC).
Realizar
tinta
refletindo
prática
óleo
a
sobre
construção
de
e
de
estudos
valores
paleta.
monotipia
A
de
cor,
tonais
prática
e
propõe
exercícios a partir de imagens impressas (levadas pelo ministrante da microprática). Exercícios propostos: 1-
Diálogo
sobre
os
materiais
que
serão
utilizados e a prática de monotipia. 2-
Apresentação
de
trabalhos já realizados pelos integrantes do APOTHEKE e de artistas referência. 3– Construção da paleta e estudo de valores tonais p/b. 4–
Produção
de
5
monotipias imagem
a
partir
de
referência
utilizando-se dos estudos sobre escala de cores e paleta. Lista de materiais que deverão ser levados pelos selecionados: - tinta óleo nas cores preto e branco
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- óleo de linhaça - paleta materiais de limpeza (terebintina ou outro solvente , papel ou pano de limpeza, ) - pincéis diversos para tinta óleo - colher de pau - papéis de gramaturas diversas (japonês é o mais indicado ou preferencialmente mais finos, os de maior gramatura são aconselhados para impressão em prensa)
Referências:
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Artista: Wolf Kahn http://www.wolfkahn.com https://vimeo.com/15130724 https://vimeo.com/77727977 Artista: Mary Beth McKenzie http://www.marybethmckenzie. com/monotypes.html AYRES, Julia. Monotypes: mediuns and methods for painterly printmaking. New York: Watson Guptill, 2001.
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Colagem
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=206= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Idealização e concepção: Estúdio de Pintura Apotheke Profª Drª Jociele Lampert http://www.apothekeestudiodepintura.com Terça,18 de outubro de 2016 Horário 19 as 23 HS LOCAL: UNOCHAPECó/SC
Curso de Licenciatura em Artes Visuais **É necessário desenvolver a prática em um espaço de ateliê (preferencialmente de pintura). Conteúdo: Micro Prática de Colagem
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Ministrante:Marta Facco(MestrandaPPGAV/UDESC)e Fábio Wosniak (Doutorando–PPGAV/UDESC).
Objetivo: Realizar práticas de colagens refletindo sobre composição (fig ura fundo) de um Still Life, compreendendo os valores tonais.
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Exercícios propostos: 1 - Realizar observação de modelo (natureza morta), compreendendo luz, cor e volume. Atente para 11 valores tonais.
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2 - Usando imagens de revistas componha figura fundo (planos).
3 - Avaliação do processo.
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=207= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Lista de materiais que deverão ser levados pelos selecionados: - Cola (sem ácido) preferencialmente, tesoura, pinças para papel - Revistas e jornais - Papéis coloridos (cores primárias, cinzas, branco e preto) - Suporte (papel de alta gramatura) similar ao papel para aquarela
Referências: Nathaniel Whitcomb http://nathanielwhitcomb.com Seb Jarnot http://www.sebjarnot.com/gallery/whatmeans/collage/ Sergei Sviatchenko http://www.sviatchenko.dk Liam Crockard https://www.flickr.com/photos/37768811@N06 /sets/72157617358 097846/
RELATO DE EXPERIÊNCIA Durante os dois dias em que ministrei micro práticas para alunos de licenciatura em Artes Visuais pela Unochapecó com meu colega, pude perceber o quanto é relevante para o artista/professor o saber/fazer da experiência nas práticas pedagógicas. Começamos pelo momento em que as referências para pesquisa são apontadas, seguindo pela apresentação do material e métodos utilizados por alguns artistas em suas práticas. Ter conhecimento sobre o que se está falando é essencial para que o aluno crie sua metodologia a partir de alguma coisa. Levar exemplos vivos de erros e acertos também é algo primoroso para enriquecer uma aula e cativar seus alunos para a prática. Minha experiência como artista/professora com aqueles alunos fez com que eu acreditasse no potencial do saber/fazer da Arte como ferramenta na construção de conhecimento através do ensino/aprendizagem. A receptividade com que abraçaram a proposta de trabalho e a maneira como se dedicaram a resolver seus próprios problemas, brincando e experimentando sem medo de errar, mostrou-me que a experiência das práticas de ateliê poderá contribuir para a construção do sujeito, pois, enquanto descobrem seus métodos para executar suas práticas artísticas, refletem sobre suas práticas pedagógicas. Era comum ouvir entre eles as frases: “Que legal! Vou experimentar fazer com meus alunos!”; ou: “Será que dá pra fazer com tinta guache com os pequenos?”; ou então: “Pensei em levar várias revistas pra escola para fazer colagem.” Não que se espere o mesmo tipo de prática, nem que se proponha que os alunos a imitem, mas ver que estão se questionando sobre sua atuação como professores, pensando em novas práticas, já foi bastante válido. E também ver que existem outras
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metodologias de ensino e propiciar um dia de Arte como Experiência para eles foi gratificante para uma artista/professora em processo.
NARRATIVAS VISUAIS DE UMA ESCOLA
O QUE NóS NÃO VEMOS?
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=209= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
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ARTE COMO EXPERIÊNCIA - John Dewey TER UMA EXPERIÊNCIA § A experiência ocorre em um processo contínuo, pois vivemos e interagimos com o mundo o tempo todo, faz parte do processo de viver. § Toda experiência é resultado da interação entre uma criatura viva e algum aspecto do mundo em que ela vive. Sujeito
Ambiente
Experiência
PORÉM: Muitas vezes a experiência vivida é incipiente • Iniciante • Principiante Assim as coisas são experimentadas, mas não de modo a ter uma experiência singular. • Há distração e dispersão discordam entre si Desejamos Obtemos
Observamos Pensamos
EXPERIÊNCIAS REAIS § § §
No sentido de vital de experiências vividas, Que nos causam marcas e lembranças, Algo de tremenda importância que nos faz dizer: “isso é que foi uma experiência”, § Distinguem-se do que veio antes e depois, § Experimentação sem consciência, percepção e acepção do ato. v Em uma experiência o fluxo vai de algo para algo, uma parte leva a outra, dá continuidade, ganha distinção entre si, v Nessas experiências cada parte flui livremente, sem interrupções e sem vazios não preenchidos. ü ACONTECIMENTOS
EXPERIÊNCIA SINGULAR •
É sempre uma experiência estética consciente: perceber, interpretar, compreender; • O material vivenciado faz o percurso até sua consecução, sem interrupções; • Por causa da fusão contínua: não há buracos, junções mecânicas nem centros mortos; • Há pausas e lugares de repouso, que pontuam e definem a qualidade do movimento; • A aceleração contínua é esbaforida e impede que as partes adquiram distinção; • Seu encerramento é uma consumação e nunca uma cessação, e o percurso é o ponto mais importante desta experiência; • Cada lugar de repouso na experiência é um vivenciar em que são absorvidas e incorporadas as sequencias de atos anteriores: depressa demais experiência torna-se agitada, superficial e confusa; lenta demais, experiência morre na inanição. As pausas conferem variedade e movimento, protegendo o trabalho da monotonia e das repetições inúteis.
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=219= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
As vivências experimentadas correspondem ao ritmo e proporcionam unidade, protegem o trabalho da falta de propósito de uma mera sucessão de excitações. q A experiência singular é única e impossível de ser vivida e sentida igualmente por outra pessoa, mesmo que se submeta a fazer o mesmo processo, pois sempre será diferente para cada um. v A experiência singular tem uma unidade que lhe confere seu nome: Aquela refeição, aquela tempestade, aquele rompimento de amizade... Tem uma qualidade ímpar; Não é afetiva, prática nem intelectual, esses termos nomeiam distinções. EXPERIÊNCIA INTELECTUAL § §
§ §
Não é uma experiência singular, pois consiste em ficar no mundo das ideias; Conclusões intelectuais que consistem em sinais e símbolos sem qualidade intrínseca própria, mas que podem ser qualitativamente vivenciadas; Precisa exibir um processo estético para ser completo; Conclusão tem valor por si só, (fórmula ou verdade).
EXPERIÊNCIA ESTÉTICA • Se experiência é o que nos acontece, nos atravessa e nos toca, nós somos o território de passagem, o espaço onde as coisas acontecem; • Para tornarmos essas experiências ímpares precisamos estar abertos e suscetíveis ao novo e conscientes das circunstâncias que nos interferem; • Na experiência estética integral existe forma, organização dinâmica: *início, desenvolvimento e consumação; *é ingerido e digerido pela interação; *é como respirar, tem ritmos de absorções e expulsões; *intervalos, pausas entre uma fase cessada e o início de outra.
• •
Ø Ø
Experiência da pedra morro abaixo: A pedra tem uma experiência com qualidade estética; Mesmo largando outra pedra morro abaixo, não irá ter a mesma experiência. Intelectual ou prática: nenhuma experiência de nenhum tipo constitui uma unidade, a menos que tenha qualidade estética; Inimigos do estético: não são o prático nem o intelectual, mas a monotonia, a desatenção e a submissão. Ligam-se EMOÇÕES
ACONTECIMENTOS E OBJETOS
É a força motriz e consolidante, seleciona o que é congruente e pinta com suas cores o que é escolhido, conferindo unidade qualitativa a materiais extremamente díspares e dessemelhantes.
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=220= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
• •
Quando significativas, as emoções são qualidades de uma experiência complexa; A experiência é afetiva, mas nela não existem coisas separadas, chamadas emoções. ENTREVISTA DE EMPREGO
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø Ø
Quando é sempre igual, com anotações e registros tipo contábil, sem possibilidade de interação entre os dois, com perguntas padronizadas é uma entrevista mecânica, sem experiência, (aulas sem experiências); Uma experiência tem padrão e estrutura, porque não apenas é uma alternância do fazer e estar sujeito a algo, mas, a ação e sua consequência devem estar unidas na percepção, essa relação é que confere significado; Os conteúdos das relações medem o conteúdo significativo de uma experiência; Experiências infantis A experiência de uma criança pode ser intensa, mas falta a base das experiências anteriores. As relações entre o estar sujeito a algo e o fazer são mal-apreendidas, a experiência não tem grande profundidade; A experiência é limitada pelas causas que interferem na percepção das relações entre o estar sujeito e o fazer; Excesso do fazer ou da receptividade daquilo a que é submetido, causa desequilíbrio e torna a experiência parcial e distorcida, significado falso; EXPERIÊNCIA
TEMPO
PERCEPÇÃO
v Pintor tem consciência do que faz, cada pincelada, e para onde vai seguir o trabalho. ARTÍSTICO E ESTÉTICO Ato de produção
Ø
Apreciação e deleite, percepção e prazer
Ao separar as duas palavras tem-se de um lado: * ver a arte como algo que se superpõe ao material estético, e de outro * leva a suposição de que, como a arte é um processo de criação, a percepção dela e o prazer que dela se extrai nada têm em comum com o ato criativo.
§ §
§ §
§ §
Experiência entre o agir e o ficar sujeito a algo, indicam que a distinção entre o estético e o artístico não pode ser levada a ponto de se tornar uma separação; A concepção da experiência consciente como a percepção de uma relação entre o fazer e estar sujeito a algo permite compreender a ligação da arte como produção, por um lado, e a percepção e apreciação como prazer, por outro, mantêm entre si; O ato estético tem a ver com ter consciência; Toda a arte faz algo com algum material físico, o corpo ou alguma coisa externa a ele, com ou sem instrumentos, com vistas à produção de algo visível, audível ou tangível; Para ser verdadeiramente artística, uma obra também tem que ser estética, ou seja, moldada para uma percepção receptiva e prazerosa; Se sua percepção não for também de natureza estética, seu reconhecimento será monótono e frio (processo mecânico);
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§
§
§
§ §
O que faz uma experiência ser uma experiência em arte é a união da relação e percepção entre o agir e o sofrer, entre a energia de saída e entrada, entre o fazer e estar sujeito a algo; A experiência do ato estético tem a ver com consciência e está ligada ao seu sentido estrito à experiência de criar, apoiando-se em proporções e equilíbrios, controlados por um senso refinado das relações entre o mundo e o corpo; Uma experiência com qualidade estética será um trabalho realizado com relações qualitativas da percepção, compreensão e interpretação do material recolhido durante o processo de uma experiência singular significativa; Há um componente de paixão em toda percepção estética, mas quando somos tomados pela paixão, medo, raiva, ciúme extremo, a experiência é inestética; Um objeto é peculiar e predominantemente estético, e gera um prazer de percepção estética, quando os fatores de determinação dessa experiência singular se elevam acima da limiar percepção e se tornam manifestos por eles mesmos.
TRABALHO CRIATIVO EM ARTE • • • • • •
• •
Uma dose incrível de observação e do tipo de inteligência exercido na percepção de relações qualitativas; Receptividade (não é passividade); Reconhecimento (perceber não é reconhecer), é o começo do ato der percepção, não há emoção; A fase estética ou vivencial da experiência é receptiva; Percepção é um ato de saída de energia para receber e não de retenção; Quando somos passivos diante de uma cena ela nos domina, e por falta de atividade de resposta não percebemos aquilo que nos pressiona, temos que reuni-las em um receptivo para absorver; Para perceber o espectador ou observador tem que criar a sua experiência; Em uma experiência artístico-estética a relação controla ao mesmo tempo o fazer e a percepção, a mão e o olho. *separadas * juntas
• • •
mecânica expressão emocional guiada por um propósito
O artista é alguém dotado de poderes de execução e sensibilidade inusitada, essa sensibilidade também orienta seus atos e criações; Quando o artista não aperfeiçoa uma nova visão em seu processo de fazer age mecanicamente e repete o velho modelo; Habilidade artística precisa de amor e paixão pelo que se faz.
REFERÊNCIA: DEWEY, John. Arte como Experiência. São Paulo: Martins Fonte, 2010, p. 109-141. *Anotações e reflexões sobre o estudo do texto “Ter uma experiência”, p. 109-141.
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O saber da experiência na Cianotipia
A cianotipia é um método de impressão fotográfica na qual se usam os químicos ferricianeto de potássio e citrato férrico como emulsão para a revelação da imagem a partir do contato. Após algumas camadas
dessa
solução
serem
passadas
no
papel e expostas à luz, a imagem é impressa em
negativo
experiência novo 35
nos
tons
deu-se
partir
Minha de
um
de
ver/olhar/sentir potência,
a
químicos.
Enquanto seu
azul.
a
modo
fizesse
de
essa
partir
da
imagem, revelação
esperava
trabalho
como
de
que
o
dos sol
revelação,
observava as transformações do papel e os tons de azul que surgiam. Imagens veladas, reveladas,
imagens
imensidão
de
que
brotavam
de
uma
azul, enclausurando momentos particulares de
cada
cadeira. 37
36
41
=235= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
38
=236=
=237= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
NOTAS SOBRE A EXPERIÃ&#x160;NCIA =238=
“Agora já sei desenhar!” Ensino de desenho para crianças com deficiência intelectual. Liane Carvalho Oleques (UDESC)
=239= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
• Nesse ensaio será apresentado um recorte da minha pesquisa de doutorado que busca possibilidades de ensino de desenho a crianças com deficiência intelectual, bem como analisa o processo dessa aprendizagem. • Como pesquisadora e professora da educação básica compreendo que o desenho infan l, bem como o ato de desenhar, não deve ser visto como um exercício automá co e des tuídos de raciocínio e significação Compreender esse processe torna-se fundamental para que o professor entenda e crie recursos para desenvolver e ampliar essa a vidade tão significa va na educação infan l. • Vou apresentar aqui o processo de ensino e aprendizagem de duas crianças com Síndrome de Down com 09 anos de idade, alunas da APAE de Florianópolis.
=240= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
A criança não passa diretamente do rabisco ao homem cabeça – pernas. Ela desenvolve do rabisco descontrolado ao rabisco controlado (...). A criança deficiente segundo Reily, pode ficar muito tempo nesta fase dos rabiscos e, se o professor não conhece a evolução que acontece nesta fase, ele não vai saber reconhecer o desenvolvimento que a criança está tendo. (Patrocínio e Leite, 2000, p. 04)
=241= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Perguntas frequentes? • Como ensinar crianças com deficiência intelectual a desenharem? • Por onde começar? • Quais desenhos ensinar? • Que recursos usar?
=242= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Ensinando a desenhar a figura humana!
Fonte: DUARTE E PIEKAS 2013, P. 85
=243= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Os primeiros desenhos da figura humana
Desenho de figura humana, Isa, 9 anos,2014. (Fonte: arquivos da autora)
=244= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Desenho de ďŹ gura humana, Isa, 9 anos,2014. (Fonte: arquivos da autora)
=245= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Mat desenhando um homem, 2014. (Fonte: arquivos da autora)
=246= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
Desenho de ďŹ gura humana, Mat, 9 anos,2014. (Fonte: arquivos da autora)
=247= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Desenho de ďŹ gura humana, Mat, 9 anos,2014. (Fonte: arquivos da autora)
=248= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
É preciso compreender a existência e produção pela criança (e adulto) de dois pos de desenhos: um desenho comunicacional, plural, simplificado, repe vo, generalizante, neutro, eficaz; e um desenho ar s co que deve se testemunho da experiência par cular dos sujeitos, fruto de um olhar independente capaz de revelar iden dades, marcar diferenças (DUARTE, 2005, P. 02)
=249= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Linhas e figuras geométricas necessárias para aprender a desenhar a figura humana. • Linhas horizontais, ver cais e diagonais
Isa desenhando linhas, 2014. (Fonte: arquivos da autora)
Desenho de linhas, Isa, 9 anos,2014. (Fonte: arquivos da autora)
=250= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Isa desenhando linhas para fazer um quadrado. (Fonte: arquivo da autora)
=251= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
โ ข Formas circulares
Isa contornando objeto circular. (Fonte: arquivos da autora)
=252= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
Desenhos de cĂrculos, Mat, 9 anos,2014. (Fonte: arquivos da autora)
=253= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
“Para crianças com necessidades educacionais especiais, esses exercícios podem representar uma enorme dificuldade a ser ultrapassada.” (DUARTE E PIEKAS, 2013, P. 78)
=254= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Montando um joguinho da figura humana Cabeça
Braço Barriga
Perna
Isa e Mat montando o jogo da figura humana (Fonte: arquivos da autora)
=255= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
O desenho da figura humana após os exercícios!
Desenhos da figura humana, Isa, 9 anos, 2014. (Fonte: arquivos da autora)
=256= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Isa desenhando contornando a cabeça da figura humana. (Fonte: arquivos da autora)
=257= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Desenho da ďŹ gura humana, Isa, 9 anos, 2014. (Fonte: arquivos da autora)
=258= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Desenhos da ďŹ gura humana, Mat, 9 anos, 2014. (Fonte: arquivos da autora)
=259= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Referências: • PATRICINIO, Wanda Pereira & LEITE, Luci Banks. O desenho e suas relações com a linguagem escrita em alunos portadores de deficiência mental. Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2000. • DUARTE, Maria Lúcia B. & PIEKAS, Mari Ines. Vocabulário Pictográfico para educação inclusiva. Curi ba: Ed. Insigth, 2013. • DUARTE, Maria Lúcia B. Entrevista concedida ao bole m Arte na Escola 40. DEZ. 2005. Disponível em: <h p:/www.artenaescola.org.br/pdf/bole m40.pdf>
=260= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
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GRUPO DE ESTUDOS ESTÚDIO DE PINTURA APOTHEKE =262=
Jociele Lampert Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College na Columbia University na cidade de New York como Bolsista Fulbright (2013), onde realizou estudo intitulado: ARTIST'S DIARY AND PROFESSOR'S DIARY: ROAMINGS ABOUT PAINTING EDUCATION. Doutora em Artes Visuais pela ECA/USP (2009); Mestre em Educação pela UFSM (2005). Possui Graduação em Desenho e Plástica - Bacharelado em Pintura, pela Universidade Federal de Santa Maria (2002) e Graduação em Desenho e Plástica Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Professora Adjunta na Universidade do Estado de Santa Catarina. Foi Coordenadora de Estágio CEART/UDESC (2006-2009); Foi Chefe de Departamento de Artes Visuais DAV/CEART/UDESC (2009-2011); Coordenadora do PIBID/CAPES/UDESC da área de Artes Visuais (2011-2015). Atua no Mestrado em Artes Visuais PPGAV/UDESC na Linha de Pesquisa de Ensino de Arte e na Graduação em Artes Visuais DAV/UDESC. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura UFSM/CNPq. Membro/Líder do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem UDESC/CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). Tem experiência na área de Artes Visuais, atuando principalmente nos seguintes temas: pintura, arte e educação, formação docente. É membro associado da ANPAP. Email: jocielelampert@uol.com.br
=263= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Adão Roberto Swatowiski Natural do Rio Grande do Sul, aeronauta aposentado, com graduação em Artes Plásticas pela UDESC. Reside em Florianópolis e dedica-se, principalmente, à pintura e desenho, explorando o veio da abstração geométrica e campos de cor.
Adriane Kirst Possui Bacharelado e Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC, Mestrado em Artes Visuais (Ensino) e atualmente cursa o Doutorado em Artes Visuais (Ensino), também pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Fez curso de Introdução a Curadoria na Central Sant Martins, University of the Arts London - UAL. Tem experiência na área de Artes Visuais, investigando processos que aproximem as pessoas da arte, atuando em projetos de formação de alunos, professores e públicos. Estuda principalmente os seguintes temas: arte contemporânea, infográficos e ensino de artes visuais por meio da experiência.
Ana Camorlinga Graduada em Letras e Literaturas (UFSC), professora, encadernadora, tradutora e achou seu prumo nas Artes. Atualmente, cursa Bacharelado em Artes Visuais (UDESC) onde descobriu os desdobramentos da pintura e, especialmente, se diverte na gama de possibilidades de foto-pintura. Foi bolsista do Apotheke de 2014 a 2015.
=264= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Ana Carolina Martins Ferreira Graduanda do curso de Bacharelado em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina desde 2014 e bolsista de extensão do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, coordenado pela ProfªDrª. Jociele Lampert.
Carolina Ramos Nunes Sua trajetória vai da sala aula de escolas públicas até instituições culturais. Atualmente é arte educadora da Fundação Cultural Badesc. Estar em contato com a arte e produções contemporâneas é fundamental para desenvolvimento de sua poética. Dentre as técnicas estudadas no Grupo Apotheke, a Cianotipia e Antothypia são aquelas que conversam com sua proposição sobre o vazio e o tempo de inércia na insanidade e a doença.
Daniela Almeida Moreira Licenciada em Artes Visuais (UDESC) e bacharel em Letras Português/Língua Brasileira de Sinais (UFSC). Possui mestrado pelo Programa de PósGraduação em Estudos da Tradução – PGET/UFSC. Participa do Ateliê Alvéolo, da artista Zulma Borges e do grupo ChineseBrushPainting, com o mestre Henry Li. Desenvolve um processo de estudo da pintura com interesse na técnica aquarela, entre outras técnicas do desenho em grafite,giz pastel e carvão, sendo o tema "natureza morta" e "retrato", os assuntos de maior interesse para sua pesquisa. O estudo da aquarela, conduziu a busca do conhecimento sobre os princípios da pintura oriental, introduzindo os conhecimentos da técnica Sumi-ê, que tornou-se objeto de estudo em paralelo com a aquarela.
=265= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Denilson Cristiano Antonio Natural de Campo Mourão/PR. Começou a desenhar muito cedo, estimulado pelo interesse em gibis, os quais costumava copiar e recriar algumas histórias. Aos 22 anos fez seu primeiro curso de Artes pela Prefeitura de Foz de Iguaçu, onde residiu desde seu primeiro ano de vida. Mudou-se para Florianópolis em 2006, onde concluiu o curso de Licenciatura em Artes Visuais, em 2014, na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). Atualmente, dedica-se à pintura, ao desenho e curadoria, este último vinculado ao trabalho que desenvolve no Museu Hassis/ Florianópolis.
Fabiana Burnato do Amaral Natural de São Paulo - SP. Cursa atualmente Bachrelado em Artes Visuais na UDESC e traz na bagagem uma graduação não concluída em arquitetura e urbanismo. Sua poética figura entre técnico e lúdico, tendo como principal tema de estudo a cidade e suas relações. É bolsista de extensão do grupo de estudo Apotheke desde 2015.
Fábio Savicki Henschel Natural de Itaiópolis - SC, graduando do curso de licenciatura em Artes Visuais- UDESC , atualmente bolsista no programa Pibid de Artes Visuais com orientação da Prof.ª Dr.ª Jociele Lampert.
=266= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
José Carlos da Rocha Artista plástico, bacharel em Artes Visuais/UDESC, 2013 e bacharel em Ciências Econômicas/UFSC, 1978, além de especialista em Administração Pública/UDESC, 1998, atualmente é Mestrando em Artes Visuais na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais (PPGAV-UDESC). Participa do Projeto “Arte Educação pela pintura: produção artística do artista” e cursou, como aluno especial, a disciplina “Sobre Ser Professor Artista”, ministrada pela Profª. Drª Jociele Lampert no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/UDESC, 2014.
Juliano Reis Siqueira Professor de escultura no curso de Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Estadual de Londrina. Doutorando em Artes Visuais (UDESC), Mestre em Educação e Artes (UFSM), Bacharel em Escultura e Licenciado em Desenho e Plástica (UFSM). Coordenador do PIBID/CAPES/UEL Artes Visuais (2012-2015). Atua na Formação de Educadores em Artes Visuais com ênfase em educação não formal e arte pública.
Katia Speck Fotógrafa, Técnica em Informática e graduanda em Bacharelado de Artes Visuais pela UDESC. Atualmente é bolsista de Iniciação científica do projeto de pesquisa coordenado pela Prof. Dra. Jociele Lampert.
=267= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Luciana Finco Mendonça Mestre em Artes Visuais/UDESC, tendo desenvolvido sua pesquisa na linha de Ensino das Artes Visuais. Graduou-se em Licenciatura em Artes Visuais/UEL e em Letras/UNESP. Leciona para o Ensino Fundamental II e Médio desde 2007. É membro da Equipe Editorial da Revista Apotheke e integrante dos Projetos de Pesquisa “Formação de Professores de Artes Visuais: sobre o ensino/aprendizagem de pintura” e “Arte Educação pela Pintura: a produção do artista professor”, todos coordenados pela Profª. Drª Jociele Lampert.
Manuela Siebert Possui graduação em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2016). Em 2014 recebeu uma bolsa do governo canadense para realizar um intercâmbio no país, e foi aluna convidada do curso de belas artes da Algoma university na qual foi membro da artist's society e do grupo first generation, e cursou disciplinas avançadas de pintura, gravura e desenho. Possui experiência na área de Artes, com ênfase em Pintura, atuando principalmente nos seguintes temas: estereótipo, ambiguidade, feminino, fantasmagoria, alegoria e fetiche. Sua pesquisa está ligada ao emprego de materiais e processos industriais e mecânicos para a realização de pinturas. Atualmente cursa mestrado em Artes Visuais também na Universidades do Estado de Santa Catarina, na linha de Ensino de Artes visuais sob orientação da Profª Dra. Jociele Lampert. É membro do programa de extensão "Grupo de Pintura Apotheke" e do grupo de pesquisa "Entre Paisagens", ambos coordenados pela Profª Dra.Jociele Lampert, e faz parte da equipe editorial da Revista Apotheke como diagramadora.
=268= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Fábio Wosniak Doutorando em Artes Visuais na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais PPGAV-UDESC, sob orientação da Profª.Drª. Jociele Lampert. Mestre em Artes Visuais na linha de Ensino (PPGAV-UDESC). Graduado no curso de Licenciatura em Pedagogia/Supervisão Escolar (FAED/UDESC)
Janaina Schvambach Possui graduação em Licenciatura Plena em Artes - Habilitação em Desenho e Computação Gráfica pela Universidade Federal de Pelotas e Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural/UFPEL, com bolsa sanduíche realizada na Universidad de Buenos Aires, Argentina. Atualmente é professora do curso de Publicidade e Propaganda, Artes Visuais, Moda, Arquitetura e Urbanismo, Licenciatura Intercultural Indígena e Produção Audio Visual na Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó.; coordenadora do curso de Especialização lato senso Ensino da Arte: Perspectivas Contemporâneas/ UNOCHAPECO e coordenadora da área de Artes Visuais do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID. Doutoranda em Artes Visuais/ UDESC, Membro/pesquisador do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem (UDESC/CNPQ) e integrante do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke - ambos coordenados pela Profa. Dra. Jociele Lampert (UDESC).Participa como editor assistente no periódico online Revista Apotheke. Atua nos seguintes temas: arte, fotografia, publicidade e propaganda, produção cultural, memória e patrimônio.
=269= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Márcia Amaral de Figueiredo Formada em Licenciatura em Educação Artística/Artes Plásticas em 1991 pela Faculdade de Artes do Paraná. Especialização em Fundamentos Estéticos de Arte -Educação pela FAP/PR em 1992 e Especialização em História da Arte do Século XX na EMBAP/PR no ano de 2004. Atuou como professora de ensino de arte no ensino fundamental séries iniciais e finais na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, período de 1987 até 2014.Frequentou o ateliê permanente de escultura de 1996 até 2006, em Curitiba, sob a orientação da escultora Elizabete Titton. Hoje, participa do programa de Mestrado no Ensino de Artes Visuais na UDESC.
Marisete M. Colbeich Natural de Cachoeira do Sul/RS, é artista visual, atua como professora efetiva no Estado de Santa Catarina e leciona no curso de Design de Interiores/FATENP. Possui bacharelado e licenciatura em Desenho e Plástica/UFSM; especialização em Mídias na Educação/FURG (2012) e Gestão Educacional/UFSM (2005). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa GEPAEC/UFSM. Tem trabalhos, principalmente, nas áreas de desenho, escultura e cerâmica. Participou de várias exposições individuais e coletivas, bem como salões de artes, tendo recebido menção honrosa no XIII Salão de Inverno de Artes Plásticas de Sant'ana do Livramento/RS, 2001.
Marta Facco Nasceu no Rio Grande do Sul e formou-se em Artes Plásticas pela UFSM em 2001. Possui diversas exposições individuais, coletivas e participações em salões de arte no RS, PR, SC, SP, BA e Buenos Aires/ARG, com algumas premiações. Atualmente reside em Florianópolis/SC, participa do grupo de pesquisa Estúdio de Pintura Apotheke CEART/UDESC, onde interessa-se pelo sensível dos objetos.
=270= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Osmar Yang Engenheiro Eletricista de profissão, artista plástico graduado em 2013 pelo curso de Artes Visuais da UDESC. Iniciou como autodidata até os anos 80, quando frequentou o curso da pintora Ida Hannemann de Campos na Galeria Cocaco em Curitiba. Após estadia na Europa de 1998 a 2001, onde frequentou oficinas de pintura da Volkshochschule em Munique (Alemanha), e oficina de restauração em Florença (Itália) retornou ao Brasil para Florianópolis. Frequentou ainda oficinas no CIC (Centro Integrado de Cultura) com a artista Patrícia Laus. Em 2011 teve obra selecionada para exposição na mostra de Arte Cibernética (ABCiber) no Centro de Eventos da UFSC.
Rita Eger Artista visual, natural de Itajaí, SC, vive e trabalha em Florianópolis, SC, Brasil. Mestre em Matemática pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Sua obra abrange pintura, desenho, instalação, bem como fotografia, arte postal, a palavra e a gravura no campo expandido.
Silvia Carvalho Artista, mestranda em Artes Visuais e bacharel em Artes Plásticas, UDESC/SC; Criação e Ilustração, EPA/SP; Design de Interiores, Florianópolis/SC. Suas principais mostras são “FUTURO”, Salão Nacional de Arte Contemporânea e Novas Tecnologias, Jundiaí/SP; “Concurso de esculturas CriAção Scotch”, MuBE/SP; “Estações-pinturas ao tempo”, Espaço Lindolf Bell, Florianópolis/SC; “De dentro pra fora”, MASC, Florianópolis; 20º Salão de Arte, Pinheiros/SP; “Sob a pele”, Universidade Alanus/Alemanha & UDESC; Fundação Cultural BADESC, Florianópolis/SC. Ministra oficinas de Pintura, Desenho e Pigmentos Naturais.
=271= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Talita Esquivel Doutoranda em Artes Visuais, UNESP; Mestre em Artes Visuais/ UDESC; Especialista História e Teorias da Arte/ UEL e graduada em Educação Artística/ Artes Plásticas,
UFPR.
Atualmente
é
professora
de
pintura na EMBAP. É artista plástica, dedicando-se à pintura, fotografia e vídeo. Em 2009, realizou residência
artística
no
Centro
de
Artes
CAMAC/França. Participou de diversas exposições, dentre as quais “Arte Como Experiência”, Fundação Hassis & UDESC, 2014; “Mostra Lote 7 de Arte Contemporânea”, Fundação Hassis, 2013; “Mostra Álbum”, BADESC, 2010; “Corpo Grotesco”, Museu da Escola da UDESC, 2009; “12º Salão Nacional de Itajaí”, 2010; “CAMAC Open Studio”, Marnay-surSeine/França,
2009; “Suitcase,
East Lansing e
Chicago”, EUA, 2009. Participou do Grupo de Pintura Apotheke até o ano de 2015.
Tharciana Goulart da Silva Mestranda em Artes Visuais na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais PPGAV-UDESC, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Jociele Lampert . Graduada no curso de Licenciatura em Artes Visuais (UDESC). Integrante do grupo de pesquisa “Entre Paisagens” (UDESC/CNPq). individuais e coletivas, bem como salões de artes, tendo recebido menção honrosa no XIII Salão de Inverno de Artes Plásticas de Sant'ana do Livramento/RS, 2001.
=272= ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
R E V I S T A
Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, marรงo de 2017.
ISSN: 2447-1267
=273=