REVISTA
APOTHEKE
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VOLUME 2 – PROCESSO CRIATIVO ISSN: 2447-1267 ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
REVISTA APOTHEKE Santa Catarina, v.2, fevereiro de 2016.
n.2,
ano
2,
ISSN: 2447-1267
2
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE
SUMÁRIO SUMÁRIO e EXPEDIENTE p. 03
EDITORIAL
ENTREVISTAS
p. 06
p. 07
3
ENSAIOS
TRADUÇÃO
ARTIGOS
p. 51
p. 115
p. 128
NOTAS SOBRE EXPERIÊNCIA
ENSAIO VISUAL
QUEM SOMOS
p. 256
p.264
p. 246
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APOTHEKE
Universidade Do Estado de Santa Catarina Reitor: Antonio Heronaldo de Sousa Centro de Artes – UDESC/CEART Chefe de Departamento Profa. Dra. Rosana Tagliari Bortolin Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Coordenadora Profa. Dra. Jociele Lampert _________________________________________________________
Revista Apotheke EXPEDIENTE A Revista APOTHEKE é uma publicação eletrônica de caráter acadêmico-científico, editada pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, relacionado ao Grupo de Pesquisa [Entre] Paisagens, vinculado ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/UDESC). Com periodicidade semestral, tem como propósito divulgar a produção de pesquisadores brasileiros e estrangeiros que enfocam as relações entre Artes Visuais, Educação e Pintura, em diálogo com diferentes aportes teóricos, visando enriquecer a discussão interdisciplinar do conhecimento nas áreas de Artes Visuais e Educação. Publica artigos, ensaios, narrativas visuais, resultados de investigações baseadas nas Artes, resenhas, entrevistas e traduções. A revista tem como objetivo servir de veículo não apenas para o conhecimento e as pesquisas já consolidadas, mas também para perspectivas inovadoras, tanto no que se refere à argumentação quanto à metodologia, e que se apresentam como alternativas aos modelos estabelecidos.
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APOTHEKE Editora-Chefe Jociele Lampert, UDESC, Brasil Editor Associado Fábio Wosniak, UDESC, Brasil Equipe Editorial Luciana Finco Mendonça, UDESC, Brasil Carolina Ramos Nunes,UDESC,Brasil Fábio Wosniak, UDESC,Brasil Jociele Lampert, UDESC, Brasil Organizadores do volume 2, número 1, ano 2, Fevereiro 2016. Jociele Lampert Fábio Wosniak Luciana Finco Mendonça Carolina Ramos Nunes Conselho Editorial do volume 2, número 1, ano 2, Janeiro 2016. Luciana Gruppelli Loponte, UFRGS Lúcia Gouvêa Pimentel, UFMG Fernanda Pereira da Cunha, UFG Rita L. Irwin, British Columbia, Canadá Cristian Poletti Mossi, UERGS Elaine Schimidlin Schmidlin, UDESC Fábio Rodrigues, URCA Marilda Oliveira, UFSM Rita Bredarioli, UNESP Ronaldo Alexandre de Oliveira, UEL Belidson Dias Bezerra Júnior, UNB Maria das Vitórias Negreiro do Amaral, UFPE José Carlos de Paiva e Silva, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
Maria Christina de Souza Lima Rizzi, USP Rejane Galvão Coutinho, UNESP Maria Teresa Torres Pereira De Eça, Universidade do Porto, Portugal Talita Esquivel, EMBAP Maria Helena Wagner Rossi, UCS Ana Cláudia Assunção, URCA Marcos Villela Pereira, PUC/RS Lucimar Bello Pereira Frange, PUC/SP Olga Maria Botelho Egas, UFJF Fernando Augusto, UFES Bosistas Ana Carolina Martins Ferreira, UDESC Ana Steckel Camorlinga, UDESC João Emmerich, UDESC Kátia Speck, UDESC Capa Estúdio de Pintura Apotheke – UDESC: Design de Carolina Ramos Nunes Revisão Daniela Almeida Moreira Contato Av. Madre Benvenuta, 1907 Itacorubi, Florianópolis / SC - (48) 3321-8300 Centro de Artes Site Grupo: http://www.apothekeestudiodep intura.com Email:apothekestudio@gmail.com
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APOTHEKE
EDITORIAL A
palavra
APOTHEKE
tem
origem
grega.
O
substantivo
apotheke, designava armazéns do Porto de Atenas na Grécia Clássica; também de origem germânica, indica a origem da palavra botica, boticário ou farmácia. A escolha por esta nomenclatura,
ao
Grupo
de
Estudos
Estúdio
de
Pintura
Apotheke, decorre da percepção da botica como um lugar de laboratório, de um labor experimental, o que se aproxima da proposta de um Ateliê. A pintura apresenta-se como eixo norteador para o processo artístico deste Grupo de Estudos, considerando o campo ampliado e possíveis desdobramentos para o pensamento plástico pictórico. Trata-se de um Grupo de Estudos vinculado à UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC/Brasil, coordenado pela
Profa.
também,
Grupo
com
o
CNPq/UDESC,
que
Dra. de
acolhe
Jociele
Pesquisa
Lampert, [Entre]
artistas,
articulado
Paisagens
professores
e
pesquisadores. A REVISTA APOTHEKE, em seu segundo volume, apresenta derivações sobre as ações desenvolvidas durante o ano de 2015, bem como, apresenta artigos de artistas, professores e pesquisadores na área de Artes Visuais, parceiros que compartilham o espaço do Estúdio de Pintura Apotheke. Professora Dra. Jociele Lampert (Editora-Chefe) Professor Doutorando Fábio Wosniak (Editor-Associado) Site: http://www.apothekeestudiodepintura.com/ Facebook:https://www.facebook.com/pages/ https://www.facebook.com/Estúdio-de-pintura-Apotheke690107797707990
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ENTREVISTAS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE ENTREVISTA COM ROSANA PAULINO Rosana Paulino Doutora em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP (2011), na modalidade DD - Doutorado Direto - sob orientação do Professor Evandro Carlos Jardim. Possui graduação em Artes Plásticas pela Universidade de São Paulo (1995) e é especialista em Gravura pelo London Print Studio, de Londres (1998). Como artista, participou de várias exposições no Brasil e no exterior. Foi bolsista do Bellagio Center, da Fundação Rockefeller (2014), do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (2006/2008) e da CAPES (2008/2011) para obtenção do título de Doutora. Participou de estágio no Tamarind Institute, da New México University, na área de Gravura (litografia) no ano de 2012. Fonte: http://lattes.cnpq.br/8080222583272953 Entrevista realizada pelo estúdio de pintura apotheke, com referência no livro de Joe Fig, Inside The Painter´s Studio (Princeton Architectural Press,2009)¹.
QUESTIONÁRIO J. FIG 1 - Quando que você se considerou um artista profissional, e quando se sentiu capaz de dedicar-se em tempo integral à arte? Rosana Paulino [R.P.] Esta é uma pergunta difícil, porque o que é ser um artista profissional no Brasil? Tem muita gente que faz um trabalho ruim, mas vende muito, ou seja, é profissional, mas o trabalho é relevante? E tem gente que tem
um
ótimo
reconhecido,
trabalho, tem
que
no
fazer
entanto
não
loucuras
é
devidamente
para
sobreviver.
Portanto, diante do panorama, nem sei se me considero uma artista
profissional
porque
dependo
de
aulas
e
outras
atividades para manter o ateliê, embora não considere, em
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APOTHEKE hipótese alguma, lecionar uma atividade menor. Dar aulas é uma das minhas paixões. Mas, por outro lado, temos o fator da escolha, ainda não posso escolher ser somente artista, não tenho como abrir mão das aulas, palestras, oficinas, etc. Porque não conseguiria fechar o mês. Digamos, então, que
posso
me
considerar
uma
artista
profissional
pela
relevância que o trabalho alcançou, mas, por outro lado, não sou profissional no sentido de viver só
de minhas
obras. Porém, com certeza, sei que consigo despender mais tempo na produção da minha obra do que a média daqueles que se dedicam à produção artística. E em relação a sua produção artística, quanto tempo você tem estado em estúdio? Não costumo medir isso porque é uma medida muito relativa. Tem trabalhos nos quais eu preciso ficar mais tempo fora, pensando, pesquisando e/ou visitando museus, por exemplo. Outros
exigem
que
eu
esteja
mais
tempo
trabalhando
na
prensa. E as vezes surge também uma viagem de pesquisa, que também é trabalho, faz com que no meu retorno a produção renda mais e se desenvolva com maior facilidade. O trabalho não acontece só no ateliê, como dá para perceber pelos exemplos acima. Não tenho uma medida específica de quanto tempo eu gasto no estúdio, é difícil quantificar. 2 - Quando você começou a trabalhar neste espaço? [R.P.] Em 1999. Já estava pronto em 98, mas neste ano estive na Inglaterra para fazer minha especialização em gravura e o ateliê ficou fechado. 3 - A localização do seu estúdio influenciou seu trabalho de alguma forma? [R.P.]
Se
pensarmos
localização
apenas
como
o
espaço
geográfico da cidade onde habito, no caso São Paulo, a
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APOTHEKE localização do ateliê facilita muito o trabalho, mas não influencia. Facilita porque como construí no terreno da casa dos meus pais, e não desfiz meu quarto lá, posso trabalhar nos horários mais inusitados fazendo barulho (o terreno ao redor é bem grande e não incomoda as casas vizinhas ou a casa deles) e sem ter a preocupação de ter que voltar para casa. Simplesmente durmo por lá. Não gosto de dormir dentro do ateliê, preciso de um espaço separado senão fico com a impressão de que não descansei. Ter um quarto em outro
local, que não
seja dentro do
ateliê,
funciona bem para mim. Talvez a pergunta deva ser feita de outra forma: estar em um
determinado
resposta
é
país
positiva.
influencia Quando
a
obra?
morei
na
Neste
caso
Inglaterra
a
meu
trabalho mudou muito e este foi um dos motivos pelos quais voltei
ao
Brasil,
apesar
da
insistência
deles
de
que
permanecesse por lá.
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4 - Você pode descrever um dia típico em sua vida? [R.P.] Impossível, porque não tenho rotina. Aliás, detesto rotina! Meu dia varia conforme meu trabalho. Tem dias que fico resolvendo assuntos “de escritório”, fazendo projetos, preparando
aulas,
nem
chego
perto
da
parte
prática
do
ateliê. Em outros vou direto para lá. Depende de vários fatores: humor, prazos, viagens, necessidade de fechamento de uma exposição... 5
-
Você
costuma
ouvir
música,
rádio,
TV
quando
está
trabalhando, e isso afeta o seu trabalho? [R.P.] Não trabalho sem música. Posso até trabalhar com pouco material se estiver faltando, mas sem música nunca! E a música afeta de modo positivo meu trabalho. Em alguns momentos, se estou procurando um clima tenso para uma obra
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APOTHEKE ponho uma música que me leve a este estado de tensão. Em outros, quando estou imprimindo, coloco uma boa MPB. Quando estou
lendo
prefiro
o
silêncio,
mas
quando
estou
desenhando, por exemplo, tem que ter música. 6 - Que tipo de tintas que você usa? [R.P.]
Basicamente
tintas
para
gravura,
aquarela
ou
acrílica no caso dos desenhos. 7
-
Poderias
me
falar
um
pouco
sobre
suas
paletas
de
pintura? [R.P.] Bem, não sou pintora e sim artista multimídia. Então acho que esta pergunta fica um pouco deslocada. No desenho, que é quando geralmente uso cor, ela costuma ser mínima. Tons de terra, algo de verde e, algumas vezes vermelho. Não tenho muita afinidade com cores. 11 8 - Existem objetos específicos (no ateliê) que têm um significado importante para você? [R.P.] Tem a prensa, na qual realizo a maior parte das minhas pesquisas. Neste caso é uma relação prático-afetiva. 9 - Você tem ferramentas que são exclusivas para o seu processo criativo? [R.P.] Sim, tem algumas com as quais me dou melhor. No caso da
gravura
em
linóleo
ou
da
xilogravura,
por
exemplo,
praticamente só uso faca e goiva V. Elas me permitem um embate maior com o material e gosto de sentir o corte. Não costumo usar outras ferramentas como os formões e as goivas em U, mesmo quando tenho uma área grande para desbastar. 10 10 - Você trabalha em uma obra de cada vez ou várias ao mesmo tempo?
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APOTHEKE [R.P.] Trabalho vários projetos ao mesmo tempo porque um vai “puxando” o outro. Algumas ideias funcionam muito bem no
desenho,
instalação.
outras Então,
só
se
quando
revelam
percebo
na
que
um
gravura
ou
trabalho
na esta
nascendo dentro de outro, muitas vezes paro e início outra pesquisa, para não perder o momento. Depois, caminho com as duas concomitantemente. 11 - Você costuma limpar seu ateliê periodicamente, e qual o efeito disso sobre seu trabalho? [R.P.] Limpo quando preciso, não tenho uma medida para isso. Às vezes, quando estou em pleno processo criativo não dá
para
ficar
pensando
em
limpeza,
vou
até
esgotar
o
trabalho, até resolver o que me mobiliza. Depois faço uma limpeza
geral.
Muitas
vezes
limpar
o
espaço
é
como
finalizar de vez uma etapa, um projeto. A gente abre a área para receber novas pesquisas, novas inquietações.
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12 - Quando você está pensando em seu trabalho, onde você costuma e gosta de ficar? [R.P.] Em qualquer lugar. Não sou do tipo controlada. Às vezes a ideia de um bom trabalho surge de uma ida à 25 de março, aquela rua que vende de tudo aqui em São Paulo. Vejo algo e aquilo me traz a tona uma peça. Foi o que aconteceu no caso de um dos meus trabalhos, o dos bastidores, por exemplo. Às vezes é uma frase em um livro que me chama a atenção, uma música. Então, não tenho necessidade de estar em um lugar especial quando estou pensando no trabalho. Se estiver
em
uma
lanchonete
tomando
um
cafezinho
consigo
pensar no trabalho lá, sem problema. Às vezes penso na cama, antes de dormir, ou no sofá no ateliê também.
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APOTHEKE 13 - Como é que você escolhe ou cria os títulos de seus trabalhos? [R.P.]
Alguns
trabalhos
são
mais
difíceis
de
pensar
o
título. Outros, surgem do título. Vejo um texto, uma frase, e aquilo me dá a ideia para a produção. Esta frase ou nome, que posso achar bonito, interessante, vira o título da obra. Quando isso acontece é normal que veja uma parte do trabalho já pronto ao ler aquilo que me provoca. Então o modo como dou título a um trabalho pode variar muito. 14 - Você tem assistentes? [R.P.] Só para alguns projetos especiais. A necessidade de ter assistentes varia por conta de motivos como verba, necessidade
de
ter
alguém
especializado,
ter
que
ficar
sozinha para pensar melhor, gostar de trabalhar sozinha. Explico: nem sempre se tem verba o suficiente para ter um/uma assistente. Infelizmente é assim que funciona no Brasil. Outras vezes, quando se pensa um projeto já se visualiza a necessidade de alguém especializado. Foi o que aconteceu na instalação ASSENTAMENTO, por exemplo, ou na Bienal do Mercosul, com as TECELÃS. Existem alguns detalhes técnicos que eu não consigo resolver, preciso contratar alguém
para
isso.
No
caso
na
Bienal
do
Mercosul,
por
exemplo, tive duas assistentes que eram especialistas em massas cerâmicas e queima. Por recomendação de uma delas trabalhamos com
o pessoal do
SENAI de Santo
André, um
engenheiro químico especialista em massas cerâmicas para compor
a
massa
que
eu
precisava
e
um
especialista
em
moldes. O trabalho exigia esta mão de obra especializada. Para o ASSENTAMENTO, tive que chamar um diretor de arte que também é fotógrafo, o Celso. Como a química fluiu super bem e ele estava interessado no projeto, além da quantidade de
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APOTHEKE trabalho que tínhamos pela frente, acabamos por trabalhar juntos durante oito meses. Neste momento estou com uma assistente, a Cláudia, porque o volume de trabalho é muito grande e temos prazo para uma exposição. Além disso ela é especializada em modelagem, costura, e estamos trabalhando nisto agora. Agiliza muito. Hoje em dia o artista tem que perceber que, dependendo de suas propostas e havendo verba, é fundamental a presença de outra(s) pessoa(s) no ateliê. Mas
tem
vezes
que
é
bom
trabalhar
sozinha
também.
Particularmente, sou do tipo solitária, não curto muito dividir ateliê por muito tempo. Gosto de trabalhar sozinha e
mesmo
que
tivesse
condições
de
contratar
um/uma
assistente integralmente não sei se o faria. 15 - Alguma vez você trabalhou com outro artista? [R.P.] Sim, já trabalhei com outros artistas em ateliês coletivos, fora do país. Toda minha estadia em Londres, no London
Studio,
foi
trabalhando
coletivamente
com
outros artistas. E no Tamarind trabalhei com a Alison Saar e foi ótimo, aprendi muito. Produzimos uma gravura a quatro mãos no final. Já fiz outros trabalhos técnicos com outros artistas, como posteres, por exemplo. Mas no geral costumo trabalhar sozinha no meu ateliê. 16 - Como um artista, você tem um lema ou credo? [R.P.] Um lema não, com certeza. Quanto a ter um credo, não sei se usaria essa palavra, que acho um pouco forte, mas acredito que todo trabalho sério, e não é só o trabalho dos artistas, deve ter comprometimento. E no caso da arte acho que cada um deve procurar sua verdade, sem modismos. O que serve para Maria não serve para Joana, então não sei como um/uma artista sério/a poderia ir atrás de modismos. É
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APOTHEKE claro que cada período artístico tem suas preocupações, fatos históricos, técnicas e mídias que estão em evidência e que acabam contaminando, positiva ou negativamente, os trabalhos que são feitos naquele momento. É o
caso da
tecnologia hoje. Mas o uso ou a procura da tecnologia deve ser feita caso o trabalho exija. E existem muitos modos de se
trabalhar
com
a
tecnologia
também.
No
caso
dos
já
citados ASSENTAMENTO e TECELÃS isto era uma particularidade do trabalho, só dava para desenvolver a ideia apelando para a tecnologia. Agora, utilizar porque está na moda ou porque muita gente usa é estupidez. Se não vai acrescentar nada ao trabalho não use, pronto. 17 - Que conselho você daria a um jovem artista que está começando? [R.P.] Que se preocupe com a sua verdade, com aquilo que o/a incomoda. Não entre em modismos, eles passam. Não tente se ater as verdades de outros, procure as suas. E tenha liberdade para criar. Pode parecer estranho esse último conselho para um/uma artista, mas tenho visto muitos/as jovens, principalmente nas universidades, que só leem um texto se ele for chancelado por um crítico, historiador de arte, filósofo ou sei lá qual profissional reconhecido no mundo das artes. E perdem um tempo imenso lendo aquilo para tentar
enquadrar
o
trabalho
em
“fontes
de
referência
respeitáveis”. Mas se esquecem que boa música também é fonte
de
referência,
poesia
é
uma
ótima
fonte
de
referência, um bom livro. O sul africano William Kentridge fez
um
trabalho
belíssimo
em
cima
do
livro
Memórias
póstumas de Brás Cubas, do Machado de Assis. Quantos jovens artistas brasileiros fariam isto hoje em dia? Quantos leram Machado? Mas leem qualquer crítico obscuro que não tem nenhuma contribuição importante para fazer ao trabalho que
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APOTHEKE está sendo realizado, se este crítico estiver na moda. Tenho
desenvolvido
sobre
história,
Muitas
vezes
a
meus
últimos
sociologia, gente
tem
trabalhos
biologia, que
lendo
livros
arte
e
ciência.
procurar
a
própria
bibliografia, fazer com que ela fundamente aquilo que está sendo pesquisado e não tentar encaixar nossa pesquisa em textos alheios aos nossos interesses. Isso é ilustração no mal sentido da palavra. Veja bem, não estou dizendo que não é preciso ler, estudar sobre a sua área, isso é essencial para qualquer profissional que queira desenvolver bem o seu trabalho. Mas um clássico da literatura é fundamental para qualquer pessoa que queira se desenvolver como ser humano. Procure ir além daquilo que é dado nas universidades, mas que você sinta que é necessário para o desenvolvimento da sua obra. Isso é fundamental para o desenvolvimento de uma poética. 16
_______________________ ¹ Extrato de entrevista realizado pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC) – 2015. Imagens cedidas e de autoria da artista.
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APOTHEKE
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APOTHEKE Entrevista com Teresa Poester¹ Teresa Poester Artista e professora de desenho no Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre. Expôs em vários países incluindo individuais no Brasil, Argentina, Espanha, França e Bélgica. De 1979 a 1986 dedica-se ao movimento de Arte Postal e trabalha como professora, artista gráfica, cenógrafa e ilustradora. Entre 1986 e 1989 estuda pintura em Madri. Entre 1998 e 2002 habita na França para realizar doutorado na Universidade de Paris 1, Panthéon-Sorbonne. Volta a viver na França em 2006. Em 2009, retoma suas atividades como professora no IA-UFRGS criando o Atelier D43, grupo que explora o desenho combinado a outras linguagens artísticas. Atualmente, entre a França e o Brasil,
trabalha em Eragny-sur-Epte e Porto Alegre. Fonte: http://www.teresapoester.com.br Leandro Serpa [L. S.]: A professora comenta em seu site que iniciou pelo desenho e que após sua passagem pela Espanha, a figuração narrativa dá lugar à paisagem. Gostaria que comentasse esta passagem. Teresa Poester [T.P.]: Na verdade, trabalhei com muitas coisas diferentes, fui também estudante e professora de matemática, artista
trabalhei
gráfica,
até
cenógrafa
como
bancária,
para
teatro
e
e
depois
cinema,
como e
me
dedicando ao movimento de Arte Postal. Mas, além da criação artística, ser professora de artes passou a ser a atividade mais constante. E é até hoje meu meio de sobrevivência. Sempre
gostei
artista.
E
linearidade
disso.
acho em
que minha
mudanças
são
trabalho
desdobra-se
Não
pretendia
por
ser
professora,
trajetória
permanentes, nele
mas e
ganhar
de sem
dele
a
vida
há
trabalho. grandes
mesmo.
Só
como
uma
certa
Ou
seja,
saltos. quando
O fui
estudar pintura na Espanha, já com 30 anos, depois de ter concluído o Instituto de Artes (havia vivido no Rio de Janeiro
e
acabei
tarde)
houve
uma
transformação
mais
radical. Era meu sonho viver na Europa, não queria ir como turista. Consegui uma bolsa do governo espanhol e foi, para mim, um período de mudanças fundamentais. Embora eu tenha
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APOTHEKE frequentado a Universidad Computense de Madrid, os artistas que
me
marcaram
mais
não
foram
os
que
conheci
na
Universidade. Tive um aprendizado mais direto através de experiências artistas
com
também
‘taller da art Madrid.
pintores, de
áreas,
num
espanhóis,
programa
actual’, no Círculo de Bellas
Funcionava
(referenciando
outras
principalmente
o
num
Ateliê
espaço de
bem
Pintura
maior da
do
UDESC),
e
chamado Artes de que
este
onde
se
ficava o dia todo trabalhando. Os jovens artistas enviavam o
portfólio
selecionados
e
os
pelo
15
que
tinham
responsável
do
a
sorte
ateliê,
de
serem
trabalhavam
durante um mês sob sua supervisão. Ficávamos todo o tempo para aproveitar ao máximo. Durante um mês de manhã, tarde e noite trabalhando. Fiz grandes amigos lá que conservo até hoje. Artistas de vários países eram convidados a orientar esses ‘talleres’; uns, mais famosos, não ficavam o dia todo, mas vinham frequentemente e observavam os trabalhos de todos. Havia o momento da ‘charla’, como eles chamam, onde sentávamos para conversar. Nesse período, saí daquela coisa
mais
caricatura. figuras
figurativa Durante
e
certo
intencionalmente
caricatural, tempo,
ainda
estereotipadas
não no
era
bem
Brasil,
as
tinham
uma
influência tragicômica de um certo realismo mágico, mas sempre com a preocupação de fazer um trabalho brasileiro. Queria mostrar a mistura entre o popular e o erudito que existia no Brasil. Trabalhava com crianças nessa época, o trabalho também absorvia essa coisa do cômico e do trágico dos contos de fadas, além das tradições populares. Alguns fiz inclusive aqui em Santa Catarina com figuras vestidas para a Festa do Divino, elementos da religiosidade, uma ‘mistureba’ que, na Espanha, foi dando lugar a símbolos locais para desaparecer gradativamente. Eu queria muito trabalhar com pintura justamente porque minha pintura era
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APOTHEKE muito ruim e uma maneira mais abstrata porque não sabia fazer. Queria aprender a pintar. Achava que aquilo não era pintura. Ainda em papel e com camadas de tinta magras, era um desenho pintado.
Em Madri, comecei a trabalhar com
encáustica, aí sim na Universidade. Na encáustica e com o maçarico não havia como controlar o contorno e a figura começou a se fundir com o fundo. Como falou uma amiga na época, era como se o trabalho estivesse chacoalhado num liquidificador. A partir daí, se tornou mais abstrato e dessas manchas começaram a surgir paisagens. Nas casas e apartamentos em Madri tem sempre sacadas que eles chamam balcões.
Os
desenhos
desses
balcões
serviam
depois
de
esqueleto construtivo, davam o ritmo e a estrutura que permitia a liberdade das paisagens no fundo. Essa relação entre
paisagem
e
a
abstração
presente
no
meu
sempre me interessou, teoricamente também. Os
trabalho primeiros
pintores abstratos foram paisagistas. Escrevi muito sobre isso
tanto
no
Mestrado
quanto
no
Doutorado.
Agora,
respondendo à pergunta, a figura saiu quando fui morar fora (na Espanha) e penso que a paisagem tem a ver com o fato de se estar longe. Isso pode ter influído também. Os teóricos sempre falam que a paisagem é uma construção cuja condição de afastamento é essencial.
E é uma construção da memória.
Nasci numa cidade pequena com uma paisagem provinciana. Fui para Porto Alegre ainda criança. Então, parece que aquilo volta
quando
se
está
longe
outra
vez,
e
ressurge
a
nostalgia da paisagem de origem. L.S.: Observei o vídeo de Ana Luiza Azevedo e o momento em que você fala sobre o enquadramento da paisagem através da janela. Você discute isto também na série Jardins e diz que a janela seria uma forma de enquadrar a paisagem, de traçar paralelos entre pintura e paisagem?
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APOTHEKE T.P.: A partir do momento em que começo a trabalhar com paisagem, de certa forma tudo o que faço tem relação com isso,
só
que
primeiros
vai
mudando,
trabalhos
que
inclusive
chamei
de
técnica.
paisagem
não
Os
eram
bem
figurativos. Já eram em tinta acrílica sobre tela e não havia
mais
pintura.
o
contorno
Quando
fiz
segmentação
do
relacionar
essas
do
o
quadro
desenho,
Mestrado em
partes.
já
considerava
começou
a
haver
partes
e
comecei
várias Esses
eu
fragmentos
uma a
formavam
uma
geometria que chamei de janelas, mas não eram janelas no sentido
literal,
abertos
a
representativas.
diferentes
cenários
Eram
que
se
enquadramentos
uniam
através
de
associações formais dentro do espaço único do quadro. Como quadros dentro do quadro. L.S.: Seria esta a série exposta no Torreão? T.P.: Exato. Mas este foi um trabalho específico para o local
e
tinha
como
finalidade
ser
interativo.
Com
o
enquadramento da paisagem que dá origem às janelas foi havendo segmentações ortogonais. O quadro já não era tão fortemente gestual, havia elementos quase geométricos. Eu trabalhava às vezes com fita adesiva, com linhas retas. O exagero chamei
dessa de
segmentação
‘grades’.
dá
Essas
origem
redes
à
outra
ortogonais
série das
que
grades
possibilitam uma volta ao desenho. E quando eu estava num processo obsessivo dessas grades, que eram trabalhadas como num
gesto
de
esgrima,
me
tornei
meio
fechada
neste
processo. Fiz alguns desenhos de observação dos jardins de minha
casa
em
Eragny
sur
Epte.
Surgiram
formas
mais
orgânicas da natureza arredondada do verão na Normandia. Este período chamei de Jardins de Eragny. Nesse momento, começo a trabalhar texturas. Se olhares meus textos (alguns estão no site) há alguns sobre paisagem e sobre a janela
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE como enquadramento da paisagem dentro da História da Arte. Por que surgiu a janela, surgiu junto com a paisagem no Renascimento?
Talvez
para
enquadrar
a
paisagem
que
não
existia ainda na Idade Média. Com o humanismo renascentista surgiu a necessidade de situar o homem no seu espaço, no aqui e agora. Antes a figura humana era quase um boneco estereotipado.
A
figura
se
torna
uma
personagem
real
ocupando um espaço real. Mas ainda não sabiam resolver direito isso dentro da perspectiva linear que não se aplica à paisagem como a perspectiva aérea. E alguns pintores passaram a utilizar o recurso da janela como estratégia para situar a personagem no quadro. A janela era também usada para criar um espaço e uma narrativa paralela à da cena principal. Procurei abordar essas coisas na Tese de Doutorado que fiz lá na França cujo título é: ‘Fronteiras da Paisagem: Janelas e Grades’. 22 L.S.: Observo que sua obra atual parte da paisagem na pintura, com a cor. No Mestrado você discute a paisagem e no Doutorado você tem contato com os jardins franceses que é uma forma que podemos chamar de tratar a paisagem. Seria isto? T.P.: Quando fui para a França estava nesse período das grades e voltando a me apaixonar pelo desenho que tinha começado
lá
atrás
com
aquelas
figuras
humanas
estereotipadas. Com as grades era um desenho completamente diferente. Estava iniciando a Tese e não sabia bem de onde partir. Pensei nessas pinturas de paisagem e de janela, a fatura da pintura e da cor, como disseste, como ponto de partida.
Mas
qual
era
minha
exatamente
minha
pergunta?
Pois, para fazer uma Tese tem que haver uma pergunta, não é? E me dei conta de que a minha era muito simples: Por que eu ainda desenhava e pintava? Só isso. Partir de uma coisa
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APOTHEKE simples que fosse genuína, descobrir porque estava ainda fazendo
isso
companheiros,
quando
poderia,
conquistar
o
como
espaço
muitos
de
tridimensional
meus ou
trabalhar em outras linguagens. Nesse momento, percebi que não interessava mais a representação ou passar uma ideia, como talvez lá no início e tal. O importante era mostrar o gesto através da mão que treme, que traduz o sentimento e o pensamento. Mostrar o desenho como escritura do corpo, um gesto em vias de desaparecimento. Aos poucos entendi que, nesse momento, a cor já não me interessava. O gesto seria mais visível em preto e branco. Tampouco me interessava a mancha. Fui dispensando tudo o que não era essencial. Ao final, concluí que a linha é capaz de registrar o movimento mais do que a mancha ou a cor. Em geometria, a linha é o ponto que se desloca. Há a noção de deslocamento na gênese do desenho, pois desenho é linha. E a ideia de movimento é a base do gesto. Podemos pensar que fui aproximando o olhar sobre a paisagem como num zoom, afunilando o enquadramento. Não me interessava a paisagem em si, mas a gestualidade que proporciona, a estrutura da natureza que ensina diferentes texturas,
possibilidades
de
abstração
orgânicas
ou
geométricas. Tens razão quando falas do lugar, porque tenho um vínculo enorme com esse lugar na França. Vou agora mesmo passar dois meses lá. É uma paisagem de campo onde tenho um ateliê. É um local com uma natureza exuberante e orgânica no verão, e fria no inverno, com seus galhos secos contra a neve. Cenários completamente diferentes. No inverno não tem cor e é tudo geométrico, isso me interessa. Se olhares aqui, (mostra um catálogo) verás que tem uma passagem. Isso foi uma exposição recente, mas não é só desenho, é gravura misturada com outras linguagens. Nessa montagem de 12m de largura,
inverno
e
verão,
geométrico
e
orgânico,
se
misturam na medida em que o observador se desloca para ver
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REVISTA
APOTHEKE a instalação. Esse desenho vem da reflexão que a natureza proporciona. Por que é preto e branco? Por que é azul ou verde? Talvez não pareça, mas tudo é extremamente pensado. L.S.: Você poderia comentar se há alguma relação entre o olho que apreende e a mão que realiza na sua relação com a paisagem? T.P.: Eu não fecho o olho, não vejo nada, não imagino uma coisa e tento fazer o que imaginei. E, hoje em dia, poucas vezes desenho de observação. As vezes até desenho, mas não tenho mais esse hábito. Esta coisa mais orgânica surgiu em um momento em que esgotou a série das grades. E aí foi a observação que proporcionou a mudança, mas logo comecei outra coisa. E a coisa dá no confronto com o suporte, papel ou tela. É o fazer que gera o processo do desenho. E quando estou repetindo um gesto, me incomodo. Trabalho há quase quarenta anos, certos automatismos reconheço bem. Muitas vezes estou ali no automático, entende, é fácil. Então preciso criar estratégias para burlar esse automatismo, por exemplo,
trabalhar
com
extensor,
trabalhar
com
a
mão
esquerda, com gravura, como é o caso agora nessa exposição onde misturei uma série de procedimentos a partir de uma série de gravuras, usei muito o computador e só então vim com gesto do desenho. Criei uma nova técnica que nada mais é do que uma estratégia para obter uma gestualidade que me surpreenda dentro do que faço. Essa exposição só aconteceu porque
criei
esse
procedimento.
Esses
trabalhos
foram
idealizados especialmente para o grande espaço da Galeria Bolsa de Arte de Porto Alegre. O catálogo Anagramas dá uma ideia
da
escala
Trabalhei
durante
dos
trabalhos
quatro
meses
no
espaço
nesse
expositivo.
projeto.
Já
havia
produzido as gravuras na Fundação Iberê Camargo no ano passado
e
resolvi
fotografá-las
e
trabalhá-las
no
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REVISTA
APOTHEKE computador
como
parte
de
minha
pesquisa
de
fusão
das
linguagens. Precisei ser muito organizada nesse processo. Somente depois na última camada interferi diretamente com desenho sobre a impressão em grandes dimensões das gravuras anteriormente
fotografadas.
O
processo
começou
com
o
desenho na chapa e foi concluída com desenho sobre o papel impresso.
A cada vez que estou no computador meu olho
seleciona, desenha. Uma vez os impressos ampliados, uma parede tão grande no ateliê, desenhava por partes. Tinha o conjunto no computador no pensamento. Não sou purista para achar que desenho é só lápis e papel, o grupo Atelier D43, que
existe
há
5
anos,
tem
site
e
página
no
Facebook,
trabalha o desenho misturado ao vídeo e outras linguagens contemporâneas. Catarina
vêm
Seguidamente, à
Porto
jovens
Alegre
artistas
participar
de de
Santa nossas
atividades. 25 L.S.: Na entrevista que realizei com Vergara, o artista fala
sobre
o
desconhecimento
acerca
dos
processos
artísticos contemporâneos e usa a palavra ‘eloquência’ para se referir à obra ‘pronta’ para ser exposta. São questões que a professora colocou aqui. Poderia falar mais sobre este assunto? T.P.: Não é nada correto, mas quando falamos de eloquência muitas vezes vem a palavra ‘grandiloquência’ quase como um sinônimo, não é? Há um texto meu ‘Sobre o Desenho’ que fala da diferença entre desenho e pintura e fala nessa ideia. Em síntese, diz que o desenho não tem a grandiloquência da pintura na História da Arte porque nunca foi uma linguagem em si, isso é muito recente. No século XVII, já havia colecionadores de desenho, mas era uma coisa muito rara, um capricho de poucos. E não eram para colocar na parede, mas para ser visto em mesas, na horizontal, de forma íntima,
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REVISTA
APOTHEKE reservada.
O
desenho
conservou
durante
muito
tempo
a
característica de algo privado. E talvez esse seja seu maior
atrativo.
interessa
por
Mas
um
se
lado,
seu por
aspecto
outro
meu
confidencial trabalho
me
procura
conferir ao desenho uma certa eloquência ou grandiloquência no sentido do grande formato e de abolir o contorno, o que aproxima o trabalho da pintura. São aparentes contradições que nem sempre nos damos conta. Mas penso que através das contradições, o pensamento evolui. L.S.: Gostaria que falasse sobre o desdobramento que ocorre em seu processo criativo que se caracteriza pela mudança de suporte e uso de mídias diversas. T.P.: É! A palavra é esta, desdobramento! Agora produzi uma série com gravura, por exemplo. É um desdobramento natural, um processo que vai acontecendo, às vezes, ao longo de muitos anos. Esse trabalho com a natureza, com o tema dos jardins, que parte da janela, do enquadramento, me levou a fotografar neste lugar da campanha francesa há quase 20 anos.
Não
fotografava
a
paisagem,
as
pessoas,
até
fotografava para meu arquivo pessoal, mas para arquivo de trabalho,
fotografava
o
chão,
o
pedaço
de
árvore.
Ia
relacionando texturas da natureza e de desenhos. Alguns colegas do Instituto de Arte que foram visitar meu ateliê, como Alfredo Nicolaievski, perceberam que a paisagem de Eragny tinha tudo a ver com meus desenhos. Lembro que na chegada disse: desenhos
‘Teresa, da janela do trem eu via teus
passando’.
Era
dezembro
e
os
galhos
negros
pontiagudos e secos se destacavam contra um fundo de neve. Logo depois, fiz uma exposição em um Castelo em Gisors onde havia janelas compridas daquelas medievais, sabe?
Alguns
desenhos ficavam ao lado dessas janelas e pensei: ‘Tem tudo a ver realmente, a paisagem de dentro e de fora’. Nesse
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REVISTA
APOTHEKE momento, comecei a fotografar de forma mais sistemática. Mas
nunca
desenhei
fotografava
a
pensando
partir nos
de
fotos,
desenhos
que
ao já
contrário, haviam
sido
feitos. Queria entender a relação entre uma coisa e outra. Não sabia no que isso iria resultar. Acabou que selecionei umas
duas
mil
apresentações
imagens no
e
Power
comecei Point.
a
associá-las
Fui
criando
experimentando
sem
expectativas e mostrei para um pianista francês, com quem já havia feito algumas coisas, é um músico maravilhoso. Ele gostou muito e me sugeriu criar um vídeo para contracenar com um concerto seu em uma igreja com uma composição de Morton Feldmann (o grande compositor americano do grupo de John
Cage
responsável
pela
fusão
da
música
com
outras
formas de arte). Selecionei por volta de 900 imagens fixas e editei o vídeo de 78 minutos com Eny Schuch, em Porto Alegre. Mais tarde, fizemos uma mini versão de 3 minutos que vou mostrar à vocês. As coisas vão surgindo meio por acaso. Quando fiz o vídeo pensei que algumas poderiam ser impressas. mostraria
Imprimi canetas
para
uma
exposição
Bic.
Embora
ninguém
em
Bruxelas
onde
conhecesse
este
trabalho lá, eu queria mostrar algo novo e expus algumas sequências do vídeo em papel. Claro que fiz uma seleção. No vídeo havia mais de oitocentas imagens. Foi feito para uma catedral medieval que convidava à contemplação. Mas penso que ficar 78 minutos assistindo em uma exposição, poderia ser uma chatice. Então fizemos uma versão de 3 minutos para um
festival,
coloquei
as
que
está
imagens
disponível
impressas
na
no
YouTube.
parede
da
Quando
exposição,
percebi que o pessoal me perguntava com muito interesse. A partir daí, veio a ideia de fazer um livro, achei que seria a melhor forma
de apresentar as sequências! O
fato de
mostrar é importante porque as pessoas te dizem coisas que podes nem ter pensado. Acho que um trabalho artístico deve
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APOTHEKE ser mostrado para existir, para respirar, para que volte para
ti
e
gere
outras
possibilidades.
Essa
troca
é
fundamental. L.S.: Até que ponto a experiência do ateliê é importante para a ação de ensino? T.P.:
A
experiência
compreende
o
do
processo
ateliê de
é
importante
criação,
suas
porque
se
angústias
e
dificuldades, embora não seja só isso que conte na vocação do professor. Às vezes o trabalho de ateliê é sofrido, angustiante, mas essa vivência permite entender e ajudar o processo dos alunos. E, às vezes, o aluno realimenta tua prática, é uma via de duas mãos. Com o grupo Atelier D43, esses
meninos
colega.
Por
com
quem
trabalho,
vezes
eles
me
tenho
dizem:
uma
‘Teresa
relação
isso
eu
de não
gosto’, então procuramos entrar num acordo, é de troca mesmo. Muitas vezes mostro meu trabalho e pergunto o que estão achando. É bacana porque podem aportar coisas que me fazem pensar. São guris muito interessantes e inteligentes. Há
alunos
que
têm
capacidades
que
nós
professores
temos, especialmente agora nessa questão de
não
tecnologia.
Esses meninos sabem muito, por exemplo, utilizar programas e
redes
sociais.
Às
vezes
me
falam:
‘Tu
não
vês
que
nascemos com isto!’, como quem diz, tu vais querer te meter nessa?! (risos). Silvia Carvalho [S.C.]: Então já que o Leandro fez uma pergunta sobre ensino, vou dar continuidade. Você, que é professora de desenho e tem uma produção, em relação às suas
experiências
entre
produzir
Arte
e
Ensinar
Arte,
gostaria que falasse um pouquinho para nós sobre como e quando você se
tornou professora. E como a prática de
ensino teve impacto na sua produção artística no sentido de
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REVISTA
APOTHEKE você talvez ter
menos tempo para produzir ou
isso não
mudou? T.P.: Como é que me tornei... Na verdade sempre quis fazer Artes
Plásticas.
Vim
de
Bagé
ainda
criança
para
Porto
Alegre e não me adaptava. Foi um horror, porque fui para um colégio alemão com uma disciplina rígida e uma cultura diferente,
muito
difícil.
E
gostava
muito
de
desenhar,
então minha mãe me colocou na Escolinha de Artes da UFRGS, onde trabalhei depois como professora, e ali decidi que queria ser artista. E anos depois, foi ali que decidi ser professora de Artes. A Escolinha foi importantíssima na minha vida. Isso de ser artista já tinha decidido desde criança, pois me criei naquele lugar que funcionava no Instituto
de
Artes,
tu
entendes?
Olhava,
através
das
janelas da Escolinha para a sala 43 onde dou aula até hoje e via os alunos do IA desenhando modelos, achava aquilo o máximo. Ainda muito jovem achava importante ter meu próprio dinheiro. Éramos criados num mundo muito diferente do de hoje e eu queria ser responsável por meu sustento para ter a liberdade e viver conforme minhas ideias.
Comecei a dar
aulas particulares de matemática para não precisar pedir dinheiro
a
meu
permanente, mas particulares
me
pai.
Enfim,
essa
era
uma
preocupação
já havia o gosto por ensinar, e aulas deram
isso.
Adorava
matemática
e
não
gostava de ensinar ‘decoreba’, tipo memorizar uma fórmula, queria passar o prazer de pensar matematicamente, isso me estimulava. Os alunos me procuravam muito, as mães traziam outros
filhos,
principalmente
para
preparar
para
o
vestibular. Isso me motivava. E nessa época, com 18 anos, fiz vestibular para Artes, como era meu desejo, mas logo fui morar no Rio de Janeiro para cursar engenharia postal. Foi um desvio maluco e ocasional destino que
eu tinha
escolhido. Fiz um concurso para incentivar meu irmão e
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REVISTA
APOTHEKE acabei sendo aprovada graças à matemática. Enfim, acabei indo porque o curso oferecia uma bolsa vantajosa e eu queria,
antes
de
tudo,
ser
independente.
Mas,
embora
gostasse de cálculo e tal, odiei o tal no curso por causa dos estudos de administração. Em dois anos, voltei para o Instituto
de
Artes.
Já
tinha
certa
experiência
como
professora particular, mas achava que ser professora de colégio
seria
a
pior
coisa
do
mundo,
via
o
quanto
os
professores sofriam nas nossas mãos quando éramos alunos. Mas a escolinha me fez mudar de ideia. Trabalhei anos lá como professora em condições ideais. Sabia que numa escola seria
diferente,
mas
como
não
havia
muita
opção,
fui
trabalhar num colégio de freiras para testar e ganhar algum dinheiro. Era a aula da bagunça, muito difícil. Um dia cheguei no colégio e havia montinhos de argila que os alunos
jogaram
desastre.
Eu
insistindo. vestida
no
teto
pensava: As
aquelas coisas
Não
freiras
daquele
caíam vou
de
na
minha
conseguir!
disseram
jeito, que a
e
que
eu
alpargata,
cabeça,
Mas
não saia
um
continuei
poderia
ir
comprida
e
gente usava na época. Depois fui
trabalhar no colégio João XXIII e, no início, também foi difícil.
Às
complicado
vezes para
eu
chegava
uma
jovem
em
casa
chorando.
inexperiente
tratar
Era com
adolescentes, mas encarava como um desafio e me dizia: Tenho que conseguir! Vou adotar outra estratégia! Continuei persistindo.
Depois
que
consegues
segurar
uma
turma
de
adolescente, tu podes dominar qualquer turma. O adolescente é realmente o grande teste. Aos poucos, comecei a curtir cada pequena vitória e a me apaixonar pelo trabalho. Agora, a outra questão. Tu perguntas como era ensinar e ao mesmo
tempo
ter
o
meu
trabalho
artístico,
se
não
prejudicava no sentido do tempo. Claro, nesse sentido sim, sempre
prejudicou.
Produzia
nos
finais
de
semana,
nas
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REVISTA
APOTHEKE férias, quando podia. Teve uma época que dava aula da manhã à
noite.
Sempre
tendo
uma
produção
pessoal,
mas
por
necessidade mesmo, não tanto com a pretensão de ter uma carreira
artística.
Eu
fazia
exposições
mais
ou
menos
regulares quando achava que tinha algo que valia a pena ser mostrado. Tinha colegas com essa determinação, mas eu ia fazendo as coisas que surgiam
e que gostava.
Todas as
experiências nessa área me interessavam. Depois, já com certa experiência, quando fui para Espanha, fiquei mais dedicada ao trabalho pessoal. Mas, foi só depois de ter feito Doutorado na França, quando tive que pedir licença da Universidade em Porto Alegre e voltar para lá, sem vínculo aqui, é que me dediquei realmente em tempo integral durante três anos ao trabalho como artista. Nesse período, senti pela primeira vez esse gosto. Ter tempo integral muda a maneira de pensar e trabalhar. Penso que isso me permitiu um salto grande na reflexão e na qualidade.
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Havia marcado uma exposição na Bolsa de Arte quando fui viver em Eragny sur Epte. Embora esse lugar seja ao lado de Paris, fica na campanha e não é do meu feitio ficar parada vendo as estrelas. Queria ter um compromisso de trabalho garantido. Fiquei com medo do tédio, mas nunca aconteceu! Também pensei que iria sentir saudades de minhas aulas, mas não. Foi um período riquíssimo de produção, exposições e parcerias com artistas de lá. Depois voltei, é claro, mas foi difícil. E não porque não goste de ser professora, preciso das pessoas, por muito tempo me considerei mais professora do que artista. Sou uma professora mais de sala de
aula
mesmo,
esta
é
minha
praia.
Não
viajo
muito
à
trabalho, não quis ir para a Pós-Graduação. Procuro fazer o melhor que posso na Graduação, que deve ser fortalecida com pesquisas sérias e aulas interessantes. Procuro fazer isso;
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REVISTA
APOTHEKE escrever e fazer exposições sozinha ou com alunos, sempre que acho que vale a pena. Enfim, nessa época, foi difícil de abdicar desse tempo integral e recomeçar como professora. S.C.: Dessa forma, você consegue lidar com seu processo artístico? T.P.: É. Mas menos do que se eu tivesse mais tempo, é claro. Já estou com 60 anos e, se eu tivesse pensado que um dia iria envelhecer, sim porque envelhecer e morrer eram abstrações, se tivesse descontado para aposentadoria, já teria mais do que tempo para me dedicar somente ao trabalho pessoal agora. Mas, se não fiz, talvez seja porque, no fundo, queira continuar trabalhando com ensino, sei lá. Sou muito obcecada por trabalho, descanso trabalhando. (risos) S.C.: Como você pensa o ensino de Arte na Instituição de Ensino Superior? T.P.: Pois é. Tu sabes, a gente estava comentando isso aqui,
né?
(Ateliês
da
UDESC)
Um
espaço
maravilhoso
e
ninguém. Realmente, não vi nenhuma pessoa trabalhando aqui a não ser aquela menina ali embaixo, na cerâmica. Não tem o que te dizer. No Instituto de Artes não é tanto assim. Aqui, fiquei mais espantada porque a estrutura é muito melhor e o número de alunos trabalhando, muito menor, um deserto. Mas lá também temos alguns ateliês com muito menos gente
trabalhando
do
que
gostaríamos.
Penso
que
muitas
vezes os alunos não tomam posse dos seus próprios espaços públicos, do que pertencem a eles. Isso não é só no Brasil. O
que
acontece
no
Brasil
é
que
os
alunos
Universidade muito desinformados, vocês sabem Ensino
Básico
é
fraco,
e
chegam
sem
a
menor
chegam
à
que nosso noção
de
História da Arte. Sabem mais ou menos quem foi Picasso e olhe lá... sabem que Van Gogh cortou a orelha. Em geral, é
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REVISTA
APOTHEKE só. E já começam na Universidade com uma informação de ponta,
trabalhando
com
filósofos
contemporâneos,
lendo
Bordieu, quando não sabem quem foi Platão. Posso estar enganada, mas me parece que não existe uma História da Arte linear que permita uma relação de causa e efeito, não se fala mais nisso. A própria palavra ‘didático’ se tornou uma coisa feia, como se fosse burro ser didático. Acho isso pretensioso e fora da nossa realidade. Exposições públicas devem
ser
para
que
as
pessoas
entendam.
Tu
podes
ser
didático e não subestimar a inteligência do público, mas fazer
uma
coisa
que
instrua
também.
Acho
que
isso
é
honestidade intelectual. Então, muitas vezes, isso afasta o aluno da Universidade no sentido mais genuíno. O ambiente acadêmico às vezes propicia isso, em outros países também. Precisamos
de
mais
humildade
intelectual,
desculpe,
a
palavra acho que não é essa, mas de um certo realismo. Precisamos entender que esse aluno que entra na faculdade, é como é e não como gostaríamos que fosse. A meu ver, seria importante que no primeiro e no segundo ano pudesse ter uma base de História da Arte e de Desenho de forma mais linear. Não adianta começar com Arte Conceitual sem ferramentas básicas importantes. É em geral complicado para um aluno desinformado
entender
Arte
Contemporânea.
A
fusão
das
linguagens na música, na literatura, não é tão manifesta, mas as Artes Visuais se tornaram um balaio de gato onde cabe tudo e tudo é possível. É claro que essa liberdade é bem-vinda
e
que
o
aluno
precisa
ser
inserido
na
contemporaneidade. Mas precisaria conhecer e compreender certas relações introdutórias. Senão, que liberdade terá para poder analisar, criticar, escolher? É importante vocês chamarem também professores aqui, como no caso Frantz, que não são acadêmicos, isso eu já acho uma abertura que não acontece muito e é muito bacana.
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REVISTA
APOTHEKE Jociele Lampert [J.L.]: Aqui isso também não acontece, a gente faz acontecer, a gente força. T.P.: Isso é muito legal. J.L.: Mas esse é o nosso papel também. T.P.: É claro. Tens razão Joci, se a gente não fizer isso quem é que vai fazer? Com o Ateliê D43, o grupo que é parte de
minha
pesquisa
procedimentos desenho
e
‘Desenho,
gráficos
seus
e
Gesto
outras
cruzamentos,
mídias’
misturas
e
Pensamento: e
de
trabalha um
o
desenho
contaminado por outras linguagens, a gente faz círculos de conversa com artistas. Chamei artistas amigos que vinham no amor, sem ser pagos nem nada. Vinham fazer um bate papo, sem microfone, na sala 43, a sala de desenho que deu nome ao grupo. E todos os artistas convidados são de fora da Universidade. Chamamos pessoas para falar de assuntos que têm a ver com a essa pesquisa. Jorge Furtado, cineasta, por exemplo, foi falar sobre história em quadrinhos, desenho e cinema, Mauro Fuke foi falar sobre desenho como projeto, designer. Cada um pensando desenho num aspecto a ver com o trabalho
do
grupo.
Mas
a
gente
não
chamou
ninguém
Universidade justamente para abrir. Na nossa ‘Lugares
do
desenho’,
tampouco
chamamos
da
exposição,
professores
da
Universidade. Quando realizei a exposição ‘Porto Alegre em foco’,
com
Eny
Schuch,
com
478
participantes
do
mundo
inteiro na Pinacoteca do IA em 2004, da mesma forma. Sempre procuro sair um pouco do âmbito acadêmico, senão fica a coisa fechada no nós para nós mesmos, não é?! Na França, tenho
uma
amiga
que
diz
que
na
Universidade
se
auto
reproduzem. O estudante sai da Graduação e vai fazer a Pós e a Pós da Pós. Frequentemente, vira professor e quando faz exposição é, muitas vezes, dentro de um circuito acadêmico.
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REVISTA
APOTHEKE Esse círculo vicioso que acontece em todas as profissões. Mas
justamente
o
conceito
de
Universidade,
no
sentido
genuíno, é também abrir para a comunidade, o universal. Segundo momento: S.C.: Eu tenho o questionário do Joe Fig, podemos? T.P.: Pode ser. S.C.: 1. Quando foi que você se considerou uma artista profissional e quando se sentiu capaz de se dedicar em tempo integral à Arte? T.P.: Never (risos). Não consegui ainda, em certo sentido estou
louca
para
me
aposentar
e
conseguir.
Quando
me
considerei profissional, não sei. Nem sei muito bem o que é ser profissional. Quando fazia Matemática e Artes, quase me formei em Matemática, mas chegou um momento em que tive de optar. Lembro que, nesse período, o primeiro trabalho que vendi numa exposição em 79, foi para Dona Alice Soares, que era minha professora. Ela me dava muita força e talvez tenha comprado só para me incentivar. Eu adorava a maneira como ela ensinava, não tanto o trabalho dela, mas as coisas que
falava
como
professora,
isso
também
foi
importante para me tornar artista e professora. dizem
para
fazer
um
currículo,
onde
é
que
muito Quando
começa
um
currículo? Desenhar sempre desenhei, todo mundo desenha. Considero que comecei a me profissionalizar quando comecei a expor. Mas posso dizer que, apesar de tantos anos de trabalho, faz muito pouco tempo que comecei a achar que realmente meu desenho tinha alguma coisa mais genuína a dizer, foi quando estava na França. Foi aí que comecei a me achar capaz de aportar alguma novidade, tanto no plano prático como teórico. Bem recentemente. Claro, em várias ocasiões as pessoas elogiam e tal, mas sempre relativizo e fico pensando que, quem não gosta, não fala.
Então só
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APOTHEKE recebes os elogios quando seria importante receberes também críticas,
que
raramente
vem.
Quando
se
ouve:
‘Nessa
exposição, só recebi elogios’... é normal, só se recebe elogios mesmo e isso, em si, não quer dizer muito. Mas tem alguns elogios que fazem com que a gente se acredite, ‘Que a gente se jure’ como diz um sobrinho meu. Lá na França, recentemente,
aconteceu
isso
com
algumas
pessoas
cuja
crítica e opinião foram importantes para mim. S.C.: 2. E, então, quanto tempo tem estado em estúdio? T.P.: Ah, pois é. Por exemplo, agora que estou para fazer essa exposição, eu ficava trabalhando todo o tempo que eu não estava dando aula. Ficava obsecada, sem sair, dormindo pouco e sem descanso. É de manhã, de tarde, de noite, domingo, sábado. A casa estava vazia, eu a invadi e fiquei trabalhando full time. Em geral, sempre fico, mas quando tenho
um
compromisso
assim
não
posso
fazer
mais
nada,
porque imagina preparar, fazer tudo isso em cinco meses. Agora, por exemplo, tenho um projeto, um trabalho que vou fazer com o Vagner Cunha, que é um disco e um DVD. Mas não sei para quando vamos conseguir, pois tanto ele quanto eu somos muito ocupados. Em geral, sempre que saio de um trabalho já tenho outros. Se não tenho, invento, já me acostumei a viver assim e preciso disso. Normalmente, são muitas coisas ao mesmo tempo, mas as aula são prioridade e uma atividade contínua. Quando se faz o que se gosta é uma benção na vida, a maior delas. As pessoas mais próximas reclamam
que
estou
sempre
trabalhando,
que
preciso
me
interessar por outras coisas! (risos). Aí tenho medo de virar
aquela
esquisita,
que
ninguém
aguenta
(risos),
obsessivo total, insuportável. Fazer o quê?! S.C.: 3. Quando você começou a trabalhar neste espaço?
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APOTHEKE T.P.: Voltei da França em 2009, e em 2010 fui para este ateliê. Não é tão grande, mas tem um terraço com uma vista muito linda. Dos locais que tive para trabalhar, em Porto Alegre, este é o melhor. É uma cobertura de dois andares e em cima fica o ateliê. S.C.:
4.
A
localização
de
seu
estúdio
influenciou
seu
trabalho de alguma forma? T.P.: Eu já tive vários estúdios, que chamo de ateliê, em locais diferentes, mas em geral onde moro, nunca gostei de me deslocar, perderia muito tempo. Se estou em casa, posso trabalhar
até
três
horas
da
manhã,
dormir
e
voltar
a
trabalhar. Se morasse longe, dependeria de táxi porque não dirijo e, para mim, facilita muito. Quando eu morava em apartamentos menores, fazia um tanque e um ateliê, deixando o quarto menor como quarto. Era mais ateliê do que casa. Lá na França era assim também, por quatro anos em Paris. Morava em uma zona mais nova, em um prédio bem alto na Place d’ Italie,
onde se via
através de uma
janelinha
aquelas ogivas do Panthénon e a Torre Eiffel, tipo cartão postal. Aquele
monte de janela
e de grades,
querer,
influenciando
trabalho.
acabam
o
No
mesmo sem ateliê
que
pertenceu a Pissarro, que era pertinho de casa, não podia trabalhar de noite nem no inverno, pois não tinha luz ou aquecimento. Desenhava num cenário de natureza e isso ia integrando o trabalho sem que, muitas vezes, eu me dessa conta. S.C.: 5. Você pode descrever um dia típico em sua vida? T.P.: Eu gosto da rotina. Porque minha vida já teve coisas nada
banais
e
muito
difíceis.
Fico
contente
de
voltar
provisoriamente ao cotidiano depois de uma exposição muito movimentada. Sempre me entrego demais nessas coisas, não
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APOTHEKE sei ser diferente. Mas gosto de ficar menos acelerada, ver um
filmezinho.
Antigamente
eu
talvez
não
gostasse,
mas
agora gosto da rotina, embora mantê-la me seja difícil. Sempre tem coisas inesperadas, vernissage de um aluno que tens que ir, de outro que escreveste o texto. Faz parte da minha vida e gosto, mas depois de tantos anos, muitas vezes prefiro ficar trabalhando com minhas coisas. Sou uma pessoa falante,
gosto
de
encontrar
os
amigos,
mas
tenho
necessidade também de silêncio. Se me disseres: ‘Vais ter dez
dias
sem
ótimo. Consigo
falar
com
ninguém,
fazer isso com
só
trabalhando’,
prazer, sabe.
acho
Porque o
melhor é fazer o que se gosta e nesses momentos não me sinto
sozinha.
Quando
chega
a
hora
de
mostrar
numa
exposição é importante e necessário, é isso que dá sentido ao trabalho. Mas o melhor mesmo é fazer, quando surge algo e se tem a felicidade solitária de um momento raro que apaga a angústia e a fatiga. É muito intenso e especiífico. O prazer de gerar uma coisa é diferente do prazer de ler um livro
ou
ver
um
bom
filme.
Enfim,
uma
experiência
intransferível como todas as experiências intensas. Assim como a angústia que acompanha a criação. Sempre acho que não vai sair mais nada de novo, que já fiz o que podia fazer. Mas uma coisa vai puxando a outra e o trabalho mesmo vai abrindo caminho. Porque é engraçado isso, ele se auto gera, como se fosse uma coisa meio mediúnica (risos), mesmo que a gente não force nada. S.C.: 6. Você costuma ouvir música, rádio, TV quando está trabalhando, e isso afeta seu trabalho? T.P.: Quando estou trabalhando ou fazendo um texto não gosto
de
ouvir
nada.
Mas
quando
estou
desenhando,
dependendo do trabalho, às vezes consigo ouvir música sim, e às vezes até rádio. Foi o que aconteceu na fase mais
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APOTHEKE manual daqueles desenhos que vocês viram com canetinha Bic, um
trabalho
muito
miudinho
que
tenho
que
colocar
na
vertical para ver e só depois executar na mesa. Era como um bordar sobre papel. Um bordado que durava muito tempo e que requer mais paciência do que tudo que costumo fazer. Gosto de ouvir música e de ver filmes na TV, comecei com esse hábito morando no campo onde não tinha muito como ir ao cinema, mas de me concentrar no que estou escutando. Poder
ver
um
filme
em
casa,
aqui
nós
temos
essa
possibilidade de gravar quando tem um filme de Arte ou um programa novo. Vejo o jornal, essa rotina eu gosto. Às vezes, dou uma parada para ouvir uma música. E gosto de ler também. Quando jovem lia mais poesia, mas agora é mais romance. Agora me apaixonei por aquele português o Valter Hugo Mãe, muito bom. Aí pego vários dele. Às vezes leio livros de Arte, mas não de forma tão sistemática como fiz durante muitos anos.
Voltei para os romances, que adoro,
embora leia menos e mais devagar do que gostaria. S.C.:
7.
Que
tipos
de
tinta
você
usa,
que
tipos
de
não
tão
materiais você usa? T.P.:
Sempre
gostei
muito
de
usar
materiais
comumente utilizados por artistas, alguns que normalmente crianças usam, como lápis de cor ou grafite e materiais banais, mas uso materiais de boa qualidade. Tento tirar o máximo proveito desses utensílios simples como a canetinha Bic, que emprego por ser o instrumento da escritura e mostrar
o
gesto
pequeno
da
mão.
Consultei
vários
profissionais e sobre a duração da caneta Bic com a ação da luz. Qualquer material que sofre ação do sol e da luz vai esmaecer. Mas, na caneta esferográfica, isso é pior por causa
do
chumbo.
Quando
se
coloca
o
vidro,
já
filtra
bastante. Existem vidros para Museus que tem filtro UV, mas
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APOTHEKE são
tão
caros
exemplo.
A
que
só
solução
é
se se
justifica aplicar
num
no
Van
vidro
Gogh,
por
molhado
uma
película do tipo que se coloca nos carros que, em vez de fumês, existe também transparente. Tem que saber colocar mas é um bom filtro, não só para a caneta Bic, mas para proteger outro tipo de material. S.C.: 8. Fale-me um pouco sobre suas paletas de pintura. T.P.: Comecei com o que considero pintura, na Espanha, com um
pintor
influenciado
pela
Escola
de
Nova
Iorque,
um
espanhol que adoro, Carlos León. Seu trabalho ainda me fascina, fazia coisas imensas. A gente trabalhava numa nave imensa e instalava as coisas no chão. Não trabalhávamos com tinta pronta. Lá em Madri, tinha uma loja antiquíssima, só de pigmentos, que vende a granel, sabe. Vão colocando meio quilo de amarelo cádmio em saquinho de papel pardo, uma maravilha. E neste ateliê, cada um tinha um espaço grande e fabricava
as
aglutinantes.
suas Mas
tintas
misturando
ultimamente,
com
pigmentos
desenho,
e
utilizo
materiais prontos que compro na França e trago. O que faço não é mais pintura, embora tenha a ver com pintura no sentido de que não há mais contorno, a linha cria texturas. Não
existe,
como
na
forma
fechada
pelo
contorno,
uma
relação de figura fundo. São campos de tonalidades. Quando optei por fazer essa exposição, pensei: Vou fazer só com 3 cores, tudo foi decidido antes. Aqui serão quadrados, nessa parede terá um vertical para quebrar o ritmo.
Ali deverá
ir o vídeo. Pensei em trabalhar com cores frias, que tinham a ver com caneta Bic, sobretudo para compensar um gesto que é forte, emocional.
Essa compensação é necessária para
estabelecer a tensão. Se trabalhas com cores muito quentes e energia forte, estás dizendo duas vezes a mesma coisa. Precisamos
de
contrapontos.
A
primeira
vez
que
vi
a
Guernica na Espanha, uma das coisas que me impressionou
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APOTHEKE foram as cores frias; isso não tirava sua força dramática, mas ao contrário, a tornava mais potente. Se
as cores
fossem quentes, poderia haver um efeito redundante como um ator
exagerado
que
não
convence.
Uma
emoção
contida
adquire mais força. Senti algo parecido com as cores frias de uma pintura de Joan Michell, no Museu de Grennoble. Ela pintava de um jeito explosivo, meio Cy Twombly. Sempre achei que era uma versão contemporânea de Monet, vizinho e compadre
de
Pissarro,
depois
descobri
que
a
artista
canadense morava pertinho de Eragny e de Giverny.
Queria
fazer uma grande instalação, aproveitando a arquitetura da galeria,
que
mostrasse
esses
gestos
quentes
com
cores
frias, por isso optei por verdes e azuis. Um trabalho mais colorido tem um apelo de sedução imediato, acredito que as pessoas gostem mais, mas não era o que eu queria. Dentro da História da Arte, sempre teve aquela pendenga entre a cor e a linha, o desenho e a pintura, de a cor ser um ornamento etc...
O
Duchamp
falou
justamente
dessa
arte
retiniana
etc... que valorizava mais a coisa do olho, que era o que os
impressionistas
imaginou
que
ele
faziam. seria
Na o
verdade, Duchamp,
o
Duchamp
nunca
teria
essa
que
importância toda. Talvez muitas coisas que se falam sobre ele sejam até viagem. Acho interessante pensar que quando ele fez aquele ato inaugural do ready-made, não foi o único responsável, quem permitiu que o objeto fosse exposto foi tão revolucionário quanto ele. São os atores esquecidos da História. Mas isso é outro assunto. S.C.: 9. Existem objetos específicos (no ateliê) que têm um significado importante para você? T.P.:
Não
sei
se
um
significado,
mas
uma
importância
prática também. Gosto de ter os livros todos no ateliê. Hoje, por exemplo, trabalho muito com computador, e tenho
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APOTHEKE que ter quase um estúdio de fotografia, tripés, máquinas, iluminação. As coisas têm que ser bem fotografadas. Tive que investir nisso. E também em projetor e material para vídeo. Mas, meus lápis continuam nas mesas e as paredes forradas de tábuas para eu poder fixar os trabalhos. Quase nunca trabalho na horizontal. A não ser com caneta Bic que precisava de uma mesa bem grande e colocava na parede apenas para poder enxergar o trabalho. O ateliê tem de ser uma coisa muda em função do trabalho, as mesas se desfazem sobre cavaletes. Quando trabalho na vertical, muitas vezes uso escada para fazer coisas mais altas. Esses aqui, quando estavam no ateliê, precisava fazer de dez em dez e ia numerando como se fosse uma matriz. Tinha que ficar em uma escada ou banquinho para trabalhar. É um trabalho físico que não sei até quando poderei fazer. Por causa do desenho, tenho há anos problemas de bursite. As vezes dá muita dor. Por exemplo, quando trabalhas com a ponta seca, tem que vir com muita força. Mas, a gente vai levando, sempre tem um dorzinha ou outra. Faz parte da vida, vai fazer o quê? Vai parar por causa disso? Tem amigos que dizem: ‘Tens 60 anos, faz coisas pequenas’. Mas, enquanto der, vou trabalhando. S.C.: 10. Você tem ferramentas que são exclusivas para o seu processo criativo? T.P.: Depende do que estou fazendo, agora por exemplo, uma das ferramentas é o computador, máquina fotográfica, nesse momento é isso. Por exemplo, eu preciso mandar imprimir, preciso usar o Photoshop, usar determinados programas e depois o lápis, o papel. Não desenho com o mouse, uso o lápis
e
papel,
experimento
mas
efeitos
tenho com
essas
elas.
ferramentas
Tem
esses
e
também
trabalhos
de
1,60x1,60cm, tudo o que é preto foi impresso. O desenho em lápis de cor vem em cima do que foi impresso e antes era
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APOTHEKE gravura. Os verdes e azuis são desenhos. Aqui, por exemplo, eu fui com lápis de cor e usei também muita água, fui lavando até que resolvi. Ali, já é um outro processo, são os trabalhos que estou fazendo, grandes. Essa é a primeira parte, só preto e branco. Nesse aqui, passo pigmento, azul da Prússia, é muito volátil e começou a entrar no nariz, é chumbo, não dá. Comprei uma máscara e trabalho assim, tipo astronauta, de máscara e óculos, com umas roupas terríveis, uma
coisa
engraçada
e
incômoda.
Machuca
o
nariz,
dá
coceira, tem de tirar aquela máscara, é muito chato, mas é o único jeito. São cuidados mínimos. Esses aqui compridos, refiz porque o branco não ficou bem branco, o ruim é que é caro imprimir nessas dimensões. Trabalhei também com alguns grandes marrons. Olhem para essa cópia e para essa, ficaram bem diferentes, são de uma gravura pequena. Aqui é o que vocês viram na caixa da Joci, já é outra coisa, são fotos e desenhos
justapostos.
Só
que
aqui,
é
uma
gravura,
uma
gravura sobreposta a uma foto, misturando as imagens e criando uma terceira. Como pediram um trabalho para uma exposição de fotografia e eu não queria mostrar o que já mostrei, surgiram essas imagens sobrepondo outras que tinha guardado. Já tinha pensado em fazer isso. Os frames no vídeo que geraram essas imagens da caixa vão entrando um no outro e pensei: porque eu não faço isso na impressão? A ideia já existia, só faltava a oportunidade para botar em prática. As coisas vão se desencadeando. S.C.: 11. Você trabalha em um desenho de cada vez ou em vários ao mesmo tempo? T.P.: Depende do espaço que disponho. Tive a oportunidade incrível de trabalhar no antigo ateliê do Pissaro. O local ficou cem anos deserto, sem ninguém entrar para trabalhar desde sua morte
em 1903. A proprietária do local, que
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APOTHEKE conheço há muitos anos, me abriu as portas do
ateliê.
Fiquei lá durante muito tempo, não imaginas. Ali fizemos inclusive
dois
filmes,
um
feito
por
mim,
sobre
a
experiência a quatro mãos com a artista chinesa Dai Zheng, quando terminei minha Tese de Doutorado em Paris. Levamos um monte de coisas, tinta e tudo, fizemos uma super faxina, porque estava um horror. O vídeo se chama ‘Três dias a quatro
mãos
no
ateliê
Pissaro’
e
foi
mostrado
em
uma
exposição com o mesmo título feita em Gisors, uma cidade próxima,
para
comemoração
dos
cem
anos
da
morte
de
Pissarro, e em Paris. Anos depois, em 2009, trabalhando sozinha lá, convidei dois artistas franceses que ficaram uma semana repartindo o ateliê comigo. O cineasta Sylvain Palfroy, que havia feito um filme sobre Pissarro, ficou uma semana filmando nosso trabalho e realizou um filme chamado ‘Três pincéis e uma conversa’ (em tradução aproximada). Esse filme é maior e com maiores recursos. Mas voltando à tua pergunta, quando trabalhava sozinha nesse ateliê, fazia vários
trabalhos
enorme,
quadrado,
ao e
mesmo eu
tempo,
podia
porque
colocar
o
espaço
muitas
folhas
era de
1,50x1,50cm ou mais. Aproveitava a altura máxima dos rolos. Aqui,
faço
1,62x1,62cm,
a
altura
máxima
para
imprimir.
Gosto do formato quadrado, é mais neutro, nem paisagem, nem retrato. Então, ia trabalhando ao mesmo tempo um monte de desenhos. Como estavam todos ali, ia resolvendo tudo junto, acrescentando as camadas. Podia comparar e estabelecer a relação
entre
eles,
ver
aqueles
que
não
estavam
bem
resolvidos em relação aos outros, tinha recuo. Em casa não tenho essas condições, coloco dois grandes, não mais do que isso. Nessa época, eu trabalhava religiosamente durante todo o dia. Acordava de manhã cedo, fazia ginástica, ia para lá trabalhar, super metódica. Trabalhei muito nessa época, de
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APOTHEKE chegar em casa e ter aquela sensação boa de um cansaço físico. S.C.: 12. Quantas vezes você limpa o seu estúdio, e qual o efeito disso sobre seu trabalho? T.P.: Eu limpo pouco, eu sou meio bagunçada. Mas, em geral quando vou recomeçar a trabalhar, preciso dar uma limpada. Agora, tenho muita dificuldade para me organizar, botar fora as coisas. No meu computador se vocês tivessem a noção da quantidade de imagem... aí eu compro outro HD e vou botando no outro, e já não sei mais se está nesse ou no outro, é uma confusão. Mas como é que eu vou fazer para organizar a quantidade de imagens tenho?
Vou ficar anos
organizando e deixar de fazer coisas mais interessantes. Deixa assim, vou morrer antes (risos). Vou colocando dentro dos
HDs
e
organizar,
pronto. se
não
O
computador
te
é
organizas
o
mais
desde
o
difícil
de
início,
é
complicado. Então, quando não acho um arquivo, procuro e acabo encontrando mesmo que demore mais. S.C.: 13. Quando você está pensando em seu trabalho onde você costuma sentar ou ficar? T.P.:
Quando
estou
muito
dentro
da
coisa
vou
dormir
pensando, louca para acordar e resolver. Como um desenho, um texto, deixo dormir, no outro dia, vou lá e olho. Às vezes tu olhas e parece que está bem, mas no outro dia não está. Muitas vezes, peço opinião para alguém. Depende do trabalho.
Essa
montagem,
resolvo
no
computador,
é
onde
penso a composição, é mais cerebral. E penso meus trabalhos sempre em função do local. Nunca fiz uma individual sem conhecer o espaço. Se precisar, viajo. Me dá nervoso fazer uma exposição em um lugar que não conheço. Quando fiz uma exposição em Bruxelas, fui lá
conhecer e pensar o que
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APOTHEKE colocar naquele espaço. Não consigo só por fotos, não dá. Quando é coletiva, esse problema é de quem organiza. Quando fiz aqui, já sabia exatamente onde cada coisa iria, quando fomos montar foi fácil. Claro que mesmo que saibas, que tenhas na tua cabeça e no papel, às vezes quando estás dentro do espaço, tudo muda e tens que mudar. Mas preciso ter um plano para me sentir segura. Ao mesmo tempo que sou desorganizada para algumas coisas, sou tri obsessiva para outras. Na exposição individual deste Territórios da folha, que o Eduardo Veras fez a curadoria, fizemos uma super organização, pois a mostra tinha um cunho retrospectivo. Tínhamos que garimpar onde estavam alguns trabalhos etc. No espaço menor, Eduardo queria trabalhos pequenos e vídeos. Fiz até uma maquete onde íamos colocando os quadradinhos impressos em escala. Sabíamos onde colocar, se não iriam ficar
malucos,
pois
eram
muitos
trabalhos.
Imagina
não
saber onde vai ser o quê?! Em geral, eles têm pouco tempo para montar e muitos problemas técnicos a resolver. Havia poucos recursos, mas trabalhamos realmente em parceria e tudo deu certo.
Eduardo foi um
super curador.
Eu, que
sempre concebia as exposições sozinha, adorei trabalhar com ele e a equipe do Museu. S.C.: 14. Como é que você escolhe/cria os seus títulos? T.P.:
Ah,
eu
não
tenho
como
pensar
títulos
para
cada
desenho, por isso intitulo-os por séries. Este vídeo, por exemplo, ia chamar Outono, o Vagner, que tinha feito a música pensou numa série de prelúdios, depois pensei que Outubro tem um nome parecido e traz essa sazonalidade do outono, achei um mês mais bonito que uma estação. Agora, para uma exposição eu penso muito num nome. Alguns eu tenho na manga para usar um dia. Para essa, eu não achava um nome, tinha pensado em combinações, procurava, perguntava
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APOTHEKE para
os
amigos,
fazia
enquete.
Acho
que
através
de
pesquisas na internet, veio essa palavra Anagramas que caiu como uma luva, pronto, achei na hora. A outra, Territórios da folha - paisagens de Teresa Poester, demorou. Pensei em Fronteiras porque
não
da
paisagem,
me
vinha
que
era
outra
título
cois.
da
Eduardo
minha
tese,
queria
que
aparecesse o nome paisagem que era a costura da coisa. Aí chegou o poema de uma amiga, que tinha essa frase. Aquela, não sei quantos quilômetros em linha, também veio assim. Estava
pesquisando
a
duração
de
uma
esferográfica
e
encontrei a distância percorrida pela caneta Bic. Comecei a pensar nos quilômetros de linha que já devia ter percorrido com meus desenhos. Às vezes são outras pessoas que dão o título. S.C.: 15. Você tem assistentes? T.P.: Às vezes tenho para coisas específicas. Tem uma amiga que me ajuda em
trabalhos que
comercializo na
loja da
Fundação Iberê, se encarrega dessa parte. Às vezes, quando estou trabalhando com vídeo, chamo alguém que me ajude naquele
trabalho
específico.
Felizmente,
sempre
tenho
alguns alunos ou ex-alunos muito bons para determinadas situações. Quando fiz o mural grande para a praça de um Centro Cultural em Bagé, tive uma assistente que trabalhou com cerâmica comigo, que botava no forno, tirava do forno, essa parte técnica. Era excelente essa moça. Então pego assistentes para certas demandas. Às vezes vejo esses guris de trinta anos, todos com assistentes, e penso: ‘Ah, eu devia ter uma assistente’ (risos). Tenho uma amiga que diz: ‘Teresa, você é uma artista, devia ter várias assistentes, devia ter um séquito de assistentes’, mas sou desorganizada e, do jeito que eu sou, chega assistente lá e eu digo: ‘Então tá, hoje eu estou noutra’. Para o assistente vai ser
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APOTHEKE um problema (risos). Porque para dar trabalho, vou ter que me organizar, e não sei se vai dar muito certo. Eu faço muita coisa e preciso mesmo, mas vou levando assim com estes ajudantes. Um assistente só teria de saber muitas coisas diferentes, mexer em site, mexer em vídeo, ser bom nessa parte de organização e é difícil de encontrar tudo num só. S.C.: 16. Alguma vez você trabalhou para outro artista? T.P.: Eu trabalhei com outros artistas, não para outros artistas, a não ser fazendo cenários para teatro e cinema, mas foi uma experiência curta. Lá na França, por exemplo, trabalhei em parceria com vários artistas, como a pintora chinesa ou o pianista de quem falei antes, e também com Marianne Chanel e Françoise Valléé, que fez comigo várias exposições e trabalhos a quatro mãos. 48 S.C.: 17. Como artista, você tem algum lema ou credo? T.P.: Não, ou talvez sim, porque acredito que a Arte pode fazer as pessoas viverem melhor e não poderia me imaginar fazendo outra coisa. Sei que isso me segurou em momentos muito difíceis e que, sem isso, não sei se teria conseguido prosseguir. Provavelmente, esteja sendo ingênua, mas como artista ou como professora, se pudesse contribuir para que algumas pessoas acreditassem mais na vida e em si mesmas, já seria muito bom. Existe uma ética na Arte, uma ética de liberdade, e acho que isso é o mais importante, porque o resto passa e é rápido. A liberdade de criar é uma coisa pela qual se tem de lutar todos os dias.
Tampouco se pode
depender de as pessoas gostarem do trabalho, tu dás aula, daqui a pouco estás expondo numa galeria, na rua com teus alunos, daqui a pouco estarás fazendo um mural que não tem nada a ver com isso. Se ficas só em uma coisa, acabas
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APOTHEKE dependendo demais daquilo e sofres se aquilo não funciona. É importante abrirmos frentes. É bom saber pintar, saber fazer
vídeo,
artista
saber
gráfico,
montar do
um
cartaz,
diagramador,
sem
te
dá
depender
do
mobilidade,
liberdade. E essas atividades todas se somam, pois tudo isso faz parte da criação. S.C.: 18. Qual conselho você daria a um jovem artista que está começando? T.P.: Tenha curiosidade. E trabalhe muito. Não vai vir algo de fora, do outro. Tenha persistência. vejo
menos
por
aí
é
o
pessoal
Porque o que eu
tendo
curiosidade
e
persistência. Acho que isso talvez tenha mudado com essa coisa de internet, com a facilidade que se tem hoje em fazer pesquisa. Nós vivemos em um mundo de informação e de excesso, isso não incentiva as pessoas a buscarem. Saber querer, ter vontade. Parece que as pessoas ficaram meio blasé, que tudo já vem pronto e já foi visto, e não é assim. A curiosidade é fundamental. Então, acho que o papel do professor não é tanto dar informação, mas proporcionar reflexão
mesmo,
que
não
vem
assim
com
um
clic
no
computador.
¹
Extrato de entrevista com a Artista Professora Teresa Poester realizada por Silvia Carvalho, Leandro Serpa e Jociele Lampert, no Ateliê de Pintura do Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis, no dia 08 de setembro de 2015, na aula aberta promovida pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke. Parte da entrevista teve como referência o questionário presente no livro de Joe Fig, Inside The Painter´s Studio(Princeton Architectural Press, 2009).
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Grow love with me de Yoko Ono, presente de um amigo. Fotografia da maleta de meu pai com terra do/no lugar onde nasci. Ao fundo, coleção de terras.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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Nós em corpos, paisagens e afetos
A artista entra na sala, calada, e caminha tranquilamente até o público que a aguarda sentado no chão. Ela senta em uma cadeira de madeira. Um dos seus sapatos, o do pé esquerdo, está com o cadarço desamarrado. Ela dá um nó. Desfaz o laço do sapato do pé direito e faz outro nó. O que se segue é uma sequência de nós nos cadarços. A artista sentada dá nós em silêncio.1 Leva-se tempo para aprender a fazer laços no cadarço. Passamos anos dando nós. O nó nos permite andar sem cair, o nó é a garantia de que o cadarço não se soltará e de que não seremos surpreendidos com ele agarrado no próprio caminhar. Em 1967, o artista Richard Long caminhou em linha reta por uma paisagem da Inglaterra. Sua intervenção naquele solo é a experiência do corpo do artista transformada em imagem. Um corpo “mobilizado como meio”2 se lança a caminhar.
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Navarro, Luana. Nós. 2015. Descrição/projeção/projeto de performance. Em La Fotografia Plástica, Dominique Baque utiliza o termo “corpo mobilizado” ao referir-se às práticas de artistas da performance e land art. 2
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Em 2012, Paulo Nazareth caminha no deserto mexicano vestindo os sapatos ao contrário. Com a parte da frente virada para trás e com os sapatos precariamente presos aos pés, o artista caminha, mas as pegadas marcam a direção contrária. A ação é intitulada Para cuando ellos me busquen en el desierto3. Práticas cotidianas, gestos deslocados e resignificados potencializam nosso enfrentamento do mundo e expandem o que há de mais banal em nós. O banal é vida, e pode nos lançar àquilo que John Dewey denominou como uma experiência singular. Na década de 1930, Dewey defendeu a arte como experiência em uma série de conferências sobre Filosofia da Arte. Dentre seus argumentos, lhe era cara a defesa de uma arte como processo, e não como produto acabado. O processo desvelaria um caminho, algo como Se hace camino al andar da artista Esther Ferrer. Para Dewey, a arte como produto significaria separar o sujeito do fazer artístico, o que impediria uma fruição compartilhada da experiência. Entendendo a experiência como “resultado da interação entre uma criatura viva e algum aspecto do mundo em que ela vive” 4 , Dewey pontuou dois tipos de experiência: a singular e a incipiente.
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Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ofjiS1nHl3g. Acesso em: 10 de janeiro de 2015. 4 DEWEY, John. Arte como Experiência; org. Jo Ann Boydston; tradução Vera Ribeiro. – São Paulo: Martins Fontes, 2010. P.122.
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Se hace camino Santa al andar. 2013. v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016. ISSN: 2447-1267 Catarina, Esther Ferrer.
El camino
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APOTHEKE A experiência singular, ao contrário da experiência incipiente, seria capaz de provocar um deslocamento no sujeito, sendo constituída por um fluxo de algo para algo e de uma qualidade ímpar que lhe caracterizaria como singular. Dentre muitos artistas que propuseram radicalizar a noção de experiência em sua produção, pode-se destacar Allan Kaprow. Profundamente motivado por seus estudos em filosofia e pelos textos de Dewey, o artista viria a desenvolver uma poética que pode ser observada a partir de três termos elaborados por ele para pensar suas produções e as de outros artistas a partir dos anos 50. 1) Environments/Ambientes. Em texto publicado em 1958 sobre a obra de Pollock 5 , Kaprow pontua que sua pintura abstrata borrava a fronteira entre a vida e a arte. O fato de o artista estender suas telas no chão para pintar o colocava literalmente dentro do trabalho. As dimensões de suas pinturas inauguravam ainda uma nova proposta de relação do espectador com a obra que parecia transbordar para o espaço, tornando-se assim o próprio ambiente. A percepção dessa relação gerada pelas pinturas de Pollock leva Kaprow a repensar o status do espectador e sua relação com a obra de arte. O espectador estaria mais próximo então de uma condição de participação, e não de observação, pois havia nessa relação um envolvimento corporal direto. Como aponta Gillian Sneed 6 , “essa percepção levou Kaprow e outros artistas a desistirem totalmente da pintura em favor de atividades que estavam mais sintonizadas com o mundo fora das telas”. 2) Happenings. Interessado em complexificar o lugar do espectador, a partir dos anos 60 Kaprow se empenha em uma arte participativa. Uma das premissas dos então chamados happenings seria a participação do público em um evento que envolve o improviso e o acaso. O artista buscava possibilitar a autonomia do participante, fazendo dele justamente um agente ativo e constituinte do trabalho. Esse não deveria ser repetido e deveria evitar os espaços circunscritos no campo da arte (galerias, museus, teatros etc.). Ricardo Basbaum7, em leitura sobre Kaprow, refere-se a essa relação proposta pelo 5 O texto “O legado de Jackson Pollock” foi publicado em 1958 na revista Art News. No Brasil, foi traduzido e publicado em Escritos de Artistas anos 1960/70, organizado por Gloria Ferreira em 2009. 6 Em Dos Happenings ao Diálogo: Legado de Allan Kaprow nas Práticas Artísticas “Relacionais” Contemporâneas, Gillin Sneed propõe uma leitura dos trabalhos de Rirkrit Tiravanija e Tino Sehgal a partir de alguns conceitos problematizados por Allan Kaprow e dos teóricos Claire Bishop e Donald Kuspit. 7 Em 2014, Ricardo Basbaum participou de uma atividade proposta por Bulegoa z/b em Bilbao intitulada Abriendo um happening de Kaprow. Na ocasião, o artista realizou uma fala sobre a obra de Kaprow articulada em 5 eixos: arte e vida, técnica conceitual, imersão na experiência, anartista e a ideia de jogo. A fala completa está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=Pz33lym5LrQ. Acesso em: 10 de janeiro de 2015.
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APOTHEKE artista como uma forma de “tornar o participante responsável pela obra”. 3) Atividades. Por fim, conceberia esse termo para pensar suas ações cotidianas e realizadas sem audiência, com pequenos grupos e frequentemente dentro do contexto da universidade em que ministrava aulas. Em atividades, a obra / proposição realiza-se no participante, o que apresenta-se nessas ações é a possibilidade de uma experiência compartilhada que poderá ou não acontecer por e naquele que a realiza.
Air condition (1975) Molhar uma parte de seu corpo com a saliva de alguém esperar até que seque de novo e de novo Molhar outra parte do corpo assoprar até que seque de novo e de novo Molhar ainda uma outra parte correr até que seque de novo e de novo Repetir até que a boca seque até que o corpo esteja molhado O que engendrava as práticas de Kaprow parece ser não apenas o desejo de rompimento cada vez mais evidente entre arte e vida, mas também a possibilidade de construção de ferramentas para uma experiência assumidamente real e presentificada. Como disse Basbaum 8 , Kaprow saiu do campo da arte para falar da vida, e naquele contexto era necessário sair das convenções, dos espaços institucionais. No entanto, nunca se sai por completo, e Kaprow, consciente disso, explorou justamente esse deslocamento e essa tensão. No texto A educação no não-artista (1971), Kaprow empenhou-se 8 BASBAUM, Ricardo. Abriendo un happening de Kaprow. 2014.
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APOTHEKE em travar conceitos para esmiuçar e propor uma noção de nãoartista que, segundo ele, deveria evitar os papéis estéticos, desistir de todas as referências e desviar-se para longe de onde as artes se congregam. Para Kaprow 9 , “não-arte (an-arte) é mais arte do que Artearte. Não-arte é qualquer coisa que, embora ainda não aceita como arte, tenha atraído a atenção de um artista com essa possibilidade em mente”. Hoje, a palavra experiência - e mesmo arte como experiência parece encoberta por uma noção excessiva e esvaziada de potência de sentido. Ainda nas palavras de Basbaum 10 , “a arte contemporânea naturalizou esse processo. Em cada vez mais galerias, museus e revistas de arte nos deparamos com trabalhos que afirmam esse lugar”. No entanto, no trabalho de Kaprow, essa noção é radicalizada ao tentar instituir-se fora do circuito da arte e ao fundar uma nova relação do até então espectador com a obra de arte. O artista sequer documentou fotograficamente ou videograficamente a maior parte de suas proposições. Se sublinharmos o elemento alteridade presente na obra de Kaprow, na medida em que considera o espectador como agente ativo e constituinte da obra, e guardadas as diferenças e contextos históricos, podemos perceber um diálogo que se estabelece entre suas Atividades, os Bichos de Lygia Clark, e os Parangolés de Helio Oiticica. Não seria demasiado incluir Kaprow na afirmação de Basbaum 11 sobre as proposições de Helio e Lygia: Em ambas as situações o espectador é convidado a fugir de uma fruição estética passiva para se envolver corporalmente em um processo sensível.
Tornando permeável a fronteira entre arte e vida, esses artistas nos levam a “uma arte que nos faz principalmente lembrar de nossas vidas” 12 . E lembrar da vida é lembrar daquilo que experienciamos, ao ativar o que Lygia chamava de memória do corpo. Assim como Kaprow, Lygia viria ainda a se denominar uma nãoartista. Há em ambos um desejo de intensificação das experiências sensoriais, o que pode aproximar os pontos de contato de suas produções. Para Frederico Gomes 13 , com os 9
KAPROW, Allan. A Educação do Não-Artista, Parte I (1971). In: Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da UERJ / Sheila Cabo Geraldo, ed. Vol. 4, n.4 (mar. 2003). Rio de Janeiro: UERJ, ART, 2003. 10 BASBAUM, Ricardo. Abriendo un happening de Kaprow. 2014. 11
BASBAUM, Ricardo. Vivência crítica participante. ARS (São Paulo) vol.6 no.11 São Paulo
2008.
12 KAPROW, Allan. A Educação do Não-Artista, Parte I (1971). In: Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da UERJ / Sheila Cabo Geraldo, ed. Vol. 4, n.4 (mar. 2003). Rio de Janeiro: UERJ, ART, 2003. 13 GOMES, Frederico. A genealogia do (não) artista. In Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Org. Gloria Ferreira. Rio de Janeiro, Funarte, 2006.
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APOTHEKE Bichos, Lygia (...) ultrapassaria o próprio objeto: o artista agora é um propositor de situações sensíveis em que a experiência perceptiva está localizada no próprio corpo do espectador. (...) Será entretanto com os trabalhos “terapêuticos” - objetos relacionais operando no limite de tensão entre a prática artística e a prática psicanalista, mas sem resgatar para si qualquer espécie de positividade: cientifica ou de produção de obras – que este processo atingirá seu clímax. E Lygia passará, então, a denominar-se “não artista”.
Proposições recentes como as do artista Harrel Fletcher estendem algumas questões postas até aqui. Em The Best Things in Museums are the Windows, o artista, a convite para desenvolver um trabalho no Center for Art & Inquiry em São Francisco, na Califórnia, propõe uma caminhada com um grupo de participantes. O grupo percorreu o trajeto do Museu até o Monte Diablo durante quatro dias realizando diversas paradas nas quais os participantes propunham atividades sobre temas relacionados à região, paradas para observações e interação com a comunidade local. O que se apresenta como proposta é explorar a paisagem circundante. Nas palavras do próprio artista, “o projeto teve como objetivo transformar o mundo durante todos os dias em uma sala de aula aberta ao trabalhar em direção a uma maior integração de uma instituição cultural dentro de sua comunidade”14. E por que não mais uma vez aqui fazer uma dobra no tempo e evidenciar na proposição de Fletcher a proposta de Oiticica: “o museu é o mundo, é a experiência cotidiana”. Gesto, ar, corpo ou paisagem, espaço, trajeto e materiais se permeiam conjugando aquilo que seria o caminho percorrido, como um processo de escrita e de criação, suscetível a desvios, acréscimos, decréscimos, sucesso e fracasso. Nos trabalhos descritos neste texto há qualquer coisa de laço, e às vezes, nó. Há quem diga que quando não se sabe fazer laços, se faz nós. Para fazer laços é preciso delicadeza, é preciso um savoir faire. Construir um laço é assumir o processo de movimento em relação ao outro, com as implicações do mover-se, é perceber e ser afetado pelos movimentos também do outro, mover-se juntos, mover-se em direções opostas ou não, é a capacidade de envolver-se, um entrelaçamento delicado. Um entrelaçamento sempre possível de ser desfeito pelo outro, sem muita força.
14
FLETCHER, Harrel. http://www.harrellfletcher.com/?p=287. Acesso em 10 de janeiro de 2015.
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Allan Kaprow, Taking a Shoe for a Walk, 1989. Activity. Photo: Wolfgang Traeger
“A arte aceita a vida e a experiência com toda a sua incerteza” (John Dewey) ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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Ela faleceu. Eu não tive palavras. Minha irmã sim.
PARA PODER MORRER QUANDO SE ESTÁ
MORRENDO
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APOTHEKE Silêncio, alguém está morrendo.
que o teu corpo amorfo seja somente uma ilusão
na verdade o que acho triste desse momento é o modo como a sociedade se organiza para acolher uma pessoa que está morrendo aos poucos.
que seu corpo assim seja somente para nos lembrar do quanto não estamos preparados para o fim
a frieza, o controle do corpo, o isolamento a solidão de uma u.t.i. eles te mantém lá até o último momento, eles te mantém dependente dos procedimentos médicos porque é lucro pra eles
querida amada, que vc esteja em sons de pássaros e perfumes de flores que você esteja no jardim perfeito que não pode ter por aqui. by/bye luu
a pessoa não tem direito a ter uma catarse do corpo pra morrer como gritar, sangrar... o corpo é controlado, vai minguando, sem som, todo medicado cada reação é abafada com medicamentos é o que aconteceu com o parto também parir sem dor, sem grito, sem sangue, sem transe... enfim, uma sociedade que se organiza em torno do medo e do controle dos instintos em sociedades mais humanizadas o ser pode ter pessoas amadas no fim da vida ou ter um acompanhamento espiritual ter alguém que ajude a encaminhar a alma para o infinito mas nós, nós vamos visitar o corpo morrendo de 2 em dois por 30 min 2 x por dia Ficamos impotentes diante da morte E de um corpo que foi amado por nós O corpo amado agora se transforma em um corpo sem lugar um corpo que não cabe mais entre nós e também não consegue partir Um corpo morto que ainda não morreu
querida amada, espero que já tenha partido e que o corpo deformado sem vento, sem sol
‡‡‡‡
Texto de Luciana Navarro publicado em seu perfil do Facebook.
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Dois anos antes, ela em tom de confidĂŞncia me entregou uma sĂŠrie de polaroides. Era sobre uma viagem e um amor.
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APOTHEKE performance / roteiro / relato Eu estou aqui. Você está aqui. Se notares na minha voz qualquer vacilo, é meu corpo que vacila. Isso tudo é corpo. E pra onde vai a voz quando não dizemos? E se dizemos, logo depois, para onde vai a voz? Relato: O roubo do cavalo Enquanto caminhava da escola para casa se deu conta da existência de um cavalo no meio do caminho, logo ali em um terreno baldio. Era um cavalo feio, com pelos ralos, de cor branca e bastante sujo. Um cavalo doente e um pouco triste. Dentro da cidade ninguém tinha cavalos. Eles apareciam vez ou outra carregando homens que vinham fazer compras ou negociar a plantação. A menina com mochila escolar do He-Man, enfrentou o matagal inicial do terreno e caminhou até o fundo. Tudo era cheiro de cavalo. Numa passada de mão sentiu os carrapatos gordos grudados na pele do bicho. O desejo era cavalgar.
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22 de setembro Insônia fulminante Envio para 13 amigos a pergunta: aonde vamos com o que fazemos?
Sua pergunta me pegou profundamente, logo de manhã...
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APOTHEKE Podemos ir para muitos lugares com o que fazemos. Falarei de mim, mas falarei de você. Na sua pergunta existe um nós implícito. Bom, tento aqui responder: Podemos ir para muitos lugares. Amazonas, México, França, Paranaguá, Lapa, Salvador, mas podemos ir para Lugar Algum. Podemos ir para aonde nosso desejo e nossas possibilidades nos levam. Podemos ir para tantos lugares, mas saímos da gente ou não? Como no "tu nãoo te moves de ti", ser;a mesmo que as paisagens nao sao capazes de nos modificar? Eu ja nao tenho mais certezas.,, Paisagens sao passagens e elas nos modificam e nos fazem nos mover, mesmo que de maneira passageira. Perdoe-me Hilda Hilst. Mas te pergunto: o que fazemos aonde vamos?
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EGXDUL MP68X9 RWKMJ OTEVON RWKMJK ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE J7C7GP WJQWSP CYMCVK PBVJQR HFDHFT
5AGWWY
Mi querida, no sé a qué te refieras, pero trataré de responderte. Por el día de hoy yo iré al trabajo y del trabajo a la casa. Qué hago con todo el trabajo acumulado? Pagar la renta, el mandado, gastos fijos y con lo que sobra salir a fiestas o juntar dinero para un libro o viajes y procurarme un futuro decente sin muchas exigencias. Con el "arte" no sé bien a dónde voy. Solo siento la necesidad de hacerlo y esa necesidad se ve aliviada cuando en el proceso, el mismo desarrollo del proyecto alivia mis necesidades. Si después se puede compartir con alguien y por ahí alguno se identifica, eso es gratificante. Compartir ideas a través del lenguaje visual, en el que no estamos tan bien educados como el verbal y que te sientan o entiendan lo que tú tratas de decir es poderoso. Entonces no sé cuál sea la meta cuantificable a largo plazo. Yo nomás quiero estar bien. El hacer estas acciones me generan bienestar, me siento tranquilo porque hago cosas significativas para mí. Supongo que es esa la meta: tranquilidad y satisfacción. Yo también te extraño. Besos de vuelta, Qué hago con ?
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APOTHEKE ***
Quando acorda no meio da noite tem por costume ir até a cozinha. Bebe um copo de leite gelado e às vezes mordisca uma bolacha. Caminha da cozinha para sala e deitado no sofá enfrenta a televisão: show da fé, pornografia, filme italiano, e coisas que não sabe bem o que é. Desde os 20 anos não dorme mais do que 4 horas seguidas. Atento. Sempre atento. Agora seu coração pulsa visivelmente no antebraço esquerdo.
resposta 1-> eu já fui para Londres, Manchester, Tallin, San Peterburg, Paris, Lisboa, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Roraima, Pará, Brasília, Acre... resposta 2 -> para um outro plano espiritual resposta 3 -> não importa, segundo o colóquio que rolou no Rio com os gigantes da teoria feminsta, filosofia e antropologia sobre o meio ambiente, o mundo acaba em 2040. Tá fácil, só precisamos sobreviver 36 anos. amo vc. beijo
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*** John Cage escrevia em 1966 Que faremos com nossas emoções? (“Suporte-as, eu a ouvi dizendo.) Tendo tudo de que precisamos, continuaremos, contudo a passar noites sem descanso, em vigília, desejando prazeres que imaginamos que nunca virão.
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e aí como tá a vida? 22:29 Arthur Do Carmo chata 22:29 Luana Navarro por que? 22:30 Arthur Do Carmo ou, mandou alguma coisa pro Salão Paranaense? 22:30 Luana Navarro não. perdi o prazo e vc? 22:30 Arthur Do Carmo somos dois 22:30 Luana Navarro dois tontos hahah 22:30 Arthur Do Carmo hahaha, exato! 22:31 Luana Navarro tô aqui em crise 22:31 Arthur Do Carmo com o quê? 22:31Luana Navarro com o projeto de mestrado não sei o que tô fazendo e nem o que quero fazer 22:31 Arthur Do Carmo
mas você tá começando, hora boa pra ter crise hahah 22:31 Luana Navarro hahahaha ai arthur a sensação que tenho é que não tenho trabalho que tudo é sei lá o que não sei o que quero fazer sinto que não penso profundamente em alargar as coisas vou fazendo 22:32 Arthur Do Carmo ou, tava tendo a MESMA sensação 22:32 Luana Navarro sério? 22:33 Arthur Do Carmo sim... a única coisa que poderia mandar pro salão, por exemplo, era a prateleira. o resto é tudo projeto. 22:33 Luana Navarro eita 22:33 Arthur Do Carmo projeto e processo 22:34 Luana Navarro e aí a gente faz o que? mais projetos? eu tô nessa tb sei lá
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APOTHEKE talvez devesse escrever mais e pensar mais meus trabalhos 22:35 Arthur Do Carmo o que você diz quando diz em alargar as coisas? 22:35 Luana Navarro estamos produzindo em um lugar seguro eu sinto no meu caso, acho que preciso alargar o que faço e onde faço cansei, não quero mais trabalhar sozinha não quero mais expor sozinha 22:36 Arthur Do Carmo mas tuas últimas exposições não foram nada sozinha 22:36 Luana Navarro sim, quero isso cada vez mais então acho que meu trabalho tá virando uma articulação de pessoas passei no edital do museu da fotografia e o que vou fazer tem a ver isso 22:37 Arthur Do Carmo QUE MASSA!!! parabéns! 22:37 Luana Navarro uma Biblioteca para Corpos em Expansão 22:37 Arthur Do Carmo você comentou brevemente isso 22:37 Luana Navarro mas sei lá isso não tem nada a ver com minha proposta para o mestrado preciso me ver/encontrar mais nos projetos 22:39 Arthur Do Carmo não ter proximidade agora com o projeto de mestrado não parece um problema, isso ainda está aberto. tô pensando que os trabalhos podem se encontrar de outra maneira, essa exigência de uma poética coesa. que restringe a produção. 22:40 Luana Navarro ah sim, isso concordo contigo 22:40 Arthur Do Carmo sendo que podem estar ligadas numa questão mais ampla. 22:40 Luana Navarro mas de qualquer forma algo tem que se encontrar penso eu 22:41 Arthur Do Carmo sim. 22:42 Luana Navarro tô estudando o Basbaum e me dando conta de como ele é performático 22:43 Arthur Do Carmo performático pelo discurso gerado 22:43 Luana Navarro não apenas, ele gera performances coletivas. O discurso se faz nesse performar coletivo, isso estou dizendo a partir do trabalho da 30 bienal, o conversas
22:44 Arthur Do Carmo mas desde quando faz a performance na mesa do Elvo Benito, nos anos 80, com a Marcia X, e etc faz isso. 22:45 Luana Navarro sim!!! e coletivamente! rs 22:45 Arthur Do Carmo pois é! 22:45 Luana Navarro acho que o nome do cara não é Elvo Benito, você se refere ao teórico italiano que vem falar sobre pintura, né? 22:45 Arthur Do Carmo sim! 22:46 Luana Navarro pra onde vamos com o que fazemos? 22:46 Arthur Do Carmo Achile Bonito, está certa. Achile Bonito Oliva nossa! não sei também!!! mas isso é uma questão. pensei agora que vamos ao encontro de outras gerações, por vir. 22:48 Luana Navarro você acha mesmo? acha mesmo que vamos estar nesse encontro? quando fazemos arte não pensamos nisso 22:48 Arthur Do Carmo tenho pensado no que fica dessas produções todas... e quando penso nesse encontro penso nas estratégias que se mantém, que começam a ficar cada vez mais evidentes. esses projetos coletivos estão acontecendo em vários lugares, no espaço da cidade, por exemplo. 22:51 Luana Navarro sim. fica a praça de bolso rs 22:51 Arthur Do Carmo hahah sim. as ocupações de prédio, uma conscientização da violência do estado. 22:52 Luana Navarro mas não você não acha que tem faltado uma torsão mal criada nisso tudo? todo mundo anda tão comportado 22:53 Arthur Do Carmo as contestações são outras, não sei. antes se podia contestar uma linha poética, um trabalho de arte, um discurso. hoje a gente contesta um discurso aqui no Facebook. A gente contesta comportamentos 22:54 Luana Navarro fico pensando se em certo sentido a Melendi não tem razão quando diz que acredita que a arte precisa retomar o sensível, a Ana Luisa Lima uma vez me disse algo parecido sobre isso. Eu queria contestar pela vida, só isso sem razões maiores assim simplesmente à vida 22:55 Arthur Do Carmo
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APOTHEKE pois é! aí que eu acho que vamos ao encontro das gerações seguintes. 22:55 Luana Navarro rs 22:56 Arthur Do Carmo sensibilização que gera uma espécie de consciência coletiva pro sensível. *sensibilização 22:56 Luana Navarro pode ser... pode ser ... 22:57 Arthur Do Carmo mas o que eu sei é o seguinte... é muito difícil viver sem sentido. rs muito difícil mesmo 22:57 Luana Navarro é insuportável viver sem sentido, por isso a gente entra nesse jogo todo e vai brincando com as coisas, não tem outro jeito 22:58 Arthur Do Carmo sim! a gente não tem mais grandes ideologias pra se agarrar, nem nada. 22:59 Luana Navarro isso nem me parece problemático, já nasci nos anos 80, não tinha mais onde se segurar acho que a galera dos 60 e 70 que deve sofrer com isso 23:01 Arthur Do Carmo pois é. acho que é mais complicado também por sermos a primeira a ter de viver com isso (concordo que deve ser difícil pra eles, mas eles já têm suas histórias) tem uma entrevista que o jack white fala sobre isso e achei ótima. 23:02 Arthur Do Carmo http://rollingstone.uol.com.br/noticia/jackwhite-diz-bob-dylan-voces-tiveram-muitasorte/ rollingstone.uol.com.br rollingstone.uol.com.br
“Duvido que Frank Sinatra se importava com o que estaria na capa dos discos dele”, comenta o guitarrista e vocalista 23:02 Arthur Do Carmo
acho esse um cara muito consciente do que faz e da época em que vive. 23:03 Luana Navarro ah vou escutar aqui 23:04 Arthur Do Carmo é um texto mesmo. mas vale escutar as músicas dele também.
23:06 Luana Navarro de que banda ele é? 23:06 Arthur Do Carmo baixa o bluderbuss, que é do caralho ele era do white stripes blunderbuss 23:07 Luana Navarro é um álbum? 23:07 Arthur Do Carmo sim! álbum de estreia solo. é muito foda. 23:09 Luana Navarro massa vou ouvir! que bom falar com você. 23:10 Arthur Do Carmo eu também curto falar contigo! ó só uma palhinha do disco! 23:10 Arthur Do Carmo
https://www.yout ube.com/watch? v=MvpoiiBW9bc 23:11 Arthur Do Carmo sério. é de foder o espírito. 23:11 Luana Navarro que dança ótima! vamos sair pra dançar no fim de semana? 23:11 Arthur Do Carmo hahahah sim! pra isso mesmo! vamos! 23:11 Luana Navarro então vamos!!! 23:11Arthur Do Carmo sexta tem aniversário do jaime 23:11 Luana Navarro onde? 23:11Arthur Do Carmo na casa dele! 23:12 Luana Navarro eita! estarei lá! mas quero dançar! 23:13 Arthur Do Carmo massa! haha vamos dançar muito! 23:14 Luana Navarro yeah! a música é ótima! Adorei! vou nessa, vou ler umas coisas aqui nos vemos no fim de semana 23:14 Arthur Do Carmo baixa o disco! é ainda melhor! blz! bjo bjo 23:16 Luana Navarro baixarei! beijo beijo!
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The Best Things in Museums Are the Windows
HARRELL FLETCHER San Francisco, CA 2013
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Luana Assis Navarro - Artista visual e mestranda em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2009) e especialização em História da Arte Moderna e Contemporânea pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Desenvolve projetos com fotografia, vídeo, performance e texto. Realizou diversas exposições no Brasil, em 2012 participou de uma residência artística no Centro de la Imagen na Cidade do México. Em 2009 e 2010 através do Programa Rede Nacional Funarte viajou para o norte do país e desenvolveu respectivamente os projetos Transamazônica Imaginários Compartilhados e Fordlândia. Atua também como produtora no campo das artes visuais. www.luananavarro.com
Produções de discentes do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UDESC, na Disciplina Sobre ser Artista Professor, ministrada pela Professora Dra. Jociele Lampert, 2014/1. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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Francisco Pablo Medeiros Paniagua - Possui graduação em Desenho e Plástica (Artes Visuais) - Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Maria (2000-2004). Licenciatura em Artes Visuais - Universidade do Estado de Santa Catarina (2009-2013). Mestrando da linha de Processos Artísticos Contemporâneos, UDESC (2014). Artisticamente atua na produção de vídeos, múltiplos e publicações (Pablo Paniagua).
Produções de discentes do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UDESC, na Disciplina Sobre ser Artista Professor, ministrada pela Professora Dra. Jociele Lampert, 2014/1.
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TRADUÇÃO ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE Lição: Algumas reflexões sobre agenciamento e atividade fora do sistema comercial.¹ ² Lesson: Some Thoughts on Agency and Activity Outside of the Commercial System
Harrell Fletcher Harrell Fletcher received his BFA from the San Francisco Art Institute and his MFA from California College of the Arts. He studied organic farming at UCSC and went on to work on a variety of small Community Supported Agriculture farms, which impacted his work as an artist. Fletcher has produced a variety of socially engaged collaborative and interdisciplinary projects since the early 1990’s. His work has been shown at SFMOMA, the de Young Museum, the Berkeley Art Museum, the Wattis Institute, and Yerba Buena Center for the Arts in the San Francisco Bay Area, The Drawing Center, Socrates Sculpture Park, The Sculpture Center, The Wrong Gallery, Apex Art, and Smackmellon in NYC, DiverseWorks and Aurora Picture show in Houston, TX, PICA in Portland, OR, CoCA and The Seattle Art Museum in Seattle, WA, Signal in Malmo, Sweden, Domain de Kerguehennec in France, The Tate Modern in London, and the National Gallery of Victoria in Melbourne, Australia. He was a participant in the 2004 Whitney Biennial. Fletcher has work in the collections of MoMA, The Whitney Museum, The New Museum, SFMOMA, The Hammer Museum, The Berkeley Art Museum, The De Young Museum, and The FRAC Brittany, France. From 2002 to 2009 Fletcher co-produced Learning To Love You More, a participatory website with Miranda July. Fletcher is the 2005 recipient of the Alpert Award in Visual Arts. His exhibition The American War originated in 2005 at ArtPace in San Antonio, TX, and traveled to Solvent Space in Richmond, VA, White Columns in NYC, The Center For Advanced Visual Studies MIT in Boston, MA, PICA in Portland, OR, and LAXART in Los Angeles among other locations. Fletcher is an Associate Professor of Art and Social Practice at Portland State University in Portland, Oregon. Fonte: http://www.harrellfletcher.com/?page_id=37
TUTOR: Harrell Fletcher Nasceu / Vive e Trabalha:
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APOTHEKE Santa Maria, CA, 1967 Portland, OR Treinamento/Formacão:
Certificação Horticultura Ecológica. Universidade da Califórnia, Santa Cruz, 1996. MFA (Master of Fine Arts) Interdisciplinar, Escola Superior de Artes e Ofícios da Califórnia, Oalkland, 1994 BFA (Bacharel Fine Arts) Fotografia. Instituto de Arte de São Francisco. 1990.
Postos de Ensino/ locais onde trabalhou como professor
Professor Associado da Prática Artística e Social da Universidade Estadual de Portland, OR, 2009 – até o presente momento Professor Assistente de Prática Social e Artística da Universidade Estadual de Portland, OR, 2004-2009 Instrutor de Escultura, Cooper Union, Nova York, 2004 Instrutor, Projeto Especial, Escola de Arte de Hartford, West Hartford, CT, 2003 Instrutor, Seminário de Pós-Graduação Interdisciplinar. Escola Superior de Artes da Califórnia, São Francisco, 2001 Trabalhos Relevantes:
The American War (A Guerra Americana), 2005 I’ll Follow You,( Eu Seguirei Você), 2005 With Our Own Little Hands Summer, (Com Nossas Próprias Pequenas Mãos no Verão),2005 If I Wasn’t Me I Wouldn’t Be You, ( Se eu não fosse eu , eu não seria você), 2003 Hello There Friend,( Olá Há Amigo),2003 The Sound We Make Together, ( O Som que Nós Fazemos Juntos),2003 Everyday Sunshine, (Todos os dias a luz do sol brilha),2001 Saying I Love You or Something Like That, ( Dizendo Eu Amo Você ou Alguma Coisa como isto), 2000
Prêmios:
Prêmio de Engajamento Cívico, Universidade Estadual de Portland, OR, 2009 Prêmio Alpert em Artes Visuais, Santa Mônica, CA, 2005 ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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Prêmio Área da Baía, São Francisco, 1994
Exposições recentes individual ou coletiva: 2014: To a Lifetime of Meaningful Encounters ( Para um Tempo de Vida de Significativos Encontros), ( Com Molly Sherman e Nolan Calish) Museu de Matisse, Le Cateau-Cambrésis, França // 2013: The Best Things in Museus are the Windows ( As Melhores Coisas nos Museus São as Janelas), Exploratorium, São Francisco-CA // 2012: Before and After 1565: A Participatory Exploration of St. Augustin’s Native American History ( Antes e Depois de 1565: A Exploracão Participativa da História do nativo americano ST Augustin ), Crisp-Ellert Art Museum, St Augustin, FL // The Hammer Yearbook, (With Adam Moser) The Hammer Museum, Los Angeles// 2011: Active Engagment, ( Engajamento Ativo), Idea Space, Colorado Springs, CO // 2010: The Sound We Make Together ( O SOm que Nós Fazemos Juntos) Galeria Nacional de Vitória, Melbourne, Austrália // My War ( Minha Guerra), Fundação de Arte e Tecnologia Criativa, Liverpool,UK // 2009: Made in India ( Feito na Índia), Galeria de Arte de Mississauga, Canadá 2008: Born Out of Pleasure ( Nascido fora do prazer), The Power Plant, Toronto// 2007: The American War ( A Guerra Americana), Centro Contemporâneo de Arte de Atlanta, GA e LAXART, Los Angeles // Learning to Love You More (Aprendendo a Amar Mais Você) com Miranda July, MU, Eindhoven-Holanda// Come Together (Venha Junto), Henry Galeria de Arte, Universidade de Washington, Seattle // 2006: Where I Lived and What I Lived For ( Onde Eu Morava e Para O quê Eu Vivi), Domaine de Kerguehennec Centro de Arte, Bignan, França // Some translations ( Algumas Traduções), In Situ, Paris// 2005: With Our Little Hands ( Com Nossas Pequenas Mãos), The Wrong Gallery, Nova York Recentes Exposições em Grupo: 2014: The Parliament of Things or an Exibition that Loses Itself ( O Parlamento de Coisas ou a Exibição do que se perde), CAFAM Biennale, Academia Central de Belas Artes Museu, Beijing // 2013: Past is Present (Passado é Presente), com Katherine Ball, MOCA, Detroit, MI // ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE 2012: The Shaping of New Visions: Photography, Film, Photobook ( A Configuração das Novas Visões: Fotografia, Filme, Photobook) MoMa, Nova York // The Northwest Biennial, Tacoma Art Museum, WA // Wide Open School ( Ampla Escola Aberta), Hayward Gallery, Londres // 2010: The More Things Change( Quanto Mais as Coisas Mudam), SFMOMA, São Francisco // 2009: The New Normal ( O Novo Normal), Pomona Escola Superior Museu de Arte, Claremont, CA // Assume Nothing: New Social Practice ( Assumir Nada: A Nova Prática Social), A Galeria de Arte da Grande Vitória, BC // Land Wars ( Guerras Terrestres), Te Tuhi Centro Para as Artes, Pakuranga, Auckland, Nova Zelândia // 2007: Memorial to the Iraq War ( Memorial para a Guerra do Iraque), ICA, Londres// 2006: Phantom Captain: Art and Crowdsourcing, Apexart, Nova York // Critical Translations; Art That Examines/ Our Social World, Universidade de Minessota, MN// 2004: Whitney Biennial( Whitney Bienal), Whitney Museu de Arte Americano, Nova York Lição: Alguns pensamentos/ ideias sobre Agência e Atividade fora do Sistema Comercial. (Lesson: Some Thoughts on Agency and Activity Outside of the Commercial System)
120 Eu saí para jantar com um de meus alunos de graduação outro dia e ele me perguntou que conselho eu daria a ele como um artista emergente. Você tem que entender que um programa de Pós Graduação que eu segui não é um programa normal MFA (Fine Arts Master), então ele já estava começando com uma estrutura diferente da maioria dos estudantes de MFA. Nosso MFA é focado na Arte e Prática Social. O que significa exatamente é abrir para interpretar e debater mesmo dentro do próprio programa, não para mencionar no contexto da minoria de prática social tipo programas MFA para outras escolas e as várias outras instituições, museus, residências, fundações, etc que tem recentemente focado algumas das suas energias em mais atividades de arte engajadas socialmente. Eu penso que é seguro dizer que muitas destas iniciativas enfatizam o tradicional trabalho de estúdio e o sistema de galeria comercial, ao invés de promover mais colaborativamente, site specific e frequentemente menos ou nenhum objeto orientando o trabalho. Encarando esta questão eu me deparei com uma resposta. Os vinte anos de minha própria carreira e caminhada tem sido altamente não ortodoxas, e por esta razão são difícieis de usar um modelo em qualquer exata maneira, embora deve haver alguns conceitos básicos que são de uso no período antes do advento do uso geral da internet. Era muito mais difícil ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE procurar por práticas de arte que estavam começando a ser interessantes para mim ao invés de usar uma procura instantânea do Google. Eu vagava pela arte entre corredores de livrarias e lojas de livros, ia a quaisquer eventos, palestras e exibições disponíveis para mim e conversava com pessoas que pareciam ter informação do jeito que eu estava procurando. Minhas descobertas significantes foram poucas e distantes entre elas, mas descontroladamente impactantes em mim como um artista em desenvolvimento. Um pouco das pessoas naquela categoria e de recente e importante influência são Wendy Ewald e o seu livro Retratos e Sonhos , os quais foram criados na colaboração com o grupo de crianças Appalachien no Eastern Kentucky; John Malpede e os Los Angeles Poverty Department, o grupo de teatro ele fundou com pessoas do Skid Row; Jim Goldberg e seu livro Rich and Poor (Rico e Pobre), o qual foi documentado e trabalhado com pessoas da cidade de São Francisco de muito baixo e alto grupos econômicos STRATA em 1980; Larry Sultan e seu projeto de livro fotográfico Pictures From Home( Fotos de Casa) sobre seus parentes, a história dele e sua dinâmica pessoal com eles; a vasta coleção de muitos vídeos pessoais de George Kucher’s, especialmente o Weather Diaries ( Diários do tempo), os quais foram lançados a cada verão em uma pequena cidade de Oklahoma; um Group Material (Grupo Material) e a exibição de suas People’s Choice (Escolhas pessoais), onde eles colecionaram objetos significativos dos residentes que moravam na vizinhança em Lower, East Side, nos quais estavam localizados nas vitrines das galerias. Eu estava também muito interessado em proponentes de educação alternativa como John Holt, A.S.Neill e Miles Horton, e back-to-the-land (de volta a terra) e figuras urbanas agriculturais, incluindo Helen e Scott nearing, Alan Chadwick e Catherine Sneed. De fato, uma coisa incrivelmente importante para qualquer um interessado em desenvolver uma carreira de qualquer tipo é encontrar um conjunto de exemplos que podem ser usados para dar um ponto de partida. Educação padrão geralmente resulta em modelos genéricos e padrão, e por esta razão é necessário procurar fora de uma ortodoxia e determinadas pessoas, práticas e projetos os quais você está individualmente desenhando e se entusiasmando. No meu próprio trabalho, encorajo estudantes a olhar além mesmo da disciplina de arte e em vez disso, em outras áreas de estudo e aplicação que poderiam incluir matérias como planejamento urbano, estudos negros, resolução de conflitos, história pública, sociologia, etc… Anos depois de conseguir meu próprio grau em MFA ( Master Fine Arts) eu decidi voltar para escola e estudar agricultura orgânica. Eu fiz isto como parte de um programa incomum na Universidade de Califórnia em Santa Cruz (UCSC) chamada The Apprenticeship in Ecological Horticulture (A ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE Aprendizagem em Horticultura Ecológica) e Sustainable Food Sistems (Sistemas de Alimentação Sustentável). Isto foi somente um programa de seis meses, mas isto mudou dramaticamente minha vida e prática artística. Haviam quarenta aprendizes e nós todos vivíamos em tendas na fazenda, os quais eram no campus da UCSC. Nós aprendemos fazendo em uma variedade de muitas maneiras, incluindo não somente o crescimento de vegetais e frutas, mas também distribuindo-os em pequenas escalas. Eu entendi que haviam muitas similaridades entre meus colegas estudantes na escola de arte e na escola da fazenda - por exemplo, havia um impulso de criação e divisão em um pouco das maneiras alternativas. Mas haviam também diferenças maiores. A Escola de Arte parecia encorajar a competição e territorialidade embora houvesse um foco maior na “originalidade” e novidade. As estruturas seguidas eram convenções muito rígidas e pareciam ser largamente limitadas de muitas maneiras. Escolas de fazenda não colocam ênfase na novidade, apenas hibridizam o que quer que pareça útil; tradição era importante, mas confiando na convenção, somente acontecendo onde faria sentido. Cooperação era muito mais importante do que competição e havia uma compreensão holística da importância de não apenas fazer um produto, mas também pensando sobre como conseguir que o produto a se consumir numa localizada recíproca moda. Depois de terminar o programa, eu trabalhei em muitas pequenas fazendas e comecei a usar uma variedade de aspectos dos quais eu tinha aprendido da fazenda na minha arte e prática educacional. Eu cresci numa pequena cidade na Califórnia, quando a oportunidade apresentou-se para viver em uma área urbana. Escolhi a Área da Baía de São Francisco sobre Los Angeles. Depois de dez anos lá, indo para a escola e fazendo projetos com quase todas as organizações de arte da região, eu decidi mudar não para a cidade de Nova York, como era a trajetória esperada de um artista local de sucesso, mas ao invés disso, fui para Portland Oregon, a qual naquele tempo não tinha nada das propagandas publicitárias relacionados com o recentemente Desenvolvido FOOD-CART e programa de TV badalados. Muitas das pessoas do mundo da arte que eu conhecia, consideraram isto um movimento para uma carreira suicida, mas por então eu tinha desenvolvido uma aversão para muitos aspectos do mundo da arte e estava amplamente de bem com a ideia de que eu poderia vagarosamente desaparecer na obscuridade. Como isto acabou, minha carreira continuou, em um muito moderado, mas em um consistente ritmo, desenvolvendo-se ao longo dos próximos vinte anos depois de fazer de Portland a base da minha casa, possivelmente em uma maneira de mais sucesso do que eu poderia ter se eu tivesse seguido o mais tradicional padrão de relocação de Los Angeles para Nova York. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE Há umas poucas razões para isto, as quais também se aplicam para outras pessoas que querem uma carreira funcional como um artista, mas não querem viver em um cubo do mundo da arte. O maior fator, o qual é facilmente esquecido em retrospectiva, é a popularização da rede (web). No momento em que eu me mudei para Portland, poucos tiveram suas próprias presenças na rede e ao invés de necessitarem de representações comerciais de galerias para conseguir a repercussão sobre seus trabalhos. A assistência de galerias pode naturalmente ser de muita ajuda especialmente se o que você quer fazer como um artista é construir objetivos para vender, mas há agora vários exemplos de artistas que construiram a carreira para eles mesmos sem um relacionamento com uma galeria comercial, frequentemente fazendo um trabalho baseado em localização e então mostrando documentação na web, aconteceu de obterem sorte. Um web designer chamado Yuri Ono aproximou-se de mim em torno do momento que eu estava mudando para Portland e sugeriu fazer um website para mim. Eu estava em dúvida, mas dei a ele a experiência de fazer e acabou sendo muito significativo o desenvolvimento de minha carreira. De repente, curadores e pessoas interessadas através do país e em outras localidades por volta do mundo foram capazes de ver o que, até certo ponto, tinha sido um conjunto de trabalhos feitos amplamente como projetos de site-specific na Área da Baía. Algumas daquelas pessoas começaram a enviar e-mails para mim, solicitando-me para fazer shows, palestras e projetos variados e as oportunidades pareciam multiplicar-se. Este foi um tempo antes do Facebook, You Tube mesmo E_FLUX?, até então as possibilidades daquelas plataformas não tinham sido consideradas. A infinidade dos recursos baseados na Web existentes agora oferecem mesmo grande potencial de visibilidade fora do sistema comercial de arte do que eram avaliados quando eu estava começando. Outro resultado positivo da minha movimentação para uma cidade não do mundo da arte era que haviam poucos artistas dos quais as pessoas eram conscientes lá, então quando um curador veio para a cidade eu estava usualmente na sua lista daqueles para ele encontrar. Adicionalmente, o custo de viver era mais baixo. Eu poderia proporcionar-me comprar uma casa. Eu era capaz de encontrar um trabalho para ensinar e organizações de artistas locais estavam interessadas em trabalhar comigo. Possibilidades similares aguardam outros artistas que escolhem viver fora dos caminhos locais se eles estão esperando essa chance. Eu tenho a melhor de ambas as palavras porque eu viajei muito a trabalho e ainda sou capaz de ficar em contato com pessoas e eventos que acontecem fora de Portland. Meu senso de como minha própria carreira realmente se desenvolveu embora esteja tão distante como escola de graduação, eu praticamente parei de fazer objetos em estúdios ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE com a intenção de vendê-los em galerias, e ao invés de ter começado a fazer uma grande variedade de projetos que eram site-specific, participativos e públicos. Eu não esperei por um curador ou proprietário de galeria para dizer que o meu trabalho era válido e pronto para ser mostrado; ao invés, eu apenas comecei fazendo o trabalho na escola e em minha vizinhança os quais eu estava totalmente em controle não apenas o “trabalho de arte” no senso de pintar ou esculpir, mas em termos da seleção ou criação de um contexto que o trabalho estava sendo feito, sabendo que haveria uma audiência específica e pensando sobre coisas como posters associados, publicações, eventos etc. Eu era capaz de saber que o trabalho que eu estava fazendo atualmente seria e teria uma função na sociedade. Na escola de graduação, eu fiz coisas como criar minha própria livraria e minha própria galeria na vizinhança em uma loja de construção vazia, mas eu também fiz projetos na escola fundamental local. Em empresas existentes e nas ruas de várias maneiras. Fazendo o trabalho público e fazendo em colaboração com pessoas locais nas matérias do interesse deles, havia um investimento automático no que estava sendo feito. Não estava sendo colocado meu trabalho de arte em um espaço de galeria em uma locação obscura e então esperando pessoas que queriam vir e apreciar, ao contrário, eu fiz isto onde as pessoas já estavam e fiz isto com eles tanto que havia fácil acesso e um senso de envolvimento pessoal. Como um resultado, o público, tanto local como fora da cidade, tomaram conhecimento e desenvolveram interesse no trabalho. Alguma coisa que eu sempre tentei ter em mente é a ideia que um artista é alguém que consegue fazer o que quer que ele queira fazer. Odontologia é realmente interessante, mas se você tornar-se um dentista, você terá ampla necessidade de trabalhar sobre os dentes de forma tradicional, pelo menos profissionalmente. A maior parte das outras carreiras parecem operar em maneiras similares, mas artistas podem, como parte de sua prática profissional, decidir fazer um trabalho sobre qualquer assunto e de qualquer forma. Ser pago para fazer este trabalho é sempre outra questão e a que parece dirigir artistas e escolas de arte em direção ao sistema comercial de galerias, a necessidade deles por produto e todos os elementos adicionais que prosseguem junto com isso – revistas de arte, feiras de arte, pessoas ricas etc. Assim, portanto se não é tão estranho que artistas podem fazer qualquer coisa que querem, muitos deles escolhem cronometrar o seu tempo em um estúdio fazendo pinturas e outros objetos vendáveis (mesmo se eles nunca mostraram ou venderam estes objetos). Tentei realmente com esforço liberar-me deste conjunto de condições e ao invés disso questionei repetidamente o que eu ultimamente valorizava, e o que eu queria fazer para desperdiçar o meu tempo. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE Por causa da natureza do meu trabalho e meu próprio histórico de projetos, eu sou frequentemente afortunado de estar em uma posição onde uma instituição (usualmente uma escola ou um centro de arte ou museu) irão comissionar-me a fazer um novo projeto para eles. Isto é compreensível que eu poderia fazer qualquer coisa de forma diferente do que eu tinha feito antes, que havia provavelmente de ser colaborativo e participativo em aspectos, que eu provavelmente teria no componente educacional nos quais seria o único a aprender e que poderia não ser de todo qualquer objeto produzido. No passado, estes projetos haviam incluído fazer um filme em um centro de idosos com as pessoas lá, baseado em Ulisses de James Joyce; produzindo uma escultura pública usando as ideias de um trabalho colaborativamente com crianças, andando com um grupo de pessoas por dias, aprendendo sobre a história e ciência de seu ambiente; criando uma participação geográfica, aprendendo experiência de uma loja de doces internacional; recriando um museu de guerra do Vietnã em vários locais dos Estados Unidos; e um amplo número de outras atividades que estão somente conectadas com meu desejo de aprender e apreciar o conhecimento, as habilidades e a cultura locais. Estes projetos e minha prática como um todo são muito subjetivos e pessoais para mim. Eu não quero dizer a eles para pensarem em modelos específicos para outros artistas usarem, mas eu suponho que eu gostaria de sugerir através de minha própria história e trabalho atual é que artistas podem tomar uma responsabilidade individual e atividades no que diz respeito a como e de quais maneiras eles concebem e produzem seus próprios trabalhos. Referências
Literárias
Ewald, Wendy. Portraits and Dreams. New York: Writers and Readers Publishing, 1985 Eu descobri uma cópia de Portraits and Dreams (Retratos e Sonhos) na biblioteca da Universidade Estadual de Humboldt quando eu era estudante universitário pelos idos dos anos 1980. O livro me surpreendeu totalmente e redirecionou meu trabalho como artista e professor. Ewald viveu em uma parte bastante rural na parte oriental de Kentucky e trabalhou com um grupo escolar de crianças por alguns anos os quais eles fizeram sobre suas próprias vidas e mundos interiores. Os resultados são verdadeiramente assustadores. Freire, Paulo e Myles Horton. We make the Road by Walking. Philadelphie: Temple University Press, 1990. Eu corri atrás de We Make the Road by Walking (Nós Fazemos a Estrada Andando), em um ponto mais tarde da minha vida do que ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE os outros livros, mas era igualmente importante para mim. Muitas pessoas estão familiarizadas com Freire e o seu trabalho na América do Sul, mas menos conhecido (embora igualmente não mais incrível para mim) é Miles Horton e sua Tennesses – Organização baseada na Escola Folclórica Highlander. Highlander teve muitas direções, mas esteve sempre operado em uma forma DE- AUTHORITISED ( sem autoridade ??) e focando em uma variedade de questões políticas e sociais – era na maioria uma protuberância de atividades durante o movimento dos Direitos Civis. O livro foi criado de uma maneira interessante demais que eu tenho replicado em algumas ocasiões. Foi gravada uma conversa que Freire e Horton tiveram juntos e que mais tarde foi transcrita e colocada na forma de livro. Holt, John. How Children Learn, Revised Edition. New York: Delacort Fress/Seymour Lawrance, 1983. Adquiri este meu primeiro, de muitos livros de John Holt, em uma feira de livros anarquistas em Londres, quando eu estava na graduação, estudando no exterior por um semestre. Foi também muito importante para mim na minha compreensão das alternativas educacionais e direitos das crianças. O outro aspecto do livro pelo qual fui atingido é que o livro de 1983 é uma edição revisada do original de 1967 e Holt escreveu comentários (frequentemente críticas) nas margens do livro sobre o seu texto escrito anteriormente. Pensei que foi uma ideia interessante re-examinar o seu próprio trabalho e trazer o processo à público. Nearing, Helen and Scott Nearing. Living the Good Life: How to Live Sanely In a Troubled World. Mainer Social Sciences Institute, 1954. Eu tropecei no The Good Life ( A Boa Vida) em uma livraria em Arcata, CA, quando eu estava no começo dos meus vinte anos. É a história de um recente casal “Back to the Land”( De Volta para a Terra) e sua específica maneira de organização e efetivamente morando em um estilo de vida alternativo. Este livro, ao longo dos outros tantos, conduziu-me a agricultura orgânica, a qual teve um impacto maior na minha prática artística. Neill, A. S. Summerhill: A Radical Approach to Child Rearing. New York: Hart Publishing Company, 1960. Eu comprei uma cópia do Summerhill na mesma feira de livros de Londres. É sobre uma escola alternativa na Inglaterra na qual as crianças são dados os mesmos direitos do que os adultos. Eu recordo a minha leitura da primeira vez e a confirmação de um sentimento de todo o meu próprio senso de infância e dos erros de uma educação tradicional que eu experimentei. As ideias no ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE livro tiveram impacto em um monte das minhas maneiras ensinar e nos projetos participativos ao longo dos anos.
de
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__________________________________________ ¹ Este texto foi inicialmente publicado no Livro: Akademie X Lessons In Art + Life da Editora Phaidon, 2015. Título original: Lesson: Some Thoughts on Agency and Activity Outside of the Commercial System. O autor autorizou a tradução deste texto para o português com finalidade acadêmica. ²
Tradução: Mestranda Márcia Amaral Figueiredo. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE
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Artigos ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE A DIFICULDADE DE DISCURSO NO PROCESSO CRIATIVO DA PINTURA. STATEMENT'S DIFFICULTY IN PAINTING’S CREATIVE PROCESS. Felipe Martin de Góes fmgoes@yahoo.com.br
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Figura 1: Góes, Felipe. Pintura nº 264, acrílica e guache sobre tela, 30x40cm, 2015.
RESUMO O artigo reflete sobre o processo criativo, abordando a dificuldade enfrentada pelo artista contemporâneo em relacionar a prática da pintura com o discurso verbal e escrito. Mapear essa dificuldade é de grande interesse de artistas, críticos e pesquisadores. PALAVRAS CHAVE: Arte. Processo Criativo. Pintura. Discurso. ABSTRACT The article meditates about the creative process, addressing the contemporary artist’s difficulty to link their painting practice
with verbal or written statements. Artists, critics scholars have great interest to outline this difficulty. KEY WORDS: Art. Creative Process. Painting. Statement.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
and
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APOTHEKE INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é contribuir com uma reflexão sobre
o
pintura
processo e,
num
dificuldades
criativo processo
pela
perspectiva
autoavaliativo,
cotidianas
da
prática
da
salientar
algumas
pelo
artista
enfrentadas
contemporâneo. Se
o
processo
criativo
enfrentamento de obstáculos¹
16
pode
ser
um
mecanismo
de
, qual a natureza dos obstáculos
em pintura? Quais perguntas uma pintura lança ao mundo? Qual discurso estabelece silenciosamente uma pintura? Como lidar com a oscilação entre recursos materiais e recursos teóricos no longo processo de depuração de um trabalho? Seria inimaginável o desenvolvimento histórico da pintura ocidental
apartada
da
produção
do
discurso
verbal/escrito
sobre arte dos textos antigos e tratados renascentistas2
17
,
assim como o impacto que textos de Kandinsky ou Greenberg tiveram para a arte moderna, ou ainda do discurso político de Beuys e Duchamp para ampliar o espectro de operações na arte contemporânea
318
.
Para além da discussão sobre os limites do que é arte e de quem faz arte, o processo criativo está presente em todos os campos de atuação humana. Seria difícil afirmar que não existe processo criativo em medicina, gestão, robótica ou esporte. Criatividade
não
é
uma
habilidade
exclusiva
de
artistas.
Sennett (2009) e Pallasmaa (2013) reconhecem um aspecto de ¹ Para Sennett (2009), a obsessão pela qualidade está na essência da prática do artífice, seja ele um médico, artesão ou programador de software. A obsessão leva o artífice a um constante mapeamento de obstáculos e busca de soluções. (SENNETT, 2009, p.35–37) ² Os textos Hipias Maior de Platão, ou Da Poética de Aristóteles (ARGAN, 2003) foram essenciais à origem da ideia filosófica de belo e do posterior desenvolvimento da filosofia estética. O Trattato della Pittura de Leonardo da Vinci é reconhecido, assim como outros textos de Vasari e Alberti, como fundamentais para o estabelecimento do Estatuto teórico e social da pintura no Renascimento. (LICHTENSTEIN, 2004) ³ Beuys e Duchamp influenciaram significativamente o pensamento contemporâneo. Turvaram os limites entre prática artística e prática política, dos limites entre objetos de arte e objetos do cotidiano, atividade artística e atividades conceituais. (MAMMÌ, 2012, P.54-117)
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APOTHEKE artífice em todo fazer humano. Segundo estes autores tudo na cultura
é
artefato,
ou
seja,
um
artifício
criado
em
contraposição à natureza. (ABBAGNANO, 2012, p.93) A cidade e sua arquitetura são exemplos destacados de artefatos
humanos.
Segundo
Argan
(2005),
ambos
são
indissociáveis da civilização e, assim como a linguagem, são catalisadores e produtos da cultura. A cidade favorece a arte, é a própria arte, disse Lewis Mumford. Portanto, ela não é apenas, como outros depois dele explicitaram, um invólucro ou uma concentração de produtos artísticos, mas um produto artístico ela mesma [...]. A origem do caráter artístico implícito da cidade lembra o caráter artístico intrínseco da linguagem, indicado por Saussurre: a cidade é intrinsecamente artística. (ARGAN, 2005, p.73).
Assim, é na qualidade de artífice da pintura que o autor deste
artigo
criativo
e,
objetiva
abordar
conforme
a
exposto
problemática acima,
do
processo
salientar
as
possibilidades de uma pintura ser ao mesmo tempo produto e catalisador de um discurso intelectual.
Figura 2: Góes, Felipe. Pintura nº 222, acrílica e guache sobre tela, 80x120cm, 2014.
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APOTHEKE A DIFICULDADE DE DISCURSO NO PROCESSO CRIATIVO DA PINTURA419 O discurso teórico sobre a prática artística representa grande dificuldade para artistas, críticos e pesquisadores. Tal fato ocorre pois a transposição entre linguagens diversas, como por exemplo do discurso da pintura para o discurso da escrita, não poder ser realizada sem quaisquer atritos, pois parece claro que a pintura e a escrita são linguagens que demandam
intimidade
com
distintas5
práticas
20
.
Assim,
o
trânsito entre algo com o qual temos intimidade para algo desconhecido por nós representa um obstáculo e ao mesmo tempo fonte
de
estímulo
para
o
artista
seguir
adiante
em
sua
pesquisa. Ao
longo
do
artigo
são
apresentados
depoimentos
de
artistas como Bram Van Velde e Paulo Pasta, que entenderam a pintura como enfrentamento do desconhecido e das contingências da
vida.
Além
destes
artistas,
faz-se
referencia
aos
argumentos dos pesquisadores Gumbrecht e Rancierè, que apontam que este enfrentamento se realiza na oscilação entre momentos obscuros da materialidade e momentos de clareza do sentido. É
importante
reconhecer
a
dificuldade
em
unir
as
abordagens de Gumbrecht e Rancierè, pois embora ambos apontem uma relação importante entre discurso da pintura e discurso da escrita, todo.
divergem
Gumbrecht
na
valorização
(2010)
considera
destes
aspectos
urgente
a
perante
compreensão
o da
materialidade das coisas. Rancière (2012) denuncia qualquer tentativa de uma autonomia formalista da obra de arte. É nessa condição
de
funâmbulo
que
desenvolvo
os
argumentos
deste
artigo.
A problemática do “DISCURSO” foi inspirada em discussões recentes orientadas pelo artista Rubens Espírito Santo nas “aulas de segunda feira” do Atelier do Centro (São Paulo, SP). 5 É importante que fique claro que a comparação aqui desenvolvida entre discurso da escrita e discurso da pintura não é da ordem do intelectual vs. manual, mas sim da fonética/gramática vs. visual/plástico. A pintura e a escrita são práticas que solicitam esforços do corpo e do intelecto. 4
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APOTHEKE Mas essa simples oposição começa a se tornar obscura quando nos perguntamos: em que consiste exatamente esse “fato pictural” que se opõe ao suplemento do discurso? (RANCIÈRE, 2012, p.79).
Além do binômio obscuridade-clareza, a revelação de uma vocação para o discurso da pintura também parece oscilar entre razão e paixão621 . Neste sentido, o depoimento do artista Paulo Pasta sobre o desenvolvimento de sua vocação como pintor é de grande interesse. A pintura para mim, desde cedo, foi também autodescoberta. Não tenho com nenhuma outra linguagem a relação de intimidade que tenho com ela. [...] Prometi a mim mesmo seguir esse caminho, como uma senda para estar melhor no mundo. Desse modo, a pintura sempre foi uma atividade muito rente a minha própria vida. [...] Parece-me que a pintura teria de contar por si mesma, e de forma indireta e condensada, a lenta transformação dos conteúdos vividos. Essa seria a sua maneira de imitar em abstrato as contingências da vida. (PASTA, 2012, p.103-104).
Para
Gumbrecht
(2010)
é
urgente
que
as
pesquisas
acadêmicas acomodem este aspecto “rente à vida” da qual fala Pasta em seu depoimento. Gumbrecht propõe aos pesquisadores em arte e humanidades “que concebamos a experiência estética como uma oscilação (às vezes, uma interferência) entre ‘efeitos de presença’
e
‘efeitos
rebalanceando
as
tradicionalmente excessivamente
de
sentido’”
metodologias pela
(GUMBRECHT, de
interpretação
“hermenêutica”
nas
2010,
pesquisa
p.22),
dominadas
verbal/escrita palavras
do
e
autor.
(GUMBRECHT, 2010, p.35) Em última análise, o que este livro defende é uma relação com as coisas do mundo que possa oscilar entre efeitos de presença e efeitos de sentido. No entanto, só os efeitos de presença apelam aos sentidos [...] (GUMBRECHT, 2010. p.15).
Em reportagem à Jacinto Saraiva do jornal Valor Econômico, Paulo Pasta revela que sua rotina obsessiva envolve 7 dias por semana de trabalho no ateliê. (SARAIVA, 2015) 6
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APOTHEKE
Figura 3: Góes, Felipe. Pintura nº 276, acrílica e guache sobre tela, 35x40cm, 2015.
Gumbrecht
caracteriza
por
“presença”
algo
que
tenha
o
poder de obstruir nossa rota, seja uma pintura, um poema ou um lindo
pôr-do-sol.
determinadas justificar
Barthes,
fotografias,
que
sentia
interesse
intelectualmente,
este
chamou
de
interesse que
não
“punctum”
por podia
(BARTHES,
1984, p.46) este algo que nos fere no íntimo, e que muitas vezes
apresenta-se
como
uma
paixão,
agindo
na
razão
e
na
desrazão que habitam em nós. Nos dois casos é interessante pontuar que a corporificação sugerida nestes dois conceitos, “presença” e “punctum”, enunciam sutilmente que corpo e mente são indissociáveis filosoficamente para estes pesquisadores. É importante destacar que o objetivo deste artigo não é desvalorizar
o
discurso
conceitual/acadêmico
em
arte
ou
defender uma autonomia formalista da pintura. Não nos parece eficaz para o processo criativo em pintura que existam limites rígidos
entre
prática
e
discurso
verbal/escrito.
Segundo
Rancière (2012), teorizar sobre si próprio é parte da essência da
prática
podemos possível
artística.
afirmar e
que
a
desejável,
Seguindo
sua
aproximação mas
que
linha
entre
de
arte
devemos
pensamento, e
escrita
é
respeitosamente
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APOTHEKE reconhecer a gravidade do desafio. Assim, estamos afirmando que
perguntas
e
respostas
são
continuamente
emitidas
silenciosamente entre artista, pintura e público, sem que haja uma hierarquia clara entre estes agentes. Assim, a perda da medida comum entre os meios das artes não significa que daí em diante cada qual fique no seu compartimento, outorgando-se sua própria medida. Isso quer dizer sobretudo que toda medida comum doravante é uma produção singular, e que essa produção é possível somente à custa de afrontar, na sua radicalidade, o sem medida da mistura. (RANCIÈRE, 2012, p.52).
O artista Bram Van Velde7 22 , em depoimento ao escritor Charles Juliet8 23 , refletiu sobre a dificuldade de transposição do discurso da pintura para o discurso verbal, afirmando que lhe faltavam as palavras para falar de uma pintura9 24 . Velde revela que é justamente nessa dificuldade de emitir o discurso verbal onde se realiza o discurso próprio da pintura, e que este discurso seria como um olho cegado, mas que esforça-se em enxergar a ponta da faca que lhe fere1025. O depoimento de Velde apresenta uma interessante oscilação da
vontade
de
discurso
com
a
precariedade
e
a
falta
de
recursos para tal empreendimento, e parece carregar a mesma ambiguidade do conceito de “palavra muda” de Rancierè (2012, p.22). Servindo-nos (2013)
a
de
respeito
argumento do
discurso
semelhante da
ao
de
arquitetura,
Pallasmaa é
a
essa
O artista Bram Van Velde (1895- 1981), em diversas entrevistas, reafirma sua desconfiança na transposição do discurso pintura para o discurso verbal/escrito. O interessante nessas reflexões de Velde é que sua desconfiança claramente não parte de uma incapacidade intelectual ou retórica, pois basta ler poucas linhas de seus depoimentos para que fique óbvia a grande sensibilidade e precisão que o artista teve no uso das palavras. 8 O escritor Charles Juliet (1934-) foi um dos mais importantes interlocutores de Bram Van Velde, tendo publicado “Conversations with Samuel Beckett and Bram Van Velde“ e “Bram Van Velde par Jacques Putman et Charles Juliet” 9 “Je suis un être san langues. Je ne peux rien dire, je n’ai pas de mots. ” (JULIET, 1975, p. 78) 10 “La peinture est un oeil [...] un oeil aveuglé, qui continue de voir, qui voit ce qui l’aveugle.” (JULIET, 1975, p. 84) 7
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APOTHEKE potência silenciosa a qual nos referimos como o discurso da pintura. Todas as formas de arte – como a escultura, a pintura, a música, o cinema e a arquitetura – são modos específicos de pensar. Elas representam formas de pensamento sensorial e corporificado característicos de cada meio artístico. [...] a arquitetura, por exemplo, é um modo de fazer filosofia existencial e metafísica por meio do espaço, da estrutura, da matéria, da gravidade e da luz. (PALLASMAA, 2013, p.19-20).
136
Figura 4: Góes, Felipe. Pintura nº 278, acrílica e guache sobre tela, 100x140cm, 2015.
Por fim, ressalto mais uma vez o argumento principal deste artigo:
não
existe
incompatibilidade
entre
o
discurso
da
pintura e o discurso da escrita. Mas é importante salientar que existe sim uma dificuldade nessa relação, e que mapear essa dificuldade é de grande interesse de artistas, críticos e pesquisadores. Conforme pontuado acima, autores como Gumbrecht e Rancière publicaram importantes reflexões a respeito dessa relação, e que parece ser consensual entre ambos que, para que exista potência em um discurso verbal/escrito sobre arte, é
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE necessário primeiramente que o objeto
¹¹ 26
de arte apresente-se
com potência em seu próprio medium, na intimidade da prática. Portanto, refletir sobre o processo criativo na pintura é em primeiro lugar refletir sobre as dificuldades de discurso da pintura, da essência “errática” (ALMEIDA; GÓES, 2015) que a linguagem artística impõe à metodologia de pesquisa, do embate cotidiano que o artista contemporâneo trava com a “palavra muda”. Reflexões e pesquisas aprofundadas, a serem realizadas posteriormente,
devem
não
apenas
levar
em
consideração
as
dificuldades expostas neste artigo, mas também se apropriar desta
natureza
errática
do
processo
criativo
e
turvar
os
limites entre a obscuridade do ateliê e a busca por sentido da academia, estabelecendo um discurso que incorpore a razão e a paixão.
137
Figura 5: Góes, Felipe. Pintura nº 279, acrílica e guache sobre tela, 150x180cm, 2015.
11
Não estou tratando apenas de objetos físicos, mas de objetos de estudo. O termo poderia designar artes visuais, música, cinema, poesia, teatro, esporte. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2012. ALMEIDA, Eduardo Augusto Alves; GÓES, Felipe. Entre a figura e o abstrato: instâncias do pensamento. Interface, UNESP, Botucatu, v.19, n.52, p.211-226, Mar.2015. Disponível em: < http://interface.org.br/wp-content/uploads/2015/02/52.pdf>. Acesso em 14 Nov.2015. ARGAN, Giulio Carlo. História de arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ARGAN, Giulio Carlo. História da arte Italiana. Volume 1. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. BARTHES, Roland. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUCRio, 2010. JULIET, Charles ; PUTMAN, Jacques. Bram van Velde. Paris: Maeght Editeur, 1975. LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura. Volume 7: O paralelo das arte. São Paulo: Editora 34, 2005. MAMMÌ, Lorenzo. O que resta: arte e crítica de arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. PALLASMAA, Juhani. As mãos inteligentes. Porto Alegre: Bookman, 2013. PASTA, Paulo. A educação pela pintura. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. SARAIVA, Jacinto. Um pintor de volta às raízes. Valor Econômico, São Paulo, nov.2015. Disponível em <http://www.valor.com.br/cultura/4313930/um-pintor-de-voltaraizes>. Acesso em 15 nov. 2015 SENNETT, Richard. O artífice. Rio de Janeiro: Record, 2009. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Felipe Martin de Góes, Artista e arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Realizou exposições e projetos artísticos no Brasil e no exterior. Site: www.fgoesarte.blogspot.com
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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE OBJETOS MEDIADOS: PINTURAS MESTIÇAS MEDIATED OBJECTS: MISCEGENATED PAINTINGS Ricardo de Pellegrin (Unochapecó) ricardoppgart@gmail.com
RESUMO Este artigo apresenta os resultados da pesquisa Objetos mediados: pinturas mestiças, desenvolvida entre 2011 e 2013, investigação que se estabeleceu na conjugação da prática artística a uma reflexão teórica, abordando as estratégias poéticas adotadas na concepção e realização desses trabalhos. A proposta instaurou-se nas problemáticas contemporâneas da representação de objetos na pintura (natureza-morta) através do emprego da imagem técnica, processo pictórico relacionado ao conceito de mestiçagem. Identificadas nas estratégias poéticas as questões deslocaram-se dos objetos para o ruído gerado pela mediação técnica (óptica) do modelo. PALAVRAS-CHAVE: Óptica. Ruído.
Arte
Contemporânea.
Pintura.
Mediação
Técnica.
ABSTRACT This paper presents the final results of the research named Mediated objects: miscegenated paintings, which was developed between 2011 and 2013, and it is characterized by presenting an investigation that was established by the combination of artistic practices and theoretical reflections that deal with poetic strategies adopted by the conception and realization of those works. The proposal is based on contemporary issues that cover the representation of objects in painting (still life) through the use of technical image, pictorial process that relates the concept of miscegenation. It was possible to identify in those poetic strategies that the questions moved from the objects to the noise through mediated technique (optic) of the model. KEYWORDS: Contemporary Art. Painting. Mediation Technique. Optics. Noise.
Este Objetos
texto
configura-se
mediados:
pinturas
como
um
mestiças,
apanhado
da
investigação
pesquisa que
foi
desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria, na linha de pesquisa Arte e Visualidade, com orientação do professor doutor Paulo César Ribeiro
Gomes
(UFRGS).
É
um
estudo
que
se
localiza
no
território das poéticas visuais, no qual foram inquiridas as ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
140
REVISTA
APOTHEKE problemáticas decorrentes do meu processo poético, no período de 2011 e 2013. O
vértice
consiste
de
processual/conceitual
uma
investigação
da
visual
poética
fundada
em
na
questão
percepção
gerada pela mediação técnica, cujos trabalhos (como resultado final) aglutinam o pictórico à imagem técnica a partir do conceito operatório da mestiçagem. As implicações decorrentes deste processo de mestiçagem resultam da contraposição entre a tecnicidade dos processos de mediação e a materialidade da pintura,
construída
manualmente
por
camadas
de
tinta
sobrepostas no suporte. Nesse sentido, almejou-se realizar trabalhos a partir do confronto
entre
bidimensional revitalizando
os
diferentes
empregados a
em
pintura
meios
diálogo
em
à
de
representação
linguagem
consonância
com
pictórica, o
contexto
contemporâneo. Nesse prisma, configura-se como uma abordagem visual
para
motivadora
das
o
fenômeno mudanças
da
nos
mediação
paradigmas
técnica, de
enquanto
representação
da
pintura. O artigo foi dividido em dois subtítulos. No primeiro, trato das aproximações entre a pintura e os meios técnicos empregados na mediação do visível. Já no segundo, abordo o pensamento possível para o ruído óptico que é agregado nos trabalhos devido à origem processual técnica. PINTURA E IMAGENS TÉCNICAS: PROCESSOS MESTIÇOS Na contemporaneidade, as imagens técnicas se tornaram um importante
instrumento
realidade.
A
imagens
de
mediação
massificação
provocou
uma
das
entre
tecnologias
situação
de
o de
saturação,
homem
e
produção geradas
a de e
disponibilizadas em fluxo contínuo e desgovernado. Assim, para todo
o
visuais.
lugar Esse
que
olhamos,
confronto
somos
atingidos
vivenciado
na
por
informações
atualidade
acabou
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
141
REVISTA
APOTHEKE definindo
novas
maneiras
de
se
relacionar
com
o
mundo
e,
secular
da
tecnologia
de
consequentemente, com a arte. A
câmera
fotografia
digital
graças
gravação
da
aparatos,
toda
popularizou
aos
imagem. essa
constantes
o
avanços
Disponibilizada massa
de
processo na
através
informação
de
visual
diversos
estabeleceu
novos cânones perceptivos, conformando o olhar do sujeito aos modos de ver da máquina; indivíduo que, para além de qualquer ingenuidade, dialoga com essa realidade estabelecida. Sobre a influência
das
imagens
técnicas
na
formação
do
olhar
do
sujeito contemporâneo, o crítico Tadeu Chiarelli afirma que: Essa nova geração, nascida após o termino da Segunda Guerra Mundial, vivenciou de maneira mais totalizadora (praticamente do berço), os novos meios de comunicação sobretudo a televisão, mas também revistas, cinema etc. -, recebendo sem nenhum tipo de resistência preconcebida um universo de informações fragmentado, cheio de imagens das mais diversas épocas e procedências, todas elas homogeneizadas em suas diferenças por essas mesmas mídias. (CHIARELLI, 2001, p. 265).
142 As
implicações
da
presença
das
imagens
técnicas
se
refletem na aparência das obras de arte, mas de modo especial na pintura. Ciente desta contaminação, Klaus Honnef tece uma leitura técnicas
da no
pintura modo
de
que ver
revela e
de
a
influência
criar
dos
das
imagens
artistas
atuais.
Consoante o autor: Através do desenvolvimento específico da pintura contemporânea, pode-se verificar facilmente como a imagem fotográfica do mundo influencia tão acentuadamente o modo de ver e de pensar. De um lado, imagens que recusam qualquer espécie de modelo, que nada representam, e que devem ser percebidas e compreendidas simplesmente como imagens autônomas; no outro lado, imagens inspiradas na fotografia sem, no entanto, constituírem reproduções fotográficas ou duplicados. (HONNEF, 1990, p. 73).
A pintura, a fotografia e o cinema podem ser considerados os principais meios responsáveis pelas mudanças na concepção da imagem no ocidente, com consequências intimamente ligadas à
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE formação do olhar do espectador nos diferentes períodos. As aproximações entre a pintura e os meios técnicos de produção sempre ocorreram, entretanto, é na contemporaneidade que pode ser
verificada
grande
efervescência
desse
tipo
de
conduta
poética mestiça. A produção pictórica, na maioria dos casos, perpassa a constituição de um estudo preparatório, esboço onde constam as diretrizes para a execução do trabalho. O método de trabalho mais tradicional pressupõe a observação direta do modelo e sua replicação no suporte, no qual o artista tateia a forma em busca do lugar preciso de cada traço. Segundo David Hockney, fazer a olho refere-se: [...] ao modo como o artista se senta na frente de um modelo e desenha ou pinta um retrato usando apenas a mão e olho e nada mais, observando a figura e tentando depois recriar a semelhança no papel ou na tela. (HOCKNEY, 2001, p. 23).
Entretanto, os meios técnicos de produção de imagens fazem a passagem mecânica do mundo visível para o bidimensional. Essas
imagens
particular,
se
constituem
aparência
que
a
partir
diverge
da
de
uma
organização
visualidade
produzida
através do fazer a olho. Parece-me que perante a profusão de imagens à qual
o
sujeito contemporâneo é submetido, desaprendemos a olhar sem a mediação
da
imagem
técnica,
tornando-se
natural
que
essa
imagem, em especial a fotografia, seja um recurso amplamente utilizado
pelos
pintores
mediação
técnica
não
no
processo
disponibiliza
a
de
trabalho.
mesma
Essa
experiência
de
observação do modelo, pois traduz um correspondente plano de maneira específica e ruidosa. A diferença fundamental entre os procedimentos mencionados está
no
tipo
de
experiência
visual
que
é
utilizada
na
concepção da imagem: a primeira dá conta da visão binocular, que
corresponde
à
percepção
humana;
a
outra,
da
visão
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
da
143
REVISTA
APOTHEKE máquina,
monocular,
mediada
por
procedimentos
técnicos.
No
processo dos pintores que trabalham a partir da fotografia, a imagem técnica ocupa o lugar do bloco de desenhos para os artistas que partem do
fazer a olho, conforme afirma Karl
Ruhrberg: A fotografia - ou série de fotografias - é um instrumento tão importante quanto é o bloco de esboços para outros pintores. Consequentemente, a sua obra criativa começa logo na escolha do motivo, na seleção de fotografias que em geral eles mesmos tiraram, por vezes com uma máquina fotográfica manipulada. (RUHRBERG, 2005, p. 335).
A
escolha
pela
imagem
fotográfica
como
recurso
para
constituição dos estudos decorre do fato de que este meio não se limita à finalidade de reproduzir o modelo, mas produz uma aparência
específica.
No
meu
processo,
os
objetos
são
dispostos em um modelo e o espaço que eles ocupam recebe uma iluminação específica. A câmera passeia entre as personagens, aproximando-se observação modelos.
destas
diferenciado As
e
disponibilizando
da
experiência
fotografias
resultam
do
um
ângulo
cotidiana flanar
com da
de
estes câmera
fotográfica entre os objetos. A
partir
da
ampliação
destas
imagens
técnicas,
reproduzidas manualmente sobre a tela através da projeção, há o estabelecimento de uma tensão entre os meios empregados, com a tecnicidade da imagem técnica e a materialidade pictórica. As
práticas
seguem
a
de
cruzamento
definição
de
instituídas
conduta
mestiça
nessa definida
investigação por
Icleia
Borsa Cattani (2007). A autora define que: Os cruzamentos que suscitam relações com o conceito de mestiçagem são os que acolhem sentidos múltiplos, permanecendo em tensão na obra a partir de um princípio de agregação que não visa fundi-los numa totalidade única, mas mantê-los em constante pulsação. (CATTANI 2007, p. 11).
A transposição da fotografia para a pintura, em óleo sobre tela, faz parte da gama de procedimentos escolhidos para negar ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
144
REVISTA
APOTHEKE a
banalidade
e
conferir
outro
status
para
a
imagem.
A
superficialidade da fotografia é transmutada para o pictórico, deslocando-a
da
saturação
cotidiana,
estabelecendo
um
confronto com a aparência e as possibilidades de reprodução providos das imagens técnicas. Inegavelmente,
a
contemporaneidade
tendência
de
produzir
caracteriza-se
como
pinturas uma
na
postura
contraditória diante da arte digital, movimento cuja principal consequência foi a desmaterialização do objeto artístico. Na minha prática, tal conflito se evidencia na materialidade da pintura a óleo, meio visual que se mantém singularizado pela condição específica de observação e sua impossibilidade - até certo ponto - de reprodução técnica. Na
tela,
o
processo
pictórico
inicia
com
a
imagem
fotográfica projetada sobre o suporte. Conforme as diretrizes determinadas
pela
preliminar,
a
adelgaçadas
com
menos
tinta
encorpadas
pintura,
sem
projeção,
o
é
aplicada
solvente. de
manchas
contrastes
mais
A
pigmento
brilho
Produzindo
de
sem
o
em
opção
uso suaves
pelo
pretende
acentuados
um
um
sobre
a
tela
de
luz
e
desenho
veladuras
emprego
característico
cor
de
de
aspecto
da são
tinta
muito
camadas opaco a
óleo.
decalcados
sombra,
na
áreas
os que
estruturam a imagem. A aplicação das cores segue uma lógica pré-determinada: iniciando com tonalidades de amarelo claro, passando para os laranjas, depois os vermelhos, os verdes e os violetas, os azuis (Figura 01). A gradação é resultado da diluição da tinta em solvente, ou seja, o pigmento branco não é utilizado para obter tonalidades mais claras, do mesmo modo que o preto não é empregado para escurecer as matizes.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
145
REVISTA
APOTHEKE Figura 01 - Processo de construção da pintura Nu artístico - Zoom, 2011. Fonte: acervo pessoal do autor.
A estratégia de pintar por camadas de cor que cobrem, com menor ou maior intensidade, toda a superfície da tela é uma prática
compartilhada
por
diversos
artistas
na
contemporaneidade. A minha opção por esse procedimento deve-se ao objetivo de conferir uma unidade cromática ao trabalho, aproximando-se da lógica de construção da cor que ocorre no processo fotográfico (por camadas de cor que se sobrepõem). A respeito do procedimento de construção da cor na pintura através de camadas, Jacques Aumont afirma que: [...] pode-se sempre imaginar um pintor que se aplica em pintar, sucessivamente, três camadas monocromáticas, em cores primárias, sobre toda a superfície: é complicado, mas teoricamente possível. (AUMONT, 2004, p. 186).
Apesar de compartilhar do mesmo procedimento pictórico mencionado por Aumont, aplicação da tinta em camadas a partir de
projeção,
as
pinturas
que
integram
minha
investigação
poética resultam de processos menos arbitrários. As qualidades da pintura são exaltadas em alguns dos trabalhos que realizei, como pode ser observado em Estação Destempo
(2012)
(Figura
02),
proposta
de
site-specific
produzida durante o evento arte#ocupaSM (2012). Realizada com um número restrito de cores, alguns tons de amarelo, laranjas, vermelhos
e
violetas,
aplicadas
de
modo
a
evidenciar
as
qualidades do material, com escorridos, manchas, assumindo os desvios da pintura na imagem. Tal trabalho foi efetuado em uma zona da pintura onde o artista perde o controle do material.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
146
REVISTA
APOTHEKE
Figura 02 - Estação Destempo, 2012, acrílica sobre parede, 300 x 600 cm. Fonte: acervo pessoal do autor.
RUÍDOS ÓPTICOS O processo de mediação do visível pela técnica pode ser pensado,
caso
seja
considerado
como
um
circuito
de
comunicação, como um meio cuja passagem subverte a informação, agregando ruído à mensagem. Pois, por exemplo, por maior que seja
a
visível,
capacidade tal
da
imagem
fotografia
técnica
de
sempre
gerar será
uma
uma
mimese
do
interpretação
ruidosa do real. Nesta
investigação,
o
conceito
de
ruído
baseia-se
no
pensamento do filósofo Michel Serres (1982). Serres considera o ruído como parte indissociável da comunicação, por outro lado, afirma que é o não comunicado, pertencente à esfera do caos. Na obra literária The Parasite (1982), Serres concebe a figura do parasita como o ruído em um canal de comunicação. A mensagem, nos termos de Serres, não pode ser concebida sem desvios, uma vez que: [...] não conhecemos sistema que funcione perfeitamente, ou seja, sem perdas, fugas, desgastes, erros, acidentes, opacidades - um sistema cujo retorno é de um por um. (SERRES apud LECHTE, 2002, p. 101)
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
147
REVISTA
APOTHEKE É
com
essas
intenções
que
aplico
os
instrumentos
de
mediação da imagem em meu processo poético, a fim de produzir, no
ruído
agregado,
uma
informação
diferenciada,
que
apenas
seja possível através do caráter mediado disponibilizado pela imagem técnica. Os ruídos gerados através do uso de aparatos ópticos,
na
seção
fotográfica,
ampliam
as
possibilidades
interpretativas, pois a imagem se torna mais subjetiva, como pode ser observado na tela Trio de soldadinhos mutilados (2011) (Figura 03)
148
Figura 03 - Trio de soldadinhos mutilados, 2011, óleo sobre tela, 110 x 150 cm. Fonte: acervo pessoal do autor.
No momento em que elaboro os estudos fotográficos, não domino os efeitos que serão produzidos devido à informalidade dos recursos que são empregados. Pois, apesar das escolhas dos objetos e da luz ser elementar, é o acúmulo dos ruídos visuais da
óptica
que
Corrompendo
o
determina
a
aparência
reconhecimento
das
final
figuras,
desses
estudos.
essas
imagens
transmitem menos, no sentido de uma mensagem direta, exigindo mais
do
espectador.
A
opacidade
presente
nestas
imagens
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE instiga a busca por maneiras de penetrar na trama de sentidos evocados. O trabalho Abstração Óptica (2012) é resultado de uma série de três imagens (Figura 04) nas quais identifico que, devido ao acúmulo do ruído óptico, o modelo foi deturpado ao extremo,
impossibilitando
seu
reconhecimento,
mas
ele
permanece lá, enquanto vestígio da sua presença. A deformação, neste caso, decorre do uso de um globo de vidro cheio de água que
adquire
a
função
de
lente
durante
a
produção
das
fotografias/estudos.
149 Figura 04 - Abstração óptica [estudos], 2011, fotografias usando globo de vidro como lente. Fonte: acervo pessoal do autor.
A óptica é fundamental nesta investigação poética, visto que
a
motivação
ferramenta
se
para
bidimensional,
encontra
mediar
ou
seja,
nos
o meios
recursos
mundo que
empregados
visível,
como
tornando-o
direcionam
o
olhar
em
sentidos bifurcados. A opacidade, que vem a ser gerada pelo emprego de recursos ópticos no processo de captura da imagem, tem a função de velar o referente em prol de uma abordagem menos
taxativa
decorrente ruído
das
da
figuração.
distorções
processual,
A
abertura
ópticas,
emprego
que
agrega
de
ao
alarga
sentidos,
referente as
um
possíveis
interpretações da imagem. Como reflexo da capacidade de mimese intrínseca
à
representação
imagem mais
fotográfica,
precisa
acaba
percebemos sendo
dotada
que de
mesmo
a
minúcias
interpretativas que estão além da superfície. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE As motivações poéticas que localizo na tecnologia podem ser relacionadas ao conceito de low tech, termo que se define na oposição à expressão high tech, o qual constitui-se de uma tendência dedicada à investigação de tecnologias do passado. Fundamental
salientar
subordinado
ao
que
período
o
conceito
histórico,
de
pois,
tecnologia
está
decorrente
dos
constantes avanços e inovações, um procedimento considerado inovador em uma época se torna retrógrado pouco tempo depois, e este ritmo de descarte está cada vez mais acelerado. Na produção das pinturas que realizo, os recursos ópticos simplificados,
tais
como
lupas
e
globos
de
água,
são
empregados como lentes na elaboração dos estudos fotográficos, imagens decorrentes de circunstâncias específicas de mediação óptica que são transpostas para a linguagem pictórica. Tais aparatos ópticos, anexados informalmente à câmera, subvertem o controle dos comandos do mecanismo fotográfico, proporcionando uma experiência de produção mais subjetiva, ou seja, menos determinada pelas regras da câmera. Neste sentido é possível estabelecer uma aproximação com as
considerações
de
Vilém
Flusser
(2008)
a
respeito
do
funcionário, termo que o autor emprega para o individuo que se vale dos aparatos técnicos sem transcender o dispositivo, no intuito
de
elucidar
minhas
pretensões
de
transpor
o
funcionamento da câmera. Segundo Flusser: O seu desafio é o de fazer imagens que sejam pouco prováveis do ponto de vista do programa do aparelho. O seu desafio é o de agir contra o programa dos aparelhos no interior do próprio programa. (FLUSSER, 2008, p. 28).
Sobre as anamorfoses que produzo com baixa tecnologia, o primordial não se encontra na impossibilidade de fazer imagens similares por meio de recursos da alta tecnologia, pois, até certo ponto, os efeitos obtidos podem ser atingidos com lentes especiais ou simulados em programas de edição de imagens; mas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
150
REVISTA
APOTHEKE o
que
os
diferencia
é
a
subversão
dos
sistemas
pré-
determinados da câmera - uma tentativa de desestabilizar a linearidade
técnica
da
captação
da
imagem
fotográfica,
investindo na aproximação do homem com a máquina. A
escala
mais
facilmente
manipulável
dos
mecanismos
simplificados, no meu caso os aparatos ópticos, permite uma articulação poética mais experimental. Esse emprego, tateando possibilidades,
é
menos
arbitrário
se
comparado
ao
uso
de
recursos high tech, cujo resultado final é desde o principio determinado
pelo
aparato.
Nesse
sentido,
compartilho
de
motivações similares às que João Carlos Machado (2009) revela a respeito de seu processo de trabalho: Entre as vantagens do Low Tech sobre o High Tech, do meu ponto de vista poético, está a escala mais facilmente manipulável de seus materiais e componentes e a possibilidade de deixar à mostra os mecanismos que produzem os efeitos sonoros e visuais emitidos pelos aparelhos. Ele tem o potencial de deixar visível o que é não visível no digital. (MACHADO, 2009, p. 612-613).
151 Na trajetória desta pesquisa, o interesse pela low tech evidenciou-se aparatos
nos
ópticos,
trabalhos
realizados.
empregados
como
Neste
lentes
sentido, no
os
processo
fotográfico - estudos transpostos para pintura - serviram de motivação para outros trabalhos, propostas que extrapolam as convenções da pintura. Estas tecnologias foram aplicadas no desenvolvimento de aparatos que geram imagens com qualidades e princípios ópticos. No processo de desenvolvimento do projetor que integra o trabalho Pintura (2012) (Figura 05), utilizei lentes similares às que costumeiramente emprego frente à câmera. A proposta consiste
de
um
madeira,
lentes
projetor
caseiro
de
transparência
lupa,
construído com
com
sobras
impressão
de
color
laser, uma lâmpada alógena de jardim e materiais de instalação elétrica,
cuja
permanecendo
imagem
gerada
sobrepostas
é
pintura
decalcada e
sobre
projeção.
uma O
tela,
estágio
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE conferido à essa pintura é similar ao primeiro momento do processo pictórico que realizo, quando o desenho é transferido para a tela apenas em pigmento amarelo.
152 Figura 05 - Pintura, 2012, óleo sobre tela e projetor artesanal, lentes de lupa, transparência com impressão color laser, madeira, lâmpada alógena, instalação elétrica, tripé. Fonte: acervo pessoal do autor.
Neste sentido, pensando nos aparatos low tech empregados na
minha
poética,
percebo
que
o
uso
da
óptica
pode
ser
compreendido como uma investida para repensar a presença e o impacto da tecnologia na percepção do sujeito contemporâneo, indivíduo
que,
como
comentado
anteriormente,
habituou-se
a
experienciar a realidade através da mediação técnica. Estes instrumentos presença
rudimentares,
massiva
artísticos investigação
da
atuais, que
se
por
outro
tecnologia apontando opõe
a
de para
lado, ponta
contrariam nos
processos
possibilidades
invisibilidade
dos
a de
processos
digitais e ao maquinocentrismo (MACHADO, 2009). Considerações finais
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE O desenvolvimento do presente estudo buscou problematizar as estratégias poéticas adotadas na produção visual, partindo do
ponto
de
vista
evidenciadas semânticas
as dos
artista
instaurador,
implicações
no
morfológicas,
procedimentos
empregados
qual
foram
sintáticas
e
concepção
e
na
concretização dos trabalhos. Entretanto, para além do objetivo de se chegar a um resultado, a pesquisa e a dissertação se impuseram, principalmente, como um processo de continuidade e de aprofundamento do discurso poético pessoal. Neste sentido, torna-se pertinente ressaltar o
notório
amadurecimento das questões investigadas, cujo foco migrou das problemáticas
relacionadas
ao
gênero
natureza-morta
para
o
ruído óptico decorrente da mediação técnica no processo de representação.
Desse
modo,
o
resultado
final
dos
trabalhos
passou a evidenciar, para além da pintura, outros aspectos relevantes
em
minha
poética,
como
as
possibilidades
de
instituir projeções de imagens por meio de aparatos ópticos simplificados. Assim, o conjunto de trabalhos reunido nessa pesquisa
demonstra,
além
do
resultado
do
processo
na
instauração das obras, propostas que apontaram para caminhos distintos que partiram da mesma gênese conceitual. As investigações no campo da low tech revelaram que a óptica pode ser compreendida como um elemento primordial dos processos de mediação técnica, sendo responsável por grande parte das interferências verificadas na aparência das imagens de
origem
devido
os
tecnológica. vestígios
Esta
visuais
genealogia que
torna-se
decorrem
do
possível
emprego
da
tecnologia na prática artística, experiências que remontam à tradição da arte holandesa do século XVI, onde Jan Vermeer, condicionado
à
percepção
gerada
pela
mediação
do
visível
através de lentes, empreende uma abordagem diferenciada para a representação bidimensional.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
153
REVISTA
APOTHEKE Entretanto, na contemporaneidade, a massiva presença das imagens
técnicas
no
cotidiano
transformou
esses
códigos
visuais ópticos em soluções usuais, como as variações de foco entre os planos da imagem. Neste contexto, se por um lado as inovações
técnicas
facilitaram
a
captura
e
reprodução
do
visível, por outro, sua agilidade e massificação produziram um esvaziamento de sentido para o meio, fazendo com que sejam consideradas imagens descartáveis. Deste modo, nas artes, a pintura
tem
se
mostrado
como
uma
alternativa
capaz
de
interromper este fluxo de descarte, como ocorre no conjunto de telas que foi apresentado ao longo desse trabalho. Os
embates
que
surgem
por
esta
presença
das
imagens
técnicas repercutem na prática artística de modo abrangente, através
das
experiências
de
percepção
disponibilizadas
ao
sujeito contemporâneo por meio da aparência ruidosa da imagem técnica,
tal
referência
é
traduzida
para
a
linguagem
pictórica. Neste sentido, ao tratar da natureza-morta, agrego aos
saberes
da
tradição
ocidental
sobre
este
gênero
às
especificidades estéticas da mediação técnica, situação que considero
ser
materialidade
um
traço
da
da
pintura,
contemporaneidade. devido
às
Entretanto,
qualidades
a
plásticas
opostas às da imagem técnica, confere outro status para essas imagens,
retirando-as
da
banalidade
a
qual
sua
origem
processual condena. Contrapondo-se ao uso inicial da mediação técnica em meu processo, que serviu como estudo para o trabalho pictórico, os trabalhos que foram realizados por meio do emprego direto de mecanismos
low
tech,
confronto
com
a
concepção
tradicional
demonstram
mestiçagem. da
São
pintura,
outras propostas porém
perspectivas que
valem-se
de
escapam dela
da
para
fundamentar o seu discurso visual. Deste modo, a poética em questão não abrangeu apenas as pinturas produzidas manualmente em óleo sobre tela, mas ao ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
154
REVISTA
APOTHEKE investigar desdobramentos específicos, a partir do processo instaurado, denunciou diversas possibilidades de mestiçagens entre a pintura e a mediação técnica. Estas aproximações entre pintura
e
low
tech,
assunto
que
desperta
grande
interesse
pessoal, correspondem a um campo fértil para a continuidade da pesquisa poética, inserindo-se nas discussões contemporâneas a respeito da co-presença de meios pelo viés da mestiçagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. Tradução: Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. CATTANI, Icleia Borsa. Poiéticas e Poéticas da Mestiçagem. In: Mestiçagens na arte contemporânea. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. pp. 11-17. CHIARELLI, Tadeu. Considerações sobre o uso de imagens de segunda geração na arte contemporânea. In: BASBAUM, Ricardo [org.]. Arte Contemporânea Brasileira. Rio de Janeiro: Marcad’Agua, 2001. pp. 257-270. FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: Elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008. HOCKNEY, David. O conhecimento secreto: Redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. HONNEF, Klaus. Imagens num mundo de imagens. In: Arte Contemporânea. Colónia: Taschen, 1990. pp. 73-85. LECHTE, John. Cinquenta pensadores contemporâneos essenciais: do estruturalismo à pós-modernidade. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002. MACHADO, João Carlos. O Low Tech frente ao maquinocentrismo e a invisibilidade dos processos digitais. In: Anais do 18° Encontro Nacional da ANPAP, Salvador: EDUFBA, 2009. pp. 609622. RUHRBERG, Karl. Arte do Século XX: Pintura. Tradução: Ida Boavida. Colónia: Taschen, 2005.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
155
REVISTA
APOTHEKE Ricardo de Pellegrin (nome artístico Ricardo Garlet). Artista Visual, Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFSM, Bacharel em Artes Visuais com Habilitação em Pintura e Licenciatura pela UFPEL. Docente no curso de Artes Visuais da Unochapecó.
156
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE ATO CRIADOR, BLOCOS DE EXPERIMENTAÇÕES Lucimar Bello Frange lucimarbello@terra.com.br
Resumo A pintura, na contemporaneidade, pode ser abordada por diferentes modos e com inúmeras conexões. Nesse texto, faço recortes e esboços, elos entre pintura, arquivo, condensação, multiplicidade, fugas, escapatórias. É um exercício que enfatiza, entre outros artistas, a obra Atlas de Gerhard Richter e suas muitas camadas com o mundo “real” e o mundo “com-figurado” em imagens agregadas em pranchas de papel. Richter faz a pintura re-existir.
Introdução ... um pensamento é como um vento que nos impele, uma série de rajadas e de abalos. Pensa-se estar no porto, e de novo é lançado em alto mar. Leibniz
157 Do papel branco à cor. Do papel branco à matéria. Do papel branco,
a
um
bloco
de
experimentações.
Assim
se
faz
uma
imagem. De uma sala vazia a uma intervenção. De uma praça chamada de nua, à experimentações colaborativas. Assim se faz uma interinvenção. De
uma
sala
de
aula,
sem
mesas,
sem
cadeiras,
a
corpos
criativos e vibráteis. Assim se criam imagens, palavras, ações corpóreas e compar-trilhadas. De muitas imagens colecionadas durante 50 anos, às imagens agregadas de maneiras inusuais. Assim, Gerhard Richter opera re-existências além de pictóricas, reconfigura a pintura na contemporaneidade. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Essas possíveis constituições de territórios, quer no papel, quer
no
espaço
coletivo,
rua,
cidade,
escola,
espaços
culturais, são ações em com-junto(s). São superfícies, tempos fabricados
com
sabor
maquinação
(atos
e
saberes,
incessantes
de
praticados
engenhocas
com
para
muita
tecer
e
sustentar uma vida). São conexões de corpos vazantes pela mão, pelo gesto, pelo corpo/inteiro, expandido e ampliado – corpos sócio-culturais
–
em
ação.
São
instâncias
que
se
fazem
acontecer a partir de uma necessidade pessoal/coletiva. Uma necessidade de arte como expressão e expansão da vida, no espaço,
no
tempo,
em
qualquer
lugar.
Lugar
é
um
espaço
praticado, experienciado. Um pintor não diz: vou pintar um quadro. Ele tem que ter uma necessidade. Inventa blocos de movimento-duração, blocos de conceitos, blocos de linha e cor (Gilles Deleuze,1995). Acrescento os blocos matéricos (transformações dos materiais) e blocos existenciais, ancorados em uma biodiversidade. O que chamamos de “óleo sobre tela”, é além do óleo e além da tela. A tela, o óleo, as camadas, os aglutinantes, o tecido, os gestos, os pensamentos, o assunto, a
época,
o
constituintes
contexto, de
um
o
percurso
espaço/tempo
do “ali
artista
–
congelado”
todos
são
sob
uma
figura, uma imagem, uma pintura, uma ambiência (instalação, intervenção, performance, etc). Imagens congeladas apenas numa primeira visada. No momento em que as penetramos, as escutamos e as colocamos no corpo, elas entre
vidas
arrumadas
em
entram, fincam, ficam, escapam
prateleiras,
estantes,
móveis
em
pilhas, pequenos objetos e mundos dos afetos de fazer qualquer coisa. A pintura de re-existências em Gerhard Richter Arrumar a vida, por prateleiras na vontade e na ação. Quero fazer isso agora, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
158
REVISTA
APOTHEKE como sempre quis, com o mesmo resultado. Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa! Fernando Pessoa.
Na
trajetória
complexidades
criadora
de
um
existenciais
artista,
e
podemos
matéricas
perceber
imbricadas
as
numa
“aparente pintura”. Um quadro vem de muito longe, de muitos espaços, muitos lugares, muitos tempos, muitas necessidades complexas
que
combinam,
exigem
e
acampam
em
blocos
de
experimentações fugidias e escapatórias, muitas prateleiras, propósitos
firmes
(reafirmo).
Uma
e
clareza
instalação
de
em
fazer
salas
e
qualquer salas
coisa
contíguas,
repletas de imagens agrupadas, no Atlas de Gerhard Richter, cria um mundo a ser penetrado, escarajunchado, escaravatado, re-vigorado.
Picasso
afirmou:
eu
não
busco,
eu
encontro...
Dizer que um quadro acabou? Um quadro vem de muito longe. Seria preciso toda uma vida para explicá-lo. Atlas de Richter vem de muitos longes-guardados, para quaisquer coisas a devir. Anos de esperas quase arqueológicas, para se tornarem pintura re-inventada; numa
milhares
“denominada
de
instantes
exposição”
–
um
decantados
num
expor/existir
lugar
imantado
e de
conexões infinitas, mares altos sem fim, gravetos e gravanhas, experimentados por Richter, experienciados por nós, vedoresledores-cúmplices
de
Atlas,
in.com.possíveis.
Agamben
a
re-inventar
insiste
que
a
e
compor
única
mundos
forma
de
compreender as raízes da profunda crise de legitimidade pela qual passamos hoje é através de uma rigorosa arqueologia das raízes da modernidade, uma arqueologia que passa a um só tempo pela
política,
pela
teologia,
pela
história
e
pela
escatologia.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
159
REVISTA
APOTHEKE
Atlas de Gerhard Richter
Artistas antecipam terremotos. O artista e o escritor são uma espécie de sismógrafo segundo (Thomas Mann). Percebem e dão a ver, de modo muito singular, que as antigas engrenagens do mundo rangem, desgastadas e corroídas... Que o mundo reclama sua
inconformidade
a
velhas
estruturas,
medidas
e
modelos
(CESAR, 2014, p. 13). Gerhard Richter assim o faz em Atlas, um arquivo
não-morto,
mas
avivado
por
imagens
desconexas,
ajuntadas numa trama de ventos, rajadas, abalos. Um porto a lançar sempre, para o alto mar e para altos mares, de quem queira e se disponha a com ele navegar em partilhas e perdas, a penetrar em camadas escatológicas de uma contemporaneidades complexa, difusa, inconsistente. O sismógrafo registra tempos de chegada e várias ondas sísmicas, sensores a instalar em nós vários atos de cisma, rumina, fica absorto, inquieto, duvida, suspeita.
As
imagens
nesse
trabalho,
experiências
in
continuum (John Dewey, 2010), são testemunhos da dissolução, do
deslocamento
“emancipadas”,
em
e
da
tempos
conflagração
de
atuais
outrora,
e
de
comunidades agora
ali todos
sobrepostos, esgarçando uns nos outros. Richter testemunha uma era na qual a memória não fica tributária, em dívida com o presente, são indícios, vestígios, sobras, fragmentos de um extenso que se tornam intensidades e turbulências. Não quer ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
160
REVISTA
APOTHEKE dizer nada, mas maquinar (Gilles Deleuze). Segundo Deleuze, não existe a ideia em geral. A ideia é como uma festa, um acontecimento raro. A ideia já é destinada, como aquele que tem a ideia já é um destinado – há um certo domínio. Diria, diante de tantos possíveis no mundo, porque escolhemos uma questão
para
inteira?
As
percorrer ideias,
comprometidos
com
a
como
os
ato
criador
assuntos
expressão
de
durante
ou
temas
si
e
de
são
uma
vida
potenciais
mundos.
Richter
guarda milhares de imagens durante anos e anos, para depois torná-las
pintura,
friccionando
o
conceito
tradicional
de
pintura – “tintas sobre um suporte”. Sempre desconfiei que o suporte não suporta – ele sustenta, é cúmplice, constituinte tanto quanto as tintas e/ou outros materiais. Ele a.tenta à materialidades outras. O tempo Richteriano é labiríntico: um agora
comprimido,
captadas
e
um
presente
com-figuradas,
intervalar
um
futuro
de
experiências
soterrado
(Walter
Benjamin). O espaço é ilimitado e virtual, pranchas pranchas pranchas
em
salas
salas
salas,
mundos
vastos
mundos
nada
mudos. Mundo mundo vasto mundo, Se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração (Carlos Drummond de Andrade). Atlas compõe e faz vazar mundos e mundos, em vastidões de mar, em vastidões
de
pessoas
simbólico/imaginados.
compartilhadas Mundos
em
vastidões
proliferados
em
de
mundos
estados
de
concretude,
com
suspensão. O
processo
dedicação
de e
desconforto
criação
só
persistência, constante
e
se
efetiva
paixão
e
permanente,
na
rigor,
embate
enfrentamento
com
um
entre
o
limiar de desistir e as frestas de fazer consistir. Na arte toleramos uma imensa energia a troco de nada. Não há função. É o inútil na inutilidade, mas ao mesmo tempo, a sustentação da vida,
sustentação
incessante
exigindo
atos
de
criação
–
invenção efetuada e efetivada. Atlas compõe inúmeras dimensões ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
161
REVISTA
APOTHEKE de uma biodiversidade ética, cultural, estética, estésica. Se somos um mínimo da biosfera, as milhões de imagens, em Atlas, fazem juntar e escapar muitos mínimos dos quais somos partesíntegras. Atlas nos monstra e nos devora, nos expõe e nos engole,
nos
faz
ver
e
fugir
para
além
de
um
“eu”,
um
“euzinho”, ou de um “nós”. Atlas estraçalha “eus” e “nós”. Exige cumplicidades criatíveis.
162
Atlas de Gerhard Richter – Detalhe
A arte sustenta e tenta atos permanentes, desloca para mundos outros e criações de “coisas que pensamos ainda não existir”. Nesse texto, discuto o processo criador que se faz acontecer através dos atos de criação e invenção de conceitos, faturas, conexões com as histórias da arte e com campos diversificados do conhecimento. Entendo as histórias da arte no plural porque cada historiador/pesquisador escolhe e compõe agrupamentos de artistas, obras e experiências, tempos e conceitos para se colocar
enquanto
um
sujeito
pensante
que
agrega,
discursa,
mostra, embrenha elos e conexões com as “coisas” do mundo e as devolve e deposita, ao seu modo, como mundo.
O
artista
tenta
em
sua
processualidades no
trajetória
criadora,
não
resolver uma questão, mas viver as tensões nela imbricadas. Tenta manter fluxos, blocos de experimentação que visibilizem ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE essa
necessidade
passagem.
Para
pressuposta,
Craig
Owens,
imediata o
e
artista
imanente não
pedindo
inventa
nada,
confisca imagens. Para Suely Rolnik, o artista cria porque é ‘obrigado
a’.
Concordo
com
essas
falas.
Na
minha
práxis,
artista-professora-escritora, a todo instante sou convocada, seduzida e desafiada a dar forma às inquietações alicerçadas nas culturas, nos lugares, em tempos e situações nas quais estou imersa de modos pessoais/coletivos. Em artes visuais e sua enorme variação, o corpo vasa pelas mãos (vasa quer dizer, lama fina inconsistente. Prefiro a “vazar”). A tatilidade dá concretude
às
experimentações
inventivas.
A
fatura
exige
imersão e mergulhos constantes com movimentos de suspensão, de intervalos, de distâncias para análise da trajetória criadora, que se dá em estados de experimentação dos acontecimentos, dos atos, das situações que nos fazem escapar do conforto. Arte é o desconforto, o inefável, o inverosssímel. O artista investe e
debruça
em
camadas
de
artisticidades
em
processo,
que
mostram características e especificidades singulares. Transita entre polos convergentes e polos divergentes, polos de escape. Flutua
em
camadas
de
inesperados,
de
inseguranças,
de
instabilidades, de estar à deriva. Volto a Deleuze, um criador só faz aquilo que tem absoluta necessidade. Cita Kurosawa e sua familiaridade com Shakespeare e com Dostoievski – os personagens de todos esses, cineasta e autores, estão presos a urgências. Há sempre uma urgência mais urgente. A fatura se dá no embate com os materiais, arrancando deles,
o
máximo
de
potência
para
que
as
combinatórias
sustentem as necessidades do artista. Uma pintura não é do artista. Ela é o artista que, ao assinar, afirma duplamente ser ele mesmo, não o autor, mas um ser-pregado-na pintura. No decorrer do percurso de um artista conseguimos perceber os modos como seu trabalho se configura no mundo. As variáveis mantém linhas tênues que dão a ver escolhas e os modos de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
163
REVISTA
APOTHEKE enfrentar as tensões para, com elas com-viver. Durante anos Richter
(res)guarda
suas
urgências,
as
faz
decantar
para
depois expô-las ao mundo, com fina ironia ética, estética, política.
Somos
estesias
são
seres
biopolíticos
acionadas
(Peter
incessantemente
Pál ao
Pelbart). vivermos
As
esse
acúmulo a nos penetrar pelo olhar atento, pela suspensão do respiro,
pelo
corpo
movente
de
quem
debruça
sobre
Atlas.
Richter faz parte de um grupo de artistas que, nos anos 60 e 70 trazem à tona a crise do sujeito no mundo contemporâneo. Michel Foucault chamou de minipoderes. Essa parafernália de imagens ativa, atiça e nos atira aos minipoderes num mundo dos maxipoderes, principalmente nos sistemas instituídos, da arte, das culturas, da educação, das sociabilidades. Captar mínimos do mundo são ações mini políticas de re-invenção de mundos e de vidas-em vivência. Para André Malraux, a obra de arte é a única coisa que resiste à morte. A arte é o que resiste. O artista insiste, resiste, consiste.
Deleuze
afirma
que
a
obra
de
arte
é
um
ato
de
resistência. Uma pintura é uma re-existência afiada, afinada dia-a-dia na trajetória do artista. O ato de resistência tem duas faces: é humano e também ato de arte. Para Paul Klee, falta o povo... Não há obra de arte que não faça um chamado a um povo que, todavia, não existe (CESAR, 2014, p. 41). Arte é endereçamento de partilha a/com o outro. A arte solicita o julgamento, o olhar e a palavra. Arte seria uma imprecisão nomeada? Não seria nesse desamparo que a arte acontece? Um nós que implica, desde dois, até uma vasta comunidade? Existir é ser exposto, sair “de um si”, de “uma identidade”, expondo-se à exterioridade, à alteridade, à alteração. Em quantas camadas somos alterados por e/em Atlas? São muitas agregações, muitos com-postos coletivos e colaborativos. Existir é co-existir, singular/plural. experimentais,
Richter as
pluraliza,
co-existências
em de
suas um
combinatórias século,
suas
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
164
REVISTA
APOTHEKE anterioridades e posterioridades. Somos minúsculas partículas da
biosfera.
Richter
instaura
proximidades
e
intimidades,
compartilha instantes, dias, décadas. Instaura tipologias da distância,
da
viver-junto
proximidade,
com
inúmeras
da
intimidade,
modalidades.
reinventa sociedades nos campos de no
campo
“disso
ou
daquilo”.
entre
coisas.
A
sociável;
Reinventa
a
um
pintura,
“e... e... e... e”..., não Propõe
contraste ao verbo “ser”. e.. e... e... estar
do
experimentação
multiplicidades
em
é meio, conecta o solitária,
guardada,
engavetada, só existe se pluralizada. No momento em que esses blocos de experimentação são expostos, expandidos para lugares outros, para além do atelier do artista, quer seja no sistema da arte ou nos outros espaços/ tempos, eles se publicizam, se tornam públicos, se efetuam no mundo. O vedor/leitor se torna cúmplice
da
criação.
Passa
a
ser
uma
processualidade
contaminada, a ser fabricada e maquinada por muitas camadas e inúmeras compartilhas, imensas e fugazes “compar-trilhas” que, em linhas de errâncias, gaguejam, desfalecem, descontrolam, escorrem, arrastam. Atlas não fala, escuta e aguarda (Deleuze, 1995).
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
165
REVISTA
APOTHEKE Atlas – Detalhe
... o artista recolhe neste quadro seus companheiros pobres do chão: a lata a corda a borra vestígios de árvores, etc. Manoel de Barros
Muitos
artistas
armazenamento
trabalham
de
camadas
com
arquivos,
camadas
camadas
vestígios
e
sócio-culturais.
Gerhard Richter, em Atlas, mostra uma condensação de recortes de
jornais,
pinturas,
revistas
fotos,
e
mídia
esboços
impressa,
guardados
desenhos,
entre
1962
e
colagens, 2013:
No
começo eu tentava acomodar tudo que havia colecionado, entre o lixo e alguma coisa importante para mim e uma certa dose do que
‘acontece’
por
aí
(Richter).
Atlas
é
um
trabalho
de
coleta, organização e amostragens, working in progress, como os trabalhos de Hélio Oiticica, sempre para além de um “si”, uma máquina de guerra, uma mistura de corpos e de corpus em risco a produzir desvios, sem enfretamento frontal, a escapar do
confronto
direto
e
especular;
viagens
e
encontros
sem
“bíblias”. São cerca de 802 agrupamentos em folhas de papel e mais de 5.000 imagens heterogêneas, um contingente empírico e uma estrutura taxionômica de 50 anos. Agregam diferentes fases da
vida
e
contextos
do
trabalho
de
históricos,
Richter
e
econômicos,
inúmeras
“peles”
familiares,
de
culturais,
mundo(s) afora. As imagens mostram um acervo, do privado ao público
e
um
projeto
enciclopédico,
pessoal,
coletivo
do
público ao privado. Cada vedor compõe mundos in-existências. Estamos
todos
vinteanas.
imersos,
Estamos
todos
enfiados imersos
chão, em borras, vestígios,
em
nessas
imagens
companheiros
século
pobres
do
sobras, resíduos. O que é uma
imagem de jornal, a ser lida e descartada? Ele as coleta. O que é um esboço? Seria um pre-texto? Ele os guarda, tornam-se com-textos visuais. A acumulação sugere gráficos de ensino, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
166
REVISTA
APOTHEKE ferramentas de estruturas educativas, ilustrações científicas, técnicas
encontradas
em
livros
didáticos
e
catálogos,
organização de materiais em arquivos. A diferença do Atlas de Richter,
é
a
tensão
interna
entre
o
extraordinário
rigor
formal e a dificuldade de estabelecer temas em comum. A cada exposição as imagens são agrupadas de diferentes modos. Numa mesma prancha aparecem fragmentos de papel higiênico e fotos do Holocausto, campos de concentração, paisagens, fragmentos de pinturas, pornografia, fotos de famílias, flores, cidades… Coincidem
episódios
pessoais
histórico/culturais/mundiais.
Richter,
e em
eventos
Atlas,
condensa,
mostra e fabrica fugas para lugares outros. Instantes de diaa-dia além de matéricos, reinventam a pintura informal e a pintura mundo,
abstrata.
Sua
constante
transformadas
em
imagens
paleta
são
as
imagens
do
agora
no
enciclopédicas,
mundo, de modos outros – ficam, fincam em nós, de nós escapam, são
peles/pelancas.
densidade rigidez,
criam sem
A
complexidade,
crostas
de
reconhecimento.
a
intensidade
escapatórias
sem
Uma
outra
fura
a
e
fixação, e
a sem
outras
e
outras. Há uma prorrogação infinita. O olhar não pára, o corpo dispara,
os
contextos
esmagam.
Eu
estava
surpreso
com
a
fotografia que usamos tão maciçamente todos os dias. Vi um outro caminho, livre de critérios convencionais e associei com arte, sem estilo, sem composição, sem julgamento. Num primeiro momento era ‘pura pintura’. A pintura como fotografia (Gerhard Richter).
Atlas
é
extensão,
disforme,
rigor
volumoso,
vasteza,
resistência
dilatação acimentada
imensa que
e não
representa imagens de anos a fio, mas presenta uma iconografia de imagens vivas. É andaime século vinteano, sustenta, ampara e faz repousar “realidades inquietas”. O excesso, o acúmulo e a ordenação constantes, vão além de arquivos, são territórios na arte contemporânea, agrupados por ousadias de ajuntamentos, uma topologia como cadáver da experiência (PESSANHA, 2015, p. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
167
REVISTA
APOTHEKE 219). A arte é na realidade, esse elo que falta, não o elo que existe. Arte é o que se vê, arte é a lacuna. A arte é um ponto obscuro, uma rede de relações. (CESAR, 2014, p. 67). Atlas ativa estados de mediação e das inventAções, configura mapa(s) de encontros, acontecimentos, sensAções a devir(es), e a maquinar corpos vibráteis. Ativa os estados do fazer e do “imagizar”
(imagens
com
imaginação
e
ação),
tema,
fatura,
história(s) da arte, ações compar-trilhadas nos sistemas da arte, das culturas e das situações mundiais. Ativa estados do ser
e
do
imaginar
pessoalidades
tecidas
em
contextos,
em
situações, em portos à deriva, alto mar sempre à distância. Nele
chego.
políticas. deslocamento
Dele Mantém de
escapo. e
estar
Ativa
atiça ali
micro-estesias
curiosidade,
pregado
numa
e
micro-
tensão,
ousadia,
saturação
imagética
in.sustentável.
168 Os atos estéticos são configurações da experiência, ensejam novos modos de sentir e novos modos de subjetivação política. A arte é um testemunho do encontro com o irrepresentável que desconcerta todo pensamento, um testemunho contra a arrogância da grande tentativa estético-política do devir-mundo do pensamento. A arte é um modo de articulação entre maneiras de fazer e formas de visibilidade, modos de pensabilidade/ideia da efetividade do pensamento. Jacques Rancière
Nicolas Bourriaud (1965), defende que em um mundo em que o mercado,
a
comunicação,
o
espetáculo
engolem
os
contatos
humanos em espaços de controle, transformando os laços sociais em produto e imagem, a arte permanece em território rico de experimentações sociais, criando micro utopias de proximidade, micro
territórios
relacionais.
Formas
de
visibilidade
e
pensabilidade são, em nossos cotidianos, ações a devir.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
de
REVISTA
APOTHEKE Helio
Fervenza,
mostra
na
55a.
Bienal
de
Veneza,
2003,
o
trabalho: (peixe, sombra) dentrofora (do céu da boca) d´água ( , ). Fervenza se insere entre os artistas contemporâneos que produzem Propõe
arte
uma
noções
e
obra
de
teorizam
sobre
suas
plástico-teórica
espaço,
vazio,
produções
artísticas.
desenvolvida
a
partir
de
pontuação,
apresentação,
mostrar/esconder. Nas instalações agrega fotografias, objetos, gravuras, impressos, recortes em vinil, misturando pontuações da escrita junto a imagens. Afirma, o espaço da exposição é um entrecruzamento
de
dispositivos
que
operam
sobre
a
visualidade. Toda exposição implica uma apresentação. Cria o conceito
de
criação
e
Noções
de
Auto-apresentação
a
vivência
que
pessoal,
pontuação,
enfatiza
ação
inscrição
e
e
o
processo
situação
intervalo
como são
de
arte. inter-
relacionadas ao espaço expositivo. O ponto é tomado como menor forma
visível
até
a
pontuação
como
parenteses
de
grandes
formatos adesivados em vinil, junto a imãs, pregos, anzóis, fios metálicos e peixes usados para pesca. O espaço expositivo comporta,
mostra,
presentifica
articulações
conceituais,
estéticas e estésicas, nas quais temos que adentrar. Não basta passar, passear por ele. O espaço nos obriga a debruçar sobre as
camadas
exigindo espaço
é
ali
visivas,
exercícios alargado,
“constatado”,
do
de
que
vão
além
visibilidade
expandido,
“conferido”,
de
e
alastrado do
“já
uma
de
visualidade,
lesibilidade.
de
ações
sabido”.
além
Fervenza
O do
nos
coloca em situação e em atos de criação, junto ao seu processo e percurso criativo e expositivo – presenças outras. (peixe,
sombra)
dentrofora
(do
céu
da
boca)
d´água ( , )
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
169
REVISTA
APOTHEKE
170
Helio Fervenza, Detalhe
Richter e Fervenza desinventam objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha (BARROS, 2007). Nos dois artistas e nas duas obras, temos que penetrar em begônias
e
gravanhas,
além
de
pentes
para
pentear
–
desinventar a nós e aos instituídos dentro de sistemas, quer da arte, da educação, das culturas. Segundo Gregory Bateson, existe uma ecologia das ideias danosas, assim como das ervas daninhas. Atlas e (peixe, sombra) dentrofora (do céu da boca) d´água ( , ), são das instâncias das ervas daninhas. Nesse
momento
palavras
e
o
podemos das
pensar
imagens,
em
vários
territórios,
entrecruzados
aos
o
das
nomes
dos
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE trabalhos; território das experimentações-mediações estéticas e estésicas e os modos como nos atiçam e vão se constituindo; território
das
sobrepostas;
subjetivações
e
das
território
das
cognições,
nas
densidades,
camadas levezas,
multiplicidades, fugas, escapes, inesperados; território das terras
a
devir,
de
cada
leitor,
vedor,
fruidor,
inter-
locutor(es); território das fábricas de ações que não existem; território das compar-trilhas e das ações colaborativas. O artista, à força, cria uma forma, dá forma a um impacto. A forma dada possui e faz um sentido. A arte possui a capacidade de implicar o Outro, possui uma dimensão ético/política. Hélio Oiticica em 1992 chocou Paris, na Exposição no Jeu de Paume. O cotidiano, o banal, a atualidade, a informação, os medos, os receios,
não
quero
ultrapassá-los
sem
confrontá-los,
quero
tocar no problemático o mais diretamente possível, quero agir responder,
‘obrigar
o
outro
a
responder’:
qual
a
minha
posição? (nas palavras de Hirschhorn). Atlas e (peixe, sombra) dentrofora
(do
céu
da
boca)
d´água,
são
blocos
de
experimentação entre Um e Outros. Richter performatiza o diaa-dia, as conexões e as tornam escapatórias que cutucam, nos tecem, nos des.a.fiam. As palavras nos inquietam e as forças criatíveis nos impulsionam. Fervenza conecta inutilidade aos imprevisíveis. Os artistas citados nesse texto, gestam trabalhos que passam pela topologia do atravessamento, da transição, do abismo e da visita
epifânica
(PESSANHA,
2015,
p.
217).
São
obras/travessias. Poéticas de brotamentos. Ética de encontros imprevistos. Os textos visuais são planetas/textos, como diz Juliano
Pessanha.
São
fendas-fora
alteridades banidas. Fenda-rachadura
e
o
surgimento
de
do não-datado, do não-
configurado, a devir pinturas-pintadas. Para cada mundo existe um
antimundo
e
um
contramundo.
Para
todo
não
mundo,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
uma
171
REVISTA
APOTHEKE passagem.
Implosão
e
explosão
contínuas,
instabilidade
perpétua (PESSANHA, 2015, p. 223), pinturas a pintar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Manoel de. Gramática expositiva do chão. 6a. ed. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2007. __________________ . O livro da ignorãças. 13a. Ed. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2007. CESAR, Marisa Flórido. nós, o outro, o distante, na arte contemporânea brasileira. Rio de Janeiro, Ed. Circuito, 2014. DELEUZE, Gilles. Mil Platôs, v. 1 e v. 2. São Paulo, Ed. 34, 1995. PESSANHA, Juliano Garcia. Testemunho transiente. São Paulo, Cosac Naify, 2015. PESSOA, Fernando. Tabacaria e outros poemas. 2a. ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 2006. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo, Ed. 34, 2002. ANDRADE, Carlos Drummond. Poema de sete faces. www.algumapoesia.com.br DELEUZE, Gilles. O ato de criação. www.ladcor.files.wordpress.com www.heliofervenza.net
Lucimar Bello, Artista plástica, vive e trabalha em São Paulo. Exposições Individuais e Coletivas, Brasil, Argentina, Chile, Portugal, Espanha, Japão, Cuba, China (Instalações, Desenhos, Gravuras, Vídeos, Fotografias, Performances). Doutora em Artes pela ECA/USP. Pós-doutora em Comunicação e Semiótica pelo COS/PUC/SP (2001). Pós-doutora no Núcleo de Subjetividade da PUC/SP (2008). Professora na FURB, Blumenau (1971-76). Professora na UFU, Uberlândia (1977-1996).
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
172
REVISTA
APOTHEKE A URGÊNCIA DA POÉTICA Joedy Luciana Barros Marins Bamonte (DARG/FAAC/UNESP) joedy@faac.unesp.br
Resumo O processo criativo é algo constante, configurado como uma rede de conexões. Em uma tessitura permanente, dados são agregados, gerando novos registros e obras artísticas dentro de uma poética. Transcrevo o desenvolvimento de três séries de trabalhos criadas por mim, envolvendo escolhas, seleções e interpretações inerentes ao continuum criativo. Com amparo na crítica de processo, saliento como esse percurso, em toda sua pessoalidade, delineou-se na necessidade de exteriorizar conflitos pessoais, percepções e elaborações mentais que constituem o ser artista, pesquisadora e docente. Palavras-chave: Marins.
Processo
Criativo.
Crítica
de
Processo.
Joedy
Abstract The creative process is something constant, configured as a network of connections. In a permanent texture, data is aggregated, creating new records and artistic works interpreted in a poetic. Transcribe the development of three series of works created by me, involving choices, selections and interpretations inherent to the creative continuum. Supported in the process of criticism, I emphasize how this route, in all its personhood, has been delineated in the need to externalize personal conflicts, perceptions and mental elaborations that constitute the human as artist, researcher and professor. Keywords: Creative Process. Process of Criticismo. Joedy Marins.
No processo criativo, as escolhas constituem tessituras em potencial,
conexões
em
rede.
Nelas,
ações
aparentemente
externas são identificadas com espaços da intimidade, à medida que
a
poética
do
artista
constrói
proximidades
entre
referências que lhe apresentem familiaridades. Dentro desse contexto, transcrevo vivências pessoais, reflexões à luz de Cecília
Almeida
Bachelard,
Salles,
enfatizando
a
Maurice
Merleau-Ponty
crítica
de
processo
e
Gaston
como
linha
teórica.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
173
REVISTA
APOTHEKE Gradativamente,
minhas
problemática
existente
universidade,
galeria,
trazer
respostas
à
pesquisas
entre
se
os
espaços
publicações. necessidade
debruçam do
Refletir,
de
mais
na
ateliê,
compreender,
produzir,
ensinar
e
continuar a aprender é um desafio instigante e fascinante. Há momentos
de
alternância
entre
atividades
diferentes
como
a
docência, a pesquisa e a produção artística que parecem pausas pontuais,
mas
que
objetivam
as
mesmas
respostas.
Nesses
trânsitos, a criação estabelece as conexões, flexibilizando fronteiras
de
inexistentes.
resistências, Entretanto,
que
elas
muitas
discernem
vezes
se
entre
o
mostram
que
ainda
está no plano das ideias do que está para ser materializado, entre o que é desnecessário e o que é imprescindível. Fluxo poético Sentada,
lendo
Merleau-Ponty
somente
sinto
aguçar,
inflamar o desejo de produzir. O fluxo criativo parece pulsar entre
as
constantes
produções
acadêmicas,
sinalizando
a
urgência de interromper atividades que se tornam automáticas. As
fronteiras,
favorecendo
que
a
antes
pareciam
materialização
em
sutis,
evidenciam-se
suportes
e
operações
distintos. Como contrações, o processo sinaliza seu formato, seu veículo, seu suporte, para que a criação nasça. O momento da
“modelagem”
construções
e
da
ações
obra
chega
específicas
exigindo em
sua
manipulações,
materialização,
a
escolha do veículo através do qual a ideia será comunicada. O
cérebro,
dividido
constantemente
em
atividades
alternadas e complementares, parece tornar-se mais seletivo. Há
uma
constância
nos
entretanto,
a
ânsia
emergencial
ao
ser
trabalhos pela
cotidianos
imersão
protelada.
A
é
e
corriqueiros,
latente,
procrastinação
tornando-se para
criar
parece fazer do trabalho algo insalubre. O tempo necessita de uma nova configuração, um novo ritmo, onde operações mentais ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
174
REVISTA
APOTHEKE farão
as
conexões
entre
insights
aproximando
documentos
de
processo e trazendo a fisicalidade da obra artística. A pausa (que evidencia o que chamo de fronteiras) deixa de ser
sutil
e
passa
a
ser
interpretada
como
o
momento
de
direcionamento específico para a interpretação. O olhar para o mundo está inflamado, precisa ser codificado. Essa fase ocorre quando a sequência de atividades burocráticas da universidade, que se impõe lentamente sobre o processo criativo, precisa ser interrompida. automático.
Há O
que
se
refletir
espaço
do
ateliê
sobre
o
chama
ao
que
vem
sendo
isolamento,
ao
silêncio, ao que está represado. O momento da criação se torna urgente,
o
processo
de
materialização
das
ideias,
experimentação de materiais a partir de anotações, registros, fotos acumuladas, a absorção do que Merleau-Ponty menciona: O mundo é não aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável.” (1999, p.14)
175 A
leitura
do
mundo
manifesta-se
nos
espaços
da
intimidade, o que absorvi da realidade, de minhas observações e de mim mesma, a partir de mim, necessita ser “traduzido”. O que
é
sentido,
contrário
à
percebido
própria
não
dinâmica
pode
ser
criativa
contido
da
por
ser
existência,
que
precisa ser realizada, expressa. A negação dessa dinâmica gera estagnação, como uma patologia que se alimenta do acúmulo de percepções
que
não
pode
ser
mais
contido,
precisando
ser
compartilhado dentro de um processo de comunicação e valoração pessoal. Em uma relação recíproca, o valor dessas percepções está em compartilhar, intensificar e sinalizar os sentidos em ação,
em
intensa
interpretação,
em
atividade. um
fluxo
São
sinais
contínuo
de
que
vida se
abertos
à
autoalimenta
alternando entre criar e compartilhar.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Para
proceder
a
leitura
e
maior
compreensão
disso,
especifico processos dispostos em conexões pessoais referentes ao período entre 2013 e 2015. Eles estabelecem conexões com outros, dentro do que Cecília Almeida Salles denomina redes de criação,
um
sistema
em
construção,
próximo
às
interações
feitas pelos ecologistas: “(...) estamos preocupados com as interações, tanto internas como externas aos processos, responsáveis pela construção de obras, pois são sistemas abertos que interagem também com o meio ambiente.”(2003, p.24)
Os
processos
iniciados
em
proposta
feita
vêm
minhas pelo
de
encontro
pesquisas, artista
a
questionamentos
justificando
plástico
a
Fernando
já
aceitação Augusto
da
para
desenvolvimento de desenhos diários durante o ano de 2015, o que
intitulou
“Um
ano
desenhado”.
Simultaneamente
aos
registros do projeto, outros também surgiram, em um diálogo que trouxe conteúdos anteriores, inclusive. Menciono
a
atividade
como
escolha
feita
por
estar
diretamente relacionada ao meu impulso criativo e ao que me interessa atualmente. Enriquecedora para a produção de meus registros, considero-a como facilitadora, método que pontuou meu percurso, constituindo os próprios documentos de processo, impulsionados
e
impulsionando
universidade,
ora
alternada,
uma ora
dinâmica
dialógica
exclusivista.
Sem
com
a
isso
a
docência e a pesquisa não poderiam ser alimentadas. Um ano desenhado e outros registros Ao final de 2014, o artista plástico, curador e professor Dr. Fernando Augusto dos Santos fez uma convocatória em seu perfil no Facebook para o Projeto “Um ano desenhado”, no qual os participantes produziriam desenhos diários. Este desafio foi aceito por mim. Durante
o
ano
de
2015
meus
sketchbooks
tornaram-se
preenchidos mais por desenhos do que por textos verbais. Os ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
176
REVISTA
APOTHEKE registros
contemplaram
traços,
observações
mais
atentas
do
cotidiano, exercícios constantes que adotavam quaisquer cenas como pretextos para o ato de desenhar. O início de “meu ano desenhado” ocorreu em meio à mudança de
residência,
sobrepostas,
envolta
acúmulo
de
em
caixas
objetos
e
de
papelão,
móveis,
roupas
empacotamentos.
Parar diante dessas cenas e desenhar, em si, já era um desafio e tanto, entretanto, tornou-se um fio condutor para descobrir “paisagens”,
caminhos
que
comumente
estão
à
disposição.
A
desmontagem, o bagunçado, o entulhado se apresentaram aguçando o desafio, as desconstruções, o deslizar no papel ao descobrir composições novas. O início do ano também foi marcado por um período de luto, de despedida. Conflitos pessoais despertos pela perda de minha avó materna caracterizaram a intensidade das vivências durante meses, nos quais percebia delicadezas que marcaram o convívio
pessoal,
já
manifesto
em
trabalhos
como
“Legado”,
inclusive, uma colcha de retalhos que confeccionei com ela, sobre
a
qual
inseri
objetos
do
quotidiano
da
mulher,
uma
criação artística que constituiu o objeto de estudo de minha tese de doutorado, em 2004. Em um período extremamente reflexivo e profundo de imersão pessoal, pude perceber, dia após dia, a apropriação da palavra legado, como algo que não se dissocia do indivíduo, de sua identidade,
ricamente
intrincado
e
tecido
em
quem
eu
sou,
características herdadas, mas tramadas em um tamanho grau de complexidade que garante, ao mesmo tempo, o pertencimento à minha
ascendência
e
a
distinção
e
unicidade
de
minha
identidade. A entrega aos desenhos permitiu um conhecimento maior de minha extensão, como o cantor conhece melhor a tessitura de sua voz, dos agudos aos graves, como o bailarino tem um maior domínio
da
elasticidade
de
seu
corpo
e
potência
de
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
sua
177
REVISTA
APOTHEKE musculatura, como o ator trabalha a expressão de sua voz, corpo, emoções. A
cada
desenho
houve
escolhas
entre
a
proximidade
realista, o peso do material sobre o papel, a escolha do traço mais esfumado ou riscado, mais rápido ou minucioso, realista ou abstrato, em caminhos que se confirmavam, surpreendiam-me, desafiavam e realizavam-me ao encontro de anseios e respostas.
178
Figura 1: Primeiro desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Figura 2: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)
Figura 3: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal) ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
179
REVISTA
APOTHEKE
Figura 4: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)
Figura 5: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)
Ao findar o ano de 2015, pude visualizar uma amostra intensa e enriquecedora de minhas vivências enquanto artista. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
180
REVISTA
APOTHEKE Embora não tenha conseguido elaborar trabalhos diários, houve um envolvimento profundo com meu traço e forma de utilizar os recursos do desenho, o que ele é para mim, o que significa dentro de minha poética. Houve dias em que o registro gráfico não ocorreu, dando lugar ao registro fotográfico, alternados com outros em que um forte impulso gerava dezenas de desenhos, em materiais diversos. Em
todos
os
registros,
a
busca
pela
intimidade
se
manifestava, a partir de marcas do lar, presenças traduzidas em desenhos de observação e criação, figurativos e abstratos. Encontro-me em todos eles e aprendo um pouco mais de mim. São registros
de
delicadezas,
sutilezas,
tolerância
e
persistência, generosidade com o que sei, com o que aprendo. São resultantes de momentos de concentração, silêncio e, como diria Louise Bourgeois, garantia de saúde mental. As
fotografias
apresentam
características
investigadas
nos desenhos. Dobras, volumes, linhas surgem nas imagens em diálogo com os registros dos cadernos, sugerindo abstrações e apresentando
focos
de
interesse
comuns.
Nesses
momentos,
o
olhar continua a buscar por meio da câmera a observação já iniciada
para
elaboração
dos
registros
gráficos.
Os
enquadramentos são muito próximos, estendem-se mutuamente de uma
ferramenta
a
outra,
confirmando
objetos
de
estudos
procurados no processo criativo. A poética transita entre o desenho da luz, do olhar e da mão.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
181
REVISTA
APOTHEKE
Figura 6: Sem título, Fotografia, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)
182
Figura 7: Sem título, Fotografia, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)
No
trajeto
anteriores, fotografias.
percorrido, realizações Fotografias
há
proximidades
gráficas que
que
com
também
continuam
a
trabalhos estão
nas
acontecer
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE paralelamente aos desenhos, como desenhos, sob o mesmo olhar perscrutador. Nesse contexto, menciono a série “Vestígios”, de 2013,
na
qual
investigo
cenas
do
cotidiano
a
partir
da
intimidade do lar, também com base em Gaston Bachelard. Para melhor abordagem, cito trecho de artigo de minha autoria, de 2014, publicado nos anais do Congresso Poéticas da Criação (2008): (...) Em 2013, o espaço da intimidade abordado por Gaston Bachelard direcionou à procura de marcas que diariamente apagamos em nossas casas ao nos organizar, limpar. As fotos nasceram da procura pelas pessoas através das intervenções que fazem em sua moradia e que são apagadas diariamente. Preparar a casa para receber o outro, arrumá-la, é retirar as provas de que passamos por ali, retirar nossa presença, onde somos encontrados. Chamo essa série de “Vestígios” e a produzi buscando as marcas do uso em minha casa, momentos antes de ser limpa, arrumada. (...) (...) nessas marcas nos encontramos como vestígios de nós mesmos, de humanidade. Sem elas, a casa não tem o cheiro de quem nela habita, de seu jeito, da pessoalidade, não carrega vestígios de vida. A assepsia nos faz impessoais de certo modo. Na “desorganização”, encontro quem passou por ali, meus familiares, a mim mesma. São imagens que reconhecem registros, o olhar que capta o “desenho” das marcas. Nesse sentido, a fotografia testemunha novamente o registro de um pequeno universo criado, visitado, como faço em minhas obras prontas. Posso ler em “Vestígios”, metáforas do rascunho que nasce obra.(BAMONTE, 2014, p.)
Figura 8: “Vestígios” nº 6. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)
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REVISTA
APOTHEKE
Figura 9: “Vestígios” nº 6. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)
184
Figura 10: “Vestígios” nº 6. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Figura 11: “Vestígios” nº 8. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)
Dentre as três séries mencionadas, faço um recorte de um conjunto de mais de seiscentas imagens. São sinais de procura, de auto-organização e ao compartilhá-los, compartilho também um pouco de mim. Ao identificá-las como pontos em uma rede que está em conexão constante, vejo o quanto ela é infinita e se alimenta a cada ano de vida que tenho. Muitos pontos existem e não foram mencionados. Alguns jamais serão. Talvez não sejam lembrados sequer por mim, mas nem por isso deixam de alimentar a rede. Favorecendo a criação, colaboram com a urgência de renovação da própria vida e ao que virá pela frente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Martins Fontes, 2008.
2ed.
São Paulo:
BAMONTE, Joedy. Quando os registros não querem ser rascunhos: a familiaridade com as mídias contemporâneas no processo de criação. Disponível em: <http://www.4shared.com/web/preview/pdf/5eRdr3UJce?> . Acesso em: 12 de jan. 2016.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
185
REVISTA
APOTHEKE MERLEAU-PONTY, Maurice. A fenomenologia da percepção. Paulo: Martins Fontes, 1999.
São
SALLES, Cecília A. Redes da criação: construção da obra de arte. Vinhedo: Horizonte, 2003.
Joedy Luciana Marins Barros Bamonte, Artista plástica (Universidade Presbiteriana Mackenzie,1991); Mestre em Comunicação e Poéticas Visuais (UNESP,1998); Doutora em Ciências da Comunicação/ Comunicação e Estética do Audiovisual (ECA-USP,2004). Docente (DARG/FAAC-UNESP, 2008- ). Líder do grAVA (2009- ). Membro da ANPAP (2011- ).
186
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE SEM TÍTULO, MESMO: DEZEMBRO DE 2015
Silfarlem J. de Oliveira(UDESC) Resumo Em suas atribuições um resumo de um artigo se assemelha a uma sinopse de um filme. Ambos lemos antes da peça principal. Para alguns a leitura do resumo/sinopse é indispensável, para outros não tanto. Em termos pragmáticos um resumo ou uma sinopse auxiliam na escolha da “refeição”. No entanto, um resumo é um resumo e um artigo é um artigo. Quando o texto do resumo se confundi com o texto do artigo, das duas uma: leia apenas o resumo ou leia apenas o artigo. Abreviando, este texto, incluindo o resumo, é um artigo. Também é uma carta. Carta dirigida, primeiramente, aos colegas da disciplina “Sobre ser artista professor” e que tem como escopo comunicar algumas ideias sobre o mesmo: sobre arte, ensino e algo mais. Palavras-chave: mesmo; arte; ensino; contexto; participação.
Prezados (as) leitores (as), como comentei anteriormente no resumo, este artigo é uma carta. Carta endereçada a todos os leitores (as) e, especialmente, aos meus colegas de estudo, pesquisa
e
trabalho
que
por
ventura
tenham
algum
interesse/curiosidade/afeto pelos assuntos nela abordado. O
tempo
da
escrita
e
o
tempo
da
leitura
não
são
coincidentes. Por esta razão, entre outras, as palavras agem de
maneira
dessemelhante
em
cada
ocasião.
Invariavelmente,
nesse espaço-tempo da escrita, registro o desejo de que vocês estejam bem e que as palavras expostas nesta carta encontrem um rumo, mesmo que seja contrário ao conjunto aqui articulado. Antes de entrar propriamente no assunto, que concerne ao conteúdo
principal
desta
carta,
quero
registrar
três
acontecimentos recentes. Eles parecerão descabidos dentro da narrativa, embora sejam fundamentais para a noção de tempo presente.
Por
ordem
cronológica
os
três
episódios
são:
O
rompimento, no dia 05 de novembro, da barragem de rejeitos da mineradora Samarco localizada no município de Mariana em Minas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
187
REVISTA
APOTHEKE Gerais; O inicio da ocupação das escolas estaduais em São Paulo no dia 10 de novembro pelos estudantes da rede de ensino público em protesto ao projeto de reestruturação do ensino público estadual que previa o fechamento de escolas estaduais; A abertura, no dia 02 de dezembro, de processo de afastamento da presidenta Dilma Rousseff autorizado pelo atual presidente da Câmara dos Deputados. O primeiro episódio é resultado do descaso
dos
seres
viventes
(espécie
humana)
com
o
meio
ambiente. Em todos os pontos cardiais, a pedra de torque da humanidade continua sendo o desenvolvimentismo. Isto acarreta não apenas a destruição dos recursos naturais como também a perpetuação
da
lógica
do
trabalho.
O
segundo
episódio
um
alento, uma fagulha de resistência provocada pelos corpos em ação de desobediência. Ocupar, organizar e ativar espaços, não deveria fazer parte da aprendizagem? O terceiro episódio, o pedido
de
Considerem
impeachment, esses
está
eventos
mais
como
uma
próximo espécie
da de
catástrofe. colherada
de
elixir da memória. Composição em tempo real. Dito isto, vamos ao ponto.
Como é de conhecimento de
todos, contemporaneamente, em diversas circunstâncias, aquilo que chamamos de arte, criação artística ou processo criativo deixou de se fundamentar visuais
.
A
realização
esvaziadas
de
recolocarmos
demandas
primordialmente a partir de
sua
de
práticas
natureza
aqueles
artísticas
morfológica
postulados
modernos
puramente
revitalizadas
definidora que
e
permitiu
adjudicavam
a
criatividade como baluarte da experiência estética. Thierry De Duve
(2003,
moderno percepção
p.
94.)
atribuído e
da
à
afirma
que
combinação
imaginação”.
“criatividade de
Nesses
faculdades termos,
a
era
o
nome
inatas
da
criatividade
apresentava-se como uma substituta adequada para o desgastado uso que se perpetrou da palavra talento. A única “diferença entre talento e criatividade”, reconhecida por De Duve, é o fato
de
o
talento
ser
distribuído
parcialmente
e
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
a
188
REVISTA
APOTHEKE criatividade universalmente. Joseph Beuys provavelmente foi o artista
que
mais
acreditou
na
capacidade
democratizante
da
criatividade. Embora, com o mesmo gesto, tenha revitalizado a reencarnação redentora da figura do artista. Como artista, que trabalha com procedimentos que não têm a priori aparência determinada, igualmente, não reconheço o ato criador nem a criatividade, em sua acepção personalista, como instâncias
definidoras
de
tais
possibilidades
artísticas.
Abertamente considero como contribuição fundamental das artes o
esforço
em
tornar
visível/legível
os
diversos
modos
de
construção, apresentação e enquadramento de uma determinada realidade. Sendo a aparente falta de realidade, como aponta Joseph Kosuth (1991, p. 86), precisamente a ‘realidade’ da arte. Jacques declara
que
“‘ficções’,
Rancière
(2005,
a
arte,
tanto
isto
é,
p.59), quanto
rearranjos
acompanhando os
saberes,
materiais
dos
Kosuth, constroem
signos
e
das
imagens, das relações entre o que se vê e o que se diz, entre o
[que]
se
faz
e
o
que
se
pode
fazer.”
Inclusive,
para
Rancière (2012, p.56), o que torna possível pensarmos sobre uma
validez
eficácia
política
paradoxal,
“disposições
dos
da são
corpos,
arte,
ainda
seus
que
em
dispositivos.
em
recorte
de
termos Sua
de
uma
maneira
espaços
e
de
tempos
singulares que definem maneiras de ser, juntos ou separados, na frente ou no meio, dentro ou fora, perto ou longe.” Como tentar
produtor/colaborador,
escapar
da
armadilha
o
modo
que
legitimadora
encontrei de
uma
para
condição
privilegiada em termos técnicos, de status quo ou de estilo, foi
não
fazer
nada
articulado/realizado subsequentemente
sob
novo.
Repetir
uma
perspectiva
desabilitar
o
ato
o
que
já
autoanalítica
criativo
por
meio
foi e da
materialização de propostas ficcionais/políticas. Chamo esta ação de construção do mesmo. Para o mesmo a atenção aos modos ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
189
REVISTA
APOTHEKE de apresentação, que inclui possibilidades expositivas extraartísticas, é a maior contribuição da arte para arte e da arte para o mundo e não a criatividade. Nesse
sentido,
valendo-se
de
variações
tautológicas
e
contextuais, coloquei em funcionamento em 2008, um livro que acontece
sonoramente
a
partir
da
leitura
do
texto
“O
ato
criador” de Marcel Duchamp. Para disponibilizar o acesso ao livro-voz “O ato criador, mesmo” utilizo um cartão de visita como
contato
leituras
para
foram
agendamento
realizadas
da
em
leitura.
espanhol
Primeiramente e
atualmente
as em
português. A ideia de construir um livro falado, um “livro voz”,
tem
seu
precedente
na
novela
de
ficção
cientifica
Fahrentheit 451 (1953) de Ray Bradbury. Nessa novela, devido à proibição livros
oficial
impressos,
povoados
de
distribuição
pessoas
que
de
memória
aprendem
convertendo-se
produção,
assim
em
vivem
livros
o
em
e
bosques
conteúdo
ambulantes,
leitura e dos
de
pequenos livros
“vagabundos
por
fora, bibliotecas por dentro” (BRADBURY, 2009, p.186). O livro voz, retomando parcialmente a oralidade por meio da leitura, propõe a escuta como modo de articulação discursiva no tempo. Frágil e vaporosa. Igualmente não há obra e não há ato criador o que temos são apenas situações/contextos. Escrever sobre a noção de uma demanda mesmo remete ao deslocamento entre situações/contextos e situações/contextos. De
diversos
modos
e
com
distintas
intencionalidades
para
geração Neoconcreta, Conceitual e Fluxus combinar os meios, desfazer os meios, transitar entre os meios era transgressor e propositivo. Allan Kaprow comenta que para os artistas da sua geração as mídias combinadas eram um modo de tornar imprecisas as
fronteiras
das
artes.
“Contexto
em
vez
de
categoria.
Fluidez em vez de trabalho de arte.” (KAPROW, 2003, 223). Para a geração presente
–
ou pelo menos para aqueles
produtores politicamente interessados – o que reverbera, de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
190
REVISTA
APOTHEKE diversos
modos
e
com
distintas
intencionalidades,
são
os
deslocamentos contextuais. As operações intermídia continuam sendo
significativas
elementos/pares sejam
do
porque
propiciam
“circuito”
agitados,
que
artístico
deslocados
todos
os
e
extra-artístico
e
repensados
(artista/espectador/prática/teoria/crítica/ensino/museu/cotidi ano/vida/individuo/coletivo). ocorreu
a
morte
aniquilação
dos
do
autor,
limites
Em a
efeito,
como
consagração
do
entre
prática
e
sabemos,
não
espectador,
teoria
e
a
a
tão
esperada fusão entre arte e vida. Com esses escombros vivemos. Muito mais do que o deslocamento e descentralização dos meios
observo
presente
nas
construções
do
mesmo
com
maior
intensidade – coincidindo com muitas inquietações artísticas, culturais e ativistas, nos dias de hoje – o deslocamento entre situações/contextos.
Cada
situação/contexto
aporta
suas
particularidades e suas tensões. O trânsito entre os meios, não estando vinculado a fatores contextuais, gera uma agitação restrita vaivém
as
variações
entre
situações,
meios.
incorporado
delimitadas
pelos
O
deslocamento
os
escombros
das
próprios entre
meios,
um
situações
e
artes,
pode
gerar
inquietações que extrapolam a pura circulação entre meios. A demanda mesmo não responde e corresponde primordialmente a
demanda
de
intercâmbio
de
meios.
Ainda
que
cada
situação/contexto apresente determinada materialidade. O que alimenta as construções do mesmo é a tentativa de estabelecer um constante posicionar-se diante do mundo a partir da arte. O movimento é uma espiral. Contextos se retroalimentam. Por certo, se ouve muito dizer que toda a arte é política. Não
sei
qual
é
o
pensamento
de
vocês
sobre
o
tema,
mas
acredito que essa afirmação seja utilizada genericamente para esvaziar as construções artísticas de qualquer sentido mais contundente. Tentarei minimamente me explicar. Se toda arte é política temos que considerar que parte dela só é política no ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
191
REVISTA
APOTHEKE sentido técnico ou neutral. Além disso, esta afirmação não deixa
de
ser
um
inadvertidamente realizarmos
modo
que
qualquer
de
toda
evitar
arte
reflexão
é
o
assunto.
política
mais
Considerar
nos
libera
abrangente
sobre
de
tais
aspectos. Sinto que muitas vezes a afirmação de que “tudo é político” toma uma direção exatamente no sentido de anular as construções de mundo (inclusive as construções artísticas) de qualquer implicação política. Para Rosalyn Deutsche (2001, p.292), “a aparição de tal assunto [o “político”] no mundo da arte” a partir da década de 1960, através do que ela chama de arte pública crítica (meios de
comunicação,
emergência
espaço
muito
mais
público,
generalizada
etc.), de
“faz
debates
parte
da
relativos
ao
significado da democracia que tem lugar nos diversos âmbitos do presente.” Conforme a autora, este questionamento, relativo ao modelo representativo, se estende por diversas áreas do conhecimento
e
da
vida,
como,
por
exemplo,
“na
filosofia
política, nos novos movimentos sociais, na teoria educativa, nos
estudos
cultura
legislativos,
popular”.
nos
Apostando
na
meios
de
construção
comunicação de
um
e
na
pensamento
sobre o político em sua forma radical, não necessariamente institucional, autores como Deutsche tem dado atenção sobre a diferença
entre
uma
consenso
(universal
espécie e
de
falsa
política
heteronormativo)
e
baseada
uma
no
política
pluralista baseada no dissenso. Tenho que dizer que quando suspeito da rápida afirmativa de que toda arte é política não quero com isso criar uma ingênua
dicotomia
entre
proposições
artísticas
políticas
e
proposições artística apolíticas. Além de tudo, para teóricos como Chantal Mouffe (2007), esta distinção não tem nenhuma utilidade,
não
esclarece
nada.
Acredito
que
mais
do
que
existir uma arte política e uma arte que não seja política o que existe é uma disputa (desacordo) pelo sentido (políticas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
192
REVISTA
APOTHEKE estéticas) das obras dentro do próprio terreno da arte e fora dele. Concordo com Mouffe (2007, p.26) quando argumenta que não
se
pode
distinguir
entre
arte
política
e
arte
não
política, “porque todas as formas de práticas artísticas ou bem contribuem a reprodução do sentido comum dado – e nesse sentido são políticas –, ou bem contribuem a sua desconstrução ou a sua crítica”. Portanto, toda arte é política, mas nem toda arte se preocupa em articular estratégias (implícitas ou explícitas) que de um modo ou de outro (dentro ou fora dos museus e galerias) arte,
analisam
as
questionando
manifestações
implicações
deste
modo
artísticas,
a
bem
contextuais ilusória
como
de
do
campo
neutralidade
suas
da das
instituições
e
agentes. Assim, há dois modos de atuação e concepção política das atividades artísticas: uma concepção mais hegemônica (e supostamente
neutral)
entende
que
“as
práticas
artísticas
desempenham um papel na constituição e na manutenção de uma dada
ordem
simbólica”
antagônica
de
fomenta
dissenso”,
o
dominante
Mouffe
costuma
por
outro
existe
uma
tornando
ocultar
e
lado “arte
“visível
apagar”
segundo
a
crítica o
que
(MOUFFE,
concepção [...]
o
2007,
que
consenso 64-67).
Logo, ao afirma uma condição praticamente indissociável entre a arte e o político é importante entendê-la potencialmente como
uma
circunstância
desabilitam
a
capaz
acomodação
de
de
produzir
consensos
espaços
que
universais
e
permanentes. Já diz um velho jargão: “a arte abre mais feridas do que as cicatriza”. Sem abandonar o que foi dito até o momento, quero ainda tratar com vocês sobre algumas questões vinculadas ao ensino da arte. os
O ponto de partida é a convicção de que assim como
limites,
usos
e
afinidades
da
produção
artística
foram
tensionados e alargados, do mesmo modo, os pressupostos de
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
193
REVISTA
APOTHEKE aprendizagem/difusão,
desta
mesma
produção,
se
encontram
conformados (ou deformados) por essas transformações. Em um texto que reli recentemente, Benjamin Buchloh (2000, p. 185), sem fazer rodeios, fala sobre a irreversibilidade das mudanças que incidiram “nas condições cognitivas” da produção artística contemporânea e adverte que depois delas “qualquer retorno a uma autonomia incondicional da produção artística seria
mera
histórica”.
pretensão Do
mesmo
desprovida modo,
de
creio
lógica
que
não
e há
consequência como
avançar
nenhuma questão concernente ao ensino da arte, principalmente aquelas relacionadas às políticas do cotidiano (do afeto, do hoje
e
do
amanhã),
se
em
nossas
produções
e
reflexões
continuamos respondendo a um sistema extremamente refratário. Sistema que tem como fundamento manter-se imune aos efeitos do exterior. Ao
contrário,
uma
abertura
propositiva
dos
usos
e
afinidades da arte – na produção, no ensino e na pesquisa – sem linhas duras, admite que “questões como a definição do material, seu lugar (físico, social e linguístico), seu modo de comunicação e o público” sejam verdadeiramente levadas em conta
por
todos
os
participantes/colaboradores.
Igualmente,
considerando ainda, como indica Ricardo Basbaum (2006, p.71), as diferenças produtivas entre ‘circuito de arte’ e ‘espaço acadêmico’
(que
inclui
noções
do
ensino),
mas
também
as
possibilidades de passagens produtivas e ritmos relacionados entre
diversos
campos
e
papéis,
metodologicamente,
é
importante às pretensões do mesmo abarcar o próprio trabalho de pesquisa (a especulação teórica) como parte da produção artística e, do mesmo modo, perceber a produção prática como uma possibilidade discursiva. Como
comentei
com
vocês
anteriormente,
contextos
reverberam contextos. Em última instância, não há obra (pelo menos
no
sentido
tradicional
da
palavra).
Temos
somente
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
194
REVISTA
APOTHEKE reapresentações,
variações
recepção
apresentação
e
a
do
mesmo. (e
De
não
modo
o
abrangente,
fazer)
ocupam
a a
centralidade da produção artística contextual. Para que haja recepção
a
obra
sentido, o mesmo
realmente
não
precisa
é uma espécie de
ser
feita.
Nesse
produção pela recepção.
Sendo a primeira recepção o próprio ato de reconstrução do mesmo. Nada de novo, analogamente o artista Edgardo Antonio Vigo
em
“Obras
(in)
completas”,
1969,
falava
sobre
uma
translação de porcentagens da produção ao espectador, conforme uma teoria da participação. A transformação de espectadores/intérpretes em produtores é sem dúvida alguma um salto conceitual irreversível nos rumos da prática artística. descentralização sensorial
e
(coautoria)
do
Testemunhamos nas últimas décadas, a
autor/sujeito
política) ou
pelo
seja
(participação
pela
enquadramento
fragmentação contextual.
intelectual, da As
autoria práticas
artísticas ganhando os meios de comunicação, as ruas e outros tantos
espaços
conceitualmente) artístico.
Em
operam dentro seu
e
simultaneamente
(fisicamente
fora
de
do
conjunto,
circuito estes
e
distribuição
deslocamentos
e
justaposições espaciais concretizam, pela aproximação da arte com o público, aquilo que Walter Benjamin (1985) designou em o “Autor como produtor”: o espectador como outro produtor. Neste aspecto a construção, como coloca Hélio Oiticica (1986, p.91), se dá pela participação, semântica e mecânica, do espectador. No mesmo viés, John Cage propõe a organização de situações artísticas
anárquicas
circunstâncias
“que
socialmente
estabeleçam desejáveis”,
analogias nas
quais
com “os
intérpretes, no lugar de simplesmente fazer o que lhe ordenam, tem
a
oportunidade
de
utilizar
suas
próprias
competências”
(CAGE, 1999, p. 168-172). Seja no âmbito literário, visual ou sonoro, as colocações referentes à construção pela recepção, feitas por Benjamin, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
195
REVISTA
APOTHEKE Oiticica e Cage, não estão circunscritas apenas ao domínio da produção artística. horizontal,
paridade,
recentemente professor,
Elas abrangem a própria ideia de diálogo entre
discutimos
não
implica
na
sujeitos. disciplina
igualdade
de
A
paridade,
Sobre
ser
posições.
reivindica para o ensino essas prerrogativas.
como
artista
Paulo
Freire
O ensino é uma
forma de intervenção no mundo, como também o é a produção artística, não se restringido apenas à absorção de conteúdos. O professor quando se limita a transmitir conteúdos, segundo Freire
(1996,
p.
98),
só
contribuí
para
a
“reprodução
da
ideologia dominante” impedindo a contradição e a participação do aluno. Enquanto escrevo esta carta lembrei-me de algumas questões abordadas em um escrito que publiquei em 2007 – a partir das colocações de Duchamp sobre a produção artística – no qual teci
algumas
aproximações
entre
o
ato
criativo
e
o
ato
pedagógico. Acredito que, nesta ocasião, seja valido recuperar estas questões. Do mesmo modo que Duchamp, na conferência sobre “O ato criador”, indica a existência de uma relação produtiva entre artista, obra de arte e espectador, no ensino da arte esta mesma relação pode ser pensada. A semelhança do que é colocado por Duchamp no ato criador, onde o espectador é um coautor que completa a obra, o ato pedagógico não é elaborado unicamente pelo professor: existe do outro lado o aluno que, consciente ou inconscientemente, através de sua participação, contribui com as aulas, acrescentando ao processo de transmissão, suas experiências e divergências. Na ação didática, isto é possível num
ambiente
que
permite
o
encontro
entre
perspectivas
e
posições nem sempre concordantes. O diálogo prevê o conflito. Descreverei para vocês um caso que considero emblemático e que situa de maneira prática as conexões entre arte e ensino, assim
como
certa
ideia
de
participação
não
funcional
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
196
REVISTA
APOTHEKE (automática) que desafia, ademais, o uso dos termos “presença” e “experiência” em suas acepções correntes. Charles Harrison, no texto “O ensino da arte conceitual” (2003) comenta que o sistema crítico teórico moderno cobrava dos alunos, e futuros artistas, que produzissem objetos para serem julgados segundo uma
lógica
própria
ao
limite
moderno.
Para
ilustrar
essa
conjuntura, ele descreve um exemplo de correspondência entre o ensino da arte e o corpo teórico moderno que se passou na escola inglesa St. Martin’s School of Arts, em 1960, onde um dos estudantes introduziu um problema
–
para os moldes de
ensino e de escolha dos professores/artistas dessa escola – ao expor um trabalho que metade estava presente e a outra metade “ausente”. O misterioso trabalho do então estudante Richard Long, apresentado
em
St.
Martin’s,
não
poderia
ser
julgado
pela
lógica modernista, segundo o professor e artista Anthony Caro, porque
o
mesmo
apreciado formais.
não
estava
em
relação
Long
colocou
completamente
às um
suas arranjo
presente
para
características com
galhos
ser
estéticas
no
salão
da
faculdade e explicou que aquilo era a metade da escultura composta de duas partes separadas, e que a outra parte estava no topo do Ben Nevis, uma montanha na Escócia. Com essa ação Long
problematizou
artísticos
para
o
fora
modo de
uma
de
apresentação
lógica
dos
formalista
objetos
até
então
vigente. A outra parte da escultura apresentada por ele a Caro estava ali presente pelo discurso (pela fala dele sobre a parte ausente), que indicava o lugar onde a outra parte se encontrava. No mesmo viés, outro exemplo que ajuda pensar a respeito do desdobramento do discurso da arte não apenas como teoria sobre arte, mas como arte, ou como experiência estética, são as práticas coletivas do grupo conceitual anglo-saxão Art & Language.
Esse
grupo
considerava
seus
encontros
como
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
uma
197
REVISTA
APOTHEKE prática artística, através dos diálogos estabelecidos entre seus integrantes e participantes. E levando em consideração que
alguns
de
seus
membros
eram
professores,
também
uma
oportunidade de criar uma participação ativa com os alunos e com
o
público
em
geral.
Se
for
certo,
como
afirmam
os
integrantes do grupo, que quase tudo que sabemos das obras de arte sabemos a partir de publicações e conversas sobre arte, desde uma conferencia, passando pelas aulas, até às conversas informais de um individuo qualquer com outro, seria correto então dizer que as ações “pedagógicas” levadas a cabo pelo grupo
anglo-saxão
procuravam
derrubar
as
fronteiras
que
separam “o estético do contingente, o empírico do teórico, o individual do coletivo, a alta arte da cultura popular e a arte da linguagem” (HARRISON, 1990, p. 28). Os diálogos sobre arte – seja entre professores e alunos, conferencistas e ouvintes, ou entre duas pessoas quaisquer que de alguma maneira tocam no problema da arte – constituem um modo de manifestação da arte. Ou seja, não são apenas diálogos sobre
arte,
mas,
perspectiva,
sobretudo,
podemos
entender
diálogos o
labor
como
arte.
artístico
Nessa de
modo
ampliado, não restringido a uma única direção de fabricação de objetos. Tanto o professor e o aluno quanto o artista e o espectador, como todos aqueles que de alguma forma acessam informações concernentes a manifestações artísticas, mesmo que seja
em
uma
contribuindo
conversa por
meio
despretensiosa de
seus
atos
e
informal,
comunicativos
estão com
a
produção artística. Voltando então ao ato pedagógico, o processo de troca entre professor e aluno concretiza uma possibilidade de por em movimento
a
dinâmica
entre
valores
estabelecidos
e
valores
contestados, acrescentando nessa relação à possibilidade dupla de difusão e, por conseguinte, sua reflexão. Quanto a isso, tomamos
novamente
emprestado
o
coeficiente
artístico
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
de
198
REVISTA
APOTHEKE Duchamp para definir o “coeficiente pedagógico”. Relembrando, o coeficiente artístico é a relação aritmética entre o que permanece inexpresso, embora intencionado, e o que é expresso e não intencionado. No ato pedagógico o professor propõe uma ação
e
o
aluno
participa
completando
essa
ação;
nem
o
professor tem consciência (controle) de tudo que é comunicado (expresso e não intencionado) como também não o tem sobre o que não foi dito (inexpresso embora intencionado). Assim, por essa
mesma
lógica,
o
aluno
atua
sobre
o
“coeficiente
pedagógico” completando-o com sua participação. Desse modo, ao invés da prática pedagógica se constituir como
uma
orientação
didática,
podemos
pensar
que
ela
se
constituí como desorientação didática (CALDAS, 1982, p. 5), engendrando lapsos de consciência que permitem um processo de subjetivação que escapa tanto aos saberes constituídos como aos poderes dominantes. Logo, como nos descreve Freire (1996, p.22), “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Levando em conta o que foi dito anteriormente, relacionado aos aspectos contextuais da arte contemporânea assim como as questões política),
relativas estranho
à
participação que
ainda
(afetiva,
hoje
muitas
estética
e
escolas
e
universidades, projetos educacionais, professores e produtores continuem
baseando-se
em
pressupostos
artísticos
e
educacionais herdados do século XIX sem fazer nenhuma objeção crítica aos postulados metodológicos das luzes. Sem mais, acreditando ter abordado satisfatoriamente os assuntos
que
nesta
carta
foram
expostos,
inicio
minhas
despedidas. Contudo, admito que não encontro modo que seja igualmente
satisfatório
para
encerrar
nossa
conversa.
Nem
propósito que não seja descabido para continuá-la. Optando, forçadamente, em prosseguir com a escrita corro o rico de insistir em assuntos que julgo já estão ditos. É mais prudente ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
199
REVISTA
APOTHEKE finalizar. Antes de encerrar deixo anotado abaixo uma lista com as referências bibliográficas que foram utilizadas nesta carta. Não tendo nada que acrescentar, anúncio minha despedida seguro de que oportunidades futuras não faltarão para novos diálogos.
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200
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APOTHEKE Ensaios, n. 10. Rio de Janeiro: Mestrado em História da Arte/Escola de Belas Artes, UFRJ, 2003. HARRISON, Charles. “Objeto de arte y obra de arte” In: BUCHLOH, Benjamin H. D., et al. Arte Conceptual: una perspectiva. Madrid: Fundación Cajas de Pensiones, 1990. KAPROW, Allan. “A educação do não-artista, parte I”. In: GERALDO, Sheila C. (ed.). Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da UERJ, n. 4. Rio de janeiro: UERJ, 2003. KOSUTH, Joseph. Art after philosophy and after. London: The MIT Press, 1991. MOUFFE, Chantal. Prácticas artísticas y democracia agonística. Barcelona: MACBA, 2007. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34. 2005. ______. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
Silfarlem J. de Oliveira, Doutorando em Artes Visuais Linha Processos Artísticos Contemporanêos PPGAV/UDESC. Possui graduação em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (2007), Diploma de Estudios Avanzados pela Universidad de Casilla La-Mancha/Espanha (2009) e Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Espírito Santo (2014). Tem experiência na área de Artes desenvolvendo pesquisa como artista. Atua principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea, conceitualismos, tautologia, espaço público, linguagem verbal e visual.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
201
REVISTA
APOTHEKE A EXPERIÊNCIA COMO PROCESSO DE CRIAÇÃO NAS AULAS DE ARTES VISUAIS The experience as a creative process in visual art classes Thais Amaral (Universidade Presbiteriana Mackenzie) thais_amaral@uol.com.br Resumo Este artigo enfatiza a importância da experiência artística durante o processo de criação para trabalhos visuais. Apresenta o processo criativo dos meus alunos do 7º ano do Ensino Fundamental de um colégio em São Bernardo do Campo, São Paulo, durante as aulas de artes em 2015. Palavras-chave: Processo.
Experiência.
Criatividade.
Cor.
Composição.
Abstract This article emphasizes the importance of experience during the artistic creative process for visual works. Presents the creative process of students from the 7th grade of elementary school in a high school in Sao Bernardo do Campo, São Paulo, during art classes in 2015. Keywords: Experience. Creativity. Color. Composition. Process.
Incitações iniciais com os alunos: conceitos sobre cor. Conversar sobre as cores e suas combinações parece ser muitas vezes algo complexo e de difícil compreensão. Saber harmonizá-las em um trabalho artístico também denota ser um desafio.
Isto
porque
os
únicos
conceitos,
talvez,
que
lembremos sobre este assunto vêm das vivências que tivemos na escola ao ouvir um professor falar sobre cores primárias e cores secundárias. Azul, amarelo e vermelho cabem nas cores primárias, secundárias.
enquanto
verde,
Eventualmente,
laranja selecionamos
e
roxo os
nas
grupos
de
cores cada
cor, sem saber porque isto é assim organizado. Para conversarmos sobre alguns pontos importantes a este respeito, apresentamos aos alunos o conceito inicial de que as ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
202
REVISTA
APOTHEKE cores,
assim
como
menciona
Pedrosa
(2010)
são
fenômenos
fisiológicos que acontecem por uma simples sensação produzida por organizações nervosas mediante a ação da luz e que geram as
classificações
cromáticas
dadas
por
percepções
e
manifestações dessas cores, o que justifica as divisões em grupos cromáticos como conhecemos. Por este motivo, sendo professora de artes, disciplina em que as cores são utilizadas com frequência, e notando que os alunos têm bastante dificuldades em combiná-las e selecionálas
enquanto
abordar
compõem
estas
imagens,
características
percebemos e
os
a
necessidade
princípios
iniciais
de que
formam a ideia de cor - como o que é cor-pigmento, cor-luz e o que são cores primárias e secundárias. Compreendemos que as cores primárias são aquelas que não se decompõe e que formam as demais cores; há diferenças entre a cor que vemos enquanto pigmento nas tintas, nos papéis e nos objetos, o que é chamado de cor-pigmento e a cor que vemos enquanto luz (denominada cor-luz), exemplificadas em imagens que vemos na tela de um computador, ou quando usamos programas de edição de imagens em aplicativos de celulares ou ainda utilizando programas editoriais de imagens mais detalhados e com muitos recursos como o Photoshop, hoje bastante conhecidos dos estudantes. Assim,
definimos
características
que
utilizadas
nesta para
proposta as
cores
de
trabalho
seriam
como
as cor-
pigmento. Com este pensamento e sabendo quais são as cores primárias pudemos então compreender que as cores secundárias são aquelas que se formam pelo equilíbrio óptico de duas cores primárias (PEDROSA, 2010, p.22) e originam o verde, o laranja e o roxo. Após estas conversas, discutimos sobre outros conjuntos cromáticos enquanto experimentávamos um processo de criação de composições
de
formas
e
cores
nas
quais
utilizaríamos
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
os
203
REVISTA
APOTHEKE conceitos vistos e outros que seriam apresentados durante o processo. Prática
artística
em
sala
de
aula:
experimentações
com
as
cores. Ao incitarmos os alunos com os questionamentos iniciais já tínhamos no intelecto a sequência dos outros elementos que instigariam o processo criativo que seria proposto. Notávamos a necessidade de que os alunos experimentassem com liberdade de criação, porém com propriedade, durante o desenvolvimento dos trabalhos visuais. Havíamos definido e esclarecido o que era cada um dos conjuntos de cores primárias e secundárias e porque o eram. Neste momento a proposta vinha em um outro modo de organização – as cores quentes e as cores frias. Segundo Pedrosa (2010), as quentes são a cor vermelha, a amarela e as demais cores que delas predominem e as frias são o azul e o verde e as outras que deles se originem. Para instigar o imaginário e resgatar a memória,
foi
perguntado
aos
alunos
“o
que
te
lembra
cor
quente?”, “o que te faz lembrar cor fria?”. Foram respostas diversas, como “cores quentes lembram o sol” e “frias lembram o gelo e a neve”; que caracterizam o tipo de repertório visual que possuem e que os levam a colorir de modo realista de percepção do mundo muitas vezes. Seguimos com outras questões: “e sentimentos? O que dá sensação de calor? Ir à uma loja de brinquedos e ver paredes coloridas com vermelhos, laranjas e amarelos
enchendo
os
olhos
ou
ir
ao
consultório
médico
e
sentir a calmaria que o azul clarinho e o verde suave tentam dar para um momento de tensão?” Os alunos ficaram atentos a esta última pergunta e notaram que tudo depende da intenção e que as cores fazem parte desta escolha, nem sempre seguindo as percepções
realistas
do
mundo.
Neste
momento,
começaram
a
descrever ambientes que já frequentaram e mencionaram as cores ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
204
REVISTA
APOTHEKE que viram nestes lugares, explicando a sensação que isto tinha causado; cada um descreveu sua sensação única e particular. Por isso, ressaltamos nesta etapa do processo de criação a importância das relações e apreensões que cada um faz do mundo ao seu redor de maneira singular e a maneira que o experimenta
–
os
contextos.
O
que
um
pensa
e
gosta
não
caracteriza e nem regulariza o pensamento e o gosto do outro. Da mesma forma, para mim, professora e artista, as cores sempre têm sensações particulares. Dependendo do que se deseja produzir
no
trabalho
visual,
as
escolhas
cromáticas
são
variáveis. O tema e a cor se relacionam particularmente para o artista; não há regras que obrigam o uso de cores frias para temas tristes e cores quentes para temas alegres ou viceversa. Isto se dá, pois, o processo de criação artística se modifica o tempo todo com as relações que são feitas e com os significados e sentidos que são atribuídos, como diz Salles, Uma decisão do artista tomada em determinado momento tem relação com outras anteriores e posteriores. Do mesmo modo, a obra vai se desenvolvendo por meio de uma série de associações ou estabelecimento de relações. (SALLES, 2010, p. 27)
Para enfatizar esta questão, propusemos a observação de quatro obras de artistas plásticos. Eles foram escolhidos pois apresentam temáticas variadas entre si e fazem o uso das cores significar seus temas, sem regras pré-estabelecidas. Vimos
Pablo
Picasso,
em
uma
fase
de
seus
trabalhos,
conhecida como fase azul, na qual escolheu a gama cromática das cores frias - particularmente a cor azul - por trazer a ele
os
sentimentos
mais
frios
humanas
carregavam
como
em
O
e
tristes
velho
que
suas
figuras
guitarrista,
1903-04
(figura 1), entretanto já o artista André Derain fazia a mesma escolha da predominância das cores frias em muitas pinturas
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
205
REVISTA
APOTHEKE fovistas¹ 27 por um gosto visual e compositivo como vimos na pintura
Big
Ben,
1905-06
(figura
2),
e
não
por
ser
uma
temática com aparência triste.
Figura 1. O velho guitarrista, 1903-04, de Pablo Picasso (1881 – 1973). Óleo sobre painel – 122,9 x 82,6 cm. Art Institute of Chicago, Chicago, Estados Unidos.
Assim expressões
como de
as
cores
sofrimento,
Figura 2. Big Ben, 1905-06, de Andre Derain (1880 – 1954). Óleo sobre tela – 79 x 98 cm. Musée d'Art Moderne, Troyes, França.
quentes sem
podem
aparência
também de
206
aparecer
nenhuma
em
alegria
como na pintura A gestante de Lasar Segall, 1919-20 (figura 3), e ao mesmo tempo em composições com a predominância de cores
quentes
vívidas
e
intensas
como
a
pintura
Interior
vermelho [Harmonia em vermelho], 1908 (figura 4), de Henri Matisse.
1 27
Os fovistas se embriagavam com cores vibrantes, exageradas. Liberaram a cor de seu papel tradicional de descrever objetos para fazê-la expressar sentimentos. (STRICKLAND, 2002, p. 130). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Figura 3. Schwangere [A gestante], 1919-20, de Lasar Segall (1891 – 1957). Óleo sobre tela – 90,0 x 112,0 cm. Museu Lasar Segall, São Paulo, Brasil.
207
Figura 4. Interior vermelho [Harmonia em vermelho], 1908, de Henri Matisse (1869 – 1954). Óleo sobre tela - 180,5 x 221,0 cm. The State Hermitage Museum, São. Petersburgo, Rússia.
Logo, as maneiras de experimentar e significar os elementos juntamente com a intencionalidade inseridos em um trabalho voltarmos
compõem às
o
sentido
perguntas
dado
feitas
a aos
ele.
Assim
alunos
sendo,
se
anteriormente,
veremos que as respostas foram bem diferentes pois cada um pode significar de um modo, de acordo com sua percepção, com sua
história,
com
seu
repertório,
assim
como
Dewey
(2010,
p.110) esclarece dizendo que
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE [...] experiências, cada uma das quais é singular [...] Porque a vida não é uma mancha ou fluxo uniforme e ininterrupto. É feita de histórias, cada qual com seu enredo [...] cada qual com seu movimento rítmico particular, cada qual com sua qualidade não repetida, que a perpassa por inteiro. (DEWEY, 2010,p. 110).
Processos
criativos:
composições
abstratas
com
cores
e
texturas A partir destas observações e fruições das imagens, foi dada a proposta: trabalhar com formas abstratas, sem temas figurativos pré-definidos para que a atenção ficasse mantida no uso das cores e não nas temáticas. Cada estudante, deveria criar
uma
composição
preenchendo
com
o
conjunto
vermelhos,
laranjas,
variações)
e,
em
abstrata de
vinhos,
outra
em
uma
cores
marrons,
folha
do
folha
quentes
(os
beges,
mesmo
tamanho
A3,
amarelos,
rosas
formato,
e
suas
mais
uma
composição abstrata, diferente da primeira, fazendo uso das cores
frias
variações). espaço
(os A
com
posteriormente,
azuis,
verdes,
prática
partiria
formas
abstratas
deveriam
da
roxos, ideia por
planejar
os
lilases de
e
preencher
meio
do
lugares
de
suas todo
desenho, cada
cor,
fazendo anotações sobre o próprio trabalho, então, cobririam totalmente os espaços com as determinadas cores. Entretanto, além do preenchimento cromático com tintas (material pigmento escolhido da sala de aula), os estudantes deveriam verificar em
casa
materiais
pigmentos
que
pudessem
ser
colados
no
trabalho (pedaços de tecido, papéis, plásticos, linhas, dentre outros)
e
os
trouxessem
para
a
aula
para
executar
as
composições respeitando a divisão de cores quentes ou frias, como mostra a figura 5.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
208
REVISTA
APOTHEKE
Figura 5: Fotomontagem de processo compositivo sobre cores frias. Acervo da autora.
Além das combinações de cores, o efeito visual dado pelas texturas
táteis
das
colagens
e
pelas
texturas
visuais
das
pinceladas variadas de tinta seriam possibilidades criativas das composições de cada aluno. Durante o processo, enquanto pintavam, eles notaram que misturar cores quentes entre si e fazer o mesmo com as cores frias gerava novas cores das mesmas famílias. O mesmo ocorreu com a mistura da cor branca – ela mantinha as características de cor quente e/ou fria quanto misturada
a
uma
cor
desses
grupos.
Eles
também
possuíam
diversas possibilidades diferentes para colar os materiais que trouxeram -
torcer, enrolar, rasgar com as mãos, picar em
pedaços bem pequenos, usar bastante papel e amassar muito, a ponto
de
enrugar
ocupar
e
depois
espaços
acima
desamassar
da
para
superfície que
as
da
marcas
folha
ou
ficassem.
Inúmeras possibilidades compositivas surgiam à medida que se permitiam experimentar com intencionalidade. Deste modo, notamos que o processo criativo, juntamente com
a
compreensão
dinâmico
e
dos
flexível,
conceitos permitindo
dantes mutações
vistos, dos
se
tornava
planejamentos
iniciais, algo que Salles expõe claramente: ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
209
REVISTA
APOTHEKE A criação artística é marcada por sua dinamicidade que nos põe, portanto, em contato com um ambiente que se caracteriza pela flexibilidade, não fixidez, mobilidade e plasticidade. [...] ambiente dos inúmeros infindáveis cortes, substituições, adições ou deslocamentos. (SALLES, 2006, p.19)
Criações e resultados plásticos: a importância da experiência nas aulas de artes A escolha de encerrar a composição e dá-la por concluída demonstrava que os alunos haviam finalizado uma etapa; etapa esta que se deu após um percurso – conversar sobre conceitos fundamentais sobre cor-luz e cor-pigmento, compreender o que são cores frias e cores quentes, observar e fruir algumas obras
de
artistas
intencionais,
escolhidos
contextualizar
dando
com
atenção
vivências
e
às
questões
resgatar
a
memória, experimentar cores e texturas visuais e táteis para compor um trabalho visual fazendo uso de diferentes técnicas. Logo, a conclusão do trabalho não se deu individualmente, mas sim consumou um movimento (Dewey, 2010). Os alunos sentiram-se à vontade para experimentar e criar as composições. A intencionalidade e a experiência percorreram juntas
o
processo
de
criação,
possibilitando
que
vontades
internas de cada um fossem expressas por meio das composições plásticas
que
fizeram.
Fayga
Ostrower
define
que
a
intencionalidade humana é Mais do que um simples ato proposital, o ato intencional pressupõe existir uma mobilização interior, não necessariamente consciente, que é orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir situação concreta para a qual a ação seja solicitada [...]. (OSTROWER, 2010, p. 10).
É algo que nos move internamente e que pode concretizar de forma criativa quando relacionada a outros contextos que não
os
nossos,
como
as
obras
dos
artistas
vistas
e
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
as
210
REVISTA
APOTHEKE conversas sobre experiências com cores entre os colegas, por exemplo. Tanto que Csikzentmihalyi(2013, p.23, tradução nossa) define que a criatividade “[...] não acontece dentro da cabeça das pessoas, mas na interação entre um pensamento humano e um contexto sociocultural”, o que reforça esta ideia. Deste
modo,
os
processos
criativos
dos
alunos
foram
registrados com experiências em todo o tempo; desde quando precisaram escolher que tipos de linhas fariam para criar o desenho abstrato, de que modo organizariam as cores no espaço, que
cores
usariam
colariam,
como
escolher
que
trabalhos
visuais
dos
fariam o
conjuntos as
trabalho com
cromáticos
pinturas, estivesse
experiências
até
estudados,
quando
teriam
finalizado. diversas
de
como que
Houveram dobras
de
papel, recortes e texturas de tinta (figuras 6, 7 e 8).
211
Figura 6: Fotomontagem de trabalhos com cores quentes – papéis, tecidos, tinta. Acervo da autora.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Figura 7: Fotomontagem de trabalhos com cores quentes e frias – papéis, tecidos, tinta.Fonte: Acervo da autora.
212
Figura 7: Fotomontagem de detalhes de quatro composições variadas. Acervo da autora.
Sendo
assim,
notamos
que
experimentar
com
objetivos
claros propicia uma experiência próxima com a arte. Isto se dá por uma sequência do processo de criação em que há discussão de ideias, apresentação de conceitos, observação de imagens, fruição, contextualização e a prática artística. Compreender também que os processos inicias de planejamento da prática de um
trabalho
não
estão
rígidos
e
fechados,
mas
que
se
modificam, complementa essa relação, foi essencial para que a experiência do processo criativo fosse significativa. Dewey
(2010,
p.
109)
diz
que
“A
experiência
ocorre
continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio processo de viver”; por isso, se o experimentar está inserido no processo de vida de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE cada indivíduo unido ao seu ambiente, promover o espaço para o desenvolvimento destas relações nas aulas de artes é um fator essencial para a experiência da prática artística criativa. Por conseguinte, o processo criativo nas aulas de artes pode se dar quando há a liberdade de experimentar, relacionada aos conceitos, imagens, ideias, o desejo do fazer artístico do indivíduo e as interações que este faz com os contextos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Creativity: the psychology of discovery and invention. New York: Harper Perennial Modern Classics, 2013. DEWEY, J.; BOYDSTON, J. (Org.); SIMON, H. (Ed.); KAPLAN, A. (Intr.). Arte como experiência. Tradução Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. 10. ed. 1. reimpr. Rio de Janeiro: SENAC Nacional, 2010. SALLES, Cecília Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2006. STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pósmoderno. Tradução: Angela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. Thais Amaral, Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie/SP; especialista em Linguagens da Arte pela USP. Licenciada em Educação Artística pela Faculdade Paulista de Artes. Atua na educação básica e no ensino técnico como professora. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0357103633213658
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE O PENSAR CRIATIVO - O PROCESSO CRIATIVO E O ENSINAMENTO DAS CORES THE CREATIVE THINKING - THE CREATIVE PROCESS AND THE TEACHING OF COLORS Dulce Maria Holanda Maciel (CEART/DMO) dulceholanda@gmail.com Fabiana Ludwig dos Santos(CEART/DMO) fabiludwig@hotmail.com Schirlei Martins O. San Romãn(Bolsista PIBIC/Cnpq) schirlei.ortega@gmail.com Resumo Este texto relata uma experiência no aprendizado sobre cores realizada na disciplina intitulada Fundamentos da Cor do curso de Design de Moda do CEART/UDESC no ano de 2012. O grande desafio estabelecido na disciplina foi ensinar os conceitos básicos relativos a cores, suas características, usos, círculo cromático e esquemas harmônicos. No começo da disciplina foram estabelecidas as tarefas e o aporte teórico o qual envolveu o processo criativo e o ensinamento das cores através de exercícios desenvolvidos em sala de aula. Este texto demonstra uma breve apresentação do trabalho desenvolvido no semestre. Palavras-chave: Criatividade. Cor. Ensino. Abstract This article reports an experience in learning about colors held in the subject entitled Color Funtamentals of Fashion Design course of CEART/UDESC in 2012. The challenge established in the subject was teaching the basic concepts about colors, its characteristics, uses, chromatic circle and harmonic schemes. In the subject’s beginning, the tasks and the theoretical framework that involved the creative process and the teaching of colors through exercises developed in class were established. This text shows a brief presentation of the work developed during the semester. Keywords: Creativity. Color. Teaching.
INTRODUÇÃO O presente trabalho relata a experiência desenvolvida na disciplina Fundamentos da Cor do curso de Design de Moda do Ceart no ano de 2012. O trabalho envolveu várias etapas: a confecção
de
um
círculo
primárias,
secundárias
e
cromático, terciárias,
o e
estudo a
das
cores
diferenciação
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
das
214
REVISTA
APOTHEKE temperaturas de cor. Todos os itens, passando pela pesquisa da simbologia das cores e apontando aspectos por vezes ocultos na utilização de determinada cor, culminaram com a apresentação de croquis com desenhos de vestuário envolvendo uma cartela de cores
desenvolvida
pelo
aluno
seguindo
orientação
dos
professores para montagem dos esquemas harmônicos. O estudo do processo criativo com a definição das etapas de afetividade, processo metacognitivo e criatividade, foi o item focal e que serviu como aporte teórico para os exercícios propostos na disciplina e descritos a seguir. O PROCESSO CRIATIVO Munari pilares
do
(1975)
destaca
processo
de
o
pensar
aprendizagem.
criativo Explica
como que
um o
dos
pensar
criativo envolve uma forma de agir especifica para alcançar um objetivo, diferentes
neste
o
pensamento
conceitos,
mas
não
em
obedece
todos
os
a
regras,
casos
aceita
percorre
um
caminho para o resultado. O autor discorre sobre determinados tipos de barreiras encontradas no processo criativo:
Medo
do
fracasso
–
ressalta-se
aqui
a
simples
possibilidade de não atingir o êxito como inibição do processo criativo, esquivando-se da frustração;
Falta de recursos;
Falta de tempo;
Falta de oportunidade em realizar atividades fora da sala de aula. O autor cita que a criatividade também é utilizada como
ferramenta
auxiliar
no
ensino
de
outras
disciplinas
como
matemática, história ou física, usando-se conceitos relativos a cada tema, bem como auxilia o aluno a explorar e descobrir novos cenários e enfatizar a interdisciplinaridade.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
215
REVISTA
APOTHEKE Na aprendizagem das cores vale citar Dewey (1971) que defendia
o
princípio
no
qual
os
alunos
aprendem
melhor
realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados. Neste ponto salienta-se que o ensino das cores esbarra de início no seu
preceito
mais
básico
–
o
entendimento
da
física
de
reflexão da luz e na anatomia humana e suas regras de formação de imagens. Desta forma é essencial inicialmente propor uma reflexão a partir das leis físicas e biológicas que formam as cores, chegando
rapidamente
à
classificação
de
cores
primárias,
secundárias, complementares, suas características e esquemas cromáticos. Como recurso utilizado para envolver os alunos no processo de aprendizagem sobre as cores e também promover a motivação necessária
para
o
entendimento
sobre
sua
influência,
foi
realizada a apresentação da teoria das cores seguindo os três patamares qual
da
divide
criatividade o
processo
citados
criativo
por em:
Schlochauer afetividade,
(2007)
o
processo
metacognitivo e o processo criativo. Primeiro patamar - afetividade Schlochauer (2007) afirma que a afetividade é a base de qualquer aprendizagem. Munari (1975) também já contextualizava a importância do desenvolvimento afetivo do sujeito criador pelo objeto produzido. Um dos principais aspectos do processo de aprendizagem é a afetividade e diz respeito a aprender a aprender. O autor conclui que o estado emocional pode facilitar e/ou acelerar
a
integração
de
novas
informações,
Dewey
que
reestruturando
esquemas mentais. Andrade
(2009)
cita
propõe
um
sistema
de
educação baseado na experimentação. Assim, considerando que uma
aula
é
um
microssistema
onde
existem
regras,
valores,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
216
REVISTA
APOTHEKE atitudes a respeitar e relações de poder, também devem existir objetivos
claros
alunos
a
e
da
forma
competência
de
em
aquisição
gerir
os
de
conteúdos
recursos
pelos
didáticos
e
distribuição de tempo pelo professor. O papel contagiante das emoções está presente no modelo sócio pedagógico de J. Dewey (1954) enfocando o aprendizado através do desenvolvimento da autoestima e da personalidade dos educandos. Torna-se importante ressaltar a diferença entre sentimento e emoção. A emoção possibilita mudança na condição física enquanto que o sentimento não apresenta manifestações físicas ou fisiológicas tangíveis. Quando temos um sentimento, temos controle, já as emoções são mais contagiantes, são verdadeiras desencadeadoras de epidemia mental. (ALMEIDA; SEMINERIO, 2005, p. 13)
Saiani citado em Almeida e Seminerio (2005) nos relata que o
relacionamento
importante
entre
papel
na
o
professor
criação
e
deste
seu
aluno
‘clima
de
desempenha
aula’.
Aqui
completa que ‘a sala de aula’ é o terreno onde os pequenos acontecimentos
acontecem
todos
os
dias.
As
alegrias,
tristezas, olhares e queixas. Almeida e Seminerio (2005, p. 15) comentam que se deve deixar fluir uma atmosfera favorável entre professor e alunos. Propõem ao professor atenção ao seu próprio estado mental a fim de verificar de onde provem as dificuldades que encontra no processo de ensino-aprendizagem. Salienta ainda que esta atmosfera favorável é mais importante que qualquer método ou técnica utilizada em sala de aula. Assim, o desafio de organização do conteúdo respeitou a lógica
necessária
para
a
construção
do
conhecimento
a
ser
aluno
foi
atingido sobre os processos harmônicos da cor. A
apropriação
proposta
a
partir
do
conhecimento
de
atividades
por
parte
motivadoras.
do O
exercício
inicial foi elaborado para pôr em prática um vínculo inicial que envolvesse afetividade. A primeira parte do exercício foi propor
a
cada
aluno
a
escolha
de
uma
cor
favorita
e
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
sua
217
REVISTA
APOTHEKE descrição
em
termos
estéticos,
subjetivos,
com
ênfase
nas
emoções relacionadas ao uso desta cor e outros pontos que julgassem importantes. Foi proposto o uso desta cor escolhida para
realizar
exemplificados complementares
os nas e
exercícios imagens
análogas.
1 A
de e
dessaturação, 2,
pesquisa
cores
como
primárias,
envolvendo
sua
cor
favorita deixou clara as implicações pedagógicas do vínculo emocional desejado dos alunos com a disciplina. Figura 1 – Exercício de rebaixamento da cor violeta.
218
Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.
A aluna continuou usando a cor favorita – violeta – para a realização do exercício de dessaturação demonstrado a seguir. Figura 2 – Exercício de dessaturação da cor violeta.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.
Segundo patamar – o processo metacognitivo Minsky (1989) já nos alertava que o processo mental de aprendizagem inclui estratégias cognitivas, metacognitivas e de administração de recursos.
219
Como estratégias cognitivas pode-se citar as estratégias de
memorização
–
transformação.
repetição,
As
por
metacognitivas
exemplo, incluem
elaboração um
controle
e e
regulação do próprio processo de aprendizagem. Neste caso existe a escolha do que aprender envolvendo a atitude de decisão no avanço ou desistência da tarefa. Os
conhecimentos
metacognitivos
são
construídos
e
transformados através de experiências conscientes. A metacognição diz respeito, entre outras coisas, ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos próprios processos cognitivos. (RIBEIRO, 2003, p. 111)
Implica
em
um
processo,
ou
seja,
uma
elaboração,
uma
organização, um ambiente de estudo, e tempo para desenvolver ideias,
resumindo
conhecedor
de
si
ações
planificadas.
próprio
como
Aqui
atuante
no
o
aluno
é
processo
o de
aprendizagem e também o é como processador de informações, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE colaborando assim com o posicionamento de Dewey que defendia a importância do crescimento – físico, emocional e intelectual dos alunos durante o processo de aprendizagem. Este posicionamento dá ênfase a independência dos alunos em administrar os recursos com as estratégias que melhor se adéquam
aos
seus
tarefas
associadas
objetivos, aos
aprendendo
conteúdos
melhor
ensinados.
Em
realizando resumo
a
metacognição implica em uma série de operações mentais que dirigem e controlam a produção dos significados. Baseada em um mecanismo de experiências pessoais e da relação com os outros, o aluno tem a capacidade de alterar sua conduta objetivando suas próprias metas de aprendizado. A metacognição envolve um processo recursivo que não pode ser apartado do processo imaginário, pois as imagens subjazem a qualquer processo mental. Refletir, planejar, organizar estratégias, usar o conhecimento previamente adquirido, acessar informações relevantes, tudo isto está impregnado de imagens que levam a um processo criativo. (ALMEIRA; SEMINEIRO, 2005, p.11)
A partir da escolha e do conhecimento das características e emoções envolvidas em cada cor, foi realizada a segunda parte do exercício. Ao aluno foi proposto a escolha de uma imagem na qual a cor estudada anteriormente fosse a dominante para realizar diversas tríades. Cabe ressaltar que o aluno montou a partir de uma tríade de cores os esquemas cromáticos que
mais
lhe
agradassem,
sem
contar
com
nenhuma
explicita, apenas sua intuição. Nas imagens 3
técnica
e 4 pode-se
observar o exercício de composição a partir da escolha de tríades de cores análogas. Figura 3 – Exercício de tríades análogas I.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
220
REVISTA
APOTHEKE
Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.
Figura 4 – Exercício de tríades análogas II.
221
Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.
A ideia de conceber um exercício inusitado baseado na intuição
e
vivenciados
espontaneidade norteou
o
considerando
exercício
fatores
marcado
por
antes
não
sentimentos,
pensamentos, intelecto, expressão e construção. Terceiro patamar – o processo criativoSchlochauer (2007, p. 251) define algumas características do processo criativo:
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Criatividade – produto do gênio humano como gerador de novas ideias, conceitos e teorias;
Invenção – processo no qual delineia um produto, processo ou protótipo resultante da combinação de ideias onde pelo menos uma delas é inteiramente nova;
Inovação
–
é
a
transformação
de
ideias
em
aplicações
uteis. O
autor
criatividade inovadora certa
continua é
(novos
ação
de
citando
encontrar
e
ambientes
que
o
resolver e
grande
problemas
situações)
transgressão
objetivo de
forma
representando
(patenteada
na
da
liberdade
uma de
pensamento). Refere-se à criação como o aparecimento real de uma coisa, de uma obra que não existia antes por uma ação deliberada e consciente de um ser. Vários autores estudam a criatividade, e a agrupam. Taylor (1976) conceitua cinco tipos de criatividade:
Expressiva – a pessoa expressa seus sentimentos de modo criativo – o foco é a catarse emocional. Improvisação teatral;
Produtiva – a criação está restrita a certas condições metodológicas.
O
foco
é
a
produção
da
obra.
Investigação cientifica;
Inventiva produtivas
–
unem-se para
características
produtos
inéditos
expressivas e
e
inesperados.
Lâmpada elétrica;
Inovadora – mais do que a criação de obras, este tipo situa-se no campo da transformação criativa de teorias e concepções. Einstein;
Emergente
–
dos
gênios.
Criatividade
natural
e
espontânea que se aplica em todos os campos. Leonardo da Vinci;
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
222
REVISTA
APOTHEKE Já
Kneller
(1978)
apresenta
as
seguintes
teorias
filosóficas sobre criatividade: • Inspiração divina, ao invés da educação; • Como forma de loucura, em virtude da espontaneidade e irracionalidade; •
Como
gênio
intuitivo
associada
a
pessoas
raras
e
diferentes; •
Como
força
vital
numa
manifestação
do
processo
organizador presente em toda vida; • Como força cósmica, expressão da criatividade universal inerente a tudo que existe. Apenas recentemente tem havido uma quebra de vínculo entre criatividade
e
poder
divino.
O
termo
criatividade
é
frequentemente associado ao elemento novidade – é considerado criativo
aquilo
(objetos,
que
gera
informações)
novas
que
informações
antes
não
entre
possuíam
situações
relações.
É
observar um problema sob um ponto de vista inteiramente novo e propor uma solução inovadora, curiosa e inusitada. Predebon (1998) cita ainda que as ideias criativas são com frequência o produto de uma associação de duas referências aparentemente estranhas entre si. O
processo
Conhecimento, inferências obtidas
que
–
por
o
criativo
está
considera que
a
pressupõe
combinações
associado mente a
conceituais
a
como
existência e
de
Engenharia um
sistema
de
do de
estruturas
informação
usando
representações através da organização de blocos coerentes e previamente existentes. A imaginação é a primeira característica da criatividade, e está ligada ao raciocínio. A imaginação e a memória andam lado
a
lado
já
que
a
primeira
está
vinculada
a
nossa
capacidade de modificar o mundo e transformar a realidade para criar algo novo.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
223
REVISTA
APOTHEKE Segundo Rubinstein (1973) apud SCHLOCHAUER (2007, p. 253) a diferença entre imaginação e memória consiste no fato de que a relação das imagens reproduzidas da memória é distinta da relação da imaginação com a realidade objetiva. O fato comum destes dois processos é a criação e formação de uma ideia imaginativa unitária, culminando com uma representação. Assim, a
percepção
consciência
e
a
e
atenção,
a
ação
a
memória
deixam
de
e
ser
a
imaginação,
consideradas
a
como
propriedades mentais simples, eternas e inatas, começando a entenderem-se
como
produtos
de
formas
sociais
complexas
em
relação aos processos mentais. Usar a imaginação e a memória foi imprescindível para a resolução da última e terceira parte do exercício proposto – o painel de esquemas cromáticos. Realizado
a
partir
da
afetividade
-
cor
favorita,
da
cognição e imaginação na realização dos esquemas cromáticos a confecção
do
painel
cromático
teve
como
finalidade
a
realização de tríades cromáticas a partir da escolha de três cores retiradas do painel imagético. Figura 5: Esquema cromático proposto.
adaptado da autora (2012)
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
224
REVISTA
APOTHEKE Os alunos que são incentivados a trabalhar a partir das suas
áreas
de
importantes
em
interesse cada
uma
captam das
e
desenvolvem
disciplinas
competências
combinando
seus
próprios interesses e processos de pensamento criativo. É uma atitude de motivação intrínseca. Tendo assim um estado de total absorção de conteúdos, o fato de estar imerso numa atividade tão satisfatória faz com que o participante perca a noção do tempo, do cansaço e todo o resto focando na atividade. Para um ato criativo acontecer as emoções desempenham um importante papel, a atividade da imaginação é uma descarga de emoções, de sentimentos, devemos assim a considerar em todas as etapas do processo de aprendizagem. CONCLUSÕES As áreas cerebrais responsáveis pela percepção visual e imaginação são as mesmas, desta forma o estimulo é simultâneo e básico para o processo criativo. A
arte
linguagem
estimula visual,
a
comunicação
corporal
ou
não
verbal
musical
através
estimulando
da os
indivíduos a expressar suas ideias sobre si e o mundo que o rodeia. Ela ainda objetiva o autoconhecimento, desenvolvendo a autoconfiança e o sentido de autoestima por ser um instrumento de autodescoberta, e desenvolve a percepção visual e auditiva na
medida
em
discriminação
que
expande
sonora
e
a
organização
visual.
A
arte
espacial
também
e
a
desenvolve
integralmente a pessoa, pois unifica a maioria dos aspectos da personalidade. O ponto comum observado na maioria dos textos que abordam criatividade explicita que o processo criativo envolve na sua grande
maioria
informação.
uma
Desta
atualização forma
fica
constante clara
a
e
permanente
necessidade
de
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
de uma
225
REVISTA
APOTHEKE pesquisa aprofundada em todas as fases de criação da solução de um problema. Para o design a solução do processo criativo resulta na resposta ao problema proposto expresso através do projeto de produto, uma etapa do trabalho do designer. O objetivo aqui é forçar um olhar diferente, um pensamento lateralizado,
ou
seja,
divergente
do
tradicional,
um
olhar
sobre outras possibilidades, treinando a própria mente a se tornar criativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, N. F.; SEMINERIO, F. L. P. Cognição e Emoção: a importância do imaginário para a metacognição e a educação. In. LIBÂNEO, J. C.; SANTOS, A. (Org.) Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. S. l.]: Alinea, 2005. DEWEY, J. Experiência e educação. Tradução: Anísio Teixeira. S. l.]: Companhia Editora Nacional, 1971. DEWEY, J. Meu credo pedagógico. In. D’ÁVILA, Antônio. Pedagogia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954. KNELLER, G. F. Arte e ciência da criatividade. 5. ed. São Paulo: Ibrasa, 1978. MINSKY, M. A sociedade da mente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989. MUNARI, B. Diseño y comunicación visual. Barcelona: Gustavo Pili, 1975. PREDEBON, J. Criatividade - abrindo o lado inovador da mente: um caminho para o exercício prático dessa potencialidade, esquecida ou reprimida quando deixamos de ser criança. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. RIBEIRO, C. Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica, online] v. 16, n. 1, p. 109-116, 2003. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n1/16802.pdf>. Acesso em 26 out. 2015. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
226
REVISTA
APOTHEKE SCHLOCHAUER, C. Desenvolvimento da criatividade em estudantes universitários: uma análise de estratégias de ensino. 2007. Projeto de pesquisa para processo de seleção (Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em <http://cappf.org.br/tikidownload_wiki_attachment.php?attId=37>. Acesso em 28 fev. 2011. TAYLOR, C. W. Criatividade: progresso e potencial. 2. ed. São Paulo: Ibrasa 1976.
Dulce Maria Holanda Maciel Doutora em Engenharia de Produção com ênfase em Gestão de Design, Ergonomia e Meio Ambiente pela UFSC (2007); Mestre em Engenharia de Produção com ênfase em Gestão Ambiental pela UFSC (2002); Bacharel em Engenharia Elétrica pela UFSC (1986); Pós-Graduação em Design de Moda pela Universidade Estácio de Sá - SC (2011). Bacharel em Moda pela UDESC (2011). dulceholanda@gmail.com Fabiana Ludwig dos Santos Mestre em Educação, Comunicação e Tecnologia pela UDESC (2010); Pós-Graduação em Moda - Criação e Produção de Moda pela UDESC (2007); Bacharel em MODA - Habilitação em Estilismo pela UDESC 2004); Professora nos cursos de Design de Moda da UDESC, Universidade Estácio de Sá - SC e Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI. fabiludwig@hotmail.com Schirlei Martins Ortega San Romãn Graduanda em Design Gráfico especialização em Ilustração na Itajaí. Bacharel em Pedagogia. schirlei.ortega@gmail.com
pela UDESC; Universidade do
cursando Vale do
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
227
REVISTA
APOTHEKE UM MOSAICO MISTERIOSO: MONTAGEM DE UM MUNDO UM MOSAICO MISTERIOSO: COMPOSITION OF A WORLD Daiana Schröpel (PPGAV/UFRGS) daiana_schropel@hotmail.com RESUMO O presente texto trata dos processos construtivos resultado da simulação de um cenário baseado de uma publicação científica que compõe a instalação Um mosaico misterioso (2015). Esse trabalho tangencia conceitos do campo da arte e da ciência para mostrar como o discurso visual sistematizado na forma de velhas imagens pode ser reinventado por meio de procedimentos de coleta, manipulação e montagem para estabelecer novas relações com a realidade e sua aparência. A reflexão traça, ainda uma correspondência entre processos construtivos da imagem científica e a sua simulação em um contexto artístico específico. PALAVRAS-CHAVE: Arte. Ciência. Ficção. Manipulação. Montagem. ABSTRACT: The issue of this paper is about the construction processes involved the simulation of a scientific publication a piece of writing from an article on scientific magazine within the installation that take part of installation "Um mosaico misterioso (2015)". Through transits between The work presents some concepts of art and science the art and science field, it shows how discursive images and obsolete systematics are decontextualized through collection, manipulation and assembly procedures, to build new relationships establish new relation between reality and appearance. The reflection maps also correspondences between constructive processes of scientific image and its simulation in a specific artistic context. KEYWORDS: Art. Science. Fiction. Manipulation. Composition.
Introdução Andrei Tarkovski (2010) afirma que a arte e a ciência consistem em meios de assimilação do mundo, instrumentos de conhecimento e aproximação do que chamamos verdade absoluta. No
entanto,
se
ambos
os
campos
compactuam
da
função
de
constituir o real através do artifício, descoberta e criação simultaneamente, é também nessa plataforma que se estabelecem suas diferenças. Tarkovski (2010) desenvolve sua reflexão ao apontar que, por meio do conhecimento estético, apreendemos a ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
228
REVISTA
APOTHEKE realidade
mediante
uma
experiência
subjetiva,
cuja
verdade
nunca cessa. Na ciência, em contrapartida, o conhecimento é sistematicamente
substituído
por
um
novo,
sempre
correspondente a uma nova descoberta. As sucessivas trocas decorrentes desse processo denunciam a liquidez de discursos considerados legítimos e intensificam “a
percepção
do
mundo
como
um
depósito
de
ilusões
despedaçadas, velhas imagens e discursos obsoletos”, conforme declara
Olalquiaga
transformação
de
(1998,
p.
105).
metodologias
Nesse
científicas
sentido,
a
objeto
de
em
pesquisa e produção artística decorre, entre outras razões, em função da percepção crítica do acúmulo e da obsolescência de dados e de sistemáticas. Desta forma, no terreno da arte, a retomada
e
a
científicas
simulação
configuram
de
procedimentos
operações
criativas
e que
linguagens podem
ser
empregadas na produção de novos cenários transitórios entre passado e presente. Um
mosaico
229
misterioso
e
a
descoberta
do
espécime
Homo
allotriensis Um mosaico misterioso (2015) é uma instalação que encena o
espaço
enquanto
privado corpo
de
físico,
um em
sujeito, torno
da
uma
personagem
qual
se
ausente
constitui
uma
narrativa. Esta se manifesta através do conjunto de elementos e linguagens - entre fotografia, texto, vídeo e objeto - que definem
a
ambientação.
A
cena
simula
uma
sala
de
estar
composta, fundamentalmente, por mesa, cadeira, tapete, estante e televisão. Sobre a mesa, a estante, a tela e a parede, uma série de outros elementos estão disponíveis para observação. Entre eles, fotografias, revistas de conteúdo científico com matérias de teor antropológico e paleoantropológico, máquinas fotográficas, binóculo e uma representação de ornitorrinco. Nesse espaço coexistem temporalidades diversas manifestas, por ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE exemplo, no mobiliário que remonta um tempo que passou e na televisão que se situa um tempo presente.
230
Um mosaico misterioso, 2015. Vista da instalação.
Sobre a mesa repousam páginas destacadas de revista. Com a
matéria
autoria
de
necessário
"
Um
mosaico
Diana rever
Arque. os
mais
misterioso O
assunto
relevantes
–
Nova da
descoberta
matéria
princípios
"
sugere da
de ser
evolução
humana, da autoria de Diana Argue. A publicação composta por texto e imagens ilustrativas, comunica a descoberta de ossos pertencentes a um hominídeo (denominado Homo allotriensis) na Ilha de Bathurst¹ 28 , Austrália, na década de 1970. Esse achado intrigante
traz
novas
evidências
sobre
a
origem
do
homem
28
¹ A ilha de Bathurst é um local fictício, embora exista uma cidade continental de mesmo nome na Austrália, à cerca de 200 quilômetros de Sydney, na região de New South Wales. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE moderno,
ao
passo
que
desestabiliza
uma
série
de
teorias
acerca da evolução. Segundo o texto, Homo allotriensis - também referido como espécime
LB1
pelos
pesquisadores
-
apresenta
uma
série
de
características peculiares, uma mescla de descobertas antigas e modernas. Por exemplo, o pé é excepcionalmente comprido em comparação
com
o
fêmur,
uma
proporção
desconhecida
espécie
humana. Ao mesmo tempo, o dedão se alinha aos demais dedos, indicativo
das
descobertas
modernas.
Contudo,
um
dos
dados
mais chocantes foi a descoberta de uma bolsa embrionária que, possivelmente, estava vinculada ao corpo do Homo allotriensis por
meio
de
encontrados,
um
cordão
conforme
umbilical.
consenso
Anexos
científico,
embrionários apenas
em
são
aves,
répteis e peixes.
231
Um mosaico misterioso, 2015. Detalhe da publicação das páginas da matéria de revista(p. 12) que compõe a instalação. Acervo da artista.
Elisabeth Jungers, pesquisadora repetidamente citada ao longo
do
texto,
é
autora
dos
estudos
ilustrativos
que
acompanham a publicação. Jungers também é propositora de uma teoria que aloca o H. allotriensis, em termos taxonômicos, como uma espécie independente, sem
descartar a possibilidade
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE de um ancestral comum (com H. sapiens) ainda não identificado. Outras hipóteses sugerem que as anomalias observadas seriam decorrentes da referida síndrome de Equineu, que em ambiente insular, poderia ter-se manifestado de maneira singular. Ou, ainda, que os indivíduos H. allotriensis são espécimes Homo que, no entanto, sofreram modificações extraordinárias devido às
condições
suposições,
de
isolamento
hipóteses
os
na
referida
ilha.
pesquisadores
Entre
continuam
tantas com
os
trabalhos, coordenando projetos que pretendem abarcar regiões insulares da Ásia, da Oceania e, inclusive, territórios sul americanos. Publicação científica: coleta, manipulação e montagem Foram utilizadas revistas científicas de larga circulação como
objeto
de
estudo,
o
processo
criativo
de
Um
mosaico
misterioso se baseou em etapas seriais de coleta, manipulação e montagem de elementos visuais e textuais que culminam no conjunto da instalação. Entretanto, é a partir da matéria da revista elemento que processo
compõe a instalação que se figura um
construtivo
mais
completo.
Essa
composição
é
resultante de um laboratório prático, que teve por finalidade a
simulação
de
uma
comunicação
científica,
como
parte
das
investigações vinculadas à pesquisa de mestrado em Poéticas Visuais (PPGAV/UFRGS). Inicialmente, a definição do formato teve como ponto de partida edições da revista Planeta, conforme se configuravam na década de 1970, uma vez que os fenômenos narrados deveriam se
inscrever
nesse
espaço
temporal.
As
composições
publicitárias, que figuram na primeira e na última página, podem ser encontradas em edições dessas revistas. Tanto as propagandas da marca Telefunken como Volkswagen correspondem, como se sabe, a empresas reais. O conteúdo textual da campanha publicitária é também autêntico e, nesse sentido, a estratégia ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
232
REVISTA
APOTHEKE criativa corresponde a um procedimento de pesquisa, tanto em meios impressos como em ambiente virtual, e coleta das imagens selecionadas. Essa operação se repete ao longo do processo criativo,
na
medida
necessidade
da
específico,
como
em
que
a
implantação
narrativa de
paisagens
textual
sugere
representações
que
ilustram
o
de
a
teor
sítio
de
investigação, artefatos encontrados neste ou a configuração óssea do espécime descoberto. A recuperação de velhas imagens de
caráter
publicitário
representações
tem
encontradas
a
nas
finalidade edições
de
simular
utilizadas
como
referência para a execução da mimese formal.
233
Um mosaico misterioso, 2015. Detalhes da publicação das páginas da matéria de revista (p. 11 e 22) que compõe a instalação. Acervo da artista.
O
conteúdo
simultaneamente,
verbal ao
da
processo
comunicação de
coleta
foi
e/ou
elaborado,
produção
das
imagens, embora o contexto ficcional já estivesse esboçado. Este
implicaria
na
comunicação
de
uma
descoberta
paleoantropológica de um espécime hominídeo que, no entanto, se chocasse com todas as descobertas feitas até então nesse campo. A referência fundamental nesse sentido foi o paradoxal ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE ornitorrinco.
Um
mamífero
semi-aquático
originário
da
Austrália e da Tasmânia que, junto com as equidnas, forma o grupo
dos
monotremados,
os
únicos
mamíferos
ovíparos
29
existentes² .
234 Exemplares de revistas que compõe o repertório referencial de Um mosaico misterioso: National Geographic, Scientific American e Planeta.
Por conseguinte, o texto, assim como sua disposição sobre as
páginas,
foi
construído
a
partir
de
publicações
sobre
antropologia e paleoantropologia que podem ser encontradas em revistas
de
larga
circulação,
como
National
Geographic
e
Scientific American. Em suas diversas edições, em especial as do
primeiro
título,
encontramos
inúmeras
representações
de
² 29 Há muito tempo o ornitorrinco é uma querela no âmbito da taxonomia. Cientistas do século XVIII, antes de classificá-lo como um mamífero ovíparo, costumavam confundir-se devido as suas semelhanças com aves e répteis. Sabe-se que o primeiro ornitorrinco a ser analisado cientificamente na Inglaterra, em 1799, foi considerado inicialmente uma farsa. Pensava-se que era a união entre o corpo de uma toupeira e o bico de um pato. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE povos
exóticos,
habitantes
dos
mais
distantes
recantos
do
planeta. Essas reportagens aproximam-nos, por meio de imagens descritivas funcionam
e
texto
como
acessível,
uma
de
compensação
culturas à
exóticas
e
impossibilidade
da
experiência direta. Joan Fontcuberta (2010), artista e teórico catalão, ao desenvolver uma reflexão acerca das possibilidades de criação de
verdade
segundo
o
por
meio
autor,
à
de
imagens
objetividade),
tecnológicas apresenta
(associadas,
o
“teorema
do
pato” a partir de uma discussão do caso Tasaday. Uma tribo descoberta nos anos 1970 em uma das ilhas do arquipélago das Filipinas, que supostamente vivia conforme o homem da Idade da Pedra. O caso tomou grandes proporções e foi veiculado por influentes
jornais
e
revistas,
como
a
própria
National
Geographic. Mais tarde, na década de 1980, descobriu-se que o caso era forjado. Uma edição da versão brasileira de 1972, desta
revista,
com
a
matéria
da
descoberta
é
apresentada
também na instalação Um mosaico misterioso, como um comentário direto
sobre
o
valor
de
verdade
implícito
em
determinados
sistemas, como o de comunicação e informação via periódicos. Nesse contexto, o teorema proposto por Fontcuberta (2010, p. 81) diz que “se nos deparamos com um animal que parece um pato, que têm penas como um pato, que nada como um pato e faz ‘quac-quac’
como
um
pato,
então
o
mais
provável
é
que
estejamos diante de um pato”. Esse princípio legitimador da evidência nas aparências, conforme explana o autor, fundamenta uma
parcela
imagens
considerável
disseminadas
documentários
entre
da
em
vida
cotidiana,
revistas,
tantos
outros
jornais,
meios
aos
por
meio
de
noticiários, quais
estamos
sujeitos. Em outras palavras, temos a tendência a crer que nossas representações correspondem a objetos reais, de forma que – espontaneamente – damos crédito ao que vemos, ouvimos ou imaginamos.
Também
cabe
notar
que
esses
sistemas,
além
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
de
235
REVISTA
APOTHEKE imagens, veiculam e veiculam-se por meio de relatos – textos ordenadores do cotidiano. Ao mesmo tempo em que colaboram para a construção e apreensão da realidade, também podem funcionar como ferramentas de manipulação, isto é, instrumentos que têm por
objetivo
induzir
o
receptor
da
mensagem
Um
mosaico
ao
engano
e,
portanto, ao erro. A
matéria,
igualmente
uma
manipulação, denota
na
instalação
construção
contudo,
modificação,
de
por
meio
outra
que
se
de
ordem.
dá
por
um
misterioso, procedimento
Nesta,
meio
da
a
é de
manipulação
supressão
e/ou
adição de informações e elementos, num procedimento similar ao da
fotomontagem,
conotação
a
anterior,
título neste
de
analogia.
caso
a
Diferentemente
manipulação
não
da
pretende
criar uma ilusão, tampouco induzir o receptor ao erro. Ao contrário, a simulação de um sistema (que se dá através da manipulação do conteúdo deste) tem a finalidade de produzir um efeito de realidade. Nesse sentido, a matéria científica como meio - desempenha o papel de um suporte através do qual um contexto científico ficcional é instaurado. O efeito de realidade, cuja eficiência depende da qualidade de execução da simulação formal, atua igualmente na sustentação da situação ficcional,
na
medida
em
que
favorece
a
imersão
no
mundo
registrado. Outro exemplo do procedimento de manipulação pode ser observado
no
cladograma³
30
que
insere
o
espécime
Homo
allotriensis em uma tradição de inventário e classificação dos hominídeos.
O
diagrama
original
pertence
a
Ian
Tattersal,
paleontólogo e curador emérito do American Museum of Natural History. da
A esquematização proposta por Tattersal, estudioso
evolução
humana,
ilustra
uma
hipótese
evolutiva,
um
³ 30 Cladograma (clado = ramo) é um diagrama (isto é, representação gráfica de determinados fenômenos) em que se destacam hipóteses filogenéticas (relações de parentesco) entre espécies, segundo preceitos da teoria evolutiva. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
236
REVISTA
APOTHEKE ordenamento possível entre uma série de outras configurações já
propostas
pelo
mesmo
autor.
As
relações
de
parentesco
ilustradas são elos muito frágeis, que sofrem abalos profundos a cada nova descoberta, sem que tenhamos a segurança de saber se algum dia poderemos traçar uma genealogia definitiva. Nesse informação, lugar,
é
esquema, é
a
espécie
subtraída
alocado
o
do
Homo
floriesensis,
cladograma
espécime
Homo
original
allotriensis,
enquanto
e, o
em
seu
qual
é
representado por meio da nomenclatura que lhe é atribuída e através
da
ilustração
do
perfil
de
seu
crânio.
Embora
H.
allotriensis seja uma representação ficcional que não encontra amparo em fatos reais, tampouco parece certo julgá-lo como fenômeno impossível. Isto se dá na ordem em que corresponde a todos aqueles espécimes em potência, que cedo ou tarde serão descobertos e alocados nessa sistemática flutuante ou aqueles que simplesmente jamais serão desenterrados. H. allotriensis expõe uma inevitável e incômoda lacuna em nosso passado.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
237
REVISTA
APOTHEKE Um mosaico misterioso, 2015. Detalhe da publicação matéria das páginas de revista (p. 18) que compõe a instalação. Acervo da artista.
Imagem objetiva: simulação e composição Durante elaboradas
o
processo
três
compreende
de
construção
ilustrações
perspectivas
de
da
científicas
crânio;
outra,
matéria,
foram
simuladas: dos
pés;
uma e
a
terceira representa estágios de desenvolvimento de um embrião. Estas imagens correspondem a um segundo laboratório destinado ao
estudo
e
desenvolvimento
de
um
modelo
de
representação
vinculada a um pensamento objetivo.
238
Um mosaico misterioso, 2015. Detalhe da publicação matéria nas páginas da revista (p. 16) que compõe a instalação. Acervo da artista.
A ilustração do feto partiu do interesse pela figuração humana e teve por referência central os estudos anatômicos de Leonardo
Da
Vinci
(1452-1519).
A
definição
de
um
anexo
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE embrionário anormal se dá por meio da inserção de um elemento que vinha sendo desenvolvido em paralelo a estes estudos. Isto é, a multiplicação em argila e cera de abelha, a partir de um molde de gesso, de um fruto conhecido - popularmente - como Pepino
africano
(Cucumis
metuliferus).
As
características
formais desse fruto, transformado em peça de argila, foram transferidas para o contexto da ilustração. As
representações
de
desenvolvimento
embrionário,
que
figuram nessa prancha, têm origem nos estudos de Ernst Haeckel (1834-1919),
biólogo,
naturalista
e
médico
alemão.
As
ilustrações comparativas deste (nas quais figuram diferentes estágios
evolutivos
de
embriões
de
peixe,
salamandra,
tartaruga, galinha, porco, vaca, coelho e homem) representam a ideia de que o ser humano, em seus estágios de desenvolvimento mais
iniciais,
compartilha
características
morfológicas
com
outros animais. Utilizadas a fim de ilustrar e promover a teoria darwiniana, as imagens de Haeckel desfrutaram por muito tempo do status de verdade. Já nos anos 1990, uma série de publicações científicas lançou duras críticas a elas, alegando sua falsificação e a má fé
de
seu
autor.
fundamentalmente, fotográficas
de
discrepâncias
As
na
acusações
comparação
embriões,
as
identificadas
estavam
entre
modernas
antigas
entre
baseadas, imagens
ilustrações
as
duas
e
as
linguagens.
Entretanto, análises mais recentes atentam para uma série de contra argumentos que devem ser levados em consideração ao se avaliar tais imagens. Segundo Robert Richards (2008), professor de história da ciência e da medicina, Haeckel possuía por destinatários a audiência
popular,
ilustrações também Charles
pode
têm ser
Darwin
não
viés
especializada,
didático
encontrado (1809-1882).
em
e
de
forma
esquemático.
ilustrações
Além
disso,
que
suas
Caráter
que
utilizadas
por
Haeckel
–
ainda
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
239
REVISTA
APOTHEKE conforme
Richards
(2008)
-
era
especializado
em
biologia
marinha. Por conseguinte, tomou emprestadas e adaptou muitas imagens
de
especialistas
em
biologia
de
vertebrados
para
produzir as ilustrações dos embriões. Procedimento este que Darwin reconheceu, igualmente, ter empregado. A partir deste caso específico, nota-se o emprego de procedimentos
construtivos
na
ciência,
que
não
dependem
unicamente da captação naturalista de um original. Mas que – além deste – apropriam-se de outras representações a fim de elaborar, sob uma perspectiva de montagem, um terceiro corpo imagético.
A
subordinada
representação a
um
na
discurso,
ciência
o
que
está
a
inevitavelmente
torna
suscetível
a
flutuações entre um status de veracidade e não veracidade, conforme ilustra o caso dos embriões de Haeckel. O uso da imagem fotográfica como instrumento de descrença da
imagem
manual,
como
o
desenho
e
a
gravura,
remonta
a
própria invenção da fotografia e o seu uso na produção de imagens
objetivas
na
ciência.
O
anatomista
alemão
Johannes
Sobbota (1869-1945), por exemplo, empregava a fotografia na captação
de
diversas
imagens,
que
reunidas
formavam
uma
espécie de mosaico da figura total. Em torno de duas a três imagens, captadas com todo o cuidado e preciosismo, prestando atenção
às
distâncias
entre
o
objeto
e
a
câmera
para
não
produzir nenhuma perturbação, eram utilizadas na elaboração do desenho. A imagem fotográfica, além de referência, servia como base para o julgamento do desenho. Essa estratégia, pensavase,
impossibilitaria
o
desenhista
de
realizar
alterações
subjetivas (DASTON,1992). Gradualmente, ainda que produzisse deformidades em termos de cor, nitidez e precisão, a imagem fotográfica tornou-se símbolo
de
neutralidade
e
verdade
detalhada,
porque
coloca
entre sujeito e objeto uma intermediação mecânica e, portanto, livre de julgamento idiossincrático. Em outras palavras, mesmo ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
240
REVISTA
APOTHEKE que
a
imagem
fotográfica
não
fosse
mais
verossímil
que
o
desenho e a gravura (e muitas vezes não o era), o que garantia a
autenticidade
era
a
crença
na
imagem
produzida
mecanicamente. As imagens, na arte e na ciência, compartilham nesse sentido determinados procedimentos construtivos. Ao passo que Sobbota, retomando o exemplo anterior, reunia de duas a três imagens
fotográficas
para
que
servissem
de
referência
à
constituição de uma imagem objetiva, a ilustração do embrião de
espécime
partir
da
H.
allotriensis
biologia
do
é
composto,
ornitorrinco,
do
essencialmente, espécime
de
a
pepino
Cucumis metuliferus, das ilustrações anatômicas de Leonardo Da Vinci e do estudo comparativo de embriões de Ernst Haeckel. Mas ambas constituem, antes de tudo, representações. E, mais além, representações descritivas. A diferença entre uma e outra se dá na medida em que a imagem
científica
objeto
que
se
(ideal
pretende
ou
característica)
rastreável
no
mundo,
representa
um
em
de
termos
semelhança biológica. A imagem fictícia, enquanto simulação de uma representação científica, expõe um objeto que se finge rastreável. É um corpo imaginário, cujo original se encontra fragmentado
e
tempos
serviram
que
monstruosidade.
disperso Em
nos
de
diversos
referência
suma,
uma
contextos, à
aparência
sua
suportes
construção.
através
da
qual
e
Uma um
universo ficcional se projeta. Considerações finais Em Um mosaico misterioso, os procedimentos de coleta de dados, modificação e montagem aparecem nítidos na produção da prancha ilustrativa do embrião do espécime Homo allotriensis. A recuperação de imagens antigas, como as pranchas de Haeckel, resulta
em
um
plano
descontextualizadas
–
de por
temporalidades meio
de
sobrepostas,
que
procedimentos
de
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
241
REVISTA
APOTHEKE modificação, reorganização e montagem – sugerem e instauram uma
conjuntura
diversa.
Um
cenário
composto
por
métodos
científicos (re)apresentados. Tarkovski (2010, p. 141) afirma
que a montagem
é um
procedimento presente “em todas as formas de arte, uma vez que é sempre necessário escolher e combinar os materiais com que se trabalha”. O autor segue, a partir de sua experiência com o cinema, definindo a montagem como combinação de peças maiores e
menores,
sendo
que
cada
uma
das
quais
porta
um
tempo
diverso. Montar refere-se, nesse sentido, a uma necessidade de dar forma, seja ao tempo ou ao espaço. Ou, no caso de Um mosaico misterioso, a necessidade de dar forma a uma situação ficcional
que
engloba
diversas
temporalidades
e
contextos
espaciais que transitam entre o aqui, o agora, o então e o alhures. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DASTON, Lorraine, GALISON, Peter. The Image of Objectivity. Representations. Special Issue: Seeing Science, University of California Press, v. 0, n. 40, pp. 81-128, outono/1992. FONTCUBERTA, Joan. O beijo de Judas: fotografia e verdade. Barcelona: Gustavo Gili, 2010. OLALQUIAGA, Celeste. Megalópolis: sensibilidades culturais contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel, 1998. RICHARDS, Robert J. Haeckel’s Embryos: fraud not proven. Biology & Philosophy, Springer Netherlands, v. 24, n. 1, pp. 147-154, janeiro/2009. Disponível em: <http://home.uchicago. edu/~rjr6/articles/Haeckel--fraud%20not%20proven.pdf> Acesso em: 26.11.2015. TARKOVSKIAEI, Andreaei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Martins Fontes, 2010. Daiana Schröpel, Mestranda em Poéticas Visuais pelo PPGAV/UFRGS desde 2014. Bacharel em Artes Visuais (2013) pelo Instituto de Artes/UFRGS. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
242
REVISTA
APOTHEKE THINKING IN THE MAKING: 3D DESIGNING AND PRINTING WITH YOUNG CHILDREN AND THE CREATION OF THRESHOLDS FOR LEARNING M. Cabral (Columbia University Teachers College - UNITED STATES) cabral2@tc.columbia.edu S. Justice (Columbia University Teachers College - UNITED STATES) justice@tc.columbia.edu Through the exploration of digital 3D design and printing with preschool aged children, this presentation investigates the use of this emerging technology as a medium and material for thinking. Through the observation of the ways in which preschool children interact with digital 3D design and printing, the researchers question the role of materials and techniques in learning and artistic development, and consider notions of agency, ownership, and creativity in the light of psychological theories of learning (Piaget, Gardner).
243 As educators, our level of comfort with different media often dictates
the
available
types
to
our
of
activities
students.
and
resources
Moreover
our
we
make
educational
expectations may be influenced not only by our experiences with specific materials, and by our familiarity with them, but also by our unquestioned adherence to techniques that were available to us as school children. As a result, this often means that beliefs about the pedagogical value of new tools and materials go unexamined. In this study, we explore digital materials,
particularly
digital
3D
design
and
printing,
as
examples of resources that are often overlooked in educational settings, especially with very young children. The development of preschool-aged children is often regarded to
occur
critique
in of
strictly that
linear
framework
is
and that
sequential it
imposes
stages.
One
pedagogical
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE ceilings as to the concepts that children in each stage are supposed to be able to understand. Consequently, it follows that learning experiences offered to students might be limited in their open-endedness and range of possibilities. This
paper
assumption concepts design
presents that
through and
an
children digital
printing.
exploratory are
capable
materials
The
study of
and
based
engaging
media,
researchers
on
the
complex
including
claim
that
3D
these
activities provide thresholds for learning that children can take ownership of, rather than stage-appropriate ceilings that inhibit expectations. The
researchers
attending
an
worked
Early
with
Childhood
a
group
Program
of
preschool
nested
in
a
children graduate
school of education in New York City. The children, girls and boys aged between 3 and 5 years old, have had many experiences with artmaking in different media and are used to work in small groups. Attending an early childhood center with a playbased curriculum where importance is given to each childâ&#x20AC;&#x2122;s interests, they are used to question the world around them in different ways and to have their voices being heard. keywords:
art
education,
early
childhood,
3d
designing
and
printing. Marta Cabral, Instructor Of Art & Art Education, Art for Classroom Teachers. Marta Cabral has been professionally teaching in classrooms and other settings for over 16 years. Having taught in Early Childhood, Elementary Education, and Graduate School levels, her rich and wide experiences as an educator allow her to relate to professionals in diverse contexts and different grade levels. Her many experiences as an educator (in America, Europe, and Asia) include classroom teaching; coordinating early childhood programs in early childhood and in art, for infants, toddlers, preschoolers, and kindergartners; and consultancy and training for educators and art educators. At Columbia Universityâ&#x20AC;&#x2122;s Teachers College, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
244
REVISTA
APOTHEKE Martaâ&#x20AC;&#x2122;s current experience in teaching and supervising future educators (both preK-12 art teachers, and general education early childhood teachers) provides her additional insights into professional development and possibilities of art integration in the core curriculum. Marta holds several degrees in education that have examined Early Childhood Education and Art Education, including Masters degrees in Art and Art Education, and in Educational Sciences. Some other academic degrees Marta holds include Elementary Education and Adult Education. She is currently undergoing doctoral studies at Columbia Universityâ&#x20AC;&#x2122;s Teachers College in the Interdisciplinary Studies Program, grounding herself and her work both in the Art and Art Education, and in the Early Childhood Education Programs. As an educator and a researcher, Marta regularly presents her work at national and international conferences, and has several publications in the field of education. Justice Sean, Instructor Ed.D.C.T. in Art Education. Teachers College, Columbia University. New York. (2015) Dissertation: Learning to Teach in the Digital Age: Digital Materiality and Paradigms in Schools. M.A. Studio Art, Photography. New York University & the International Center of Photography. New York. (1987) B.A. English Literature. Catholic University of America. Washington D.C. (1983)
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
245
REVISTA
APOTHEKE Água de moinho: práticas transformadoras em arte e pesquisa, modos de estar com o outro em trocas intensas, de ser fluxo Watermill: transformative practices in art and research, ways of being with each other in intense exchanges, to be flow Fátima Branquinho (Faculdade de Educação e do Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente da UERJ) Fátima Kzam (Instituto de Química da UERJ) Isabela Frade(Instituto de Artes da UERJ) Daniele Alves(PPGARTES/UERJ)
RESUMO: Esse artigo indica a possibilidade de realizarmos experiências transformadoras de educação ambiental, ciência e arte na formação de educadores e pesquisadores a partir da produção de conhecimento sobre a realidade. Trata-se de contribuir para pensarmos uma complexa rede que se estabelece em nossos espaços-lugares de ação educativa entre atores estado, academia, indústria, instituições não governamentais, comunidades, lideranças locais e os sujeitos coletivos - que produzem simultaneamente a vida e o conhecimento sobre a vida. A compreensão dessa trama implica experiências alternadas de realização de atividades nas comunidades da região carioca entre Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)e Mangueira. Misturando comunidade e universidade experienciamos um movimento de desierarquização do conhecimento e a conjunção das sensibilidades. Palavras chave: arte, ciência, vida, educação, hierarquia de saberes. Abstract: This article has the purpose to show the possibilities of some transformative experiences on environmental education by the subject of science and art aming the formation of educators and researchers. Trought critical reflection on the production of knowledge directly over reality, it contributes to reinforce the thought over the complex network that is developed in our educational activity spaces-places among different actors - state, academia, industry, non-governmental institutions, communities, local leaders and the collective subjects simultaneously productors of life and its knowledge. Understanding this web involves alternating ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
246
REVISTA
APOTHEKE experiences on conducting activities in between diferent cultural spaces as UERJ and Mangueira community, in Rio de Janeiro, Brasil. Mixing university and community, we experience non-hierarchized knowledge and sensibilities conjunction. keywords: art, cience, life, education, knowledge hierarchy. Chegamos
ao
I - Arte e vida Jardim pelo correr
das
coisas
mesmo,
simplesmente por seguir, adiante, sentindo o repuxo do mundo. As coisas a que nos referimos são processos vividos em um território conjunta
conquistado por
progressivo
pouco
muitas
a
pessoas,
adensamento.
A
pouco. um
Uma
obra
em
ação
enlace
de
corpos
nos
advém
pela
natureza
em sua
neutralidade própria combinada à sua complexidade semântica. Num campo verde que serve de terceiro termo (DERRIDA, 2001) para
que
uma
conjunção
social
se
dê.
Um
espaço
de
vida.
Animação social buscando espaço para acontecer. Arte de “nãoartistas”, ou “arte comum”, de todos, arte/vida se fazendo necessária: ferramenta para o existir em diálogo mais profundo com o mundo natural e social, um entrecruzar de sensibilidades múltiplas em formas livres. Em um momento onde o risco de vida é iminente (DANOWSKI e VIVEIROS
DE
ambientais
CASTRO,
“sem
2015),
volta”,
no
emocionados
pelos
envenenamento
das
desastres fontes,
da
contaminação dos solos, da proliferação do lixo, das chuvas ácidas
e
do
subsequentes
esgarçamentos desencontros
das dos
teias povos
bioenergéticas, e
comunidades,
dos das
sucessivas crises econômicas; nos dispomos a produzir um campo de abrigo a uma consciência pedagógica coletivizante que nasce pelas inteligências e sensibilidades em troca. Há que se reparar que os nossos espaços se revertem, se misturam, se inventam. Chamamos, em arte, de escultura social esse trabalho de gerar novas formas de organização; não se privilegia,
assim,
as
questões
visuais,
mas
formas
relacionais, potenciais dispositivos amplificadores que atuam ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
247
REVISTA
APOTHEKE como disparadores de novas conformações sociopolíticas: é essa nossa aventura no Jardim. Trata-se de abrir espaço para se estar junto, gerando novos campos relacionais (FRADE, 2012). Começamos em um monturo de lixo. Aconteceu de nos parecer assim como condição de servir para a produção de um lugar vazio,
pleno
de
possibilidades.
Uma
motivação
a
estar
em
companhia na produção desse espaço-tempo de liberdade. O Jardim nos trouxe uma condição rica de desdobramentos, de novas possibilidades e nos revelou novas dimensões na arte. Trouxe ainda o impulso para a reunião de outras áreas nesse experimento. Requisitou, para tanto, a ciência ambiental que se torna parceira desta empreitada acadêmica que se alia à biologia relacional complexa (MATURANA e VERDEN-ZOLLER, 2009), à antropologia da ciência (LATOUR, 2012) e das mobilidades (AUGÉ, 2014), à geografia social (YU-FU TAN, 2005), que vem se aliando à filosofia contemporânea da arte (GROYS, 2008, DIDIHUBERMAN 2014) e à teoria crítica da cultura (BOAVENTURA DOS SANTOS,
2006)
e
tantos
outros
pensamentos
e
teorias
que
fecundam esse pensamento sobre o jardim. Este mesmo um objeto (objeto/espaço)
de
arte
que
poderá
a
ser
fecundo
para
as
teorias transdisciplinares. Neste sentido, uma grande surpresa veio
se
somar
às
esperadas
relações
conceituais,
com
a
História da Arte (CAUQUELIN, 2007): o surpreendente encontro da teoria da desconstrução com a experiência da produção de um jardim, como foi o caso da (não)criação do Jardim e todo o pensamento da arquitetura que segue seu próprio deslocamento e vai
pensar
encontro”
nas (FUÃO,
praças, 2014,
nas
ruas
DOURADO,
como 2011),
“zonas e
de
nossas
espera
e
próprias
trajetórias sobre o feminismo e a arte da terra (FRADE, 2010) que se produzem em tramas conceituais por onde se pratica a pesquisa-ação Jardim da Tia Neuma[1], na Mangueira. Joseph Beuys em seu tratado sobre as plantas nos lança para mais além, trazendo ainda os aspectos espirituais de uma ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
248
REVISTA
APOTHEKE ação transformadora. Há uma alquimia profunda nesta investida, no que o artista identificava como um necessário processo de cura:
a
aproximação
processo
de
entre
síntese
da
arte
luz,
e
e
vida.
sua
A
planta,
estrutura
em
seu
replicante,
representa uma forma coletiva de relação proveitosa para cada indivíduo
da
espécie:
“O
importante
aqui,
não
é
a
figura
individual, mas o conjunto, o órgão que pode se desenvolver quando os indivíduos se contêm em benefício do todo.” (HARLAN, 2010, p.31) Os
processos
vitais
estão
conectados
com
essa
trama
infinita e delicadamente produzida pelo complexo energético que denominamos natureza. Mergulhar nessas teias é encarar as mais
complexas
entendimento,
articulações
ou,
como
nos
e
diz
aceitar Latour
(Op.
nosso Cit.),
parcial nossas
certezas provisórias. Por isso o trabalho coletivo, por isso o aporte colaborativo, por isso o abandono das fronteiras e das hierarquias. Todo saber tem lugar neste processo. Também no Jardim do Nêgo, em Nova Friburgo, na serra fluminense, aonde o artista esculpe o barro transformando-o em gente, em animais, em música, em literatura, em vida. O Nêgo (Geraldo Simplício) se alimenta do jardim que cultiva, neste ofício de escultor jardineiro,
cultivador
de
musgos
e
líquens.
As
esculturas
vivas na terra são sua energia, sua respiração. Um misto de educador
ambiental,
escultor,
Nêgo
mistura
arquiteto,
engenheiro,
encantamento,
técnica,
plantador, inspiração,
sonho, literatura e mitologia sem nunca ter frequentado os bancos escolares. (CONDURU, 1998)
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
249
REVISTA
APOTHEKE
Imagem 01: mãe e filha juntas produzem mudas nos pequenos recipientes produzidos pelas crianças da Creche Nação Mangueirense
A produção do Jardim envolve o reconhecimento de saberes da
própria
comunidade
pesquisador:
a
e
hierarquia
inquire dos
as
competências
saberes
muitas
vezes
do se
encontrou invertida e estamos aprendendo a “jardinar”. Aqui destacamos
o
imagem
mãe
1:
recipientes
aporte e
intergeracional
filha
produzidos
apresentado
juntas
produzem
mudas
pelas
crianças
da
acima,
nos
na
pequenos
Creche
Nação
Mangueirense.
II - Sobre a arte dos jardins e suas histórias: Permeando a história do homem, temos a forte presença de todo tipo de jardim, sendo este uma das primeiras formas de expressão na sua relação com a natureza. O termo jardim é amplo
e
absorve
entendimento
e
vários
criação
conceitos em
cada
de
acordo
cultura.
Na
com
o
seu
antiguidade,
geralmente estava relacionado à beleza, ao divino, à sedução e à fecundidade. Podemos retomar o Jardim do Éden, citado na Bíblia:
conforme
passagem
dessa
escritura,
Deus
planta
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
um
250
REVISTA
APOTHEKE jardim e o confia-o nas mãos do homem para que possa cuidar e guardar. Neste caso, o homem é representado por Adão e Eva e o Jardim do Éden como a referência imagética do paraíso. Neste mesmo sentido mítico do paraíso temos os jardins Ida-Varsha dos hindus, os bosques sagrados dos itálicos e os Eridus dos assírios. Os jardins suspensos da Babilônia são considerados os
mais
antigos,
datando
de
604
–
562
a.C.
Jardins
eram,
também, comumente ofertados aos deuses na Mesopotâmia. Temos os jardins presentes em muitas civilizações, como o Jardim Egípcio,
Persa,
Grego,
Romano,
Islâmico,
Renascentista,
Barroco, o romântico Inglês e já no século XV surgem os hortos botânicos (ALVES, ROCHA, 2014). No século XVIII observa-se a prática do restauro de alguns jardins antigos (BERJMAN, 2011) e, à medida que as cidades foram se expandindo, surgiram os jardins privados e as praças e passeios públicos dos séculos XIX e XX. Nesta trajetória, vários
documentos
conservação
de
foram
áreas
lançados
verdes,
em
como
defesa exemplo,
da a
proteção
e
Declaração
Internacional de Direitos à Memória da Terra, de 1991, e a Carta de Bagé, de 2007, denominada Carta da Paisagem Cultural, a qual abordou, de maneira pioneira, a relação do homem com a natureza aplicada à realidade nacional[4]. Segundo seu Artigo 2, paisagem cultural: é o meio natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todas os testemunhos resultantes da interação do homem com a natureza e, reciprocamente, da natureza com homem, passíveis de leituras espaciais e temporais. (CARTA DE BAGÉ, 2007)
Além da Declaração de Foz do Iguaçu, também conhecida como Carta do Espírito dos Lugares, lançada em 2008 pelo ICOMOS, e a Carta Colombiana da Paisagem, lançada em 2010 pela Sociedade Colombiana Associação
de
Arquitetos
Brasileira
de
Paisagistas, Arquitetos
no
mesmo
Paisagistas
ano
publica
Carta Brasileira da Paisagem: ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
a a
251
REVISTA
APOTHEKE Reestruturação de paisagens urbanas degradadas de modo integrado, como propulsores de novas dinâmicas: urbanas, sociais, culturais, biofísicas e econômicas, e de melhoria do quadro de vida da população. (CARTA BRASILEIRA DA PAISAGEM, 2010)
Neste longo caminho, os diferentes jardins, cada um com suas peculiaridades, das mais diversas culturas, entraram para a
história,
sendo
geralmente,
às
considerados
moradias
grandes
importantes
monumentos
ou
a
fatos
ligados,
históricos
memoráveis. Um passo importante para o desenvolvimento deste campo
foi,
segundo
Berjman
(Op.
cit.),
a
confluência
de
disciplinas como a antropologia, a geografia e o urbanismo, as quais,
no
decorrer
do
século
XIX,
passaram
a
perceber
a
paisagem com um conceito holístico, considerando as relações da natureza com o homem e suas implicações sociais. Após
algumas
questões
sobre
o
universo
temático
dos
jardins e pelo caminho de crescente inserção e valorização de determinadas áreas verdes enquanto patrimônio, focamos agora nas possibilidades de abordagem e nos instrumentos disponíveis para a criação de jardins comunitários, prática crescente em nossas cidades do Século XXI, seja aqui no Brasil ou em outra metrópole do exterior. Podemos dizer que o reconhecimento da questão dos jardins como espaço lúdico está diretamente ligado ao fato de serem percebidos de forma integral. Sua essência na natureza
passa
identidade
do
a
estar
conectada
território
que
também
ocupa,
ao
universo
agregando,
assim,
da a
questão histórico-cultural que sua preservação necessita. Como tudo
na
natureza,
renovação
e
os
jardins
deterioração.
possuem
Porém,
no
um
intenso caso
dos
ciclo
de
jardins
comunitários, a intenção passa a ser preservar o espaço de uma determinada forma contínua na inter-relação entre vizinhos e visitantes. exigem
Por isso, o desafio dos jardins comunitários que
medidas
comprometidas
de
todos
com
sua
manutenção,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
252
REVISTA
APOTHEKE planejamento e manejo. Há também uma nova história surgindo aqui.
253
Imagem 2
Uma bela experiência botânica pode ser evocada no jogo infantil (Imagem 2): - Que é mais doce que o pé de batata doce? O pé de batata doce plantado por moradores na Rua Icaraí se
espalhava
em
ondas
verdes,
inundando
todo
o
platô
e
continha outra experiência doce: O jogo de amarelinha começou a fazer parte das brincadeiras diárias e, nesta escadaria, uma pequena praça começou a ressurgir. Como último plano nesta paisagem de afetos, pés de feijão, milho, capim limão, couve e chuchu se sucederam na conformação de um campo de experiências comuns.
III - Vida de pesquisador: sistematizando uma contribuição científica na formação de educadores ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE O que sustenta a realização das práticas transformadoras as
quais
nos
referimos?
São
seis
as
noções-chave
que
consideramos, nos ajudam a pensar como fazer pesquisa, como construir
conhecimento
sobre
a
realidade
e,
especialmente,
como agir no sentido de realizar práticas transformadoras. No trabalho em desenvolvimento, a ficção da arte e a verificação científica são ambas válidas. A imaginação e a realidade se mesclam,
implicam-se
mutuamente.
absorvida
nestes
sentidos,
dois
Qualquer
como
experiência
ciência
e
como
é
arte,
entendida como dois lados da vida, sendo estes um só. Nesse sentido, ambas, ciência e arte, comprometem-se no envolvimento com a comunidade de moradores da Rua Icaraí, na Zona Buraco Quente, na Mangueira, Rio de Janeiro. Um pequeno jardim, como projeto
coletivo,
é
ensejado
envolvendo
a
Creche
Municipal
Nação Mangueirense. Na entrada da escola, o espaço “entre”, estabelecido como lugar mediador entre escola, comunidade e universidade. A
254
primeira
noção-chave,
já
mencionada,
é
a
desierarquização de saberes, onde vale a palavra de todos. A pesquisa e a prática relacional a ela atrelada – são traduções do desconforto interno do que queremos ver transformado: a supremacia de algum tipo de saber sobre outro. O que fazer de tanta sabedoria e conhecimento daqueles com quem trabalhamos – os
participantes
humanos)
e
sua
dos
projetos,
presença
os
sujeitos
filtrada
pelos
(humanos
e
relatos
não dos
pesquisadores – e que não estão contemplados na academia? Como é possível ignorar seu modo de lidar com a natureza, de cuidar da saúde, de explicar o céu, a terra, o mar? Como, abandonando algum
modismo
pedagógico,
poderíamos
considerar
a
noção
segundo a qual educar é partir do conhecimento já vivido para elevar esse patamar de conhecimento sobre a realidade até o conhecimento científico? Acreditamos que há nexos, conexões, pontes, elementos de travessia que possibilitam contato entre ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE universos
cognitivos;
tradicionais/populares
promover e
diálogos
saberes
entre
científicos
saberes
nos
permite
afirmar que vivemos em um mesmo mundo comum. O que de um conjunto de conhecimentos ressoa no outro? Há uma circularidade, como não reconhecer?! (BRANQUINHO, 2007) Mas, para além deste reconhecimento e da importância que o conhecimento tradicional tem para alguns setores e espaços da vida
de
todos
-
vida
acadêmica
ou
não
-
ainda
é
preciso
colaborar para a admissão dessa circularidade e importância desse conhecimento não científico na academia. Afinal, quais noções podem ser reunidas, no fazer da pesquisa e da docência em arte e em ciência, para fortalecer o argumento definitivo sobre o fato das diferenças que existem entre saberes, por si só, não justificarem hierarquização? Esse argumento precisa ser forte, ser sólido e precisa falar
a
linguagem
da
ciência,
passando
por
dentro
dela,
utilizando seus próprios elementos e sua lógica. Quando LeviStrauss
(1989)
escreve
“O
pensamento
selvagem”
afirma
que
mesmo os grupos que não tem a ciência como instrumento de leitura
do
mundo,
tal
como
a
conhecemos
hoje,
possuem
um
conhecimento que tem valor: a ciência do concreto. Afinal, para Levi-Strauss (Op. Cit), o processo de classificar está na base de todo pensamento. Mas, algo de “selvagem” ainda estava presente, assim, ainda não nos sentimos convencidos. Quando Latour
(1994)
publica
“Jamais
fomos
modernos:
ensaio
de
antropologia simétrica”, algo ressoa um pouco mais definitivo para a reunião de algumas noções que nos ajudam a construir o argumento da desierarquização entre saberes, tão cara para os diálogos
entre
a
ciência
e
a
arte.
Tais
noções,
ao
mesmo
tempo, estranhas e familiares podem ajudar na compreensão do mundo comum a todos nós, que parece partido, pouco inteligível quando se trata de olhar para redes de saberes que trançam visão de mundo e modos de vida e trabalho. Com elas, passamos ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
255
REVISTA
APOTHEKE a operar no universo das plantas e dos saberes que nelas se investem. Com as ferramentas desse referencial teórico, onde se
destaca
desdobra
Latour
sobre
(Op.
o
Cit),
a
teoria
conhecimento
em
ator-rede,
termos
que
se
completamente
práticos. Uma segunda noção que nos convoca a ser pensada é a noção de
tempo.
Assim
como
encontramos
na
negação
do
moderno
(LATOUR, Op. Cit). Um grupo de dança e canto de Capivari, Vale do
Jequitinhonha,
é
exemplo
vivo
disso,
quando,
em
uma
apresentação, a dirigente informa o nome do grupo e o explica: Quatro gerações, não porque existimos há quatro gerações… nem sei há quantas gerações fazemos esse trabalho! Quatro gerações, porque temos sempre no palco crianças, jovens, adultos e idosos cantando e dançando a nossa arte!
Assim se produzem as esculturas na terra já mencionadas no Jardim do Nêgo, aonde, nas palavras de Conduru (Op. Cit., s/p), no imaginário dominado pelo artista, confluem diversos tempos e culturas, estando presentes desde temas sacros (o presépio) até motivos profanos (a nega fulô), desde problemas contemporâneos e locais (os retirantes) até questões ancestrais e universais (a mulher e a serpente, entre outros seres e animais).
Essa mesma ideia está no Almanaque Toda Oficina da Vida, escrito por Nogueira (2008), quando ela nos diz que nem sempre se registrou o tempo como hoje, e complementa Latour (Op. Cit., p. 32): Tal fato reitera a universalidade da condição humana que busca grandes referências – recortes de tempo – que possam integrar diversos grupos sociais em um movimento de aproximação que, simultaneamente, resguarde as marcas de suas especificidades…
Os saberes sobre as plantas medicinais (BRANQUINHO, 2007) também
revela
a
possibilidade
de
assumir
a
mesma
postura
diante do tempo quando buscamos o que ressoa da fala de uma erveira na fala de uma pesquisadora do campo da botânica. Quando
perguntada
sobre
como
ela
sabe
se
uma
planta
é
medicinal, a erveira afirma: “Todas elas curam algo... se não prestamos atenção nelas, não sabemos para que serve”... E, a pesquisadora identificar
diz: para
“nossa que
tecnologia
serve
seu
ainda
principio
não
nos
ativo,
permitiu mas
toda
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
256
REVISTA
APOTHEKE planta é medicinal em si mesma, nós é que ainda não sabemos”. No ensaio sobre a ciência das qualidades, Capra (2011, p.43) destaca uma expressão explicita dessa visão sobre o que é conhecer, presente em Leonardo Da Vinci: As virtudes das ervas, das pedras e das plantas não existem porque os homens não as tenham conhecido (...). Mas, diremos que essas ervas permanecem nobres em si mesmas sem a ajuda das línguas e das letras humanas.
A postura epistemológica que rejeita a noção de tempo como seta irreversível – progresso ou decadência – tem uma consequência Stengers
sobre
(2013),
no
a
pesquisa, livro
“Uma
sobre
o
ato
outra
ciência
de
pesquisar.
é
possível”,
sugere uma reflexão sobre o tempo da pesquisa, traz a noção de uma desaceleração da ciência, pede para irmos mais devagar, um mais devagar teórico, tal e qual nos lembra Nogueira (Op. Cit.), na obra já citada, sobre a postura do sertanejo - que combina
real
e
imaginário,
razão
e
desrazão,
natureza
e
cultura, em um exercício estranho e contundente de conexão de saberes e interdependência de noções. Seus estudos indicam que é
preciso
observar
construirmos
um
mais,
perceber
conhecimento
sobre
mais, a
hesitar
realidade
mais que
ao nos
interessa compreender. Essa terceira noção - de desaceleração - não é, assim, apenas temporal. Isso significa dizer que os grupos
de
pesquisa
devem
ser
experimentais:
seus
objetivos
existem mas de forma difusa, permitindo que as coisas vão surgindo a partir de observação bastante atenta, intensa. Mol (2005) chama isso de política ontológica: tal política tira o pesquisador do lugar daquele que sabe e ele passa a se sentar no lugar de experimentador, do que não tem pressa, do que não queima etapas, não está preocupado com as metas que tem que atingir; o pesquisador vai para o lugar daquele que não deixa que os fatos o levem tão rapidamente para uma conclusão. Nessa situação, a proposta de verdade científica está à frente, é uma possibilidade, não há garantia de que vai dar certo.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
257
REVISTA
APOTHEKE Assim,
a
teoria
ator-rede,
como
ferramenta
prática,
indica a quarta noção: que é preciso ser experimental; buscar, tentar, observar, e a realidade estudada vai emergindo por meio
das
mediações
e
processos
que
vamos
identificando
ao
seguir os atores do cotidiano, nos processos, nas ações que praticam,
naquilo
que
“fazem-fazer”.
Tais
reflexões
nos
levaram a compreender uma questão que está bem formulada no estudo
intitulado
Latour(2012). palavra
“Reagregando
Afinal,
“social”
o
que
quando
é
o
Social”
social?
associada
O
às
escrito
que
por
significa
expressões
a
“fator
social”, “contexto social”, “psicologia social”? Esse “social” explica alguma coisa? No âmbito da teoria ator rede, não. Social é o que precisa ser explicado. Na prática da pesquisa, o que isso significa? Significa abordar o social mais com perguntas/questões
do
que
com
categorias
prontas
(quarta
noção), um pouco às avessas, um pouco no feminino, como Manoel de
Barros
(2003,
p.09)
faz
ao
escrever,
por
exemplo,
O
Apanhador de Desperdícios: Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que as dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso.
Gostaríamos
de
sublinhar
algo
sobre
a
construção
do
conhecimento sobre a realidade que defendemos nesse artigo: ter
menos
certezas,
menos
hipóteses,
antecipar
menos
os
resultados não significa deixar de ser ético ou ser descuidado com a metodologia da pesquisa. Apenas, o que queremos dizer, é que o excesso de conhecimento prévio atrapalha a pesquisa. Se antecipamos
tudo
o
que
pode
ser
visto,
tiramos
o
sabor,
inviabilizamos a investigação. Por isso, é saudável para o processo de construção de conhecimento sobre a realidade, não determinar, a priori, como as coisas devem ser. Afinal, esse ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
258
REVISTA
APOTHEKE lugar determinado a priori é um lugar de oposição entre visões de mundo – justo do que nós aqui queremos escapar. Então, na prática, qual é a estratégia para explicar o social, esse nosso mundo comum e reconhecer os diálogos nas diferenças? A
teoria
ator-rede
diz
“Siga
os
atores,
descreva
as
associações”. E, nós aprendemos que isso é tão simples quanto difícil e poderoso, pois implica considerar o papel dos não humanos,
considerar
associações,
que
produzem
eles
têm
associações;
agências,
isso
é
provocam
muito
poderoso:
traduz o que Boff (2009) nos explica e define como “crise ecológica” e que permite compreender a Terra como sujeito para além de objeto explorado tal como são os pobres, sujeitosobjetos.
A
emblemática
noção da
de
crise
crise
do
ecológica
paradigma
de
Boff
ocidental
(Op. de
cit.)
é
influência
platônica e que nos desafia a superar os abismos dualistas de toda
ordem:
natureza-cultura,
conceitos-contextos,
corpo-alma,
fatos-valores,
racional-sensível,
ciência-arte.
Dentre
as
noções que queremos compartilhar, essa é mais uma, portanto, que nos ajuda a construir o argumento sobre a existência do que ressoa do saber tradicional/popular no saber científico e vice versa, argumento que fortalece a não-hierarquização entre eles.
Como
nos
propõe
Alves
(2010)
ao
discorrer
sobre
as
razões da pesquisa nos/dos/com os cotidianos. III.1 - Fazer ciência, fazer vida, fazer arte Revisitamos o caso de pesquisa com ceramistas fluminenses que reiteram que “a cerâmica fala numa interação silenciosa”. Mas, para interpretar e dialogar com o barro, é necessário “estar disponível”. A transformação não é somente do barro pelo homem, mas também do homem que aprende a partir desse objeto – quase-sujeito (BRANQUINHO, LACERDA, COSTA, 2013). Afinal,
as
ciências
e
as
técnicas
são
plenas
de
não
humanos imersos em nossa vida comum; do celular, que parece ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
259
REVISTA
APOTHEKE alterar
as
distância,
noções mostra
de
tempo
algo
e
de
espaço; nós
ao
mesmos.
satélite Do
que,
à
dispositivo
hospitalar que mantém a vida no limite ao DNA que indica a paternidade de uma criança (e que o faz no lugar da mãe, antes o ser mais autorizado para indicar quem é esse pai…). Trata-se assim de uma ferramenta poderosa por fazer pensar que uma parte da nossa humanidade é feita da inumanidade dos objetos tal e qual acontece nas sociedades que não possuem a ciência como instrumento de leitura do mundo, um pouco na contra mão do que sugeriu Levi-Strauss (1989). Não são os outros – os donos do pensamento selvagem – que se equiparam a nós por terem um tipo de ciência, a ciência do concreto, porque a capacidade de classificar está na base de todo pensamento. Somos nós que, apesar da ciência tentar separar o objeto do sujeito, a natureza da cultura, permanecemos misturando-os. Considerando que essa interdependência é ontológica, essa noção
nos
ajuda
a
pensar
um
mundo
mais
democrático.
Concordarmos com a noção segundo a qual a possibilidade do fim da guerra no mundo pode estar associada ao fim da guerra de mundos, como a que é travada entre o mundo da Ciência e o mundo dos saberes tradicionais. Quem sabe, não poderemos ir substituindo a noção de conflito pela de controvérsia, bem mais lúdica, construtiva e espontânea? Temos cientifica
que e
“primitivas”,
reconhecer, técnica somos
–
tecidos
portanto, tal na
como
que
nós
as
sociedades
heterogeneidade
–
sociedade ditas
humano-não-
humano e, diante dessa noção de interdependência, refazemos a pergunta: o que é humano? O que conta como humano? E o que isso conta na nossa humanidade? Essas são, sim, perguntas que nos ajudam a pensar a composição de um mundo comum a todos, mais democrático. É diante dessa noção de interdependência que afirmamos que as plantas, que os jardins nos humanizam.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
260
REVISTA
APOTHEKE Saramago entre
(2005,
humano
e
p.152-53)
não-humano,
traduz
a
indissociabilidade
brilhantemente,
em
A
Caverna,
quando na fala de Cipriano Algor, nos diz: Ia medir-se com o barro, levantar os pesos e os alteres de um reaprender novo, refazer a mão entorpecida, modelar umas quantas figuras de ensaio que não sejam declaradamente, nem bobos nem palhaços, nem esquimós, nem enfermeiras, nem assírios nem mandarins, figuras de qualquer pessoa, homem ou mulher, jovem ou velha, olhando-as pudesse dizer, Parecem-se comigo. E talvez que uma dessas pessoas, mulher ou homem, velha ou jovem, pelo gosto e talvez a vaidade de levar para casa uma representação tão fiel da imagem que de si própria tem, venha à olaria e pergunte a Cipriano Algor quanto custa aquela figura de além, e Cipriano Algor dirá que essa não está para venda, e a pessoa perguntará o porquê, e ele responderá, Porque sou eu.
Isso
significa
dizer
que,
com
esses
operadores
cognitivos, confirmamos o que autores de diferentes matizes teóricos dizem sobre o fato da nossa sociedade científica e técnica
não
se
encaixar
na
dicotomia
natureza-sociedade.
Praticamos o duvidar das fronteiras e hierarquias, a revisão da noção de tempo, a observação da realidade bem devagar, degustando-a,
seguindo
os
atores
que
fazem-fazer,
sem
categorias prévias, – independentemente se são humanos ou não –; ou seja, redesenhando as fronteiras entre humano e não humano: podem
esses
são
contribuir
dicotomias
procedimentos para
do
natural/sobrenatural, popular/cientifico, vida/não
vida,
desfazer
nosso
teórico-metodológicos como
absolutas
cotidiano:
ciência/arte…
e
nos
outras
corpo/alma,
racional/sensível, sagrado/profano,
que
fato/contexto, ocidente/oriente,
ajudar
a
substituir
conflitos, às vezes corporais, por controvérsias, prazerosas conversas. No
fim
de
tudo,
há
um
grande
aprendizado
político:
aceitamos o convite transgressor de Manoel de Barros (1996), quando nos diz que “é preciso transver o mundo”. O resultado dessa transgressão diz que faz sentido formular a questão: será que humano em nossa sociedade científica e técnica não pode
ser
o
efeito
dessa
heterogeneidade?
Provisório,
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
261
REVISTA
APOTHEKE inconstante,
incerto,
indeterminado,
híbrido.
Será
que,
-
assumindo esses procedimentos de pesquisa -, não ajudamos a ciência a se reapresentar diferente frente aos outros saberes? Será
que
isso
nos
ajuda
a
construir
práticas
educativas
transformadoras? A
escolha
pela
postura
epistemológica
descrita
nesse
artigo é eminentemente política. Há, para nós, mais uma razão para a teoria ator-rede ser tão poderosa para nos ajudar a defender a desierarquização entre saberes. Está presente uma pegada da pesquisa, trazida nos anos 80, por Mol (2005), por Haraway(2003), que é a questão do cuidado, o modo como se constrói o olhar, pesquisa que se faz pela proximidade, pelo vínculo e não pelo distanciamento, pensando a pesquisa que se faz “com” e não “sobre” o outro... Não é assim tão evidente o que está incluído nesse com. Do que ele é tecido? É preciso hesitar, ir devagar. E, talvez aceitar mais um
convite de
Manoel de Barros (1996, p.73), quando diz no texto Livro sobre nada: Os outros: o melhor de mim, sou eles! Esse enfoque antropológico - o que o Outro mostra de mim? - associado à noção de cuidado, ao pesquisar com e não sobre o Outro
–
é
muito
característico
capturar
a
complexidade,
um
de
olhar
um
olhar
grande
em
que
pretende
generosidade,
percepção, sensibilidade e cuidado com aquilo que se estuda. Sabemos
que
trazer
esse
tipo
de
narrativa
para
o
espaço
acadêmico também é fato político, já que nossos relatos também são
desafios,
campo
de
experimentação.
O
relato
científico
também reverbera na rede, também é parceria, também é ator. Afinal, isso que chamamos de mundo são versões, a pesquisa também
produz
mundos.
Assim
é
que
se
aproxima
Suscitamos então, pela imagem 3, a indagação:
-
da
arte.
Ah... O que o
sorriso da jovem pesquisadora pode validar?
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
262
REVISTA
APOTHEKE
Imagem 3 - Arquivo da Pequisa
IV - Reflexões finais - troca de saberes e produção de espaços relacionais: Em nosso projeto, as atividades se disseminam por nova frente: neste momento estamos iniciando um pequeno "berçário" de plantas medicinais no Centro Social da Candelária, nova zona a ser dinamizada na Mangueira. Ali nos localizamos na “Praça dos Idosos”, em oficinas de argila, crianças e idosos vão interagindo nesta nova plataforma de criação. Esperando seguir com a dispersão desses focos de ação em que ciência e arte se entrelaçam na defesa da vida. Pouco a pouco, lidando com
espaços
de
convivência,
aprofundando,
expandindo-os.
Crianças e idosos interagindo em uma nova frente de ação. Esperando seguir com a dispersão desses focos de ação em que ciência e arte se entrelaçam na defesa da vida. Pouco a pouco, lidando com espaços de compartilhamento. Nesse território onde as formas se equivalem (GROYS, 2008) e se somam em um projeto maior, indeterminado e efêmero - nessa equidade em que não se homogeneízam, mas se colocam em valores contíguos através da relação;
ali
onde
todos
podem
encontrar
o
seu
modo
pertencimento.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
de
263
REVISTA
APOTHEKE Cercados pela violência, seja policial, seja do tráfico, vamos ocupando com a força neutra e fecunda dos canteiros e discutindo
ambiente,
saúde,
beleza.
O
jardim
inaugura
um
espaço de contemplação de nós mesmos, é uma fresta de vida, onde
a
vigência
da
natureza
se
instala
no
interior
da
comunidade. Ali se busca fortalecer, eminentemente, um espaço de
convivência,
de
jogo
ou
repouso.
Um
campo
de
práticas
artísticas e científicas integradas para afirmar o estado de liberdade. Estamos a produzir o Jardim da Tia Neuma como um mundominiatura(CAUQUELIN, 2007); nosso pequeno universo (alma do mundo) que habita este jardim onde, quem sabe, terá lugar para um plano de recomeço de vida, de retomada do existir, uma vida voltada para o nosso próprio bem-estar; um mundo mais que plural, comum. Uma pequenina porção do Paraíso - espaço da Utopia - Utopos - que é para nós esse lugar sem regra, sem dono,
sem
divisões
e
sem
a
“árvore
do
saber”.
Temos
as
conversas sobre o capim radicante, rasteiro, e seus grilos, que
aprendemos
abóboras
e
a
todas
respeitar. as
forças
Temos
as
que
nos
batatas
doces
conseguem
e
as
conjugar.
Recolhemos as sementes do milho que vamos plantar em julho e esperar
o
ano
virar.
E,
depois,
quando
o
sol
estourar
no
próximo verão, ir colher as narrativas deste processo. BIBLIOGRAFIA ALVES, Nilda. Sobre as razões das pesquisas nos/dos/com os cotidianos. In: Garcia, RL, organizadora. Diálogos cotidianos. Petrópolis/RJ: DP et Alii/FAPERJ; 2010. p.67-82. ALVES, Daniele. ROCHA, Luisa. Jardins Históricos da Chácara da Hera: Um espaço de relações e experiências. In: 3º Colóquio Ibero-Americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto. Belo Horizonte, 2014. Disponível em: <http://www.forumpatrimonio.com.br/paisagem2014/artigos/pdf/18 4.pdf>. Acesso em: 10 out. 2015. AUGÉ, Marc. O Antropólogo e o mundo global. Petrópolis, Editora Vozes, 2014. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
264
REVISTA
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265
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Fátima Branquinho - Graduada em Licenciatura em Biologia/Uerj, com Mestrado em Educação/IESAE-FGV e Doutorado em Ciências Sociais/Unicamp. É Profa Associada da Faculdade de Educação e do Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente da Uerj. Coordena projetos de extensão e de pesquisa com apoio FAPERJ/Cientista do Nosso Estado. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Fátima Kzam - Graduada em Licenciatura em Química e Engenharia Química, com Mestrado em Tecnologia de Processos Bioquímicos e Doutorado em Ciências do Meio Ambiente. É Profa Adjunta do Instituto de Química da UERJ atuando nos seguintes temas: educação em ciências, educação ambiental, formação de professores. Pós-Doutoranda do PROPED/UERJ. Isabela Frade - artista e educadora, professora associada do Instituto de Artes da UERJ. Líder do GP- CNPQ Observatório de Comunicação Estética e coordenadora do projeto Terra Doce; tem pesquisado arte pública, espaços relacionais e formas de saberes comunais. É PROCIENTISTA FAPERJ. Daniele Alves - arte educadora e museóloga. Doutoranda em artes do PPGARTES/UERJ, membro do Grupo de Pesquisa Observatório de Comunicação Estética. Bolsista FAPERJ.
267
[1]
Tia Neuma, Neuma Gonçalves da Silva, mesmo depois de sua morte, em 2000, com a idade de 78 anos, é figura de referência como matriarca mangueirense e ainda muito querida, pois fez muito pela comunidade: abriu duas creches e uma escola ainda em funcionamento. O chamado de “Tia” substitui o “Dona” que muitas senhoras recebem entre eles pela sua atitude carinhosa e protetora. Além de pessoa bondosa e prestativa, era festeira: foi fundadora da ala das baianas na escola de samba.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
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NOTAS SOBRE EXPERIÊNCIA ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Apontamentos e paralelos entre dois textos: "Ter uma experiência" de John Dewey e "Notas sobre a experiência e o saber sobre experiência" de Jorge Larrosa Bondía Daniela Almeida Moreira Esse texto propõe traçar
um
paralelo de observações e
destaques referentes a proposição teórica sobre o conceito de experiência apresentada por Larrosa e Dewey. A partir da reflexão do presente referencial teórico o objetivo é realizar um exercício de síntese sobre o que constitui o fenômeno da experiência e sua importância para o estudo da pintura.
A reflexão sobre o conceito de "experiência" pode partir do
significado
da
palavra
fenômeno.
O
dicionário
Aulete
apresenta um verbete com o significado e acepções referente a essa
palavra.
desencadeado
O
na
fenômeno
é
um
fato,
acontecimento
forma de processo passível de
observação,
seja advindo da natureza ou de ordem social, que tem caráter raro e extraordinário. Iniciar proposto
por
a
reflexão Larrosa
sobre
e
Dewey
o
sentido
de
"experiência"
a partir do significado do
"fenômeno" é importante para o distanciamento das possíveis pré-concepções e repertório de referências pessoais que cada um dispõe a respeito do conceito. Sendo assim, entende-se a "experiência" como um evento com dinâmica própria e qualidade excepcional. Dewey
(2010.
experiência" atrelada
a
como vida
p.
109; uma
capaz
110)
inicia
ocorrência de
produz
a
que
reflexão tem
intenção
sobre
"
continuidade e
consciência
sobre o fato ocorrido. As "experiências" podem ser ordinárias e singulares que se distinguem
da realização de algo que
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REVISTA
APOTHEKE conclui
e
do
encerra.
evento
Larrosa
"experiência"
autossuficiente
(2002.
como
algo
p.
que
que
21)
sucede
cessa
parte e
e
da
tem
não
se
ideia
efeito
de
sobre
o
indivíduo. Faz a diferenciação entre a "experiência" fruto dos
acontecimentos
diários
e
aquela
que
se
configura
em
acontecimento que incide e nos afeta. Entender diárias
do
propriedade
a
diferença
indivíduo o
da
é
conceito
qualidade
das
importante
para
apresentado
do
experiências
compreender ponto
de
com vista
dos autores. Portanto, são muitos os eventos no nosso cotidiano mas alguns são eventos singulares que produzem uma suspensão em relação (2010. como
ao p.
um
repleto
plano 111)
A
das
coisas
experiência
ordinárias. singular
"ela
memorial duradouro (...)". O de
acontecimentos
mas
alguns
Segundo Dewey se
destaca
nosso dia a dia é exercem
atração
sob
nossos sentidos e sensibilidade.
270
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção (...) requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar (...). (LARROSA, 2002. p. 24) São
duas
perspectivas
do
conceito
apontadas
pelos
autores. Um ponto de vista, situa a experiência como evento de qualidades peculiares diferenciadas em relação aos outros eventos e o outro ponto de vista, situa a experiência acontecimentos
entre
que se destacam por impactar nossos sentidos
para aquilo que nos sucede. É importante também compreender os impedimentos para o acontecimento de experiências particulares e significativas ao indivíduo. Para Dewey (2010. p. 117) os fatores monotonia, abstinência, submissão e estreiteza das convenções impedem a experiência de experiência
atingir tem
sua
movimento
unidade,
uma
gradativo
em
vez direção
que, a
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a sua
REVISTA
APOTHEKE cessação. Segundo Larrosa (2002) os fatores que cooperam para que a experiência seja cada vez mais rara é o excesso de informação, de opinião, de trabalho e falta de tempo. Esses quatro
elementos
indivíduo
produzem
convencido
de
a sua
agitação
e
capacidade
a
aceleração
do
de
controlar
os
eventos a sua volta. O sujeito moderno, além de ser um sujeito informado que opina, além de estar permanentemente agitado e em movimento, é um ser que trabalha, quer dizer, que pretende conformar o mundo, tanto o mundo “natural” quanto o mundo “social” e “humano”, tanto a “natureza externa” quanto a “natureza interna”, segundo seu saber, seu poder e sua vontade. (LARROSA, 2002. p.24) A partir dessas pontuações, esse texto tem sua continuidade com
ponderações
sobre
a
importância
do
conceito
de
"experiência" para o estudo pessoal da pintura. Nesse texto o estudo da pintura é entendido como o desenvolvimento de um processo pesquisa,
onde a
se
identifica
elaboração
da
o
objeto
de
construção
da
interesse paleta
para e
da
composição do plano pictórico. O desenvolvimento do trabalho requer a maturação de proposições e também de procedimentos de execução. Entende-se que a constituição metodológica do estudo e de
do
trabalho
consolida
uma
pintura
com
força
sua expressão.
A ideia de força se refere a potência do impulso criador e a relação da proposição com a vida.
Esse diálogo
permite a
apropriação da qualidade da experiência para o trabalho de pintura seja ele biográfico ou não biográfico. A compreensão do conceito de experiência serve como subsídio para reflexão sobre os elementos com potencial de se tornarem objeto de estudo da pintura. O
exercício
de
estabelecer
pontos
de
contato
entre
a
experiência e a pintura é uma construção complexa. A pintura ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE que
é
fruto
de
um
processo
de
maturação
reflexiva
metodológica não está atrelada a justificativas e não depende de
artifícios
evidente
e
para
explicar
pulsante.
experiência
segue
A
o
sua
força
que
relação
entre
a
processo
de
deveria pintura
construção
da
ser e
a
imagem
resultado do que evocou e suscitou durante o ato da criação. Outro aspecto relevante a ser destacado são os fatores que tornam a experiência evento raro em nosso cotidiano. Podemos pensar que as experiências insípida reproduzem uma percepção desatenta pouco sensível a observação. No que se refere ao automatismo
do
indivíduo
e
sua
intenção
de
controle
dos
fatores ao seu redor, isso implica em um tipo de estudo de pintura voltado para o desenvolvimento da técnica por si só visando o resultado ou produto final. No entanto a pintura não é objeto que se exerce controle, o acidente é apropriado e toma parte significativa do processo de criação. Existe um processo de criação que envolve um projeto metodológico mas não podemos negar a espontaneidade, que deve ter "intenção e consciência",
segundo
a
experiência
do
ponto
de
vista
de
Dewey. A conclusão desse texto a partir das breves considerações feitas sobre o
conceito de experiência é a relevância da
questão para o desenvolvimento pessoal do estudo da pintura baseado
na
construção
de
um
processo
metodológico
de
trabalho em diálogo com a vida segundo Dewey e Larrosa. Referências BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação. N. 19. 2002. DEWEY, John. Arte como São Paulo: Martins Fontes, 2010.
experiência.Tradução
Vera
Ribeiro.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Dicionário Aulete. Disponível <<http://www.aulete.com.br/fen%C3%B4meno>>. Acesso 20.08.2015.
em: em:
Daniela Almeida Moreira http://lattes.cnpq.br/2808921945912808
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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
GRUPO DE ESTUDOS DE PINTURA APOTHEKE ESCRITOS SOBRE A EXPERIÊNCIA Marta Facco Todos
nós,
enquanto
seres
humanos,
possuímos
experiências, porque nos relacionamos e interagimos com as pessoas
e
sensações,
o
ambiente
emoções,
onde
momentos
nos e
inserimos.
Vivenciamos
acontecimentos,
que
muitas
vezes causam marcas verdadeiramente duradouras e, quem sabe, eternas. Instantes que são capazes de mudar o sentido de tudo, do modo como enxergamos o mundo, os outros e até os objetos ao nosso redor. São capazes de trazerem significações tamanhas
que
suportam
abrirem
recortes
na
paisagem
da
memória, congelarem o tempo por instantes, e nos avassalarem o
presente.
passam vividas,
Muitas
pelo sem
vezes
caminho a
da
essas
experiências
experimentação
consciência,
percepção
e/ou e
reais
apenas
experiências
acepção
do
ato,
porque todos os dias vivemos experiências reais, de carácter rítmico particular e de qualidades diferenciadas para cada um, pois somos seres únicos. A contraponto a todas essas experiência ditas reais, está a ‘experiência singular’ citada por John Dewey, que é única e impossível
de
ser
vivida
e
sentida
igualmente
por
outra
pessoa que se submeta a fazer o mesmo processo, pois sempre será diferente para cada um. Em uma experiência singular o fluxo sempre irá de algo para algo, assim sempre teremos um começo e um fim, onde a conclusão é uma consumação e nunca uma cessação, e o percurso é o ponto mais importante desta experiência. Vejamos:
se
a
experiência
é
o
que
nos
acontece,
nos
atravessa e nos toca, nós somos o território de passagem ou o espaço
onde
os
acontecimentos
se
sucedem.
Assim,
para
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE tornarmos
esses
acontecimentos
experiências
ímpares,
precisamos estar abertos e suscetíveis ao desconhecido, ao novo, ao perigo, e conscientes das circunstâncias que nos interferem. Precisamos perceber compreender e interpretar o efeito
deste
contato
epistêmico
direto
e
suas
potências.
Digamos que seria olhar sobre o ponto de vista do corpo vibrátil, o que nos acontece entre o mundo e o corpo. Durante
a
experiência
singular,
não
há
vazios
de
acontecimentos, buracos, fendas ou mesmo cessamentos, pois isso não acontece dentro do corpo vibrátil, o que ocorre são pausas,
lugares
de
repousos,
respiros,
intervalos
que
auxiliam na pontuação e definição da qualidade do movimento; pois a aceleração contínua impediria a distinção entre as partes. Atendo-me um pouco mais ao intervalo onde todo o processo ocorre, entre o começo e o fim, especulo sobre o que seria uma
experiência
qualidade
estética,
estética,
que
ou
melhor,
para
as
uma
experiência
artes
em
geral
com é
o
diferencial para um possível trabalho artístico de qualidade. Na experiência do pensar tem sua própria qualidade estética e se
difere
das
outras
experiências
por
ser
construída
de
palavras, porque somos construídos de palavras e pensamos com palavras. Palavras produzem sentidos, criam realidades, dão sentido ao que somos e ao que nos acontece, e às vezes, funcionam
como
potentes
mecanismos
de
subjetivação.
Mesmo
assim, apenas manifestam-se no âmbito do pensar, podendo ter conclusões intelectuais por si só, que consistem em sinais e símbolos sem qualidade intrínseca própria, mas que podem ser qualitativamente vivenciadas. Já a experiência estética criase
da
percepção,
acontecimentos
que
interpretação vão
surgindo
e
durante
compreensão o
processo
dos e
o
cuidado que se tem com essas informações, condições essas, que tem papel fundamental atingir o corpo vibrátil. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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REVISTA
APOTHEKE Mas o que move uma experiência artística? Arrisco-me em mencionar a ‘falta’. Essa busca incessante pelo desejo movida pelas emoções e afetividades armazenadas no corpo vibrátil, pois quando significativas, são qualidades importantes de uma experiência complexa e singular.
As emoções não fazem parte
da regra para ter-se uma experiência estética, mas podem ser um dispositivo propulsor para que se tenha uma experiência verdadeiramente
significativa.
Lembro-me
claramente
a
primeira vez em que estive no Masp (Museu de Arte de São Paulo) em 1997. Era apenas uma estudante de graduação, estava ainda tentando entender o mundo fabuloso das Artes, quando me deparei com a obra Impressionista do pintor francês Claude Monet “Canoa sobre o Epte” de 1890. Já tinha visto dezenas de vezes nos livros, mas até então, nunca havia sentido qualquer interesse
por
ela.
Quando
parei
em
sua
frente
fiquei
hipnotizada, meu coração disparou e minhas mãos começaram a suar,
como
se
a
paixão
tivesse
me
arrebatado
naquele
instante. Percebia o movimento das pessoas passando ao meu redor,
mas
eu
estava
imóvel.
Naquele
instante
o
tempo
estagnou-se e um turbilhão de emoções me invadiu sem pedir licença
para
entrar.
Olhei
a
minha
volta
e
percebi
que
somente eu estava vendo aquilo tudo. A canoa deslizava sobre o
rio,
enquanto
duas
damas
conversavam
e
riam.
A
brisa
teimava em sacudir as plantas ali presentes e eu podia sentir ao frio que acontecia naquele instante da cena. Sentia-me mergulhada dentro dela. Cada cor, cada pincelada ali colocada se ligava a algo dentro de mim que não sabia explicar, apenas sentir. Acredito que uma experiência singular precisa ser movida pelo corpo vibrátil, e que a partir deste instante terá
qualidades
para
desenvolver-se
em
uma
experiência
estética, que não será uma regra. O que faz uma experiência ser uma experiência em arte é a união da relação e percepção entre o agir e o sofrer, entre a ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE energia
de
saída
e
a
de
entrada,
entre
o
fazer
e
estar
sujeito a algo. A experiência do ato estético tem haver com consciência
e
experiência
de
está
ligada
criar,
ao
seu
apoiando-se
sentido em
estrito
à
proporções
e
equilíbrios, controlados por um senso refinado das relações entre o mundo e o corpo vibrátil. Portanto, uma experiência com
qualidade
relações
estética
qualitativas
será
um
trabalho
da
percepção,
realizado
com
compreensão
e
interpretação do material recolhido durante o processo de uma experiência singular significativa. Todos os acontecimentos advindos dessa experiência que interferem na matéria do corpo vibrátil causam relações profundas de identificação com um trabalho criativo em arte. Assim, vivenciar experiências, faz parte do estar vivo e sujeito a algo. Sejam elas experiências reais, singulares, intelectuais ou estéticas elas serão sempre importantes para proporcionarem ritmo e unidade ao trabalho, protegendo-o da monotonia
e
da
repetição.
Sua
sucessão
é
pontuada
pela
existência de intervalos que determinam a cessação de uma fase e o início de outra, e também lapida o trabalho em construção. BIBLIOGRAFIA: DEWEY, John; Arte como experiência; tradução Vera Ribeiro; São Paulo: Martins Martins Fonte, 2010. (p 109-141) BONDÍA, Jorge Larrosa; Tremores: escritos sobre experiência; tradução Cristina Antunes, João Wanderley Geraldi-
1ª. ed.,
1ª reimp.- Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. (p15-43) Marta Facco http://lattes.cnpq.br/7820911643666261
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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APOTHEKE
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ENSAIO VISUAL ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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QUEM SOMOS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
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Jociele Lampert Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College na Columbia University na cidade de New York como Bolsista Fulbright (2013), onde realizou estudo intitulado: ARTIST'S DIARY AND PROFESSOR'S DIARY: ROAMINGS ABOUT PAINTING EDUCATION. Doutora em Artes Visuais pela ECA/USP (2009); Mestre em Educação pela UFSM (2005). Possui Graduação em Desenho e Plástica - Bacharelado em Pintura, pela Universidade Federal de Santa Maria (2002) e Graduação em Desenho e Plástica Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Professora Adjunta na Universidade do Estado de Santa Catarina. Foi Coordenadora de Estágio CEART/UDESC (2006-2009); Foi Chefe de Departamento de Artes Visuais DAV/CEART/UDESC (2009-2011); Coordenadora do PIBID/CAPES/UDESC da área de Artes Visuais (20112015). Atua no Mestrado em Artes Visuais PPGAV/UDESC na Linha de Pesquisa de Ensino de Arte e na Graduação em Artes Visuais DAV/UDESC. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura UFSM/CNPq. Membro/Líder do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem UDESC/CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). Tem experiência na área de Artes Visuais, atuando principalmente nos seguintes temas: pintura, arte e educação, formação docente. É membro associado da ANPAP. Email: jocielelampert@uol.com.br
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REVISTA
APOTHEKE Ana Camorlinga
Adão Roberto Swatowiski Natural do Rio Grande do Sul, aeronauta aposentado, com graduação em Artes Plásticas pela UDESC. Reside em Florianópolis e dedica-se, principalmente, à pintura e desenho, explorando o veio da abstração geométrica e campos de cor.
Graduada em Letras e Literaturas (UFSC), professora, encadernadora, tradutora e achou seu prumo nas Artes. Atualmente, cursa Bacharelado em Artes Visuais (UDESC) onde descobriu os desdobramentos da pintura e, especialmente, se diverte na gama de possibilidades de foto-pintura. É bolsista Apotheke desde 2014.
288 Ana Carolina Martins Ferreira Graduanda do curso de Bacharelado em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina desde 2014 e bolsista de extensão do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, coordenado pela Profª Drª. Jociele Lampert.
Carolina Ramos Nunes Sua trajetória vai da sala aula de escolas públicas até instituições culturais. Atualmente é arte educadora da Fundação Cultural Badesc. Estar em contato com a arte e produções contemporâneas é fundamental para desenvolvimento de sua poética. Dentre as técnicas estudadas no Grupo Apotheke, a Cianotipia e Antothypia são aquelas que conversam com sua proposição sobre o vazio e o tempo de inércia na insanidade e a doença.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE
Daniela Almeida Moreira
Licenciada em Artes Visuais (UDESC) e bacharel em Letras Português/Língua Brasileira de Sinais (UFSC). Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução – PGET/UFSC. Participa do Ateliê Alvéolo, da artista Zulma Borges e do grupo Chinese Brush Painting, com o mestre Henry Li. Desenvolve um processo de estudo da pintura com interesse na técnica aquarela, entre outras técnicas do desenho em grafite, giz pastel e carvão, sendo o tema "natureza morta" e "retrato", os assuntos de maior interesse para sua pesquisa. O estudo da aquarela, conduziu a busca do conhecimento sobre os princípios da pintura oriental, introduzindo os conhecimentos da técnica Sumi-ê, que tornou-se objeto de estudo em paralelo com a aquarela.
Fábio Wosniak Doutorando em Artes Visuais - PPGAV/UDESC,na linha de Ensino das Artes Visuais, sob orientação da Profª. Drª. Jociele Lampert. Licenciado em Pedagogia/Supervisão Escolar pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Faculdade de Educação (FAED/UDESC).
Denilson Cristiano Antonio
Natural de Campo Mourão/PR. Começou a desenhar muito cedo, estimulado pelo interesse em gibis, os quais costumava copiar e recriar algumas histórias. Aos 22 anos fez seu primeiro curso de Artes pela Prefeitura de Foz de Iguaçu, onde residiu desde seu primeiro ano de vida. Mudou-se para Florianópolis em 2006, onde concluiu o curso de Licenciatura em Artes Visuais, em 2014, na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). Atualmente, dedica-se à pintura, ao desenho e curadoria, este último vinculado ao trabalho que desenvolve no Museu Hassis/ Florianópolis.
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Gabi Bresola Nasceu em Joaçaba/SC e desde que ouve, vê e fala se interessa por imagens. É graduanda do curso de Licenciatura em Artes Visuais, UDESC, onde também integra a equipe da Sala de Escuta e Leitura. Tem a Editora Letras Contemporâneas, a Miríade edições, onde trabalha com imagem e texto impresso, e a Ombu Arte & Cultura, onde trabalha com audiovisual e artes visuais. Foi bolsista de extensão até 2015.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE José Rocha
Carlos
da
Artista plástico, bacharel em Artes Visuais/UDESC, 2013 e bacharel em Ciências Econômicas/UFSC, 1978, além de especialista em Administração Pública/UDESC, 1998. Participa do Projeto “Arte Educação pela pintura: produção artística do artista” e cursou, como aluno especial, a disciplina “Sobre Ser Professor Artista”, ministrada pela Profª. Drª Jociele Lampert no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/UDESC, 2014.
Kátia Speck Fotógrafa, Técnica em Informática e graduanda em Bacharelado de Artes Visuais pela UDESC. Atualmente é bolsista de Iniciação científica do projeto de pesquisa coordenado pela Profª Drª Jociele Lampert.
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Leandro Serpa Natural de Tijucas/SC, bacharel em Artes Plásticas/UDESC, com Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Marcas do Tempo, Futebol Fanáticos” (2011). Mestrando da Linha de Ensino das Artes Visuais do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - PPGAV/UDESC. Site: http://www.fanaticos.art.br/
Luciana Finco Mendonça Mestranda em Artes Visuais/UDESC, bolsista CAPES, na linha de Ensino das Artes Visuais. Graduou-se em Licenciatura Letras/UNESP e Artes Visuais/UEL. Leciona desde 2007. É integrante dos Projetos de Pesquisa “Formação de Professores de Artes Visuais: sobre o ensino/aprendizagem de pintura” e “Arte Educação pela Pintura: a produção do artista professor”, ambos coordenados pela Profª. Drª Jociele Lampert.
ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.
REVISTA
APOTHEKE Márcia Amaral de Figueiredo Marisete M. Colbeich Formação em Licenciatura em Educação
Artística/Artes
Plásticas
em 1991 pela Faculdade de Artes do Paraná.
Especialização
Fundamentos
Estéticos
Educação
pela
Especialização
FAP/PR em
em
de
Arte
-
em
1992
e
História
da
Arte
do Século XX na EMBAP/PR no ano de 2004.
Atuou
como
professora
de
ensino de arte no ensino fundamental séries
iniciais
Municipal
de
e
finais
Ensino
de
na
Rede
Curitiba,
período de 1987 até 2014.Frequentou o ateliê permanente de escultura de 1996 até 2006, orientação
da
em Curitiba, sob a escultora
Elizabete
Titton.
Atualmente
participa
do
programa
de
no
de
Mestrado
Ensino
Natural de Cachoeira do Sul/RS, é artista visual, atua como professora efetiva no Estado de Santa Catarina e leciona no curso de Design de Interiores/FATENP. Possui bacharelado e licenciatura em Desenho e Plástica/UFSM; especialização em Mídias na Educação/FURG (2012) e Gestão Educacional/UFSM (2005). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa GEPAEC/UFSM. Tem trabalhos, principalmente, nas áreas de desenho, escultura e cerâmica. Participou de várias exposições individuais e coletivas, bem como salões de artes, tendo recebido menção honrosa no XIII Salão de Inverno de Artes Plásticas de Sant'ana do Livramento/RS,2001.
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Artes Visuais na UDESC. Osmar Yang
Marta Facco Nasceu no Rio Grande do Sul e formou-se em Artes Plásticas pela UFSM em 2001. Possui diversas exposições individuais, coletivas e participações em salões de arte no RS, PR, SC, SP, BA e Buenos Aires/ARG, com algumas premiações. Atualmente reside em Florianópolis/SC, participa do grupo de pesquisa Estúdio de Pintura Apotheke CEART/UDESC, onde interessa-se pelo sensível dos objetos.
Engenheiro Eletricista ....... de profissão, artista . plástico graduado em 2013 pelo curso de Artes Visuais da UDESC. Iniciou como autodidata até os anos 80, quando frequentou o curso da pintora Ida Hannemann de Campos na Galeria Cocaco em Curitiba. Após estadia na Europa de 1998 a 2001, onde frequentou oficinas de pintura da Volkshochschule em Munique (Alemanha), e oficina de restauração em Florença (Itália) retornou ao Brasil para Florianópolis. Frequentou ainda oficinas no CIC (Centro Integrado de Cultura) com a artista Patrícia Laus. Em 2011 teve obra selecionada para exposição na mostra de Arte Cibernética (ABCiber) no Centro de Eventos da UFSC.
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REVISTA
APOTHEKE Rita Eger. Artista visual, natural de Itajaí, SC, vive e trabalha em Florianópolis, SC, Brasil. Mestre em Matemática pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Sua obra abrange pintura, desenho, instalação, bem fotografia, arte postal, a palavra e a gravura no campo expandido.
Silvia Carvalho Artista, mestranda em Artes Visuais e bacharel em Artes Plásticas, UDESC/SC; Criação e Ilustração, EPA/SP; Design de Interiores, Florianópolis/SC. Suas principais mostras são “FUTURO”, Salão Nacional de Arte Contemporânea e Novas Tecnologias, Jundiaí/SP; “Concurso de esculturas CriAção Scotch”, MuBE/SP; “Estações-pinturas ao tempo”, Espaço Lindolf Bell, Florianópolis/SC; “De dentro pra fora”, MASC, Florianópolis; 20º Salão de Arte, Pinheiros/SP; “Sob a pele”, Universidade Alanus/Alemanha & UDESC; Fundação Cultural BADESC, Florianópolis/SC. Ministra oficinas de Pintura, Desenho e Pigmentos Naturais.
Talita Esquivel Doutoranda em Artes Visuais, UNESP; Mestre em Artes Visuais/ UDESC; Especialista História e Teorias da Arte/ UEL e graduada em Educação Artística/ Artes Plásticas, UFPR. Atualmente é professora de pintura na EMBAP. É artista plástica, dedicando-se à pintura, fotografia e vídeo. Em 2009, realizou residência artística no Centro de Artes CAMAC/França. Participou de diversas exposições, dentre as quais “Arte Como Experiência”, Fundação Hassis & UDESC, 2014; “Mostra Lote 7 de Arte Contemporânea”, Fundação Hassis, 2013; “Mostra Álbum”, BADESC, 2010; “Corpo Grotesco”, Museu da Escola da UDESC, 2009; “12º Salão Nacional de Itajaí”, 2010; “CAMAC Open Studio”, Marnay-surSeine/França, 2009; “Suitcase, East Lansing e Chicago”, EUA, 2009.
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Tharciana Goulart da Silva Graduanda do curso de Licenciatura em Artes Visuais, UDESC. Atua como bolsista de iniciação científica no projeto “Paisagem e Ensino das Artes Visuais” (CAPES/PIBID/UDESC). Integrante do grupo de pesquisa “Entre Paisagens” (UDESC/CNPq). Integrante do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, todos coordenados pela Profª. Drª. Jociele Lampert.
Victor D. C. Sagica Natural de Santos/SP, graduando em Licenciatura em Artes Visuais/UDESC, bolsista de Iniciação Científica/CNPq, tem interesse em assuntos com experiência estética na formação humana, o problema do Belo e ilustração infantil.
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APOTHEKE
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APOTHEKE
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