Revista APOTHEKE nº2 Processo Criativo

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APOTHEKE

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VOLUME 2 – PROCESSO CRIATIVO ISSN: 2447-1267 ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

REVISTA APOTHEKE Santa Catarina, v.2, fevereiro de 2016.

n.2,

ano

2,

ISSN: 2447-1267

2

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

SUMÁRIO SUMÁRIO e EXPEDIENTE p. 03

EDITORIAL

ENTREVISTAS

p. 06

p. 07

3

ENSAIOS

TRADUÇÃO

ARTIGOS

p. 51

p. 115

p. 128

NOTAS SOBRE EXPERIÊNCIA

ENSAIO VISUAL

QUEM SOMOS

p. 256

p.264

p. 246

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

Universidade Do Estado de Santa Catarina Reitor: Antonio Heronaldo de Sousa Centro de Artes – UDESC/CEART Chefe de Departamento Profa. Dra. Rosana Tagliari Bortolin Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Coordenadora Profa. Dra. Jociele Lampert _________________________________________________________

Revista Apotheke EXPEDIENTE A Revista APOTHEKE é uma publicação eletrônica de caráter acadêmico-científico, editada pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, relacionado ao Grupo de Pesquisa [Entre] Paisagens, vinculado ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/UDESC). Com periodicidade semestral, tem como propósito divulgar a produção de pesquisadores brasileiros e estrangeiros que enfocam as relações entre Artes Visuais, Educação e Pintura, em diálogo com diferentes aportes teóricos, visando enriquecer a discussão interdisciplinar do conhecimento nas áreas de Artes Visuais e Educação. Publica artigos, ensaios, narrativas visuais, resultados de investigações baseadas nas Artes, resenhas, entrevistas e traduções. A revista tem como objetivo servir de veículo não apenas para o conhecimento e as pesquisas já consolidadas, mas também para perspectivas inovadoras, tanto no que se refere à argumentação quanto à metodologia, e que se apresentam como alternativas aos modelos estabelecidos.

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APOTHEKE Editora-Chefe Jociele Lampert, UDESC, Brasil Editor Associado Fábio Wosniak, UDESC, Brasil Equipe Editorial Luciana Finco Mendonça, UDESC, Brasil Carolina Ramos Nunes,UDESC,Brasil Fábio Wosniak, UDESC,Brasil Jociele Lampert, UDESC, Brasil Organizadores do volume 2, número 1, ano 2, Fevereiro 2016. Jociele Lampert Fábio Wosniak Luciana Finco Mendonça Carolina Ramos Nunes Conselho Editorial do volume 2, número 1, ano 2, Janeiro 2016. Luciana Gruppelli Loponte, UFRGS Lúcia Gouvêa Pimentel, UFMG Fernanda Pereira da Cunha, UFG Rita L. Irwin, British Columbia, Canadá Cristian Poletti Mossi, UERGS Elaine Schimidlin Schmidlin, UDESC Fábio Rodrigues, URCA Marilda Oliveira, UFSM Rita Bredarioli, UNESP Ronaldo Alexandre de Oliveira, UEL Belidson Dias Bezerra Júnior, UNB Maria das Vitórias Negreiro do Amaral, UFPE José Carlos de Paiva e Silva, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto

Maria Christina de Souza Lima Rizzi, USP Rejane Galvão Coutinho, UNESP Maria Teresa Torres Pereira De Eça, Universidade do Porto, Portugal Talita Esquivel, EMBAP Maria Helena Wagner Rossi, UCS Ana Cláudia Assunção, URCA Marcos Villela Pereira, PUC/RS Lucimar Bello Pereira Frange, PUC/SP Olga Maria Botelho Egas, UFJF Fernando Augusto, UFES Bosistas Ana Carolina Martins Ferreira, UDESC Ana Steckel Camorlinga, UDESC João Emmerich, UDESC Kátia Speck, UDESC Capa Estúdio de Pintura Apotheke – UDESC: Design de Carolina Ramos Nunes Revisão Daniela Almeida Moreira Contato Av. Madre Benvenuta, 1907 Itacorubi, Florianópolis / SC - (48) 3321-8300 Centro de Artes Site Grupo: http://www.apothekeestudiodep intura.com Email:apothekestudio@gmail.com

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EDITORIAL A

palavra

APOTHEKE

tem

origem

grega.

O

substantivo

apotheke, designava armazéns do Porto de Atenas na Grécia Clássica; também de origem germânica, indica a origem da palavra botica, boticário ou farmácia. A escolha por esta nomenclatura,

ao

Grupo

de

Estudos

Estúdio

de

Pintura

Apotheke, decorre da percepção da botica como um lugar de laboratório, de um labor experimental, o que se aproxima da proposta de um Ateliê. A pintura apresenta-se como eixo norteador para o processo artístico deste Grupo de Estudos, considerando o campo ampliado e possíveis desdobramentos para o pensamento plástico pictórico. Trata-se de um Grupo de Estudos vinculado à UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC/Brasil, coordenado pela

Profa.

também,

Grupo

com

o

CNPq/UDESC,

que

Dra. de

acolhe

Jociele

Pesquisa

Lampert, [Entre]

artistas,

articulado

Paisagens

professores

e

pesquisadores. A REVISTA APOTHEKE, em seu segundo volume, apresenta derivações sobre as ações desenvolvidas durante o ano de 2015, bem como, apresenta artigos de artistas, professores e pesquisadores na área de Artes Visuais, parceiros que compartilham o espaço do Estúdio de Pintura Apotheke. Professora Dra. Jociele Lampert (Editora-Chefe) Professor Doutorando Fábio Wosniak (Editor-Associado) Site: http://www.apothekeestudiodepintura.com/ Facebook:https://www.facebook.com/pages/ https://www.facebook.com/Estúdio-de-pintura-Apotheke690107797707990

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ENTREVISTAS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE ENTREVISTA COM ROSANA PAULINO Rosana Paulino Doutora em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP (2011), na modalidade DD - Doutorado Direto - sob orientação do Professor Evandro Carlos Jardim. Possui graduação em Artes Plásticas pela Universidade de São Paulo (1995) e é especialista em Gravura pelo London Print Studio, de Londres (1998). Como artista, participou de várias exposições no Brasil e no exterior. Foi bolsista do Bellagio Center, da Fundação Rockefeller (2014), do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (2006/2008) e da CAPES (2008/2011) para obtenção do título de Doutora. Participou de estágio no Tamarind Institute, da New México University, na área de Gravura (litografia) no ano de 2012. Fonte: http://lattes.cnpq.br/8080222583272953 Entrevista realizada pelo estúdio de pintura apotheke, com referência no livro de Joe Fig, Inside The Painter´s Studio (Princeton Architectural Press,2009)¹.

QUESTIONÁRIO J. FIG 1 - Quando que você se considerou um artista profissional, e quando se sentiu capaz de dedicar-se em tempo integral à arte? Rosana Paulino [R.P.] Esta é uma pergunta difícil, porque o que é ser um artista profissional no Brasil? Tem muita gente que faz um trabalho ruim, mas vende muito, ou seja, é profissional, mas o trabalho é relevante? E tem gente que tem

um

ótimo

reconhecido,

trabalho, tem

que

no

fazer

entanto

não

loucuras

é

devidamente

para

sobreviver.

Portanto, diante do panorama, nem sei se me considero uma artista

profissional

porque

dependo

de

aulas

e

outras

atividades para manter o ateliê, embora não considere, em

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APOTHEKE hipótese alguma, lecionar uma atividade menor. Dar aulas é uma das minhas paixões. Mas, por outro lado, temos o fator da escolha, ainda não posso escolher ser somente artista, não tenho como abrir mão das aulas, palestras, oficinas, etc. Porque não conseguiria fechar o mês. Digamos, então, que

posso

me

considerar

uma

artista

profissional

pela

relevância que o trabalho alcançou, mas, por outro lado, não sou profissional no sentido de viver só

de minhas

obras. Porém, com certeza, sei que consigo despender mais tempo na produção da minha obra do que a média daqueles que se dedicam à produção artística. E em relação a sua produção artística, quanto tempo você tem estado em estúdio? Não costumo medir isso porque é uma medida muito relativa. Tem trabalhos nos quais eu preciso ficar mais tempo fora, pensando, pesquisando e/ou visitando museus, por exemplo. Outros

exigem

que

eu

esteja

mais

tempo

trabalhando

na

prensa. E as vezes surge também uma viagem de pesquisa, que também é trabalho, faz com que no meu retorno a produção renda mais e se desenvolva com maior facilidade. O trabalho não acontece só no ateliê, como dá para perceber pelos exemplos acima. Não tenho uma medida específica de quanto tempo eu gasto no estúdio, é difícil quantificar. 2 - Quando você começou a trabalhar neste espaço? [R.P.] Em 1999. Já estava pronto em 98, mas neste ano estive na Inglaterra para fazer minha especialização em gravura e o ateliê ficou fechado. 3 - A localização do seu estúdio influenciou seu trabalho de alguma forma? [R.P.]

Se

pensarmos

localização

apenas

como

o

espaço

geográfico da cidade onde habito, no caso São Paulo, a

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APOTHEKE localização do ateliê facilita muito o trabalho, mas não influencia. Facilita porque como construí no terreno da casa dos meus pais, e não desfiz meu quarto lá, posso trabalhar nos horários mais inusitados fazendo barulho (o terreno ao redor é bem grande e não incomoda as casas vizinhas ou a casa deles) e sem ter a preocupação de ter que voltar para casa. Simplesmente durmo por lá. Não gosto de dormir dentro do ateliê, preciso de um espaço separado senão fico com a impressão de que não descansei. Ter um quarto em outro

local, que não

seja dentro do

ateliê,

funciona bem para mim. Talvez a pergunta deva ser feita de outra forma: estar em um

determinado

resposta

é

país

positiva.

influencia Quando

a

obra?

morei

na

Neste

caso

Inglaterra

a

meu

trabalho mudou muito e este foi um dos motivos pelos quais voltei

ao

Brasil,

apesar

da

insistência

deles

de

que

permanecesse por lá.

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4 - Você pode descrever um dia típico em sua vida? [R.P.] Impossível, porque não tenho rotina. Aliás, detesto rotina! Meu dia varia conforme meu trabalho. Tem dias que fico resolvendo assuntos “de escritório”, fazendo projetos, preparando

aulas,

nem

chego

perto

da

parte

prática

do

ateliê. Em outros vou direto para lá. Depende de vários fatores: humor, prazos, viagens, necessidade de fechamento de uma exposição... 5

-

Você

costuma

ouvir

música,

rádio,

TV

quando

está

trabalhando, e isso afeta o seu trabalho? [R.P.] Não trabalho sem música. Posso até trabalhar com pouco material se estiver faltando, mas sem música nunca! E a música afeta de modo positivo meu trabalho. Em alguns momentos, se estou procurando um clima tenso para uma obra

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APOTHEKE ponho uma música que me leve a este estado de tensão. Em outros, quando estou imprimindo, coloco uma boa MPB. Quando estou

lendo

prefiro

o

silêncio,

mas

quando

estou

desenhando, por exemplo, tem que ter música. 6 - Que tipo de tintas que você usa? [R.P.]

Basicamente

tintas

para

gravura,

aquarela

ou

acrílica no caso dos desenhos. 7

-

Poderias

me

falar

um

pouco

sobre

suas

paletas

de

pintura? [R.P.] Bem, não sou pintora e sim artista multimídia. Então acho que esta pergunta fica um pouco deslocada. No desenho, que é quando geralmente uso cor, ela costuma ser mínima. Tons de terra, algo de verde e, algumas vezes vermelho. Não tenho muita afinidade com cores. 11 8 - Existem objetos específicos (no ateliê) que têm um significado importante para você? [R.P.] Tem a prensa, na qual realizo a maior parte das minhas pesquisas. Neste caso é uma relação prático-afetiva. 9 - Você tem ferramentas que são exclusivas para o seu processo criativo? [R.P.] Sim, tem algumas com as quais me dou melhor. No caso da

gravura

em

linóleo

ou

da

xilogravura,

por

exemplo,

praticamente só uso faca e goiva V. Elas me permitem um embate maior com o material e gosto de sentir o corte. Não costumo usar outras ferramentas como os formões e as goivas em U, mesmo quando tenho uma área grande para desbastar. 10 10 - Você trabalha em uma obra de cada vez ou várias ao mesmo tempo?

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APOTHEKE [R.P.] Trabalho vários projetos ao mesmo tempo porque um vai “puxando” o outro. Algumas ideias funcionam muito bem no

desenho,

instalação.

outras Então,

se

quando

revelam

percebo

na

que

um

gravura

ou

trabalho

na esta

nascendo dentro de outro, muitas vezes paro e início outra pesquisa, para não perder o momento. Depois, caminho com as duas concomitantemente. 11 - Você costuma limpar seu ateliê periodicamente, e qual o efeito disso sobre seu trabalho? [R.P.] Limpo quando preciso, não tenho uma medida para isso. Às vezes, quando estou em pleno processo criativo não dá

para

ficar

pensando

em

limpeza,

vou

até

esgotar

o

trabalho, até resolver o que me mobiliza. Depois faço uma limpeza

geral.

Muitas

vezes

limpar

o

espaço

é

como

finalizar de vez uma etapa, um projeto. A gente abre a área para receber novas pesquisas, novas inquietações.

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12 - Quando você está pensando em seu trabalho, onde você costuma e gosta de ficar? [R.P.] Em qualquer lugar. Não sou do tipo controlada. Às vezes a ideia de um bom trabalho surge de uma ida à 25 de março, aquela rua que vende de tudo aqui em São Paulo. Vejo algo e aquilo me traz a tona uma peça. Foi o que aconteceu no caso de um dos meus trabalhos, o dos bastidores, por exemplo. Às vezes é uma frase em um livro que me chama a atenção, uma música. Então, não tenho necessidade de estar em um lugar especial quando estou pensando no trabalho. Se estiver

em

uma

lanchonete

tomando

um

cafezinho

consigo

pensar no trabalho lá, sem problema. Às vezes penso na cama, antes de dormir, ou no sofá no ateliê também.

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APOTHEKE 13 - Como é que você escolhe ou cria os títulos de seus trabalhos? [R.P.]

Alguns

trabalhos

são

mais

difíceis

de

pensar

o

título. Outros, surgem do título. Vejo um texto, uma frase, e aquilo me dá a ideia para a produção. Esta frase ou nome, que posso achar bonito, interessante, vira o título da obra. Quando isso acontece é normal que veja uma parte do trabalho já pronto ao ler aquilo que me provoca. Então o modo como dou título a um trabalho pode variar muito. 14 - Você tem assistentes? [R.P.] Só para alguns projetos especiais. A necessidade de ter assistentes varia por conta de motivos como verba, necessidade

de

ter

alguém

especializado,

ter

que

ficar

sozinha para pensar melhor, gostar de trabalhar sozinha. Explico: nem sempre se tem verba o suficiente para ter um/uma assistente. Infelizmente é assim que funciona no Brasil. Outras vezes, quando se pensa um projeto já se visualiza a necessidade de alguém especializado. Foi o que aconteceu na instalação ASSENTAMENTO, por exemplo, ou na Bienal do Mercosul, com as TECELÃS. Existem alguns detalhes técnicos que eu não consigo resolver, preciso contratar alguém

para

isso.

No

caso

na

Bienal

do

Mercosul,

por

exemplo, tive duas assistentes que eram especialistas em massas cerâmicas e queima. Por recomendação de uma delas trabalhamos com

o pessoal do

SENAI de Santo

André, um

engenheiro químico especialista em massas cerâmicas para compor

a

massa

que

eu

precisava

e

um

especialista

em

moldes. O trabalho exigia esta mão de obra especializada. Para o ASSENTAMENTO, tive que chamar um diretor de arte que também é fotógrafo, o Celso. Como a química fluiu super bem e ele estava interessado no projeto, além da quantidade de

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APOTHEKE trabalho que tínhamos pela frente, acabamos por trabalhar juntos durante oito meses. Neste momento estou com uma assistente, a Cláudia, porque o volume de trabalho é muito grande e temos prazo para uma exposição. Além disso ela é especializada em modelagem, costura, e estamos trabalhando nisto agora. Agiliza muito. Hoje em dia o artista tem que perceber que, dependendo de suas propostas e havendo verba, é fundamental a presença de outra(s) pessoa(s) no ateliê. Mas

tem

vezes

que

é

bom

trabalhar

sozinha

também.

Particularmente, sou do tipo solitária, não curto muito dividir ateliê por muito tempo. Gosto de trabalhar sozinha e

mesmo

que

tivesse

condições

de

contratar

um/uma

assistente integralmente não sei se o faria. 15 - Alguma vez você trabalhou com outro artista? [R.P.] Sim, já trabalhei com outros artistas em ateliês coletivos, fora do país. Toda minha estadia em Londres, no London

Print

Studio,

foi

trabalhando

coletivamente

com

outros artistas. E no Tamarind trabalhei com a Alison Saar e foi ótimo, aprendi muito. Produzimos uma gravura a quatro mãos no final. Já fiz outros trabalhos técnicos com outros artistas, como posteres, por exemplo. Mas no geral costumo trabalhar sozinha no meu ateliê. 16 - Como um artista, você tem um lema ou credo? [R.P.] Um lema não, com certeza. Quanto a ter um credo, não sei se usaria essa palavra, que acho um pouco forte, mas acredito que todo trabalho sério, e não é só o trabalho dos artistas, deve ter comprometimento. E no caso da arte acho que cada um deve procurar sua verdade, sem modismos. O que serve para Maria não serve para Joana, então não sei como um/uma artista sério/a poderia ir atrás de modismos. É

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APOTHEKE claro que cada período artístico tem suas preocupações, fatos históricos, técnicas e mídias que estão em evidência e que acabam contaminando, positiva ou negativamente, os trabalhos que são feitos naquele momento. É o

caso da

tecnologia hoje. Mas o uso ou a procura da tecnologia deve ser feita caso o trabalho exija. E existem muitos modos de se

trabalhar

com

a

tecnologia

também.

No

caso

dos

citados ASSENTAMENTO e TECELÃS isto era uma particularidade do trabalho, só dava para desenvolver a ideia apelando para a tecnologia. Agora, utilizar porque está na moda ou porque muita gente usa é estupidez. Se não vai acrescentar nada ao trabalho não use, pronto. 17 - Que conselho você daria a um jovem artista que está começando? [R.P.] Que se preocupe com a sua verdade, com aquilo que o/a incomoda. Não entre em modismos, eles passam. Não tente se ater as verdades de outros, procure as suas. E tenha liberdade para criar. Pode parecer estranho esse último conselho para um/uma artista, mas tenho visto muitos/as jovens, principalmente nas universidades, que só leem um texto se ele for chancelado por um crítico, historiador de arte, filósofo ou sei lá qual profissional reconhecido no mundo das artes. E perdem um tempo imenso lendo aquilo para tentar

enquadrar

o

trabalho

em

“fontes

de

referência

respeitáveis”. Mas se esquecem que boa música também é fonte

de

referência,

poesia

é

uma

ótima

fonte

de

referência, um bom livro. O sul africano William Kentridge fez

um

trabalho

belíssimo

em

cima

do

livro

Memórias

póstumas de Brás Cubas, do Machado de Assis. Quantos jovens artistas brasileiros fariam isto hoje em dia? Quantos leram Machado? Mas leem qualquer crítico obscuro que não tem nenhuma contribuição importante para fazer ao trabalho que

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APOTHEKE está sendo realizado, se este crítico estiver na moda. Tenho

desenvolvido

sobre

história,

Muitas

vezes

a

meus

últimos

sociologia, gente

tem

trabalhos

biologia, que

lendo

livros

arte

e

ciência.

procurar

a

própria

bibliografia, fazer com que ela fundamente aquilo que está sendo pesquisado e não tentar encaixar nossa pesquisa em textos alheios aos nossos interesses. Isso é ilustração no mal sentido da palavra. Veja bem, não estou dizendo que não é preciso ler, estudar sobre a sua área, isso é essencial para qualquer profissional que queira desenvolver bem o seu trabalho. Mas um clássico da literatura é fundamental para qualquer pessoa que queira se desenvolver como ser humano. Procure ir além daquilo que é dado nas universidades, mas que você sinta que é necessário para o desenvolvimento da sua obra. Isso é fundamental para o desenvolvimento de uma poética. 16

_______________________ ¹ Extrato de entrevista realizado pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC) – 2015. Imagens cedidas e de autoria da artista.

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APOTHEKE Entrevista com Teresa Poester¹ Teresa Poester Artista e professora de desenho no Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre. Expôs em vários países incluindo individuais no Brasil, Argentina, Espanha, França e Bélgica. De 1979 a 1986 dedica-se ao movimento de Arte Postal e trabalha como professora, artista gráfica, cenógrafa e ilustradora. Entre 1986 e 1989 estuda pintura em Madri. Entre 1998 e 2002 habita na França para realizar doutorado na Universidade de Paris 1, Panthéon-Sorbonne. Volta a viver na França em 2006. Em 2009, retoma suas atividades como professora no IA-UFRGS criando o Atelier D43, grupo que explora o desenho combinado a outras linguagens artísticas. Atualmente, entre a França e o Brasil,

trabalha em Eragny-sur-Epte e Porto Alegre. Fonte: http://www.teresapoester.com.br Leandro Serpa [L. S.]: A professora comenta em seu site que iniciou pelo desenho e que após sua passagem pela Espanha, a figuração narrativa dá lugar à paisagem. Gostaria que comentasse esta passagem. Teresa Poester [T.P.]: Na verdade, trabalhei com muitas coisas diferentes, fui também estudante e professora de matemática, artista

trabalhei

gráfica,

até

cenógrafa

como

bancária,

para

teatro

e

e

depois

cinema,

como e

me

dedicando ao movimento de Arte Postal. Mas, além da criação artística, ser professora de artes passou a ser a atividade mais constante. E é até hoje meu meio de sobrevivência. Sempre

gostei

artista.

E

linearidade

disso.

acho em

que minha

mudanças

são

trabalho

desdobra-se

Não

pretendia

por

ser

professora,

trajetória

permanentes, nele

mas e

ganhar

de sem

dele

a

vida

trabalho. grandes

mesmo.

como

uma

certa

Ou

seja,

saltos. quando

O fui

estudar pintura na Espanha, já com 30 anos, depois de ter concluído o Instituto de Artes (havia vivido no Rio de Janeiro

e

acabei

tarde)

houve

uma

transformação

mais

radical. Era meu sonho viver na Europa, não queria ir como turista. Consegui uma bolsa do governo espanhol e foi, para mim, um período de mudanças fundamentais. Embora eu tenha

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APOTHEKE frequentado a Universidad Computense de Madrid, os artistas que

me

marcaram

mais

não

foram

os

que

conheci

na

Universidade. Tive um aprendizado mais direto através de experiências artistas

com

também

‘taller da art Madrid.

pintores, de

áreas,

num

espanhóis,

programa

actual’, no Círculo de Bellas

Funcionava

(referenciando

outras

principalmente

o

num

Ateliê

espaço de

bem

Pintura

maior da

do

UDESC),

e

chamado Artes de que

este

onde

se

ficava o dia todo trabalhando. Os jovens artistas enviavam o

portfólio

selecionados

e

os

pelo

15

que

tinham

responsável

do

a

sorte

ateliê,

de

serem

trabalhavam

durante um mês sob sua supervisão. Ficávamos todo o tempo para aproveitar ao máximo. Durante um mês de manhã, tarde e noite trabalhando. Fiz grandes amigos lá que conservo até hoje. Artistas de vários países eram convidados a orientar esses ‘talleres’; uns, mais famosos, não ficavam o dia todo, mas vinham frequentemente e observavam os trabalhos de todos. Havia o momento da ‘charla’, como eles chamam, onde sentávamos para conversar. Nesse período, saí daquela coisa

mais

caricatura. figuras

figurativa Durante

e

certo

intencionalmente

caricatural, tempo,

ainda

estereotipadas

não no

era

bem

Brasil,

as

tinham

uma

influência tragicômica de um certo realismo mágico, mas sempre com a preocupação de fazer um trabalho brasileiro. Queria mostrar a mistura entre o popular e o erudito que existia no Brasil. Trabalhava com crianças nessa época, o trabalho também absorvia essa coisa do cômico e do trágico dos contos de fadas, além das tradições populares. Alguns fiz inclusive aqui em Santa Catarina com figuras vestidas para a Festa do Divino, elementos da religiosidade, uma ‘mistureba’ que, na Espanha, foi dando lugar a símbolos locais para desaparecer gradativamente. Eu queria muito trabalhar com pintura justamente porque minha pintura era

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APOTHEKE muito ruim e uma maneira mais abstrata porque não sabia fazer. Queria aprender a pintar. Achava que aquilo não era pintura. Ainda em papel e com camadas de tinta magras, era um desenho pintado.

Em Madri, comecei a trabalhar com

encáustica, aí sim na Universidade. Na encáustica e com o maçarico não havia como controlar o contorno e a figura começou a se fundir com o fundo. Como falou uma amiga na época, era como se o trabalho estivesse chacoalhado num liquidificador. A partir daí, se tornou mais abstrato e dessas manchas começaram a surgir paisagens. Nas casas e apartamentos em Madri tem sempre sacadas que eles chamam balcões.

Os

desenhos

desses

balcões

serviam

depois

de

esqueleto construtivo, davam o ritmo e a estrutura que permitia a liberdade das paisagens no fundo. Essa relação entre

paisagem

e

a

abstração

presente

no

meu

sempre me interessou, teoricamente também. Os

trabalho primeiros

pintores abstratos foram paisagistas. Escrevi muito sobre isso

tanto

no

Mestrado

quanto

no

Doutorado.

Agora,

respondendo à pergunta, a figura saiu quando fui morar fora (na Espanha) e penso que a paisagem tem a ver com o fato de se estar longe. Isso pode ter influído também. Os teóricos sempre falam que a paisagem é uma construção cuja condição de afastamento é essencial.

E é uma construção da memória.

Nasci numa cidade pequena com uma paisagem provinciana. Fui para Porto Alegre ainda criança. Então, parece que aquilo volta

quando

se

está

longe

outra

vez,

e

ressurge

a

nostalgia da paisagem de origem. L.S.: Observei o vídeo de Ana Luiza Azevedo e o momento em que você fala sobre o enquadramento da paisagem através da janela. Você discute isto também na série Jardins e diz que a janela seria uma forma de enquadrar a paisagem, de traçar paralelos entre pintura e paisagem?

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APOTHEKE T.P.: A partir do momento em que começo a trabalhar com paisagem, de certa forma tudo o que faço tem relação com isso,

que

primeiros

vai

mudando,

trabalhos

que

inclusive

chamei

de

técnica.

paisagem

não

Os

eram

bem

figurativos. Já eram em tinta acrílica sobre tela e não havia

mais

pintura.

o

contorno

Quando

fiz

segmentação

do

relacionar

essas

do

o

quadro

desenho,

Mestrado em

partes.

considerava

começou

a

haver

partes

e

comecei

várias Esses

eu

fragmentos

uma a

formavam

uma

geometria que chamei de janelas, mas não eram janelas no sentido

literal,

abertos

a

representativas.

diferentes

cenários

Eram

que

se

enquadramentos

uniam

através

de

associações formais dentro do espaço único do quadro. Como quadros dentro do quadro. L.S.: Seria esta a série exposta no Torreão? T.P.: Exato. Mas este foi um trabalho específico para o local

e

tinha

como

finalidade

ser

interativo.

Com

o

enquadramento da paisagem que dá origem às janelas foi havendo segmentações ortogonais. O quadro já não era tão fortemente gestual, havia elementos quase geométricos. Eu trabalhava às vezes com fita adesiva, com linhas retas. O exagero chamei

dessa de

segmentação

‘grades’.

Essas

origem

redes

à

outra

ortogonais

série das

que

grades

possibilitam uma volta ao desenho. E quando eu estava num processo obsessivo dessas grades, que eram trabalhadas como num

gesto

de

esgrima,

me

tornei

meio

fechada

neste

processo. Fiz alguns desenhos de observação dos jardins de minha

casa

em

Eragny

sur

Epte.

Surgiram

formas

mais

orgânicas da natureza arredondada do verão na Normandia. Este período chamei de Jardins de Eragny. Nesse momento, começo a trabalhar texturas. Se olhares meus textos (alguns estão no site) há alguns sobre paisagem e sobre a janela

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE como enquadramento da paisagem dentro da História da Arte. Por que surgiu a janela, surgiu junto com a paisagem no Renascimento?

Talvez

para

enquadrar

a

paisagem

que

não

existia ainda na Idade Média. Com o humanismo renascentista surgiu a necessidade de situar o homem no seu espaço, no aqui e agora. Antes a figura humana era quase um boneco estereotipado.

A

figura

se

torna

uma

personagem

real

ocupando um espaço real. Mas ainda não sabiam resolver direito isso dentro da perspectiva linear que não se aplica à paisagem como a perspectiva aérea. E alguns pintores passaram a utilizar o recurso da janela como estratégia para situar a personagem no quadro. A janela era também usada para criar um espaço e uma narrativa paralela à da cena principal. Procurei abordar essas coisas na Tese de Doutorado que fiz lá na França cujo título é: ‘Fronteiras da Paisagem: Janelas e Grades’. 22 L.S.: Observo que sua obra atual parte da paisagem na pintura, com a cor. No Mestrado você discute a paisagem e no Doutorado você tem contato com os jardins franceses que é uma forma que podemos chamar de tratar a paisagem. Seria isto? T.P.: Quando fui para a França estava nesse período das grades e voltando a me apaixonar pelo desenho que tinha começado

atrás

com

aquelas

figuras

humanas

estereotipadas. Com as grades era um desenho completamente diferente. Estava iniciando a Tese e não sabia bem de onde partir. Pensei nessas pinturas de paisagem e de janela, a fatura da pintura e da cor, como disseste, como ponto de partida.

Mas

qual

era

minha

exatamente

minha

pergunta?

Pois, para fazer uma Tese tem que haver uma pergunta, não é? E me dei conta de que a minha era muito simples: Por que eu ainda desenhava e pintava? Só isso. Partir de uma coisa

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REVISTA

APOTHEKE simples que fosse genuína, descobrir porque estava ainda fazendo

isso

companheiros,

quando

poderia,

conquistar

o

como

espaço

muitos

de

tridimensional

meus ou

trabalhar em outras linguagens. Nesse momento, percebi que não interessava mais a representação ou passar uma ideia, como talvez lá no início e tal. O importante era mostrar o gesto através da mão que treme, que traduz o sentimento e o pensamento. Mostrar o desenho como escritura do corpo, um gesto em vias de desaparecimento. Aos poucos entendi que, nesse momento, a cor já não me interessava. O gesto seria mais visível em preto e branco. Tampouco me interessava a mancha. Fui dispensando tudo o que não era essencial. Ao final, concluí que a linha é capaz de registrar o movimento mais do que a mancha ou a cor. Em geometria, a linha é o ponto que se desloca. Há a noção de deslocamento na gênese do desenho, pois desenho é linha. E a ideia de movimento é a base do gesto. Podemos pensar que fui aproximando o olhar sobre a paisagem como num zoom, afunilando o enquadramento. Não me interessava a paisagem em si, mas a gestualidade que proporciona, a estrutura da natureza que ensina diferentes texturas,

possibilidades

de

abstração

orgânicas

ou

geométricas. Tens razão quando falas do lugar, porque tenho um vínculo enorme com esse lugar na França. Vou agora mesmo passar dois meses lá. É uma paisagem de campo onde tenho um ateliê. É um local com uma natureza exuberante e orgânica no verão, e fria no inverno, com seus galhos secos contra a neve. Cenários completamente diferentes. No inverno não tem cor e é tudo geométrico, isso me interessa. Se olhares aqui, (mostra um catálogo) verás que tem uma passagem. Isso foi uma exposição recente, mas não é só desenho, é gravura misturada com outras linguagens. Nessa montagem de 12m de largura,

inverno

e

verão,

geométrico

e

orgânico,

se

misturam na medida em que o observador se desloca para ver

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APOTHEKE a instalação. Esse desenho vem da reflexão que a natureza proporciona. Por que é preto e branco? Por que é azul ou verde? Talvez não pareça, mas tudo é extremamente pensado. L.S.: Você poderia comentar se há alguma relação entre o olho que apreende e a mão que realiza na sua relação com a paisagem? T.P.: Eu não fecho o olho, não vejo nada, não imagino uma coisa e tento fazer o que imaginei. E, hoje em dia, poucas vezes desenho de observação. As vezes até desenho, mas não tenho mais esse hábito. Esta coisa mais orgânica surgiu em um momento em que esgotou a série das grades. E aí foi a observação que proporcionou a mudança, mas logo comecei outra coisa. E a coisa dá no confronto com o suporte, papel ou tela. É o fazer que gera o processo do desenho. E quando estou repetindo um gesto, me incomodo. Trabalho há quase quarenta anos, certos automatismos reconheço bem. Muitas vezes estou ali no automático, entende, é fácil. Então preciso criar estratégias para burlar esse automatismo, por exemplo,

trabalhar

com

extensor,

trabalhar

com

a

mão

esquerda, com gravura, como é o caso agora nessa exposição onde misturei uma série de procedimentos a partir de uma série de gravuras, usei muito o computador e só então vim com gesto do desenho. Criei uma nova técnica que nada mais é do que uma estratégia para obter uma gestualidade que me surpreenda dentro do que faço. Essa exposição só aconteceu porque

criei

esse

procedimento.

Esses

trabalhos

foram

idealizados especialmente para o grande espaço da Galeria Bolsa de Arte de Porto Alegre. O catálogo Anagramas dá uma ideia

da

escala

Trabalhei

durante

dos

trabalhos

quatro

meses

no

espaço

nesse

expositivo.

projeto.

havia

produzido as gravuras na Fundação Iberê Camargo no ano passado

e

resolvi

fotografá-las

e

trabalhá-las

no

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REVISTA

APOTHEKE computador

como

parte

de

minha

pesquisa

de

fusão

das

linguagens. Precisei ser muito organizada nesse processo. Somente depois na última camada interferi diretamente com desenho sobre a impressão em grandes dimensões das gravuras anteriormente

fotografadas.

O

processo

começou

com

o

desenho na chapa e foi concluída com desenho sobre o papel impresso.

A cada vez que estou no computador meu olho

seleciona, desenha. Uma vez os impressos ampliados, uma parede tão grande no ateliê, desenhava por partes. Tinha o conjunto no computador no pensamento. Não sou purista para achar que desenho é só lápis e papel, o grupo Atelier D43, que

existe

5

anos,

tem

site

e

página

no

Facebook,

trabalha o desenho misturado ao vídeo e outras linguagens contemporâneas. Catarina

vêm

Seguidamente, à

Porto

jovens

Alegre

artistas

participar

de de

Santa nossas

atividades. 25 L.S.: Na entrevista que realizei com Vergara, o artista fala

sobre

o

desconhecimento

acerca

dos

processos

artísticos contemporâneos e usa a palavra ‘eloquência’ para se referir à obra ‘pronta’ para ser exposta. São questões que a professora colocou aqui. Poderia falar mais sobre este assunto? T.P.: Não é nada correto, mas quando falamos de eloquência muitas vezes vem a palavra ‘grandiloquência’ quase como um sinônimo, não é? Há um texto meu ‘Sobre o Desenho’ que fala da diferença entre desenho e pintura e fala nessa ideia. Em síntese, diz que o desenho não tem a grandiloquência da pintura na História da Arte porque nunca foi uma linguagem em si, isso é muito recente. No século XVII, já havia colecionadores de desenho, mas era uma coisa muito rara, um capricho de poucos. E não eram para colocar na parede, mas para ser visto em mesas, na horizontal, de forma íntima,

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REVISTA

APOTHEKE reservada.

O

desenho

conservou

durante

muito

tempo

a

característica de algo privado. E talvez esse seja seu maior

atrativo.

interessa

por

Mas

um

se

lado,

seu por

aspecto

outro

meu

confidencial trabalho

me

procura

conferir ao desenho uma certa eloquência ou grandiloquência no sentido do grande formato e de abolir o contorno, o que aproxima o trabalho da pintura. São aparentes contradições que nem sempre nos damos conta. Mas penso que através das contradições, o pensamento evolui. L.S.: Gostaria que falasse sobre o desdobramento que ocorre em seu processo criativo que se caracteriza pela mudança de suporte e uso de mídias diversas. T.P.: É! A palavra é esta, desdobramento! Agora produzi uma série com gravura, por exemplo. É um desdobramento natural, um processo que vai acontecendo, às vezes, ao longo de muitos anos. Esse trabalho com a natureza, com o tema dos jardins, que parte da janela, do enquadramento, me levou a fotografar neste lugar da campanha francesa há quase 20 anos.

Não

fotografava

a

paisagem,

as

pessoas,

até

fotografava para meu arquivo pessoal, mas para arquivo de trabalho,

fotografava

o

chão,

o

pedaço

de

árvore.

Ia

relacionando texturas da natureza e de desenhos. Alguns colegas do Instituto de Arte que foram visitar meu ateliê, como Alfredo Nicolaievski, perceberam que a paisagem de Eragny tinha tudo a ver com meus desenhos. Lembro que na chegada disse: desenhos

‘Teresa, da janela do trem eu via teus

passando’.

Era

dezembro

e

os

galhos

negros

pontiagudos e secos se destacavam contra um fundo de neve. Logo depois, fiz uma exposição em um Castelo em Gisors onde havia janelas compridas daquelas medievais, sabe?

Alguns

desenhos ficavam ao lado dessas janelas e pensei: ‘Tem tudo a ver realmente, a paisagem de dentro e de fora’. Nesse

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REVISTA

APOTHEKE momento, comecei a fotografar de forma mais sistemática. Mas

nunca

desenhei

fotografava

a

pensando

partir nos

de

fotos,

desenhos

que

ao já

contrário, haviam

sido

feitos. Queria entender a relação entre uma coisa e outra. Não sabia no que isso iria resultar. Acabou que selecionei umas

duas

mil

apresentações

imagens no

e

Power

comecei Point.

a

associá-las

Fui

criando

experimentando

sem

expectativas e mostrei para um pianista francês, com quem já havia feito algumas coisas, é um músico maravilhoso. Ele gostou muito e me sugeriu criar um vídeo para contracenar com um concerto seu em uma igreja com uma composição de Morton Feldmann (o grande compositor americano do grupo de John

Cage

responsável

pela

fusão

da

música

com

outras

formas de arte). Selecionei por volta de 900 imagens fixas e editei o vídeo de 78 minutos com Eny Schuch, em Porto Alegre. Mais tarde, fizemos uma mini versão de 3 minutos que vou mostrar à vocês. As coisas vão surgindo meio por acaso. Quando fiz o vídeo pensei que algumas poderiam ser impressas. mostraria

Imprimi canetas

para

uma

exposição

Bic.

Embora

ninguém

em

Bruxelas

onde

conhecesse

este

trabalho lá, eu queria mostrar algo novo e expus algumas sequências do vídeo em papel. Claro que fiz uma seleção. No vídeo havia mais de oitocentas imagens. Foi feito para uma catedral medieval que convidava à contemplação. Mas penso que ficar 78 minutos assistindo em uma exposição, poderia ser uma chatice. Então fizemos uma versão de 3 minutos para um

festival,

coloquei

as

que

está

imagens

disponível

impressas

na

no

YouTube.

parede

da

Quando

exposição,

percebi que o pessoal me perguntava com muito interesse. A partir daí, veio a ideia de fazer um livro, achei que seria a melhor forma

de apresentar as sequências! O

fato de

mostrar é importante porque as pessoas te dizem coisas que podes nem ter pensado. Acho que um trabalho artístico deve

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APOTHEKE ser mostrado para existir, para respirar, para que volte para

ti

e

gere

outras

possibilidades.

Essa

troca

é

fundamental. L.S.: Até que ponto a experiência do ateliê é importante para a ação de ensino? T.P.:

A

experiência

compreende

o

do

processo

ateliê de

é

importante

criação,

suas

porque

se

angústias

e

dificuldades, embora não seja só isso que conte na vocação do professor. Às vezes o trabalho de ateliê é sofrido, angustiante, mas essa vivência permite entender e ajudar o processo dos alunos. E, às vezes, o aluno realimenta tua prática, é uma via de duas mãos. Com o grupo Atelier D43, esses

meninos

colega.

Por

com

quem

trabalho,

vezes

eles

me

tenho

dizem:

uma

‘Teresa

relação

isso

eu

de não

gosto’, então procuramos entrar num acordo, é de troca mesmo. Muitas vezes mostro meu trabalho e pergunto o que estão achando. É bacana porque podem aportar coisas que me fazem pensar. São guris muito interessantes e inteligentes. Há

alunos

que

têm

capacidades

que

nós

professores

temos, especialmente agora nessa questão de

não

tecnologia.

Esses meninos sabem muito, por exemplo, utilizar programas e

redes

sociais.

Às

vezes

me

falam:

‘Tu

não

vês

que

nascemos com isto!’, como quem diz, tu vais querer te meter nessa?! (risos). Silvia Carvalho [S.C.]: Então já que o Leandro fez uma pergunta sobre ensino, vou dar continuidade. Você, que é professora de desenho e tem uma produção, em relação às suas

experiências

entre

produzir

Arte

e

Ensinar

Arte,

gostaria que falasse um pouquinho para nós sobre como e quando você se

tornou professora. E como a prática de

ensino teve impacto na sua produção artística no sentido de

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE você talvez ter

menos tempo para produzir ou

isso não

mudou? T.P.: Como é que me tornei... Na verdade sempre quis fazer Artes

Plásticas.

Vim

de

Bagé

ainda

criança

para

Porto

Alegre e não me adaptava. Foi um horror, porque fui para um colégio alemão com uma disciplina rígida e uma cultura diferente,

muito

difícil.

E

gostava

muito

de

desenhar,

então minha mãe me colocou na Escolinha de Artes da UFRGS, onde trabalhei depois como professora, e ali decidi que queria ser artista. E anos depois, foi ali que decidi ser professora de Artes. A Escolinha foi importantíssima na minha vida. Isso de ser artista já tinha decidido desde criança, pois me criei naquele lugar que funcionava no Instituto

de

Artes,

tu

entendes?

Olhava,

através

das

janelas da Escolinha para a sala 43 onde dou aula até hoje e via os alunos do IA desenhando modelos, achava aquilo o máximo. Ainda muito jovem achava importante ter meu próprio dinheiro. Éramos criados num mundo muito diferente do de hoje e eu queria ser responsável por meu sustento para ter a liberdade e viver conforme minhas ideias.

Comecei a dar

aulas particulares de matemática para não precisar pedir dinheiro

a

meu

permanente, mas particulares

me

pai.

Enfim,

essa

era

uma

preocupação

já havia o gosto por ensinar, e aulas deram

isso.

Adorava

matemática

e

não

gostava de ensinar ‘decoreba’, tipo memorizar uma fórmula, queria passar o prazer de pensar matematicamente, isso me estimulava. Os alunos me procuravam muito, as mães traziam outros

filhos,

principalmente

para

preparar

para

o

vestibular. Isso me motivava. E nessa época, com 18 anos, fiz vestibular para Artes, como era meu desejo, mas logo fui morar no Rio de Janeiro para cursar engenharia postal. Foi um desvio maluco e ocasional destino que

eu tinha

escolhido. Fiz um concurso para incentivar meu irmão e

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REVISTA

APOTHEKE acabei sendo aprovada graças à matemática. Enfim, acabei indo porque o curso oferecia uma bolsa vantajosa e eu queria,

antes

de

tudo,

ser

independente.

Mas,

embora

gostasse de cálculo e tal, odiei o tal no curso por causa dos estudos de administração. Em dois anos, voltei para o Instituto

de

Artes.

tinha

certa

experiência

como

professora particular, mas achava que ser professora de colégio

seria

a

pior

coisa

do

mundo,

via

o

quanto

os

professores sofriam nas nossas mãos quando éramos alunos. Mas a escolinha me fez mudar de ideia. Trabalhei anos lá como professora em condições ideais. Sabia que numa escola seria

diferente,

mas

como

não

havia

muita

opção,

fui

trabalhar num colégio de freiras para testar e ganhar algum dinheiro. Era a aula da bagunça, muito difícil. Um dia cheguei no colégio e havia montinhos de argila que os alunos

jogaram

desastre.

Eu

insistindo. vestida

no

teto

pensava: As

aquelas coisas

Não

freiras

daquele

caíam vou

de

na

minha

conseguir!

disseram

jeito, que a

e

que

eu

alpargata,

cabeça,

Mas

não saia

um

continuei

poderia

ir

comprida

e

gente usava na época. Depois fui

trabalhar no colégio João XXIII e, no início, também foi difícil.

Às

complicado

vezes para

eu

chegava

uma

jovem

em

casa

chorando.

inexperiente

tratar

Era com

adolescentes, mas encarava como um desafio e me dizia: Tenho que conseguir! Vou adotar outra estratégia! Continuei persistindo.

Depois

que

consegues

segurar

uma

turma

de

adolescente, tu podes dominar qualquer turma. O adolescente é realmente o grande teste. Aos poucos, comecei a curtir cada pequena vitória e a me apaixonar pelo trabalho. Agora, a outra questão. Tu perguntas como era ensinar e ao mesmo

tempo

ter

o

meu

trabalho

artístico,

se

não

prejudicava no sentido do tempo. Claro, nesse sentido sim, sempre

prejudicou.

Produzia

nos

finais

de

semana,

nas

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REVISTA

APOTHEKE férias, quando podia. Teve uma época que dava aula da manhã à

noite.

Sempre

tendo

uma

produção

pessoal,

mas

por

necessidade mesmo, não tanto com a pretensão de ter uma carreira

artística.

Eu

fazia

exposições

mais

ou

menos

regulares quando achava que tinha algo que valia a pena ser mostrado. Tinha colegas com essa determinação, mas eu ia fazendo as coisas que surgiam

e que gostava.

Todas as

experiências nessa área me interessavam. Depois, já com certa experiência, quando fui para Espanha, fiquei mais dedicada ao trabalho pessoal. Mas, foi só depois de ter feito Doutorado na França, quando tive que pedir licença da Universidade em Porto Alegre e voltar para lá, sem vínculo aqui, é que me dediquei realmente em tempo integral durante três anos ao trabalho como artista. Nesse período, senti pela primeira vez esse gosto. Ter tempo integral muda a maneira de pensar e trabalhar. Penso que isso me permitiu um salto grande na reflexão e na qualidade.

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Havia marcado uma exposição na Bolsa de Arte quando fui viver em Eragny sur Epte. Embora esse lugar seja ao lado de Paris, fica na campanha e não é do meu feitio ficar parada vendo as estrelas. Queria ter um compromisso de trabalho garantido. Fiquei com medo do tédio, mas nunca aconteceu! Também pensei que iria sentir saudades de minhas aulas, mas não. Foi um período riquíssimo de produção, exposições e parcerias com artistas de lá. Depois voltei, é claro, mas foi difícil. E não porque não goste de ser professora, preciso das pessoas, por muito tempo me considerei mais professora do que artista. Sou uma professora mais de sala de

aula

mesmo,

esta

é

minha

praia.

Não

viajo

muito

à

trabalho, não quis ir para a Pós-Graduação. Procuro fazer o melhor que posso na Graduação, que deve ser fortalecida com pesquisas sérias e aulas interessantes. Procuro fazer isso;

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APOTHEKE escrever e fazer exposições sozinha ou com alunos, sempre que acho que vale a pena. Enfim, nessa época, foi difícil de abdicar desse tempo integral e recomeçar como professora. S.C.: Dessa forma, você consegue lidar com seu processo artístico? T.P.: É. Mas menos do que se eu tivesse mais tempo, é claro. Já estou com 60 anos e, se eu tivesse pensado que um dia iria envelhecer, sim porque envelhecer e morrer eram abstrações, se tivesse descontado para aposentadoria, já teria mais do que tempo para me dedicar somente ao trabalho pessoal agora. Mas, se não fiz, talvez seja porque, no fundo, queira continuar trabalhando com ensino, sei lá. Sou muito obcecada por trabalho, descanso trabalhando. (risos) S.C.: Como você pensa o ensino de Arte na Instituição de Ensino Superior? T.P.: Pois é. Tu sabes, a gente estava comentando isso aqui,

né?

(Ateliês

da

UDESC)

Um

espaço

maravilhoso

e

ninguém. Realmente, não vi nenhuma pessoa trabalhando aqui a não ser aquela menina ali embaixo, na cerâmica. Não tem o que te dizer. No Instituto de Artes não é tanto assim. Aqui, fiquei mais espantada porque a estrutura é muito melhor e o número de alunos trabalhando, muito menor, um deserto. Mas lá também temos alguns ateliês com muito menos gente

trabalhando

do

que

gostaríamos.

Penso

que

muitas

vezes os alunos não tomam posse dos seus próprios espaços públicos, do que pertencem a eles. Isso não é só no Brasil. O

que

acontece

no

Brasil

é

que

os

alunos

Universidade muito desinformados, vocês sabem Ensino

Básico

é

fraco,

e

chegam

sem

a

menor

chegam

à

que nosso noção

de

História da Arte. Sabem mais ou menos quem foi Picasso e olhe lá... sabem que Van Gogh cortou a orelha. Em geral, é

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REVISTA

APOTHEKE só. E já começam na Universidade com uma informação de ponta,

trabalhando

com

filósofos

contemporâneos,

lendo

Bordieu, quando não sabem quem foi Platão. Posso estar enganada, mas me parece que não existe uma História da Arte linear que permita uma relação de causa e efeito, não se fala mais nisso. A própria palavra ‘didático’ se tornou uma coisa feia, como se fosse burro ser didático. Acho isso pretensioso e fora da nossa realidade. Exposições públicas devem

ser

para

que

as

pessoas

entendam.

Tu

podes

ser

didático e não subestimar a inteligência do público, mas fazer

uma

coisa

que

instrua

também.

Acho

que

isso

é

honestidade intelectual. Então, muitas vezes, isso afasta o aluno da Universidade no sentido mais genuíno. O ambiente acadêmico às vezes propicia isso, em outros países também. Precisamos

de

mais

humildade

intelectual,

desculpe,

a

palavra acho que não é essa, mas de um certo realismo. Precisamos entender que esse aluno que entra na faculdade, é como é e não como gostaríamos que fosse. A meu ver, seria importante que no primeiro e no segundo ano pudesse ter uma base de História da Arte e de Desenho de forma mais linear. Não adianta começar com Arte Conceitual sem ferramentas básicas importantes. É em geral complicado para um aluno desinformado

entender

Arte

Contemporânea.

A

fusão

das

linguagens na música, na literatura, não é tão manifesta, mas as Artes Visuais se tornaram um balaio de gato onde cabe tudo e tudo é possível. É claro que essa liberdade é bem-vinda

e

que

o

aluno

precisa

ser

inserido

na

contemporaneidade. Mas precisaria conhecer e compreender certas relações introdutórias. Senão, que liberdade terá para poder analisar, criticar, escolher? É importante vocês chamarem também professores aqui, como no caso Frantz, que não são acadêmicos, isso eu já acho uma abertura que não acontece muito e é muito bacana.

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REVISTA

APOTHEKE Jociele Lampert [J.L.]: Aqui isso também não acontece, a gente faz acontecer, a gente força. T.P.: Isso é muito legal. J.L.: Mas esse é o nosso papel também. T.P.: É claro. Tens razão Joci, se a gente não fizer isso quem é que vai fazer? Com o Ateliê D43, o grupo que é parte de

minha

pesquisa

procedimentos desenho

e

‘Desenho,

gráficos

seus

e

Gesto

outras

cruzamentos,

mídias’

misturas

e

Pensamento: e

de

trabalha um

o

desenho

contaminado por outras linguagens, a gente faz círculos de conversa com artistas. Chamei artistas amigos que vinham no amor, sem ser pagos nem nada. Vinham fazer um bate papo, sem microfone, na sala 43, a sala de desenho que deu nome ao grupo. E todos os artistas convidados são de fora da Universidade. Chamamos pessoas para falar de assuntos que têm a ver com a essa pesquisa. Jorge Furtado, cineasta, por exemplo, foi falar sobre história em quadrinhos, desenho e cinema, Mauro Fuke foi falar sobre desenho como projeto, designer. Cada um pensando desenho num aspecto a ver com o trabalho

do

grupo.

Mas

a

gente

não

chamou

ninguém

Universidade justamente para abrir. Na nossa ‘Lugares

do

desenho’,

tampouco

chamamos

da

exposição,

professores

da

Universidade. Quando realizei a exposição ‘Porto Alegre em foco’,

com

Eny

Schuch,

com

478

participantes

do

mundo

inteiro na Pinacoteca do IA em 2004, da mesma forma. Sempre procuro sair um pouco do âmbito acadêmico, senão fica a coisa fechada no nós para nós mesmos, não é?! Na França, tenho

uma

amiga

que

diz

que

na

Universidade

se

auto

reproduzem. O estudante sai da Graduação e vai fazer a Pós e a Pós da Pós. Frequentemente, vira professor e quando faz exposição é, muitas vezes, dentro de um circuito acadêmico.

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REVISTA

APOTHEKE Esse círculo vicioso que acontece em todas as profissões. Mas

justamente

o

conceito

de

Universidade,

no

sentido

genuíno, é também abrir para a comunidade, o universal. Segundo momento: S.C.: Eu tenho o questionário do Joe Fig, podemos? T.P.: Pode ser. S.C.: 1. Quando foi que você se considerou uma artista profissional e quando se sentiu capaz de se dedicar em tempo integral à Arte? T.P.: Never (risos). Não consegui ainda, em certo sentido estou

louca

para

me

aposentar

e

conseguir.

Quando

me

considerei profissional, não sei. Nem sei muito bem o que é ser profissional. Quando fazia Matemática e Artes, quase me formei em Matemática, mas chegou um momento em que tive de optar. Lembro que, nesse período, o primeiro trabalho que vendi numa exposição em 79, foi para Dona Alice Soares, que era minha professora. Ela me dava muita força e talvez tenha comprado só para me incentivar. Eu adorava a maneira como ela ensinava, não tanto o trabalho dela, mas as coisas que

falava

como

professora,

isso

também

foi

importante para me tornar artista e professora. dizem

para

fazer

um

currículo,

onde

é

que

muito Quando

começa

um

currículo? Desenhar sempre desenhei, todo mundo desenha. Considero que comecei a me profissionalizar quando comecei a expor. Mas posso dizer que, apesar de tantos anos de trabalho, faz muito pouco tempo que comecei a achar que realmente meu desenho tinha alguma coisa mais genuína a dizer, foi quando estava na França. Foi aí que comecei a me achar capaz de aportar alguma novidade, tanto no plano prático como teórico. Bem recentemente. Claro, em várias ocasiões as pessoas elogiam e tal, mas sempre relativizo e fico pensando que, quem não gosta, não fala.

Então só

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APOTHEKE recebes os elogios quando seria importante receberes também críticas,

que

raramente

vem.

Quando

se

ouve:

‘Nessa

exposição, só recebi elogios’... é normal, só se recebe elogios mesmo e isso, em si, não quer dizer muito. Mas tem alguns elogios que fazem com que a gente se acredite, ‘Que a gente se jure’ como diz um sobrinho meu. Lá na França, recentemente,

aconteceu

isso

com

algumas

pessoas

cuja

crítica e opinião foram importantes para mim. S.C.: 2. E, então, quanto tempo tem estado em estúdio? T.P.: Ah, pois é. Por exemplo, agora que estou para fazer essa exposição, eu ficava trabalhando todo o tempo que eu não estava dando aula. Ficava obsecada, sem sair, dormindo pouco e sem descanso. É de manhã, de tarde, de noite, domingo, sábado. A casa estava vazia, eu a invadi e fiquei trabalhando full time. Em geral, sempre fico, mas quando tenho

um

compromisso

assim

não

posso

fazer

mais

nada,

porque imagina preparar, fazer tudo isso em cinco meses. Agora, por exemplo, tenho um projeto, um trabalho que vou fazer com o Vagner Cunha, que é um disco e um DVD. Mas não sei para quando vamos conseguir, pois tanto ele quanto eu somos muito ocupados. Em geral, sempre que saio de um trabalho já tenho outros. Se não tenho, invento, já me acostumei a viver assim e preciso disso. Normalmente, são muitas coisas ao mesmo tempo, mas as aula são prioridade e uma atividade contínua. Quando se faz o que se gosta é uma benção na vida, a maior delas. As pessoas mais próximas reclamam

que

estou

sempre

trabalhando,

que

preciso

me

interessar por outras coisas! (risos). Aí tenho medo de virar

aquela

esquisita,

que

ninguém

aguenta

(risos),

obsessivo total, insuportável. Fazer o quê?! S.C.: 3. Quando você começou a trabalhar neste espaço?

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APOTHEKE T.P.: Voltei da França em 2009, e em 2010 fui para este ateliê. Não é tão grande, mas tem um terraço com uma vista muito linda. Dos locais que tive para trabalhar, em Porto Alegre, este é o melhor. É uma cobertura de dois andares e em cima fica o ateliê. S.C.:

4.

A

localização

de

seu

estúdio

influenciou

seu

trabalho de alguma forma? T.P.: Eu já tive vários estúdios, que chamo de ateliê, em locais diferentes, mas em geral onde moro, nunca gostei de me deslocar, perderia muito tempo. Se estou em casa, posso trabalhar

até

três

horas

da

manhã,

dormir

e

voltar

a

trabalhar. Se morasse longe, dependeria de táxi porque não dirijo e, para mim, facilita muito. Quando eu morava em apartamentos menores, fazia um tanque e um ateliê, deixando o quarto menor como quarto. Era mais ateliê do que casa. Lá na França era assim também, por quatro anos em Paris. Morava em uma zona mais nova, em um prédio bem alto na Place d’ Italie,

onde se via

através de uma

janelinha

aquelas ogivas do Panthénon e a Torre Eiffel, tipo cartão postal. Aquele

monte de janela

e de grades,

querer,

influenciando

trabalho.

acabam

o

No

mesmo sem ateliê

que

pertenceu a Pissarro, que era pertinho de casa, não podia trabalhar de noite nem no inverno, pois não tinha luz ou aquecimento. Desenhava num cenário de natureza e isso ia integrando o trabalho sem que, muitas vezes, eu me dessa conta. S.C.: 5. Você pode descrever um dia típico em sua vida? T.P.: Eu gosto da rotina. Porque minha vida já teve coisas nada

banais

e

muito

difíceis.

Fico

contente

de

voltar

provisoriamente ao cotidiano depois de uma exposição muito movimentada. Sempre me entrego demais nessas coisas, não

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APOTHEKE sei ser diferente. Mas gosto de ficar menos acelerada, ver um

filmezinho.

Antigamente

eu

talvez

não

gostasse,

mas

agora gosto da rotina, embora mantê-la me seja difícil. Sempre tem coisas inesperadas, vernissage de um aluno que tens que ir, de outro que escreveste o texto. Faz parte da minha vida e gosto, mas depois de tantos anos, muitas vezes prefiro ficar trabalhando com minhas coisas. Sou uma pessoa falante,

gosto

de

encontrar

os

amigos,

mas

tenho

necessidade também de silêncio. Se me disseres: ‘Vais ter dez

dias

sem

ótimo. Consigo

falar

com

ninguém,

fazer isso com

trabalhando’,

prazer, sabe.

acho

Porque o

melhor é fazer o que se gosta e nesses momentos não me sinto

sozinha.

Quando

chega

a

hora

de

mostrar

numa

exposição é importante e necessário, é isso que dá sentido ao trabalho. Mas o melhor mesmo é fazer, quando surge algo e se tem a felicidade solitária de um momento raro que apaga a angústia e a fatiga. É muito intenso e especiífico. O prazer de gerar uma coisa é diferente do prazer de ler um livro

ou

ver

um

bom

filme.

Enfim,

uma

experiência

intransferível como todas as experiências intensas. Assim como a angústia que acompanha a criação. Sempre acho que não vai sair mais nada de novo, que já fiz o que podia fazer. Mas uma coisa vai puxando a outra e o trabalho mesmo vai abrindo caminho. Porque é engraçado isso, ele se auto gera, como se fosse uma coisa meio mediúnica (risos), mesmo que a gente não force nada. S.C.: 6. Você costuma ouvir música, rádio, TV quando está trabalhando, e isso afeta seu trabalho? T.P.: Quando estou trabalhando ou fazendo um texto não gosto

de

ouvir

nada.

Mas

quando

estou

desenhando,

dependendo do trabalho, às vezes consigo ouvir música sim, e às vezes até rádio. Foi o que aconteceu na fase mais

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APOTHEKE manual daqueles desenhos que vocês viram com canetinha Bic, um

trabalho

muito

miudinho

que

tenho

que

colocar

na

vertical para ver e só depois executar na mesa. Era como um bordar sobre papel. Um bordado que durava muito tempo e que requer mais paciência do que tudo que costumo fazer. Gosto de ouvir música e de ver filmes na TV, comecei com esse hábito morando no campo onde não tinha muito como ir ao cinema, mas de me concentrar no que estou escutando. Poder

ver

um

filme

em

casa,

aqui

nós

temos

essa

possibilidade de gravar quando tem um filme de Arte ou um programa novo. Vejo o jornal, essa rotina eu gosto. Às vezes, dou uma parada para ouvir uma música. E gosto de ler também. Quando jovem lia mais poesia, mas agora é mais romance. Agora me apaixonei por aquele português o Valter Hugo Mãe, muito bom. Aí pego vários dele. Às vezes leio livros de Arte, mas não de forma tão sistemática como fiz durante muitos anos.

Voltei para os romances, que adoro,

embora leia menos e mais devagar do que gostaria. S.C.:

7.

Que

tipos

de

tinta

você

usa,

que

tipos

de

não

tão

materiais você usa? T.P.:

Sempre

gostei

muito

de

usar

materiais

comumente utilizados por artistas, alguns que normalmente crianças usam, como lápis de cor ou grafite e materiais banais, mas uso materiais de boa qualidade. Tento tirar o máximo proveito desses utensílios simples como a canetinha Bic, que emprego por ser o instrumento da escritura e mostrar

o

gesto

pequeno

da

mão.

Consultei

vários

profissionais e sobre a duração da caneta Bic com a ação da luz. Qualquer material que sofre ação do sol e da luz vai esmaecer. Mas, na caneta esferográfica, isso é pior por causa

do

chumbo.

Quando

se

coloca

o

vidro,

filtra

bastante. Existem vidros para Museus que tem filtro UV, mas

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APOTHEKE são

tão

caros

exemplo.

A

que

solução

é

se se

justifica aplicar

num

no

Van

vidro

Gogh,

por

molhado

uma

película do tipo que se coloca nos carros que, em vez de fumês, existe também transparente. Tem que saber colocar mas é um bom filtro, não só para a caneta Bic, mas para proteger outro tipo de material. S.C.: 8. Fale-me um pouco sobre suas paletas de pintura. T.P.: Comecei com o que considero pintura, na Espanha, com um

pintor

influenciado

pela

Escola

de

Nova

Iorque,

um

espanhol que adoro, Carlos León. Seu trabalho ainda me fascina, fazia coisas imensas. A gente trabalhava numa nave imensa e instalava as coisas no chão. Não trabalhávamos com tinta pronta. Lá em Madri, tinha uma loja antiquíssima, só de pigmentos, que vende a granel, sabe. Vão colocando meio quilo de amarelo cádmio em saquinho de papel pardo, uma maravilha. E neste ateliê, cada um tinha um espaço grande e fabricava

as

aglutinantes.

suas Mas

tintas

misturando

ultimamente,

com

pigmentos

desenho,

e

utilizo

materiais prontos que compro na França e trago. O que faço não é mais pintura, embora tenha a ver com pintura no sentido de que não há mais contorno, a linha cria texturas. Não

existe,

como

na

forma

fechada

pelo

contorno,

uma

relação de figura fundo. São campos de tonalidades. Quando optei por fazer essa exposição, pensei: Vou fazer só com 3 cores, tudo foi decidido antes. Aqui serão quadrados, nessa parede terá um vertical para quebrar o ritmo.

Ali deverá

ir o vídeo. Pensei em trabalhar com cores frias, que tinham a ver com caneta Bic, sobretudo para compensar um gesto que é forte, emocional.

Essa compensação é necessária para

estabelecer a tensão. Se trabalhas com cores muito quentes e energia forte, estás dizendo duas vezes a mesma coisa. Precisamos

de

contrapontos.

A

primeira

vez

que

vi

a

Guernica na Espanha, uma das coisas que me impressionou

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APOTHEKE foram as cores frias; isso não tirava sua força dramática, mas ao contrário, a tornava mais potente. Se

as cores

fossem quentes, poderia haver um efeito redundante como um ator

exagerado

que

não

convence.

Uma

emoção

contida

adquire mais força. Senti algo parecido com as cores frias de uma pintura de Joan Michell, no Museu de Grennoble. Ela pintava de um jeito explosivo, meio Cy Twombly. Sempre achei que era uma versão contemporânea de Monet, vizinho e compadre

de

Pissarro,

depois

descobri

que

a

artista

canadense morava pertinho de Eragny e de Giverny.

Queria

fazer uma grande instalação, aproveitando a arquitetura da galeria,

que

mostrasse

esses

gestos

quentes

com

cores

frias, por isso optei por verdes e azuis. Um trabalho mais colorido tem um apelo de sedução imediato, acredito que as pessoas gostem mais, mas não era o que eu queria. Dentro da História da Arte, sempre teve aquela pendenga entre a cor e a linha, o desenho e a pintura, de a cor ser um ornamento etc...

O

Duchamp

falou

justamente

dessa

arte

retiniana

etc... que valorizava mais a coisa do olho, que era o que os

impressionistas

imaginou

que

ele

faziam. seria

Na o

verdade, Duchamp,

o

Duchamp

nunca

teria

essa

que

importância toda. Talvez muitas coisas que se falam sobre ele sejam até viagem. Acho interessante pensar que quando ele fez aquele ato inaugural do ready-made, não foi o único responsável, quem permitiu que o objeto fosse exposto foi tão revolucionário quanto ele. São os atores esquecidos da História. Mas isso é outro assunto. S.C.: 9. Existem objetos específicos (no ateliê) que têm um significado importante para você? T.P.:

Não

sei

se

um

significado,

mas

uma

importância

prática também. Gosto de ter os livros todos no ateliê. Hoje, por exemplo, trabalho muito com computador, e tenho

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APOTHEKE que ter quase um estúdio de fotografia, tripés, máquinas, iluminação. As coisas têm que ser bem fotografadas. Tive que investir nisso. E também em projetor e material para vídeo. Mas, meus lápis continuam nas mesas e as paredes forradas de tábuas para eu poder fixar os trabalhos. Quase nunca trabalho na horizontal. A não ser com caneta Bic que precisava de uma mesa bem grande e colocava na parede apenas para poder enxergar o trabalho. O ateliê tem de ser uma coisa muda em função do trabalho, as mesas se desfazem sobre cavaletes. Quando trabalho na vertical, muitas vezes uso escada para fazer coisas mais altas. Esses aqui, quando estavam no ateliê, precisava fazer de dez em dez e ia numerando como se fosse uma matriz. Tinha que ficar em uma escada ou banquinho para trabalhar. É um trabalho físico que não sei até quando poderei fazer. Por causa do desenho, tenho há anos problemas de bursite. As vezes dá muita dor. Por exemplo, quando trabalhas com a ponta seca, tem que vir com muita força. Mas, a gente vai levando, sempre tem um dorzinha ou outra. Faz parte da vida, vai fazer o quê? Vai parar por causa disso? Tem amigos que dizem: ‘Tens 60 anos, faz coisas pequenas’. Mas, enquanto der, vou trabalhando. S.C.: 10. Você tem ferramentas que são exclusivas para o seu processo criativo? T.P.: Depende do que estou fazendo, agora por exemplo, uma das ferramentas é o computador, máquina fotográfica, nesse momento é isso. Por exemplo, eu preciso mandar imprimir, preciso usar o Photoshop, usar determinados programas e depois o lápis, o papel. Não desenho com o mouse, uso o lápis

e

papel,

experimento

mas

efeitos

tenho com

essas

elas.

ferramentas

Tem

esses

e

também

trabalhos

de

1,60x1,60cm, tudo o que é preto foi impresso. O desenho em lápis de cor vem em cima do que foi impresso e antes era

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APOTHEKE gravura. Os verdes e azuis são desenhos. Aqui, por exemplo, eu fui com lápis de cor e usei também muita água, fui lavando até que resolvi. Ali, já é um outro processo, são os trabalhos que estou fazendo, grandes. Essa é a primeira parte, só preto e branco. Nesse aqui, passo pigmento, azul da Prússia, é muito volátil e começou a entrar no nariz, é chumbo, não dá. Comprei uma máscara e trabalho assim, tipo astronauta, de máscara e óculos, com umas roupas terríveis, uma

coisa

engraçada

e

incômoda.

Machuca

o

nariz,

coceira, tem de tirar aquela máscara, é muito chato, mas é o único jeito. São cuidados mínimos. Esses aqui compridos, refiz porque o branco não ficou bem branco, o ruim é que é caro imprimir nessas dimensões. Trabalhei também com alguns grandes marrons. Olhem para essa cópia e para essa, ficaram bem diferentes, são de uma gravura pequena. Aqui é o que vocês viram na caixa da Joci, já é outra coisa, são fotos e desenhos

justapostos.

que

aqui,

é

uma

gravura,

uma

gravura sobreposta a uma foto, misturando as imagens e criando uma terceira. Como pediram um trabalho para uma exposição de fotografia e eu não queria mostrar o que já mostrei, surgiram essas imagens sobrepondo outras que tinha guardado. Já tinha pensado em fazer isso. Os frames no vídeo que geraram essas imagens da caixa vão entrando um no outro e pensei: porque eu não faço isso na impressão? A ideia já existia, só faltava a oportunidade para botar em prática. As coisas vão se desencadeando. S.C.: 11. Você trabalha em um desenho de cada vez ou em vários ao mesmo tempo? T.P.: Depende do espaço que disponho. Tive a oportunidade incrível de trabalhar no antigo ateliê do Pissaro. O local ficou cem anos deserto, sem ninguém entrar para trabalhar desde sua morte

em 1903. A proprietária do local, que

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APOTHEKE conheço há muitos anos, me abriu as portas do

ateliê.

Fiquei lá durante muito tempo, não imaginas. Ali fizemos inclusive

dois

filmes,

um

feito

por

mim,

sobre

a

experiência a quatro mãos com a artista chinesa Dai Zheng, quando terminei minha Tese de Doutorado em Paris. Levamos um monte de coisas, tinta e tudo, fizemos uma super faxina, porque estava um horror. O vídeo se chama ‘Três dias a quatro

mãos

no

ateliê

Pissaro’

e

foi

mostrado

em

uma

exposição com o mesmo título feita em Gisors, uma cidade próxima,

para

comemoração

dos

cem

anos

da

morte

de

Pissarro, e em Paris. Anos depois, em 2009, trabalhando sozinha lá, convidei dois artistas franceses que ficaram uma semana repartindo o ateliê comigo. O cineasta Sylvain Palfroy, que havia feito um filme sobre Pissarro, ficou uma semana filmando nosso trabalho e realizou um filme chamado ‘Três pincéis e uma conversa’ (em tradução aproximada). Esse filme é maior e com maiores recursos. Mas voltando à tua pergunta, quando trabalhava sozinha nesse ateliê, fazia vários

trabalhos

enorme,

quadrado,

ao e

mesmo eu

tempo,

podia

porque

colocar

o

espaço

muitas

folhas

era de

1,50x1,50cm ou mais. Aproveitava a altura máxima dos rolos. Aqui,

faço

1,62x1,62cm,

a

altura

máxima

para

imprimir.

Gosto do formato quadrado, é mais neutro, nem paisagem, nem retrato. Então, ia trabalhando ao mesmo tempo um monte de desenhos. Como estavam todos ali, ia resolvendo tudo junto, acrescentando as camadas. Podia comparar e estabelecer a relação

entre

eles,

ver

aqueles

que

não

estavam

bem

resolvidos em relação aos outros, tinha recuo. Em casa não tenho essas condições, coloco dois grandes, não mais do que isso. Nessa época, eu trabalhava religiosamente durante todo o dia. Acordava de manhã cedo, fazia ginástica, ia para lá trabalhar, super metódica. Trabalhei muito nessa época, de

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APOTHEKE chegar em casa e ter aquela sensação boa de um cansaço físico. S.C.: 12. Quantas vezes você limpa o seu estúdio, e qual o efeito disso sobre seu trabalho? T.P.: Eu limpo pouco, eu sou meio bagunçada. Mas, em geral quando vou recomeçar a trabalhar, preciso dar uma limpada. Agora, tenho muita dificuldade para me organizar, botar fora as coisas. No meu computador se vocês tivessem a noção da quantidade de imagem... aí eu compro outro HD e vou botando no outro, e já não sei mais se está nesse ou no outro, é uma confusão. Mas como é que eu vou fazer para organizar a quantidade de imagens tenho?

Vou ficar anos

organizando e deixar de fazer coisas mais interessantes. Deixa assim, vou morrer antes (risos). Vou colocando dentro dos

HDs

e

organizar,

pronto. se

não

O

computador

te

é

organizas

o

mais

desde

o

difícil

de

início,

é

complicado. Então, quando não acho um arquivo, procuro e acabo encontrando mesmo que demore mais. S.C.: 13. Quando você está pensando em seu trabalho onde você costuma sentar ou ficar? T.P.:

Quando

estou

muito

dentro

da

coisa

vou

dormir

pensando, louca para acordar e resolver. Como um desenho, um texto, deixo dormir, no outro dia, vou lá e olho. Às vezes tu olhas e parece que está bem, mas no outro dia não está. Muitas vezes, peço opinião para alguém. Depende do trabalho.

Essa

montagem,

resolvo

no

computador,

é

onde

penso a composição, é mais cerebral. E penso meus trabalhos sempre em função do local. Nunca fiz uma individual sem conhecer o espaço. Se precisar, viajo. Me dá nervoso fazer uma exposição em um lugar que não conheço. Quando fiz uma exposição em Bruxelas, fui lá

conhecer e pensar o que

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APOTHEKE colocar naquele espaço. Não consigo só por fotos, não dá. Quando é coletiva, esse problema é de quem organiza. Quando fiz aqui, já sabia exatamente onde cada coisa iria, quando fomos montar foi fácil. Claro que mesmo que saibas, que tenhas na tua cabeça e no papel, às vezes quando estás dentro do espaço, tudo muda e tens que mudar. Mas preciso ter um plano para me sentir segura. Ao mesmo tempo que sou desorganizada para algumas coisas, sou tri obsessiva para outras. Na exposição individual deste Territórios da folha, que o Eduardo Veras fez a curadoria, fizemos uma super organização, pois a mostra tinha um cunho retrospectivo. Tínhamos que garimpar onde estavam alguns trabalhos etc. No espaço menor, Eduardo queria trabalhos pequenos e vídeos. Fiz até uma maquete onde íamos colocando os quadradinhos impressos em escala. Sabíamos onde colocar, se não iriam ficar

malucos,

pois

eram

muitos

trabalhos.

Imagina

não

saber onde vai ser o quê?! Em geral, eles têm pouco tempo para montar e muitos problemas técnicos a resolver. Havia poucos recursos, mas trabalhamos realmente em parceria e tudo deu certo.

Eduardo foi um

super curador.

Eu, que

sempre concebia as exposições sozinha, adorei trabalhar com ele e a equipe do Museu. S.C.: 14. Como é que você escolhe/cria os seus títulos? T.P.:

Ah,

eu

não

tenho

como

pensar

títulos

para

cada

desenho, por isso intitulo-os por séries. Este vídeo, por exemplo, ia chamar Outono, o Vagner, que tinha feito a música pensou numa série de prelúdios, depois pensei que Outubro tem um nome parecido e traz essa sazonalidade do outono, achei um mês mais bonito que uma estação. Agora, para uma exposição eu penso muito num nome. Alguns eu tenho na manga para usar um dia. Para essa, eu não achava um nome, tinha pensado em combinações, procurava, perguntava

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APOTHEKE para

os

amigos,

fazia

enquete.

Acho

que

através

de

pesquisas na internet, veio essa palavra Anagramas que caiu como uma luva, pronto, achei na hora. A outra, Territórios da folha - paisagens de Teresa Poester, demorou. Pensei em Fronteiras porque

não

da

paisagem,

me

vinha

que

era

outra

título

cois.

da

Eduardo

minha

tese,

queria

que

aparecesse o nome paisagem que era a costura da coisa. Aí chegou o poema de uma amiga, que tinha essa frase. Aquela, não sei quantos quilômetros em linha, também veio assim. Estava

pesquisando

a

duração

de

uma

esferográfica

e

encontrei a distância percorrida pela caneta Bic. Comecei a pensar nos quilômetros de linha que já devia ter percorrido com meus desenhos. Às vezes são outras pessoas que dão o título. S.C.: 15. Você tem assistentes? T.P.: Às vezes tenho para coisas específicas. Tem uma amiga que me ajuda em

trabalhos que

comercializo na

loja da

Fundação Iberê, se encarrega dessa parte. Às vezes, quando estou trabalhando com vídeo, chamo alguém que me ajude naquele

trabalho

específico.

Felizmente,

sempre

tenho

alguns alunos ou ex-alunos muito bons para determinadas situações. Quando fiz o mural grande para a praça de um Centro Cultural em Bagé, tive uma assistente que trabalhou com cerâmica comigo, que botava no forno, tirava do forno, essa parte técnica. Era excelente essa moça. Então pego assistentes para certas demandas. Às vezes vejo esses guris de trinta anos, todos com assistentes, e penso: ‘Ah, eu devia ter uma assistente’ (risos). Tenho uma amiga que diz: ‘Teresa, você é uma artista, devia ter várias assistentes, devia ter um séquito de assistentes’, mas sou desorganizada e, do jeito que eu sou, chega assistente lá e eu digo: ‘Então tá, hoje eu estou noutra’. Para o assistente vai ser

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APOTHEKE um problema (risos). Porque para dar trabalho, vou ter que me organizar, e não sei se vai dar muito certo. Eu faço muita coisa e preciso mesmo, mas vou levando assim com estes ajudantes. Um assistente só teria de saber muitas coisas diferentes, mexer em site, mexer em vídeo, ser bom nessa parte de organização e é difícil de encontrar tudo num só. S.C.: 16. Alguma vez você trabalhou para outro artista? T.P.: Eu trabalhei com outros artistas, não para outros artistas, a não ser fazendo cenários para teatro e cinema, mas foi uma experiência curta. Lá na França, por exemplo, trabalhei em parceria com vários artistas, como a pintora chinesa ou o pianista de quem falei antes, e também com Marianne Chanel e Françoise Valléé, que fez comigo várias exposições e trabalhos a quatro mãos. 48 S.C.: 17. Como artista, você tem algum lema ou credo? T.P.: Não, ou talvez sim, porque acredito que a Arte pode fazer as pessoas viverem melhor e não poderia me imaginar fazendo outra coisa. Sei que isso me segurou em momentos muito difíceis e que, sem isso, não sei se teria conseguido prosseguir. Provavelmente, esteja sendo ingênua, mas como artista ou como professora, se pudesse contribuir para que algumas pessoas acreditassem mais na vida e em si mesmas, já seria muito bom. Existe uma ética na Arte, uma ética de liberdade, e acho que isso é o mais importante, porque o resto passa e é rápido. A liberdade de criar é uma coisa pela qual se tem de lutar todos os dias.

Tampouco se pode

depender de as pessoas gostarem do trabalho, tu dás aula, daqui a pouco estás expondo numa galeria, na rua com teus alunos, daqui a pouco estarás fazendo um mural que não tem nada a ver com isso. Se ficas só em uma coisa, acabas

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APOTHEKE dependendo demais daquilo e sofres se aquilo não funciona. É importante abrirmos frentes. É bom saber pintar, saber fazer

vídeo,

artista

saber

gráfico,

montar do

um

cartaz,

diagramador,

sem

te

depender

do

mobilidade,

liberdade. E essas atividades todas se somam, pois tudo isso faz parte da criação. S.C.: 18. Qual conselho você daria a um jovem artista que está começando? T.P.: Tenha curiosidade. E trabalhe muito. Não vai vir algo de fora, do outro. Tenha persistência. vejo

menos

por

é

o

pessoal

Porque o que eu

tendo

curiosidade

e

persistência. Acho que isso talvez tenha mudado com essa coisa de internet, com a facilidade que se tem hoje em fazer pesquisa. Nós vivemos em um mundo de informação e de excesso, isso não incentiva as pessoas a buscarem. Saber querer, ter vontade. Parece que as pessoas ficaram meio blasé, que tudo já vem pronto e já foi visto, e não é assim. A curiosidade é fundamental. Então, acho que o papel do professor não é tanto dar informação, mas proporcionar reflexão

mesmo,

que

não

vem

assim

com

um

clic

no

computador.

¹

Extrato de entrevista com a Artista Professora Teresa Poester realizada por Silvia Carvalho, Leandro Serpa e Jociele Lampert, no Ateliê de Pintura do Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis, no dia 08 de setembro de 2015, na aula aberta promovida pelo Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke. Parte da entrevista teve como referência o questionário presente no livro de Joe Fig, Inside The Painter´s Studio(Princeton Architectural Press, 2009).

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Grow love with me de Yoko Ono, presente de um amigo. Fotografia da maleta de meu pai com terra do/no lugar onde nasci. Ao fundo, coleção de terras.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

Nós em corpos, paisagens e afetos

A artista entra na sala, calada, e caminha tranquilamente até o público que a aguarda sentado no chão. Ela senta em uma cadeira de madeira. Um dos seus sapatos, o do pé esquerdo, está com o cadarço desamarrado. Ela dá um nó. Desfaz o laço do sapato do pé direito e faz outro nó. O que se segue é uma sequência de nós nos cadarços. A artista sentada dá nós em silêncio.1 Leva-se tempo para aprender a fazer laços no cadarço. Passamos anos dando nós. O nó nos permite andar sem cair, o nó é a garantia de que o cadarço não se soltará e de que não seremos surpreendidos com ele agarrado no próprio caminhar. Em 1967, o artista Richard Long caminhou em linha reta por uma paisagem da Inglaterra. Sua intervenção naquele solo é a experiência do corpo do artista transformada em imagem. Um corpo “mobilizado como meio”2 se lança a caminhar.

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Navarro, Luana. Nós. 2015. Descrição/projeção/projeto de performance. Em La Fotografia Plástica, Dominique Baque utiliza o termo “corpo mobilizado” ao referir-se às práticas de artistas da performance e land art. 2

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Em 2012, Paulo Nazareth caminha no deserto mexicano vestindo os sapatos ao contrário. Com a parte da frente virada para trás e com os sapatos precariamente presos aos pés, o artista caminha, mas as pegadas marcam a direção contrária. A ação é intitulada Para cuando ellos me busquen en el desierto3. Práticas cotidianas, gestos deslocados e resignificados potencializam nosso enfrentamento do mundo e expandem o que há de mais banal em nós. O banal é vida, e pode nos lançar àquilo que John Dewey denominou como uma experiência singular. Na década de 1930, Dewey defendeu a arte como experiência em uma série de conferências sobre Filosofia da Arte. Dentre seus argumentos, lhe era cara a defesa de uma arte como processo, e não como produto acabado. O processo desvelaria um caminho, algo como Se hace camino al andar da artista Esther Ferrer. Para Dewey, a arte como produto significaria separar o sujeito do fazer artístico, o que impediria uma fruição compartilhada da experiência. Entendendo a experiência como “resultado da interação entre uma criatura viva e algum aspecto do mundo em que ela vive” 4 , Dewey pontuou dois tipos de experiência: a singular e a incipiente.

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Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ofjiS1nHl3g. Acesso em: 10 de janeiro de 2015. 4 DEWEY, John. Arte como Experiência; org. Jo Ann Boydston; tradução Vera Ribeiro. – São Paulo: Martins Fontes, 2010. P.122.

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Se hace camino Santa al andar. 2013. v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016. ISSN: 2447-1267 Catarina, Esther Ferrer.

El camino


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APOTHEKE A experiência singular, ao contrário da experiência incipiente, seria capaz de provocar um deslocamento no sujeito, sendo constituída por um fluxo de algo para algo e de uma qualidade ímpar que lhe caracterizaria como singular. Dentre muitos artistas que propuseram radicalizar a noção de experiência em sua produção, pode-se destacar Allan Kaprow. Profundamente motivado por seus estudos em filosofia e pelos textos de Dewey, o artista viria a desenvolver uma poética que pode ser observada a partir de três termos elaborados por ele para pensar suas produções e as de outros artistas a partir dos anos 50. 1) Environments/Ambientes. Em texto publicado em 1958 sobre a obra de Pollock 5 , Kaprow pontua que sua pintura abstrata borrava a fronteira entre a vida e a arte. O fato de o artista estender suas telas no chão para pintar o colocava literalmente dentro do trabalho. As dimensões de suas pinturas inauguravam ainda uma nova proposta de relação do espectador com a obra que parecia transbordar para o espaço, tornando-se assim o próprio ambiente. A percepção dessa relação gerada pelas pinturas de Pollock leva Kaprow a repensar o status do espectador e sua relação com a obra de arte. O espectador estaria mais próximo então de uma condição de participação, e não de observação, pois havia nessa relação um envolvimento corporal direto. Como aponta Gillian Sneed 6 , “essa percepção levou Kaprow e outros artistas a desistirem totalmente da pintura em favor de atividades que estavam mais sintonizadas com o mundo fora das telas”. 2) Happenings. Interessado em complexificar o lugar do espectador, a partir dos anos 60 Kaprow se empenha em uma arte participativa. Uma das premissas dos então chamados happenings seria a participação do público em um evento que envolve o improviso e o acaso. O artista buscava possibilitar a autonomia do participante, fazendo dele justamente um agente ativo e constituinte do trabalho. Esse não deveria ser repetido e deveria evitar os espaços circunscritos no campo da arte (galerias, museus, teatros etc.). Ricardo Basbaum7, em leitura sobre Kaprow, refere-se a essa relação proposta pelo 5 O texto “O legado de Jackson Pollock” foi publicado em 1958 na revista Art News. No Brasil, foi traduzido e publicado em Escritos de Artistas anos 1960/70, organizado por Gloria Ferreira em 2009. 6 Em Dos Happenings ao Diálogo: Legado de Allan Kaprow nas Práticas Artísticas “Relacionais” Contemporâneas, Gillin Sneed propõe uma leitura dos trabalhos de Rirkrit Tiravanija e Tino Sehgal a partir de alguns conceitos problematizados por Allan Kaprow e dos teóricos Claire Bishop e Donald Kuspit. 7 Em 2014, Ricardo Basbaum participou de uma atividade proposta por Bulegoa z/b em Bilbao intitulada Abriendo um happening de Kaprow. Na ocasião, o artista realizou uma fala sobre a obra de Kaprow articulada em 5 eixos: arte e vida, técnica conceitual, imersão na experiência, anartista e a ideia de jogo. A fala completa está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=Pz33lym5LrQ. Acesso em: 10 de janeiro de 2015.

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APOTHEKE artista como uma forma de “tornar o participante responsável pela obra”. 3) Atividades. Por fim, conceberia esse termo para pensar suas ações cotidianas e realizadas sem audiência, com pequenos grupos e frequentemente dentro do contexto da universidade em que ministrava aulas. Em atividades, a obra / proposição realiza-se no participante, o que apresenta-se nessas ações é a possibilidade de uma experiência compartilhada que poderá ou não acontecer por e naquele que a realiza.

Air condition (1975) Molhar uma parte de seu corpo com a saliva de alguém esperar até que seque de novo e de novo Molhar outra parte do corpo assoprar até que seque de novo e de novo Molhar ainda uma outra parte correr até que seque de novo e de novo Repetir até que a boca seque até que o corpo esteja molhado O que engendrava as práticas de Kaprow parece ser não apenas o desejo de rompimento cada vez mais evidente entre arte e vida, mas também a possibilidade de construção de ferramentas para uma experiência assumidamente real e presentificada. Como disse Basbaum 8 , Kaprow saiu do campo da arte para falar da vida, e naquele contexto era necessário sair das convenções, dos espaços institucionais. No entanto, nunca se sai por completo, e Kaprow, consciente disso, explorou justamente esse deslocamento e essa tensão. No texto A educação no não-artista (1971), Kaprow empenhou-se 8 BASBAUM, Ricardo. Abriendo un happening de Kaprow. 2014.

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APOTHEKE em travar conceitos para esmiuçar e propor uma noção de nãoartista que, segundo ele, deveria evitar os papéis estéticos, desistir de todas as referências e desviar-se para longe de onde as artes se congregam. Para Kaprow 9 , “não-arte (an-arte) é mais arte do que Artearte. Não-arte é qualquer coisa que, embora ainda não aceita como arte, tenha atraído a atenção de um artista com essa possibilidade em mente”. Hoje, a palavra experiência - e mesmo arte como experiência parece encoberta por uma noção excessiva e esvaziada de potência de sentido. Ainda nas palavras de Basbaum 10 , “a arte contemporânea naturalizou esse processo. Em cada vez mais galerias, museus e revistas de arte nos deparamos com trabalhos que afirmam esse lugar”. No entanto, no trabalho de Kaprow, essa noção é radicalizada ao tentar instituir-se fora do circuito da arte e ao fundar uma nova relação do até então espectador com a obra de arte. O artista sequer documentou fotograficamente ou videograficamente a maior parte de suas proposições. Se sublinharmos o elemento alteridade presente na obra de Kaprow, na medida em que considera o espectador como agente ativo e constituinte da obra, e guardadas as diferenças e contextos históricos, podemos perceber um diálogo que se estabelece entre suas Atividades, os Bichos de Lygia Clark, e os Parangolés de Helio Oiticica. Não seria demasiado incluir Kaprow na afirmação de Basbaum 11 sobre as proposições de Helio e Lygia: Em ambas as situações o espectador é convidado a fugir de uma fruição estética passiva para se envolver corporalmente em um processo sensível.

Tornando permeável a fronteira entre arte e vida, esses artistas nos levam a “uma arte que nos faz principalmente lembrar de nossas vidas” 12 . E lembrar da vida é lembrar daquilo que experienciamos, ao ativar o que Lygia chamava de memória do corpo. Assim como Kaprow, Lygia viria ainda a se denominar uma nãoartista. Há em ambos um desejo de intensificação das experiências sensoriais, o que pode aproximar os pontos de contato de suas produções. Para Frederico Gomes 13 , com os 9

KAPROW, Allan. A Educação do Não-Artista, Parte I (1971). In: Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da UERJ / Sheila Cabo Geraldo, ed. Vol. 4, n.4 (mar. 2003). Rio de Janeiro: UERJ, ART, 2003. 10 BASBAUM, Ricardo. Abriendo un happening de Kaprow. 2014. 11

BASBAUM, Ricardo. Vivência crítica participante. ARS (São Paulo) vol.6 no.11 São Paulo

2008.

12 KAPROW, Allan. A Educação do Não-Artista, Parte I (1971). In: Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da UERJ / Sheila Cabo Geraldo, ed. Vol. 4, n.4 (mar. 2003). Rio de Janeiro: UERJ, ART, 2003. 13 GOMES, Frederico. A genealogia do (não) artista. In Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Org. Gloria Ferreira. Rio de Janeiro, Funarte, 2006.

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APOTHEKE Bichos, Lygia (...) ultrapassaria o próprio objeto: o artista agora é um propositor de situações sensíveis em que a experiência perceptiva está localizada no próprio corpo do espectador. (...) Será entretanto com os trabalhos “terapêuticos” - objetos relacionais operando no limite de tensão entre a prática artística e a prática psicanalista, mas sem resgatar para si qualquer espécie de positividade: cientifica ou de produção de obras – que este processo atingirá seu clímax. E Lygia passará, então, a denominar-se “não artista”.

Proposições recentes como as do artista Harrel Fletcher estendem algumas questões postas até aqui. Em The Best Things in Museums are the Windows, o artista, a convite para desenvolver um trabalho no Center for Art & Inquiry em São Francisco, na Califórnia, propõe uma caminhada com um grupo de participantes. O grupo percorreu o trajeto do Museu até o Monte Diablo durante quatro dias realizando diversas paradas nas quais os participantes propunham atividades sobre temas relacionados à região, paradas para observações e interação com a comunidade local. O que se apresenta como proposta é explorar a paisagem circundante. Nas palavras do próprio artista, “o projeto teve como objetivo transformar o mundo durante todos os dias em uma sala de aula aberta ao trabalhar em direção a uma maior integração de uma instituição cultural dentro de sua comunidade”14. E por que não mais uma vez aqui fazer uma dobra no tempo e evidenciar na proposição de Fletcher a proposta de Oiticica: “o museu é o mundo, é a experiência cotidiana”. Gesto, ar, corpo ou paisagem, espaço, trajeto e materiais se permeiam conjugando aquilo que seria o caminho percorrido, como um processo de escrita e de criação, suscetível a desvios, acréscimos, decréscimos, sucesso e fracasso. Nos trabalhos descritos neste texto há qualquer coisa de laço, e às vezes, nó. Há quem diga que quando não se sabe fazer laços, se faz nós. Para fazer laços é preciso delicadeza, é preciso um savoir faire. Construir um laço é assumir o processo de movimento em relação ao outro, com as implicações do mover-se, é perceber e ser afetado pelos movimentos também do outro, mover-se juntos, mover-se em direções opostas ou não, é a capacidade de envolver-se, um entrelaçamento delicado. Um entrelaçamento sempre possível de ser desfeito pelo outro, sem muita força.

14

FLETCHER, Harrel. http://www.harrellfletcher.com/?p=287. Acesso em 10 de janeiro de 2015.

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Allan Kaprow, Taking a Shoe for a Walk, 1989. Activity. Photo: Wolfgang Traeger

“A arte aceita a vida e a experiência com toda a sua incerteza” (John Dewey) ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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Ela faleceu. Eu não tive palavras. Minha irmã sim.

PARA PODER MORRER QUANDO SE ESTÁ

MORRENDO

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APOTHEKE Silêncio, alguém está morrendo.

que o teu corpo amorfo seja somente uma ilusão

na verdade o que acho triste desse momento é o modo como a sociedade se organiza para acolher uma pessoa que está morrendo aos poucos.

que seu corpo assim seja somente para nos lembrar do quanto não estamos preparados para o fim

a frieza, o controle do corpo, o isolamento a solidão de uma u.t.i. eles te mantém lá até o último momento, eles te mantém dependente dos procedimentos médicos porque é lucro pra eles

querida amada, que vc esteja em sons de pássaros e perfumes de flores que você esteja no jardim perfeito que não pode ter por aqui. by/bye luu

a pessoa não tem direito a ter uma catarse do corpo pra morrer como gritar, sangrar... o corpo é controlado, vai minguando, sem som, todo medicado cada reação é abafada com medicamentos é o que aconteceu com o parto também parir sem dor, sem grito, sem sangue, sem transe... enfim, uma sociedade que se organiza em torno do medo e do controle dos instintos em sociedades mais humanizadas o ser pode ter pessoas amadas no fim da vida ou ter um acompanhamento espiritual ter alguém que ajude a encaminhar a alma para o infinito mas nós, nós vamos visitar o corpo morrendo de 2 em dois por 30 min 2 x por dia Ficamos impotentes diante da morte E de um corpo que foi amado por nós O corpo amado agora se transforma em um corpo sem lugar um corpo que não cabe mais entre nós e também não consegue partir Um corpo morto que ainda não morreu

querida amada, espero que já tenha partido e que o corpo deformado sem vento, sem sol

‡‡‡‡

Texto de Luciana Navarro publicado em seu perfil do Facebook.

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Dois anos antes, ela em tom de confidĂŞncia me entregou uma sĂŠrie de polaroides. Era sobre uma viagem e um amor.

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APOTHEKE performance / roteiro / relato Eu estou aqui. Você está aqui. Se notares na minha voz qualquer vacilo, é meu corpo que vacila. Isso tudo é corpo. E pra onde vai a voz quando não dizemos? E se dizemos, logo depois, para onde vai a voz? Relato: O roubo do cavalo Enquanto caminhava da escola para casa se deu conta da existência de um cavalo no meio do caminho, logo ali em um terreno baldio. Era um cavalo feio, com pelos ralos, de cor branca e bastante sujo. Um cavalo doente e um pouco triste. Dentro da cidade ninguém tinha cavalos. Eles apareciam vez ou outra carregando homens que vinham fazer compras ou negociar a plantação. A menina com mochila escolar do He-Man, enfrentou o matagal inicial do terreno e caminhou até o fundo. Tudo era cheiro de cavalo. Numa passada de mão sentiu os carrapatos gordos grudados na pele do bicho. O desejo era cavalgar.

***

22 de setembro Insônia fulminante Envio para 13 amigos a pergunta: aonde vamos com o que fazemos?

Sua pergunta me pegou profundamente, logo de manhã...

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APOTHEKE Podemos ir para muitos lugares com o que fazemos. Falarei de mim, mas falarei de você. Na sua pergunta existe um nós implícito. Bom, tento aqui responder: Podemos ir para muitos lugares. Amazonas, México, França, Paranaguá, Lapa, Salvador, mas podemos ir para Lugar Algum. Podemos ir para aonde nosso desejo e nossas possibilidades nos levam. Podemos ir para tantos lugares, mas saímos da gente ou não? Como no "tu nãoo te moves de ti", ser;a mesmo que as paisagens nao sao capazes de nos modificar? Eu ja nao tenho mais certezas.,, Paisagens sao passagens e elas nos modificam e nos fazem nos mover, mesmo que de maneira passageira. Perdoe-me Hilda Hilst. Mas te pergunto: o que fazemos aonde vamos?

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Mi querida, no sé a qué te refieras, pero trataré de responderte. Por el día de hoy yo iré al trabajo y del trabajo a la casa. Qué hago con todo el trabajo acumulado? Pagar la renta, el mandado, gastos fijos y con lo que sobra salir a fiestas o juntar dinero para un libro o viajes y procurarme un futuro decente sin muchas exigencias. Con el "arte" no sé bien a dónde voy. Solo siento la necesidad de hacerlo y esa necesidad se ve aliviada cuando en el proceso, el mismo desarrollo del proyecto alivia mis necesidades. Si después se puede compartir con alguien y por ahí alguno se identifica, eso es gratificante. Compartir ideas a través del lenguaje visual, en el que no estamos tan bien educados como el verbal y que te sientan o entiendan lo que tú tratas de decir es poderoso. Entonces no sé cuál sea la meta cuantificable a largo plazo. Yo nomás quiero estar bien. El hacer estas acciones me generan bienestar, me siento tranquilo porque hago cosas significativas para mí. Supongo que es esa la meta: tranquilidad y satisfacción. Yo también te extraño. Besos de vuelta, Qué hago con ?

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Quando acorda no meio da noite tem por costume ir até a cozinha. Bebe um copo de leite gelado e às vezes mordisca uma bolacha. Caminha da cozinha para sala e deitado no sofá enfrenta a televisão: show da fé, pornografia, filme italiano, e coisas que não sabe bem o que é. Desde os 20 anos não dorme mais do que 4 horas seguidas. Atento. Sempre atento. Agora seu coração pulsa visivelmente no antebraço esquerdo.

resposta 1-> eu já fui para Londres, Manchester, Tallin, San Peterburg, Paris, Lisboa, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Roraima, Pará, Brasília, Acre... resposta 2 -> para um outro plano espiritual resposta 3 -> não importa, segundo o colóquio que rolou no Rio com os gigantes da teoria feminsta, filosofia e antropologia sobre o meio ambiente, o mundo acaba em 2040. Tá fácil, só precisamos sobreviver 36 anos. amo vc. beijo

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*** John Cage escrevia em 1966 Que faremos com nossas emoções? (“Suporte-as, eu a ouvi dizendo.) Tendo tudo de que precisamos, continuaremos, contudo a passar noites sem descanso, em vigília, desejando prazeres que imaginamos que nunca virão.

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e aí como tá a vida? 22:29 Arthur Do Carmo chata 22:29 Luana Navarro por que? 22:30 Arthur Do Carmo ou, mandou alguma coisa pro Salão Paranaense? 22:30 Luana Navarro não. perdi o prazo e vc? 22:30 Arthur Do Carmo somos dois 22:30 Luana Navarro dois tontos hahah 22:30 Arthur Do Carmo hahaha, exato! 22:31 Luana Navarro tô aqui em crise 22:31 Arthur Do Carmo com o quê? 22:31Luana Navarro com o projeto de mestrado não sei o que tô fazendo e nem o que quero fazer 22:31 Arthur Do Carmo

mas você tá começando, hora boa pra ter crise hahah 22:31 Luana Navarro hahahaha ai arthur a sensação que tenho é que não tenho trabalho que tudo é sei lá o que não sei o que quero fazer sinto que não penso profundamente em alargar as coisas vou fazendo 22:32 Arthur Do Carmo ou, tava tendo a MESMA sensação 22:32 Luana Navarro sério? 22:33 Arthur Do Carmo sim... a única coisa que poderia mandar pro salão, por exemplo, era a prateleira. o resto é tudo projeto. 22:33 Luana Navarro eita 22:33 Arthur Do Carmo projeto e processo 22:34 Luana Navarro e aí a gente faz o que? mais projetos? eu tô nessa tb sei lá

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APOTHEKE talvez devesse escrever mais e pensar mais meus trabalhos 22:35 Arthur Do Carmo o que você diz quando diz em alargar as coisas? 22:35 Luana Navarro estamos produzindo em um lugar seguro eu sinto no meu caso, acho que preciso alargar o que faço e onde faço cansei, não quero mais trabalhar sozinha não quero mais expor sozinha 22:36 Arthur Do Carmo mas tuas últimas exposições não foram nada sozinha 22:36 Luana Navarro sim, quero isso cada vez mais então acho que meu trabalho tá virando uma articulação de pessoas passei no edital do museu da fotografia e o que vou fazer tem a ver isso 22:37 Arthur Do Carmo QUE MASSA!!! parabéns! 22:37 Luana Navarro uma Biblioteca para Corpos em Expansão 22:37 Arthur Do Carmo você comentou brevemente isso 22:37 Luana Navarro mas sei lá isso não tem nada a ver com minha proposta para o mestrado preciso me ver/encontrar mais nos projetos 22:39 Arthur Do Carmo não ter proximidade agora com o projeto de mestrado não parece um problema, isso ainda está aberto. tô pensando que os trabalhos podem se encontrar de outra maneira, essa exigência de uma poética coesa. que restringe a produção. 22:40 Luana Navarro ah sim, isso concordo contigo 22:40 Arthur Do Carmo sendo que podem estar ligadas numa questão mais ampla. 22:40 Luana Navarro mas de qualquer forma algo tem que se encontrar penso eu 22:41 Arthur Do Carmo sim. 22:42 Luana Navarro tô estudando o Basbaum e me dando conta de como ele é performático 22:43 Arthur Do Carmo performático pelo discurso gerado 22:43 Luana Navarro não apenas, ele gera performances coletivas. O discurso se faz nesse performar coletivo, isso estou dizendo a partir do trabalho da 30 bienal, o conversas

22:44 Arthur Do Carmo mas desde quando faz a performance na mesa do Elvo Benito, nos anos 80, com a Marcia X, e etc faz isso. 22:45 Luana Navarro sim!!! e coletivamente! rs 22:45 Arthur Do Carmo pois é! 22:45 Luana Navarro acho que o nome do cara não é Elvo Benito, você se refere ao teórico italiano que vem falar sobre pintura, né? 22:45 Arthur Do Carmo sim! 22:46 Luana Navarro pra onde vamos com o que fazemos? 22:46 Arthur Do Carmo Achile Bonito, está certa. Achile Bonito Oliva nossa! não sei também!!! mas isso é uma questão. pensei agora que vamos ao encontro de outras gerações, por vir. 22:48 Luana Navarro você acha mesmo? acha mesmo que vamos estar nesse encontro? quando fazemos arte não pensamos nisso 22:48 Arthur Do Carmo tenho pensado no que fica dessas produções todas... e quando penso nesse encontro penso nas estratégias que se mantém, que começam a ficar cada vez mais evidentes. esses projetos coletivos estão acontecendo em vários lugares, no espaço da cidade, por exemplo. 22:51 Luana Navarro sim. fica a praça de bolso rs 22:51 Arthur Do Carmo hahah sim. as ocupações de prédio, uma conscientização da violência do estado. 22:52 Luana Navarro mas não você não acha que tem faltado uma torsão mal criada nisso tudo? todo mundo anda tão comportado 22:53 Arthur Do Carmo as contestações são outras, não sei. antes se podia contestar uma linha poética, um trabalho de arte, um discurso. hoje a gente contesta um discurso aqui no Facebook. A gente contesta comportamentos 22:54 Luana Navarro fico pensando se em certo sentido a Melendi não tem razão quando diz que acredita que a arte precisa retomar o sensível, a Ana Luisa Lima uma vez me disse algo parecido sobre isso. Eu queria contestar pela vida, só isso sem razões maiores assim simplesmente à vida 22:55 Arthur Do Carmo

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APOTHEKE pois é! aí que eu acho que vamos ao encontro das gerações seguintes. 22:55 Luana Navarro rs 22:56 Arthur Do Carmo sensibilização que gera uma espécie de consciência coletiva pro sensível. *sensibilização 22:56 Luana Navarro pode ser... pode ser ... 22:57 Arthur Do Carmo mas o que eu sei é o seguinte... é muito difícil viver sem sentido. rs muito difícil mesmo 22:57 Luana Navarro é insuportável viver sem sentido, por isso a gente entra nesse jogo todo e vai brincando com as coisas, não tem outro jeito 22:58 Arthur Do Carmo sim! a gente não tem mais grandes ideologias pra se agarrar, nem nada. 22:59 Luana Navarro isso nem me parece problemático, já nasci nos anos 80, não tinha mais onde se segurar acho que a galera dos 60 e 70 que deve sofrer com isso 23:01 Arthur Do Carmo pois é. acho que é mais complicado também por sermos a primeira a ter de viver com isso (concordo que deve ser difícil pra eles, mas eles já têm suas histórias) tem uma entrevista que o jack white fala sobre isso e achei ótima. 23:02 Arthur Do Carmo http://rollingstone.uol.com.br/noticia/jackwhite-diz-bob-dylan-voces-tiveram-muitasorte/ rollingstone.uol.com.br rollingstone.uol.com.br

“Duvido que Frank Sinatra se importava com o que estaria na capa dos discos dele”, comenta o guitarrista e vocalista 23:02 Arthur Do Carmo

acho esse um cara muito consciente do que faz e da época em que vive. 23:03 Luana Navarro ah vou escutar aqui 23:04 Arthur Do Carmo é um texto mesmo. mas vale escutar as músicas dele também.

23:06 Luana Navarro de que banda ele é? 23:06 Arthur Do Carmo baixa o bluderbuss, que é do caralho ele era do white stripes blunderbuss 23:07 Luana Navarro é um álbum? 23:07 Arthur Do Carmo sim! álbum de estreia solo. é muito foda. 23:09 Luana Navarro massa vou ouvir! que bom falar com você. 23:10 Arthur Do Carmo eu também curto falar contigo! ó só uma palhinha do disco! 23:10 Arthur Do Carmo

https://www.yout ube.com/watch? v=MvpoiiBW9bc 23:11 Arthur Do Carmo sério. é de foder o espírito. 23:11 Luana Navarro que dança ótima! vamos sair pra dançar no fim de semana? 23:11 Arthur Do Carmo hahahah sim! pra isso mesmo! vamos! 23:11 Luana Navarro então vamos!!! 23:11Arthur Do Carmo sexta tem aniversário do jaime 23:11 Luana Navarro onde? 23:11Arthur Do Carmo na casa dele! 23:12 Luana Navarro eita! estarei lá! mas quero dançar! 23:13 Arthur Do Carmo massa! haha vamos dançar muito! 23:14 Luana Navarro yeah! a música é ótima! Adorei! vou nessa, vou ler umas coisas aqui nos vemos no fim de semana 23:14 Arthur Do Carmo baixa o disco! é ainda melhor! blz! bjo bjo 23:16 Luana Navarro baixarei! beijo beijo!

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The Best Things in Museums Are the Windows

HARRELL FLETCHER San Francisco, CA 2013

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Luana Assis Navarro - Artista visual e mestranda em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2009) e especialização em História da Arte Moderna e Contemporânea pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Desenvolve projetos com fotografia, vídeo, performance e texto. Realizou diversas exposições no Brasil, em 2012 participou de uma residência artística no Centro de la Imagen na Cidade do México. Em 2009 e 2010 através do Programa Rede Nacional Funarte viajou para o norte do país e desenvolveu respectivamente os projetos Transamazônica Imaginários Compartilhados e Fordlândia. Atua também como produtora no campo das artes visuais. www.luananavarro.com

Produções de discentes do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UDESC, na Disciplina Sobre ser Artista Professor, ministrada pela Professora Dra. Jociele Lampert, 2014/1. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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Francisco Pablo Medeiros Paniagua - Possui graduação em Desenho e Plástica (Artes Visuais) - Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Maria (2000-2004). Licenciatura em Artes Visuais - Universidade do Estado de Santa Catarina (2009-2013). Mestrando da linha de Processos Artísticos Contemporâneos, UDESC (2014). Artisticamente atua na produção de vídeos, múltiplos e publicações (Pablo Paniagua).

Produções de discentes do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UDESC, na Disciplina Sobre ser Artista Professor, ministrada pela Professora Dra. Jociele Lampert, 2014/1.

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TRADUÇÃO ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE Lição: Algumas reflexões sobre agenciamento e atividade fora do sistema comercial.¹ ² Lesson: Some Thoughts on Agency and Activity Outside of the Commercial System

Harrell Fletcher Harrell Fletcher received his BFA from the San Francisco Art Institute and his MFA from California College of the Arts. He studied organic farming at UCSC and went on to work on a variety of small Community Supported Agriculture farms, which impacted his work as an artist. Fletcher has produced a variety of socially engaged collaborative and interdisciplinary projects since the early 1990’s. His work has been shown at SFMOMA, the de Young Museum, the Berkeley Art Museum, the Wattis Institute, and Yerba Buena Center for the Arts in the San Francisco Bay Area, The Drawing Center, Socrates Sculpture Park, The Sculpture Center, The Wrong Gallery, Apex Art, and Smackmellon in NYC, DiverseWorks and Aurora Picture show in Houston, TX, PICA in Portland, OR, CoCA and The Seattle Art Museum in Seattle, WA, Signal in Malmo, Sweden, Domain de Kerguehennec in France, The Tate Modern in London, and the National Gallery of Victoria in Melbourne, Australia. He was a participant in the 2004 Whitney Biennial. Fletcher has work in the collections of MoMA, The Whitney Museum, The New Museum, SFMOMA, The Hammer Museum, The Berkeley Art Museum, The De Young Museum, and The FRAC Brittany, France. From 2002 to 2009 Fletcher co-produced Learning To Love You More, a participatory website with Miranda July. Fletcher is the 2005 recipient of the Alpert Award in Visual Arts. His exhibition The American War originated in 2005 at ArtPace in San Antonio, TX, and traveled to Solvent Space in Richmond, VA, White Columns in NYC, The Center For Advanced Visual Studies MIT in Boston, MA, PICA in Portland, OR, and LAXART in Los Angeles among other locations. Fletcher is an Associate Professor of Art and Social Practice at Portland State University in Portland, Oregon. Fonte: http://www.harrellfletcher.com/?page_id=37

TUTOR: Harrell Fletcher Nasceu / Vive e Trabalha:

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APOTHEKE  Santa Maria, CA, 1967  Portland, OR Treinamento/Formacão: 

Certificação Horticultura Ecológica. Universidade da Califórnia, Santa Cruz, 1996. MFA (Master of Fine Arts) Interdisciplinar, Escola Superior de Artes e Ofícios da Califórnia, Oalkland, 1994 BFA (Bacharel Fine Arts) Fotografia. Instituto de Arte de São Francisco. 1990.

 

Postos de Ensino/ locais onde trabalhou como professor 

Professor Associado da Prática Artística e Social da Universidade Estadual de Portland, OR, 2009 – até o presente momento  Professor Assistente de Prática Social e Artística da Universidade Estadual de Portland, OR, 2004-2009  Instrutor de Escultura, Cooper Union, Nova York, 2004  Instrutor, Projeto Especial, Escola de Arte de Hartford, West Hartford, CT, 2003  Instrutor, Seminário de Pós-Graduação Interdisciplinar. Escola Superior de Artes da Califórnia, São Francisco, 2001 Trabalhos Relevantes:        

The American War (A Guerra Americana), 2005 I’ll Follow You,( Eu Seguirei Você), 2005 With Our Own Little Hands Summer, (Com Nossas Próprias Pequenas Mãos no Verão),2005 If I Wasn’t Me I Wouldn’t Be You, ( Se eu não fosse eu , eu não seria você), 2003 Hello There Friend,( Olá Há Amigo),2003 The Sound We Make Together, ( O Som que Nós Fazemos Juntos),2003 Everyday Sunshine, (Todos os dias a luz do sol brilha),2001 Saying I Love You or Something Like That, ( Dizendo Eu Amo Você ou Alguma Coisa como isto), 2000

Prêmios:  

Prêmio de Engajamento Cívico, Universidade Estadual de Portland, OR, 2009 Prêmio Alpert em Artes Visuais, Santa Mônica, CA, 2005 ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE 

Prêmio Área da Baía, São Francisco, 1994

Exposições recentes individual ou coletiva: 2014: To a Lifetime of Meaningful Encounters ( Para um Tempo de Vida de Significativos Encontros), ( Com Molly Sherman e Nolan Calish) Museu de Matisse, Le Cateau-Cambrésis, França // 2013: The Best Things in Museus are the Windows ( As Melhores Coisas nos Museus São as Janelas), Exploratorium, São Francisco-CA // 2012: Before and After 1565: A Participatory Exploration of St. Augustin’s Native American History ( Antes e Depois de 1565: A Exploracão Participativa da História do nativo americano ST Augustin ), Crisp-Ellert Art Museum, St Augustin, FL // The Hammer Yearbook, (With Adam Moser) The Hammer Museum, Los Angeles// 2011: Active Engagment, ( Engajamento Ativo), Idea Space, Colorado Springs, CO // 2010: The Sound We Make Together ( O SOm que Nós Fazemos Juntos) Galeria Nacional de Vitória, Melbourne, Austrália // My War ( Minha Guerra), Fundação de Arte e Tecnologia Criativa, Liverpool,UK // 2009: Made in India ( Feito na Índia), Galeria de Arte de Mississauga, Canadá 2008: Born Out of Pleasure ( Nascido fora do prazer), The Power Plant, Toronto// 2007: The American War ( A Guerra Americana), Centro Contemporâneo de Arte de Atlanta, GA e LAXART, Los Angeles // Learning to Love You More (Aprendendo a Amar Mais Você) com Miranda July, MU, Eindhoven-Holanda// Come Together (Venha Junto), Henry Galeria de Arte, Universidade de Washington, Seattle // 2006: Where I Lived and What I Lived For ( Onde Eu Morava e Para O quê Eu Vivi), Domaine de Kerguehennec Centro de Arte, Bignan, França // Some translations ( Algumas Traduções), In Situ, Paris// 2005: With Our Little Hands ( Com Nossas Pequenas Mãos), The Wrong Gallery, Nova York Recentes Exposições em Grupo: 2014: The Parliament of Things or an Exibition that Loses Itself ( O Parlamento de Coisas ou a Exibição do que se perde), CAFAM Biennale, Academia Central de Belas Artes Museu, Beijing // 2013: Past is Present (Passado é Presente), com Katherine Ball, MOCA, Detroit, MI // ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE 2012: The Shaping of New Visions: Photography, Film, Photobook ( A Configuração das Novas Visões: Fotografia, Filme, Photobook) MoMa, Nova York // The Northwest Biennial, Tacoma Art Museum, WA // Wide Open School ( Ampla Escola Aberta), Hayward Gallery, Londres // 2010: The More Things Change( Quanto Mais as Coisas Mudam), SFMOMA, São Francisco // 2009: The New Normal ( O Novo Normal), Pomona Escola Superior Museu de Arte, Claremont, CA // Assume Nothing: New Social Practice ( Assumir Nada: A Nova Prática Social), A Galeria de Arte da Grande Vitória, BC // Land Wars ( Guerras Terrestres), Te Tuhi Centro Para as Artes, Pakuranga, Auckland, Nova Zelândia // 2007: Memorial to the Iraq War ( Memorial para a Guerra do Iraque), ICA, Londres// 2006: Phantom Captain: Art and Crowdsourcing, Apexart, Nova York // Critical Translations; Art That Examines/ Our Social World, Universidade de Minessota, MN// 2004: Whitney Biennial( Whitney Bienal), Whitney Museu de Arte Americano, Nova York Lição: Alguns pensamentos/ ideias sobre Agência e Atividade fora do Sistema Comercial. (Lesson: Some Thoughts on Agency and Activity Outside of the Commercial System)

120 Eu saí para jantar com um de meus alunos de graduação outro dia e ele me perguntou que conselho eu daria a ele como um artista emergente. Você tem que entender que um programa de Pós Graduação que eu segui não é um programa normal MFA (Fine Arts Master), então ele já estava começando com uma estrutura diferente da maioria dos estudantes de MFA. Nosso MFA é focado na Arte e Prática Social. O que significa exatamente é abrir para interpretar e debater mesmo dentro do próprio programa, não para mencionar no contexto da minoria de prática social tipo programas MFA para outras escolas e as várias outras instituições, museus, residências, fundações, etc que tem recentemente focado algumas das suas energias em mais atividades de arte engajadas socialmente. Eu penso que é seguro dizer que muitas destas iniciativas enfatizam o tradicional trabalho de estúdio e o sistema de galeria comercial, ao invés de promover mais colaborativamente, site specific e frequentemente menos ou nenhum objeto orientando o trabalho. Encarando esta questão eu me deparei com uma resposta. Os vinte anos de minha própria carreira e caminhada tem sido altamente não ortodoxas, e por esta razão são difícieis de usar um modelo em qualquer exata maneira, embora deve haver alguns conceitos básicos que são de uso no período antes do advento do uso geral da internet. Era muito mais difícil ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE procurar por práticas de arte que estavam começando a ser interessantes para mim ao invés de usar uma procura instantânea do Google. Eu vagava pela arte entre corredores de livrarias e lojas de livros, ia a quaisquer eventos, palestras e exibições disponíveis para mim e conversava com pessoas que pareciam ter informação do jeito que eu estava procurando. Minhas descobertas significantes foram poucas e distantes entre elas, mas descontroladamente impactantes em mim como um artista em desenvolvimento. Um pouco das pessoas naquela categoria e de recente e importante influência são Wendy Ewald e o seu livro Retratos e Sonhos , os quais foram criados na colaboração com o grupo de crianças Appalachien no Eastern Kentucky; John Malpede e os Los Angeles Poverty Department, o grupo de teatro ele fundou com pessoas do Skid Row; Jim Goldberg e seu livro Rich and Poor (Rico e Pobre), o qual foi documentado e trabalhado com pessoas da cidade de São Francisco de muito baixo e alto grupos econômicos STRATA em 1980; Larry Sultan e seu projeto de livro fotográfico Pictures From Home( Fotos de Casa) sobre seus parentes, a história dele e sua dinâmica pessoal com eles; a vasta coleção de muitos vídeos pessoais de George Kucher’s, especialmente o Weather Diaries ( Diários do tempo), os quais foram lançados a cada verão em uma pequena cidade de Oklahoma; um Group Material (Grupo Material) e a exibição de suas People’s Choice (Escolhas pessoais), onde eles colecionaram objetos significativos dos residentes que moravam na vizinhança em Lower, East Side, nos quais estavam localizados nas vitrines das galerias. Eu estava também muito interessado em proponentes de educação alternativa como John Holt, A.S.Neill e Miles Horton, e back-to-the-land (de volta a terra) e figuras urbanas agriculturais, incluindo Helen e Scott nearing, Alan Chadwick e Catherine Sneed. De fato, uma coisa incrivelmente importante para qualquer um interessado em desenvolver uma carreira de qualquer tipo é encontrar um conjunto de exemplos que podem ser usados para dar um ponto de partida. Educação padrão geralmente resulta em modelos genéricos e padrão, e por esta razão é necessário procurar fora de uma ortodoxia e determinadas pessoas, práticas e projetos os quais você está individualmente desenhando e se entusiasmando. No meu próprio trabalho, encorajo estudantes a olhar além mesmo da disciplina de arte e em vez disso, em outras áreas de estudo e aplicação que poderiam incluir matérias como planejamento urbano, estudos negros, resolução de conflitos, história pública, sociologia, etc… Anos depois de conseguir meu próprio grau em MFA ( Master Fine Arts) eu decidi voltar para escola e estudar agricultura orgânica. Eu fiz isto como parte de um programa incomum na Universidade de Califórnia em Santa Cruz (UCSC) chamada The Apprenticeship in Ecological Horticulture (A ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE Aprendizagem em Horticultura Ecológica) e Sustainable Food Sistems (Sistemas de Alimentação Sustentável). Isto foi somente um programa de seis meses, mas isto mudou dramaticamente minha vida e prática artística. Haviam quarenta aprendizes e nós todos vivíamos em tendas na fazenda, os quais eram no campus da UCSC. Nós aprendemos fazendo em uma variedade de muitas maneiras, incluindo não somente o crescimento de vegetais e frutas, mas também distribuindo-os em pequenas escalas. Eu entendi que haviam muitas similaridades entre meus colegas estudantes na escola de arte e na escola da fazenda - por exemplo, havia um impulso de criação e divisão em um pouco das maneiras alternativas. Mas haviam também diferenças maiores. A Escola de Arte parecia encorajar a competição e territorialidade embora houvesse um foco maior na “originalidade” e novidade. As estruturas seguidas eram convenções muito rígidas e pareciam ser largamente limitadas de muitas maneiras. Escolas de fazenda não colocam ênfase na novidade, apenas hibridizam o que quer que pareça útil; tradição era importante, mas confiando na convenção, somente acontecendo onde faria sentido. Cooperação era muito mais importante do que competição e havia uma compreensão holística da importância de não apenas fazer um produto, mas também pensando sobre como conseguir que o produto a se consumir numa localizada recíproca moda. Depois de terminar o programa, eu trabalhei em muitas pequenas fazendas e comecei a usar uma variedade de aspectos dos quais eu tinha aprendido da fazenda na minha arte e prática educacional. Eu cresci numa pequena cidade na Califórnia, quando a oportunidade apresentou-se para viver em uma área urbana. Escolhi a Área da Baía de São Francisco sobre Los Angeles. Depois de dez anos lá, indo para a escola e fazendo projetos com quase todas as organizações de arte da região, eu decidi mudar não para a cidade de Nova York, como era a trajetória esperada de um artista local de sucesso, mas ao invés disso, fui para Portland Oregon, a qual naquele tempo não tinha nada das propagandas publicitárias relacionados com o recentemente Desenvolvido FOOD-CART e programa de TV badalados. Muitas das pessoas do mundo da arte que eu conhecia, consideraram isto um movimento para uma carreira suicida, mas por então eu tinha desenvolvido uma aversão para muitos aspectos do mundo da arte e estava amplamente de bem com a ideia de que eu poderia vagarosamente desaparecer na obscuridade. Como isto acabou, minha carreira continuou, em um muito moderado, mas em um consistente ritmo, desenvolvendo-se ao longo dos próximos vinte anos depois de fazer de Portland a base da minha casa, possivelmente em uma maneira de mais sucesso do que eu poderia ter se eu tivesse seguido o mais tradicional padrão de relocação de Los Angeles para Nova York. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE Há umas poucas razões para isto, as quais também se aplicam para outras pessoas que querem uma carreira funcional como um artista, mas não querem viver em um cubo do mundo da arte. O maior fator, o qual é facilmente esquecido em retrospectiva, é a popularização da rede (web). No momento em que eu me mudei para Portland, poucos tiveram suas próprias presenças na rede e ao invés de necessitarem de representações comerciais de galerias para conseguir a repercussão sobre seus trabalhos. A assistência de galerias pode naturalmente ser de muita ajuda especialmente se o que você quer fazer como um artista é construir objetivos para vender, mas há agora vários exemplos de artistas que construiram a carreira para eles mesmos sem um relacionamento com uma galeria comercial, frequentemente fazendo um trabalho baseado em localização e então mostrando documentação na web, aconteceu de obterem sorte. Um web designer chamado Yuri Ono aproximou-se de mim em torno do momento que eu estava mudando para Portland e sugeriu fazer um website para mim. Eu estava em dúvida, mas dei a ele a experiência de fazer e acabou sendo muito significativo o desenvolvimento de minha carreira. De repente, curadores e pessoas interessadas através do país e em outras localidades por volta do mundo foram capazes de ver o que, até certo ponto, tinha sido um conjunto de trabalhos feitos amplamente como projetos de site-specific na Área da Baía. Algumas daquelas pessoas começaram a enviar e-mails para mim, solicitando-me para fazer shows, palestras e projetos variados e as oportunidades pareciam multiplicar-se. Este foi um tempo antes do Facebook, You Tube mesmo E_FLUX?, até então as possibilidades daquelas plataformas não tinham sido consideradas. A infinidade dos recursos baseados na Web existentes agora oferecem mesmo grande potencial de visibilidade fora do sistema comercial de arte do que eram avaliados quando eu estava começando. Outro resultado positivo da minha movimentação para uma cidade não do mundo da arte era que haviam poucos artistas dos quais as pessoas eram conscientes lá, então quando um curador veio para a cidade eu estava usualmente na sua lista daqueles para ele encontrar. Adicionalmente, o custo de viver era mais baixo. Eu poderia proporcionar-me comprar uma casa. Eu era capaz de encontrar um trabalho para ensinar e organizações de artistas locais estavam interessadas em trabalhar comigo. Possibilidades similares aguardam outros artistas que escolhem viver fora dos caminhos locais se eles estão esperando essa chance. Eu tenho a melhor de ambas as palavras porque eu viajei muito a trabalho e ainda sou capaz de ficar em contato com pessoas e eventos que acontecem fora de Portland. Meu senso de como minha própria carreira realmente se desenvolveu embora esteja tão distante como escola de graduação, eu praticamente parei de fazer objetos em estúdios ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE com a intenção de vendê-los em galerias, e ao invés de ter começado a fazer uma grande variedade de projetos que eram site-specific, participativos e públicos. Eu não esperei por um curador ou proprietário de galeria para dizer que o meu trabalho era válido e pronto para ser mostrado; ao invés, eu apenas comecei fazendo o trabalho na escola e em minha vizinhança os quais eu estava totalmente em controle não apenas o “trabalho de arte” no senso de pintar ou esculpir, mas em termos da seleção ou criação de um contexto que o trabalho estava sendo feito, sabendo que haveria uma audiência específica e pensando sobre coisas como posters associados, publicações, eventos etc. Eu era capaz de saber que o trabalho que eu estava fazendo atualmente seria e teria uma função na sociedade. Na escola de graduação, eu fiz coisas como criar minha própria livraria e minha própria galeria na vizinhança em uma loja de construção vazia, mas eu também fiz projetos na escola fundamental local. Em empresas existentes e nas ruas de várias maneiras. Fazendo o trabalho público e fazendo em colaboração com pessoas locais nas matérias do interesse deles, havia um investimento automático no que estava sendo feito. Não estava sendo colocado meu trabalho de arte em um espaço de galeria em uma locação obscura e então esperando pessoas que queriam vir e apreciar, ao contrário, eu fiz isto onde as pessoas já estavam e fiz isto com eles tanto que havia fácil acesso e um senso de envolvimento pessoal. Como um resultado, o público, tanto local como fora da cidade, tomaram conhecimento e desenvolveram interesse no trabalho. Alguma coisa que eu sempre tentei ter em mente é a ideia que um artista é alguém que consegue fazer o que quer que ele queira fazer. Odontologia é realmente interessante, mas se você tornar-se um dentista, você terá ampla necessidade de trabalhar sobre os dentes de forma tradicional, pelo menos profissionalmente. A maior parte das outras carreiras parecem operar em maneiras similares, mas artistas podem, como parte de sua prática profissional, decidir fazer um trabalho sobre qualquer assunto e de qualquer forma. Ser pago para fazer este trabalho é sempre outra questão e a que parece dirigir artistas e escolas de arte em direção ao sistema comercial de galerias, a necessidade deles por produto e todos os elementos adicionais que prosseguem junto com isso – revistas de arte, feiras de arte, pessoas ricas etc. Assim, portanto se não é tão estranho que artistas podem fazer qualquer coisa que querem, muitos deles escolhem cronometrar o seu tempo em um estúdio fazendo pinturas e outros objetos vendáveis (mesmo se eles nunca mostraram ou venderam estes objetos). Tentei realmente com esforço liberar-me deste conjunto de condições e ao invés disso questionei repetidamente o que eu ultimamente valorizava, e o que eu queria fazer para desperdiçar o meu tempo. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE Por causa da natureza do meu trabalho e meu próprio histórico de projetos, eu sou frequentemente afortunado de estar em uma posição onde uma instituição (usualmente uma escola ou um centro de arte ou museu) irão comissionar-me a fazer um novo projeto para eles. Isto é compreensível que eu poderia fazer qualquer coisa de forma diferente do que eu tinha feito antes, que havia provavelmente de ser colaborativo e participativo em aspectos, que eu provavelmente teria no componente educacional nos quais seria o único a aprender e que poderia não ser de todo qualquer objeto produzido. No passado, estes projetos haviam incluído fazer um filme em um centro de idosos com as pessoas lá, baseado em Ulisses de James Joyce; produzindo uma escultura pública usando as ideias de um trabalho colaborativamente com crianças, andando com um grupo de pessoas por dias, aprendendo sobre a história e ciência de seu ambiente; criando uma participação geográfica, aprendendo experiência de uma loja de doces internacional; recriando um museu de guerra do Vietnã em vários locais dos Estados Unidos; e um amplo número de outras atividades que estão somente conectadas com meu desejo de aprender e apreciar o conhecimento, as habilidades e a cultura locais. Estes projetos e minha prática como um todo são muito subjetivos e pessoais para mim. Eu não quero dizer a eles para pensarem em modelos específicos para outros artistas usarem, mas eu suponho que eu gostaria de sugerir através de minha própria história e trabalho atual é que artistas podem tomar uma responsabilidade individual e atividades no que diz respeito a como e de quais maneiras eles concebem e produzem seus próprios trabalhos. Referências

Literárias

Ewald, Wendy. Portraits and Dreams. New York: Writers and Readers Publishing, 1985 Eu descobri uma cópia de Portraits and Dreams (Retratos e Sonhos) na biblioteca da Universidade Estadual de Humboldt quando eu era estudante universitário pelos idos dos anos 1980. O livro me surpreendeu totalmente e redirecionou meu trabalho como artista e professor. Ewald viveu em uma parte bastante rural na parte oriental de Kentucky e trabalhou com um grupo escolar de crianças por alguns anos os quais eles fizeram sobre suas próprias vidas e mundos interiores. Os resultados são verdadeiramente assustadores. Freire, Paulo e Myles Horton. We make the Road by Walking. Philadelphie: Temple University Press, 1990. Eu corri atrás de We Make the Road by Walking (Nós Fazemos a Estrada Andando), em um ponto mais tarde da minha vida do que ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE os outros livros, mas era igualmente importante para mim. Muitas pessoas estão familiarizadas com Freire e o seu trabalho na América do Sul, mas menos conhecido (embora igualmente não mais incrível para mim) é Miles Horton e sua Tennesses – Organização baseada na Escola Folclórica Highlander. Highlander teve muitas direções, mas esteve sempre operado em uma forma DE- AUTHORITISED ( sem autoridade ??) e focando em uma variedade de questões políticas e sociais – era na maioria uma protuberância de atividades durante o movimento dos Direitos Civis. O livro foi criado de uma maneira interessante demais que eu tenho replicado em algumas ocasiões. Foi gravada uma conversa que Freire e Horton tiveram juntos e que mais tarde foi transcrita e colocada na forma de livro. Holt, John. How Children Learn, Revised Edition. New York: Delacort Fress/Seymour Lawrance, 1983. Adquiri este meu primeiro, de muitos livros de John Holt, em uma feira de livros anarquistas em Londres, quando eu estava na graduação, estudando no exterior por um semestre. Foi também muito importante para mim na minha compreensão das alternativas educacionais e direitos das crianças. O outro aspecto do livro pelo qual fui atingido é que o livro de 1983 é uma edição revisada do original de 1967 e Holt escreveu comentários (frequentemente críticas) nas margens do livro sobre o seu texto escrito anteriormente. Pensei que foi uma ideia interessante re-examinar o seu próprio trabalho e trazer o processo à público. Nearing, Helen and Scott Nearing. Living the Good Life: How to Live Sanely In a Troubled World. Mainer Social Sciences Institute, 1954. Eu tropecei no The Good Life ( A Boa Vida) em uma livraria em Arcata, CA, quando eu estava no começo dos meus vinte anos. É a história de um recente casal “Back to the Land”( De Volta para a Terra) e sua específica maneira de organização e efetivamente morando em um estilo de vida alternativo. Este livro, ao longo dos outros tantos, conduziu-me a agricultura orgânica, a qual teve um impacto maior na minha prática artística. Neill, A. S. Summerhill: A Radical Approach to Child Rearing. New York: Hart Publishing Company, 1960. Eu comprei uma cópia do Summerhill na mesma feira de livros de Londres. É sobre uma escola alternativa na Inglaterra na qual as crianças são dados os mesmos direitos do que os adultos. Eu recordo a minha leitura da primeira vez e a confirmação de um sentimento de todo o meu próprio senso de infância e dos erros de uma educação tradicional que eu experimentei. As ideias no ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE livro tiveram impacto em um monte das minhas maneiras ensinar e nos projetos participativos ao longo dos anos.

de

127

__________________________________________ ¹ Este texto foi inicialmente publicado no Livro: Akademie X Lessons In Art + Life da Editora Phaidon, 2015. Título original: Lesson: Some Thoughts on Agency and Activity Outside of the Commercial System. O autor autorizou a tradução deste texto para o português com finalidade acadêmica. ²

Tradução: Mestranda Márcia Amaral Figueiredo. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

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Artigos ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE A DIFICULDADE DE DISCURSO NO PROCESSO CRIATIVO DA PINTURA. STATEMENT'S DIFFICULTY IN PAINTING’S CREATIVE PROCESS. Felipe Martin de Góes fmgoes@yahoo.com.br

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Figura 1: Góes, Felipe. Pintura nº 264, acrílica e guache sobre tela, 30x40cm, 2015.

RESUMO O artigo reflete sobre o processo criativo, abordando a dificuldade enfrentada pelo artista contemporâneo em relacionar a prática da pintura com o discurso verbal e escrito. Mapear essa dificuldade é de grande interesse de artistas, críticos e pesquisadores. PALAVRAS CHAVE: Arte. Processo Criativo. Pintura. Discurso. ABSTRACT The article meditates about the creative process, addressing the contemporary artist’s difficulty to link their painting practice

with verbal or written statements. Artists, critics scholars have great interest to outline this difficulty. KEY WORDS: Art. Creative Process. Painting. Statement.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

and


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APOTHEKE INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é contribuir com uma reflexão sobre

o

pintura

processo e,

num

dificuldades

criativo processo

pela

perspectiva

autoavaliativo,

cotidianas

da

prática

da

salientar

algumas

pelo

artista

enfrentadas

contemporâneo. Se

o

processo

criativo

enfrentamento de obstáculos¹

16

pode

ser

um

mecanismo

de

, qual a natureza dos obstáculos

em pintura? Quais perguntas uma pintura lança ao mundo? Qual discurso estabelece silenciosamente uma pintura? Como lidar com a oscilação entre recursos materiais e recursos teóricos no longo processo de depuração de um trabalho? Seria inimaginável o desenvolvimento histórico da pintura ocidental

apartada

da

produção

do

discurso

verbal/escrito

sobre arte dos textos antigos e tratados renascentistas2

17

,

assim como o impacto que textos de Kandinsky ou Greenberg tiveram para a arte moderna, ou ainda do discurso político de Beuys e Duchamp para ampliar o espectro de operações na arte contemporânea

318

.

Para além da discussão sobre os limites do que é arte e de quem faz arte, o processo criativo está presente em todos os campos de atuação humana. Seria difícil afirmar que não existe processo criativo em medicina, gestão, robótica ou esporte. Criatividade

não

é

uma

habilidade

exclusiva

de

artistas.

Sennett (2009) e Pallasmaa (2013) reconhecem um aspecto de ¹ Para Sennett (2009), a obsessão pela qualidade está na essência da prática do artífice, seja ele um médico, artesão ou programador de software. A obsessão leva o artífice a um constante mapeamento de obstáculos e busca de soluções. (SENNETT, 2009, p.35–37) ² Os textos Hipias Maior de Platão, ou Da Poética de Aristóteles (ARGAN, 2003) foram essenciais à origem da ideia filosófica de belo e do posterior desenvolvimento da filosofia estética. O Trattato della Pittura de Leonardo da Vinci é reconhecido, assim como outros textos de Vasari e Alberti, como fundamentais para o estabelecimento do Estatuto teórico e social da pintura no Renascimento. (LICHTENSTEIN, 2004) ³ Beuys e Duchamp influenciaram significativamente o pensamento contemporâneo. Turvaram os limites entre prática artística e prática política, dos limites entre objetos de arte e objetos do cotidiano, atividade artística e atividades conceituais. (MAMMÌ, 2012, P.54-117)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE artífice em todo fazer humano. Segundo estes autores tudo na cultura

é

artefato,

ou

seja,

um

artifício

criado

em

contraposição à natureza. (ABBAGNANO, 2012, p.93) A cidade e sua arquitetura são exemplos destacados de artefatos

humanos.

Segundo

Argan

(2005),

ambos

são

indissociáveis da civilização e, assim como a linguagem, são catalisadores e produtos da cultura. A cidade favorece a arte, é a própria arte, disse Lewis Mumford. Portanto, ela não é apenas, como outros depois dele explicitaram, um invólucro ou uma concentração de produtos artísticos, mas um produto artístico ela mesma [...]. A origem do caráter artístico implícito da cidade lembra o caráter artístico intrínseco da linguagem, indicado por Saussurre: a cidade é intrinsecamente artística. (ARGAN, 2005, p.73).

Assim, é na qualidade de artífice da pintura que o autor deste

artigo

criativo

e,

objetiva

abordar

conforme

a

exposto

problemática acima,

do

processo

salientar

as

possibilidades de uma pintura ser ao mesmo tempo produto e catalisador de um discurso intelectual.

Figura 2: Góes, Felipe. Pintura nº 222, acrílica e guache sobre tela, 80x120cm, 2014.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE A DIFICULDADE DE DISCURSO NO PROCESSO CRIATIVO DA PINTURA419 O discurso teórico sobre a prática artística representa grande dificuldade para artistas, críticos e pesquisadores. Tal fato ocorre pois a transposição entre linguagens diversas, como por exemplo do discurso da pintura para o discurso da escrita, não poder ser realizada sem quaisquer atritos, pois parece claro que a pintura e a escrita são linguagens que demandam

intimidade

com

distintas5

práticas

20

.

Assim,

o

trânsito entre algo com o qual temos intimidade para algo desconhecido por nós representa um obstáculo e ao mesmo tempo fonte

de

estímulo

para

o

artista

seguir

adiante

em

sua

pesquisa. Ao

longo

do

artigo

são

apresentados

depoimentos

de

artistas como Bram Van Velde e Paulo Pasta, que entenderam a pintura como enfrentamento do desconhecido e das contingências da

vida.

Além

destes

artistas,

faz-se

referencia

aos

argumentos dos pesquisadores Gumbrecht e Rancierè, que apontam que este enfrentamento se realiza na oscilação entre momentos obscuros da materialidade e momentos de clareza do sentido. É

importante

reconhecer

a

dificuldade

em

unir

as

abordagens de Gumbrecht e Rancierè, pois embora ambos apontem uma relação importante entre discurso da pintura e discurso da escrita, todo.

divergem

Gumbrecht

na

valorização

(2010)

considera

destes

aspectos

urgente

a

perante

compreensão

o da

materialidade das coisas. Rancière (2012) denuncia qualquer tentativa de uma autonomia formalista da obra de arte. É nessa condição

de

funâmbulo

que

desenvolvo

os

argumentos

deste

artigo.

A problemática do “DISCURSO” foi inspirada em discussões recentes orientadas pelo artista Rubens Espírito Santo nas “aulas de segunda feira” do Atelier do Centro (São Paulo, SP). 5 É importante que fique claro que a comparação aqui desenvolvida entre discurso da escrita e discurso da pintura não é da ordem do intelectual vs. manual, mas sim da fonética/gramática vs. visual/plástico. A pintura e a escrita são práticas que solicitam esforços do corpo e do intelecto. 4

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE Mas essa simples oposição começa a se tornar obscura quando nos perguntamos: em que consiste exatamente esse “fato pictural” que se opõe ao suplemento do discurso? (RANCIÈRE, 2012, p.79).

Além do binômio obscuridade-clareza, a revelação de uma vocação para o discurso da pintura também parece oscilar entre razão e paixão621 . Neste sentido, o depoimento do artista Paulo Pasta sobre o desenvolvimento de sua vocação como pintor é de grande interesse. A pintura para mim, desde cedo, foi também autodescoberta. Não tenho com nenhuma outra linguagem a relação de intimidade que tenho com ela. [...] Prometi a mim mesmo seguir esse caminho, como uma senda para estar melhor no mundo. Desse modo, a pintura sempre foi uma atividade muito rente a minha própria vida. [...] Parece-me que a pintura teria de contar por si mesma, e de forma indireta e condensada, a lenta transformação dos conteúdos vividos. Essa seria a sua maneira de imitar em abstrato as contingências da vida. (PASTA, 2012, p.103-104).

Para

Gumbrecht

(2010)

é

urgente

que

as

pesquisas

acadêmicas acomodem este aspecto “rente à vida” da qual fala Pasta em seu depoimento. Gumbrecht propõe aos pesquisadores em arte e humanidades “que concebamos a experiência estética como uma oscilação (às vezes, uma interferência) entre ‘efeitos de presença’

e

‘efeitos

rebalanceando

as

tradicionalmente excessivamente

de

sentido’”

metodologias pela

(GUMBRECHT, de

interpretação

“hermenêutica”

nas

2010,

pesquisa

p.22),

dominadas

verbal/escrita palavras

do

e

autor.

(GUMBRECHT, 2010, p.35) Em última análise, o que este livro defende é uma relação com as coisas do mundo que possa oscilar entre efeitos de presença e efeitos de sentido. No entanto, só os efeitos de presença apelam aos sentidos [...] (GUMBRECHT, 2010. p.15).

Em reportagem à Jacinto Saraiva do jornal Valor Econômico, Paulo Pasta revela que sua rotina obsessiva envolve 7 dias por semana de trabalho no ateliê. (SARAIVA, 2015) 6

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE

Figura 3: Góes, Felipe. Pintura nº 276, acrílica e guache sobre tela, 35x40cm, 2015.

Gumbrecht

caracteriza

por

“presença”

algo

que

tenha

o

poder de obstruir nossa rota, seja uma pintura, um poema ou um lindo

pôr-do-sol.

determinadas justificar

Barthes,

fotografias,

que

sentia

interesse

intelectualmente,

este

chamou

de

interesse que

não

“punctum”

por podia

(BARTHES,

1984, p.46) este algo que nos fere no íntimo, e que muitas vezes

apresenta-se

como

uma

paixão,

agindo

na

razão

e

na

desrazão que habitam em nós. Nos dois casos é interessante pontuar que a corporificação sugerida nestes dois conceitos, “presença” e “punctum”, enunciam sutilmente que corpo e mente são indissociáveis filosoficamente para estes pesquisadores. É importante destacar que o objetivo deste artigo não é desvalorizar

o

discurso

conceitual/acadêmico

em

arte

ou

defender uma autonomia formalista da pintura. Não nos parece eficaz para o processo criativo em pintura que existam limites rígidos

entre

prática

e

discurso

verbal/escrito.

Segundo

Rancière (2012), teorizar sobre si próprio é parte da essência da

prática

podemos possível

artística.

afirmar e

que

a

desejável,

Seguindo

sua

aproximação mas

que

linha

entre

de

arte

devemos

pensamento, e

escrita

é

respeitosamente

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE reconhecer a gravidade do desafio. Assim, estamos afirmando que

perguntas

e

respostas

são

continuamente

emitidas

silenciosamente entre artista, pintura e público, sem que haja uma hierarquia clara entre estes agentes. Assim, a perda da medida comum entre os meios das artes não significa que daí em diante cada qual fique no seu compartimento, outorgando-se sua própria medida. Isso quer dizer sobretudo que toda medida comum doravante é uma produção singular, e que essa produção é possível somente à custa de afrontar, na sua radicalidade, o sem medida da mistura. (RANCIÈRE, 2012, p.52).

O artista Bram Van Velde7 22 , em depoimento ao escritor Charles Juliet8 23 , refletiu sobre a dificuldade de transposição do discurso da pintura para o discurso verbal, afirmando que lhe faltavam as palavras para falar de uma pintura9 24 . Velde revela que é justamente nessa dificuldade de emitir o discurso verbal onde se realiza o discurso próprio da pintura, e que este discurso seria como um olho cegado, mas que esforça-se em enxergar a ponta da faca que lhe fere1025. O depoimento de Velde apresenta uma interessante oscilação da

vontade

de

discurso

com

a

precariedade

e

a

falta

de

recursos para tal empreendimento, e parece carregar a mesma ambiguidade do conceito de “palavra muda” de Rancierè (2012, p.22). Servindo-nos (2013)

a

de

respeito

argumento do

discurso

semelhante da

ao

de

arquitetura,

Pallasmaa é

a

essa

O artista Bram Van Velde (1895- 1981), em diversas entrevistas, reafirma sua desconfiança na transposição do discurso pintura para o discurso verbal/escrito. O interessante nessas reflexões de Velde é que sua desconfiança claramente não parte de uma incapacidade intelectual ou retórica, pois basta ler poucas linhas de seus depoimentos para que fique óbvia a grande sensibilidade e precisão que o artista teve no uso das palavras. 8 O escritor Charles Juliet (1934-) foi um dos mais importantes interlocutores de Bram Van Velde, tendo publicado “Conversations with Samuel Beckett and Bram Van Velde“ e “Bram Van Velde par Jacques Putman et Charles Juliet” 9 “Je suis un être san langues. Je ne peux rien dire, je n’ai pas de mots. ” (JULIET, 1975, p. 78) 10 “La peinture est un oeil [...] un oeil aveuglé, qui continue de voir, qui voit ce qui l’aveugle.” (JULIET, 1975, p. 84) 7

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APOTHEKE potência silenciosa a qual nos referimos como o discurso da pintura. Todas as formas de arte – como a escultura, a pintura, a música, o cinema e a arquitetura – são modos específicos de pensar. Elas representam formas de pensamento sensorial e corporificado característicos de cada meio artístico. [...] a arquitetura, por exemplo, é um modo de fazer filosofia existencial e metafísica por meio do espaço, da estrutura, da matéria, da gravidade e da luz. (PALLASMAA, 2013, p.19-20).

136

Figura 4: Góes, Felipe. Pintura nº 278, acrílica e guache sobre tela, 100x140cm, 2015.

Por fim, ressalto mais uma vez o argumento principal deste artigo:

não

existe

incompatibilidade

entre

o

discurso

da

pintura e o discurso da escrita. Mas é importante salientar que existe sim uma dificuldade nessa relação, e que mapear essa dificuldade é de grande interesse de artistas, críticos e pesquisadores. Conforme pontuado acima, autores como Gumbrecht e Rancière publicaram importantes reflexões a respeito dessa relação, e que parece ser consensual entre ambos que, para que exista potência em um discurso verbal/escrito sobre arte, é

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE necessário primeiramente que o objeto

¹¹ 26

de arte apresente-se

com potência em seu próprio medium, na intimidade da prática. Portanto, refletir sobre o processo criativo na pintura é em primeiro lugar refletir sobre as dificuldades de discurso da pintura, da essência “errática” (ALMEIDA; GÓES, 2015) que a linguagem artística impõe à metodologia de pesquisa, do embate cotidiano que o artista contemporâneo trava com a “palavra muda”. Reflexões e pesquisas aprofundadas, a serem realizadas posteriormente,

devem

não

apenas

levar

em

consideração

as

dificuldades expostas neste artigo, mas também se apropriar desta

natureza

errática

do

processo

criativo

e

turvar

os

limites entre a obscuridade do ateliê e a busca por sentido da academia, estabelecendo um discurso que incorpore a razão e a paixão.

137

Figura 5: Góes, Felipe. Pintura nº 279, acrílica e guache sobre tela, 150x180cm, 2015.

11

Não estou tratando apenas de objetos físicos, mas de objetos de estudo. O termo poderia designar artes visuais, música, cinema, poesia, teatro, esporte. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2012. ALMEIDA, Eduardo Augusto Alves; GÓES, Felipe. Entre a figura e o abstrato: instâncias do pensamento. Interface, UNESP, Botucatu, v.19, n.52, p.211-226, Mar.2015. Disponível em: < http://interface.org.br/wp-content/uploads/2015/02/52.pdf>. Acesso em 14 Nov.2015. ARGAN, Giulio Carlo. História de arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ARGAN, Giulio Carlo. História da arte Italiana. Volume 1. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. BARTHES, Roland. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUCRio, 2010. JULIET, Charles ; PUTMAN, Jacques. Bram van Velde. Paris: Maeght Editeur, 1975. LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura. Volume 7: O paralelo das arte. São Paulo: Editora 34, 2005. MAMMÌ, Lorenzo. O que resta: arte e crítica de arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. PALLASMAA, Juhani. As mãos inteligentes. Porto Alegre: Bookman, 2013. PASTA, Paulo. A educação pela pintura. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. SARAIVA, Jacinto. Um pintor de volta às raízes. Valor Econômico, São Paulo, nov.2015. Disponível em <http://www.valor.com.br/cultura/4313930/um-pintor-de-voltaraizes>. Acesso em 15 nov. 2015 SENNETT, Richard. O artífice. Rio de Janeiro: Record, 2009. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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APOTHEKE Felipe Martin de Góes, Artista e arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Realizou exposições e projetos artísticos no Brasil e no exterior. Site: www.fgoesarte.blogspot.com

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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE OBJETOS MEDIADOS: PINTURAS MESTIÇAS MEDIATED OBJECTS: MISCEGENATED PAINTINGS Ricardo de Pellegrin (Unochapecó) ricardoppgart@gmail.com

RESUMO Este artigo apresenta os resultados da pesquisa Objetos mediados: pinturas mestiças, desenvolvida entre 2011 e 2013, investigação que se estabeleceu na conjugação da prática artística a uma reflexão teórica, abordando as estratégias poéticas adotadas na concepção e realização desses trabalhos. A proposta instaurou-se nas problemáticas contemporâneas da representação de objetos na pintura (natureza-morta) através do emprego da imagem técnica, processo pictórico relacionado ao conceito de mestiçagem. Identificadas nas estratégias poéticas as questões deslocaram-se dos objetos para o ruído gerado pela mediação técnica (óptica) do modelo. PALAVRAS-CHAVE: Óptica. Ruído.

Arte

Contemporânea.

Pintura.

Mediação

Técnica.

ABSTRACT This paper presents the final results of the research named Mediated objects: miscegenated paintings, which was developed between 2011 and 2013, and it is characterized by presenting an investigation that was established by the combination of artistic practices and theoretical reflections that deal with poetic strategies adopted by the conception and realization of those works. The proposal is based on contemporary issues that cover the representation of objects in painting (still life) through the use of technical image, pictorial process that relates the concept of miscegenation. It was possible to identify in those poetic strategies that the questions moved from the objects to the noise through mediated technique (optic) of the model. KEYWORDS: Contemporary Art. Painting. Mediation Technique. Optics. Noise.

Este Objetos

texto

configura-se

mediados:

pinturas

como

um

mestiças,

apanhado

da

investigação

pesquisa que

foi

desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria, na linha de pesquisa Arte e Visualidade, com orientação do professor doutor Paulo César Ribeiro

Gomes

(UFRGS).

É

um

estudo

que

se

localiza

no

território das poéticas visuais, no qual foram inquiridas as ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

140


REVISTA

APOTHEKE problemáticas decorrentes do meu processo poético, no período de 2011 e 2013. O

vértice

consiste

de

processual/conceitual

uma

investigação

da

visual

poética

fundada

em

na

questão

percepção

gerada pela mediação técnica, cujos trabalhos (como resultado final) aglutinam o pictórico à imagem técnica a partir do conceito operatório da mestiçagem. As implicações decorrentes deste processo de mestiçagem resultam da contraposição entre a tecnicidade dos processos de mediação e a materialidade da pintura,

construída

manualmente

por

camadas

de

tinta

sobrepostas no suporte. Nesse sentido, almejou-se realizar trabalhos a partir do confronto

entre

bidimensional revitalizando

os

diferentes

empregados a

em

pintura

meios

diálogo

em

à

de

representação

linguagem

consonância

com

pictórica, o

contexto

contemporâneo. Nesse prisma, configura-se como uma abordagem visual

para

motivadora

das

o

fenômeno mudanças

da

nos

mediação

paradigmas

técnica, de

enquanto

representação

da

pintura. O artigo foi dividido em dois subtítulos. No primeiro, trato das aproximações entre a pintura e os meios técnicos empregados na mediação do visível. Já no segundo, abordo o pensamento possível para o ruído óptico que é agregado nos trabalhos devido à origem processual técnica. PINTURA E IMAGENS TÉCNICAS: PROCESSOS MESTIÇOS Na contemporaneidade, as imagens técnicas se tornaram um importante

instrumento

realidade.

A

imagens

de

mediação

massificação

provocou

uma

das

entre

tecnologias

situação

de

o de

saturação,

homem

e

produção geradas

a de e

disponibilizadas em fluxo contínuo e desgovernado. Assim, para todo

o

visuais.

lugar Esse

que

olhamos,

confronto

somos

atingidos

vivenciado

na

por

informações

atualidade

acabou

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

141


REVISTA

APOTHEKE definindo

novas

maneiras

de

se

relacionar

com

o

mundo

e,

secular

da

tecnologia

de

consequentemente, com a arte. A

câmera

fotografia

digital

graças

gravação

da

aparatos,

toda

popularizou

aos

imagem. essa

constantes

o

avanços

Disponibilizada massa

de

processo na

através

informação

de

visual

diversos

estabeleceu

novos cânones perceptivos, conformando o olhar do sujeito aos modos de ver da máquina; indivíduo que, para além de qualquer ingenuidade, dialoga com essa realidade estabelecida. Sobre a influência

das

imagens

técnicas

na

formação

do

olhar

do

sujeito contemporâneo, o crítico Tadeu Chiarelli afirma que: Essa nova geração, nascida após o termino da Segunda Guerra Mundial, vivenciou de maneira mais totalizadora (praticamente do berço), os novos meios de comunicação sobretudo a televisão, mas também revistas, cinema etc. -, recebendo sem nenhum tipo de resistência preconcebida um universo de informações fragmentado, cheio de imagens das mais diversas épocas e procedências, todas elas homogeneizadas em suas diferenças por essas mesmas mídias. (CHIARELLI, 2001, p. 265).

142 As

implicações

da

presença

das

imagens

técnicas

se

refletem na aparência das obras de arte, mas de modo especial na pintura. Ciente desta contaminação, Klaus Honnef tece uma leitura técnicas

da no

pintura modo

de

que ver

revela e

de

a

influência

criar

dos

das

imagens

artistas

atuais.

Consoante o autor: Através do desenvolvimento específico da pintura contemporânea, pode-se verificar facilmente como a imagem fotográfica do mundo influencia tão acentuadamente o modo de ver e de pensar. De um lado, imagens que recusam qualquer espécie de modelo, que nada representam, e que devem ser percebidas e compreendidas simplesmente como imagens autônomas; no outro lado, imagens inspiradas na fotografia sem, no entanto, constituírem reproduções fotográficas ou duplicados. (HONNEF, 1990, p. 73).

A pintura, a fotografia e o cinema podem ser considerados os principais meios responsáveis pelas mudanças na concepção da imagem no ocidente, com consequências intimamente ligadas à

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE formação do olhar do espectador nos diferentes períodos. As aproximações entre a pintura e os meios técnicos de produção sempre ocorreram, entretanto, é na contemporaneidade que pode ser

verificada

grande

efervescência

desse

tipo

de

conduta

poética mestiça. A produção pictórica, na maioria dos casos, perpassa a constituição de um estudo preparatório, esboço onde constam as diretrizes para a execução do trabalho. O método de trabalho mais tradicional pressupõe a observação direta do modelo e sua replicação no suporte, no qual o artista tateia a forma em busca do lugar preciso de cada traço. Segundo David Hockney, fazer a olho refere-se: [...] ao modo como o artista se senta na frente de um modelo e desenha ou pinta um retrato usando apenas a mão e olho e nada mais, observando a figura e tentando depois recriar a semelhança no papel ou na tela. (HOCKNEY, 2001, p. 23).

Entretanto, os meios técnicos de produção de imagens fazem a passagem mecânica do mundo visível para o bidimensional. Essas

imagens

particular,

se

constituem

aparência

que

a

partir

diverge

da

de

uma

organização

visualidade

produzida

através do fazer a olho. Parece-me que perante a profusão de imagens à qual

o

sujeito contemporâneo é submetido, desaprendemos a olhar sem a mediação

da

imagem

técnica,

tornando-se

natural

que

essa

imagem, em especial a fotografia, seja um recurso amplamente utilizado

pelos

pintores

mediação

técnica

não

no

processo

disponibiliza

a

de

trabalho.

mesma

Essa

experiência

de

observação do modelo, pois traduz um correspondente plano de maneira específica e ruidosa. A diferença fundamental entre os procedimentos mencionados está

no

tipo

de

experiência

visual

que

é

utilizada

na

concepção da imagem: a primeira dá conta da visão binocular, que

corresponde

à

percepção

humana;

a

outra,

da

visão

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

da

143


REVISTA

APOTHEKE máquina,

monocular,

mediada

por

procedimentos

técnicos.

No

processo dos pintores que trabalham a partir da fotografia, a imagem técnica ocupa o lugar do bloco de desenhos para os artistas que partem do

fazer a olho, conforme afirma Karl

Ruhrberg: A fotografia - ou série de fotografias - é um instrumento tão importante quanto é o bloco de esboços para outros pintores. Consequentemente, a sua obra criativa começa logo na escolha do motivo, na seleção de fotografias que em geral eles mesmos tiraram, por vezes com uma máquina fotográfica manipulada. (RUHRBERG, 2005, p. 335).

A

escolha

pela

imagem

fotográfica

como

recurso

para

constituição dos estudos decorre do fato de que este meio não se limita à finalidade de reproduzir o modelo, mas produz uma aparência

específica.

No

meu

processo,

os

objetos

são

dispostos em um modelo e o espaço que eles ocupam recebe uma iluminação específica. A câmera passeia entre as personagens, aproximando-se observação modelos.

destas

diferenciado As

e

disponibilizando

da

experiência

fotografias

resultam

do

um

ângulo

cotidiana flanar

com da

de

estes câmera

fotográfica entre os objetos. A

partir

da

ampliação

destas

imagens

técnicas,

reproduzidas manualmente sobre a tela através da projeção, há o estabelecimento de uma tensão entre os meios empregados, com a tecnicidade da imagem técnica e a materialidade pictórica. As

práticas

seguem

a

de

cruzamento

definição

de

instituídas

conduta

mestiça

nessa definida

investigação por

Icleia

Borsa Cattani (2007). A autora define que: Os cruzamentos que suscitam relações com o conceito de mestiçagem são os que acolhem sentidos múltiplos, permanecendo em tensão na obra a partir de um princípio de agregação que não visa fundi-los numa totalidade única, mas mantê-los em constante pulsação. (CATTANI 2007, p. 11).

A transposição da fotografia para a pintura, em óleo sobre tela, faz parte da gama de procedimentos escolhidos para negar ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

144


REVISTA

APOTHEKE a

banalidade

e

conferir

outro

status

para

a

imagem.

A

superficialidade da fotografia é transmutada para o pictórico, deslocando-a

da

saturação

cotidiana,

estabelecendo

um

confronto com a aparência e as possibilidades de reprodução providos das imagens técnicas. Inegavelmente,

a

contemporaneidade

tendência

de

produzir

caracteriza-se

como

pinturas uma

na

postura

contraditória diante da arte digital, movimento cuja principal consequência foi a desmaterialização do objeto artístico. Na minha prática, tal conflito se evidencia na materialidade da pintura a óleo, meio visual que se mantém singularizado pela condição específica de observação e sua impossibilidade - até certo ponto - de reprodução técnica. Na

tela,

o

processo

pictórico

inicia

com

a

imagem

fotográfica projetada sobre o suporte. Conforme as diretrizes determinadas

pela

preliminar,

a

adelgaçadas

com

menos

tinta

encorpadas

pintura,

sem

projeção,

o

é

aplicada

solvente. de

manchas

contrastes

mais

A

pigmento

brilho

Produzindo

de

sem

o

em

opção

uso suaves

pelo

pretende

acentuados

um

um

sobre

a

tela

de

luz

e

desenho

veladuras

emprego

característico

cor

de

de

aspecto

da são

tinta

muito

camadas opaco a

óleo.

decalcados

sombra,

na

áreas

os que

estruturam a imagem. A aplicação das cores segue uma lógica pré-determinada: iniciando com tonalidades de amarelo claro, passando para os laranjas, depois os vermelhos, os verdes e os violetas, os azuis (Figura 01). A gradação é resultado da diluição da tinta em solvente, ou seja, o pigmento branco não é utilizado para obter tonalidades mais claras, do mesmo modo que o preto não é empregado para escurecer as matizes.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

145


REVISTA

APOTHEKE Figura 01 - Processo de construção da pintura Nu artístico - Zoom, 2011. Fonte: acervo pessoal do autor.

A estratégia de pintar por camadas de cor que cobrem, com menor ou maior intensidade, toda a superfície da tela é uma prática

compartilhada

por

diversos

artistas

na

contemporaneidade. A minha opção por esse procedimento deve-se ao objetivo de conferir uma unidade cromática ao trabalho, aproximando-se da lógica de construção da cor que ocorre no processo fotográfico (por camadas de cor que se sobrepõem). A respeito do procedimento de construção da cor na pintura através de camadas, Jacques Aumont afirma que: [...] pode-se sempre imaginar um pintor que se aplica em pintar, sucessivamente, três camadas monocromáticas, em cores primárias, sobre toda a superfície: é complicado, mas teoricamente possível. (AUMONT, 2004, p. 186).

Apesar de compartilhar do mesmo procedimento pictórico mencionado por Aumont, aplicação da tinta em camadas a partir de

projeção,

as

pinturas

que

integram

minha

investigação

poética resultam de processos menos arbitrários. As qualidades da pintura são exaltadas em alguns dos trabalhos que realizei, como pode ser observado em Estação Destempo

(2012)

(Figura

02),

proposta

de

site-specific

produzida durante o evento arte#ocupaSM (2012). Realizada com um número restrito de cores, alguns tons de amarelo, laranjas, vermelhos

e

violetas,

aplicadas

de

modo

a

evidenciar

as

qualidades do material, com escorridos, manchas, assumindo os desvios da pintura na imagem. Tal trabalho foi efetuado em uma zona da pintura onde o artista perde o controle do material.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

146


REVISTA

APOTHEKE

Figura 02 - Estação Destempo, 2012, acrílica sobre parede, 300 x 600 cm. Fonte: acervo pessoal do autor.

RUÍDOS ÓPTICOS O processo de mediação do visível pela técnica pode ser pensado,

caso

seja

considerado

como

um

circuito

de

comunicação, como um meio cuja passagem subverte a informação, agregando ruído à mensagem. Pois, por exemplo, por maior que seja

a

visível,

capacidade tal

da

imagem

fotografia

técnica

de

sempre

gerar será

uma

uma

mimese

do

interpretação

ruidosa do real. Nesta

investigação,

o

conceito

de

ruído

baseia-se

no

pensamento do filósofo Michel Serres (1982). Serres considera o ruído como parte indissociável da comunicação, por outro lado, afirma que é o não comunicado, pertencente à esfera do caos. Na obra literária The Parasite (1982), Serres concebe a figura do parasita como o ruído em um canal de comunicação. A mensagem, nos termos de Serres, não pode ser concebida sem desvios, uma vez que: [...] não conhecemos sistema que funcione perfeitamente, ou seja, sem perdas, fugas, desgastes, erros, acidentes, opacidades - um sistema cujo retorno é de um por um. (SERRES apud LECHTE, 2002, p. 101)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

147


REVISTA

APOTHEKE É

com

essas

intenções

que

aplico

os

instrumentos

de

mediação da imagem em meu processo poético, a fim de produzir, no

ruído

agregado,

uma

informação

diferenciada,

que

apenas

seja possível através do caráter mediado disponibilizado pela imagem técnica. Os ruídos gerados através do uso de aparatos ópticos,

na

seção

fotográfica,

ampliam

as

possibilidades

interpretativas, pois a imagem se torna mais subjetiva, como pode ser observado na tela Trio de soldadinhos mutilados (2011) (Figura 03)

148

Figura 03 - Trio de soldadinhos mutilados, 2011, óleo sobre tela, 110 x 150 cm. Fonte: acervo pessoal do autor.

No momento em que elaboro os estudos fotográficos, não domino os efeitos que serão produzidos devido à informalidade dos recursos que são empregados. Pois, apesar das escolhas dos objetos e da luz ser elementar, é o acúmulo dos ruídos visuais da

óptica

que

Corrompendo

o

determina

a

aparência

reconhecimento

das

final

figuras,

desses

estudos.

essas

imagens

transmitem menos, no sentido de uma mensagem direta, exigindo mais

do

espectador.

A

opacidade

presente

nestas

imagens

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE instiga a busca por maneiras de penetrar na trama de sentidos evocados. O trabalho Abstração Óptica (2012) é resultado de uma série de três imagens (Figura 04) nas quais identifico que, devido ao acúmulo do ruído óptico, o modelo foi deturpado ao extremo,

impossibilitando

seu

reconhecimento,

mas

ele

permanece lá, enquanto vestígio da sua presença. A deformação, neste caso, decorre do uso de um globo de vidro cheio de água que

adquire

a

função

de

lente

durante

a

produção

das

fotografias/estudos.

149 Figura 04 - Abstração óptica [estudos], 2011, fotografias usando globo de vidro como lente. Fonte: acervo pessoal do autor.

A óptica é fundamental nesta investigação poética, visto que

a

motivação

ferramenta

se

para

bidimensional,

encontra

mediar

ou

seja,

nos

o meios

recursos

mundo que

empregados

visível,

como

tornando-o

direcionam

o

olhar

em

sentidos bifurcados. A opacidade, que vem a ser gerada pelo emprego de recursos ópticos no processo de captura da imagem, tem a função de velar o referente em prol de uma abordagem menos

taxativa

decorrente ruído

das

da

figuração.

distorções

processual,

A

abertura

ópticas,

emprego

que

agrega

de

ao

alarga

sentidos,

referente as

um

possíveis

interpretações da imagem. Como reflexo da capacidade de mimese intrínseca

à

representação

imagem mais

fotográfica,

precisa

acaba

percebemos sendo

dotada

que de

mesmo

a

minúcias

interpretativas que estão além da superfície. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE As motivações poéticas que localizo na tecnologia podem ser relacionadas ao conceito de low tech, termo que se define na oposição à expressão high tech, o qual constitui-se de uma tendência dedicada à investigação de tecnologias do passado. Fundamental

salientar

subordinado

ao

que

período

o

conceito

histórico,

de

pois,

tecnologia

está

decorrente

dos

constantes avanços e inovações, um procedimento considerado inovador em uma época se torna retrógrado pouco tempo depois, e este ritmo de descarte está cada vez mais acelerado. Na produção das pinturas que realizo, os recursos ópticos simplificados,

tais

como

lupas

e

globos

de

água,

são

empregados como lentes na elaboração dos estudos fotográficos, imagens decorrentes de circunstâncias específicas de mediação óptica que são transpostas para a linguagem pictórica. Tais aparatos ópticos, anexados informalmente à câmera, subvertem o controle dos comandos do mecanismo fotográfico, proporcionando uma experiência de produção mais subjetiva, ou seja, menos determinada pelas regras da câmera. Neste sentido é possível estabelecer uma aproximação com as

considerações

de

Vilém

Flusser

(2008)

a

respeito

do

funcionário, termo que o autor emprega para o individuo que se vale dos aparatos técnicos sem transcender o dispositivo, no intuito

de

elucidar

minhas

pretensões

de

transpor

o

funcionamento da câmera. Segundo Flusser: O seu desafio é o de fazer imagens que sejam pouco prováveis do ponto de vista do programa do aparelho. O seu desafio é o de agir contra o programa dos aparelhos no interior do próprio programa. (FLUSSER, 2008, p. 28).

Sobre as anamorfoses que produzo com baixa tecnologia, o primordial não se encontra na impossibilidade de fazer imagens similares por meio de recursos da alta tecnologia, pois, até certo ponto, os efeitos obtidos podem ser atingidos com lentes especiais ou simulados em programas de edição de imagens; mas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

150


REVISTA

APOTHEKE o

que

os

diferencia

é

a

subversão

dos

sistemas

pré-

determinados da câmera - uma tentativa de desestabilizar a linearidade

técnica

da

captação

da

imagem

fotográfica,

investindo na aproximação do homem com a máquina. A

escala

mais

facilmente

manipulável

dos

mecanismos

simplificados, no meu caso os aparatos ópticos, permite uma articulação poética mais experimental. Esse emprego, tateando possibilidades,

é

menos

arbitrário

se

comparado

ao

uso

de

recursos high tech, cujo resultado final é desde o principio determinado

pelo

aparato.

Nesse

sentido,

compartilho

de

motivações similares às que João Carlos Machado (2009) revela a respeito de seu processo de trabalho: Entre as vantagens do Low Tech sobre o High Tech, do meu ponto de vista poético, está a escala mais facilmente manipulável de seus materiais e componentes e a possibilidade de deixar à mostra os mecanismos que produzem os efeitos sonoros e visuais emitidos pelos aparelhos. Ele tem o potencial de deixar visível o que é não visível no digital. (MACHADO, 2009, p. 612-613).

151 Na trajetória desta pesquisa, o interesse pela low tech evidenciou-se aparatos

nos

ópticos,

trabalhos

realizados.

empregados

como

Neste

lentes

sentido, no

os

processo

fotográfico - estudos transpostos para pintura - serviram de motivação para outros trabalhos, propostas que extrapolam as convenções da pintura. Estas tecnologias foram aplicadas no desenvolvimento de aparatos que geram imagens com qualidades e princípios ópticos. No processo de desenvolvimento do projetor que integra o trabalho Pintura (2012) (Figura 05), utilizei lentes similares às que costumeiramente emprego frente à câmera. A proposta consiste

de

um

madeira,

lentes

projetor

caseiro

de

transparência

lupa,

construído com

com

sobras

impressão

de

color

laser, uma lâmpada alógena de jardim e materiais de instalação elétrica,

cuja

permanecendo

imagem

gerada

sobrepostas

é

pintura

decalcada e

sobre

projeção.

uma O

tela,

estágio

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE conferido à essa pintura é similar ao primeiro momento do processo pictórico que realizo, quando o desenho é transferido para a tela apenas em pigmento amarelo.

152 Figura 05 - Pintura, 2012, óleo sobre tela e projetor artesanal, lentes de lupa, transparência com impressão color laser, madeira, lâmpada alógena, instalação elétrica, tripé. Fonte: acervo pessoal do autor.

Neste sentido, pensando nos aparatos low tech empregados na

minha

poética,

percebo

que

o

uso

da

óptica

pode

ser

compreendido como uma investida para repensar a presença e o impacto da tecnologia na percepção do sujeito contemporâneo, indivíduo

que,

como

comentado

anteriormente,

habituou-se

a

experienciar a realidade através da mediação técnica. Estes instrumentos presença

rudimentares,

massiva

artísticos investigação

da

atuais, que

se

por

outro

tecnologia apontando opõe

a

de para

lado, ponta

contrariam nos

processos

possibilidades

invisibilidade

dos

a de

processos

digitais e ao maquinocentrismo (MACHADO, 2009). Considerações finais

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE O desenvolvimento do presente estudo buscou problematizar as estratégias poéticas adotadas na produção visual, partindo do

ponto

de

vista

evidenciadas semânticas

as dos

artista

instaurador,

implicações

no

morfológicas,

procedimentos

empregados

qual

foram

sintáticas

e

concepção

e

na

concretização dos trabalhos. Entretanto, para além do objetivo de se chegar a um resultado, a pesquisa e a dissertação se impuseram, principalmente, como um processo de continuidade e de aprofundamento do discurso poético pessoal. Neste sentido, torna-se pertinente ressaltar o

notório

amadurecimento das questões investigadas, cujo foco migrou das problemáticas

relacionadas

ao

gênero

natureza-morta

para

o

ruído óptico decorrente da mediação técnica no processo de representação.

Desse

modo,

o

resultado

final

dos

trabalhos

passou a evidenciar, para além da pintura, outros aspectos relevantes

em

minha

poética,

como

as

possibilidades

de

instituir projeções de imagens por meio de aparatos ópticos simplificados. Assim, o conjunto de trabalhos reunido nessa pesquisa

demonstra,

além

do

resultado

do

processo

na

instauração das obras, propostas que apontaram para caminhos distintos que partiram da mesma gênese conceitual. As investigações no campo da low tech revelaram que a óptica pode ser compreendida como um elemento primordial dos processos de mediação técnica, sendo responsável por grande parte das interferências verificadas na aparência das imagens de

origem

devido

os

tecnológica. vestígios

Esta

visuais

genealogia que

torna-se

decorrem

do

possível

emprego

da

tecnologia na prática artística, experiências que remontam à tradição da arte holandesa do século XVI, onde Jan Vermeer, condicionado

à

percepção

gerada

pela

mediação

do

visível

através de lentes, empreende uma abordagem diferenciada para a representação bidimensional.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

153


REVISTA

APOTHEKE Entretanto, na contemporaneidade, a massiva presença das imagens

técnicas

no

cotidiano

transformou

esses

códigos

visuais ópticos em soluções usuais, como as variações de foco entre os planos da imagem. Neste contexto, se por um lado as inovações

técnicas

facilitaram

a

captura

e

reprodução

do

visível, por outro, sua agilidade e massificação produziram um esvaziamento de sentido para o meio, fazendo com que sejam consideradas imagens descartáveis. Deste modo, nas artes, a pintura

tem

se

mostrado

como

uma

alternativa

capaz

de

interromper este fluxo de descarte, como ocorre no conjunto de telas que foi apresentado ao longo desse trabalho. Os

embates

que

surgem

por

esta

presença

das

imagens

técnicas repercutem na prática artística de modo abrangente, através

das

experiências

de

percepção

disponibilizadas

ao

sujeito contemporâneo por meio da aparência ruidosa da imagem técnica,

tal

referência

é

traduzida

para

a

linguagem

pictórica. Neste sentido, ao tratar da natureza-morta, agrego aos

saberes

da

tradição

ocidental

sobre

este

gênero

às

especificidades estéticas da mediação técnica, situação que considero

ser

materialidade

um

traço

da

da

pintura,

contemporaneidade. devido

às

Entretanto,

qualidades

a

plásticas

opostas às da imagem técnica, confere outro status para essas imagens,

retirando-as

da

banalidade

a

qual

sua

origem

processual condena. Contrapondo-se ao uso inicial da mediação técnica em meu processo, que serviu como estudo para o trabalho pictórico, os trabalhos que foram realizados por meio do emprego direto de mecanismos

low

tech,

confronto

com

a

concepção

tradicional

demonstram

mestiçagem. da

São

pintura,

outras propostas porém

perspectivas que

valem-se

de

escapam dela

da

para

fundamentar o seu discurso visual. Deste modo, a poética em questão não abrangeu apenas as pinturas produzidas manualmente em óleo sobre tela, mas ao ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

154


REVISTA

APOTHEKE investigar desdobramentos específicos, a partir do processo instaurado, denunciou diversas possibilidades de mestiçagens entre a pintura e a mediação técnica. Estas aproximações entre pintura

e

low

tech,

assunto

que

desperta

grande

interesse

pessoal, correspondem a um campo fértil para a continuidade da pesquisa poética, inserindo-se nas discussões contemporâneas a respeito da co-presença de meios pelo viés da mestiçagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. Tradução: Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. CATTANI, Icleia Borsa. Poiéticas e Poéticas da Mestiçagem. In: Mestiçagens na arte contemporânea. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. pp. 11-17. CHIARELLI, Tadeu. Considerações sobre o uso de imagens de segunda geração na arte contemporânea. In: BASBAUM, Ricardo [org.]. Arte Contemporânea Brasileira. Rio de Janeiro: Marcad’Agua, 2001. pp. 257-270. FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: Elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008. HOCKNEY, David. O conhecimento secreto: Redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. HONNEF, Klaus. Imagens num mundo de imagens. In: Arte Contemporânea. Colónia: Taschen, 1990. pp. 73-85. LECHTE, John. Cinquenta pensadores contemporâneos essenciais: do estruturalismo à pós-modernidade. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002. MACHADO, João Carlos. O Low Tech frente ao maquinocentrismo e a invisibilidade dos processos digitais. In: Anais do 18° Encontro Nacional da ANPAP, Salvador: EDUFBA, 2009. pp. 609622. RUHRBERG, Karl. Arte do Século XX: Pintura. Tradução: Ida Boavida. Colónia: Taschen, 2005.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

155


REVISTA

APOTHEKE Ricardo de Pellegrin (nome artístico Ricardo Garlet). Artista Visual, Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFSM, Bacharel em Artes Visuais com Habilitação em Pintura e Licenciatura pela UFPEL. Docente no curso de Artes Visuais da Unochapecó.

156

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE ATO CRIADOR, BLOCOS DE EXPERIMENTAÇÕES Lucimar Bello Frange lucimarbello@terra.com.br

Resumo A pintura, na contemporaneidade, pode ser abordada por diferentes modos e com inúmeras conexões. Nesse texto, faço recortes e esboços, elos entre pintura, arquivo, condensação, multiplicidade, fugas, escapatórias. É um exercício que enfatiza, entre outros artistas, a obra Atlas de Gerhard Richter e suas muitas camadas com o mundo “real” e o mundo “com-figurado” em imagens agregadas em pranchas de papel. Richter faz a pintura re-existir.

Introdução ... um pensamento é como um vento que nos impele, uma série de rajadas e de abalos. Pensa-se estar no porto, e de novo é lançado em alto mar. Leibniz

157 Do papel branco à cor. Do papel branco à matéria. Do papel branco,

a

um

bloco

de

experimentações.

Assim

se

faz

uma

imagem. De uma sala vazia a uma intervenção. De uma praça chamada de nua, à experimentações colaborativas. Assim se faz uma interinvenção. De

uma

sala

de

aula,

sem

mesas,

sem

cadeiras,

a

corpos

criativos e vibráteis. Assim se criam imagens, palavras, ações corpóreas e compar-trilhadas. De muitas imagens colecionadas durante 50 anos, às imagens agregadas de maneiras inusuais. Assim, Gerhard Richter opera re-existências além de pictóricas, reconfigura a pintura na contemporaneidade. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE Essas possíveis constituições de territórios, quer no papel, quer

no

espaço

coletivo,

rua,

cidade,

escola,

espaços

culturais, são ações em com-junto(s). São superfícies, tempos fabricados

com

sabor

maquinação

(atos

e

saberes,

incessantes

de

praticados

engenhocas

com

para

muita

tecer

e

sustentar uma vida). São conexões de corpos vazantes pela mão, pelo gesto, pelo corpo/inteiro, expandido e ampliado – corpos sócio-culturais

em

ação.

São

instâncias

que

se

fazem

acontecer a partir de uma necessidade pessoal/coletiva. Uma necessidade de arte como expressão e expansão da vida, no espaço,

no

tempo,

em

qualquer

lugar.

Lugar

é

um

espaço

praticado, experienciado. Um pintor não diz: vou pintar um quadro. Ele tem que ter uma necessidade. Inventa blocos de movimento-duração, blocos de conceitos, blocos de linha e cor (Gilles Deleuze,1995). Acrescento os blocos matéricos (transformações dos materiais) e blocos existenciais, ancorados em uma biodiversidade. O que chamamos de “óleo sobre tela”, é além do óleo e além da tela. A tela, o óleo, as camadas, os aglutinantes, o tecido, os gestos, os pensamentos, o assunto, a

época,

o

constituintes

contexto, de

um

o

percurso

espaço/tempo

do “ali

artista

congelado”

todos

são

sob

uma

figura, uma imagem, uma pintura, uma ambiência (instalação, intervenção, performance, etc). Imagens congeladas apenas numa primeira visada. No momento em que as penetramos, as escutamos e as colocamos no corpo, elas entre

vidas

arrumadas

em

entram, fincam, ficam, escapam

prateleiras,

estantes,

móveis

em

pilhas, pequenos objetos e mundos dos afetos de fazer qualquer coisa. A pintura de re-existências em Gerhard Richter Arrumar a vida, por prateleiras na vontade e na ação. Quero fazer isso agora, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

158


REVISTA

APOTHEKE como sempre quis, com o mesmo resultado. Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa! Fernando Pessoa.

Na

trajetória

complexidades

criadora

de

um

existenciais

artista,

e

podemos

matéricas

perceber

imbricadas

as

numa

“aparente pintura”. Um quadro vem de muito longe, de muitos espaços, muitos lugares, muitos tempos, muitas necessidades complexas

que

combinam,

exigem

e

acampam

em

blocos

de

experimentações fugidias e escapatórias, muitas prateleiras, propósitos

firmes

(reafirmo).

Uma

e

clareza

instalação

de

em

fazer

salas

e

qualquer salas

coisa

contíguas,

repletas de imagens agrupadas, no Atlas de Gerhard Richter, cria um mundo a ser penetrado, escarajunchado, escaravatado, re-vigorado.

Picasso

afirmou:

eu

não

busco,

eu

encontro...

Dizer que um quadro acabou? Um quadro vem de muito longe. Seria preciso toda uma vida para explicá-lo. Atlas de Richter vem de muitos longes-guardados, para quaisquer coisas a devir. Anos de esperas quase arqueológicas, para se tornarem pintura re-inventada; numa

milhares

“denominada

de

instantes

exposição”

um

decantados

num

expor/existir

lugar

imantado

e de

conexões infinitas, mares altos sem fim, gravetos e gravanhas, experimentados por Richter, experienciados por nós, vedoresledores-cúmplices

de

Atlas,

in.com.possíveis.

Agamben

a

re-inventar

insiste

que

a

e

compor

única

mundos

forma

de

compreender as raízes da profunda crise de legitimidade pela qual passamos hoje é através de uma rigorosa arqueologia das raízes da modernidade, uma arqueologia que passa a um só tempo pela

política,

pela

teologia,

pela

história

e

pela

escatologia.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

159


REVISTA

APOTHEKE

Atlas de Gerhard Richter

Artistas antecipam terremotos. O artista e o escritor são uma espécie de sismógrafo segundo (Thomas Mann). Percebem e dão a ver, de modo muito singular, que as antigas engrenagens do mundo rangem, desgastadas e corroídas... Que o mundo reclama sua

inconformidade

a

velhas

estruturas,

medidas

e

modelos

(CESAR, 2014, p. 13). Gerhard Richter assim o faz em Atlas, um arquivo

não-morto,

mas

avivado

por

imagens

desconexas,

ajuntadas numa trama de ventos, rajadas, abalos. Um porto a lançar sempre, para o alto mar e para altos mares, de quem queira e se disponha a com ele navegar em partilhas e perdas, a penetrar em camadas escatológicas de uma contemporaneidades complexa, difusa, inconsistente. O sismógrafo registra tempos de chegada e várias ondas sísmicas, sensores a instalar em nós vários atos de cisma, rumina, fica absorto, inquieto, duvida, suspeita.

As

imagens

nesse

trabalho,

experiências

in

continuum (John Dewey, 2010), são testemunhos da dissolução, do

deslocamento

“emancipadas”,

em

e

da

tempos

conflagração

de

atuais

outrora,

e

de

comunidades agora

ali todos

sobrepostos, esgarçando uns nos outros. Richter testemunha uma era na qual a memória não fica tributária, em dívida com o presente, são indícios, vestígios, sobras, fragmentos de um extenso que se tornam intensidades e turbulências. Não quer ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

160


REVISTA

APOTHEKE dizer nada, mas maquinar (Gilles Deleuze). Segundo Deleuze, não existe a ideia em geral. A ideia é como uma festa, um acontecimento raro. A ideia já é destinada, como aquele que tem a ideia já é um destinado – há um certo domínio. Diria, diante de tantos possíveis no mundo, porque escolhemos uma questão

para

inteira?

As

percorrer ideias,

comprometidos

com

a

como

os

ato

criador

assuntos

expressão

de

durante

ou

temas

si

e

de

são

uma

vida

potenciais

mundos.

Richter

guarda milhares de imagens durante anos e anos, para depois torná-las

pintura,

friccionando

o

conceito

tradicional

de

pintura – “tintas sobre um suporte”. Sempre desconfiei que o suporte não suporta – ele sustenta, é cúmplice, constituinte tanto quanto as tintas e/ou outros materiais. Ele a.tenta à materialidades outras. O tempo Richteriano é labiríntico: um agora

comprimido,

captadas

e

um

presente

com-figuradas,

intervalar

um

futuro

de

experiências

soterrado

(Walter

Benjamin). O espaço é ilimitado e virtual, pranchas pranchas pranchas

em

salas

salas

salas,

mundos

vastos

mundos

nada

mudos. Mundo mundo vasto mundo, 
 Se eu me chamasse Raimundo 
 seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração (Carlos Drummond de Andrade). Atlas compõe e faz vazar mundos e mundos, em vastidões de mar, em vastidões

de

pessoas

simbólico/imaginados.

compartilhadas Mundos

em

vastidões

proliferados

em

de

mundos

estados

de

concretude,

com

suspensão. O

processo

dedicação

de e

desconforto

criação

persistência, constante

e

se

efetiva

paixão

e

permanente,

na

rigor,

embate

enfrentamento

com

um

entre

o

limiar de desistir e as frestas de fazer consistir. Na arte toleramos uma imensa energia a troco de nada. Não há função. É o inútil na inutilidade, mas ao mesmo tempo, a sustentação da vida,

sustentação

incessante

exigindo

atos

de

criação

invenção efetuada e efetivada. Atlas compõe inúmeras dimensões ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

161


REVISTA

APOTHEKE de uma biodiversidade ética, cultural, estética, estésica. Se somos um mínimo da biosfera, as milhões de imagens, em Atlas, fazem juntar e escapar muitos mínimos dos quais somos partesíntegras. Atlas nos monstra e nos devora, nos expõe e nos engole,

nos

faz

ver

e

fugir

para

além

de

um

“eu”,

um

“euzinho”, ou de um “nós”. Atlas estraçalha “eus” e “nós”. Exige cumplicidades criatíveis.

162

Atlas de Gerhard Richter – Detalhe

A arte sustenta e tenta atos permanentes, desloca para mundos outros e criações de “coisas que pensamos ainda não existir”. Nesse texto, discuto o processo criador que se faz acontecer através dos atos de criação e invenção de conceitos, faturas, conexões com as histórias da arte e com campos diversificados do conhecimento. Entendo as histórias da arte no plural porque cada historiador/pesquisador escolhe e compõe agrupamentos de artistas, obras e experiências, tempos e conceitos para se colocar

enquanto

um

sujeito

pensante

que

agrega,

discursa,

mostra, embrenha elos e conexões com as “coisas” do mundo e as devolve e deposita, ao seu modo, como mundo.

O

artista

tenta

em

sua

processualidades no

trajetória

criadora,

não

resolver uma questão, mas viver as tensões nela imbricadas. Tenta manter fluxos, blocos de experimentação que visibilizem ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE essa

necessidade

passagem.

Para

pressuposta,

Craig

Owens,

imediata o

e

artista

imanente não

pedindo

inventa

nada,

confisca imagens. Para Suely Rolnik, o artista cria porque é ‘obrigado

a’.

Concordo

com

essas

falas.

Na

minha

práxis,

artista-professora-escritora, a todo instante sou convocada, seduzida e desafiada a dar forma às inquietações alicerçadas nas culturas, nos lugares, em tempos e situações nas quais estou imersa de modos pessoais/coletivos. Em artes visuais e sua enorme variação, o corpo vasa pelas mãos (vasa quer dizer, lama fina inconsistente. Prefiro a “vazar”). A tatilidade dá concretude

às

experimentações

inventivas.

A

fatura

exige

imersão e mergulhos constantes com movimentos de suspensão, de intervalos, de distâncias para análise da trajetória criadora, que se dá em estados de experimentação dos acontecimentos, dos atos, das situações que nos fazem escapar do conforto. Arte é o desconforto, o inefável, o inverosssímel. O artista investe e

debruça

em

camadas

de

artisticidades

em

processo,

que

mostram características e especificidades singulares. Transita entre polos convergentes e polos divergentes, polos de escape. Flutua

em

camadas

de

inesperados,

de

inseguranças,

de

instabilidades, de estar à deriva. Volto a Deleuze, um criador só faz aquilo que tem absoluta necessidade. Cita Kurosawa e sua familiaridade com Shakespeare e com Dostoievski – os personagens de todos esses, cineasta e autores, estão presos a urgências. Há sempre uma urgência mais urgente. A fatura se dá no embate com os materiais, arrancando deles,

o

máximo

de

potência

para

que

as

combinatórias

sustentem as necessidades do artista. Uma pintura não é do artista. Ela é o artista que, ao assinar, afirma duplamente ser ele mesmo, não o autor, mas um ser-pregado-na pintura. No decorrer do percurso de um artista conseguimos perceber os modos como seu trabalho se configura no mundo. As variáveis mantém linhas tênues que dão a ver escolhas e os modos de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

163


REVISTA

APOTHEKE enfrentar as tensões para, com elas com-viver. Durante anos Richter

(res)guarda

suas

urgências,

as

faz

decantar

para

depois expô-las ao mundo, com fina ironia ética, estética, política.

Somos

estesias

são

seres

biopolíticos

acionadas

(Peter

incessantemente

Pál ao

Pelbart). vivermos

As

esse

acúmulo a nos penetrar pelo olhar atento, pela suspensão do respiro,

pelo

corpo

movente

de

quem

debruça

sobre

Atlas.

Richter faz parte de um grupo de artistas que, nos anos 60 e 70 trazem à tona a crise do sujeito no mundo contemporâneo. Michel Foucault chamou de minipoderes. Essa parafernália de imagens ativa, atiça e nos atira aos minipoderes num mundo dos maxipoderes, principalmente nos sistemas instituídos, da arte, das culturas, da educação, das sociabilidades. Captar mínimos do mundo são ações mini políticas de re-invenção de mundos e de vidas-em vivência. Para André Malraux, a obra de arte é a única coisa que resiste à morte. A arte é o que resiste. O artista insiste, resiste, consiste.

Deleuze

afirma

que

a

obra

de

arte

é

um

ato

de

resistência. Uma pintura é uma re-existência afiada, afinada dia-a-dia na trajetória do artista. O ato de resistência tem duas faces: é humano e também ato de arte. Para Paul Klee, falta o povo... Não há obra de arte que não faça um chamado a um povo que, todavia, não existe (CESAR, 2014, p. 41). Arte é endereçamento de partilha a/com o outro. A arte solicita o julgamento, o olhar e a palavra. Arte seria uma imprecisão nomeada? Não seria nesse desamparo que a arte acontece? Um nós que implica, desde dois, até uma vasta comunidade? Existir é ser exposto, sair “de um si”, de “uma identidade”, expondo-se à exterioridade, à alteridade, à alteração. Em quantas camadas somos alterados por e/em Atlas? São muitas agregações, muitos com-postos coletivos e colaborativos. Existir é co-existir, singular/plural. experimentais,

Richter as

pluraliza,

co-existências

em de

suas um

combinatórias século,

suas

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

164


REVISTA

APOTHEKE anterioridades e posterioridades. Somos minúsculas partículas da

biosfera.

Richter

instaura

proximidades

e

intimidades,

compartilha instantes, dias, décadas. Instaura tipologias da distância,

da

viver-junto

proximidade,

com

inúmeras

da

intimidade,

modalidades.

reinventa sociedades nos campos de no

campo

“disso

ou

daquilo”.

entre

coisas.

A

sociável;

Reinventa

a

um

pintura,

“e... e... e... e”..., não Propõe

contraste ao verbo “ser”. e.. e... e... estar

do

experimentação

multiplicidades

em

é meio, conecta o solitária,

guardada,

engavetada, só existe se pluralizada. No momento em que esses blocos de experimentação são expostos, expandidos para lugares outros, para além do atelier do artista, quer seja no sistema da arte ou nos outros espaços/ tempos, eles se publicizam, se tornam públicos, se efetuam no mundo. O vedor/leitor se torna cúmplice

da

criação.

Passa

a

ser

uma

processualidade

contaminada, a ser fabricada e maquinada por muitas camadas e inúmeras compartilhas, imensas e fugazes “compar-trilhas” que, em linhas de errâncias, gaguejam, desfalecem, descontrolam, escorrem, arrastam. Atlas não fala, escuta e aguarda (Deleuze, 1995).

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

165


REVISTA

APOTHEKE Atlas – Detalhe

... o artista recolhe neste quadro seus companheiros pobres do chão: a lata a corda a borra vestígios de árvores, etc. Manoel de Barros

Muitos

artistas

armazenamento

trabalham

de

camadas

com

arquivos,

camadas

camadas

vestígios

e

sócio-culturais.

Gerhard Richter, em Atlas, mostra uma condensação de recortes de

jornais,

pinturas,

revistas

fotos,

e

mídia

esboços

impressa,

guardados

desenhos,

entre

1962

e

colagens, 2013:

No

começo eu tentava acomodar tudo que havia colecionado, entre o lixo e alguma coisa importante para mim e uma certa dose do que

‘acontece’

por

(Richter).

Atlas

é

um

trabalho

de

coleta, organização e amostragens, working in progress, como os trabalhos de Hélio Oiticica, sempre para além de um “si”, uma máquina de guerra, uma mistura de corpos e de corpus em risco a produzir desvios, sem enfretamento frontal, a escapar do

confronto

direto

e

especular;

viagens

e

encontros

sem

“bíblias”. São cerca de 802 agrupamentos em folhas de papel e mais de 5.000 imagens heterogêneas, um contingente empírico e uma estrutura taxionômica de 50 anos. Agregam diferentes fases da

vida

e

contextos

do

trabalho

de

históricos,

Richter

e

econômicos,

inúmeras

“peles”

familiares,

de

culturais,

mundo(s) afora. As imagens mostram um acervo, do privado ao público

e

um

projeto

enciclopédico,

pessoal,

coletivo

do

público ao privado. Cada vedor compõe mundos in-existências. Estamos

todos

vinteanas.

imersos,

Estamos

todos

enfiados imersos

chão, em borras, vestígios,

em

nessas

imagens

companheiros

século

pobres

do

sobras, resíduos. O que é uma

imagem de jornal, a ser lida e descartada? Ele as coleta. O que é um esboço? Seria um pre-texto? Ele os guarda, tornam-se com-textos visuais. A acumulação sugere gráficos de ensino, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

166


REVISTA

APOTHEKE ferramentas de estruturas educativas, ilustrações científicas, técnicas

encontradas

em

livros

didáticos

e

catálogos,

organização de materiais em arquivos. A diferença do Atlas de Richter,

é

a

tensão

interna

entre

o

extraordinário

rigor

formal e a dificuldade de estabelecer temas em comum. A cada exposição as imagens são agrupadas de diferentes modos. Numa mesma prancha aparecem fragmentos de papel higiênico e fotos do Holocausto, campos de concentração, paisagens, fragmentos de pinturas, pornografia, fotos de famílias, flores, cidades… Coincidem

episódios

pessoais

histórico/culturais/mundiais.

Richter,

e em

eventos

Atlas,

condensa,

mostra e fabrica fugas para lugares outros. Instantes de diaa-dia além de matéricos, reinventam a pintura informal e a pintura mundo,

abstrata.

Sua

constante

transformadas

em

imagens

paleta

são

as

imagens

do

agora

no

enciclopédicas,

mundo, de modos outros – ficam, fincam em nós, de nós escapam, são

peles/pelancas.

densidade rigidez,

criam sem

A

complexidade,

crostas

de

reconhecimento.

a

intensidade

escapatórias

sem

Uma

outra

fura

a

e

fixação, e

a sem

outras

e

outras. Há uma prorrogação infinita. O olhar não pára, o corpo dispara,

os

contextos

esmagam.

Eu

estava

surpreso

com

a

fotografia que usamos tão maciçamente todos os dias. Vi um outro caminho, livre de critérios convencionais e associei com arte, sem estilo, sem composição, sem julgamento. Num primeiro momento era ‘pura pintura’. A pintura como fotografia (Gerhard Richter).

Atlas

é

extensão,

disforme,

rigor

volumoso,

vasteza,

resistência

dilatação acimentada

imensa que

e não

representa imagens de anos a fio, mas presenta uma iconografia de imagens vivas. É andaime século vinteano, sustenta, ampara e faz repousar “realidades inquietas”. O excesso, o acúmulo e a ordenação constantes, vão além de arquivos, são territórios na arte contemporânea, agrupados por ousadias de ajuntamentos, uma topologia como cadáver da experiência (PESSANHA, 2015, p. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

167


REVISTA

APOTHEKE 219). A arte é na realidade, esse elo que falta, não o elo que existe. Arte é o que se vê, arte é a lacuna. A arte é um ponto obscuro, uma rede de relações. (CESAR, 2014, p. 67). Atlas ativa estados de mediação e das inventAções, configura mapa(s) de encontros, acontecimentos, sensAções a devir(es), e a maquinar corpos vibráteis. Ativa os estados do fazer e do “imagizar”

(imagens

com

imaginação

e

ação),

tema,

fatura,

história(s) da arte, ações compar-trilhadas nos sistemas da arte, das culturas e das situações mundiais. Ativa estados do ser

e

do

imaginar

pessoalidades

tecidas

em

contextos,

em

situações, em portos à deriva, alto mar sempre à distância. Nele

chego.

políticas. deslocamento

Dele Mantém de

escapo. e

estar

Ativa

atiça ali

micro-estesias

curiosidade,

pregado

numa

e

micro-

tensão,

ousadia,

saturação

imagética

in.sustentável.

168 Os atos estéticos são configurações da experiência, ensejam novos modos de sentir e novos modos de subjetivação política. A arte é um testemunho do encontro com o irrepresentável que desconcerta todo pensamento, um testemunho contra a arrogância da grande tentativa estético-política do devir-mundo do pensamento. A arte é um modo de articulação entre maneiras de fazer e formas de visibilidade, modos de pensabilidade/ideia da efetividade do pensamento. Jacques Rancière

Nicolas Bourriaud (1965), defende que em um mundo em que o mercado,

a

comunicação,

o

espetáculo

engolem

os

contatos

humanos em espaços de controle, transformando os laços sociais em produto e imagem, a arte permanece em território rico de experimentações sociais, criando micro utopias de proximidade, micro

territórios

relacionais.

Formas

de

visibilidade

e

pensabilidade são, em nossos cotidianos, ações a devir.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

de


REVISTA

APOTHEKE Helio

Fervenza,

mostra

na

55a.

Bienal

de

Veneza,

2003,

o

trabalho: (peixe, sombra) dentrofora (do céu da boca) d´água ( , ). Fervenza se insere entre os artistas contemporâneos que produzem Propõe

arte

uma

noções

e

obra

de

teorizam

sobre

suas

plástico-teórica

espaço,

vazio,

produções

artísticas.

desenvolvida

a

partir

de

pontuação,

apresentação,

mostrar/esconder. Nas instalações agrega fotografias, objetos, gravuras, impressos, recortes em vinil, misturando pontuações da escrita junto a imagens. Afirma, o espaço da exposição é um entrecruzamento

de

dispositivos

que

operam

sobre

a

visualidade. Toda exposição implica uma apresentação. Cria o conceito

de

criação

e

Noções

de

Auto-apresentação

a

vivência

que

pessoal,

pontuação,

enfatiza

ação

inscrição

e

e

o

processo

situação

intervalo

como são

de

arte. inter-

relacionadas ao espaço expositivo. O ponto é tomado como menor forma

visível

até

a

pontuação

como

parenteses

de

grandes

formatos adesivados em vinil, junto a imãs, pregos, anzóis, fios metálicos e peixes usados para pesca. O espaço expositivo comporta,

mostra,

presentifica

articulações

conceituais,

estéticas e estésicas, nas quais temos que adentrar. Não basta passar, passear por ele. O espaço nos obriga a debruçar sobre as

camadas

exigindo espaço

é

ali

visivas,

exercícios alargado,

“constatado”,

do

de

que

vão

além

visibilidade

expandido,

“conferido”,

de

e

alastrado do

“já

uma

de

visualidade,

lesibilidade.

de

ações

sabido”.

além

Fervenza

O do

nos

coloca em situação e em atos de criação, junto ao seu processo e percurso criativo e expositivo – presenças outras. (peixe,

sombra)

dentrofora

(do

céu

da

boca)

d´água ( , )

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

169


REVISTA

APOTHEKE

170

Helio Fervenza, Detalhe

Richter e Fervenza desinventam objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha (BARROS, 2007). Nos dois artistas e nas duas obras, temos que penetrar em begônias

e

gravanhas,

além

de

pentes

para

pentear

desinventar a nós e aos instituídos dentro de sistemas, quer da arte, da educação, das culturas. Segundo Gregory Bateson, existe uma ecologia das ideias danosas, assim como das ervas daninhas. Atlas e (peixe, sombra) dentrofora (do céu da boca) d´água ( , ), são das instâncias das ervas daninhas. Nesse

momento

palavras

e

o

podemos das

pensar

imagens,

em

vários

territórios,

entrecruzados

aos

o

das

nomes

dos

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE trabalhos; território das experimentações-mediações estéticas e estésicas e os modos como nos atiçam e vão se constituindo; território

das

sobrepostas;

subjetivações

e

das

território

das

cognições,

nas

densidades,

camadas levezas,

multiplicidades, fugas, escapes, inesperados; território das terras

a

devir,

de

cada

leitor,

vedor,

fruidor,

inter-

locutor(es); território das fábricas de ações que não existem; território das compar-trilhas e das ações colaborativas. O artista, à força, cria uma forma, dá forma a um impacto. A forma dada possui e faz um sentido. A arte possui a capacidade de implicar o Outro, possui uma dimensão ético/política. Hélio Oiticica em 1992 chocou Paris, na Exposição no Jeu de Paume. O cotidiano, o banal, a atualidade, a informação, os medos, os receios,

não

quero

ultrapassá-los

sem

confrontá-los,

quero

tocar no problemático o mais diretamente possível, quero agir responder,

‘obrigar

o

outro

a

responder’:

qual

a

minha

posição? (nas palavras de Hirschhorn). Atlas e (peixe, sombra) dentrofora

(do

céu

da

boca)

d´água,

são

blocos

de

experimentação entre Um e Outros. Richter performatiza o diaa-dia, as conexões e as tornam escapatórias que cutucam, nos tecem, nos des.a.fiam. As palavras nos inquietam e as forças criatíveis nos impulsionam. Fervenza conecta inutilidade aos imprevisíveis. Os artistas citados nesse texto, gestam trabalhos que passam pela topologia do atravessamento, da transição, do abismo e da visita

epifânica

(PESSANHA,

2015,

p.

217).

São

obras/travessias. Poéticas de brotamentos. Ética de encontros imprevistos. Os textos visuais são planetas/textos, como diz Juliano

Pessanha.

São

fendas-fora

alteridades banidas. Fenda-rachadura

e

o

surgimento

de

do não-datado, do não-

configurado, a devir pinturas-pintadas. Para cada mundo existe um

antimundo

e

um

contramundo.

Para

todo

não

mundo,

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

uma

171


REVISTA

APOTHEKE passagem.

Implosão

e

explosão

contínuas,

instabilidade

perpétua (PESSANHA, 2015, p. 223), pinturas a pintar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Manoel de. Gramática expositiva do chão. 6a. ed. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2007. __________________ . O livro da ignorãças. 13a. Ed. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2007. CESAR, Marisa Flórido. nós, o outro, o distante, na arte contemporânea brasileira. Rio de Janeiro, Ed. Circuito, 2014. DELEUZE, Gilles. Mil Platôs, v. 1 e v. 2. São Paulo, Ed. 34, 1995. PESSANHA, Juliano Garcia. Testemunho transiente. São Paulo, Cosac Naify, 2015. PESSOA, Fernando. Tabacaria e outros poemas. 2a. ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 2006. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo, Ed. 34, 2002. ANDRADE, Carlos Drummond. Poema de sete faces. www.algumapoesia.com.br DELEUZE, Gilles. O ato de criação. www.ladcor.files.wordpress.com www.heliofervenza.net

Lucimar Bello, Artista plástica, vive e trabalha em São Paulo. Exposições Individuais e Coletivas, Brasil, Argentina, Chile, Portugal, Espanha, Japão, Cuba, China (Instalações, Desenhos, Gravuras, Vídeos, Fotografias, Performances). Doutora em Artes pela ECA/USP. Pós-doutora em Comunicação e Semiótica pelo COS/PUC/SP (2001). Pós-doutora no Núcleo de Subjetividade da PUC/SP (2008). Professora na FURB, Blumenau (1971-76). Professora na UFU, Uberlândia (1977-1996).

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

172


REVISTA

APOTHEKE A URGÊNCIA DA POÉTICA Joedy Luciana Barros Marins Bamonte (DARG/FAAC/UNESP) joedy@faac.unesp.br

Resumo O processo criativo é algo constante, configurado como uma rede de conexões. Em uma tessitura permanente, dados são agregados, gerando novos registros e obras artísticas dentro de uma poética. Transcrevo o desenvolvimento de três séries de trabalhos criadas por mim, envolvendo escolhas, seleções e interpretações inerentes ao continuum criativo. Com amparo na crítica de processo, saliento como esse percurso, em toda sua pessoalidade, delineou-se na necessidade de exteriorizar conflitos pessoais, percepções e elaborações mentais que constituem o ser artista, pesquisadora e docente. Palavras-chave: Marins.

Processo

Criativo.

Crítica

de

Processo.

Joedy

Abstract The creative process is something constant, configured as a network of connections. In a permanent texture, data is aggregated, creating new records and artistic works interpreted in a poetic. Transcribe the development of three series of works created by me, involving choices, selections and interpretations inherent to the creative continuum. Supported in the process of criticism, I emphasize how this route, in all its personhood, has been delineated in the need to externalize personal conflicts, perceptions and mental elaborations that constitute the human as artist, researcher and professor. Keywords: Creative Process. Process of Criticismo. Joedy Marins.

No processo criativo, as escolhas constituem tessituras em potencial,

conexões

em

rede.

Nelas,

ações

aparentemente

externas são identificadas com espaços da intimidade, à medida que

a

poética

do

artista

constrói

proximidades

entre

referências que lhe apresentem familiaridades. Dentro desse contexto, transcrevo vivências pessoais, reflexões à luz de Cecília

Almeida

Bachelard,

Salles,

enfatizando

a

Maurice

Merleau-Ponty

crítica

de

processo

e

Gaston

como

linha

teórica.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

173


REVISTA

APOTHEKE Gradativamente,

minhas

problemática

existente

universidade,

galeria,

trazer

respostas

à

pesquisas

entre

se

os

espaços

publicações. necessidade

debruçam do

Refletir,

de

mais

na

ateliê,

compreender,

produzir,

ensinar

e

continuar a aprender é um desafio instigante e fascinante. Há momentos

de

alternância

entre

atividades

diferentes

como

a

docência, a pesquisa e a produção artística que parecem pausas pontuais,

mas

que

objetivam

as

mesmas

respostas.

Nesses

trânsitos, a criação estabelece as conexões, flexibilizando fronteiras

de

inexistentes.

resistências, Entretanto,

que

elas

muitas

discernem

vezes

se

entre

o

mostram

que

ainda

está no plano das ideias do que está para ser materializado, entre o que é desnecessário e o que é imprescindível. Fluxo poético Sentada,

lendo

Merleau-Ponty

somente

sinto

aguçar,

inflamar o desejo de produzir. O fluxo criativo parece pulsar entre

as

constantes

produções

acadêmicas,

sinalizando

a

urgência de interromper atividades que se tornam automáticas. As

fronteiras,

favorecendo

que

a

antes

pareciam

materialização

em

sutis,

evidenciam-se

suportes

e

operações

distintos. Como contrações, o processo sinaliza seu formato, seu veículo, seu suporte, para que a criação nasça. O momento da

“modelagem”

construções

e

da

ações

obra

chega

específicas

exigindo em

sua

manipulações,

materialização,

a

escolha do veículo através do qual a ideia será comunicada. O

cérebro,

dividido

constantemente

em

atividades

alternadas e complementares, parece tornar-se mais seletivo. Há

uma

constância

nos

entretanto,

a

ânsia

emergencial

ao

ser

trabalhos pela

cotidianos

imersão

protelada.

A

é

e

corriqueiros,

latente,

procrastinação

tornando-se para

criar

parece fazer do trabalho algo insalubre. O tempo necessita de uma nova configuração, um novo ritmo, onde operações mentais ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

174


REVISTA

APOTHEKE farão

as

conexões

entre

insights

aproximando

documentos

de

processo e trazendo a fisicalidade da obra artística. A pausa (que evidencia o que chamo de fronteiras) deixa de ser

sutil

e

passa

a

ser

interpretada

como

o

momento

de

direcionamento específico para a interpretação. O olhar para o mundo está inflamado, precisa ser codificado. Essa fase ocorre quando a sequência de atividades burocráticas da universidade, que se impõe lentamente sobre o processo criativo, precisa ser interrompida. automático.

Há O

que

se

refletir

espaço

do

ateliê

sobre

o

chama

ao

que

vem

sendo

isolamento,

ao

silêncio, ao que está represado. O momento da criação se torna urgente,

o

processo

de

materialização

das

ideias,

experimentação de materiais a partir de anotações, registros, fotos acumuladas, a absorção do que Merleau-Ponty menciona: O mundo é não aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável.” (1999, p.14)

175 A

leitura

do

mundo

manifesta-se

nos

espaços

da

intimidade, o que absorvi da realidade, de minhas observações e de mim mesma, a partir de mim, necessita ser “traduzido”. O que

é

sentido,

contrário

à

percebido

própria

não

dinâmica

pode

ser

criativa

contido

da

por

ser

existência,

que

precisa ser realizada, expressa. A negação dessa dinâmica gera estagnação, como uma patologia que se alimenta do acúmulo de percepções

que

não

pode

ser

mais

contido,

precisando

ser

compartilhado dentro de um processo de comunicação e valoração pessoal. Em uma relação recíproca, o valor dessas percepções está em compartilhar, intensificar e sinalizar os sentidos em ação,

em

intensa

interpretação,

em

atividade. um

fluxo

São

sinais

contínuo

de

que

vida se

abertos

à

autoalimenta

alternando entre criar e compartilhar.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE Para

proceder

a

leitura

e

maior

compreensão

disso,

especifico processos dispostos em conexões pessoais referentes ao período entre 2013 e 2015. Eles estabelecem conexões com outros, dentro do que Cecília Almeida Salles denomina redes de criação,

um

sistema

em

construção,

próximo

às

interações

feitas pelos ecologistas: “(...) estamos preocupados com as interações, tanto internas como externas aos processos, responsáveis pela construção de obras, pois são sistemas abertos que interagem também com o meio ambiente.”(2003, p.24)

Os

processos

iniciados

em

proposta

feita

vêm

minhas pelo

de

encontro

pesquisas, artista

a

questionamentos

justificando

plástico

a

Fernando

aceitação Augusto

da

para

desenvolvimento de desenhos diários durante o ano de 2015, o que

intitulou

“Um

ano

desenhado”.

Simultaneamente

aos

registros do projeto, outros também surgiram, em um diálogo que trouxe conteúdos anteriores, inclusive. Menciono

a

atividade

como

escolha

feita

por

estar

diretamente relacionada ao meu impulso criativo e ao que me interessa atualmente. Enriquecedora para a produção de meus registros, considero-a como facilitadora, método que pontuou meu percurso, constituindo os próprios documentos de processo, impulsionados

e

impulsionando

universidade,

ora

alternada,

uma ora

dinâmica

dialógica

exclusivista.

Sem

com

a

isso

a

docência e a pesquisa não poderiam ser alimentadas. Um ano desenhado e outros registros Ao final de 2014, o artista plástico, curador e professor Dr. Fernando Augusto dos Santos fez uma convocatória em seu perfil no Facebook para o Projeto “Um ano desenhado”, no qual os participantes produziriam desenhos diários. Este desafio foi aceito por mim. Durante

o

ano

de

2015

meus

sketchbooks

tornaram-se

preenchidos mais por desenhos do que por textos verbais. Os ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

176


REVISTA

APOTHEKE registros

contemplaram

traços,

observações

mais

atentas

do

cotidiano, exercícios constantes que adotavam quaisquer cenas como pretextos para o ato de desenhar. O início de “meu ano desenhado” ocorreu em meio à mudança de

residência,

sobrepostas,

envolta

acúmulo

de

em

caixas

objetos

e

de

papelão,

móveis,

roupas

empacotamentos.

Parar diante dessas cenas e desenhar, em si, já era um desafio e tanto, entretanto, tornou-se um fio condutor para descobrir “paisagens”,

caminhos

que

comumente

estão

à

disposição.

A

desmontagem, o bagunçado, o entulhado se apresentaram aguçando o desafio, as desconstruções, o deslizar no papel ao descobrir composições novas. O início do ano também foi marcado por um período de luto, de despedida. Conflitos pessoais despertos pela perda de minha avó materna caracterizaram a intensidade das vivências durante meses, nos quais percebia delicadezas que marcaram o convívio

pessoal,

manifesto

em

trabalhos

como

“Legado”,

inclusive, uma colcha de retalhos que confeccionei com ela, sobre

a

qual

inseri

objetos

do

quotidiano

da

mulher,

uma

criação artística que constituiu o objeto de estudo de minha tese de doutorado, em 2004. Em um período extremamente reflexivo e profundo de imersão pessoal, pude perceber, dia após dia, a apropriação da palavra legado, como algo que não se dissocia do indivíduo, de sua identidade,

ricamente

intrincado

e

tecido

em

quem

eu

sou,

características herdadas, mas tramadas em um tamanho grau de complexidade que garante, ao mesmo tempo, o pertencimento à minha

ascendência

e

a

distinção

e

unicidade

de

minha

identidade. A entrega aos desenhos permitiu um conhecimento maior de minha extensão, como o cantor conhece melhor a tessitura de sua voz, dos agudos aos graves, como o bailarino tem um maior domínio

da

elasticidade

de

seu

corpo

e

potência

de

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

sua

177


REVISTA

APOTHEKE musculatura, como o ator trabalha a expressão de sua voz, corpo, emoções. A

cada

desenho

houve

escolhas

entre

a

proximidade

realista, o peso do material sobre o papel, a escolha do traço mais esfumado ou riscado, mais rápido ou minucioso, realista ou abstrato, em caminhos que se confirmavam, surpreendiam-me, desafiavam e realizavam-me ao encontro de anseios e respostas.

178

Figura 1: Primeiro desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE

Figura 2: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)

Figura 3: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal) ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

179


REVISTA

APOTHEKE

Figura 4: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)

Figura 5: Desenho da série “Um ano desenhado”, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)

Ao findar o ano de 2015, pude visualizar uma amostra intensa e enriquecedora de minhas vivências enquanto artista. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

180


REVISTA

APOTHEKE Embora não tenha conseguido elaborar trabalhos diários, houve um envolvimento profundo com meu traço e forma de utilizar os recursos do desenho, o que ele é para mim, o que significa dentro de minha poética. Houve dias em que o registro gráfico não ocorreu, dando lugar ao registro fotográfico, alternados com outros em que um forte impulso gerava dezenas de desenhos, em materiais diversos. Em

todos

os

registros,

a

busca

pela

intimidade

se

manifestava, a partir de marcas do lar, presenças traduzidas em desenhos de observação e criação, figurativos e abstratos. Encontro-me em todos eles e aprendo um pouco mais de mim. São registros

de

delicadezas,

sutilezas,

tolerância

e

persistência, generosidade com o que sei, com o que aprendo. São resultantes de momentos de concentração, silêncio e, como diria Louise Bourgeois, garantia de saúde mental. As

fotografias

apresentam

características

investigadas

nos desenhos. Dobras, volumes, linhas surgem nas imagens em diálogo com os registros dos cadernos, sugerindo abstrações e apresentando

focos

de

interesse

comuns.

Nesses

momentos,

o

olhar continua a buscar por meio da câmera a observação já iniciada

para

elaboração

dos

registros

gráficos.

Os

enquadramentos são muito próximos, estendem-se mutuamente de uma

ferramenta

a

outra,

confirmando

objetos

de

estudos

procurados no processo criativo. A poética transita entre o desenho da luz, do olhar e da mão.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

181


REVISTA

APOTHEKE

Figura 6: Sem título, Fotografia, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)

182

Figura 7: Sem título, Fotografia, Joedy Marins, 2015. (Acervo pessoal)

No

trajeto

anteriores, fotografias.

percorrido, realizações Fotografias

proximidades

gráficas que

que

com

também

continuam

a

trabalhos estão

nas

acontecer

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE paralelamente aos desenhos, como desenhos, sob o mesmo olhar perscrutador. Nesse contexto, menciono a série “Vestígios”, de 2013,

na

qual

investigo

cenas

do

cotidiano

a

partir

da

intimidade do lar, também com base em Gaston Bachelard. Para melhor abordagem, cito trecho de artigo de minha autoria, de 2014, publicado nos anais do Congresso Poéticas da Criação (2008): (...) Em 2013, o espaço da intimidade abordado por Gaston Bachelard direcionou à procura de marcas que diariamente apagamos em nossas casas ao nos organizar, limpar. As fotos nasceram da procura pelas pessoas através das intervenções que fazem em sua moradia e que são apagadas diariamente. Preparar a casa para receber o outro, arrumá-la, é retirar as provas de que passamos por ali, retirar nossa presença, onde somos encontrados. Chamo essa série de “Vestígios” e a produzi buscando as marcas do uso em minha casa, momentos antes de ser limpa, arrumada. (...) (...) nessas marcas nos encontramos como vestígios de nós mesmos, de humanidade. Sem elas, a casa não tem o cheiro de quem nela habita, de seu jeito, da pessoalidade, não carrega vestígios de vida. A assepsia nos faz impessoais de certo modo. Na “desorganização”, encontro quem passou por ali, meus familiares, a mim mesma. São imagens que reconhecem registros, o olhar que capta o “desenho” das marcas. Nesse sentido, a fotografia testemunha novamente o registro de um pequeno universo criado, visitado, como faço em minhas obras prontas. Posso ler em “Vestígios”, metáforas do rascunho que nasce obra.(BAMONTE, 2014, p.)

Figura 8: “Vestígios” nº 6. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

183


REVISTA

APOTHEKE

Figura 9: “Vestígios” nº 6. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)

184

Figura 10: “Vestígios” nº 6. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE

Figura 11: “Vestígios” nº 8. Joedy Marins. Fotografia digital. 2013 (Acervo pessoal)

Dentre as três séries mencionadas, faço um recorte de um conjunto de mais de seiscentas imagens. São sinais de procura, de auto-organização e ao compartilhá-los, compartilho também um pouco de mim. Ao identificá-las como pontos em uma rede que está em conexão constante, vejo o quanto ela é infinita e se alimenta a cada ano de vida que tenho. Muitos pontos existem e não foram mencionados. Alguns jamais serão. Talvez não sejam lembrados sequer por mim, mas nem por isso deixam de alimentar a rede. Favorecendo a criação, colaboram com a urgência de renovação da própria vida e ao que virá pela frente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Martins Fontes, 2008.

2ed.

São Paulo:

BAMONTE, Joedy. Quando os registros não querem ser rascunhos: a familiaridade com as mídias contemporâneas no processo de criação. Disponível em: <http://www.4shared.com/web/preview/pdf/5eRdr3UJce?> . Acesso em: 12 de jan. 2016.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

185


REVISTA

APOTHEKE MERLEAU-PONTY, Maurice. A fenomenologia da percepção. Paulo: Martins Fontes, 1999.

São

SALLES, Cecília A. Redes da criação: construção da obra de arte. Vinhedo: Horizonte, 2003.

Joedy Luciana Marins Barros Bamonte, Artista plástica (Universidade Presbiteriana Mackenzie,1991); Mestre em Comunicação e Poéticas Visuais (UNESP,1998); Doutora em Ciências da Comunicação/ Comunicação e Estética do Audiovisual (ECA-USP,2004). Docente (DARG/FAAC-UNESP, 2008- ). Líder do grAVA (2009- ). Membro da ANPAP (2011- ).

186

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE SEM TÍTULO, MESMO: DEZEMBRO DE 2015

Silfarlem J. de Oliveira(UDESC) Resumo Em suas atribuições um resumo de um artigo se assemelha a uma sinopse de um filme. Ambos lemos antes da peça principal. Para alguns a leitura do resumo/sinopse é indispensável, para outros não tanto. Em termos pragmáticos um resumo ou uma sinopse auxiliam na escolha da “refeição”. No entanto, um resumo é um resumo e um artigo é um artigo. Quando o texto do resumo se confundi com o texto do artigo, das duas uma: leia apenas o resumo ou leia apenas o artigo. Abreviando, este texto, incluindo o resumo, é um artigo. Também é uma carta. Carta dirigida, primeiramente, aos colegas da disciplina “Sobre ser artista professor” e que tem como escopo comunicar algumas ideias sobre o mesmo: sobre arte, ensino e algo mais. Palavras-chave: mesmo; arte; ensino; contexto; participação.

Prezados (as) leitores (as), como comentei anteriormente no resumo, este artigo é uma carta. Carta endereçada a todos os leitores (as) e, especialmente, aos meus colegas de estudo, pesquisa

e

trabalho

que

por

ventura

tenham

algum

interesse/curiosidade/afeto pelos assuntos nela abordado. O

tempo

da

escrita

e

o

tempo

da

leitura

não

são

coincidentes. Por esta razão, entre outras, as palavras agem de

maneira

dessemelhante

em

cada

ocasião.

Invariavelmente,

nesse espaço-tempo da escrita, registro o desejo de que vocês estejam bem e que as palavras expostas nesta carta encontrem um rumo, mesmo que seja contrário ao conjunto aqui articulado. Antes de entrar propriamente no assunto, que concerne ao conteúdo

principal

desta

carta,

quero

registrar

três

acontecimentos recentes. Eles parecerão descabidos dentro da narrativa, embora sejam fundamentais para a noção de tempo presente.

Por

ordem

cronológica

os

três

episódios

são:

O

rompimento, no dia 05 de novembro, da barragem de rejeitos da mineradora Samarco localizada no município de Mariana em Minas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

187


REVISTA

APOTHEKE Gerais; O inicio da ocupação das escolas estaduais em São Paulo no dia 10 de novembro pelos estudantes da rede de ensino público em protesto ao projeto de reestruturação do ensino público estadual que previa o fechamento de escolas estaduais; A abertura, no dia 02 de dezembro, de processo de afastamento da presidenta Dilma Rousseff autorizado pelo atual presidente da Câmara dos Deputados. O primeiro episódio é resultado do descaso

dos

seres

viventes

(espécie

humana)

com

o

meio

ambiente. Em todos os pontos cardiais, a pedra de torque da humanidade continua sendo o desenvolvimentismo. Isto acarreta não apenas a destruição dos recursos naturais como também a perpetuação

da

lógica

do

trabalho.

O

segundo

episódio

um

alento, uma fagulha de resistência provocada pelos corpos em ação de desobediência. Ocupar, organizar e ativar espaços, não deveria fazer parte da aprendizagem? O terceiro episódio, o pedido

de

Considerem

impeachment, esses

está

eventos

mais

como

uma

próximo espécie

da de

catástrofe. colherada

de

elixir da memória. Composição em tempo real. Dito isto, vamos ao ponto.

Como é de conhecimento de

todos, contemporaneamente, em diversas circunstâncias, aquilo que chamamos de arte, criação artística ou processo criativo deixou de se fundamentar visuais

.

A

realização

esvaziadas

de

recolocarmos

demandas

primordialmente a partir de

sua

de

práticas

natureza

aqueles

artísticas

morfológica

postulados

modernos

puramente

revitalizadas

definidora que

e

permitiu

adjudicavam

a

criatividade como baluarte da experiência estética. Thierry De Duve

(2003,

moderno percepção

p.

94.)

atribuído e

da

à

afirma

que

combinação

imaginação”.

“criatividade de

Nesses

faculdades termos,

a

era

o

nome

inatas

da

criatividade

apresentava-se como uma substituta adequada para o desgastado uso que se perpetrou da palavra talento. A única “diferença entre talento e criatividade”, reconhecida por De Duve, é o fato

de

o

talento

ser

distribuído

parcialmente

e

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

a

188


REVISTA

APOTHEKE criatividade universalmente. Joseph Beuys provavelmente foi o artista

que

mais

acreditou

na

capacidade

democratizante

da

criatividade. Embora, com o mesmo gesto, tenha revitalizado a reencarnação redentora da figura do artista. Como artista, que trabalha com procedimentos que não têm a priori aparência determinada, igualmente, não reconheço o ato criador nem a criatividade, em sua acepção personalista, como instâncias

definidoras

de

tais

possibilidades

artísticas.

Abertamente considero como contribuição fundamental das artes o

esforço

em

tornar

visível/legível

os

diversos

modos

de

construção, apresentação e enquadramento de uma determinada realidade. Sendo a aparente falta de realidade, como aponta Joseph Kosuth (1991, p. 86), precisamente a ‘realidade’ da arte. Jacques declara

que

“‘ficções’,

Rancière

(2005,

a

arte,

tanto

isto

é,

p.59), quanto

rearranjos

acompanhando os

saberes,

materiais

dos

Kosuth, constroem

signos

e

das

imagens, das relações entre o que se vê e o que se diz, entre o

[que]

se

faz

e

o

que

se

pode

fazer.”

Inclusive,

para

Rancière (2012, p.56), o que torna possível pensarmos sobre uma

validez

eficácia

política

paradoxal,

“disposições

dos

da são

corpos,

arte,

ainda

seus

que

em

dispositivos.

em

recorte

de

termos Sua

de

uma

maneira

espaços

e

de

tempos

singulares que definem maneiras de ser, juntos ou separados, na frente ou no meio, dentro ou fora, perto ou longe.” Como tentar

produtor/colaborador,

escapar

da

armadilha

o

modo

que

legitimadora

encontrei de

uma

para

condição

privilegiada em termos técnicos, de status quo ou de estilo, foi

não

fazer

nada

articulado/realizado subsequentemente

sob

novo.

Repetir

uma

perspectiva

desabilitar

o

ato

o

que

autoanalítica

criativo

por

meio

foi e da

materialização de propostas ficcionais/políticas. Chamo esta ação de construção do mesmo. Para o mesmo a atenção aos modos ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

189


REVISTA

APOTHEKE de apresentação, que inclui possibilidades expositivas extraartísticas, é a maior contribuição da arte para arte e da arte para o mundo e não a criatividade. Nesse

sentido,

valendo-se

de

variações

tautológicas

e

contextuais, coloquei em funcionamento em 2008, um livro que acontece

sonoramente

a

partir

da

leitura

do

texto

“O

ato

criador” de Marcel Duchamp. Para disponibilizar o acesso ao livro-voz “O ato criador, mesmo” utilizo um cartão de visita como

contato

leituras

para

foram

agendamento

realizadas

da

em

leitura.

espanhol

Primeiramente e

atualmente

as em

português. A ideia de construir um livro falado, um “livro voz”,

tem

seu

precedente

na

novela

de

ficção

cientifica

Fahrentheit 451 (1953) de Ray Bradbury. Nessa novela, devido à proibição livros

oficial

impressos,

povoados

de

distribuição

pessoas

que

de

memória

aprendem

convertendo-se

produção,

assim

em

vivem

livros

o

em

e

bosques

conteúdo

ambulantes,

leitura e dos

de

pequenos livros

“vagabundos

por

fora, bibliotecas por dentro” (BRADBURY, 2009, p.186). O livro voz, retomando parcialmente a oralidade por meio da leitura, propõe a escuta como modo de articulação discursiva no tempo. Frágil e vaporosa. Igualmente não há obra e não há ato criador o que temos são apenas situações/contextos. Escrever sobre a noção de uma demanda mesmo remete ao deslocamento entre situações/contextos e situações/contextos. De

diversos

modos

e

com

distintas

intencionalidades

para

geração Neoconcreta, Conceitual e Fluxus combinar os meios, desfazer os meios, transitar entre os meios era transgressor e propositivo. Allan Kaprow comenta que para os artistas da sua geração as mídias combinadas eram um modo de tornar imprecisas as

fronteiras

das

artes.

“Contexto

em

vez

de

categoria.

Fluidez em vez de trabalho de arte.” (KAPROW, 2003, 223). Para a geração presente

ou pelo menos para aqueles

produtores politicamente interessados – o que reverbera, de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

190


REVISTA

APOTHEKE diversos

modos

e

com

distintas

intencionalidades,

são

os

deslocamentos contextuais. As operações intermídia continuam sendo

significativas

elementos/pares sejam

do

porque

propiciam

“circuito”

agitados,

que

artístico

deslocados

todos

os

e

extra-artístico

e

repensados

(artista/espectador/prática/teoria/crítica/ensino/museu/cotidi ano/vida/individuo/coletivo). ocorreu

a

morte

aniquilação

dos

do

autor,

limites

Em a

efeito,

como

consagração

do

entre

prática

e

sabemos,

não

espectador,

teoria

e

a

a

tão

esperada fusão entre arte e vida. Com esses escombros vivemos. Muito mais do que o deslocamento e descentralização dos meios

observo

presente

nas

construções

do

mesmo

com

maior

intensidade – coincidindo com muitas inquietações artísticas, culturais e ativistas, nos dias de hoje – o deslocamento entre situações/contextos.

Cada

situação/contexto

aporta

suas

particularidades e suas tensões. O trânsito entre os meios, não estando vinculado a fatores contextuais, gera uma agitação restrita vaivém

as

variações

entre

situações,

meios.

incorporado

delimitadas

pelos

O

deslocamento

os

escombros

das

próprios entre

meios,

um

situações

e

artes,

pode

gerar

inquietações que extrapolam a pura circulação entre meios. A demanda mesmo não responde e corresponde primordialmente a

demanda

de

intercâmbio

de

meios.

Ainda

que

cada

situação/contexto apresente determinada materialidade. O que alimenta as construções do mesmo é a tentativa de estabelecer um constante posicionar-se diante do mundo a partir da arte. O movimento é uma espiral. Contextos se retroalimentam. Por certo, se ouve muito dizer que toda a arte é política. Não

sei

qual

é

o

pensamento

de

vocês

sobre

o

tema,

mas

acredito que essa afirmação seja utilizada genericamente para esvaziar as construções artísticas de qualquer sentido mais contundente. Tentarei minimamente me explicar. Se toda arte é política temos que considerar que parte dela só é política no ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

191


REVISTA

APOTHEKE sentido técnico ou neutral. Além disso, esta afirmação não deixa

de

ser

um

inadvertidamente realizarmos

modo

que

qualquer

de

toda

evitar

arte

reflexão

é

o

assunto.

política

mais

Considerar

nos

libera

abrangente

sobre

de

tais

aspectos. Sinto que muitas vezes a afirmação de que “tudo é político” toma uma direção exatamente no sentido de anular as construções de mundo (inclusive as construções artísticas) de qualquer implicação política. Para Rosalyn Deutsche (2001, p.292), “a aparição de tal assunto [o “político”] no mundo da arte” a partir da década de 1960, através do que ela chama de arte pública crítica (meios de

comunicação,

emergência

espaço

muito

mais

público,

generalizada

etc.), de

“faz

debates

parte

da

relativos

ao

significado da democracia que tem lugar nos diversos âmbitos do presente.” Conforme a autora, este questionamento, relativo ao modelo representativo, se estende por diversas áreas do conhecimento

e

da

vida,

como,

por

exemplo,

“na

filosofia

política, nos novos movimentos sociais, na teoria educativa, nos

estudos

cultura

legislativos,

popular”.

nos

Apostando

na

meios

de

construção

comunicação de

um

e

na

pensamento

sobre o político em sua forma radical, não necessariamente institucional, autores como Deutsche tem dado atenção sobre a diferença

entre

uma

consenso

(universal

espécie e

de

falsa

política

heteronormativo)

e

baseada

uma

no

política

pluralista baseada no dissenso. Tenho que dizer que quando suspeito da rápida afirmativa de que toda arte é política não quero com isso criar uma ingênua

dicotomia

entre

proposições

artísticas

políticas

e

proposições artística apolíticas. Além de tudo, para teóricos como Chantal Mouffe (2007), esta distinção não tem nenhuma utilidade,

não

esclarece

nada.

Acredito

que

mais

do

que

existir uma arte política e uma arte que não seja política o que existe é uma disputa (desacordo) pelo sentido (políticas ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

192


REVISTA

APOTHEKE estéticas) das obras dentro do próprio terreno da arte e fora dele. Concordo com Mouffe (2007, p.26) quando argumenta que não

se

pode

distinguir

entre

arte

política

e

arte

não

política, “porque todas as formas de práticas artísticas ou bem contribuem a reprodução do sentido comum dado – e nesse sentido são políticas –, ou bem contribuem a sua desconstrução ou a sua crítica”. Portanto, toda arte é política, mas nem toda arte se preocupa em articular estratégias (implícitas ou explícitas) que de um modo ou de outro (dentro ou fora dos museus e galerias) arte,

analisam

as

questionando

manifestações

implicações

deste

modo

artísticas,

a

bem

contextuais ilusória

como

de

do

campo

neutralidade

suas

da das

instituições

e

agentes. Assim, há dois modos de atuação e concepção política das atividades artísticas: uma concepção mais hegemônica (e supostamente

neutral)

entende

que

“as

práticas

artísticas

desempenham um papel na constituição e na manutenção de uma dada

ordem

simbólica”

antagônica

de

fomenta

dissenso”,

o

dominante

Mouffe

costuma

por

outro

existe

uma

tornando

ocultar

e

lado “arte

“visível

apagar”

segundo

a

crítica o

que

(MOUFFE,

concepção [...]

o

2007,

que

consenso 64-67).

Logo, ao afirma uma condição praticamente indissociável entre a arte e o político é importante entendê-la potencialmente como

uma

circunstância

desabilitam

a

capaz

acomodação

de

de

produzir

consensos

espaços

que

universais

e

permanentes. Já diz um velho jargão: “a arte abre mais feridas do que as cicatriza”. Sem abandonar o que foi dito até o momento, quero ainda tratar com vocês sobre algumas questões vinculadas ao ensino da arte. os

O ponto de partida é a convicção de que assim como

limites,

usos

e

afinidades

da

produção

artística

foram

tensionados e alargados, do mesmo modo, os pressupostos de

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

193


REVISTA

APOTHEKE aprendizagem/difusão,

desta

mesma

produção,

se

encontram

conformados (ou deformados) por essas transformações. Em um texto que reli recentemente, Benjamin Buchloh (2000, p. 185), sem fazer rodeios, fala sobre a irreversibilidade das mudanças que incidiram “nas condições cognitivas” da produção artística contemporânea e adverte que depois delas “qualquer retorno a uma autonomia incondicional da produção artística seria

mera

histórica”.

pretensão Do

mesmo

desprovida modo,

de

creio

lógica

que

não

e há

consequência como

avançar

nenhuma questão concernente ao ensino da arte, principalmente aquelas relacionadas às políticas do cotidiano (do afeto, do hoje

e

do

amanhã),

se

em

nossas

produções

e

reflexões

continuamos respondendo a um sistema extremamente refratário. Sistema que tem como fundamento manter-se imune aos efeitos do exterior. Ao

contrário,

uma

abertura

propositiva

dos

usos

e

afinidades da arte – na produção, no ensino e na pesquisa – sem linhas duras, admite que “questões como a definição do material, seu lugar (físico, social e linguístico), seu modo de comunicação e o público” sejam verdadeiramente levadas em conta

por

todos

os

participantes/colaboradores.

Igualmente,

considerando ainda, como indica Ricardo Basbaum (2006, p.71), as diferenças produtivas entre ‘circuito de arte’ e ‘espaço acadêmico’

(que

inclui

noções

do

ensino),

mas

também

as

possibilidades de passagens produtivas e ritmos relacionados entre

diversos

campos

e

papéis,

metodologicamente,

é

importante às pretensões do mesmo abarcar o próprio trabalho de pesquisa (a especulação teórica) como parte da produção artística e, do mesmo modo, perceber a produção prática como uma possibilidade discursiva. Como

comentei

com

vocês

anteriormente,

contextos

reverberam contextos. Em última instância, não há obra (pelo menos

no

sentido

tradicional

da

palavra).

Temos

somente

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

194


REVISTA

APOTHEKE reapresentações,

variações

recepção

apresentação

e

a

do

mesmo. (e

De

não

modo

o

abrangente,

fazer)

ocupam

a a

centralidade da produção artística contextual. Para que haja recepção

a

obra

sentido, o mesmo

realmente

não

precisa

é uma espécie de

ser

feita.

Nesse

produção pela recepção.

Sendo a primeira recepção o próprio ato de reconstrução do mesmo. Nada de novo, analogamente o artista Edgardo Antonio Vigo

em

“Obras

(in)

completas”,

1969,

falava

sobre

uma

translação de porcentagens da produção ao espectador, conforme uma teoria da participação. A transformação de espectadores/intérpretes em produtores é sem dúvida alguma um salto conceitual irreversível nos rumos da prática artística. descentralização sensorial

e

(coautoria)

do

Testemunhamos nas últimas décadas, a

autor/sujeito

política) ou

pelo

seja

(participação

pela

enquadramento

fragmentação contextual.

intelectual, da As

autoria práticas

artísticas ganhando os meios de comunicação, as ruas e outros tantos

espaços

conceitualmente) artístico.

Em

operam dentro seu

e

simultaneamente

(fisicamente

fora

de

do

conjunto,

circuito estes

e

distribuição

deslocamentos

e

justaposições espaciais concretizam, pela aproximação da arte com o público, aquilo que Walter Benjamin (1985) designou em o “Autor como produtor”: o espectador como outro produtor. Neste aspecto a construção, como coloca Hélio Oiticica (1986, p.91), se dá pela participação, semântica e mecânica, do espectador. No mesmo viés, John Cage propõe a organização de situações artísticas

anárquicas

circunstâncias

“que

socialmente

estabeleçam desejáveis”,

analogias nas

quais

com “os

intérpretes, no lugar de simplesmente fazer o que lhe ordenam, tem

a

oportunidade

de

utilizar

suas

próprias

competências”

(CAGE, 1999, p. 168-172). Seja no âmbito literário, visual ou sonoro, as colocações referentes à construção pela recepção, feitas por Benjamin, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

195


REVISTA

APOTHEKE Oiticica e Cage, não estão circunscritas apenas ao domínio da produção artística. horizontal,

paridade,

recentemente professor,

Elas abrangem a própria ideia de diálogo entre

discutimos

não

implica

na

sujeitos. disciplina

igualdade

de

A

paridade,

Sobre

ser

posições.

reivindica para o ensino essas prerrogativas.

como

artista

Paulo

Freire

O ensino é uma

forma de intervenção no mundo, como também o é a produção artística, não se restringido apenas à absorção de conteúdos. O professor quando se limita a transmitir conteúdos, segundo Freire

(1996,

p.

98),

contribuí

para

a

“reprodução

da

ideologia dominante” impedindo a contradição e a participação do aluno. Enquanto escrevo esta carta lembrei-me de algumas questões abordadas em um escrito que publiquei em 2007 – a partir das colocações de Duchamp sobre a produção artística – no qual teci

algumas

aproximações

entre

o

ato

criativo

e

o

ato

pedagógico. Acredito que, nesta ocasião, seja valido recuperar estas questões. Do mesmo modo que Duchamp, na conferência sobre “O ato criador”, indica a existência de uma relação produtiva entre artista, obra de arte e espectador, no ensino da arte esta mesma relação pode ser pensada. A semelhança do que é colocado por Duchamp no ato criador, onde o espectador é um coautor que completa a obra, o ato pedagógico não é elaborado unicamente pelo professor: existe do outro lado o aluno que, consciente ou inconscientemente, através de sua participação, contribui com as aulas, acrescentando ao processo de transmissão, suas experiências e divergências. Na ação didática, isto é possível num

ambiente

que

permite

o

encontro

entre

perspectivas

e

posições nem sempre concordantes. O diálogo prevê o conflito. Descreverei para vocês um caso que considero emblemático e que situa de maneira prática as conexões entre arte e ensino, assim

como

certa

ideia

de

participação

não

funcional

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE (automática) que desafia, ademais, o uso dos termos “presença” e “experiência” em suas acepções correntes. Charles Harrison, no texto “O ensino da arte conceitual” (2003) comenta que o sistema crítico teórico moderno cobrava dos alunos, e futuros artistas, que produzissem objetos para serem julgados segundo uma

lógica

própria

ao

limite

moderno.

Para

ilustrar

essa

conjuntura, ele descreve um exemplo de correspondência entre o ensino da arte e o corpo teórico moderno que se passou na escola inglesa St. Martin’s School of Arts, em 1960, onde um dos estudantes introduziu um problema

para os moldes de

ensino e de escolha dos professores/artistas dessa escola – ao expor um trabalho que metade estava presente e a outra metade “ausente”. O misterioso trabalho do então estudante Richard Long, apresentado

em

St.

Martin’s,

não

poderia

ser

julgado

pela

lógica modernista, segundo o professor e artista Anthony Caro, porque

o

mesmo

apreciado formais.

não

estava

em

relação

Long

colocou

completamente

às um

suas arranjo

presente

para

características com

galhos

ser

estéticas

no

salão

da

faculdade e explicou que aquilo era a metade da escultura composta de duas partes separadas, e que a outra parte estava no topo do Ben Nevis, uma montanha na Escócia. Com essa ação Long

problematizou

artísticos

para

o

fora

modo de

uma

de

apresentação

lógica

dos

formalista

objetos

até

então

vigente. A outra parte da escultura apresentada por ele a Caro estava ali presente pelo discurso (pela fala dele sobre a parte ausente), que indicava o lugar onde a outra parte se encontrava. No mesmo viés, outro exemplo que ajuda pensar a respeito do desdobramento do discurso da arte não apenas como teoria sobre arte, mas como arte, ou como experiência estética, são as práticas coletivas do grupo conceitual anglo-saxão Art & Language.

Esse

grupo

considerava

seus

encontros

como

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

uma

197


REVISTA

APOTHEKE prática artística, através dos diálogos estabelecidos entre seus integrantes e participantes. E levando em consideração que

alguns

de

seus

membros

eram

professores,

também

uma

oportunidade de criar uma participação ativa com os alunos e com

o

público

em

geral.

Se

for

certo,

como

afirmam

os

integrantes do grupo, que quase tudo que sabemos das obras de arte sabemos a partir de publicações e conversas sobre arte, desde uma conferencia, passando pelas aulas, até às conversas informais de um individuo qualquer com outro, seria correto então dizer que as ações “pedagógicas” levadas a cabo pelo grupo

anglo-saxão

procuravam

derrubar

as

fronteiras

que

separam “o estético do contingente, o empírico do teórico, o individual do coletivo, a alta arte da cultura popular e a arte da linguagem” (HARRISON, 1990, p. 28). Os diálogos sobre arte – seja entre professores e alunos, conferencistas e ouvintes, ou entre duas pessoas quaisquer que de alguma maneira tocam no problema da arte – constituem um modo de manifestação da arte. Ou seja, não são apenas diálogos sobre

arte,

mas,

perspectiva,

sobretudo,

podemos

entender

diálogos o

labor

como

arte.

artístico

Nessa de

modo

ampliado, não restringido a uma única direção de fabricação de objetos. Tanto o professor e o aluno quanto o artista e o espectador, como todos aqueles que de alguma forma acessam informações concernentes a manifestações artísticas, mesmo que seja

em

uma

contribuindo

conversa por

meio

despretensiosa de

seus

atos

e

informal,

comunicativos

estão com

a

produção artística. Voltando então ao ato pedagógico, o processo de troca entre professor e aluno concretiza uma possibilidade de por em movimento

a

dinâmica

entre

valores

estabelecidos

e

valores

contestados, acrescentando nessa relação à possibilidade dupla de difusão e, por conseguinte, sua reflexão. Quanto a isso, tomamos

novamente

emprestado

o

coeficiente

artístico

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

de

198


REVISTA

APOTHEKE Duchamp para definir o “coeficiente pedagógico”. Relembrando, o coeficiente artístico é a relação aritmética entre o que permanece inexpresso, embora intencionado, e o que é expresso e não intencionado. No ato pedagógico o professor propõe uma ação

e

o

aluno

participa

completando

essa

ação;

nem

o

professor tem consciência (controle) de tudo que é comunicado (expresso e não intencionado) como também não o tem sobre o que não foi dito (inexpresso embora intencionado). Assim, por essa

mesma

lógica,

o

aluno

atua

sobre

o

“coeficiente

pedagógico” completando-o com sua participação. Desse modo, ao invés da prática pedagógica se constituir como

uma

orientação

didática,

podemos

pensar

que

ela

se

constituí como desorientação didática (CALDAS, 1982, p. 5), engendrando lapsos de consciência que permitem um processo de subjetivação que escapa tanto aos saberes constituídos como aos poderes dominantes. Logo, como nos descreve Freire (1996, p.22), “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Levando em conta o que foi dito anteriormente, relacionado aos aspectos contextuais da arte contemporânea assim como as questões política),

relativas estranho

à

participação que

ainda

(afetiva,

hoje

muitas

estética

e

escolas

e

universidades, projetos educacionais, professores e produtores continuem

baseando-se

em

pressupostos

artísticos

e

educacionais herdados do século XIX sem fazer nenhuma objeção crítica aos postulados metodológicos das luzes. Sem mais, acreditando ter abordado satisfatoriamente os assuntos

que

nesta

carta

foram

expostos,

inicio

minhas

despedidas. Contudo, admito que não encontro modo que seja igualmente

satisfatório

para

encerrar

nossa

conversa.

Nem

propósito que não seja descabido para continuá-la. Optando, forçadamente, em prosseguir com a escrita corro o rico de insistir em assuntos que julgo já estão ditos. É mais prudente ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

199


REVISTA

APOTHEKE finalizar. Antes de encerrar deixo anotado abaixo uma lista com as referências bibliográficas que foram utilizadas nesta carta. Não tendo nada que acrescentar, anúncio minha despedida seguro de que oportunidades futuras não faltarão para novos diálogos.

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Silfarlem J. de Oliveira, Doutorando em Artes Visuais Linha Processos Artísticos Contemporanêos PPGAV/UDESC. Possui graduação em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (2007), Diploma de Estudios Avanzados pela Universidad de Casilla La-Mancha/Espanha (2009) e Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Espírito Santo (2014). Tem experiência na área de Artes desenvolvendo pesquisa como artista. Atua principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea, conceitualismos, tautologia, espaço público, linguagem verbal e visual.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE A EXPERIÊNCIA COMO PROCESSO DE CRIAÇÃO NAS AULAS DE ARTES VISUAIS The experience as a creative process in visual art classes Thais Amaral (Universidade Presbiteriana Mackenzie) thais_amaral@uol.com.br Resumo Este artigo enfatiza a importância da experiência artística durante o processo de criação para trabalhos visuais. Apresenta o processo criativo dos meus alunos do 7º ano do Ensino Fundamental de um colégio em São Bernardo do Campo, São Paulo, durante as aulas de artes em 2015. Palavras-chave: Processo.

Experiência.

Criatividade.

Cor.

Composição.

Abstract This article emphasizes the importance of experience during the artistic creative process for visual works. Presents the creative process of students from the 7th grade of elementary school in a high school in Sao Bernardo do Campo, São Paulo, during art classes in 2015. Keywords: Experience. Creativity. Color. Composition. Process.

Incitações iniciais com os alunos: conceitos sobre cor. Conversar sobre as cores e suas combinações parece ser muitas vezes algo complexo e de difícil compreensão. Saber harmonizá-las em um trabalho artístico também denota ser um desafio.

Isto

porque

os

únicos

conceitos,

talvez,

que

lembremos sobre este assunto vêm das vivências que tivemos na escola ao ouvir um professor falar sobre cores primárias e cores secundárias. Azul, amarelo e vermelho cabem nas cores primárias, secundárias.

enquanto

verde,

Eventualmente,

laranja selecionamos

e

roxo os

nas

grupos

de

cores cada

cor, sem saber porque isto é assim organizado. Para conversarmos sobre alguns pontos importantes a este respeito, apresentamos aos alunos o conceito inicial de que as ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

202


REVISTA

APOTHEKE cores,

assim

como

menciona

Pedrosa

(2010)

são

fenômenos

fisiológicos que acontecem por uma simples sensação produzida por organizações nervosas mediante a ação da luz e que geram as

classificações

cromáticas

dadas

por

percepções

e

manifestações dessas cores, o que justifica as divisões em grupos cromáticos como conhecemos. Por este motivo, sendo professora de artes, disciplina em que as cores são utilizadas com frequência, e notando que os alunos têm bastante dificuldades em combiná-las e selecionálas

enquanto

abordar

compõem

estas

imagens,

características

percebemos e

os

a

necessidade

princípios

iniciais

de que

formam a ideia de cor - como o que é cor-pigmento, cor-luz e o que são cores primárias e secundárias. Compreendemos que as cores primárias são aquelas que não se decompõe e que formam as demais cores; há diferenças entre a cor que vemos enquanto pigmento nas tintas, nos papéis e nos objetos, o que é chamado de cor-pigmento e a cor que vemos enquanto luz (denominada cor-luz), exemplificadas em imagens que vemos na tela de um computador, ou quando usamos programas de edição de imagens em aplicativos de celulares ou ainda utilizando programas editoriais de imagens mais detalhados e com muitos recursos como o Photoshop, hoje bastante conhecidos dos estudantes. Assim,

definimos

características

que

utilizadas

nesta para

proposta as

cores

de

trabalho

seriam

como

as cor-

pigmento. Com este pensamento e sabendo quais são as cores primárias pudemos então compreender que as cores secundárias são aquelas que se formam pelo equilíbrio óptico de duas cores primárias (PEDROSA, 2010, p.22) e originam o verde, o laranja e o roxo. Após estas conversas, discutimos sobre outros conjuntos cromáticos enquanto experimentávamos um processo de criação de composições

de

formas

e

cores

nas

quais

utilizaríamos

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

os

203


REVISTA

APOTHEKE conceitos vistos e outros que seriam apresentados durante o processo. Prática

artística

em

sala

de

aula:

experimentações

com

as

cores. Ao incitarmos os alunos com os questionamentos iniciais já tínhamos no intelecto a sequência dos outros elementos que instigariam o processo criativo que seria proposto. Notávamos a necessidade de que os alunos experimentassem com liberdade de criação, porém com propriedade, durante o desenvolvimento dos trabalhos visuais. Havíamos definido e esclarecido o que era cada um dos conjuntos de cores primárias e secundárias e porque o eram. Neste momento a proposta vinha em um outro modo de organização – as cores quentes e as cores frias. Segundo Pedrosa (2010), as quentes são a cor vermelha, a amarela e as demais cores que delas predominem e as frias são o azul e o verde e as outras que deles se originem. Para instigar o imaginário e resgatar a memória,

foi

perguntado

aos

alunos

“o

que

te

lembra

cor

quente?”, “o que te faz lembrar cor fria?”. Foram respostas diversas, como “cores quentes lembram o sol” e “frias lembram o gelo e a neve”; que caracterizam o tipo de repertório visual que possuem e que os levam a colorir de modo realista de percepção do mundo muitas vezes. Seguimos com outras questões: “e sentimentos? O que dá sensação de calor? Ir à uma loja de brinquedos e ver paredes coloridas com vermelhos, laranjas e amarelos

enchendo

os

olhos

ou

ir

ao

consultório

médico

e

sentir a calmaria que o azul clarinho e o verde suave tentam dar para um momento de tensão?” Os alunos ficaram atentos a esta última pergunta e notaram que tudo depende da intenção e que as cores fazem parte desta escolha, nem sempre seguindo as percepções

realistas

do

mundo.

Neste

momento,

começaram

a

descrever ambientes que já frequentaram e mencionaram as cores ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

204


REVISTA

APOTHEKE que viram nestes lugares, explicando a sensação que isto tinha causado; cada um descreveu sua sensação única e particular. Por isso, ressaltamos nesta etapa do processo de criação a importância das relações e apreensões que cada um faz do mundo ao seu redor de maneira singular e a maneira que o experimenta

os

contextos.

O

que

um

pensa

e

gosta

não

caracteriza e nem regulariza o pensamento e o gosto do outro. Da mesma forma, para mim, professora e artista, as cores sempre têm sensações particulares. Dependendo do que se deseja produzir

no

trabalho

visual,

as

escolhas

cromáticas

são

variáveis. O tema e a cor se relacionam particularmente para o artista; não há regras que obrigam o uso de cores frias para temas tristes e cores quentes para temas alegres ou viceversa. Isto se dá, pois, o processo de criação artística se modifica o tempo todo com as relações que são feitas e com os significados e sentidos que são atribuídos, como diz Salles, Uma decisão do artista tomada em determinado momento tem relação com outras anteriores e posteriores. Do mesmo modo, a obra vai se desenvolvendo por meio de uma série de associações ou estabelecimento de relações. (SALLES, 2010, p. 27)

Para enfatizar esta questão, propusemos a observação de quatro obras de artistas plásticos. Eles foram escolhidos pois apresentam temáticas variadas entre si e fazem o uso das cores significar seus temas, sem regras pré-estabelecidas. Vimos

Pablo

Picasso,

em

uma

fase

de

seus

trabalhos,

conhecida como fase azul, na qual escolheu a gama cromática das cores frias - particularmente a cor azul - por trazer a ele

os

sentimentos

mais

frios

humanas

carregavam

como

em

O

e

tristes

velho

que

suas

figuras

guitarrista,

1903-04

(figura 1), entretanto já o artista André Derain fazia a mesma escolha da predominância das cores frias em muitas pinturas

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

205


REVISTA

APOTHEKE fovistas¹ 27 por um gosto visual e compositivo como vimos na pintura

Big

Ben,

1905-06

(figura

2),

e

não

por

ser

uma

temática com aparência triste.

Figura 1. O velho guitarrista, 1903-04, de Pablo Picasso (1881 – 1973). Óleo sobre painel – 122,9 x 82,6 cm. Art Institute of Chicago, Chicago, Estados Unidos.

Assim expressões

como de

as

cores

sofrimento,

Figura 2. Big Ben, 1905-06, de Andre Derain (1880 – 1954). Óleo sobre tela – 79 x 98 cm. Musée d'Art Moderne, Troyes, França.

quentes sem

podem

aparência

também de

206

aparecer

nenhuma

em

alegria

como na pintura A gestante de Lasar Segall, 1919-20 (figura 3), e ao mesmo tempo em composições com a predominância de cores

quentes

vívidas

e

intensas

como

a

pintura

Interior

vermelho [Harmonia em vermelho], 1908 (figura 4), de Henri Matisse.

1 27

Os fovistas se embriagavam com cores vibrantes, exageradas. Liberaram a cor de seu papel tradicional de descrever objetos para fazê-la expressar sentimentos. (STRICKLAND, 2002, p. 130). ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

Figura 3. Schwangere [A gestante], 1919-20, de Lasar Segall (1891 – 1957). Óleo sobre tela – 90,0 x 112,0 cm. Museu Lasar Segall, São Paulo, Brasil.

207

Figura 4. Interior vermelho [Harmonia em vermelho], 1908, de Henri Matisse (1869 – 1954). Óleo sobre tela - 180,5 x 221,0 cm. The State Hermitage Museum, São. Petersburgo, Rússia.

Logo, as maneiras de experimentar e significar os elementos juntamente com a intencionalidade inseridos em um trabalho voltarmos

compõem às

o

sentido

perguntas

dado

feitas

a aos

ele.

Assim

alunos

sendo,

se

anteriormente,

veremos que as respostas foram bem diferentes pois cada um pode significar de um modo, de acordo com sua percepção, com sua

história,

com

seu

repertório,

assim

como

Dewey

(2010,

p.110) esclarece dizendo que

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE [...] experiências, cada uma das quais é singular [...] Porque a vida não é uma mancha ou fluxo uniforme e ininterrupto. É feita de histórias, cada qual com seu enredo [...] cada qual com seu movimento rítmico particular, cada qual com sua qualidade não repetida, que a perpassa por inteiro. (DEWEY, 2010,p. 110).

Processos

criativos:

composições

abstratas

com

cores

e

texturas A partir destas observações e fruições das imagens, foi dada a proposta: trabalhar com formas abstratas, sem temas figurativos pré-definidos para que a atenção ficasse mantida no uso das cores e não nas temáticas. Cada estudante, deveria criar

uma

composição

preenchendo

com

o

conjunto

vermelhos,

laranjas,

variações)

e,

em

abstrata de

vinhos,

outra

em

uma

cores

marrons,

folha

do

folha

quentes

(os

beges,

mesmo

tamanho

A3,

amarelos,

rosas

formato,

e

suas

mais

uma

composição abstrata, diferente da primeira, fazendo uso das cores

frias

variações). espaço

(os A

com

posteriormente,

azuis,

verdes,

prática

partiria

formas

abstratas

deveriam

da

roxos, ideia por

planejar

os

lilases de

e

preencher

meio

do

lugares

de

suas todo

desenho, cada

cor,

fazendo anotações sobre o próprio trabalho, então, cobririam totalmente os espaços com as determinadas cores. Entretanto, além do preenchimento cromático com tintas (material pigmento escolhido da sala de aula), os estudantes deveriam verificar em

casa

materiais

pigmentos

que

pudessem

ser

colados

no

trabalho (pedaços de tecido, papéis, plásticos, linhas, dentre outros)

e

os

trouxessem

para

a

aula

para

executar

as

composições respeitando a divisão de cores quentes ou frias, como mostra a figura 5.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

208


REVISTA

APOTHEKE

Figura 5: Fotomontagem de processo compositivo sobre cores frias. Acervo da autora.

Além das combinações de cores, o efeito visual dado pelas texturas

táteis

das

colagens

e

pelas

texturas

visuais

das

pinceladas variadas de tinta seriam possibilidades criativas das composições de cada aluno. Durante o processo, enquanto pintavam, eles notaram que misturar cores quentes entre si e fazer o mesmo com as cores frias gerava novas cores das mesmas famílias. O mesmo ocorreu com a mistura da cor branca – ela mantinha as características de cor quente e/ou fria quanto misturada

a

uma

cor

desses

grupos.

Eles

também

possuíam

diversas possibilidades diferentes para colar os materiais que trouxeram -

torcer, enrolar, rasgar com as mãos, picar em

pedaços bem pequenos, usar bastante papel e amassar muito, a ponto

de

enrugar

ocupar

e

depois

espaços

acima

desamassar

da

para

superfície que

as

da

marcas

folha

ou

ficassem.

Inúmeras possibilidades compositivas surgiam à medida que se permitiam experimentar com intencionalidade. Deste modo, notamos que o processo criativo, juntamente com

a

compreensão

dinâmico

e

dos

flexível,

conceitos permitindo

dantes mutações

vistos, dos

se

tornava

planejamentos

iniciais, algo que Salles expõe claramente: ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

209


REVISTA

APOTHEKE A criação artística é marcada por sua dinamicidade que nos põe, portanto, em contato com um ambiente que se caracteriza pela flexibilidade, não fixidez, mobilidade e plasticidade. [...] ambiente dos inúmeros infindáveis cortes, substituições, adições ou deslocamentos. (SALLES, 2006, p.19)

Criações e resultados plásticos: a importância da experiência nas aulas de artes A escolha de encerrar a composição e dá-la por concluída demonstrava que os alunos haviam finalizado uma etapa; etapa esta que se deu após um percurso – conversar sobre conceitos fundamentais sobre cor-luz e cor-pigmento, compreender o que são cores frias e cores quentes, observar e fruir algumas obras

de

artistas

intencionais,

escolhidos

contextualizar

dando

com

atenção

vivências

e

às

questões

resgatar

a

memória, experimentar cores e texturas visuais e táteis para compor um trabalho visual fazendo uso de diferentes técnicas. Logo, a conclusão do trabalho não se deu individualmente, mas sim consumou um movimento (Dewey, 2010). Os alunos sentiram-se à vontade para experimentar e criar as composições. A intencionalidade e a experiência percorreram juntas

o

processo

de

criação,

possibilitando

que

vontades

internas de cada um fossem expressas por meio das composições plásticas

que

fizeram.

Fayga

Ostrower

define

que

a

intencionalidade humana é Mais do que um simples ato proposital, o ato intencional pressupõe existir uma mobilização interior, não necessariamente consciente, que é orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir situação concreta para a qual a ação seja solicitada [...]. (OSTROWER, 2010, p. 10).

É algo que nos move internamente e que pode concretizar de forma criativa quando relacionada a outros contextos que não

os

nossos,

como

as

obras

dos

artistas

vistas

e

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

as

210


REVISTA

APOTHEKE conversas sobre experiências com cores entre os colegas, por exemplo. Tanto que Csikzentmihalyi(2013, p.23, tradução nossa) define que a criatividade “[...] não acontece dentro da cabeça das pessoas, mas na interação entre um pensamento humano e um contexto sociocultural”, o que reforça esta ideia. Deste

modo,

os

processos

criativos

dos

alunos

foram

registrados com experiências em todo o tempo; desde quando precisaram escolher que tipos de linhas fariam para criar o desenho abstrato, de que modo organizariam as cores no espaço, que

cores

usariam

colariam,

como

escolher

que

trabalhos

visuais

dos

fariam o

conjuntos as

trabalho com

cromáticos

pinturas, estivesse

experiências

até

estudados,

quando

teriam

finalizado. diversas

de

como que

Houveram dobras

de

papel, recortes e texturas de tinta (figuras 6, 7 e 8).

211

Figura 6: Fotomontagem de trabalhos com cores quentes – papéis, tecidos, tinta. Acervo da autora.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE

Figura 7: Fotomontagem de trabalhos com cores quentes e frias – papéis, tecidos, tinta.Fonte: Acervo da autora.

212

Figura 7: Fotomontagem de detalhes de quatro composições variadas. Acervo da autora.

Sendo

assim,

notamos

que

experimentar

com

objetivos

claros propicia uma experiência próxima com a arte. Isto se dá por uma sequência do processo de criação em que há discussão de ideias, apresentação de conceitos, observação de imagens, fruição, contextualização e a prática artística. Compreender também que os processos inicias de planejamento da prática de um

trabalho

não

estão

rígidos

e

fechados,

mas

que

se

modificam, complementa essa relação, foi essencial para que a experiência do processo criativo fosse significativa. Dewey

(2010,

p.

109)

diz

que

“A

experiência

ocorre

continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio processo de viver”; por isso, se o experimentar está inserido no processo de vida de ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE cada indivíduo unido ao seu ambiente, promover o espaço para o desenvolvimento destas relações nas aulas de artes é um fator essencial para a experiência da prática artística criativa. Por conseguinte, o processo criativo nas aulas de artes pode se dar quando há a liberdade de experimentar, relacionada aos conceitos, imagens, ideias, o desejo do fazer artístico do indivíduo e as interações que este faz com os contextos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Creativity: the psychology of discovery and invention. New York: Harper Perennial Modern Classics, 2013. DEWEY, J.; BOYDSTON, J. (Org.); SIMON, H. (Ed.); KAPLAN, A. (Intr.). Arte como experiência. Tradução Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. 10. ed. 1. reimpr. Rio de Janeiro: SENAC Nacional, 2010. SALLES, Cecília Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2006. STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pósmoderno. Tradução: Angela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. Thais Amaral, Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie/SP; especialista em Linguagens da Arte pela USP. Licenciada em Educação Artística pela Faculdade Paulista de Artes. Atua na educação básica e no ensino técnico como professora. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0357103633213658

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

213


REVISTA

APOTHEKE O PENSAR CRIATIVO - O PROCESSO CRIATIVO E O ENSINAMENTO DAS CORES THE CREATIVE THINKING - THE CREATIVE PROCESS AND THE TEACHING OF COLORS Dulce Maria Holanda Maciel (CEART/DMO) dulceholanda@gmail.com Fabiana Ludwig dos Santos(CEART/DMO) fabiludwig@hotmail.com Schirlei Martins O. San Romãn(Bolsista PIBIC/Cnpq) schirlei.ortega@gmail.com Resumo Este texto relata uma experiência no aprendizado sobre cores realizada na disciplina intitulada Fundamentos da Cor do curso de Design de Moda do CEART/UDESC no ano de 2012. O grande desafio estabelecido na disciplina foi ensinar os conceitos básicos relativos a cores, suas características, usos, círculo cromático e esquemas harmônicos. No começo da disciplina foram estabelecidas as tarefas e o aporte teórico o qual envolveu o processo criativo e o ensinamento das cores através de exercícios desenvolvidos em sala de aula. Este texto demonstra uma breve apresentação do trabalho desenvolvido no semestre. Palavras-chave: Criatividade. Cor. Ensino. Abstract This article reports an experience in learning about colors held in the subject entitled Color Funtamentals of Fashion Design course of CEART/UDESC in 2012. The challenge established in the subject was teaching the basic concepts about colors, its characteristics, uses, chromatic circle and harmonic schemes. In the subject’s beginning, the tasks and the theoretical framework that involved the creative process and the teaching of colors through exercises developed in class were established. This text shows a brief presentation of the work developed during the semester. Keywords: Creativity. Color. Teaching.

INTRODUÇÃO O presente trabalho relata a experiência desenvolvida na disciplina Fundamentos da Cor do curso de Design de Moda do Ceart no ano de 2012. O trabalho envolveu várias etapas: a confecção

de

um

círculo

primárias,

secundárias

e

cromático, terciárias,

o e

estudo a

das

cores

diferenciação

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

das

214


REVISTA

APOTHEKE temperaturas de cor. Todos os itens, passando pela pesquisa da simbologia das cores e apontando aspectos por vezes ocultos na utilização de determinada cor, culminaram com a apresentação de croquis com desenhos de vestuário envolvendo uma cartela de cores

desenvolvida

pelo

aluno

seguindo

orientação

dos

professores para montagem dos esquemas harmônicos. O estudo do processo criativo com a definição das etapas de afetividade, processo metacognitivo e criatividade, foi o item focal e que serviu como aporte teórico para os exercícios propostos na disciplina e descritos a seguir. O PROCESSO CRIATIVO Munari pilares

do

(1975)

destaca

processo

de

o

pensar

aprendizagem.

criativo Explica

como que

um o

dos

pensar

criativo envolve uma forma de agir especifica para alcançar um objetivo, diferentes

neste

o

pensamento

conceitos,

mas

não

em

obedece

todos

os

a

regras,

casos

aceita

percorre

um

caminho para o resultado. O autor discorre sobre determinados tipos de barreiras encontradas no processo criativo: 

Medo

do

fracasso

ressalta-se

aqui

a

simples

possibilidade de não atingir o êxito como inibição do processo criativo, esquivando-se da frustração; 

Falta de recursos;

Falta de tempo;

Falta de oportunidade em realizar atividades fora da sala de aula. O autor cita que a criatividade também é utilizada como

ferramenta

auxiliar

no

ensino

de

outras

disciplinas

como

matemática, história ou física, usando-se conceitos relativos a cada tema, bem como auxilia o aluno a explorar e descobrir novos cenários e enfatizar a interdisciplinaridade.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

215


REVISTA

APOTHEKE Na aprendizagem das cores vale citar Dewey (1971) que defendia

o

princípio

no

qual

os

alunos

aprendem

melhor

realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados. Neste ponto salienta-se que o ensino das cores esbarra de início no seu

preceito

mais

básico

o

entendimento

da

física

de

reflexão da luz e na anatomia humana e suas regras de formação de imagens. Desta forma é essencial inicialmente propor uma reflexão a partir das leis físicas e biológicas que formam as cores, chegando

rapidamente

à

classificação

de

cores

primárias,

secundárias, complementares, suas características e esquemas cromáticos. Como recurso utilizado para envolver os alunos no processo de aprendizagem sobre as cores e também promover a motivação necessária

para

o

entendimento

sobre

sua

influência,

foi

realizada a apresentação da teoria das cores seguindo os três patamares qual

da

divide

criatividade o

processo

citados

criativo

por em:

Schlochauer afetividade,

(2007)

o

processo

metacognitivo e o processo criativo. Primeiro patamar - afetividade Schlochauer (2007) afirma que a afetividade é a base de qualquer aprendizagem. Munari (1975) também já contextualizava a importância do desenvolvimento afetivo do sujeito criador pelo objeto produzido. Um dos principais aspectos do processo de aprendizagem é a afetividade e diz respeito a aprender a aprender. O autor conclui que o estado emocional pode facilitar e/ou acelerar

a

integração

de

novas

informações,

Dewey

que

reestruturando

esquemas mentais. Andrade

(2009)

cita

propõe

um

sistema

de

educação baseado na experimentação. Assim, considerando que uma

aula

é

um

microssistema

onde

existem

regras,

valores,

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

216


REVISTA

APOTHEKE atitudes a respeitar e relações de poder, também devem existir objetivos

claros

alunos

a

e

da

forma

competência

de

em

aquisição

gerir

os

de

conteúdos

recursos

pelos

didáticos

e

distribuição de tempo pelo professor. O papel contagiante das emoções está presente no modelo sócio pedagógico de J. Dewey (1954) enfocando o aprendizado através do desenvolvimento da autoestima e da personalidade dos educandos. Torna-se importante ressaltar a diferença entre sentimento e emoção. A emoção possibilita mudança na condição física enquanto que o sentimento não apresenta manifestações físicas ou fisiológicas tangíveis. Quando temos um sentimento, temos controle, já as emoções são mais contagiantes, são verdadeiras desencadeadoras de epidemia mental. (ALMEIDA; SEMINERIO, 2005, p. 13)

Saiani citado em Almeida e Seminerio (2005) nos relata que o

relacionamento

importante

entre

papel

na

o

professor

criação

e

deste

seu

aluno

‘clima

de

desempenha

aula’.

Aqui

completa que ‘a sala de aula’ é o terreno onde os pequenos acontecimentos

acontecem

todos

os

dias.

As

alegrias,

tristezas, olhares e queixas. Almeida e Seminerio (2005, p. 15) comentam que se deve deixar fluir uma atmosfera favorável entre professor e alunos. Propõem ao professor atenção ao seu próprio estado mental a fim de verificar de onde provem as dificuldades que encontra no processo de ensino-aprendizagem. Salienta ainda que esta atmosfera favorável é mais importante que qualquer método ou técnica utilizada em sala de aula. Assim, o desafio de organização do conteúdo respeitou a lógica

necessária

para

a

construção

do

conhecimento

a

ser

aluno

foi

atingido sobre os processos harmônicos da cor. A

apropriação

proposta

a

partir

do

conhecimento

de

atividades

por

parte

motivadoras.

do O

exercício

inicial foi elaborado para pôr em prática um vínculo inicial que envolvesse afetividade. A primeira parte do exercício foi propor

a

cada

aluno

a

escolha

de

uma

cor

favorita

e

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

sua

217


REVISTA

APOTHEKE descrição

em

termos

estéticos,

subjetivos,

com

ênfase

nas

emoções relacionadas ao uso desta cor e outros pontos que julgassem importantes. Foi proposto o uso desta cor escolhida para

realizar

exemplificados complementares

os nas e

exercícios imagens

análogas.

1 A

de e

dessaturação, 2,

pesquisa

cores

como

primárias,

envolvendo

sua

cor

favorita deixou clara as implicações pedagógicas do vínculo emocional desejado dos alunos com a disciplina. Figura 1 – Exercício de rebaixamento da cor violeta.

218

Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.

A aluna continuou usando a cor favorita – violeta – para a realização do exercício de dessaturação demonstrado a seguir. Figura 2 – Exercício de dessaturação da cor violeta.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE

Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.

Segundo patamar – o processo metacognitivo Minsky (1989) já nos alertava que o processo mental de aprendizagem inclui estratégias cognitivas, metacognitivas e de administração de recursos.

219

Como estratégias cognitivas pode-se citar as estratégias de

memorização

transformação.

repetição,

As

por

metacognitivas

exemplo, incluem

elaboração um

controle

e e

regulação do próprio processo de aprendizagem. Neste caso existe a escolha do que aprender envolvendo a atitude de decisão no avanço ou desistência da tarefa. Os

conhecimentos

metacognitivos

são

construídos

e

transformados através de experiências conscientes. A metacognição diz respeito, entre outras coisas, ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos próprios processos cognitivos. (RIBEIRO, 2003, p. 111)

Implica

em

um

processo,

ou

seja,

uma

elaboração,

uma

organização, um ambiente de estudo, e tempo para desenvolver ideias,

resumindo

conhecedor

de

si

ações

planificadas.

próprio

como

Aqui

atuante

no

o

aluno

é

processo

o de

aprendizagem e também o é como processador de informações, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE colaborando assim com o posicionamento de Dewey que defendia a importância do crescimento – físico, emocional e intelectual dos alunos durante o processo de aprendizagem. Este posicionamento dá ênfase a independência dos alunos em administrar os recursos com as estratégias que melhor se adéquam

aos

seus

tarefas

associadas

objetivos, aos

aprendendo

conteúdos

melhor

ensinados.

Em

realizando resumo

a

metacognição implica em uma série de operações mentais que dirigem e controlam a produção dos significados. Baseada em um mecanismo de experiências pessoais e da relação com os outros, o aluno tem a capacidade de alterar sua conduta objetivando suas próprias metas de aprendizado. A metacognição envolve um processo recursivo que não pode ser apartado do processo imaginário, pois as imagens subjazem a qualquer processo mental. Refletir, planejar, organizar estratégias, usar o conhecimento previamente adquirido, acessar informações relevantes, tudo isto está impregnado de imagens que levam a um processo criativo. (ALMEIRA; SEMINEIRO, 2005, p.11)

A partir da escolha e do conhecimento das características e emoções envolvidas em cada cor, foi realizada a segunda parte do exercício. Ao aluno foi proposto a escolha de uma imagem na qual a cor estudada anteriormente fosse a dominante para realizar diversas tríades. Cabe ressaltar que o aluno montou a partir de uma tríade de cores os esquemas cromáticos que

mais

lhe

agradassem,

sem

contar

com

nenhuma

explicita, apenas sua intuição. Nas imagens 3

técnica

e 4 pode-se

observar o exercício de composição a partir da escolha de tríades de cores análogas. Figura 3 – Exercício de tríades análogas I.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

220


REVISTA

APOTHEKE

Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.

Figura 4 – Exercício de tríades análogas II.

221

Caderno de exercícios da aluna Schirlei Martins.

A ideia de conceber um exercício inusitado baseado na intuição

e

vivenciados

espontaneidade norteou

o

considerando

exercício

fatores

marcado

por

antes

não

sentimentos,

pensamentos, intelecto, expressão e construção. Terceiro patamar – o processo criativoSchlochauer (2007, p. 251) define algumas características do processo criativo:

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE 

Criatividade – produto do gênio humano como gerador de novas ideias, conceitos e teorias;

Invenção – processo no qual delineia um produto, processo ou protótipo resultante da combinação de ideias onde pelo menos uma delas é inteiramente nova;

Inovação

é

a

transformação

de

ideias

em

aplicações

uteis. O

autor

criatividade inovadora certa

continua é

(novos

ação

de

citando

encontrar

e

ambientes

que

o

resolver e

grande

problemas

situações)

transgressão

objetivo de

forma

representando

(patenteada

na

da

liberdade

uma de

pensamento). Refere-se à criação como o aparecimento real de uma coisa, de uma obra que não existia antes por uma ação deliberada e consciente de um ser. Vários autores estudam a criatividade, e a agrupam. Taylor (1976) conceitua cinco tipos de criatividade: 

Expressiva – a pessoa expressa seus sentimentos de modo criativo – o foco é a catarse emocional. Improvisação teatral;

Produtiva – a criação está restrita a certas condições metodológicas.

O

foco

é

a

produção

da

obra.

Investigação cientifica; 

Inventiva produtivas

unem-se para

características

produtos

inéditos

expressivas e

e

inesperados.

Lâmpada elétrica; 

Inovadora – mais do que a criação de obras, este tipo situa-se no campo da transformação criativa de teorias e concepções. Einstein;

Emergente

dos

gênios.

Criatividade

natural

e

espontânea que se aplica em todos os campos. Leonardo da Vinci;

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

222


REVISTA

APOTHEKE Já

Kneller

(1978)

apresenta

as

seguintes

teorias

filosóficas sobre criatividade: • Inspiração divina, ao invés da educação; • Como forma de loucura, em virtude da espontaneidade e irracionalidade; •

Como

gênio

intuitivo

associada

a

pessoas

raras

e

diferentes; •

Como

força

vital

numa

manifestação

do

processo

organizador presente em toda vida; • Como força cósmica, expressão da criatividade universal inerente a tudo que existe. Apenas recentemente tem havido uma quebra de vínculo entre criatividade

e

poder

divino.

O

termo

criatividade

é

frequentemente associado ao elemento novidade – é considerado criativo

aquilo

(objetos,

que

gera

informações)

novas

que

informações

antes

não

entre

possuíam

situações

relações.

É

observar um problema sob um ponto de vista inteiramente novo e propor uma solução inovadora, curiosa e inusitada. Predebon (1998) cita ainda que as ideias criativas são com frequência o produto de uma associação de duas referências aparentemente estranhas entre si. O

processo

Conhecimento, inferências obtidas

que

por

o

criativo

está

considera que

a

pressupõe

combinações

associado mente a

conceituais

a

como

existência e

de

Engenharia um

sistema

de

do de

estruturas

informação

usando

representações através da organização de blocos coerentes e previamente existentes. A imaginação é a primeira característica da criatividade, e está ligada ao raciocínio. A imaginação e a memória andam lado

a

lado

que

a

primeira

está

vinculada

a

nossa

capacidade de modificar o mundo e transformar a realidade para criar algo novo.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

223


REVISTA

APOTHEKE Segundo Rubinstein (1973) apud SCHLOCHAUER (2007, p. 253) a diferença entre imaginação e memória consiste no fato de que a relação das imagens reproduzidas da memória é distinta da relação da imaginação com a realidade objetiva. O fato comum destes dois processos é a criação e formação de uma ideia imaginativa unitária, culminando com uma representação. Assim, a

percepção

consciência

e

a

e

atenção,

a

ação

a

memória

deixam

de

e

ser

a

imaginação,

consideradas

a

como

propriedades mentais simples, eternas e inatas, começando a entenderem-se

como

produtos

de

formas

sociais

complexas

em

relação aos processos mentais. Usar a imaginação e a memória foi imprescindível para a resolução da última e terceira parte do exercício proposto – o painel de esquemas cromáticos. Realizado

a

partir

da

afetividade

-

cor

favorita,

da

cognição e imaginação na realização dos esquemas cromáticos a confecção

do

painel

cromático

teve

como

finalidade

a

realização de tríades cromáticas a partir da escolha de três cores retiradas do painel imagético. Figura 5: Esquema cromático proposto.

adaptado da autora (2012)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

224


REVISTA

APOTHEKE Os alunos que são incentivados a trabalhar a partir das suas

áreas

de

importantes

em

interesse cada

uma

captam das

e

desenvolvem

disciplinas

competências

combinando

seus

próprios interesses e processos de pensamento criativo. É uma atitude de motivação intrínseca. Tendo assim um estado de total absorção de conteúdos, o fato de estar imerso numa atividade tão satisfatória faz com que o participante perca a noção do tempo, do cansaço e todo o resto focando na atividade. Para um ato criativo acontecer as emoções desempenham um importante papel, a atividade da imaginação é uma descarga de emoções, de sentimentos, devemos assim a considerar em todas as etapas do processo de aprendizagem. CONCLUSÕES As áreas cerebrais responsáveis pela percepção visual e imaginação são as mesmas, desta forma o estimulo é simultâneo e básico para o processo criativo. A

arte

linguagem

estimula visual,

a

comunicação

corporal

ou

não

verbal

musical

através

estimulando

da os

indivíduos a expressar suas ideias sobre si e o mundo que o rodeia. Ela ainda objetiva o autoconhecimento, desenvolvendo a autoconfiança e o sentido de autoestima por ser um instrumento de autodescoberta, e desenvolve a percepção visual e auditiva na

medida

em

discriminação

que

expande

sonora

e

a

organização

visual.

A

arte

espacial

também

e

a

desenvolve

integralmente a pessoa, pois unifica a maioria dos aspectos da personalidade. O ponto comum observado na maioria dos textos que abordam criatividade explicita que o processo criativo envolve na sua grande

maioria

informação.

uma

Desta

atualização forma

fica

constante clara

a

e

permanente

necessidade

de

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

de uma

225


REVISTA

APOTHEKE pesquisa aprofundada em todas as fases de criação da solução de um problema. Para o design a solução do processo criativo resulta na resposta ao problema proposto expresso através do projeto de produto, uma etapa do trabalho do designer. O objetivo aqui é forçar um olhar diferente, um pensamento lateralizado,

ou

seja,

divergente

do

tradicional,

um

olhar

sobre outras possibilidades, treinando a própria mente a se tornar criativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, N. F.; SEMINERIO, F. L. P. Cognição e Emoção: a importância do imaginário para a metacognição e a educação. In. LIBÂNEO, J. C.; SANTOS, A. (Org.) Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. S. l.]: Alinea, 2005. DEWEY, J. Experiência e educação. Tradução: Anísio Teixeira. S. l.]: Companhia Editora Nacional, 1971. DEWEY, J. Meu credo pedagógico. In. D’ÁVILA, Antônio. Pedagogia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954. KNELLER, G. F. Arte e ciência da criatividade. 5. ed. São Paulo: Ibrasa, 1978. MINSKY, M. A sociedade da mente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989. MUNARI, B. Diseño y comunicación visual. Barcelona: Gustavo Pili, 1975. PREDEBON, J. Criatividade - abrindo o lado inovador da mente: um caminho para o exercício prático dessa potencialidade, esquecida ou reprimida quando deixamos de ser criança. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. RIBEIRO, C. Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica, online] v. 16, n. 1, p. 109-116, 2003. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n1/16802.pdf>. Acesso em 26 out. 2015. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

226


REVISTA

APOTHEKE SCHLOCHAUER, C. Desenvolvimento da criatividade em estudantes universitários: uma análise de estratégias de ensino. 2007. Projeto de pesquisa para processo de seleção (Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em <http://cappf.org.br/tikidownload_wiki_attachment.php?attId=37>. Acesso em 28 fev. 2011. TAYLOR, C. W. Criatividade: progresso e potencial. 2. ed. São Paulo: Ibrasa 1976.

Dulce Maria Holanda Maciel Doutora em Engenharia de Produção com ênfase em Gestão de Design, Ergonomia e Meio Ambiente pela UFSC (2007); Mestre em Engenharia de Produção com ênfase em Gestão Ambiental pela UFSC (2002); Bacharel em Engenharia Elétrica pela UFSC (1986); Pós-Graduação em Design de Moda pela Universidade Estácio de Sá - SC (2011). Bacharel em Moda pela UDESC (2011). dulceholanda@gmail.com Fabiana Ludwig dos Santos Mestre em Educação, Comunicação e Tecnologia pela UDESC (2010); Pós-Graduação em Moda - Criação e Produção de Moda pela UDESC (2007); Bacharel em MODA - Habilitação em Estilismo pela UDESC 2004); Professora nos cursos de Design de Moda da UDESC, Universidade Estácio de Sá - SC e Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI. fabiludwig@hotmail.com Schirlei Martins Ortega San Romãn Graduanda em Design Gráfico especialização em Ilustração na Itajaí. Bacharel em Pedagogia. schirlei.ortega@gmail.com

pela UDESC; Universidade do

cursando Vale do

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

227


REVISTA

APOTHEKE UM MOSAICO MISTERIOSO: MONTAGEM DE UM MUNDO UM MOSAICO MISTERIOSO: COMPOSITION OF A WORLD Daiana Schröpel (PPGAV/UFRGS) daiana_schropel@hotmail.com RESUMO O presente texto trata dos processos construtivos resultado da simulação de um cenário baseado de uma publicação científica que compõe a instalação Um mosaico misterioso (2015). Esse trabalho tangencia conceitos do campo da arte e da ciência para mostrar como o discurso visual sistematizado na forma de velhas imagens pode ser reinventado por meio de procedimentos de coleta, manipulação e montagem para estabelecer novas relações com a realidade e sua aparência. A reflexão traça, ainda uma correspondência entre processos construtivos da imagem científica e a sua simulação em um contexto artístico específico. PALAVRAS-CHAVE: Arte. Ciência. Ficção. Manipulação. Montagem. ABSTRACT: The issue of this paper is about the construction processes involved the simulation of a scientific publication a piece of writing from an article on scientific magazine within the installation that take part of installation "Um mosaico misterioso (2015)". Through transits between The work presents some concepts of art and science the art and science field, it shows how discursive images and obsolete systematics are decontextualized through collection, manipulation and assembly procedures, to build new relationships establish new relation between reality and appearance. The reflection maps also correspondences between constructive processes of scientific image and its simulation in a specific artistic context. KEYWORDS: Art. Science. Fiction. Manipulation. Composition.

Introdução Andrei Tarkovski (2010) afirma que a arte e a ciência consistem em meios de assimilação do mundo, instrumentos de conhecimento e aproximação do que chamamos verdade absoluta. No

entanto,

se

ambos

os

campos

compactuam

da

função

de

constituir o real através do artifício, descoberta e criação simultaneamente, é também nessa plataforma que se estabelecem suas diferenças. Tarkovski (2010) desenvolve sua reflexão ao apontar que, por meio do conhecimento estético, apreendemos a ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

228


REVISTA

APOTHEKE realidade

mediante

uma

experiência

subjetiva,

cuja

verdade

nunca cessa. Na ciência, em contrapartida, o conhecimento é sistematicamente

substituído

por

um

novo,

sempre

correspondente a uma nova descoberta. As sucessivas trocas decorrentes desse processo denunciam a liquidez de discursos considerados legítimos e intensificam “a

percepção

do

mundo

como

um

depósito

de

ilusões

despedaçadas, velhas imagens e discursos obsoletos”, conforme declara

Olalquiaga

transformação

de

(1998,

p.

105).

metodologias

Nesse

científicas

sentido,

a

objeto

de

em

pesquisa e produção artística decorre, entre outras razões, em função da percepção crítica do acúmulo e da obsolescência de dados e de sistemáticas. Desta forma, no terreno da arte, a retomada

e

a

científicas

simulação

configuram

de

procedimentos

operações

criativas

e que

linguagens podem

ser

empregadas na produção de novos cenários transitórios entre passado e presente. Um

mosaico

229

misterioso

e

a

descoberta

do

espécime

Homo

allotriensis Um mosaico misterioso (2015) é uma instalação que encena o

espaço

enquanto

privado corpo

de

físico,

um em

sujeito, torno

da

uma

personagem

qual

se

ausente

constitui

uma

narrativa. Esta se manifesta através do conjunto de elementos e linguagens - entre fotografia, texto, vídeo e objeto - que definem

a

ambientação.

A

cena

simula

uma

sala

de

estar

composta, fundamentalmente, por mesa, cadeira, tapete, estante e televisão. Sobre a mesa, a estante, a tela e a parede, uma série de outros elementos estão disponíveis para observação. Entre eles, fotografias, revistas de conteúdo científico com matérias de teor antropológico e paleoantropológico, máquinas fotográficas, binóculo e uma representação de ornitorrinco. Nesse espaço coexistem temporalidades diversas manifestas, por ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE exemplo, no mobiliário que remonta um tempo que passou e na televisão que se situa um tempo presente.

230

Um mosaico misterioso, 2015. Vista da instalação.

Sobre a mesa repousam páginas destacadas de revista. Com a

matéria

autoria

de

necessário

"

Um

mosaico

Diana rever

Arque. os

mais

misterioso O

assunto

relevantes

Nova da

descoberta

matéria

princípios

"

sugere da

de ser

evolução

humana, da autoria de Diana Argue. A publicação composta por texto e imagens ilustrativas, comunica a descoberta de ossos pertencentes a um hominídeo (denominado Homo allotriensis) na Ilha de Bathurst¹ 28 , Austrália, na década de 1970. Esse achado intrigante

traz

novas

evidências

sobre

a

origem

do

homem

28

¹ A ilha de Bathurst é um local fictício, embora exista uma cidade continental de mesmo nome na Austrália, à cerca de 200 quilômetros de Sydney, na região de New South Wales. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE moderno,

ao

passo

que

desestabiliza

uma

série

de

teorias

acerca da evolução. Segundo o texto, Homo allotriensis - também referido como espécime

LB1

pelos

pesquisadores

-

apresenta

uma

série

de

características peculiares, uma mescla de descobertas antigas e modernas. Por exemplo, o pé é excepcionalmente comprido em comparação

com

o

fêmur,

uma

proporção

desconhecida

espécie

humana. Ao mesmo tempo, o dedão se alinha aos demais dedos, indicativo

das

descobertas

modernas.

Contudo,

um

dos

dados

mais chocantes foi a descoberta de uma bolsa embrionária que, possivelmente, estava vinculada ao corpo do Homo allotriensis por

meio

de

encontrados,

um

cordão

conforme

umbilical.

consenso

Anexos

científico,

embrionários apenas

em

são

aves,

répteis e peixes.

231

Um mosaico misterioso, 2015. Detalhe da publicação das páginas da matéria de revista(p. 12) que compõe a instalação. Acervo da artista.

Elisabeth Jungers, pesquisadora repetidamente citada ao longo

do

texto,

é

autora

dos

estudos

ilustrativos

que

acompanham a publicação. Jungers também é propositora de uma teoria que aloca o H. allotriensis, em termos taxonômicos, como uma espécie independente, sem

descartar a possibilidade

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE de um ancestral comum (com H. sapiens) ainda não identificado. Outras hipóteses sugerem que as anomalias observadas seriam decorrentes da referida síndrome de Equineu, que em ambiente insular, poderia ter-se manifestado de maneira singular. Ou, ainda, que os indivíduos H. allotriensis são espécimes Homo que, no entanto, sofreram modificações extraordinárias devido às

condições

suposições,

de

isolamento

hipóteses

os

na

referida

ilha.

pesquisadores

Entre

continuam

tantas com

os

trabalhos, coordenando projetos que pretendem abarcar regiões insulares da Ásia, da Oceania e, inclusive, territórios sul americanos. Publicação científica: coleta, manipulação e montagem Foram utilizadas revistas científicas de larga circulação como

objeto

de

estudo,

o

processo

criativo

de

Um

mosaico

misterioso se baseou em etapas seriais de coleta, manipulação e montagem de elementos visuais e textuais que culminam no conjunto da instalação. Entretanto, é a partir da matéria da revista elemento que processo

compõe a instalação que se figura um

construtivo

mais

completo.

Essa

composição

é

resultante de um laboratório prático, que teve por finalidade a

simulação

de

uma

comunicação

científica,

como

parte

das

investigações vinculadas à pesquisa de mestrado em Poéticas Visuais (PPGAV/UFRGS). Inicialmente, a definição do formato teve como ponto de partida edições da revista Planeta, conforme se configuravam na década de 1970, uma vez que os fenômenos narrados deveriam se

inscrever

nesse

espaço

temporal.

As

composições

publicitárias, que figuram na primeira e na última página, podem ser encontradas em edições dessas revistas. Tanto as propagandas da marca Telefunken como Volkswagen correspondem, como se sabe, a empresas reais. O conteúdo textual da campanha publicitária é também autêntico e, nesse sentido, a estratégia ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

232


REVISTA

APOTHEKE criativa corresponde a um procedimento de pesquisa, tanto em meios impressos como em ambiente virtual, e coleta das imagens selecionadas. Essa operação se repete ao longo do processo criativo,

na

medida

necessidade

da

específico,

como

em

que

a

implantação

narrativa de

paisagens

textual

sugere

representações

que

ilustram

o

de

a

teor

sítio

de

investigação, artefatos encontrados neste ou a configuração óssea do espécime descoberto. A recuperação de velhas imagens de

caráter

publicitário

representações

tem

encontradas

a

nas

finalidade edições

de

simular

utilizadas

como

referência para a execução da mimese formal.

233

Um mosaico misterioso, 2015. Detalhes da publicação das páginas da matéria de revista (p. 11 e 22) que compõe a instalação. Acervo da artista.

O

conteúdo

simultaneamente,

verbal ao

da

processo

comunicação de

coleta

foi

e/ou

elaborado,

produção

das

imagens, embora o contexto ficcional já estivesse esboçado. Este

implicaria

na

comunicação

de

uma

descoberta

paleoantropológica de um espécime hominídeo que, no entanto, se chocasse com todas as descobertas feitas até então nesse campo. A referência fundamental nesse sentido foi o paradoxal ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE ornitorrinco.

Um

mamífero

semi-aquático

originário

da

Austrália e da Tasmânia que, junto com as equidnas, forma o grupo

dos

monotremados,

os

únicos

mamíferos

ovíparos

29

existentes² .

234 Exemplares de revistas que compõe o repertório referencial de Um mosaico misterioso: National Geographic, Scientific American e Planeta.

Por conseguinte, o texto, assim como sua disposição sobre as

páginas,

foi

construído

a

partir

de

publicações

sobre

antropologia e paleoantropologia que podem ser encontradas em revistas

de

larga

circulação,

como

National

Geographic

e

Scientific American. Em suas diversas edições, em especial as do

primeiro

título,

encontramos

inúmeras

representações

de

² 29 Há muito tempo o ornitorrinco é uma querela no âmbito da taxonomia. Cientistas do século XVIII, antes de classificá-lo como um mamífero ovíparo, costumavam confundir-se devido as suas semelhanças com aves e répteis. Sabe-se que o primeiro ornitorrinco a ser analisado cientificamente na Inglaterra, em 1799, foi considerado inicialmente uma farsa. Pensava-se que era a união entre o corpo de uma toupeira e o bico de um pato. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE povos

exóticos,

habitantes

dos

mais

distantes

recantos

do

planeta. Essas reportagens aproximam-nos, por meio de imagens descritivas funcionam

e

texto

como

acessível,

uma

de

compensação

culturas à

exóticas

e

impossibilidade

da

experiência direta. Joan Fontcuberta (2010), artista e teórico catalão, ao desenvolver uma reflexão acerca das possibilidades de criação de

verdade

segundo

o

por

meio

autor,

à

de

imagens

objetividade),

tecnológicas apresenta

(associadas,

o

“teorema

do

pato” a partir de uma discussão do caso Tasaday. Uma tribo descoberta nos anos 1970 em uma das ilhas do arquipélago das Filipinas, que supostamente vivia conforme o homem da Idade da Pedra. O caso tomou grandes proporções e foi veiculado por influentes

jornais

e

revistas,

como

a

própria

National

Geographic. Mais tarde, na década de 1980, descobriu-se que o caso era forjado. Uma edição da versão brasileira de 1972, desta

revista,

com

a

matéria

da

descoberta

é

apresentada

também na instalação Um mosaico misterioso, como um comentário direto

sobre

o

valor

de

verdade

implícito

em

determinados

sistemas, como o de comunicação e informação via periódicos. Nesse contexto, o teorema proposto por Fontcuberta (2010, p. 81) diz que “se nos deparamos com um animal que parece um pato, que têm penas como um pato, que nada como um pato e faz ‘quac-quac’

como

um

pato,

então

o

mais

provável

é

que

estejamos diante de um pato”. Esse princípio legitimador da evidência nas aparências, conforme explana o autor, fundamenta uma

parcela

imagens

considerável

disseminadas

documentários

entre

da

em

vida

cotidiana,

revistas,

tantos

outros

jornais,

meios

aos

por

meio

de

noticiários, quais

estamos

sujeitos. Em outras palavras, temos a tendência a crer que nossas representações correspondem a objetos reais, de forma que – espontaneamente – damos crédito ao que vemos, ouvimos ou imaginamos.

Também

cabe

notar

que

esses

sistemas,

além

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

de

235


REVISTA

APOTHEKE imagens, veiculam e veiculam-se por meio de relatos – textos ordenadores do cotidiano. Ao mesmo tempo em que colaboram para a construção e apreensão da realidade, também podem funcionar como ferramentas de manipulação, isto é, instrumentos que têm por

objetivo

induzir

o

receptor

da

mensagem

Um

mosaico

ao

engano

e,

portanto, ao erro. A

matéria,

igualmente

uma

manipulação, denota

na

instalação

construção

contudo,

modificação,

de

por

meio

outra

que

se

de

ordem.

por

um

misterioso, procedimento

Nesta,

meio

da

a

é de

manipulação

supressão

e/ou

adição de informações e elementos, num procedimento similar ao da

fotomontagem,

conotação

a

anterior,

título neste

de

analogia.

caso

a

Diferentemente

manipulação

não

da

pretende

criar uma ilusão, tampouco induzir o receptor ao erro. Ao contrário, a simulação de um sistema (que se dá através da manipulação do conteúdo deste) tem a finalidade de produzir um efeito de realidade. Nesse sentido, a matéria científica como meio - desempenha o papel de um suporte através do qual um contexto científico ficcional é instaurado. O efeito de realidade, cuja eficiência depende da qualidade de execução da simulação formal, atua igualmente na sustentação da situação ficcional,

na

medida

em

que

favorece

a

imersão

no

mundo

registrado. Outro exemplo do procedimento de manipulação pode ser observado

no

cladograma³

30

que

insere

o

espécime

Homo

allotriensis em uma tradição de inventário e classificação dos hominídeos.

O

diagrama

original

pertence

a

Ian

Tattersal,

paleontólogo e curador emérito do American Museum of Natural History. da

A esquematização proposta por Tattersal, estudioso

evolução

humana,

ilustra

uma

hipótese

evolutiva,

um

³ 30 Cladograma (clado = ramo) é um diagrama (isto é, representação gráfica de determinados fenômenos) em que se destacam hipóteses filogenéticas (relações de parentesco) entre espécies, segundo preceitos da teoria evolutiva. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

236


REVISTA

APOTHEKE ordenamento possível entre uma série de outras configurações já

propostas

pelo

mesmo

autor.

As

relações

de

parentesco

ilustradas são elos muito frágeis, que sofrem abalos profundos a cada nova descoberta, sem que tenhamos a segurança de saber se algum dia poderemos traçar uma genealogia definitiva. Nesse informação, lugar,

é

esquema, é

a

espécie

subtraída

alocado

o

do

Homo

floriesensis,

cladograma

espécime

Homo

original

allotriensis,

enquanto

e, o

em

seu

qual

é

representado por meio da nomenclatura que lhe é atribuída e através

da

ilustração

do

perfil

de

seu

crânio.

Embora

H.

allotriensis seja uma representação ficcional que não encontra amparo em fatos reais, tampouco parece certo julgá-lo como fenômeno impossível. Isto se dá na ordem em que corresponde a todos aqueles espécimes em potência, que cedo ou tarde serão descobertos e alocados nessa sistemática flutuante ou aqueles que simplesmente jamais serão desenterrados. H. allotriensis expõe uma inevitável e incômoda lacuna em nosso passado.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

237


REVISTA

APOTHEKE Um mosaico misterioso, 2015. Detalhe da publicação matéria das páginas de revista (p. 18) que compõe a instalação. Acervo da artista.

Imagem objetiva: simulação e composição Durante elaboradas

o

processo

três

compreende

de

construção

ilustrações

perspectivas

de

da

científicas

crânio;

outra,

matéria,

foram

simuladas: dos

pés;

uma e

a

terceira representa estágios de desenvolvimento de um embrião. Estas imagens correspondem a um segundo laboratório destinado ao

estudo

e

desenvolvimento

de

um

modelo

de

representação

vinculada a um pensamento objetivo.

238

Um mosaico misterioso, 2015. Detalhe da publicação matéria nas páginas da revista (p. 16) que compõe a instalação. Acervo da artista.

A ilustração do feto partiu do interesse pela figuração humana e teve por referência central os estudos anatômicos de Leonardo

Da

Vinci

(1452-1519).

A

definição

de

um

anexo

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE embrionário anormal se dá por meio da inserção de um elemento que vinha sendo desenvolvido em paralelo a estes estudos. Isto é, a multiplicação em argila e cera de abelha, a partir de um molde de gesso, de um fruto conhecido - popularmente - como Pepino

africano

(Cucumis

metuliferus).

As

características

formais desse fruto, transformado em peça de argila, foram transferidas para o contexto da ilustração. As

representações

de

desenvolvimento

embrionário,

que

figuram nessa prancha, têm origem nos estudos de Ernst Haeckel (1834-1919),

biólogo,

naturalista

e

médico

alemão.

As

ilustrações comparativas deste (nas quais figuram diferentes estágios

evolutivos

de

embriões

de

peixe,

salamandra,

tartaruga, galinha, porco, vaca, coelho e homem) representam a ideia de que o ser humano, em seus estágios de desenvolvimento mais

iniciais,

compartilha

características

morfológicas

com

outros animais. Utilizadas a fim de ilustrar e promover a teoria darwiniana, as imagens de Haeckel desfrutaram por muito tempo do status de verdade. Já nos anos 1990, uma série de publicações científicas lançou duras críticas a elas, alegando sua falsificação e a má fé

de

seu

autor.

fundamentalmente, fotográficas

de

discrepâncias

As

na

acusações

comparação

embriões,

as

identificadas

estavam

entre

modernas

antigas

entre

baseadas, imagens

ilustrações

as

duas

e

as

linguagens.

Entretanto, análises mais recentes atentam para uma série de contra argumentos que devem ser levados em consideração ao se avaliar tais imagens. Segundo Robert Richards (2008), professor de história da ciência e da medicina, Haeckel possuía por destinatários a audiência

popular,

ilustrações também Charles

pode

têm ser

Darwin

não

viés

especializada,

didático

encontrado (1809-1882).

em

e

de

forma

esquemático.

ilustrações

Além

disso,

que

suas

Caráter

que

utilizadas

por

Haeckel

ainda

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

239


REVISTA

APOTHEKE conforme

Richards

(2008)

-

era

especializado

em

biologia

marinha. Por conseguinte, tomou emprestadas e adaptou muitas imagens

de

especialistas

em

biologia

de

vertebrados

para

produzir as ilustrações dos embriões. Procedimento este que Darwin reconheceu, igualmente, ter empregado. A partir deste caso específico, nota-se o emprego de procedimentos

construtivos

na

ciência,

que

não

dependem

unicamente da captação naturalista de um original. Mas que – além deste – apropriam-se de outras representações a fim de elaborar, sob uma perspectiva de montagem, um terceiro corpo imagético.

A

subordinada

representação a

um

na

discurso,

ciência

o

que

está

a

inevitavelmente

torna

suscetível

a

flutuações entre um status de veracidade e não veracidade, conforme ilustra o caso dos embriões de Haeckel. O uso da imagem fotográfica como instrumento de descrença da

imagem

manual,

como

o

desenho

e

a

gravura,

remonta

a

própria invenção da fotografia e o seu uso na produção de imagens

objetivas

na

ciência.

O

anatomista

alemão

Johannes

Sobbota (1869-1945), por exemplo, empregava a fotografia na captação

de

diversas

imagens,

que

reunidas

formavam

uma

espécie de mosaico da figura total. Em torno de duas a três imagens, captadas com todo o cuidado e preciosismo, prestando atenção

às

distâncias

entre

o

objeto

e

a

câmera

para

não

produzir nenhuma perturbação, eram utilizadas na elaboração do desenho. A imagem fotográfica, além de referência, servia como base para o julgamento do desenho. Essa estratégia, pensavase,

impossibilitaria

o

desenhista

de

realizar

alterações

subjetivas (DASTON,1992). Gradualmente, ainda que produzisse deformidades em termos de cor, nitidez e precisão, a imagem fotográfica tornou-se símbolo

de

neutralidade

e

verdade

detalhada,

porque

coloca

entre sujeito e objeto uma intermediação mecânica e, portanto, livre de julgamento idiossincrático. Em outras palavras, mesmo ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

240


REVISTA

APOTHEKE que

a

imagem

fotográfica

não

fosse

mais

verossímil

que

o

desenho e a gravura (e muitas vezes não o era), o que garantia a

autenticidade

era

a

crença

na

imagem

produzida

mecanicamente. As imagens, na arte e na ciência, compartilham nesse sentido determinados procedimentos construtivos. Ao passo que Sobbota, retomando o exemplo anterior, reunia de duas a três imagens

fotográficas

para

que

servissem

de

referência

à

constituição de uma imagem objetiva, a ilustração do embrião de

espécime

partir

da

H.

allotriensis

biologia

do

é

composto,

ornitorrinco,

do

essencialmente, espécime

de

a

pepino

Cucumis metuliferus, das ilustrações anatômicas de Leonardo Da Vinci e do estudo comparativo de embriões de Ernst Haeckel. Mas ambas constituem, antes de tudo, representações. E, mais além, representações descritivas. A diferença entre uma e outra se dá na medida em que a imagem

científica

objeto

que

se

(ideal

pretende

ou

característica)

rastreável

no

mundo,

representa

um

em

de

termos

semelhança biológica. A imagem fictícia, enquanto simulação de uma representação científica, expõe um objeto que se finge rastreável. É um corpo imaginário, cujo original se encontra fragmentado

e

tempos

serviram

que

monstruosidade.

disperso Em

nos

de

diversos

referência

suma,

uma

contextos, à

aparência

sua

suportes

construção.

através

da

qual

e

Uma um

universo ficcional se projeta. Considerações finais Em Um mosaico misterioso, os procedimentos de coleta de dados, modificação e montagem aparecem nítidos na produção da prancha ilustrativa do embrião do espécime Homo allotriensis. A recuperação de imagens antigas, como as pranchas de Haeckel, resulta

em

um

plano

descontextualizadas

de por

temporalidades meio

de

sobrepostas,

que

procedimentos

de

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

241


REVISTA

APOTHEKE modificação, reorganização e montagem – sugerem e instauram uma

conjuntura

diversa.

Um

cenário

composto

por

métodos

científicos (re)apresentados. Tarkovski (2010, p. 141) afirma

que a montagem

é um

procedimento presente “em todas as formas de arte, uma vez que é sempre necessário escolher e combinar os materiais com que se trabalha”. O autor segue, a partir de sua experiência com o cinema, definindo a montagem como combinação de peças maiores e

menores,

sendo

que

cada

uma

das

quais

porta

um

tempo

diverso. Montar refere-se, nesse sentido, a uma necessidade de dar forma, seja ao tempo ou ao espaço. Ou, no caso de Um mosaico misterioso, a necessidade de dar forma a uma situação ficcional

que

engloba

diversas

temporalidades

e

contextos

espaciais que transitam entre o aqui, o agora, o então e o alhures. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DASTON, Lorraine, GALISON, Peter. The Image of Objectivity. Representations. Special Issue: Seeing Science, University of California Press, v. 0, n. 40, pp. 81-128, outono/1992. FONTCUBERTA, Joan. O beijo de Judas: fotografia e verdade. Barcelona: Gustavo Gili, 2010. OLALQUIAGA, Celeste. Megalópolis: sensibilidades culturais contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel, 1998. RICHARDS, Robert J. Haeckel’s Embryos: fraud not proven. Biology & Philosophy, Springer Netherlands, v. 24, n. 1, pp. 147-154, janeiro/2009. Disponível em: <http://home.uchicago. edu/~rjr6/articles/Haeckel--fraud%20not%20proven.pdf> Acesso em: 26.11.2015. TARKOVSKIAEI, Andreaei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Martins Fontes, 2010. Daiana Schröpel, Mestranda em Poéticas Visuais pelo PPGAV/UFRGS desde 2014. Bacharel em Artes Visuais (2013) pelo Instituto de Artes/UFRGS. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

242


REVISTA

APOTHEKE THINKING IN THE MAKING: 3D DESIGNING AND PRINTING WITH YOUNG CHILDREN AND THE CREATION OF THRESHOLDS FOR LEARNING M. Cabral (Columbia University Teachers College - UNITED STATES) cabral2@tc.columbia.edu S. Justice (Columbia University Teachers College - UNITED STATES) justice@tc.columbia.edu Through the exploration of digital 3D design and printing with preschool aged children, this presentation investigates the use of this emerging technology as a medium and material for thinking. Through the observation of the ways in which preschool children interact with digital 3D design and printing, the researchers question the role of materials and techniques in learning and artistic development, and consider notions of agency, ownership, and creativity in the light of psychological theories of learning (Piaget, Gardner).

243 As educators, our level of comfort with different media often dictates

the

available

types

to

our

of

activities

students.

and

resources

Moreover

our

we

make

educational

expectations may be influenced not only by our experiences with specific materials, and by our familiarity with them, but also by our unquestioned adherence to techniques that were available to us as school children. As a result, this often means that beliefs about the pedagogical value of new tools and materials go unexamined. In this study, we explore digital materials,

particularly

digital

3D

design

and

printing,

as

examples of resources that are often overlooked in educational settings, especially with very young children. The development of preschool-aged children is often regarded to

occur

critique

in of

strictly that

linear

framework

is

and that

sequential it

imposes

stages.

One

pedagogical

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE ceilings as to the concepts that children in each stage are supposed to be able to understand. Consequently, it follows that learning experiences offered to students might be limited in their open-endedness and range of possibilities. This

paper

assumption concepts design

presents that

through and

an

children digital

printing.

exploratory are

capable

materials

The

study of

and

based

engaging

media,

researchers

on

the

complex

including

claim

that

3D

these

activities provide thresholds for learning that children can take ownership of, rather than stage-appropriate ceilings that inhibit expectations. The

researchers

attending

an

worked

Early

with

Childhood

a

group

Program

of

preschool

nested

in

a

children graduate

school of education in New York City. The children, girls and boys aged between 3 and 5 years old, have had many experiences with artmaking in different media and are used to work in small groups. Attending an early childhood center with a playbased curriculum where importance is given to each child’s interests, they are used to question the world around them in different ways and to have their voices being heard. keywords:

art

education,

early

childhood,

3d

designing

and

printing. Marta Cabral, Instructor Of Art & Art Education, Art for Classroom Teachers. Marta Cabral has been professionally teaching in classrooms and other settings for over 16 years. Having taught in Early Childhood, Elementary Education, and Graduate School levels, her rich and wide experiences as an educator allow her to relate to professionals in diverse contexts and different grade levels. Her many experiences as an educator (in America, Europe, and Asia) include classroom teaching; coordinating early childhood programs in early childhood and in art, for infants, toddlers, preschoolers, and kindergartners; and consultancy and training for educators and art educators. At Columbia University’s Teachers College, ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

244


REVISTA

APOTHEKE Marta’s current experience in teaching and supervising future educators (both preK-12 art teachers, and general education early childhood teachers) provides her additional insights into professional development and possibilities of art integration in the core curriculum. Marta holds several degrees in education that have examined Early Childhood Education and Art Education, including Masters degrees in Art and Art Education, and in Educational Sciences. Some other academic degrees Marta holds include Elementary Education and Adult Education. She is currently undergoing doctoral studies at Columbia University’s Teachers College in the Interdisciplinary Studies Program, grounding herself and her work both in the Art and Art Education, and in the Early Childhood Education Programs. As an educator and a researcher, Marta regularly presents her work at national and international conferences, and has several publications in the field of education. Justice Sean, Instructor Ed.D.C.T. in Art Education. Teachers College, Columbia University. New York. (2015) Dissertation: Learning to Teach in the Digital Age: Digital Materiality and Paradigms in Schools. M.A. Studio Art, Photography. New York University & the International Center of Photography. New York. (1987) B.A. English Literature. Catholic University of America. Washington D.C. (1983)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

245


REVISTA

APOTHEKE Água de moinho: práticas transformadoras em arte e pesquisa, modos de estar com o outro em trocas intensas, de ser fluxo Watermill: transformative practices in art and research, ways of being with each other in intense exchanges, to be flow Fátima Branquinho (Faculdade de Educação e do Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente da UERJ) Fátima Kzam (Instituto de Química da UERJ) Isabela Frade(Instituto de Artes da UERJ) Daniele Alves(PPGARTES/UERJ)

RESUMO: Esse artigo indica a possibilidade de realizarmos experiências transformadoras de educação ambiental, ciência e arte na formação de educadores e pesquisadores a partir da produção de conhecimento sobre a realidade. Trata-se de contribuir para pensarmos uma complexa rede que se estabelece em nossos espaços-lugares de ação educativa entre atores estado, academia, indústria, instituições não governamentais, comunidades, lideranças locais e os sujeitos coletivos - que produzem simultaneamente a vida e o conhecimento sobre a vida. A compreensão dessa trama implica experiências alternadas de realização de atividades nas comunidades da região carioca entre Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)e Mangueira. Misturando comunidade e universidade experienciamos um movimento de desierarquização do conhecimento e a conjunção das sensibilidades. Palavras chave: arte, ciência, vida, educação, hierarquia de saberes. Abstract: This article has the purpose to show the possibilities of some transformative experiences on environmental education by the subject of science and art aming the formation of educators and researchers. Trought critical reflection on the production of knowledge directly over reality, it contributes to reinforce the thought over the complex network that is developed in our educational activity spaces-places among different actors - state, academia, industry, non-governmental institutions, communities, local leaders and the collective subjects simultaneously productors of life and its knowledge. Understanding this web involves alternating ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

246


REVISTA

APOTHEKE experiences on conducting activities in between diferent cultural spaces as UERJ and Mangueira community, in Rio de Janeiro, Brasil. Mixing university and community, we experience non-hierarchized knowledge and sensibilities conjunction. keywords: art, cience, life, education, knowledge hierarchy. Chegamos

ao

I - Arte e vida Jardim pelo correr

das

coisas

mesmo,

simplesmente por seguir, adiante, sentindo o repuxo do mundo. As coisas a que nos referimos são processos vividos em um território conjunta

conquistado por

progressivo

pouco

muitas

a

pessoas,

adensamento.

A

pouco. um

Uma

obra

em

ação

enlace

de

corpos

nos

advém

pela

natureza

em sua

neutralidade própria combinada à sua complexidade semântica. Num campo verde que serve de terceiro termo (DERRIDA, 2001) para

que

uma

conjunção

social

se

dê.

Um

espaço

de

vida.

Animação social buscando espaço para acontecer. Arte de “nãoartistas”, ou “arte comum”, de todos, arte/vida se fazendo necessária: ferramenta para o existir em diálogo mais profundo com o mundo natural e social, um entrecruzar de sensibilidades múltiplas em formas livres. Em um momento onde o risco de vida é iminente (DANOWSKI e VIVEIROS

DE

ambientais

CASTRO,

“sem

2015),

volta”,

no

emocionados

pelos

envenenamento

das

desastres fontes,

da

contaminação dos solos, da proliferação do lixo, das chuvas ácidas

e

do

subsequentes

esgarçamentos desencontros

das dos

teias povos

bioenergéticas, e

comunidades,

dos das

sucessivas crises econômicas; nos dispomos a produzir um campo de abrigo a uma consciência pedagógica coletivizante que nasce pelas inteligências e sensibilidades em troca. Há que se reparar que os nossos espaços se revertem, se misturam, se inventam. Chamamos, em arte, de escultura social esse trabalho de gerar novas formas de organização; não se privilegia,

assim,

as

questões

visuais,

mas

formas

relacionais, potenciais dispositivos amplificadores que atuam ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

247


REVISTA

APOTHEKE como disparadores de novas conformações sociopolíticas: é essa nossa aventura no Jardim. Trata-se de abrir espaço para se estar junto, gerando novos campos relacionais (FRADE, 2012). Começamos em um monturo de lixo. Aconteceu de nos parecer assim como condição de servir para a produção de um lugar vazio,

pleno

de

possibilidades.

Uma

motivação

a

estar

em

companhia na produção desse espaço-tempo de liberdade. O Jardim nos trouxe uma condição rica de desdobramentos, de novas possibilidades e nos revelou novas dimensões na arte. Trouxe ainda o impulso para a reunião de outras áreas nesse experimento. Requisitou, para tanto, a ciência ambiental que se torna parceira desta empreitada acadêmica que se alia à biologia relacional complexa (MATURANA e VERDEN-ZOLLER, 2009), à antropologia da ciência (LATOUR, 2012) e das mobilidades (AUGÉ, 2014), à geografia social (YU-FU TAN, 2005), que vem se aliando à filosofia contemporânea da arte (GROYS, 2008, DIDIHUBERMAN 2014) e à teoria crítica da cultura (BOAVENTURA DOS SANTOS,

2006)

e

tantos

outros

pensamentos

e

teorias

que

fecundam esse pensamento sobre o jardim. Este mesmo um objeto (objeto/espaço)

de

arte

que

poderá

a

ser

fecundo

para

as

teorias transdisciplinares. Neste sentido, uma grande surpresa veio

se

somar

às

esperadas

relações

conceituais,

com

a

História da Arte (CAUQUELIN, 2007): o surpreendente encontro da teoria da desconstrução com a experiência da produção de um jardim, como foi o caso da (não)criação do Jardim e todo o pensamento da arquitetura que segue seu próprio deslocamento e vai

pensar

encontro”

nas (FUÃO,

praças, 2014,

nas

ruas

DOURADO,

como 2011),

“zonas e

de

nossas

espera

e

próprias

trajetórias sobre o feminismo e a arte da terra (FRADE, 2010) que se produzem em tramas conceituais por onde se pratica a pesquisa-ação Jardim da Tia Neuma[1], na Mangueira. Joseph Beuys em seu tratado sobre as plantas nos lança para mais além, trazendo ainda os aspectos espirituais de uma ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

248


REVISTA

APOTHEKE ação transformadora. Há uma alquimia profunda nesta investida, no que o artista identificava como um necessário processo de cura:

a

aproximação

processo

de

entre

síntese

da

arte

luz,

e

e

vida.

sua

A

planta,

estrutura

em

seu

replicante,

representa uma forma coletiva de relação proveitosa para cada indivíduo

da

espécie:

“O

importante

aqui,

não

é

a

figura

individual, mas o conjunto, o órgão que pode se desenvolver quando os indivíduos se contêm em benefício do todo.” (HARLAN, 2010, p.31) Os

processos

vitais

estão

conectados

com

essa

trama

infinita e delicadamente produzida pelo complexo energético que denominamos natureza. Mergulhar nessas teias é encarar as mais

complexas

entendimento,

articulações

ou,

como

nos

e

diz

aceitar Latour

(Op.

nosso Cit.),

parcial nossas

certezas provisórias. Por isso o trabalho coletivo, por isso o aporte colaborativo, por isso o abandono das fronteiras e das hierarquias. Todo saber tem lugar neste processo. Também no Jardim do Nêgo, em Nova Friburgo, na serra fluminense, aonde o artista esculpe o barro transformando-o em gente, em animais, em música, em literatura, em vida. O Nêgo (Geraldo Simplício) se alimenta do jardim que cultiva, neste ofício de escultor jardineiro,

cultivador

de

musgos

e

líquens.

As

esculturas

vivas na terra são sua energia, sua respiração. Um misto de educador

ambiental,

escultor,

Nêgo

mistura

arquiteto,

engenheiro,

encantamento,

técnica,

plantador, inspiração,

sonho, literatura e mitologia sem nunca ter frequentado os bancos escolares. (CONDURU, 1998)

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

249


REVISTA

APOTHEKE

Imagem 01: mãe e filha juntas produzem mudas nos pequenos recipientes produzidos pelas crianças da Creche Nação Mangueirense

A produção do Jardim envolve o reconhecimento de saberes da

própria

comunidade

pesquisador:

a

e

hierarquia

inquire dos

as

competências

saberes

muitas

vezes

do se

encontrou invertida e estamos aprendendo a “jardinar”. Aqui destacamos

o

imagem

mãe

1:

recipientes

aporte e

intergeracional

filha

produzidos

apresentado

juntas

produzem

mudas

pelas

crianças

da

acima,

nos

na

pequenos

Creche

Nação

Mangueirense.

II - Sobre a arte dos jardins e suas histórias: Permeando a história do homem, temos a forte presença de todo tipo de jardim, sendo este uma das primeiras formas de expressão na sua relação com a natureza. O termo jardim é amplo

e

absorve

entendimento

e

vários

criação

conceitos em

cada

de

acordo

cultura.

Na

com

o

seu

antiguidade,

geralmente estava relacionado à beleza, ao divino, à sedução e à fecundidade. Podemos retomar o Jardim do Éden, citado na Bíblia:

conforme

passagem

dessa

escritura,

Deus

planta

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

um

250


REVISTA

APOTHEKE jardim e o confia-o nas mãos do homem para que possa cuidar e guardar. Neste caso, o homem é representado por Adão e Eva e o Jardim do Éden como a referência imagética do paraíso. Neste mesmo sentido mítico do paraíso temos os jardins Ida-Varsha dos hindus, os bosques sagrados dos itálicos e os Eridus dos assírios. Os jardins suspensos da Babilônia são considerados os

mais

antigos,

datando

de

604

562

a.C.

Jardins

eram,

também, comumente ofertados aos deuses na Mesopotâmia. Temos os jardins presentes em muitas civilizações, como o Jardim Egípcio,

Persa,

Grego,

Romano,

Islâmico,

Renascentista,

Barroco, o romântico Inglês e já no século XV surgem os hortos botânicos (ALVES, ROCHA, 2014). No século XVIII observa-se a prática do restauro de alguns jardins antigos (BERJMAN, 2011) e, à medida que as cidades foram se expandindo, surgiram os jardins privados e as praças e passeios públicos dos séculos XIX e XX. Nesta trajetória, vários

documentos

conservação

de

foram

áreas

lançados

verdes,

em

como

defesa exemplo,

da a

proteção

e

Declaração

Internacional de Direitos à Memória da Terra, de 1991, e a Carta de Bagé, de 2007, denominada Carta da Paisagem Cultural, a qual abordou, de maneira pioneira, a relação do homem com a natureza aplicada à realidade nacional[4]. Segundo seu Artigo 2, paisagem cultural: é o meio natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todas os testemunhos resultantes da interação do homem com a natureza e, reciprocamente, da natureza com homem, passíveis de leituras espaciais e temporais. (CARTA DE BAGÉ, 2007)

Além da Declaração de Foz do Iguaçu, também conhecida como Carta do Espírito dos Lugares, lançada em 2008 pelo ICOMOS, e a Carta Colombiana da Paisagem, lançada em 2010 pela Sociedade Colombiana Associação

de

Arquitetos

Brasileira

de

Paisagistas, Arquitetos

no

mesmo

Paisagistas

ano

publica

Carta Brasileira da Paisagem: ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

a a

251


REVISTA

APOTHEKE Reestruturação de paisagens urbanas degradadas de modo integrado, como propulsores de novas dinâmicas: urbanas, sociais, culturais, biofísicas e econômicas, e de melhoria do quadro de vida da população. (CARTA BRASILEIRA DA PAISAGEM, 2010)

Neste longo caminho, os diferentes jardins, cada um com suas peculiaridades, das mais diversas culturas, entraram para a

história,

sendo

geralmente,

às

considerados

moradias

grandes

importantes

monumentos

ou

a

fatos

ligados,

históricos

memoráveis. Um passo importante para o desenvolvimento deste campo

foi,

segundo

Berjman

(Op.

cit.),

a

confluência

de

disciplinas como a antropologia, a geografia e o urbanismo, as quais,

no

decorrer

do

século

XIX,

passaram

a

perceber

a

paisagem com um conceito holístico, considerando as relações da natureza com o homem e suas implicações sociais. Após

algumas

questões

sobre

o

universo

temático

dos

jardins e pelo caminho de crescente inserção e valorização de determinadas áreas verdes enquanto patrimônio, focamos agora nas possibilidades de abordagem e nos instrumentos disponíveis para a criação de jardins comunitários, prática crescente em nossas cidades do Século XXI, seja aqui no Brasil ou em outra metrópole do exterior. Podemos dizer que o reconhecimento da questão dos jardins como espaço lúdico está diretamente ligado ao fato de serem percebidos de forma integral. Sua essência na natureza

passa

identidade

do

a

estar

conectada

território

que

também

ocupa,

ao

universo

agregando,

assim,

da a

questão histórico-cultural que sua preservação necessita. Como tudo

na

natureza,

renovação

e

os

jardins

deterioração.

possuem

Porém,

no

um

intenso caso

dos

ciclo

de

jardins

comunitários, a intenção passa a ser preservar o espaço de uma determinada forma contínua na inter-relação entre vizinhos e visitantes. exigem

Por isso, o desafio dos jardins comunitários que

medidas

comprometidas

de

todos

com

sua

manutenção,

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

252


REVISTA

APOTHEKE planejamento e manejo. Há também uma nova história surgindo aqui.

253

Imagem 2

Uma bela experiência botânica pode ser evocada no jogo infantil (Imagem 2): - Que é mais doce que o pé de batata doce? O pé de batata doce plantado por moradores na Rua Icaraí se

espalhava

em

ondas

verdes,

inundando

todo

o

platô

e

continha outra experiência doce: O jogo de amarelinha começou a fazer parte das brincadeiras diárias e, nesta escadaria, uma pequena praça começou a ressurgir. Como último plano nesta paisagem de afetos, pés de feijão, milho, capim limão, couve e chuchu se sucederam na conformação de um campo de experiências comuns.

III - Vida de pesquisador: sistematizando uma contribuição científica na formação de educadores ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE O que sustenta a realização das práticas transformadoras as

quais

nos

referimos?

São

seis

as

noções-chave

que

consideramos, nos ajudam a pensar como fazer pesquisa, como construir

conhecimento

sobre

a

realidade

e,

especialmente,

como agir no sentido de realizar práticas transformadoras. No trabalho em desenvolvimento, a ficção da arte e a verificação científica são ambas válidas. A imaginação e a realidade se mesclam,

implicam-se

mutuamente.

absorvida

nestes

sentidos,

dois

Qualquer

como

experiência

ciência

e

como

é

arte,

entendida como dois lados da vida, sendo estes um só. Nesse sentido, ambas, ciência e arte, comprometem-se no envolvimento com a comunidade de moradores da Rua Icaraí, na Zona Buraco Quente, na Mangueira, Rio de Janeiro. Um pequeno jardim, como projeto

coletivo,

é

ensejado

envolvendo

a

Creche

Municipal

Nação Mangueirense. Na entrada da escola, o espaço “entre”, estabelecido como lugar mediador entre escola, comunidade e universidade. A

254

primeira

noção-chave,

mencionada,

é

a

desierarquização de saberes, onde vale a palavra de todos. A pesquisa e a prática relacional a ela atrelada – são traduções do desconforto interno do que queremos ver transformado: a supremacia de algum tipo de saber sobre outro. O que fazer de tanta sabedoria e conhecimento daqueles com quem trabalhamos – os

participantes

humanos)

e

sua

dos

projetos,

presença

os

sujeitos

filtrada

pelos

(humanos

e

relatos

não dos

pesquisadores – e que não estão contemplados na academia? Como é possível ignorar seu modo de lidar com a natureza, de cuidar da saúde, de explicar o céu, a terra, o mar? Como, abandonando algum

modismo

pedagógico,

poderíamos

considerar

a

noção

segundo a qual educar é partir do conhecimento já vivido para elevar esse patamar de conhecimento sobre a realidade até o conhecimento científico? Acreditamos que há nexos, conexões, pontes, elementos de travessia que possibilitam contato entre ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE universos

cognitivos;

tradicionais/populares

promover e

diálogos

saberes

entre

científicos

saberes

nos

permite

afirmar que vivemos em um mesmo mundo comum. O que de um conjunto de conhecimentos ressoa no outro? Há uma circularidade, como não reconhecer?! (BRANQUINHO, 2007) Mas, para além deste reconhecimento e da importância que o conhecimento tradicional tem para alguns setores e espaços da vida

de

todos

-

vida

acadêmica

ou

não

-

ainda

é

preciso

colaborar para a admissão dessa circularidade e importância desse conhecimento não científico na academia. Afinal, quais noções podem ser reunidas, no fazer da pesquisa e da docência em arte e em ciência, para fortalecer o argumento definitivo sobre o fato das diferenças que existem entre saberes, por si só, não justificarem hierarquização? Esse argumento precisa ser forte, ser sólido e precisa falar

a

linguagem

da

ciência,

passando

por

dentro

dela,

utilizando seus próprios elementos e sua lógica. Quando LeviStrauss

(1989)

escreve

“O

pensamento

selvagem”

afirma

que

mesmo os grupos que não tem a ciência como instrumento de leitura

do

mundo,

tal

como

a

conhecemos

hoje,

possuem

um

conhecimento que tem valor: a ciência do concreto. Afinal, para Levi-Strauss (Op. Cit), o processo de classificar está na base de todo pensamento. Mas, algo de “selvagem” ainda estava presente, assim, ainda não nos sentimos convencidos. Quando Latour

(1994)

publica

“Jamais

fomos

modernos:

ensaio

de

antropologia simétrica”, algo ressoa um pouco mais definitivo para a reunião de algumas noções que nos ajudam a construir o argumento da desierarquização entre saberes, tão cara para os diálogos

entre

a

ciência

e

a

arte.

Tais

noções,

ao

mesmo

tempo, estranhas e familiares podem ajudar na compreensão do mundo comum a todos nós, que parece partido, pouco inteligível quando se trata de olhar para redes de saberes que trançam visão de mundo e modos de vida e trabalho. Com elas, passamos ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

255


REVISTA

APOTHEKE a operar no universo das plantas e dos saberes que nelas se investem. Com as ferramentas desse referencial teórico, onde se

destaca

desdobra

Latour

sobre

(Op.

o

Cit),

a

teoria

conhecimento

em

ator-rede,

termos

que

se

completamente

práticos. Uma segunda noção que nos convoca a ser pensada é a noção de

tempo.

Assim

como

encontramos

na

negação

do

moderno

(LATOUR, Op. Cit). Um grupo de dança e canto de Capivari, Vale do

Jequitinhonha,

é

exemplo

vivo

disso,

quando,

em

uma

apresentação, a dirigente informa o nome do grupo e o explica: Quatro gerações, não porque existimos há quatro gerações… nem sei há quantas gerações fazemos esse trabalho! Quatro gerações, porque temos sempre no palco crianças, jovens, adultos e idosos cantando e dançando a nossa arte!

Assim se produzem as esculturas na terra já mencionadas no Jardim do Nêgo, aonde, nas palavras de Conduru (Op. Cit., s/p), no imaginário dominado pelo artista, confluem diversos tempos e culturas, estando presentes desde temas sacros (o presépio) até motivos profanos (a nega fulô), desde problemas contemporâneos e locais (os retirantes) até questões ancestrais e universais (a mulher e a serpente, entre outros seres e animais).

Essa mesma ideia está no Almanaque Toda Oficina da Vida, escrito por Nogueira (2008), quando ela nos diz que nem sempre se registrou o tempo como hoje, e complementa Latour (Op. Cit., p. 32): Tal fato reitera a universalidade da condição humana que busca grandes referências – recortes de tempo – que possam integrar diversos grupos sociais em um movimento de aproximação que, simultaneamente, resguarde as marcas de suas especificidades…

Os saberes sobre as plantas medicinais (BRANQUINHO, 2007) também

revela

a

possibilidade

de

assumir

a

mesma

postura

diante do tempo quando buscamos o que ressoa da fala de uma erveira na fala de uma pesquisadora do campo da botânica. Quando

perguntada

sobre

como

ela

sabe

se

uma

planta

é

medicinal, a erveira afirma: “Todas elas curam algo... se não prestamos atenção nelas, não sabemos para que serve”... E, a pesquisadora identificar

diz: para

“nossa que

tecnologia

serve

seu

ainda

principio

não

nos

ativo,

permitiu mas

toda

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

256


REVISTA

APOTHEKE planta é medicinal em si mesma, nós é que ainda não sabemos”. No ensaio sobre a ciência das qualidades, Capra (2011, p.43) destaca uma expressão explicita dessa visão sobre o que é conhecer, presente em Leonardo Da Vinci: As virtudes das ervas, das pedras e das plantas não existem porque os homens não as tenham conhecido (...). Mas, diremos que essas ervas permanecem nobres em si mesmas sem a ajuda das línguas e das letras humanas.

A postura epistemológica que rejeita a noção de tempo como seta irreversível – progresso ou decadência – tem uma consequência Stengers

sobre

(2013),

no

a

pesquisa, livro

“Uma

sobre

o

ato

outra

ciência

de

pesquisar.

é

possível”,

sugere uma reflexão sobre o tempo da pesquisa, traz a noção de uma desaceleração da ciência, pede para irmos mais devagar, um mais devagar teórico, tal e qual nos lembra Nogueira (Op. Cit.), na obra já citada, sobre a postura do sertanejo - que combina

real

e

imaginário,

razão

e

desrazão,

natureza

e

cultura, em um exercício estranho e contundente de conexão de saberes e interdependência de noções. Seus estudos indicam que é

preciso

observar

construirmos

um

mais,

perceber

conhecimento

sobre

mais, a

hesitar

realidade

mais que

ao nos

interessa compreender. Essa terceira noção - de desaceleração - não é, assim, apenas temporal. Isso significa dizer que os grupos

de

pesquisa

devem

ser

experimentais:

seus

objetivos

existem mas de forma difusa, permitindo que as coisas vão surgindo a partir de observação bastante atenta, intensa. Mol (2005) chama isso de política ontológica: tal política tira o pesquisador do lugar daquele que sabe e ele passa a se sentar no lugar de experimentador, do que não tem pressa, do que não queima etapas, não está preocupado com as metas que tem que atingir; o pesquisador vai para o lugar daquele que não deixa que os fatos o levem tão rapidamente para uma conclusão. Nessa situação, a proposta de verdade científica está à frente, é uma possibilidade, não há garantia de que vai dar certo.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

257


REVISTA

APOTHEKE Assim,

a

teoria

ator-rede,

como

ferramenta

prática,

indica a quarta noção: que é preciso ser experimental; buscar, tentar, observar, e a realidade estudada vai emergindo por meio

das

mediações

e

processos

que

vamos

identificando

ao

seguir os atores do cotidiano, nos processos, nas ações que praticam,

naquilo

que

“fazem-fazer”.

Tais

reflexões

nos

levaram a compreender uma questão que está bem formulada no estudo

intitulado

Latour(2012). palavra

“Reagregando

Afinal,

“social”

o

que

quando

é

o

Social”

social?

associada

O

às

escrito

que

por

significa

expressões

a

“fator

social”, “contexto social”, “psicologia social”? Esse “social” explica alguma coisa? No âmbito da teoria ator rede, não. Social é o que precisa ser explicado. Na prática da pesquisa, o que isso significa? Significa abordar o social mais com perguntas/questões

do

que

com

categorias

prontas

(quarta

noção), um pouco às avessas, um pouco no feminino, como Manoel de

Barros

(2003,

p.09)

faz

ao

escrever,

por

exemplo,

O

Apanhador de Desperdícios: Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que as dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso.

Gostaríamos

de

sublinhar

algo

sobre

a

construção

do

conhecimento sobre a realidade que defendemos nesse artigo: ter

menos

certezas,

menos

hipóteses,

antecipar

menos

os

resultados não significa deixar de ser ético ou ser descuidado com a metodologia da pesquisa. Apenas, o que queremos dizer, é que o excesso de conhecimento prévio atrapalha a pesquisa. Se antecipamos

tudo

o

que

pode

ser

visto,

tiramos

o

sabor,

inviabilizamos a investigação. Por isso, é saudável para o processo de construção de conhecimento sobre a realidade, não determinar, a priori, como as coisas devem ser. Afinal, esse ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

258


REVISTA

APOTHEKE lugar determinado a priori é um lugar de oposição entre visões de mundo – justo do que nós aqui queremos escapar. Então, na prática, qual é a estratégia para explicar o social, esse nosso mundo comum e reconhecer os diálogos nas diferenças? A

teoria

ator-rede

diz

“Siga

os

atores,

descreva

as

associações”. E, nós aprendemos que isso é tão simples quanto difícil e poderoso, pois implica considerar o papel dos não humanos,

considerar

associações,

que

produzem

eles

têm

associações;

agências,

isso

é

provocam

muito

poderoso:

traduz o que Boff (2009) nos explica e define como “crise ecológica” e que permite compreender a Terra como sujeito para além de objeto explorado tal como são os pobres, sujeitosobjetos.

A

emblemática

noção da

de

crise

crise

do

ecológica

paradigma

de

Boff

ocidental

(Op. de

cit.)

é

influência

platônica e que nos desafia a superar os abismos dualistas de toda

ordem:

natureza-cultura,

conceitos-contextos,

corpo-alma,

fatos-valores,

racional-sensível,

ciência-arte.

Dentre

as

noções que queremos compartilhar, essa é mais uma, portanto, que nos ajuda a construir o argumento sobre a existência do que ressoa do saber tradicional/popular no saber científico e vice versa, argumento que fortalece a não-hierarquização entre eles.

Como

nos

propõe

Alves

(2010)

ao

discorrer

sobre

as

razões da pesquisa nos/dos/com os cotidianos. III.1 - Fazer ciência, fazer vida, fazer arte Revisitamos o caso de pesquisa com ceramistas fluminenses que reiteram que “a cerâmica fala numa interação silenciosa”. Mas, para interpretar e dialogar com o barro, é necessário “estar disponível”. A transformação não é somente do barro pelo homem, mas também do homem que aprende a partir desse objeto – quase-sujeito (BRANQUINHO, LACERDA, COSTA, 2013). Afinal,

as

ciências

e

as

técnicas

são

plenas

de

não

humanos imersos em nossa vida comum; do celular, que parece ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

259


REVISTA

APOTHEKE alterar

as

distância,

noções mostra

de

tempo

algo

e

de

espaço; nós

ao

mesmos.

satélite Do

que,

à

dispositivo

hospitalar que mantém a vida no limite ao DNA que indica a paternidade de uma criança (e que o faz no lugar da mãe, antes o ser mais autorizado para indicar quem é esse pai…). Trata-se assim de uma ferramenta poderosa por fazer pensar que uma parte da nossa humanidade é feita da inumanidade dos objetos tal e qual acontece nas sociedades que não possuem a ciência como instrumento de leitura do mundo, um pouco na contra mão do que sugeriu Levi-Strauss (1989). Não são os outros – os donos do pensamento selvagem – que se equiparam a nós por terem um tipo de ciência, a ciência do concreto, porque a capacidade de classificar está na base de todo pensamento. Somos nós que, apesar da ciência tentar separar o objeto do sujeito, a natureza da cultura, permanecemos misturando-os. Considerando que essa interdependência é ontológica, essa noção

nos

ajuda

a

pensar

um

mundo

mais

democrático.

Concordarmos com a noção segundo a qual a possibilidade do fim da guerra no mundo pode estar associada ao fim da guerra de mundos, como a que é travada entre o mundo da Ciência e o mundo dos saberes tradicionais. Quem sabe, não poderemos ir substituindo a noção de conflito pela de controvérsia, bem mais lúdica, construtiva e espontânea? Temos cientifica

que e

“primitivas”,

reconhecer, técnica somos

tecidos

portanto, tal na

como

que

nós

as

sociedades

heterogeneidade

sociedade ditas

humano-não-

humano e, diante dessa noção de interdependência, refazemos a pergunta: o que é humano? O que conta como humano? E o que isso conta na nossa humanidade? Essas são, sim, perguntas que nos ajudam a pensar a composição de um mundo comum a todos, mais democrático. É diante dessa noção de interdependência que afirmamos que as plantas, que os jardins nos humanizam.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

260


REVISTA

APOTHEKE Saramago entre

(2005,

humano

e

p.152-53)

não-humano,

traduz

a

indissociabilidade

brilhantemente,

em

A

Caverna,

quando na fala de Cipriano Algor, nos diz: Ia medir-se com o barro, levantar os pesos e os alteres de um reaprender novo, refazer a mão entorpecida, modelar umas quantas figuras de ensaio que não sejam declaradamente, nem bobos nem palhaços, nem esquimós, nem enfermeiras, nem assírios nem mandarins, figuras de qualquer pessoa, homem ou mulher, jovem ou velha, olhando-as pudesse dizer, Parecem-se comigo. E talvez que uma dessas pessoas, mulher ou homem, velha ou jovem, pelo gosto e talvez a vaidade de levar para casa uma representação tão fiel da imagem que de si própria tem, venha à olaria e pergunte a Cipriano Algor quanto custa aquela figura de além, e Cipriano Algor dirá que essa não está para venda, e a pessoa perguntará o porquê, e ele responderá, Porque sou eu.

Isso

significa

dizer

que,

com

esses

operadores

cognitivos, confirmamos o que autores de diferentes matizes teóricos dizem sobre o fato da nossa sociedade científica e técnica

não

se

encaixar

na

dicotomia

natureza-sociedade.

Praticamos o duvidar das fronteiras e hierarquias, a revisão da noção de tempo, a observação da realidade bem devagar, degustando-a,

seguindo

os

atores

que

fazem-fazer,

sem

categorias prévias, – independentemente se são humanos ou não –; ou seja, redesenhando as fronteiras entre humano e não humano: podem

esses

são

contribuir

dicotomias

procedimentos para

do

natural/sobrenatural, popular/cientifico, vida/não

vida,

desfazer

nosso

teórico-metodológicos como

absolutas

cotidiano:

ciência/arte…

e

nos

outras

corpo/alma,

racional/sensível, sagrado/profano,

que

fato/contexto, ocidente/oriente,

ajudar

a

substituir

conflitos, às vezes corporais, por controvérsias, prazerosas conversas. No

fim

de

tudo,

um

grande

aprendizado

político:

aceitamos o convite transgressor de Manoel de Barros (1996), quando nos diz que “é preciso transver o mundo”. O resultado dessa transgressão diz que faz sentido formular a questão: será que humano em nossa sociedade científica e técnica não pode

ser

o

efeito

dessa

heterogeneidade?

Provisório,

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

261


REVISTA

APOTHEKE inconstante,

incerto,

indeterminado,

híbrido.

Será

que,

-

assumindo esses procedimentos de pesquisa -, não ajudamos a ciência a se reapresentar diferente frente aos outros saberes? Será

que

isso

nos

ajuda

a

construir

práticas

educativas

transformadoras? A

escolha

pela

postura

epistemológica

descrita

nesse

artigo é eminentemente política. Há, para nós, mais uma razão para a teoria ator-rede ser tão poderosa para nos ajudar a defender a desierarquização entre saberes. Está presente uma pegada da pesquisa, trazida nos anos 80, por Mol (2005), por Haraway(2003), que é a questão do cuidado, o modo como se constrói o olhar, pesquisa que se faz pela proximidade, pelo vínculo e não pelo distanciamento, pensando a pesquisa que se faz “com” e não “sobre” o outro... Não é assim tão evidente o que está incluído nesse com. Do que ele é tecido? É preciso hesitar, ir devagar. E, talvez aceitar mais um

convite de

Manoel de Barros (1996, p.73), quando diz no texto Livro sobre nada: Os outros: o melhor de mim, sou eles! Esse enfoque antropológico - o que o Outro mostra de mim? - associado à noção de cuidado, ao pesquisar com e não sobre o Outro

é

muito

característico

capturar

a

complexidade,

um

de

olhar

um

olhar

grande

em

que

pretende

generosidade,

percepção, sensibilidade e cuidado com aquilo que se estuda. Sabemos

que

trazer

esse

tipo

de

narrativa

para

o

espaço

acadêmico também é fato político, já que nossos relatos também são

desafios,

campo

de

experimentação.

O

relato

científico

também reverbera na rede, também é parceria, também é ator. Afinal, isso que chamamos de mundo são versões, a pesquisa também

produz

mundos.

Assim

é

que

se

aproxima

Suscitamos então, pela imagem 3, a indagação:

-

da

arte.

Ah... O que o

sorriso da jovem pesquisadora pode validar?

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

262


REVISTA

APOTHEKE

Imagem 3 - Arquivo da Pequisa

IV - Reflexões finais - troca de saberes e produção de espaços relacionais: Em nosso projeto, as atividades se disseminam por nova frente: neste momento estamos iniciando um pequeno "berçário" de plantas medicinais no Centro Social da Candelária, nova zona a ser dinamizada na Mangueira. Ali nos localizamos na “Praça dos Idosos”, em oficinas de argila, crianças e idosos vão interagindo nesta nova plataforma de criação. Esperando seguir com a dispersão desses focos de ação em que ciência e arte se entrelaçam na defesa da vida. Pouco a pouco, lidando com

espaços

de

convivência,

aprofundando,

expandindo-os.

Crianças e idosos interagindo em uma nova frente de ação. Esperando seguir com a dispersão desses focos de ação em que ciência e arte se entrelaçam na defesa da vida. Pouco a pouco, lidando com espaços de compartilhamento. Nesse território onde as formas se equivalem (GROYS, 2008) e se somam em um projeto maior, indeterminado e efêmero - nessa equidade em que não se homogeneízam, mas se colocam em valores contíguos através da relação;

ali

onde

todos

podem

encontrar

o

seu

modo

pertencimento.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

de

263


REVISTA

APOTHEKE Cercados pela violência, seja policial, seja do tráfico, vamos ocupando com a força neutra e fecunda dos canteiros e discutindo

ambiente,

saúde,

beleza.

O

jardim

inaugura

um

espaço de contemplação de nós mesmos, é uma fresta de vida, onde

a

vigência

da

natureza

se

instala

no

interior

da

comunidade. Ali se busca fortalecer, eminentemente, um espaço de

convivência,

de

jogo

ou

repouso.

Um

campo

de

práticas

artísticas e científicas integradas para afirmar o estado de liberdade. Estamos a produzir o Jardim da Tia Neuma como um mundominiatura(CAUQUELIN, 2007); nosso pequeno universo (alma do mundo) que habita este jardim onde, quem sabe, terá lugar para um plano de recomeço de vida, de retomada do existir, uma vida voltada para o nosso próprio bem-estar; um mundo mais que plural, comum. Uma pequenina porção do Paraíso - espaço da Utopia - Utopos - que é para nós esse lugar sem regra, sem dono,

sem

divisões

e

sem

a

“árvore

do

saber”.

Temos

as

conversas sobre o capim radicante, rasteiro, e seus grilos, que

aprendemos

abóboras

e

a

todas

respeitar. as

forças

Temos

as

que

nos

batatas

doces

conseguem

e

as

conjugar.

Recolhemos as sementes do milho que vamos plantar em julho e esperar

o

ano

virar.

E,

depois,

quando

o

sol

estourar

no

próximo verão, ir colher as narrativas deste processo. BIBLIOGRAFIA ALVES, Nilda. Sobre as razões das pesquisas nos/dos/com os cotidianos. In: Garcia, RL, organizadora. Diálogos cotidianos. Petrópolis/RJ: DP et Alii/FAPERJ; 2010. p.67-82. ALVES, Daniele. ROCHA, Luisa. Jardins Históricos da Chácara da Hera: Um espaço de relações e experiências. In: 3º Colóquio Ibero-Americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto. Belo Horizonte, 2014. Disponível em: <http://www.forumpatrimonio.com.br/paisagem2014/artigos/pdf/18 4.pdf>. Acesso em: 10 out. 2015. AUGÉ, Marc. O Antropólogo e o mundo global. Petrópolis, Editora Vozes, 2014. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

264


REVISTA

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265


REVISTA

APOTHEKE <http://www.revistas.udesc.br/index.php/palindromo/article/vie w/3452>.Acesso em: 30 nov. 2015. ____________. O CÍRCULO - Ativando a produção plástica feminina na Via UERJ/Mangueira. In ANAIS IXX ANPAP. Cachoeira, UFCA, 2010. GROYS, Boris. Art Power. Cambridge, The MIT Press, 2008. HARAWAY, D.J. The companion species manifesto: dogs, people and significant otherness. Chicago: III Bristol Paradigm, University Presses Marketing; 2003. HARLAN, Volker. A Planta como arquétipo da Teoria da Plasticidade. in Beuys, Joseph. A Revolução somos nós. São Paulo, SESC, 2010. LATOUR, B. Reagregando o social: uma contribuição à teoria ator-rede. Salvador: Edufba; 2012. LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34; 1994. LEVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. Campinas, SP: Papirus, 1989. MATURANA, Humberto e VERDEN-ZOLLER, Gerda. Amar e Brincar – Fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Atenas, 2009. MOL, A. The body multiple: ontology in medical practice. Duham and London: Duke University Press; 2005. NOGUEIRA, M.A.L. Almanaque: toda oficina da vida. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife; 2008. PANZINI, Franco. Projetar a natureza. São Paulo, SENAC, 2013. SARAMAGO, J. A caverna. São Paulo: Companhia das Letras; 2000. STENGERS, Isabelle. Une autre science est possible! Empêcheurs de penser en rond/La Découverte, 2013. MOL, A. The body multiple: ontology in medical practice. Duham andLondon: Duke University Press; 2005. NOGUEIRA, M.A.L. Almanaque: toda oficina da vida. Recife: Fundação deCultura da Cidade do Recife; 2008. PANZINI, Franco. Projetar a natureza. São Paulo, SENAC, 2013. SARAMAGO, J. A caverna. São Paulo: Companhia das Letras; 2000.

Fátima Branquinho - Graduada em Licenciatura em Biologia/Uerj, com Mestrado em Educação/IESAE-FGV e Doutorado em Ciências Sociais/Unicamp. É Profa Associada da Faculdade de Educação e do Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente da Uerj. Coordena projetos de extensão e de pesquisa com apoio FAPERJ/Cientista do Nosso Estado. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE Fátima Kzam - Graduada em Licenciatura em Química e Engenharia Química, com Mestrado em Tecnologia de Processos Bioquímicos e Doutorado em Ciências do Meio Ambiente. É Profa Adjunta do Instituto de Química da UERJ atuando nos seguintes temas: educação em ciências, educação ambiental, formação de professores. Pós-Doutoranda do PROPED/UERJ. Isabela Frade - artista e educadora, professora associada do Instituto de Artes da UERJ. Líder do GP- CNPQ Observatório de Comunicação Estética e coordenadora do projeto Terra Doce; tem pesquisado arte pública, espaços relacionais e formas de saberes comunais. É PROCIENTISTA FAPERJ. Daniele Alves - arte educadora e museóloga. Doutoranda em artes do PPGARTES/UERJ, membro do Grupo de Pesquisa Observatório de Comunicação Estética. Bolsista FAPERJ.

267

[1]

Tia Neuma, Neuma Gonçalves da Silva, mesmo depois de sua morte, em 2000, com a idade de 78 anos, é figura de referência como matriarca mangueirense e ainda muito querida, pois fez muito pela comunidade: abriu duas creches e uma escola ainda em funcionamento. O chamado de “Tia” substitui o “Dona” que muitas senhoras recebem entre eles pela sua atitude carinhosa e protetora. Além de pessoa bondosa e prestativa, era festeira: foi fundadora da ala das baianas na escola de samba.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE

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NOTAS SOBRE EXPERIÊNCIA ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE Apontamentos e paralelos entre dois textos: "Ter uma experiência" de John Dewey e "Notas sobre a experiência e o saber sobre experiência" de Jorge Larrosa Bondía Daniela Almeida Moreira Esse texto propõe traçar

um

paralelo de observações e

destaques referentes a proposição teórica sobre o conceito de experiência apresentada por Larrosa e Dewey. A partir da reflexão do presente referencial teórico o objetivo é realizar um exercício de síntese sobre o que constitui o fenômeno da experiência e sua importância para o estudo da pintura.

A reflexão sobre o conceito de "experiência" pode partir do

significado

da

palavra

fenômeno.

O

dicionário

Aulete

apresenta um verbete com o significado e acepções referente a essa

palavra.

desencadeado

O

na

fenômeno

é

um

fato,

acontecimento

forma de processo passível de

observação,

seja advindo da natureza ou de ordem social, que tem caráter raro e extraordinário. Iniciar proposto

por

a

reflexão Larrosa

sobre

e

Dewey

o

sentido

de

"experiência"

a partir do significado do

"fenômeno" é importante para o distanciamento das possíveis pré-concepções e repertório de referências pessoais que cada um dispõe a respeito do conceito. Sendo assim, entende-se a "experiência" como um evento com dinâmica própria e qualidade excepcional. Dewey

(2010.

experiência" atrelada

a

como vida

p.

109; uma

capaz

110)

inicia

ocorrência de

produz

a

que

reflexão tem

intenção

sobre

"

continuidade e

consciência

sobre o fato ocorrido. As "experiências" podem ser ordinárias e singulares que se distinguem

da realização de algo que

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE conclui

e

do

encerra.

evento

Larrosa

"experiência"

autossuficiente

(2002.

como

algo

p.

que

que

21)

sucede

cessa

parte e

e

da

tem

não

se

ideia

efeito

de

sobre

o

indivíduo. Faz a diferenciação entre a "experiência" fruto dos

acontecimentos

diários

e

aquela

que

se

configura

em

acontecimento que incide e nos afeta. Entender diárias

do

propriedade

a

diferença

indivíduo o

da

é

conceito

qualidade

das

importante

para

apresentado

do

experiências

compreender ponto

de

com vista

dos autores. Portanto, são muitos os eventos no nosso cotidiano mas alguns são eventos singulares que produzem uma suspensão em relação (2010. como

ao p.

um

repleto

plano 111)

A

das

coisas

experiência

ordinárias. singular

"ela

memorial duradouro (...)". O de

acontecimentos

mas

alguns

Segundo Dewey se

destaca

nosso dia a dia é exercem

atração

sob

nossos sentidos e sensibilidade.

270

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção (...) requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar (...). (LARROSA, 2002. p. 24) São

duas

perspectivas

do

conceito

apontadas

pelos

autores. Um ponto de vista, situa a experiência como evento de qualidades peculiares diferenciadas em relação aos outros eventos e o outro ponto de vista, situa a experiência acontecimentos

entre

que se destacam por impactar nossos sentidos

para aquilo que nos sucede. É importante também compreender os impedimentos para o acontecimento de experiências particulares e significativas ao indivíduo. Para Dewey (2010. p. 117) os fatores monotonia, abstinência, submissão e estreiteza das convenções impedem a experiência de experiência

atingir tem

sua

movimento

unidade,

uma

gradativo

em

vez direção

que, a

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

a sua


REVISTA

APOTHEKE cessação. Segundo Larrosa (2002) os fatores que cooperam para que a experiência seja cada vez mais rara é o excesso de informação, de opinião, de trabalho e falta de tempo. Esses quatro

elementos

indivíduo

produzem

convencido

de

a sua

agitação

e

capacidade

a

aceleração

do

de

controlar

os

eventos a sua volta. O sujeito moderno, além de ser um sujeito informado que opina, além de estar permanentemente agitado e em movimento, é um ser que trabalha, quer dizer, que pretende conformar o mundo, tanto o mundo “natural” quanto o mundo “social” e “humano”, tanto a “natureza externa” quanto a “natureza interna”, segundo seu saber, seu poder e sua vontade. (LARROSA, 2002. p.24) A partir dessas pontuações, esse texto tem sua continuidade com

ponderações

sobre

a

importância

do

conceito

de

"experiência" para o estudo pessoal da pintura. Nesse texto o estudo da pintura é entendido como o desenvolvimento de um processo pesquisa,

onde a

se

identifica

elaboração

da

o

objeto

de

construção

da

interesse paleta

para e

da

composição do plano pictórico. O desenvolvimento do trabalho requer a maturação de proposições e também de procedimentos de execução. Entende-se que a constituição metodológica do estudo e de

do

trabalho

consolida

uma

pintura

com

força

sua expressão.

A ideia de força se refere a potência do impulso criador e a relação da proposição com a vida.

Esse diálogo

permite a

apropriação da qualidade da experiência para o trabalho de pintura seja ele biográfico ou não biográfico. A compreensão do conceito de experiência serve como subsídio para reflexão sobre os elementos com potencial de se tornarem objeto de estudo da pintura. O

exercício

de

estabelecer

pontos

de

contato

entre

a

experiência e a pintura é uma construção complexa. A pintura ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

271


REVISTA

APOTHEKE que

é

fruto

de

um

processo

de

maturação

reflexiva

metodológica não está atrelada a justificativas e não depende de

artifícios

evidente

e

para

explicar

pulsante.

experiência

segue

A

o

sua

força

que

relação

entre

a

processo

de

deveria pintura

construção

da

ser e

a

imagem

resultado do que evocou e suscitou durante o ato da criação. Outro aspecto relevante a ser destacado são os fatores que tornam a experiência evento raro em nosso cotidiano. Podemos pensar que as experiências insípida reproduzem uma percepção desatenta pouco sensível a observação. No que se refere ao automatismo

do

indivíduo

e

sua

intenção

de

controle

dos

fatores ao seu redor, isso implica em um tipo de estudo de pintura voltado para o desenvolvimento da técnica por si só visando o resultado ou produto final. No entanto a pintura não é objeto que se exerce controle, o acidente é apropriado e toma parte significativa do processo de criação. Existe um processo de criação que envolve um projeto metodológico mas não podemos negar a espontaneidade, que deve ter "intenção e consciência",

segundo

a

experiência

do

ponto

de

vista

de

Dewey. A conclusão desse texto a partir das breves considerações feitas sobre o

conceito de experiência é a relevância da

questão para o desenvolvimento pessoal do estudo da pintura baseado

na

construção

de

um

processo

metodológico

de

trabalho em diálogo com a vida segundo Dewey e Larrosa. Referências BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação. N. 19. 2002. DEWEY, John. Arte como São Paulo: Martins Fontes, 2010.

experiência.Tradução

Vera

Ribeiro.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

272


REVISTA

APOTHEKE Dicionário Aulete. Disponível <<http://www.aulete.com.br/fen%C3%B4meno>>. Acesso 20.08.2015.

em: em:

Daniela Almeida Moreira http://lattes.cnpq.br/2808921945912808

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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE

GRUPO DE ESTUDOS DE PINTURA APOTHEKE ESCRITOS SOBRE A EXPERIÊNCIA Marta Facco Todos

nós,

enquanto

seres

humanos,

possuímos

experiências, porque nos relacionamos e interagimos com as pessoas

e

sensações,

o

ambiente

emoções,

onde

momentos

nos e

inserimos.

Vivenciamos

acontecimentos,

que

muitas

vezes causam marcas verdadeiramente duradouras e, quem sabe, eternas. Instantes que são capazes de mudar o sentido de tudo, do modo como enxergamos o mundo, os outros e até os objetos ao nosso redor. São capazes de trazerem significações tamanhas

que

suportam

abrirem

recortes

na

paisagem

da

memória, congelarem o tempo por instantes, e nos avassalarem o

presente.

passam vividas,

Muitas

pelo sem

vezes

caminho a

da

essas

experiências

experimentação

consciência,

percepção

e/ou e

reais

apenas

experiências

acepção

do

ato,

porque todos os dias vivemos experiências reais, de carácter rítmico particular e de qualidades diferenciadas para cada um, pois somos seres únicos. A contraponto a todas essas experiência ditas reais, está a ‘experiência singular’ citada por John Dewey, que é única e impossível

de

ser

vivida

e

sentida

igualmente

por

outra

pessoa que se submeta a fazer o mesmo processo, pois sempre será diferente para cada um. Em uma experiência singular o fluxo sempre irá de algo para algo, assim sempre teremos um começo e um fim, onde a conclusão é uma consumação e nunca uma cessação, e o percurso é o ponto mais importante desta experiência. Vejamos:

se

a

experiência

é

o

que

nos

acontece,

nos

atravessa e nos toca, nós somos o território de passagem ou o espaço

onde

os

acontecimentos

se

sucedem.

Assim,

para

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE tornarmos

esses

acontecimentos

experiências

ímpares,

precisamos estar abertos e suscetíveis ao desconhecido, ao novo, ao perigo, e conscientes das circunstâncias que nos interferem. Precisamos perceber compreender e interpretar o efeito

deste

contato

epistêmico

direto

e

suas

potências.

Digamos que seria olhar sobre o ponto de vista do corpo vibrátil, o que nos acontece entre o mundo e o corpo. Durante

a

experiência

singular,

não

vazios

de

acontecimentos, buracos, fendas ou mesmo cessamentos, pois isso não acontece dentro do corpo vibrátil, o que ocorre são pausas,

lugares

de

repousos,

respiros,

intervalos

que

auxiliam na pontuação e definição da qualidade do movimento; pois a aceleração contínua impediria a distinção entre as partes. Atendo-me um pouco mais ao intervalo onde todo o processo ocorre, entre o começo e o fim, especulo sobre o que seria uma

experiência

qualidade

estética,

estética,

que

ou

melhor,

para

as

uma

experiência

artes

em

geral

com é

o

diferencial para um possível trabalho artístico de qualidade. Na experiência do pensar tem sua própria qualidade estética e se

difere

das

outras

experiências

por

ser

construída

de

palavras, porque somos construídos de palavras e pensamos com palavras. Palavras produzem sentidos, criam realidades, dão sentido ao que somos e ao que nos acontece, e às vezes, funcionam

como

potentes

mecanismos

de

subjetivação.

Mesmo

assim, apenas manifestam-se no âmbito do pensar, podendo ter conclusões intelectuais por si só, que consistem em sinais e símbolos sem qualidade intrínseca própria, mas que podem ser qualitativamente vivenciadas. Já a experiência estética criase

da

percepção,

acontecimentos

que

interpretação vão

surgindo

e

durante

compreensão o

processo

dos e

o

cuidado que se tem com essas informações, condições essas, que tem papel fundamental atingir o corpo vibrátil. ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE Mas o que move uma experiência artística? Arrisco-me em mencionar a ‘falta’. Essa busca incessante pelo desejo movida pelas emoções e afetividades armazenadas no corpo vibrátil, pois quando significativas, são qualidades importantes de uma experiência complexa e singular.

As emoções não fazem parte

da regra para ter-se uma experiência estética, mas podem ser um dispositivo propulsor para que se tenha uma experiência verdadeiramente

significativa.

Lembro-me

claramente

a

primeira vez em que estive no Masp (Museu de Arte de São Paulo) em 1997. Era apenas uma estudante de graduação, estava ainda tentando entender o mundo fabuloso das Artes, quando me deparei com a obra Impressionista do pintor francês Claude Monet “Canoa sobre o Epte” de 1890. Já tinha visto dezenas de vezes nos livros, mas até então, nunca havia sentido qualquer interesse

por

ela.

Quando

parei

em

sua

frente

fiquei

hipnotizada, meu coração disparou e minhas mãos começaram a suar,

como

se

a

paixão

tivesse

me

arrebatado

naquele

instante. Percebia o movimento das pessoas passando ao meu redor,

mas

eu

estava

imóvel.

Naquele

instante

o

tempo

estagnou-se e um turbilhão de emoções me invadiu sem pedir licença

para

entrar.

Olhei

a

minha

volta

e

percebi

que

somente eu estava vendo aquilo tudo. A canoa deslizava sobre o

rio,

enquanto

duas

damas

conversavam

e

riam.

A

brisa

teimava em sacudir as plantas ali presentes e eu podia sentir ao frio que acontecia naquele instante da cena. Sentia-me mergulhada dentro dela. Cada cor, cada pincelada ali colocada se ligava a algo dentro de mim que não sabia explicar, apenas sentir. Acredito que uma experiência singular precisa ser movida pelo corpo vibrátil, e que a partir deste instante terá

qualidades

para

desenvolver-se

em

uma

experiência

estética, que não será uma regra. O que faz uma experiência ser uma experiência em arte é a união da relação e percepção entre o agir e o sofrer, entre a ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.

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REVISTA

APOTHEKE energia

de

saída

e

a

de

entrada,

entre

o

fazer

e

estar

sujeito a algo. A experiência do ato estético tem haver com consciência

e

experiência

de

está

ligada

criar,

ao

seu

apoiando-se

sentido em

estrito

à

proporções

e

equilíbrios, controlados por um senso refinado das relações entre o mundo e o corpo vibrátil. Portanto, uma experiência com

qualidade

relações

estética

qualitativas

será

um

trabalho

da

percepção,

realizado

com

compreensão

e

interpretação do material recolhido durante o processo de uma experiência singular significativa. Todos os acontecimentos advindos dessa experiência que interferem na matéria do corpo vibrátil causam relações profundas de identificação com um trabalho criativo em arte. Assim, vivenciar experiências, faz parte do estar vivo e sujeito a algo. Sejam elas experiências reais, singulares, intelectuais ou estéticas elas serão sempre importantes para proporcionarem ritmo e unidade ao trabalho, protegendo-o da monotonia

e

da

repetição.

Sua

sucessão

é

pontuada

pela

existência de intervalos que determinam a cessação de uma fase e o início de outra, e também lapida o trabalho em construção. BIBLIOGRAFIA: DEWEY, John; Arte como experiência; tradução Vera Ribeiro; São Paulo: Martins Martins Fonte, 2010. (p 109-141) BONDÍA, Jorge Larrosa; Tremores: escritos sobre experiência; tradução Cristina Antunes, João Wanderley Geraldi-

1ª. ed.,

1ª reimp.- Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. (p15-43) Marta Facco http://lattes.cnpq.br/7820911643666261

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ENSAIO VISUAL ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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QUEM SOMOS ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

Jociele Lampert Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College na Columbia University na cidade de New York como Bolsista Fulbright (2013), onde realizou estudo intitulado: ARTIST'S DIARY AND PROFESSOR'S DIARY: ROAMINGS ABOUT PAINTING EDUCATION. Doutora em Artes Visuais pela ECA/USP (2009); Mestre em Educação pela UFSM (2005). Possui Graduação em Desenho e Plástica - Bacharelado em Pintura, pela Universidade Federal de Santa Maria (2002) e Graduação em Desenho e Plástica Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Professora Adjunta na Universidade do Estado de Santa Catarina. Foi Coordenadora de Estágio CEART/UDESC (2006-2009); Foi Chefe de Departamento de Artes Visuais DAV/CEART/UDESC (2009-2011); Coordenadora do PIBID/CAPES/UDESC da área de Artes Visuais (20112015). Atua no Mestrado em Artes Visuais PPGAV/UDESC na Linha de Pesquisa de Ensino de Arte e na Graduação em Artes Visuais DAV/UDESC. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura UFSM/CNPq. Membro/Líder do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem UDESC/CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). Tem experiência na área de Artes Visuais, atuando principalmente nos seguintes temas: pintura, arte e educação, formação docente. É membro associado da ANPAP. Email: jocielelampert@uol.com.br

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REVISTA

APOTHEKE Ana Camorlinga

Adão Roberto Swatowiski Natural do Rio Grande do Sul, aeronauta aposentado, com graduação em Artes Plásticas pela UDESC. Reside em Florianópolis e dedica-se, principalmente, à pintura e desenho, explorando o veio da abstração geométrica e campos de cor.

Graduada em Letras e Literaturas (UFSC), professora, encadernadora, tradutora e achou seu prumo nas Artes. Atualmente, cursa Bacharelado em Artes Visuais (UDESC) onde descobriu os desdobramentos da pintura e, especialmente, se diverte na gama de possibilidades de foto-pintura. É bolsista Apotheke desde 2014.

288 Ana Carolina Martins Ferreira Graduanda do curso de Bacharelado em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina desde 2014 e bolsista de extensão do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, coordenado pela Profª Drª. Jociele Lampert.

Carolina Ramos Nunes Sua trajetória vai da sala aula de escolas públicas até instituições culturais. Atualmente é arte educadora da Fundação Cultural Badesc. Estar em contato com a arte e produções contemporâneas é fundamental para desenvolvimento de sua poética. Dentre as técnicas estudadas no Grupo Apotheke, a Cianotipia e Antothypia são aquelas que conversam com sua proposição sobre o vazio e o tempo de inércia na insanidade e a doença.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

Daniela Almeida Moreira

Licenciada em Artes Visuais (UDESC) e bacharel em Letras Português/Língua Brasileira de Sinais (UFSC). Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução – PGET/UFSC. Participa do Ateliê Alvéolo, da artista Zulma Borges e do grupo Chinese Brush Painting, com o mestre Henry Li. Desenvolve um processo de estudo da pintura com interesse na técnica aquarela, entre outras técnicas do desenho em grafite, giz pastel e carvão, sendo o tema "natureza morta" e "retrato", os assuntos de maior interesse para sua pesquisa. O estudo da aquarela, conduziu a busca do conhecimento sobre os princípios da pintura oriental, introduzindo os conhecimentos da técnica Sumi-ê, que tornou-se objeto de estudo em paralelo com a aquarela.

Fábio Wosniak Doutorando em Artes Visuais - PPGAV/UDESC,na linha de Ensino das Artes Visuais, sob orientação da Profª. Drª. Jociele Lampert. Licenciado em Pedagogia/Supervisão Escolar pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Faculdade de Educação (FAED/UDESC).

Denilson Cristiano Antonio

Natural de Campo Mourão/PR. Começou a desenhar muito cedo, estimulado pelo interesse em gibis, os quais costumava copiar e recriar algumas histórias. Aos 22 anos fez seu primeiro curso de Artes pela Prefeitura de Foz de Iguaçu, onde residiu desde seu primeiro ano de vida. Mudou-se para Florianópolis em 2006, onde concluiu o curso de Licenciatura em Artes Visuais, em 2014, na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). Atualmente, dedica-se à pintura, ao desenho e curadoria, este último vinculado ao trabalho que desenvolve no Museu Hassis/ Florianópolis.

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Gabi Bresola Nasceu em Joaçaba/SC e desde que ouve, vê e fala se interessa por imagens. É graduanda do curso de Licenciatura em Artes Visuais, UDESC, onde também integra a equipe da Sala de Escuta e Leitura. Tem a Editora Letras Contemporâneas, a Miríade edições, onde trabalha com imagem e texto impresso, e a Ombu Arte & Cultura, onde trabalha com audiovisual e artes visuais. Foi bolsista de extensão até 2015.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE José Rocha

Carlos

da

Artista plástico, bacharel em Artes Visuais/UDESC, 2013 e bacharel em Ciências Econômicas/UFSC, 1978, além de especialista em Administração Pública/UDESC, 1998. Participa do Projeto “Arte Educação pela pintura: produção artística do artista” e cursou, como aluno especial, a disciplina “Sobre Ser Professor Artista”, ministrada pela Profª. Drª Jociele Lampert no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/UDESC, 2014.

Kátia Speck Fotógrafa, Técnica em Informática e graduanda em Bacharelado de Artes Visuais pela UDESC. Atualmente é bolsista de Iniciação científica do projeto de pesquisa coordenado pela Profª Drª Jociele Lampert.

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Leandro Serpa Natural de Tijucas/SC, bacharel em Artes Plásticas/UDESC, com Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Marcas do Tempo, Futebol Fanáticos” (2011). Mestrando da Linha de Ensino das Artes Visuais do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - PPGAV/UDESC. Site: http://www.fanaticos.art.br/

Luciana Finco Mendonça Mestranda em Artes Visuais/UDESC, bolsista CAPES, na linha de Ensino das Artes Visuais. Graduou-se em Licenciatura Letras/UNESP e Artes Visuais/UEL. Leciona desde 2007. É integrante dos Projetos de Pesquisa “Formação de Professores de Artes Visuais: sobre o ensino/aprendizagem de pintura” e “Arte Educação pela Pintura: a produção do artista professor”, ambos coordenados pela Profª. Drª Jociele Lampert.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


REVISTA

APOTHEKE Márcia Amaral de Figueiredo Marisete M. Colbeich Formação em Licenciatura em Educação

Artística/Artes

Plásticas

em 1991 pela Faculdade de Artes do Paraná.

Especialização

Fundamentos

Estéticos

Educação

pela

Especialização

FAP/PR em

em

de

Arte

-

em

1992

e

História

da

Arte

do Século XX na EMBAP/PR no ano de 2004.

Atuou

como

professora

de

ensino de arte no ensino fundamental séries

iniciais

Municipal

de

e

finais

Ensino

de

na

Rede

Curitiba,

período de 1987 até 2014.Frequentou o ateliê permanente de escultura de 1996 até 2006, orientação

da

em Curitiba, sob a escultora

Elizabete

Titton.

Atualmente

participa

do

programa

de

no

de

Mestrado

Ensino

Natural de Cachoeira do Sul/RS, é artista visual, atua como professora efetiva no Estado de Santa Catarina e leciona no curso de Design de Interiores/FATENP. Possui bacharelado e licenciatura em Desenho e Plástica/UFSM; especialização em Mídias na Educação/FURG (2012) e Gestão Educacional/UFSM (2005). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa GEPAEC/UFSM. Tem trabalhos, principalmente, nas áreas de desenho, escultura e cerâmica. Participou de várias exposições individuais e coletivas, bem como salões de artes, tendo recebido menção honrosa no XIII Salão de Inverno de Artes Plásticas de Sant'ana do Livramento/RS,2001.

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Artes Visuais na UDESC. Osmar Yang

Marta Facco Nasceu no Rio Grande do Sul e formou-se em Artes Plásticas pela UFSM em 2001. Possui diversas exposições individuais, coletivas e participações em salões de arte no RS, PR, SC, SP, BA e Buenos Aires/ARG, com algumas premiações. Atualmente reside em Florianópolis/SC, participa do grupo de pesquisa Estúdio de Pintura Apotheke CEART/UDESC, onde interessa-se pelo sensível dos objetos.

Engenheiro Eletricista ....... de profissão, artista . plástico graduado em 2013 pelo curso de Artes Visuais da UDESC. Iniciou como autodidata até os anos 80, quando frequentou o curso da pintora Ida Hannemann de Campos na Galeria Cocaco em Curitiba. Após estadia na Europa de 1998 a 2001, onde frequentou oficinas de pintura da Volkshochschule em Munique (Alemanha), e oficina de restauração em Florença (Itália) retornou ao Brasil para Florianópolis. Frequentou ainda oficinas no CIC (Centro Integrado de Cultura) com a artista Patrícia Laus. Em 2011 teve obra selecionada para exposição na mostra de Arte Cibernética (ABCiber) no Centro de Eventos da UFSC.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE Rita Eger. Artista visual, natural de Itajaí, SC, vive e trabalha em Florianópolis, SC, Brasil. Mestre em Matemática pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Sua obra abrange pintura, desenho, instalação, bem fotografia, arte postal, a palavra e a gravura no campo expandido.

Silvia Carvalho Artista, mestranda em Artes Visuais e bacharel em Artes Plásticas, UDESC/SC; Criação e Ilustração, EPA/SP; Design de Interiores, Florianópolis/SC. Suas principais mostras são “FUTURO”, Salão Nacional de Arte Contemporânea e Novas Tecnologias, Jundiaí/SP; “Concurso de esculturas CriAção Scotch”, MuBE/SP; “Estações-pinturas ao tempo”, Espaço Lindolf Bell, Florianópolis/SC; “De dentro pra fora”, MASC, Florianópolis; 20º Salão de Arte, Pinheiros/SP; “Sob a pele”, Universidade Alanus/Alemanha & UDESC; Fundação Cultural BADESC, Florianópolis/SC. Ministra oficinas de Pintura, Desenho e Pigmentos Naturais.

Talita Esquivel Doutoranda em Artes Visuais, UNESP; Mestre em Artes Visuais/ UDESC; Especialista História e Teorias da Arte/ UEL e graduada em Educação Artística/ Artes Plásticas, UFPR. Atualmente é professora de pintura na EMBAP. É artista plástica, dedicando-se à pintura, fotografia e vídeo. Em 2009, realizou residência artística no Centro de Artes CAMAC/França. Participou de diversas exposições, dentre as quais “Arte Como Experiência”, Fundação Hassis & UDESC, 2014; “Mostra Lote 7 de Arte Contemporânea”, Fundação Hassis, 2013; “Mostra Álbum”, BADESC, 2010; “Corpo Grotesco”, Museu da Escola da UDESC, 2009; “12º Salão Nacional de Itajaí”, 2010; “CAMAC Open Studio”, Marnay-surSeine/França, 2009; “Suitcase, East Lansing e Chicago”, EUA, 2009.

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Tharciana Goulart da Silva Graduanda do curso de Licenciatura em Artes Visuais, UDESC. Atua como bolsista de iniciação científica no projeto “Paisagem e Ensino das Artes Visuais” (CAPES/PIBID/UDESC). Integrante do grupo de pesquisa “Entre Paisagens” (UDESC/CNPq). Integrante do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, todos coordenados pela Profª. Drª. Jociele Lampert.

Victor D. C. Sagica Natural de Santos/SP, graduando em Licenciatura em Artes Visuais/UDESC, bolsista de Iniciação Científica/CNPq, tem interesse em assuntos com experiência estética na formação humana, o problema do Belo e ilustração infantil.

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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APOTHEKE

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APOTHEKE

ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.2, n.2, ano 2, fevereiro de 2016.


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