falou que chegou uma cachaça de Vitória da Conquista. Disse que é da boa. Bora lá mais tarde?
– Vamos. Além de você, parece que o álcool me persegue também! – falou isso e deu uma risada.
Ó, hoje à noite eu vou lá no bar de Peu. Ele
falou que chegou uma cachaça de Vitória da Conquista. Disse que é da boa. Bora lá mais tarde?
– Vamos. Além de você, parece que o álcool me persegue também! – falou isso e deu uma risada.
Ó, hoje à noite eu vou lá no bar de Peu. Ele
sexta-feira. O relógio na parede do bar de Peu marcava vinte horas em ponto. Glauber entra e vê Pedro sentado num banquinho ao lado do balcão. – Boa noite, Peu! Me dá uma umburana aí, por favor. – disse Glauber, sentando-se em outro banco ao lado do de Pedro.
Peu botou a cachaça temperada e a entregou para Glauber.
– Fala pra ele aí, Peu, dessa cachaça que você trouxe de Vitória da Conquista! – disse Pedro.
É uma cachaça artesanal, muito boa, de um cara lá de Conquista. – Peu disse, mostrando a garrafa pra Glauber.
Cachaçaria Taberneiro. – Glauber leu o rótulo.
Já provei. Boa demais! – disse Pedro.
O cara que fabrica é especialista em cachaça, temperada ou pura. É lá na Ceasa de Conquista que
ele vende. O nome do dono da cachaçaria é Vitão!
– Ah, massa! Bota uma dose aí pra eu experimentar, Peu! – disse Glauber.
Peu botou a cachaça e Glauber virou de vez.
– Oxe, num deu nem pra degustar! – gritou Pedro.
– E eu sou lá degustador de nada. Sou é cachaceiro!
– disse Glauber. Todos gargalharam.
– Bora pegar uma garrafa dessa e levar lá pra casa pra gente tomar enquanto escuta um som? – perguntou Pedro.
– Bora, que essa é mesmo da boa!
– Falou o degustador! – disse Pedro e deu uma gargalhada.
E partiram para sua casa. Depois de horas ouvindo som e tomando cachaça, Glauber se despede do amigo.
– Valeu, Pedro, vou nessa! Tá tarde e não trabalho na prefeitura, que é só de segunda a sexta o serviço. Tenho que ir trabalhar amanhã.
– No próximo concurso, você faz! – brincou Pedro, enquanto levava o amigo até a porta.
Da casa de Pedro até a de Glauber, era relativamente perto. Eram praticamente vizinhos, levando-se em conta o tamanho da cidade e que dá pra ir andando pra qualquer lugar.
Logo que saiu da casa de Pedro, Glauber ouviu
uma grande explosão. Parou onde estava e ouviu barulho de tiros e gritaria. Resolveu se esconder atrás de um poste. Agora ouvia barulho do carro da polícia. A cidade é pequena, só tem um carro e dois policiais militares. Mais tiros. Mais gritaria, Glauber apressou o passo e logo já estava com a chave abrindo a porta da sua casa.
Ao entrar, viu que a porta da cozinha estava aberta e um rastro de sangue ia até o banheiro. Seu coração acelerou. Em modo câmera lenta, foi em direção ao seu banheiro.
– Parado aí, filho da puta! – um cara com uma pistola, apontava para Glauber, que se assustou e ameaçou dar a volta para correr.
– Se mexer um fio de cabelo, já era, caralho! Me ajuda aqui, porra! – o cara gritou.
Com a arma sempre apontada para sua cara, Glauber encostou devagar e viu que o homem tinha um ferimento no ombro esquerdo, acima do colete a prova de balas que ele usava. Um tiro transpassou seu ombro e jorrava muito sangue.
– Vai porra, arruma um álcool, uma toalha e um balde com água! – berrou o homem.
– Acho que tenho álcool na cozinha, vou pegar.
– Se tentar qualquer coisa, fugir ou chamar a polícia, eu vou preso, mas meus parceiros te pegam de-
pois! Então, melhor fazer o que eu mando. Vai agora, porra!
Glauber não tinha certeza, mas achava que o homem era ladrão. A explosão e os tiros vieram da praça do Banco do Brasil.
– Bora caralho, eu tô te esperando, porra! Se fugir, você se fode depois! – o homem berrou do banheiro.
Naquele momento Glauber ouviu cantadas de pneu de carro e mais tiros. Depois o barulho cessou.
Glauber levou o que o homem pediu até o banheiro e ficou perto da porta. O homem rasgou a manga da camisa, pegou a garrafa de álcool, colocou sobre o buraco de bala e apertou, dando um grande jato para dentro do seu corpo.
– Me dá um fósforo. – gritou.
Puta que pariu, o cara vai botar fogo na minha casa. Nos meus discos. Glauber pensou.
– Bora, porra, me dá um fósforo!
Glauber correu na cozinha, pegou e entregou para o homem.
– Cara, você vai acender um fósforo com álcool no seu corpo? Isso é loucura!
– Cala a boca e me ajuda! Pega a toalha, molha ela toda, encharca ela com água do balde e bota aqui na minha perna.
Glauber fez o que ele pediu. Depois viu o homem apertar mais um jato de álcool no buraco do ferimento. Acendeu o fósforo e jogou no ombro.
– Ahhhhhhhhh! – o homem berrou, pegou a toalha encharcada em água e cobriu seu ombro em chamas.
– Puta que pariu! – resmungou o homem.
– Cara você é uma mistura de Rambo com MacGyver. – disse Glauber, querendo ser engraçado.
– Porra de Rambo e sei lá o que, caralho! Os filho da puta dos milico chegaram atirando logo depois da explosão. Quase que eu embarco. – o ladrão falou, enquanto tirava a toalha do ferimento sapecado de fogo.
Glauber não sabia o que fazer.
– Você vai arrumar um carro pra mim.
– Eu não tenho carro, cara. – Glauber disse, já nervoso.
– Se vira, ou meus parceiros vão vir aqui depois acertar com você. – o criminoso ameaçou de novo. – Onde eu vou arrumar um carro pra você, bicho?
Não quero saber, porra, quero um carro aqui agora! – o ladrão gritou apontando a arma em direção a Glauber.
Porra, fodeu. Pensou Glauber.
– Bora, agiliza, se mexa, se sacuda, porra! Liga
pra alguém aí!
– O único cara que conheço que tem carro é o gerente da loja que eu trabalho.
– Liga pra ele agora, caralho! Tu quer morrer?
– Não! Calma, vou ligar. Mas o que eu falo pra ele?
– Se vira, porra! Inventa uma história, igual nas novela! – o ladrão estava nervoso e sem paciência.
Glauber pegou o celular e ligou para o seu chefe. Atende, atende, por favor. Pensava.
– Alô?
Ô, seu Epaminondas! Desculpa o horário.
Glauber falou baixo.
– O que você quer uma hora dessa, Glauber? – Tô precisando que o senhor venha aqui em casa agora, seu Epaminondas.
– Oxe, o que eu vou fazer aí essa hora da noite, rapaz?
– Tô precisando da ajuda do senhor. Não estou passando bem e preciso ir ao hospital. – inventou na hora a história.
– Moço, teve o maior tiroteio aí na praça, perto da sua casa. Explodiram o banco. Tu tava em marte pra não ouvir, foi?
Justamente, seu Epaminondas. Eu desmaiei aqui agora de noite, apaguei, quase fui pra outro
mundo e voltei. Não tô sabendo de nada de explosão. Preciso ir ao hospital. Me ajuda aí. Vem de carro que eu não consigo andar, seu Epaminondas.
O bandido ferido estava o tempo todo fazendo sinal e ameaçando Glauber com a arma.
– Tá, infeliz, tô indo aí agora!
Ao desligar, Glauber pensou; Que alívio!
Poucos minutos depois, a campainha toca.
– Entre, seu Epaminondas. – disse Glauber, ao abrir a porta.
– O que está acontecendo com você, Glauber? –perguntou o chefe.
O ladrão, que estava escondido atrás da porta, fechou-a com violência e gritou:
– Cala a boca e mão na cabeça!
Seu Epaminondas virou-se assustado.
– Se disser um “ai”, morre!
– Mas o que está acontecendo aqui, Glauber?
– Seu Epaminondas... – Glauber tentou explicar, mas foi interrompido pelo bandido.
– Sem conversinha! Só faça o que eu quero, que vai sair todo mundo vivo no final!
Seu Epaminondas ficou calado, olhando para Glauber, que também não sabia o que dizer.
– Eu preciso sair desse buraco! – disse o ladrão. – E o que a gente tem a ver com isso? – perguntou
seu Epaminondas.
– Você vai me tirar daqui. Quando você veio pra cá, ainda tinha polícia na rua? – perguntou o bandido.
– Sim, ainda tem, o carro da polícia tá parado em frente ao banco. Provavelmente estão chamando reforço e tenho certeza de que muito em breve chegará um batalhão, com muitos policiais e talvez até helicóptero! – seu Epaminondas foi realista.
– Eu vou mostrar pra eles como um rato foge de uma ratoeira! Você dirige e o garoto vem com a gente também! – o ladrão disse, puxando Glauber pelo braço, enquanto apontava a arma para seu Epaminondas. Antes de sair, o marginal colocou só a cabeça para fora e deu uma olhada na rua.
– Tudo tranquilo. Vamos! – ele ordenou.
Seu Epaminondas abriu o carro.
– Espera! Eu vou no banco de trás. O garoto vai na frente, no banco do passageiro. – o ladrão falou e empurrou Glauber.
Seu Epaminondas entrou no carro. Glauber e o bandido entraram batendo a porta quase que simultaneamente.
– Seguinte, coroa, você vai dar um jeito de a gente sair da cidade, pra poder pegar a BA-142, sentido Andaraí, tá ligado? – o ladrão falou encostando o revólver na nuca de seu Epaminondas. E continuou.
– E qualquer gracinha, você morre primeiro que seu amigo, tá entendendo?
Seu Epaminondas não respondeu nada. Ligou o carro, engatou a primeira marcha e saiu lentamente com o farol baixo.
– Procura uma estrada vicinal, alternativa. Lembre-se, uma gracinha e pow! Já era! – o bandido falou, batendo de leve com o cano do revólver na cabeça de seu Epaminondas.
Glauber não sabia o que fazer nem o que falar. Ele só conseguia pensar em como tirar seu chefe daquela enrascada. Corria o risco de perder seu emprego, caso isso não acontecesse. – Olha, se você quiser, eu posso te levar e você libera seu Epaminondas. Ele tem problema cardíaco.
– Glauber tentou um jeito de salvar seu chefe e seu emprego.
– Cara, é sério que num momento crítico desse, você está pensando em seu emprego? – o ladrão ficou irritado.
– Não! – Glauber queria dizer sim, mas não teve coragem.
– Se eu não conseguir fugir, vocês vão morrer, porra! Eu vou matar vocês, caralho! – o marginal gritou, apontando a arma pra Glauber.
Seu Epaminondas acelerou pela estrada de terra,
levantando poeira por onde passava.
– Logo ali na frente, vamos chegar na rodovia. –ele disse, olhando para o ladrão pelo espelho interno do carro.
– Sem gracinhas, coroa! Sem gracinhas!
Glauber rezava para que eles não encontrassem nenhuma viatura policial pelo caminho. Se isso acontecesse, seria o fim de todos naquele carro.
No asfalto, seu Epaminondas pôde acelerar mais.
– Ah, o coroa é pé de chumbo, rapaz! – disse o criminoso batendo com a arma no ombro de Glauber.
Depois de alguns quilômetros e sem qualquer tipo de movimentação policial o ladrão mandou parar o carro.
– Não para aqui na pista, não. Entra nessa estradinha da direita! – disse apontando o local. Seu Epaminondas deu a seta e entrou.
– Paro aqui?
– Não, vamos mais pra dentro! – ordenou o ladrão. Alguns metros depois, num local onde não era mais possível visualizar a rodovia, ele pediu para parar.
– Bora, desce todo mundo devagar. Sem gracinhas, hein, pessoal.
Glauber saiu primeiro. Seu Epaminondas desligou o carro, puxou o freio de mão e perguntou.
– Desligo o farol?
– Não, deixa que quero ver a cara de vocês. – disse o bandido.
Glauber sentiu uma sensação ruim.
– Vai, deita os dois ali do lado. Um com a cabeça virada pra lá e outro pra cá. – o ladrão disse apontando a arma.
Glauber se deitou de barriga pra cima.
– Não, de barriga pra baixo. Pé colado com pé. –ordenou o ladrão.
Glauber se virou. Seu Epaminondas encostou seu pé no de Glauber e se deitou em sentido contrário. – Pronto. Muito bem. Eu gostei de você, garoto!
Glauber só ouvia, na posição que estava ele não conseguia ver o ladrão e nem seu chefe.
– Gostei mesmo de você, garoto. Do seu chefe, eu não tenho muito o que dizer, sabe, mas você é um cara legal! Fez tudo que eu pedi, ainda tentou livrar seu chefe dessa confusão!
Glauber só escutava em silêncio.
– Olha, você pediu pra gente te tirar da cidade e a gente cumpriu o trato. Agora você pode ir e nos deixar aqui. – disse seu Epaminondas.
– Vocês sabiam que Lampião, o Rei do Cangaço, era um macaco? – o ladrão perguntou.
Glauber não entendeu nada.
– O que tem a ver nossa situação com Lampião e macaco? – seu Epaminondas gritou.
– Pois é, Lampião era um macaco! – o ladrão disse e soltou uma gargalhada. Glauber começou a suar frio.
– Aquele filho da puta era um macaco! – gritou o ladrão e sua voz ecoou pela mata escura.
– Cara, pode pegar o carro e ir embora! – clamou seu Epaminondas.
– O miserável do Lampião, era um macaco! O filho da puta conseguia se esconder na mata durante as perseguições dos milicos, naquela época, porque subia nas árvores e fugia pelos galhos. Que filho da puta, rapaz! – o ladrão gritava enquanto esmurrava o capô do carro.
– Cara, legal, ele era macaco. Você pode ir agora!
– gritou seu Epaminondas.
– Eu sou um Rato! Lampião era macaco, eu sou um rato! – gritou o ladrão.
Puta que pariu, o cara surtou! Vai nos matar. Pensou Glauber.
– Isso é o Novo Cangaço! – O ladrão agora parecia pular, mas Glauber não conseguia vê-lo.
– Vocês sabiam que Lampião tinha a mania de matar pessoas, mas sempre deixar outra pra contar a história?
Glauber pensou em levantar-se e correr. Mas não teve coragem de mover um dedo sequer.
– Eu sou fã de Lampião. Só que ele é macaco e eu sou rato. Quem de vocês quer morrer e quem quer ficar pra contar a história?
– Eu tenho duas filhas. Não posso morrer, elas precisam de mim! – suplicou seu Epaminondas, quase chorando.
– E você garoto, tem filho?
Glauber pensou em dizer que tinha também, mas ele sabia que se dissesse isso, seria desmentido por seu Epaminondas.
– Não. – respondeu seco.
– Então eu vou matar o velho, que já teve o prazer de ter um filho e vou deixar tu, que ainda pode curtir a vida mais um pouco! Agora depois que eu matar um, o outro vai ficar aí quietinho, até eu ir embora! – gritou o ladrão.
Um tiro.
Um gemido.
O silêncio.
Passos.
Porta de carro abrindo.
Fechando.
Carro ligando e partindo.
Barulho de motor cada vez mais distante.
A respiração de Glauber estava acelerada. Ele hesita em se levantar e olhar o corpo de seu Epaminondas.
– Glauber? – gritou seu chefe. Glauber se levanta assustado.
– Puta que pariu! Estamos vivos, seu Epaminondas!
gritou indo de encontro ao seu chefe.
– Que ladrão filho da puta! – Resmungou seu Epaminondas, enquanto empurrava Glauber, para fugir de seu abraço.
– Ele livrou a gente, seu Epaminondas!
– Conversa fiada de macaco, de rato, de matar um e deixar outro pra contar história. Tudo balela!
– Pensei que ele tinha matado o senhor.
– Um bosta! Isso é o que ele é!
– Estamos vivos, seu Epaminondas.
– Filho da puta levou meu carro!
– O seguro paga, chefe!
– Qual seguro, porra?
– O carro do senhor não tinha seguro?
Seu Epaminondas não respondeu e fez cara feia para Glauber.
– Como o senhor tem um carrão desse e não faz um seguro, seu Epaminondas?
– E eu lá ia imaginar que numa cidade desse ta-
manho alguém ia me roubar, infeliz?
Mas quando o senhor fosse viajar, ia precisar.
Quando viajo faço seguro pra viagem. Bora arrumar um jeito de voltar pra casa. E amanhã cedo você passa lá na loja pra gente conversar.
8h da manhã.
Glauber esperava seu Epaminondas, que chegou com uma cara não muito boa.
– Bom dia, seu Epaminondas!
O chefe de Glauber passou direto para a sala e fez um sinal para que o acompanhasse.
– Sabia que a polícia encontrou meu carro? – seu Epaminondas perguntou, enquanto abria a janela do escritório.
– Ah, que bom, chefe! Acharam ele onde?
– Na entrada de Igatú. Eles me mandaram uma foto pra eu ver se era mesmo o meu carro. – seu Epaminondas falou, enquanto mostrava a foto na tela do seu celular para Glauber.
– Puta merda, seu Epaminondas! – Glauber se assustou com o que viu.
– O filho da puta botou fogo no meu carro! – Seu
Epaminondas gritou irritado, enquanto se sentava na cadeira atrás da mesa.
– Perda total aí, né, chefe?
– E sabe de quem é a culpa?
Glauber ficou calado.
Na segunda você passa aqui pra acertar suas contas!
Mas, seu Epaminondas...
Sem mais nem menos, pode ir pra casa. Segunda você vem aqui. – Seu Epaminondas, eu sinto muito por tudo que aconteceu, tentei livrar o senhor...
Não quero mais ouvir essa conversa. Pode se retirar, por favor, que tenho mais o que fazer!
Glauber saiu em silêncio.
No caminho para casa, resolveu passar no bar de Peu, que estava acabando de abrir o recinto.
Me dá uma Gabriela aí, Peu.
Oxe, você aqui uma hora dessa, Glauber? – falou Peu, enquanto passava uma flanela no balcão. – Bota uma dose dobrada!
Rapaz, o que foi que aconteceu?
Uma longa história, Peu. Explosão, tiro, assalto, Rambo, MacGyver, Lampião, macaco, rato, carro incendiado e demissão. Só pra resumir.
O que tem a ver tudo isso com demissão, moço?
Peu não entendia o enredo do resumo.
– Vixe, não quero mais falar sobre isso. Bota aí a cachaça! – Glauber falou, enquanto puxava um banco para se sentar.
– A cidade tá cheia de jornalista de televisão. –falou Peu, enquanto despejava a cachaça no copo sobre o balcão.
– O filho da puta do ladrão, pegou eu e seu Epaminondas de refém e ainda botou fogo na porra do carro!
– De seu chefe?
– Foi. Aí hoje o desgraçado me demitiu.
– Ué, e que culpa você tem se o ladrão levou o carro de seu Epaminondas?
– O ladrão queria um carro e eu chamei seu Epaminondas.
– Moço, o seguro paga essas coisas! Tudo se resolve!
– O pão duro desgraçado, não tinha seguro pro carro.
– Vixe, que vacilo. Como que tem um carrão daquele e não faz um seguro?
– Pois é, aí botou a culpa em mim. Bota mais uma aí, Peu! – Glauber falou, apontando para o copo já vazio.
O celular de Glauber vibra.
– Alô?
– Glauber?
– Sim.
– Oi, querido, é Sílvia!
– Opa, e aí, tudo bem?
– Tudo e você?
Glauber pensou em contar sobre os seus problemas, mas mudou de ideia.
Tudo bem! Como você conseguiu meu número? – Eu salvei aquele dia que ficamos lá em Salvador.
Ah, eu não sabia.
Eu queria que você viesse aqui pra Argentina.
Sílvia foi direta. Mas Glauber ficou surpreso e perguntou;
Como assim?
Queria te ver.
Poxa, eu gostaria também de te ver de novo, mas no momento, estou com uns probleminhas e acho que não vai dar.
O que houve? – Eu acabei de ser demitido lá da loja. – ele teve que falar a verdade.
Ué, mais um bom motivo pra você vir pra cá!
– É, mas eu tô sem grana e na segunda que vou
“Número desconhecido”, foi o que apareceu na tela.
acertar minhas contas lá no trabalho.
– Então, pega essa grana e vem pra cá!
– Acho que não vai dar! Uma passagem pro exterior deve ser uma fortuna.
– Não é assim, não. Eu andei pesquisando e pra você vir pra cá, pode pegar um avião aí perto, em Vitória da Conquista. Fica em torno de dois mil reais a passagem.
– Essa grana, eu até consigo. Mas e o dinheiro pra eu ficar aí, não tenho.
– Vende suas coisas e vem pra cá, cara!
– Eu não tenho nada, só meus discos!
– Vende eles. Se você tiver alguma coleção, com discografia completa de banda famosa, é bem fácil de tirar uma grana com ela.
– Não, meus discos eu nunca vou vender.
– Cara, discos você compra outros, mas a vida só se tem uma pra viver!
Glauber ficou em silêncio por alguns segundos. Sílvia continuou.
– Faz um anúncio na internet! Coleção completa sempre tem maluco que compra! Qual banda você tem uma coleção massa?
– Tenho a discografia completa do Pink Floyd!
– Ah, cara, essa coleção você consegue uma grana boa na internet! Cria um anúncio, tira umas fotos
detalhadas dos discos, me manda o link que ajudo divulgar.
– Não sei. Eu queria muito te reencontrar, mas acho que não vai rolar de vender meus discos.
– Glauber, eu quero te ver, você quer me ver. Nessa cidade você vai ter dificuldade de arrumar outro emprego por agora. E discos a gente compra outros depois!
– Vou ver e te falo.
– Tá, manda o link do anúncio no meu zap!
– Certo, beijo!
– Beijo, querido! Estou contando as horas pra te ver! Tchau!
Glauber desligou e por alguns segundos ficou olhando para o copo de cachaça sobre o balcão.
– Ligação longa, hein, Glauber? – Peu falou, sorrindo.
– É, e inesperada! – Glauber falou e virou a dose de Gabriela.
Pagou as cachaças, se despediu de Peu e saiu rapidamente.
– E aí, Glauber? – falou Pedro, quase esbarrando no amigo e continuou.
– Vai pra onde nessa pressa, rapaz?
Opa, Pedro. Vou pra casa.
O que tu tava fazendo uma hora dessa aqui em
Peu, rapaz?
– Tomando umas.
– Oxe, num foi trabalhar hoje não?
– Fui demitido.
– Ué, fica andando comigo até tarde, aí esquece de acordar cedo, dá nisso! – Pedro disse sorrindo.
– Não é nada disso não, moço. – Oxe, e foi o quê?
– Ah, uma longa história! – Glauber já estava cansado de ficar contando o que tinha acontecido.
– O que foi que houve, rapaz? Tu tá ligado no assalto de ontem, né? Tu já tava em casa quando tudo explodiu?
– Não. Ô Pedro, eu tô meio cansado, cara, tô indo nessa, acho que vou embora dessa porra de cidade!
– Ir embora pra onde, cara?
– Acho que vou pra Argentina! – soltou sem querer.
– Oxe, e vai fazer o que lá?
– Vou encontrar uma amiga.
– Amiga?
– É.
– E com qual dinheiro tu vai?
– Vou acertar minhas contas lá na loja e vou comprar a passagem.
– E vai viver de que lá?
– Vou vender meus discos.
– Oxe, e quem vai querer comprar aquelas velharias?
Glauber ficou nervoso e preferiu não responder.
– Que loucura é essa, meu irmão?
– Pedro, tô indo nessa, valeu! – Glauber falou e apressou o passo para ficar livre do amigo.
Vê se passa lá em casa quando conseguir vender os discos, se conseguir, né?
Vai se foder! Glauber pensou, mas não falou. Foi embora sem olhar para trás.
Quando chegou em casa, Glauber foi direto para a estante onde guardava os seus discos. Puxou o “The Endless River”, álbum duplo e um dos seus preferidos do Pink Floyd.
Essa capa é fantástica! Pensou, enquanto tirava o disco dois para colocar na vitrola Gradiente. Botou o lado 4, na última faixa.
“It’s louder than words, the sum of our parts, the beat of our hearts, is louder than words, louder than words.”
Essa música sempre o deixava emocionado.
“We’re more than alive.”
Estamos mais do que vivos!
Puta que pariu, que som!
Tirou, um por um, os seus quinze LPs do Pink Floyd da estante. Pegou o celular e fotografou to -
dos eles.
Ficou olhando as fotos no celular, e pairou a dúvida: vendo ou não meus discos?
– Foda-se! Vou pra Argentina ver Sílvia! – falou baixinho para si mesmo.
Mas não vou vender barato. Só vendo por 400 conto, cada um. Pensou.
Criou o anúncio de venda na internet, copiou o link e mandou no zap de Sílvia.
Como não tinha muito o que fazer - já que agora era um desempregado -, resolveu voltar pro bar de Peu. Ao adentrar, deu de cara com Pedro, sentado próximo ao balcão.
– Fala, meu ex-amigo! – gritou Pedro, com ironia.
– Ah, Pedro, qual é?
– Bora, porra, senta aqui e vamo tomar uma!
Glauber puxou um banco e pediu:
– Peu, me dá uma cachaça daquela de Conquista, d’O Taberneiro.
Uma dose ou a garrafa? – perguntou Peu do outro lado do balcão.
– Uma garrafa! Que meu amigo vai se despedir da gente em breve! – gritou Pedro.
Vou não, pô. – falou Glauber, meio sem graça.
Vai sim. Botou os discos pra vender? – perguntou Pedro.
– Quem vai querer comprar aqueles discos velhos, Pedro?
– Ah, bicho, eu falei de zoeira aquilo lá. Você botou pra vender?
– Botei, mas acho difícil alguém comprar a coleção toda. O cara tem que ser muito fã mesmo!
– Quanto é a coleção toda?
– Eu pedi seis mil.
– Eita, porra! Caro esses discos, hein?
– É, tem uns que valem mais que outros, mas coloquei uma média de 400 reais pra cada disco.
– É, acho que você consegue vender, mas pode ser que demore um tempo.
Peu coloca dois copos sobre o balcão, deixa a garrafa de cachaça e sai para atender outro cliente.
Pedro abre a garrafa e enche os dois copos.
– Saúde e vida longa a nossa amizade! – falou e brindou com o amigo.
Nesse momento, o celular de Glauber vibra. Uma nova mensagem.
– Mensagem de zap da sua amiga, Glauber?
– Não, e-mail.
Glauber abre e vê a mensagem.
“Vendido. O comprador aguarda o envio do produto.”
– Que porra é essa?
– Que foi, Glauber? – perguntou Pedro.
– Alguém comprou a coleção, bicho!
– Já?
– Já!
– Rapaz, essa sua coleção é boa mesmo, hein?
– Porra, que foda!
– Ué, tu tá triste, pô?
Não. Sei lá, que passei anos pra completar a coleção e de uma hora pra outra, tudo se vai.
– Sim, tudo se vai! Inclusive você, que vai pra Argentina, bicho! Ó, que viagem? E longa, hein?
– É. – Glauber parecia não acreditar que tinha mesmo vendido seus discos.
– E o comprador, é de onde?
– De Salvador.
– A viagem dos discos até que não é tão longa assim, né? Bora tomar uma pra comemorar, porra! –falou Pedro, enquanto enchia mais uma vez os dois copos de cachaça.
Na segunda-feira cedo, Glauber passou na loja que trabalhava para receber sua rescisão trabalhista.
Com o dinheiro em mãos, passou em casa e preparou o pacote com a coleção do Pink Floyd, foi ao Correios e enviou para o comprador via Sedex, para chegar mais rápido, pois assim que o comprador recebesse, seu pagamento seria liberado no site.
Enquanto isso não acontecia, foi comprar a passagem pra Vitória da Conquista, cidade onde pegaria o avião para à Argentina.
– Pra que dia? – perguntou o vendedor da empresa de ônibus.
– Tem pra hoje ainda?
– Tem daqui a pouco, às 11h35.
Quero uma, por favor.
Com a passagem em mãos, agora era hora de ir arrumar a mala.
Quando chegou em casa, mandou mensagem para Sílvia, avisando que tinha vendido os discos e que logo estaria embarcado para a viagem.
Antes de ir pegar o ônibus, Glauber passou na prefeitura para se despedir de seu amigo Pedro.
– Opa, Pedro, na paz?
– E aí, Glauber. Ainda aqui na cidade?
– Tô indo agora pegar o busão pra Conquista, de lá pego o avião. Passei aqui pra te dá um abraço!
– Pô, boa viagem, que tudo dê certo lá pra você, amigo! – disse Pedro, um pouco emocionado.
– E queria te pedir um favor, Pedro.
– Fala aí.
– Eu vou deixar a chave de casa com você. O último aluguel tá pago já, aí queria ver se depois você consegue tirar as coisas de lá pra mim?
– Pra vender ou pra guardar?
– Pois é, ainda não sei direito quanto tempo vou ficar lá, se vou ficar pra sempre ou se semana que vem já volto.
– Ah, cara, eu posso pegar suas coisas e guardar lá no quartinho do fundo de casa. Aí depois você me fala se deixa guardado ou se vendo pra alguém aqui.
– Tá, pode ser assim então! Brigadão, Pedro! Vou nessa, senão perco o ônibus. – falou Glauber, abrindo os braços para o amigo, que saiu de detrás da
mesa em que trabalhava e deu um abraço apertado em Glauber.
Assim que Glauber saiu da repartição, Pedro foi ao banheiro e chorou. Já sentia falta do amigo.
Algum tempo depois, Glauber já estava na pequena agência da empresa de transporte. O movimento era pouco e não demorou muito para o ônibus parar na porta da agência.
A viagem foi bem tranquila e na maior parte do tempo Glauber ficou apenas olhando a paisagem pela janela do ônibus. Pensou em como sua vida poderia mudar a partir daquele dia.
Ao chegar na rodoviária de Vitória da Conquista, logo pegou um taxi.
– Aeroporto, por favor. – disse ao motorista.
O percurso era de cerca de quinze minutos e ao se aproximar da entrada, viu a placa “Aeroporto Glauber Rocha”.
Porra, bem que Magali falou que esse cara era famoso mesmo! Pensou.
Feito o check-in, algum tempo depois Glauber já estava no avião. Houve uma escala na cidade de Guarulhos, para troca de aeronave. Cerca de três horas depois, Glauber já pisava em solo argentino e na saída de desembarque já podia ver a garota de cabelo trançado. Sílvia lhe esperava com um sorriso no rosto.
– ¡Bienvenidos a Buenos Aires! – ela disse sorrindo antes de lhe dar um abraço e um beijo.
– Só você pra me fazer cometer essas loucuras! –disse Glauber.
– Como foi a viagem?
– Tranquila.
– Vendeu os discos rápido, hein?
– Pois é, também fiquei surpreso com isso.
– Vamos que minha amiga preparou um rango pra quando você chegasse. Tá com fome?
– Sim.
Chamaram um motorista de aplicativo e foram para o apartamento onde Sílvia estava morando com a amiga.
No caminho do aeroporto para a casa da amiga de Sílvia, Glauber viu um imenso outdoor convocando os torcedores do Boca Juniors para um jogo pela Copa Libertadores da América, que dizia;
“Boca x Bahia”.
– Eita, porra! Vai ter jogo do Bahia? – perguntou Glauber.
– Vai sim. Hoje à noite. Não sabia que você gostava de futebol. – Respondeu Sílvia.
– Gosto demais! Vamos lá assistir?
– Eu não gosto muito de futebol.
– Ah, vamo lá! Eu quero conhecer o estádio La Bombonera! – Tá. Vamos primeiro comer algo, depois a gente vai em um hotel que fiz uma reserva pra você.
Glauber acreditava que Silvia iria convidá-lo para se hospedar em seu apartamento.
– Não posso ficar em seu apartamento?
– Lá é complicado, por conta que minha amiga está morando com o namorado dela. Aí acho que se ficarmos lá, vai ser meio inconveniente, vamos tirar a privacidade deles. Ela já me deu uma força, me deixando vir pra cá morar com ela. Até arrumou um emprego pra mim em um bar de um amigo do namorado dela. Então, não quero ficar abusando.
– Entendo. A gente fica no hotel então.
– Não, você fica lá no hotel. – enfatizou Sílvia.
Glauber queria ficar com Sílvia, mas resolveu não tocar mais nesse assunto. Não por enquanto.
O apartamento da amiga de Sílvia era pequeno.
Tinha sala, dois quartos, banheiro, cozinha e uma minúscula área de serviço.
– Brenda, esse aqui é Glauber, o amigo que te falei. – Sílvia disse.
Glauber achou estranho ela dizer que ele era seu amigo.
– Prazer! – falou sem graça.
Um jovem de cabelos longos e pretos saiu do banheiro.
– Esse aqui é Reno, meu namorado. – disse Brenda, apontando para o jovem argentino.
– ¿Hola, todo bien? – Disse o rapaz, cumprimentando Glauber com um aperto de mão.
– Ele é argentino. Não fala português. – justificou Brenda. – vocês podem ficar à vontade. O apartamento é pequeno, mas sempre cabe mais um!
– Se você não se importar que eu fique aqui por... – Não, Brenda, ele vai ficar em um hotel. – cortou Sílvia, antes que Glauber pudesse terminar a frase.
– Ah, tudo bem. Então vamos comer algo, antes de vocês irem pro hotel. – falou Brenda, convidando Glauber para ir até a cozinha.
Reno veio logo atrás e disse:
– Te hice un choripán. ¿Alguna vez has comido choripán?
Glauber não entendeu.
Ele fez um lanche para vocês. Um Choripán. –
Traduziu Brenda.
– Ah, obrigado. – Disse Glauber, puxando uma cadeira para se sentar na pequena cozinha. – Provavelmente você nunca comeu, né? – Perguntou Brenda.
Não. De que é feito?
É um pão francês recheado com chori, que é como se fosse a linguiça lá do Brasil. – Sílvia entrou na conversa. – Ah, legal. É tipo churrasco grego. – Falou Glauber, depois de dar a primeira mordida no lanche.
É, tem umas variações com carne de porco ou com filé. – Disse Sílvia.
Todos se sentaram à mesa e degustaram o lanche preparado por Reno. Saciada a fome, Glauber agradeceu e se despediu do casal.
– Vou levá-lo ao hotel. – disse Sílvia. No caminho para o hotel, Glauber quis saber o que estava acontecendo com Sílvia.
Sílvia, quero que seja sincera comigo. – falou enquanto segurava a mão da moça, dentro do carro de aplicativo.
– Sim, o que você quer saber, querido?
– Você me fez vir do Brasil para cá, eu imagino que seja para a gente ficar juntos. – ele começou.
– Exatamente, querido, quero você aqui comigo.
– falou Sílvia, enquanto acariciava o rosto de Glauber.
– Então por que não podemos ficar juntos?
– Estamos juntos, Glauber.
– Não, você não quis que eu ficasse lá no apartamento de Brenda.
– Já te expliquei. Seria inconveniente nossa presença lá.
– Mas Brenda deu a entender que eu poderia ficar lá.
– Ah, ela falou por educação, querido. Só por isso. – completou Sílvia.
Glauber ficou calado até a chegada ao hotel.
Hostel Circus era onde Silvia havia feito sua reserva. A fachada não demonstrava ser um hotel. Parecia ser um bar ou uma loja de acessórios automotivos, menos um hotel.
Ao adentrar, percebeu que era um hotel com estilo rústico, com muitas madeiras na decoração.
Seu quarto era no terceiro andar. No elevador, Glauber insistiu.
– Eu só quero saber se você realmente quer ficar comigo aqui, Silvia.
– Claro, querido. Você acha que eu ligaria pra você vir pra cá, se eu não quisesse ficar com você?
Glauber não tinha tanta certeza sobre o que Sílvia queria de fato ao chamá-lo para viajar à Argentina.
– O seu quarto é esse aqui. – Sílvia disse, enquanto abria a porta.
Glauber entrou e colocou sua bagagem sobre a cama. – Cama de casal, querido! – disse Sílvia apontando para o móvel.
– Preciso tomar um banho. – desconversou Glauber.
– Eu te ajudo! – disse Sílvia, com um sorriso malicioso, enquanto ajudava Glauber tirar sua roupa.
Os dois se beijaram e caíram sobre a cama.
Já era começo de noite, quando Sílvia e Glauber seguiram em direção ao estádio La Bombonera, para o jogo entre o Esporte Clube Bahia e o time argentino do Boca Juniors. Iriam se encontrar com Brenda e Reno no setor visitante, Portão 5, às 18h45.
Ao chegar, Glauber ficou maravilhado com o estádio, mesmo ainda estando do lado de fora.
– Poxa, muito bonito essa fachada azul e amarelo! Nunca imaginei que um dia poderia estar aqui.
Sempre vi pela televisão. – Disse Glauber.
– É meio antigo esse estádio, mas é bonito mesmo! – disse Sílvia, olhando para a parte externa e alta das arquibancadas.
– ¡Buenas noches amigos!
Era Reno e Brenda.
Glauber e Sílvia os cumprimentaram com um abraço.
– Así que mi amigo, no podré entrar contigo por esta puerta, porque es de la hincha del equipo contrario. Y vamos a apoyar a mi Boca Juniors. Buena suerte en el juego.
– Nós vamos ficar na torcida do Boca. Não podemos entrar por esse portão, que é da torcida do Bahia. Boa sorte no jogo! – Brenda traduziu.
– Valeu! – disse Glauber.
Ao entrar na parte da arquibancada reservada para a torcida do Bahia, Glauber ficou bastante emocionado e gritou:
– Bora, Bahêa, minha porra!
Pouco tempo depois, a saída de bola era do time do Boca. O juiz apitou. Começou o jogo.
Poucos segundos depois a bola estava com o lateral direito do time argentino, que cruzou e gol!
– Porra, no primeiro lance? – disse Glauber, surpreso.
A torcida do Boca estava eufórica, gritando e pulando. O estádio balançava literalmente. – Essa porra vai cair! – gritou Glauber para Sílvia. – Cai não. Aqui é assim mesmo. A arquibancada balança sempre, tem vários vídeos no YouTube mostrando isso. – disse um torcedor do Bahia ao lado do casal.
O time do Bahia recolocou a bola em jogo, mas logo a perdeu, e sofreu mais um ataque fatal. Segun-
do gol do Boca.
– Porra, tá parecendo o jogo do Brasil contra a Alemanha na Copa! – Gritou outro torcedor.
Aquilo foi uma premonição do que aconteceria naquela noite. Final de jogo, Boca 7, Bahia 0.
Na saída do estádio, Glauber e Sílvia reencontraram com Brenda e Reno.
– ¿Hermano, qué fue eso? – falou o argentino, sorrindo.
Glauber entendeu e ficou calado.
– É só um jogo de futebol! – disse Sílvia, tentando consolar Glauber.
Não é só um jogo de futebol. Pensou Glauber consigo.
– Vamos pro hotel comigo?
– Ô, querido, hoje não. Ainda vou trabalhar no bar do amigo de Reno.
Glauber ficou calado durante todo o trajeto de volta do estádio para o hotel.
– Ah, Glauber, amanhã tenho o dia todo pra ficar com você. Se quiser, podemos fazer uma tour pela cidade, pra você conhecê-la melhor.
Glauber não respondeu.
Glauber acordou cedo e foi tomar o café da manhã numa padaria, próximo ao hotel. No caminho ele pensou como Sílvia estava estranha. Parecia que ela não estava feliz por ele ter ido à Argentina. Sempre saía pela tangente quando a chamava para ficar com ele no hotel. Isso estava deixando Glauber desanimado e arrependido de ter vendido sua coleção do Pink Floyd para ir a Buenos Aires.
Depois do café, voltou para o hotel e recebeu uma mensagem de Sílvia no celular, que dizia: “Oi, querido. Eu tinha dito que poderia ficar com você hoje, mas aconteceu um imprevisto no Bar e vou ter que ficar lá o dia todo. No começo da noite, passo aí pra gente ir lá no bar, pra você conhecer”.
Glauber subiu para seu quarto. Tomou um banho, arrumou a mala.
Vou embora dessa porra! Pensou.
Mas antes de sair, resolveu ligar para Sílvia.
Depois que digitou o número, desistiu e cancelou a chamada.
Desceu pelo elevador, passou na recepção e acertou as contas.
Já do lado de fora do hotel, passava um taxi.
Fez sinal com a mão e o motorista parou.
– Para o aeroporto, por favor!
– ¿Aeroparque? – Perguntou o motorista.
– Sim. – Glauber respondeu enquanto abria o vidro traseiro direito do carro.
– Daqui para o aeroporto, dependendo do trânsito, vamos gastar cerca de meia hora, ou mais.
Isso foi o que Glauber achou que o motorista disse, enquanto engatava a segunda marcha.
Devia ter pego um metrô. Pensou Glauber.
– Si hubieras ido en metro, te llevaría mucho más tiempo. – O motorista leu seu pensamento.
Glauber pegou o celular e viu que Sílvia não mandou mais mensagem. Resolveu avisá-la. Não achava certo ir embora sem ao menos se explicar. E digitou: “Olá, bom dia, querida. Infelizmente acho que foi um erro essa minha vinda para cá. Sinto que você está distante, sempre me evitando. Vou voltar para minha vidinha interiorana. Espero que você seja feliz aqui em Buenos Aires. Beijo!”
Enviou a mensagem e desligou o celular.
O trânsito naquela manhã estava mais tranquilo do que o esperado e rapidamente Glauber chegou ao aeroporto.
Foi ao guichê da companhia aérea e comprou sua passagem de volta.
Logo já estava na sala de espera de seu voo.
Pensou em ligar o celular para ver se Sílvia havia enviado alguma mensagem. Quando pensou que uma mensagem de Sílvia poderia fazê-lo mudar de ideia, desistiu e guardou o celular.
Seu voo não demorou muito.
Novamente pegaria um avião até Guarulhos e de lá, outro para Vitória da Conquista. A aeronave não estava muito cheia e Glauber ficou sentado na cadeira da janela da terceira fileira à direita.
Enquanto apertava o sinto e aguardava a mensagem do piloto anunciando a decolagem, Glauber se lembrou da música “Louder Than Words”. Logo estaria acima das nuvens. Mais alto que palavras.
– Este é o voo LA-8140 com destino a Guarulhos, São Paulo. Pedimos a sua atenção para demonstração do nosso equipamento de emergência.
Em caso de despressurização, máscaras individuais cairão automaticamente dos painéis acima de seus lugares. – disse o comandante.
Glauber não queria pensar em usar nada disso, seu pensamento estava em Sílvia. O que ela pensaria sobre ele ter ido embora sem ao menos se despedir pessoalmente.
– Agradecemos a preferência e desejamos a todos uma boa viagem. – finalizou o comandante e começou levar o avião para a borda da pista.
Glauber virou-se para a janela e ficou olhando para a sala de embarque se distanciando da aeronave.
O avião já estava em posição de decolagem, na cabeceira da pista quando o comandante falou novamente.
– Atenção para uma situação de emergência. Repito; atenção para uma situação de emergência.
Glauber não entendeu o que estava acontecendo.
– Esta aeronave possui 6 saídas de emergência, observe a indicação dos comissários e identifiquem a saída mais próxima de seu assento. – falou o piloto enquanto as comissárias de bordo corriam pelo corredor, auxiliando na abertura das saídas de emergência.
– Que porra é essa? – perguntou Glauber para a comissária que passara por ele.
– Vá para a saída de emergência, senhor. – Ela disse, apontando o caminho a seguir.
Glauber pulou no escorregador inflável que ligava a saída de emergência à pista de decolagem. Nesse
momento ele viu carros de bombeiros e equipes de segurança. Um ônibus também chegou.
– ¡Todos al autobús! – Gritava um agente.
Os passageiros corriam para o ônibus. Glauber entrou e se sentou na penúltima cadeira, próximo a janela do lado direito. Tentava entender o que estava acontecendo. Não via nada de errado com o avião, não havia nenhum sinal de fogo na aeronave nem qualquer sinal de avaria. Nada.
Todos os passageiros pareciam compartilhar das mesmas indagações de Glauber.
Já de volta ao saguão do aeroporto, rapidamente foram levados para uma sala de espera.
– O que está acontecendo? – Perguntou uma passageira para o segurança que os acompanhava.
– ¡Actualmente no podemos transmitir ninguna información, señora! – disse o homem vestido com roupa de esquadrão especial de polícia.
Pela porta de vidro Glauber viu a garota de cabelo trançado. Silvia fazia sinal com a mão, chamando-o. Glauber, ainda surpreso, sorriu e foi ao seu encontro.
– ¡Nadie puede irse, señor! – o interceptou um guarda na porta da sala.
– Só vou falar com minha amiga. – disse Glauber, apontando para Silvia do outro lado da porta de vidro.
Nesse momento, chega um funcionário do aeroporto com todas as bagagens dos passageiros e fala para o guarda na porta:
– Volvimos a radiografiar todo el equipaje y no se detectó nada. El vuelo fue cancelado. ¡Pueden recoger su equipaje y buscar la compañía para volver a embarcar en otro avión!
Glauber não entendeu quase nada.
– Atención, damas y caballeros. Vuelo cancelado. ¡Busca la compañía para volver a embarcar!
E liberaram a bagagem e a porta de saída.
Sílvia tinha um pacote na mão, veio ao encontro de Glauber e lhe deu um beijo.
Como você sabia que eu estava aqui. – perguntou Glauber.
– Só imaginei. Te liguei, você não atendeu. Fui ao hotel, você já tinha ido embora.
– O avião estava pronto pra decolar. De repente, evacuaram tudo e trouxeram a gente pra cá, sem qualquer explicação. Vou ter que embarcar em outro voo. Sílvia, com aquele pacote na mão, escutava Glauber explicar.
– Infelizmente, vou ter que voltar pro Brasil. As coisas não aconteceram como eu imaginei, Sílvia.
– Eu que liguei pra o avião não decolar! – disse Sílvia.
– Você ligou? Como assim? – Glauber arregalou
os olhos assustado.
Sílvia se aproximou de Glauber e sussurrou no seu ouvido.
– Falei que tinha uma bomba no avião.
– Caralho! Você é louca!
– Era a única chance de poder te impedir de partir.
– Pra que tudo isso? Uma coisa dessa, inventar uma bomba em um avião?
– É que chegou uma encomenda pra você. – Sílvia falou e estendeu a mão com o pacote para Glauber, que ficou confuso.
– Encomenda? Como que pode chegar uma encomenda aqui, se eu moro no Brasil? E que eu me lembre, não comprei nada nos últimos meses.
– Abre. – disse Sílvia.
Glauber pegou o pacote e viu um adesivo do remetente: “BigBross Records – Salvador – Bahia –Brasil”.
– Nunca comprei nada em Salvador, muito menos com esse tal de BigBross.
– Abre! – insistiu Sílvia.
Glauber procurou uma cadeira, se sentou e abriu o pacote.
– Puta que pariu! – falou enquanto corria uma lágrima pelo seu rosto.
Sílvia sorria.
– Que porra é essa, Sílvia?
– Você abriu mão de uma coisa importante na sua vida, sua coleção de LPs do Pink Floyd, só pra ficar comigo! – ela falou emocionada – Então pedi um amigo para comprar e me mandar, pra que eu pudesse te devolver!
Glauber chorava e acariciava a coleção e seu disco favorito “The Endless River”. Sílvia se aproximou e o beijou.
– It’s louder than words. This thing that we do. Louder than words. The way it unfurls. – Cantarolou Glauber, com um sorriso no rosto.
Saíram andando de mãos dadas pelo aeroporto. Numa TV, uma repórter dizia: “Después de realizar la debida diligencia, las autoridades concluyeron que no había ningún artefacto explosivo en la aeronave.”
Glauber gritou para todo mundo ouvir.
– Nós estamos mais do que vivos! We’re more than alive! Estamos mais do que vivos!
Esta obra foi composta em tipografias
Calisto e Asfalto pelo Estúdio Imboré.
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Maio de 2023.