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Foto: Antonio Scarpinetti

O Japão que mora em jovens descendentes

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Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016 - ANO XXX - Nº 653 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Jesper Sonne

Redes de interações 3

A interação entre plantas e beija-flores, pássaros que desempenham importante papel de polinizadores, é detalhada em tese desenvolvida pelo pesquisador Pietro Kiyoshi Maruyama Mendonça. O trabalho foi orientado pela professora Marlies Sazima, do Instituto de Biologia.

Algoritmo revela passos de internauta

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Aplicativos do MIT ao alcance de todos Um programa para pessoas com dislexia

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Chineses ‘editam’ embrião humano Bactérias no centro da nova Árvore da Vida

Sensor mede atividade da água na indústria Saúde e arquitetura na cartografia social

TELESCÓPIO

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Brejeirice e violência na canção sertaneja


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TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: Ohio State University/ Batelle/Divulgação

Contornando a paralisia Pesquisadores dos Estados Unidos conseguiram criar um “atalho neural”, conectando diretamente a área motora do cérebro de um paciente quadriplégico aos músculos do antebraço, o que permitiu que o voluntário executasse movimentos com as mãos e girasse o pulso. O trabalho é descrito na revista Nature. Os autores implantaram um arranjo de microelétrodos no cérebro do paciente, que perdeu os movimentos dos braços e das pernas por causa de uma lesão na coluna vertebral. Algoritmos de aprendizado de máquina foram usados para traduzir os sinais do cérebro em comandos musculares, e ao longo de uma série de sessões de treino, que se estenderam por 15 meses, o voluntário recuperou a capacidade de realizar tarefas como erguer uma garrafa e usar seu conteúdo para encher um copo. De acordo com nota divulgada pela Nature, embora outros sistemas artificiais de tradução de sinais neurais em movimentos já tenham sido demonstrados, está é a primeira vez que se consegue fazer com que a tradução neural dê origem a movimentos no corpo humano em tempo real.

Detetive online Estudo realizado em conjunto por pesquisadores do Google e da Universidade Columbia mostram que bastam duas postagens georreferenciadas, em redes sociais diferentes, para que se possa descobrir a identidade de um usuário da internet. O trabalho foi publicado na plataforma ACM Digital Library e apresentado na Conferência World Wide Web, realizada em meados de abril em Montreal. Os autores criaram um algoritmo que compara postagens georreferenciadas feitas no Twitter a publicações no Instagram e no Foursquare, tentando identificar contas mantidas pela mesma pessoa. O sistema desenvolvido calcula a probabilidade de uma pessoa, postando na rede “A” num determinado local e horário, também postar na rede “B” em outro local e horário. Os pesquisadores descobriram que o mesmo algoritmo pode identificar consumidores, ao sobrepor registros anônimos de uso de cartão de crédito à localização de telefones celulares individuais em relação às torres de transmissão. O sucesso do algoritmo mostra que a mera remoção dos dados explicitamente pessoais, como o nome, da chamada metadata – informações genéricas, como origem geográfica e horário de uma operação digital – não basta para garantir a privacidade dos usuários de sistemas eletrônicos.

Efeito do ciclo diário nos sexos Mulheres são mais afetadas que homens por variações artificiais no ritmo circadiano, que rege o ciclo de sono e vigília, diz estudo publicado no periódico PNAS. Os autores, de instituições do Reino Unido, submeteram 34 voluntários – 16 homens e 18 mulheres – a um ciclo “diário” artificial de 28 horas, num ambiente fechado e sem referências de luz natural ou de passagem do tempo. Durante o experimento, os voluntários responderam a questionários sobre como se sentiam e realizaram testes objetivos para avaliar memória e concentração.

Voluntário tetraplégico consegue coordenar movimento do pulso e da mão para esvaziar uma garrafa, graças a “atalho” neural

Os resultados indicam que, em ambos os sexos, os efeitos subjetivos – sensação de cansaço, percepção de esforço, alterações de humor – foram maiores que os medidos objetivamente. E que, nessas medidas objetivas, as mulheres se saíram pior que os homens, com ênfase nas tarefas realizadas logo após acordar. “Estes dados estabelecem o impacto do ritmo circadiano e do sexo na cognição em vigília, e têm implicações para entender a regulação das funções cerebrais, cognição e os efeitos do trabalho em turno, jetlag e envelhecimento”, escrevem os autores.

que, segundo a empresa, deverá reduzir de modo significativo os custos das viagens espaciais. A operação, executada em 8 de abril, foi a quinta tentativa de realizar o resgate marítimo, e a primeira bem-sucedida: nas oportunidades anteriores, o estágio chegara a tocar a plataforma, para depois cair e explodir. Em dezembro, a SpaceX tinha conseguido pousar um estágio com sucesso me terra firme.

Pesquisadores chineses publicaram, no periódico Journal of Assisted Reproduction and Genetics, a descrição de um experimento para inserir, no DNA de embriões humanos, um gene capaz de conferir imunidade ao vírus HIV. Foram usados embriões inviáveis, descartados de terapias de reprodução in vitro, e que foram destruídos na conclusão do estudo. O artigo afirma que, embora o gene da imunidade tenha sido implantado com sucesso, foi impossível controlar as variedades “nativas” já presentes no genoma, o que representará uma dificuldade para o uso terapêutico da técnica. Os autores pedem que não se tente alterar a linhagem genética humana sem que haja ampla discussão pela comunidade internacional. Este é apenas o segundo estudo publicado sobre o uso da técnica CRISPR/Cas, uma ferramenta que permite recortar e colar trechos de DNA com alta precisão, ao genoma de embriões humanos. O trabalho anterior também havia sido realizado na China.

SpaceX resgata foguete com sucesso A companhia privada SpaceX, uma das empresas contratadas pela Nasa para prover serviços de acesso à órbita terrestre após a aposentadoria dos ônibus espaciais, conseguiu, pela primeira vez, fazer um estágio de seu foguete Falcon 9 pousar, de forma controlada, numa plataforma marítima. Esse mesmo estágio havia sido utilizado para impulsionar uma cápsula de carga Dragon rumo à Estação Espacial Internacional (ISS). O pouso controlado na plataforma abre caminho para a reutilização do estágio, o

Genes ruins em gente saudável

Uma frase jocosa comumente atribuída ao biólogo britânico J.B.S Haldane (18921964) diz que o estudo biologia revela que o Criador tem “uma preferência desproporcional por besouros”, numa referência à enorme diversidade desse grupo de insetos. Se fizesse uma observação semelhante hoje, Haldane talvez trocasse “besouros” por “bactérias”: uma nova Árvore da Vida, apresentando a relação evolutiva e o parentesco genético entre os seres vivos do planeta, mostra que a diversidade das bactérias supera em muito a dos eucariontes, grupo que inclui animais e plantas. A nova árvore, publicada no periódico Nature Microbiology, foi compilada por pesquisadores dos Estados Unidos, Canadá e Japão, valendo-se de bases públicas de informação genética e de mais de mil genomas reconstituídos a partir de ambientes comumente pouco estudados. “Os resultados revelam a dominância da diversificação bacteriana”, escrevem os autores.

Uma análise dos genomas de cerca de 590 mil pessoas, em busca de mais de 800 genes que, sabe-se, são causadores de doenças que se manifestam logo na infância, encontrou 13 portadores de algumas dessas mutações deletérias que, a despeito disso, são saudáveis. O artigo que descreve o trabalho foi publicado no periódico Nature Biotechnology. ”Nossas descobertas demonstram que é promissor ampliar os estudos genéticos, para uma busca sistemática de indivíduos saudáveis que estão protegidos dos efeitos de mutações raras, prejudiciais e altamente penetrantes”, escrevem os autores, de instituições dos EUA, China, Canadá e Suécia. Uma mutação é chamada “completamente penetrante” quando se presume que a mera presença do gene mutante basta para causar os sintomas da doença. Os pesquisadores propõem que o estudo desses indivíduos que têm as mutações, mas não manifestam sintomas, pode revelar fatores que mediam os efeitos dos genes problemáticos, e ajudar na criação de terapias. Essa abordagem, no entanto, exigirá levantamentos genéticos de números cada vez maiores de pessoas, para revelar mais mutantes saudáveis.

Parasita com imunidade limitada a remédio

Jovens cientistas criticam avaliação por nº de publicações

A mudança genética que torna os parasitas causadores da malária imunes à droga atovaquone também faz com que os protozoários sejam incapazes de se reproduzir com sucesso, diz artigo publicado na revista Science. De autoria de pesquisadores da Austrália, Indonésia e Japão, o trabalho avaliou três diferentes mutações do gene responsável pelo surgimento da resistência, em versões do protozoário que infectam roedores. Duas das mutações causam defeitos nos zigotos do parasita, e a terceira torna o protozoário estéril. O cruzamento de parasitas mutantes entre si, e com protozoários normais, mostrou que as mutações não são transmiti-

Mais de 70% dos cerca de 200 jovens pesquisadores que responderam a uma enquete lançada, em janeiro, pela revista Science a respeito das métricas mais utilizadas para avaliar cientistas – número de publicações e fator de impacto – responderam que esses critérios não medem o valor do trabalho científico de modo adequado. Entre as razões apontadas, está a alegação de que as publicações de um pesquisador em início de carreira refletem mais o prestígio de seu país, seu orientador ou sua instituição que seus talentos pessoais. O periódico publicou um extrato das respostas recebidas online, em: http://science.sciencemag. org/content/352/6281/28

Planeta bactéria

Embrião humano editado

das à prole. Em testes envolvendo mais de 750 picadas de mosquito, a transmissão da resistência à droga só foi constatada uma única vez, e o mutante não conseguiu passar a característica a seus descendentes.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Rachel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


3 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016 Foto: Jesper Sonne

Pesquisa detalha interação entre plantas e beija-flores Estudo do Instituto de Biologia está fundamentado em informações de história natural LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

interação entre plantas e um importante grupo de polinizadores nas Américas, os beija-flores, é o objeto de estudo de Pietro Kiyoshi Maruyama Mendonça, em tese de doutorado orientada pela professora Marlies Sazima e defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto de Biologia (IB). Estima-se que os beija-flores chegaram ao continente sulamericano há 22 milhões de anos, dando início a uma associação mutualística (em benefício das duas partes) com plantas nectaríferas, que provavelmente foi responsável pela diversificação de alguns destes grupos de plantas. O estudo enfoca bastante a abordagem de redes de interações e traz o diferencial de estar fortemente baseado em informações de história natural, demonstrando como a melhor compreensão das partes (espécies) pode levar a um melhor entendimento do conjunto (comunidades de espécies que interagem). Pietro Maruyama investigou como as características das espécies – morfologia, comportamento, distribuição espaço-temporal – estão associadas à maneira como os organismos interagem entre si nas comunidades ecológicas. “O entendimento sobre as interações mutualísticas entre plantas e animais tem avançado com o uso crescente da abordagem de redes complexas, revelando alguns padrões constantes na organização da ‘teia da vida’. E o conhecimento acerca da história natural das espécies também tem importância crescente em estudos com redes de interações”, afirma na tese. Segundo o autor, o estudo considerou diferentes tipos de comportamentos exibidos pelos polinizadores ao visitarem uma flor e, também, como os atributos das espécies podem estar associados à incorporação de

plantas exóticas nas redes de polinização. “Utilizamos abordagens que vão desde o estudo focado em uma espécie de planta ou de polinizador, até estudos em ampla escala geográfica, englobando várias comunidades espalhadas pelas Américas. Conhecer os atributos das espécies e a estrutura das interações poderá ser uma estratégia interessante para entender, predizer e mitigar os efeitos das mudanças ambientais globais sobre os sistemas ecológicos.” O pesquisador conta que em seu mestrado focou plantas associadas a beija-flores no Cerrado e que recebeu da orientadora Marlies Sazima a proposta de realizar sua pesquisa de doutorado na mata Atlântica, em sintonia com colegas do laboratório que estudam a biologia da polinização nesta região. “A floresta atlântica foi um componente importante no momento inicial da tese, pois possui grande diversidade de plantas e também de beija-flores. Os beija-flores são animais muito carismáticos e, embora exclusivos do continente americano, são estudados por pesquisadores do mundo inteiro, com os quais a professora Marlies mantém colaboração.” Um desses colaboradores internacionais, acrescenta Maruyama, é o professor Bo Dalsgaard, da Universidade de Copenhagen, que acabou se tornando seu coorientador. “Ampliamos a pesquisa com um conjunto de dados reunidos pelo grupo do professor na Dinamarca, englobando desde a América Central até o sul do Brasil. A tese traz informações de cerca de 60 espécies de beija-flores e de mais de 300 plantas. Parece que fiz muita coisa, mas na verdade resgatei um conhecimento acumulado da história natural para me auxiliar a compreender mais intimamente as características dos organismos, combinando com trabalhos numéricos e estatísticos, a fim de chegar a uma visão das interações na comunidade como um todo.”

Registro de besourinho-da-mata pilhando néctar: comportamento da espécie fornece dados para a área da morfologia

LADRÃO DE NÉCTAR O autor informa que os dois primeiros capítulos da tese focam a interação entre plantas e beija-flores na floresta Atlântica do sudeste do Brasil, especialmente um beija-flor bem pequeno, Phaethornis ruber, conhecido como besourinho-da-mata. “Temos em nosso imaginário que os beija-flores prestam um serviço às plantas, polinizandoas, mas eles estão interessados apenas no néctar – tanto é que são atraídos por bebedouros artificiais. O besourinho, particularmente, atua como um ladrãozinho de néctar: ao invés de polinizar a planta entrando pela abertura da flor, ele faz um furo na base para extrair o que lhe interessa. É um comportamento observado frequentemente, principalmente em plantas que possuem flores mais longas; em outras, essa ave atua realmente como polinizadora, provendo o serviço em troca do néctar.” Uma consequência desta pilhagem feita pelo P. ruber, constatada na pesquisa, é que outras espécies de beija-flores, polinizadores legítimos de tais plantas, deixam de visitá-las, comprometendo a reprodução das mesmas. “Realizamos um experimento de campo sobre esta pilhagem com uma espécie de cana, a Canna paniculata. Um aspecto da história natural que podemos importar para essas interações é a morfologia das espécies, como tamanho da flor ou comprimento do bico do beija-flor – aquele de bico mais longo tenderia a polinizar flores mais longas, dentro de um encaixe morfológico.” No terceiro capítulo, que mereceu um prêmio internacional da revista Biotropica (da Associação para Biologia Tropical e Conservação, ATBC), Pietro Maruyama contraria estudos sugerindo que a abundância de espécies ou a oferta de néctar seriam determinantes para as interações entre plantas e beija-flores. “Isso nem sempre é o caso. Um aspecto importante é a sincronia da floração das plantas com a presença dos beija-flores Foto: Antonio Scarpinetti

na área para que ocorra a polinização. Mostramos que a sobreposição espaço-temporal, bem como a morfologia das espécies (o acoplamento de bicos e corolas), são determinantes para a formação de módulos de interação na rede. Nesse estudo, alguns padrões observados primeiramente para uma comunidade de plantas e beija-flores da Mata Atlântica, foram estendidas a comunidades do Cerrado brasileiro.”

PLANTAS EXÓTICAS O pesquisador reservou o último capítulo para expor um conjunto de dados sobre interações entre plantas e beija-flores nas Américas, destacando a presença de plantas exóticas ou invasoras introduzidas por humanos em comunidades – uma das ameaças globais à biodiversidade mais discutidas atualmente. “Essas plantas são uma ameaça quando se tornam dominantes ou superabundantes, passando a competir com plantas nativas, que muitas vezes se extinguem por não conseguirem sobrepujar as invasoras. Como uma característica conhecida dos beija-flores é a de visitar plantas exóticas, nós procuramos saber, por exemplo, o quanto essas espécies servem como fonte de néctar.” A constatação do estudo é de que as plantas exóticas são realmente uma rica fonte de recursos e interagem de forma prevalente com os beija-flores. “Isso significa que, embora ameacem a biodiversidade nativa, é complicado pensar na simples erradicação de espécies invasoras; deve haver um controle planejado, visto que as aves podem depender destas fontes de néctar para continuarem nas comunidades. Observamos ainda que alguns atributos das plantas exóticas estão relacionados com sua maior importância nas comunidades, como por exemplo, as árvores em relação aos arbustos e, ao que parece, espécies que ocorrem em ilhas (no caso, as do Caribe).” Um próximo passo, na opinião do autor da tese, é pensar como as mudanças climáticas globais podem levar a possíveis alterações na composição das espécies e, talvez, predizer como tais interações vão ser reorganizadas, o que está diretamente ligado à preservação das comunidades naturais. “É isso que eu e meus colegas do laboratório estamos investigando no momento. As mudanças climáticas são um fato e terão consequências em espécies que hoje ocorrem em determinados locais. O conhecimento e consideração dos atributos das espécies de plantas e beija-flores podem ser úteis no cenário de mudanças ambientais, auxiliando nas predições de como estas espécies rearranjarão suas interações em ambientes cambiáveis.”

Publicação Tese: “Interações entre plantas e beija-flores: história natural e redes ecológicas” Autor: Pietro Kiyoshi Maruyama Mendonça Orientadora: Marlies Sazima Coorientador: Bo Dalsgaard Unidade: Instituto de Biologia (IB) Pietro Kiyoshi Maruyama Mendonça, autor da tese: “O entendimento sobre as interações mutualísticas entre plantas e animais tem avançado com o uso crescente da abordagem de redes complexas”


4 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016

Docente traduz ferramenta do MIT para criação de aplicativos Interface gráfica pode ser usada por pessoas sem experiência em programação Foto: Divulgação

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

professor e pesquisador Eduardo Valle da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, atual coordenador de graduação do curso de Engenharia da Computação, completou, no início do ano, a tradução para o português da ferramenta de criação de aplicativos para celulares MIT App Inventor, disponibilizada gratuitamente na internet pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Por meio do App Inventor, pessoas sem experiência em programação podem criar aplicativos para celulares da plataforma Android. Essa versão traduzida já está online, no site oficial http:// appinventor.mit.edu/explore/ . A interface gráfica do MIT App Inventor permite ao usuário usar o mouse para arrastar-e-soltar os componentes do aplicativo, comandos e funções. Os componentes são posicionados diretamente na tela de celular, e os comandos e funções são formados por uma linguagem visual que lembra peças de um quebra-cabeça. A linguagem facilita a vida dos iniciantes: por exemplo, é impossível encadear os comandos de forma inválida, porque as pecinhas não se “encaixam”. “A facilidade da linguagem de programação visual trouxe essa potencialidade, de abrir a criação de aplicativos para um público não especialista, um público leigo”, disse Valle. “Você tem, essencialmente, uma paleta de componentes, que podem ser uma caixa de texto, um botão, uma barra de rolagem... O primeiro passo é o desenho gráfico da tela, como eu quero que ela se organize. Você pega os elementos desejados – por exemplo, uma caixa de senha e um botão – e arrasta para a tela do celular. Em seguida vem a programação, dizendo, por exemplo, que quando o usuário clicar no botão, eu quero validar a senha”, exemplificou. O docente diz que o sistema do MIT “é muito simpático”, e estimula interesse e curiosidade que poderão levar a estudos mais avançados. “Eu vejo o App Inventor como uma porta de entrada: depois de um certo avanço, a pessoa vai sentir a necessidade de outras linguagens mais profissionais. O App Inventor torna as coisas muito fáceis, é bem diferente de uma linguagem de programação convencional, em que o programa é escrito de forma textual e depois passa por um compilador que aponta os erros – e aí aparece uma tela cheia de mensagens confusas, difíceis de interpretar: se faltou um ponto e-vírgula na linha cinco, por exemplo, estoura um aviso de erro na linha oito ”. Valle afirma que com o App Inventor é possível fazer muito bom uso dos recursos instalados pelo fabricante no celular. “É uma linguagem bastante poderosa. Ela abre muita coisa no telefone, todos os sensores, como o sensor de orientação, acelerômetros, giroscópio, GPS, leitor de código de barras”, exemplifica. “O único senão é que a linguagem gráfica, ao mesmo tempo em que é fácil de usar, não é conveniente para escrever programas longos”.

DIVERSIDADE A ideia de produzir uma versão em português do MIT App Inventor nasceu de uma experiência de docentes da FEEC e do Instituto de Computação (IC) em ensinar programação para jovens alunas de escolas públicas de ensino médio de Campinas. O sistema do MIT foi usado nesse trabalho, mas na época ele só existia em inglês. “Várias de minhas colegas e alunas promoveram iniciativas de ensino de programação para meninas”, disse ele. “E isso é numa coisa em que estou muito interessado, é um assunto em que estou sempre muito envolvido: a questão da diversidade dentro da Engenharia de Computação. Temos um cur-

Tela de edição do MIT: comandos e funções lembram peças de um quebra-cabeça Foto: Antoninho Perri

O professor Eduardo Valle, da FEEC: “O App Inventor torna as coisas muito fáceis, é bem diferente de uma linguagem de programação convencional”

so com problemas de diversidade em todos os níveis, e fico batendo muito nessa tecla, sempre. Aos poucos, estamos conseguindo nos tornar uma escola mais diversa, sobretudo nessa questão do gênero”. Em 2014, a professora Juliana Freitag Borin, do IC, coordenou o “Android Smart Girls”, um programa para estimular meninas do ensino médio a considerar a possibilidade de se dedicarem a carreiras de ciências exatas, engenharias e computação. “Isso foi um piloto muito importante, porque nos abriu a cabeça para diversos desafios e diversas potencialidades. As professoras usavam o App Inventor, que então só estava disponível em poucas línguas, acho que só existia em inglês e, talvez, chinês”, explicou Valle. “Percebemos que a língua era uma barreira para esse público, meninas de escolas públicas, algumas das quais vivem uma situação social que não é favorável”. Embora a tradução para o português já tivesse sido iniciada antes, Valle dedicou-se com afinco à tarefa ao longo do último recesso de fim de ano, entre o fim de 2015 e o início de 2016, e a versão acabou chegando ao público neste ano. “Continuo em contato com o pessoal do MIT para a gente conseguir ampliar o escopo dessa tradução”, acrescenta o docente. “Ela não está cem por cento, ainda, porque esses esquemas de tradução dependem da pessoa que escreveu o programa prever que as frases têm que ser traduzíveis, e existem cerca de 15%, 20% das frases para as quais

não foi feita essa previsão, quando o App Inventor foi criado”, disse. “Gostaria de, talvez no próximo recesso, fazer isso: e aí é um projeto de programação mesmo, ir ao código-fonte e traduzir o programa inteiro”.

TRAUMATIZADOS Valle acredita que a programação, “a criação de pequenos programadas de até quinze linhas”, é um “talento de alfabetização”, uma perícia importante no mundo moderno, “como trocar um pneu ou fazer um furo na parede”. “Existem algumas habilidades gerais, da vida, que a pessoa que não sabe fica dependente, na mão das outras”, afirma. “A pessoa que não sabe fritar um ovo, que não sabe pôr um prego na parede, não sabe trocar um pneu, não sabe trocar a vela do filtro... Sobrevive-se sem saber essas coisas, mas, enfim, você saber furar a sua própria parede amplia a sua independência. Saber programação amplia seu leque de possibilidades mais ainda”, acredita. Ele é cético, no entanto, quanto à conveniência de se incluir, sem o devido cuidado, a informática entre as disciplinas formalmente oferecidas no ensino médio ou fundamental. “Se for para criar um espaço de criatividade, de independência, de liberdade — acho ótimo. Como uma boa aula de Artes, como uma boa aula de Educação Física. Mas se for para amarrar os alunos em um

curso focado no formal, o efeito seria nulo. Aliás, não, seria negativo. Meu pesadelo é pensar que alguma criança foi reprovada em algum lugar porque não regurgitou em uma prova o que o professor queria ouvir sobre estruturas de dados, ou algum absurdo do tipo.” Seu exemplo é o da matemática, “mal ensinada no mundo todo” e que cria “jovens traumatizados”. “Isso é uma ilusão de ensino”, critica. “O que acontece com matemática, hoje, é que as crianças passam a detestar matemática, não aprendem matemática nenhuma e, quando chegam à universidade, estão com uma ilusão de competência de matemática, de um lado, então os que gostam de matemática acham que sabem, mas não sabem – e os que não gostam de matemática, na verdade, não gostam é daquele espantalho de matemática que fizeram na escola de ensino médio, mas na verdade nunca viram matemática de verdade. Esse é o grande problema da matemática na escola”. “O meu ponto é: para pegar a informática e fazer isso com ela, por favor, não. Não façam isso, estou dizendo isso oficialmente. Declaração oficial do coordenador de Engenharia de Computação: não me entreguem uma geração de ingressantes traumatizados com informática, como já tenho de traumatizados com matemática. Prefiro que me entreguem, por favor, uma geração de ignorantes em informática, em que é mais fácil desfazer o estrago.”

MULTIPLICADOR Valle diz que, além da tradução do MIT App Inventor, vem trabalhando, junto com estudantes de iniciação científica, num “mapa da revolução” para levar o ensino dessa programação criativa para meninas e a escolas de ensino médio de todo o Brasil. “Continuo muito engajado nessas questões de programação para o ensino médio, em especial para meninas”, afirma. “Meu sonho é criar um material que possa ser usado por qualquer escola, de ensino primário ou secundário no Brasil: que qualquer professora possa pegar esse material e, a partir dele, ver quais os recursos já têm e quais faltam para conseguir uma infraestrutura mínima — e então faça o curso acontecer”, descreve. “Porque vejo o papel da Unicamp como o de quem vai gerar o efeito multiplicador. A Unicamp não pode se contentar em dar o curso. Ela não tem escala para dar o curso para cada aluno do Brasil. O que eu gostaria que acontecesse é que esses pilotos aqui em Campinas servissem para criar um material que formasse outros docentes pelo Brasil, e que com isso alcançássemos essa escala”.


5 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016

Neuropsicólogo desenvolve programa de reabilitação para pessoas com dislexia PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

m programa de reabilitação neuropsicológica para pessoas com dislexia foi desenvolvido pelo neuropsicólogo Ricardo Franco de Lima. O programa, inédito no país, é dividido em quatro módulos e foi testado com sucesso em pacientes do Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendizagem do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp e do Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (Ciapre). O foco da reabilitação são as chamadas funções executivas, segundo o pesquisador, aquelas habilidades que nos ajudam a atingir alguma meta, como, por exemplo, o planejamento, a organização, o uso de estratégias, a flexibilidade mental e o automonitoramento. O programa é parte da tese de doutorado do pesquisador, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Já é sabido que as pessoas com dislexia têm muita dificuldade na leitura e escrita, porque o transtorno, que é neurológico, envolve áreas do cérebro relacionadas à linguagem. “Quando essas áreas são mais exigidas, por exemplo, no período da alfabetização, é que começamos a perceber mais facilmente as dificuldades. Antes desse período, a criança pode ter atraso no desenvolvimento da linguagem, trocas na fala ou dificuldades para incorporar algumas palavras no vocabulário. Pode ainda ter dificuldades em compreender rimas, cantigas e também dificuldades psicomotoras”.

Segundo Ricardo, não há programas brasileiros descritos para a dislexia, apesar da ampla utilização dos modelos de reabilitação neuropsicológica e de autorregulação da aprendizagem nos contextos clínico e educacional. Em geral, a abordagem terapêutica costuma ser encaminhar o paciente para um profissional de fonoaudiologia ou tratar as questões emocionais. As limitações nas funções executivas foram percebidas pelo próprio pesquisador, em sua dissertação de mestrado. “Verifiquei que as crianças com dislexia, além das alterações na linguagem que são as principais e centrais, também têm dificuldades nas funções executivas”. Daí a ideia de desenvolver um programa de reabilitação dessas funções, que também impactam no desempenho da leitura e escrita. De acordo com Ricardo, não é fácil para o disléxico tanto a decodificação das letras e das palavras, como também perceber e monitorar o próprio desempenho. Por exemplo, na leitura da frase “o menino pegou a bola”, pode ser complicado para ele transformar as letras em sons, mas também, como há impedimentos na função executiva, o disléxico pode não perceber isso e mais ainda, não pensar em uma alternativa para o problema. Por fim, ele pode ter lido as palavras e não ter entendido seus significados. Não é fácil diagnosticar a dislexia. Ricardo afirma que a confirmação de que a criança tem o transtorno se dá geralmente entre o segundo e o terceiro anos da escola e por uma equipe de profissionais de diferentes áreas, que precisam descartar uma série Foto: Antoninho Perri

Projeto, que integra tese de pesquisador, foi testado com sucesso no HC da Unicamp de possibilidades que dificultam a leitura e a escrita. “De todas as crianças encaminhadas ao ambulatório, apenas entre 1% a 2% tem o diagnóstico de dislexia. A maioria nem deveria estar em um hospital, são problemas que poderiam ser resolvidos na escola”, ressalta o pesquisador. Isso porque o serviço não recebe uma amostra espontânea da população, mas somente as crianças encaminhadas por já apresentarem alguma dificuldade na escola.

O PROGRAMA Para desenvolver o programa, Ricardo juntou técnicas da neurociência e da neuropsicologia com outras formas de intervenção na área educacional. “Foi uma aproximação da neurociência e a educação”. A intervenção é clínica, para ser utilizada em consultório, e deve ser feita em um período considerado curto, de até seis meses. Cada sessão foi descrita minuciosamente. Ricardo desenvolveu também os materiais utilizados, como vídeos, áudios, slides e materiais de manipulação. Tudo disponibilizado em um CD para os pacientes. O primeiro módulo do programa é realizado com o paciente, seus pais e com a escola. “A ideia é explicar para a família o que é a dislexia, esclarecer dúvidas, dar suporte no sentido de conhecer os materiais, documentários, vídeos, e entender o diagnóstico. E também faz parte entender o que é a intervenção”, explica. O segundo módulo descreve todo o trabalho de orientação que deve ser feito ao longo do programa. “A cada número ‘x’ de sessões temos o momento de orientação que verifica se o paciente tem condições de passar para a etapa seguinte”. No terceiro módulo as funções executivas começam a ser trabalhadas e são aplicadas às competências de estudo. “Há várias competências que poderiam ser trabalhadas, mas para a pesquisa a gente teve que eleger algumas, entre elas a administração de tempo, organização do ambiente de estudos e de materiais, a lição de casa e o estudo para provas”. O quarto módulo é dedicado às funções executivas aplicadas à compreensão de leitura. Ricardo enfatiza que um programa de reabilitação precisa ter validade ecológica, ou seja, relação com o dia a dia da criança ou do estudante. É importante que o profissional saiba, por exemplo, como é organizado o quarto do paciente, onde e como ele guarda seus livros, cadernos e objetos.

“Tudo isso é importante para o paciente saber por onde começar, ajuda no automonitoramento que vai repercutir na leitura”. Para cada atividade há estratégias. Como a criança tem dificuldade de leitura, o programa sugere o uso de outros mecanismos como áudios, vídeos, a utilização de plataformas educacionais, aplicativos do celular. Metas são criadas: parar quando há dúvida, anotar em um papel que sirva de lembrete e levar para o professor. Em determinadas situações o terapeuta combina com o paciente um número de perguntas para ele fazer em aula. “O paciente tem que estar atento para perceber que não entendeu e levantar a mão”. Quando as funções executivas já foram bastante praticadas passa-se ao quarto módulo, com estratégias que vão desde uma conversa sobre as representações que a criança ou adolescente tem sobre a leitura até o trabalho com o texto propriamente dito. “Selecionamos um tipo de texto do gênero narrativo, mais fácil, pela proximidade com o relato oral e com as histórias”. Um “mapa de histórias” ajuda bastante. “Em uma folha escrevemos o título da história ou livro, autor, cenário, personagens, conflito, resolução, consequências... O paciente vai construindo uma imagem que se encaixa naquilo que ele escuta ou lê. Trata-se de um mediador externo que ajuda a pessoa a pensar e que depois é retirado”. O programa completo foi desenvolvido com um grupo de seis adolescentes entre 12 e 15 anos com dislexia, durante até oito meses. Os resultados foram comparados a um grupo controle. Ricardo avaliou as mudanças sob vários parâmetros. As dificuldades mais vinculadas à linguagem, entre as quais, a velocidade da leitura, foram persistentes, quando comparadas ao grupo controle. Entretanto na análise intragrupo, ou seja, dos indivíduos do grupo com eles mesmos, houve uma melhora significativa. Outras limitações, especialmente em relação às funções executivas, foram minimizadas após a intervenção, “a ponto de a gente não perceber diferenças significativas em relação ao controle. Eles conseguem ter um desempenho melhor na hora de recontar um texto, de perceber se está correto, etc... Desenvolvem estratégias que vão repercutir na sala de aula”. Ademais, os pacientes saíram ganhando em outros aspectos do desenvolvimento como a melhora na autoestima. “Eles realmente ficam mais confiantes, mais autorregulados, e têm mais autonomia”. Agora é a manutenção dos efeitos do programa de reabilitação que representa um desafio, diz Ricardo. “Se a gente pensar que a dislexia é um transtorno crônico, ou seja, ele vai conviver com essas características para o resto da vida, o objetivo é que o disléxico saiba o que ele tem, e de que maneira ele pode usar suas potencialidades e aprender estratégias para minimizar as dificuldades. Além disso, ao longo da vida, essas estratégias podem ser adaptadas para novas demandas”.

Publicação O neuropsicólogo Ricardo Franco de Lima, autor da tese: unindo neurociência e educação

Tese: “Programa de reabilitação neuropsicológica para pacientes com dislexia” Autor: Ricardo Franco de Lima Orientadora: Sylvia Maria Ciasca Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


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Campinas, 25 de ab

A centralidade da cultura na

Dissertação investiga como se estabelecem as relações entre jovens descende Fotos: Antonio Scarpinetti

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

o visitar uma amiga nipo-brasileira que foi fazer faculdade em outra cidade, Juliana Carneiro da Silva se viu apresentada a pessoas, quase todas, também com traços orientais. “Você só tem amigos ‘japoneses’ aqui?”, perguntou. “Não, mas de fato te apresentei muitos ‘japoneses’ hoje. Parece que a gente se atrai”, ouviu. “Semelhanças que atraem: Um caleidoscópio nas relações entre jovens brasileiros descendentes de japoneses no estado de São Paulo” é o título da dissertação de mestrado de Juliana, orientada pela professora Amnéris Ângela Maroni, do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Com a frase da amiga na cabeça, Juliana Carneiro passou a reparar que outros nipodescendentes também andavam em grupos. “Quis investigar porque isso acontece, pois o comportamento me pareceu contradizer a literatura sobre a imigração japonesa no Brasil, que enfatiza a grande integração deste contingente populacional com a sociedade brasileira. A dissertação trata das relações estabelecidas por jovens descendentes fora de espaços étnicos, como associações nipo-brasileiras e baladas e festivais orientais, com um recorte para o estado de São Paulo.” A autora concentra sua pesquisa em dois pontos principais: problematizar a ideia de “japonês” (termo corrente no Brasil para denominar os nipo-brasileiros) e investigar as relações entre jovens descendentes atentando para conflitos e divergências que relativizam o conceito antropológico de “solidariedade étnica” – haja vista sua constatação de que a afinidade e a cumplicidade, no caso deles, nem sempre se realizam. “Há, sim, uma espécie de ‘confiança entre japoneses’ (como denomino na dissertação), mas a ascendência nem sempre é um fator decisivo para que as relações se estabeleçam; depende de como cada sujeito lida com as heranças japonesa e brasileira.” A cientista social realizou incursões intermitentes a espaços tidos como japoneses, nipo-brasileiros ou orientais, entrevistando 15 jovens, incluindo alguns não descendentes que circulam por esses ambientes. O financiamento da Fapesp também propiciou um estágio de pesquisa na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS-Paris). “Nunca tinha ido a uma associação nipo-brasileira, nem sabia que existia uma em Sorocaba, minha cidade natal. Embora o foco de análise estivesse nas relações dos jovens ‘japoneses’ fora de espaços étnicos, achei importante visitálos para conhecer possíveis interlocutores e ter uma noção sobre as práticas locais. Também quis avaliar as relações pela perspectiva dos não descendentes.” Na falta de contato com a cultura, observa Juliana Carneiro, cria-se uma série de expectativas, que vão se quebrando, como em relação às baladas orientais, que têm de diferente apenas uma maioria de frequentadores com traços orientais. “Em festivais tomei contato com o taikô (espetáculo com tambores) e o yosakoi soran (estilo de dança moderno). Circulando nesses espaços fui entendendo que a ‘japonesidade’ se constrói a partir da relação com a cultura – e que eu mesma posso me tornar uma japonesa. Muitos nipo-descendentes não têm proximidade com esse tipo de espaço; outros foram levados pelos pais desde pequenos, mas não gostam; e há os que gostam muito e fazem questão de manter o vínculo.” A autora da pesquisa dedica o primeiro capítulo a um panorama das relações entre nipodescendentes ao longo da trajetória da imigração, a partir da chegada dos pioneiros ao Brasil. “Os primeiros imigrantes foram trabalhar nas fazendas de café, onde havia uma dispersão, pois eram poucos em cada propriedade; trabalhavam muito e tinham pouquíssimo

Grupo japonês durante apresentação de “taikô” na Fazenda Ribeirão, na Serra do Japi, em Jundiaí

contato. Saindo do regime de colonato e indicando uns aos outros onde havia terra boa, começaram a formar núcleos espontâneos, inclusive com intermediação de companhias de imigração japonesas. Nestes núcleos coloniais os imigrantes puderam se fortalecer através da criação de associações, que negociavam os produtos agrícolas coletivamente. Além disso, notamos que o governo e outras instituições do Japão acompanharam de perto o processo imigratório, facilitando a permanência de seus patrícios no Brasil.”

ESSENCIALIZAÇÃO ÉTNICA Olhando para as relações no passado imigratório, a pesquisadora pôde perceber que o fato de serem todos nipônicos não implicava em total harmonia. “Desde o início, ao lado da ajuda mútua e da confraternização, convivem disputas, diferenças e tensões. Daí, um elemento chave da dissertação: a multiplicidade que se esconde sob a aparente homogeneidade. Os brasileiros se acostumaram a olhar alguém com traços orientais e associá-lo imediatamente

a uma pessoa honesta, correta e trabalhadora. Utilizo na dissertação uma expressão de Jeffrey Lesser, ‘essencialização étnica’, ou seja, o julgamento que fazemos de uma pessoa a partir de sua etnicidade.” A cientista social constatou que apesar de os próprios nipodescendentes se valerem do mecanismo da essencialização étnica entre si, ter traços orientais não é suficiente para ser considerado um japonês. “Ser japonês, na verdade, é um processo, um tornar-se. Várias vezes em que fui a campo, pessoas tomavam meu interesse por práticas locais como um desejo de ser japonesa. No entanto, é preciso encontrar vínculos pessoais com aspectos da cultura para que o processo de transformação possa se desenvolver.” Este processo de tornar-se dá margem a múltiplas “japonesidades”, aspecto que levou Juliana Carneiro a se aproximar de um grupo de jovens pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “O grupo é liderado pelo professor Igor Machado, que convidei para minha banca, e seu objetivo é justamente investigar os vários tipos de ‘japonesidades’ que existem no Brasil. A pesquisadora Claudia Winterstein, por exemplo, estudou o que é ser japonês para os otakus (fãs de animês e mangás), observando que para eles importa muito mais o conhecimento que a pessoa possui sobre este universo do que ser nipodescendente ou não – e existem muitos fãs não descendentes.” Segundo a autora da dissertação, os artigos do grupo da UFSCar desvinculam o “ser japonês” da ascendência e dos traços físicos, como o que resultou de outra pesquisa, realizada por Gil Lorenção, focando o ambiente do kendô (arte marcial similar à esgrima). “É provável que este lutador, vinculado à ética dos samurais, não reconheça um otaku como japonês, e vice-versa. Cada um manifesta a ‘japonesidade’ à sua maneira. Devemos atentar ainda para os nipodescendentes que nem se consideram como ‘japoneses’, julgando que este aspecto não é relevante em suas vidas.”

SOLIDARIEDADE ÉTNICA Juliana Carneiro da Silva, autora da dissertação: “A ascendência nem sempre é um fator decisivo para que as relações se estabeleçam”

No capítulo final, a cientista social vai mais fundo nas relações atuais dos jovens nipo-brasileiros, abordando o conceito de solidariedade étnica. “Se o ser japonês ar-


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bril a 1º de maio de 2016

construção da ‘japonesidade’

entes de japoneses ticula elementos múltiplos, as relações também apresentam múltiplas possibilidades. Optei por analisar as configurações relacionais de três interlocutoras, que recebem nomes fictícios e foram escolhidas por apresentarem mais claramente as possibilidades que encontrei também nos demais entrevistados.” A pesquisadora chama de Débora Takara uma jovem que nunca se sentiu particularmente tentada a se aproximar de outros nipodescendentes, nem considera que as suas relações com eles fluam tão bem. “Ao contrário, ela sempre manteve certo distanciamento por achá-los ‘quietos’ demais e que, por isso, teriam pouco em comum com alguém falante como ela. Porém, transferiu-se para uma escola oriental e percebeu ali a multiplicidade, que nem todos são quietinhos. E é interessante que, ao narrar suas relações, Débora ressaltou muito mais o que via de brasileiro nos nipodescendentes dos quais se aproximou”. Outra interlocutora, Karina Yamada, é uma universitária que, em ambiente onde só vê desconhecidos, tende a se aproximar de alguém com traços orientais, presumindo que sendo ambos criados dentro da mesma cultura teriam maiores afinidades e mais chance de a aproximação ser bem sucedida. “Segundo Karina, a boa recepção de fato acontece, mas na maioria das vezes as afinidades não são tão grandes quanto supunha e não resultam em relação duradoura. São desencontros decorrentes da questão da essencialização étnica: por serem nipodescendentes, imaginam que ambos apreciam J-pop [gênero musical], por exemplo.” Já a também universitária Akemi Ohara morou com os avós, frequenta associações nipo-brasileiras desde pequena e esta proximidade com a cultura leva-a a acreditar que é diferenciada dos demais brasileiros, incluindo nipodescendentes que não foram criados como ela. “Hoje, ela convive majoritariamente com brasileiros, mas a relação com um nipodescendente que ‘se tornou japonês’ se aprofunda mais facilmente. Acha que ambos se entendem em suas singularidades, que ficam subentendidas, ao passo que para os outros precisa explicá-las.” Juliana Carneiro conclui na dissertação que não existe um padrão relacional entre os nipo-brasileiros e que o nível da relação depende da forma como cada indivíduo lida com suas heranças japonesa e brasileira. “Talvez devamos fazer do koroniagô – língua híbrida do japonês como o português – uma metáfora para pensar a nipodescendência. Sempre tomamos o nipo-brasileiro pelo lado japonês, quando temos duas heranças, suas singularidades e inúmeras combinações. É um contexto muito fluído, em que não se pode fincar o pé. Não podemos afirmar de antemão que um grupo de ‘japoneses’ se forma a partir da herança japonesa. Assim, ao contrário do que eu imaginava no início desta pesquisa, não há necessariamente contradição entre a formação desse tipo de grupo e a integração à sociedade nacional, pois ambos os aspetos estão postos no contexto que estudo e se articulam formando combinações surpreendentes.”

Publicação Dissertação: “Semelhanças que atraem: Um caleidoscópio nas relações entre jovens brasileiros descendentes de japoneses no estado de São Paulo” Autora: Juliana Carneiro da Silva Orientadora: Amnéris Ângela Maroni Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

Governo Meiji usou princípios do conceito de família para legitimar seu projeto de modernização do Japão MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

conceito de família no Japão, que compreende elementos como obediência, honra, lealdade e responsabilidade, serviu ao propósito do Governo Imperial Meiji de legitimar a transição do sistema feudal para o capitalista no país. “A partir desses princípios, o Estado construiu um eficiente discurso de lealdade filial da população ao governo e a seu projeto de modernização”, afirma a economista Anna Ligia Pozzetti de Abreu, que defendeu recentemente no Instituto de Economia (IE) da Unicamp a dissertação de mestrado intitulada “Terra, família e agricultura: um estudo sobre a transição ao capitalismo no Japão (XVII-XIX)”. O trabalho foi orientado pela professora Milena Fernandes de Oliveira. A pesquisa de Anna Ligia trata de um dos elementos do processo de transição do período Shogunal Tokugawa ao período Imperial Meiji: as transformações da estrutura agrária desde o século XVII ao XIX. Dentro de uma pesquisa mais ampla, a economista destacou especificamente a relação familiar japonesa denominada “sistema ie”, cuja configuração se estabelece no início do período Edo e remete à sociedade agrária. Tal sistema, segundo Anna Ligia, incutiu na sociedade, a partir da organização da produção em pequenas unidades produtivas, as noções de solidariedade, respeito e obediência filial, que em boa medida se estendem até os dias atuais. “O Estado se apropriou desses princípios para formatar um projeto que garantisse coesão social e favorecesse a execução, a partir da transição do Governo Shogunal Tokugawa para o Governo Imperial Meiji, de políticas tidas como modernizadoras”, reforça a pesquisadora. Com essa estratégia, prossegue Anna Ligia, o Estado conseguiu manter uma moral rígida em favor de suas ações, ao mesmo tempo em que justificou, por meio do discurso nacionalista difundido pela educação, a continuação da gravosa exploração no campo, o imperialismo e o movimento beligerante do império japonês. A autora da dissertação observa que tanto o Governo Shogunal Tokugawa quanto o Governo Imperial Meiji exerceram forte controle sobre a sociedade e a organização da produção. “Ou seja, esse modelo de produção agrária não sofreu mudanças significativas no período de Restauração, visto que o novo governo precisava manter a ordem e os costumes diante das transformações que estavam em curso”, detalha. Ademais, assinala a economista, o Governo Meiji se articulou com os grandes proprietários de terra para garantir o financiamento de seu projeto modernizador. “Dada a situação vulnerável ao imperialismo ocidental, o financiamento externo não foi considerado uma opção e, sendo o Japão uma economia agrária, foi o campo quem financiou a industrialização e a expansão imperial do país. Ocorre que, para obter o apoio dos grandes proprietários, o governo não alterou a estrutura fundiária, profundamente

Do sistema feudal

ao capitalismo Foto: Divulgação

Anna Ligia Pozzetti de Abreu, autora da dissertação: “O Estado se apropriou do conceito de família para formatar um projeto que garantisse coesão social e favorecesse a execução de políticas tidas como modernizadoras”

marcada pela desigualdade entre grandes e pequenos produtores. Ao deixar de promover a reforma agrária, as autoridades também deixaram de interferir no quadro de grave exploração dos pequenos camponeses e arrendatários, que seguiram mantendo a mesma relação de subordinação e dependência do período Tokugawa”, pontua. Desde o estabelecimento do período Tokugawa até o início do período Meiji, aponta a pesquisadora, mais de três mil revoltas camponesas foram registradas, evidenciando as dificuldades que os camponeses, notadamente os pequenos, enfrentaram para pagar os impostos ao governo e continuar sobrevivendo no pedaço de terra sobre o qual tinham o direito de uso e posse. O processo de desapropriação que vinha ocorrendo com mais força a partir do século XVIII foi reforçado no período Meiji. Conforme explica Anna Ligia, houve o agravamento das condições de vida dos camponeses, o que resultou em grandes ondas de expropriação. Apesar do elevado número de revoltas no período Tokugawa, com questionamentos pacíficos e também violentos, que expressaram as dificuldades que os camponeses enfrentaram a cada momento histórico da sociedade, o controle do Estado imperial autoritário, aliado dos grandes proprietários de terras, limitou significativamente o poder das revoltas camponesas, que foram reduzidas a partir do final do século XIX, informa a pesquisadora. A reforma agrária com distribuição de terra aos camponeses só seria realizada pelo governo de ocupação norte-americano, após a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial. Explorados no campo, muitos camponeses continuaram em suas terras, mesmo após serem desapropriados, para conservarem o seu ie. Com o avanço da industrialização, exprodutores rurais passaram a viver em situação degradante na cidade, para onde se mudaram para trabalhar como assalariados nas grandes fábricas capitalistas. Também nesse aspecto, destaca a autora da dissertação, o discurso de obediência construído pelo Governo Meiji serviu ao objetivo de manter o controle social nas fábricas, visto que os princípios do sistema ie, estruturado no campo, foi levado para a área urbana. A noção de responsabilidade e pertencimento, por exemplo, foi muito trabalhada pelas corporações privadas. “No discurso dirigido aos empregados, a empresa era apresentada como mais importante que as próprias famílias, visto que o sustento destas dependia do bom desempenho daquelas”, relata. Esse entendimento sobre a relação familiar perdura até hoje, mas de forma bem

menos abrangente que no passado, de acordo com a economista. “Antes, os japoneses ingressavam numa empresa e permaneciam nela até se aposentar. Hoje, é comum as pessoas trocarem de emprego, visto que o país sofreu influências de costumes disseminados pela globalização e também por causa da crise que assola o país há mais de 20 anos. Outro aspecto que mudou foi o preconceito ao gaijin (estrangeiro), que apesar de ainda existir, hoje é mais atenuado”, considera.

IN LOCO O interesse de Anna Lígia pela cultura e assuntos relacionados ao Japão vem da experiência que ela teve no país. “Morei no Japão dos 4 aos 10 anos. Fui para lá por causa do trabalho do meu pai. Quando retornei ao Brasil, continuei estudando o idioma japonês. Na graduação, meu trabalho de conclusão de curso foi sobre a crise dos anos 1990 no Japão”, conta. A ideia de abordar o tema do desenvolvimento econômico do Japão começou a tomar forma quando a economista fez um intercâmbio na Universidade de Waseda, localizada em Tóquio. Lá, a autora da dissertação fez disciplinas, como aluna regular, de história econômica e ciência política. “Voltei pensando em pesquisar algum assunto relacionado ao pós-guerra. Decidi estudar a questão da criação do modelo capitalista japonês, mas acabei me dando conta de que isso só seria possível se investigasse a origem desse processo, que data da queda do Governo Shogunal e ascensão do Governo Meiji”, pormenoriza a economista, que contou com bolsa de estudo concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Publicação Dissertação: “Terra, família e agricultura: um estudo sobre a transição ao capitalismo no Japão (XVII-XIX)” Autora: Anna Ligia Pozzetti de Abreu Orientadora: Milena Fernandes de Oliveira Unidade: Instituto de Economia (IE)


8 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016

Pesquisa aprova sensor para medidas de atividade de água Foto: Divulgação

Autora de dissertação testou novo equipamento em 32 amostras de alimentos diferentes ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

atividade de água (Aw) é uma medida diferente da umidade presente nos alimentos e está estritamente relacionada à velocidade das reações, inclusive aquelas que podem levar à deterioração dos alimentos. Em geral, a indústria de alimentos controla esse parâmetro para definir a vida de prateleira e para garantir características como textura dos produtos. Várias reações dentro dos alimentos dependem deste valor de atividade de água, independentemente da umidade que o alimento possua. Estudo de mestrado realizado na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) apontou que um novo equipamento, um sensor, pode ser usado com vantagens para fazer medidas rápidas de atividade de água na indústria – baseado em um modelo de ondas acústicas superficiais (SAW). O uso do sensor de SAW para medidas de atividade de água é inédito no mundo e foi desenvolvido pelo Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, em Campinas. A autora da dissertação, Ana Valéria Ulhano Braga, comparou suas medidas com equipamentos convencionais do mercado, como o Decagon, um dos mais utilizados. Avaliou 32 amostras de alimentos diferentes, entre eles frutas, biscoitos, produtos embutidos, grãos, alimentos processados, alimentos secos e bebidas. “Toda essa variedade de alimentos foi testada para demonstrar que essa ferramenta é aplicável a todas as faixas de atividade de água”, expôs. O ponto alto da pesquisa foi a comprovação de que o tempo de medida de Aw com o sensor de SAW foi de apenas 27 segundos em média, contra 4,55 minutos do equipamento comercial. O novo sensor foi 11 vezes mais rápido que o Decagon e permitiu monitorar o processo de liberação de moléculas de água das amostras em tempo real. Além disso, outro atrativo foi o preço de fabricação do sensor de SAW – algo em torno de US$ 20,00, ou seja, cerca de 500 vezes inferior ao custo do equipamento comercial mais usual, com valor muito próximo de US$ 10,8 mil. “É claro que terá que ser considerado o valor agregado. Não se trata aqui do custo final direto ao consumidor”, ressalvou. O novo sensor mostrou viabilidade para ir à escala comercial em uma próxima etapa, tanto para ser levado para a indústria como para laboratórios. O CTI Renato Archer, que desenvolve sensores baseados em filmes sensíveis nanoestruturados, em breve deve estabelecer parceria com empresas interessadas e, desde já, está aberto a diálogos nessa direção. Diante desses resultados, a mestranda também propôs o uso do sensor de SAW para a indústria de alimentos principalmente porque, com alguns equipamentos comerciais, é preciso tirar uma amostra para fazer a medida de Aw, ao passo que o novo equipamento propõe um uso já incorporado ao processo.

APLICAÇÕES

O sensor, que foi desenvolvido pelo CTI, em Campinas: baixo custo e análises mais rápidas

a sua aplicação em empresas de alimentos, de cosméticos, de papel e indústria farmacêutica. Mas, com os bons resultados que obteve neste trabalho, Ana Valéria procurou validar o novo equipamento pelo fato de ter atingido um tempo de medida muito mais rápido e com baixo custo. Em laboratório, ela obtinha os alimentos em temperatura ambiente, cortava-os em pedaços pequenos totalizando 4 gramas ou, para alimentos líquidos (como as bebidas avaliadas), a medida de 4 ml. Durante a análise, Ana Valéria colocava o alimento dentro de um recipiente plástico fechado. Testava a atividade de água deixando o alimento exposto ao sensor localizado na tampa do recipiente. Tratava os dados, extraía os parâmetros e caracterizava o tempo de medida. Depois, comparava esse tempo e o valor do resultado para verificar se eram ou não compatíveis com os dados do Decagon. A pesquisadora explicou que, quando se coloca a amostra de alimento em um

ambiente fechado, exposto ao sensor, as moléculas de água saem do alimento e criam ligações com o filme sensível do óxido de grafeno. Daí elas mudam a sua densidade, que é proporcional ao valor da quantidade de água que evaporou do alimento, e vão modificando a frequência e registrando uma curva no computador. “Eu tratava a curva para gerar o valor de atividade de água e extraía parâmetros como velocidade, que pode ser empregado no futuro para prever as condições do alimento”, assinalou. O interessante é que os equipamentos comerciais fornecem um valor final da atividade de água, mas o sensor de SAW acompanha segundo a segundo o valor de atividade de água do alimento, o que traz também uma nova proposta para a indústria de fazer o acompanhamento do processo e avaliação de como o alimento libera a água. Isso propicia a avaliação da qualidade do alimento, dos processos que passaram Foto: Antonio Scarpinetti

A mestranda comentou que a medida de atividade de água já é bem estabelecida na indústria de alimentos, sobretudo para prever estabilidade de um alimento em sua vida de prateleira, visto que ela é relacionada à velocidade de reações microbiológicas, químicas e físicas do alimento. “Existem valores conhecidos de atividade de água em que o alimento deve ser deixado para se manter química e microbiologicamente seguro para consumo. Cada microrganismo e cada reação química ocorrem em uma faixa determinada de Aw”, revelou. Na indústria cosmética e na indústria farmacêutica, o equipamento normalmente pode ser indicado para prever estabilidade, porque os produtos, para serem colocados no mercado, têm que ser conservados até o prazo de validade. Então o alimento é embalado, vai para o mercado e tem uma quantidade de água ideal. Se ultrapassá-la, vai estragar antes de vencer a sua validade. “As indústrias devem controlar esse parâmetro a cada lote para que o alimento se mantenha sempre seguro”, atentou Ana Valéria. O seu trabalho – sobre validação do equipamento para atividade de água na indústria de alimentos – foi desenvolvido na linha de pesquisa de Frutas, Hortaliças e Bebidas da FEA, orientado pelo professor Flávio Luís Schmidt e coorientado pelo pesquisador Serguei Balachov na Divisão de Microssistemas do CTI Renato Archer. A relevância maior de validar esse equipamento para a indústria está no seu custo acessível e na resposta mais rápida, porque hoje em dia é usada a medida indireta da atividade de água. Então a aplicação da medida direta ajuda a prever a estabilidade dos alimentos, sem dizer que muitas indústrias terceirizam esse serviço por causa do seu elevado custo. O novo dispositivo tem um preço mais baixo porque a intenção é que ele seja um sensor portátil e não tenha visor (o visor encarece o equipamento). Poderá ser acoplado através de uma saída USB a um computador ou tablet, onde serão lidos os resultados. Essas ferramentas já estão popularizadas no país. “No futuro, os equipamentos comerciais poderão ter uma estrutura de calibração pronta e, dependendo do valor de frequência, estarão aptos a dar o valor final da atividade de água”, constatou Ana Valéria, que é graduada em Biologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Publicação

FUNCIONAMENTO Como os equipamentos de medição de Aw do mercado têm um tempo de resposta demorado, relatou a autora, isso dificulta

através da medida da velocidade de liberação da água. Conforme Ana Valéria, ainda faltam alguns incrementos para esse sensor que tem um filme fino de grafeno na sua superfície. Só que a precisão encontrada foi mais que 0,03, que é ligeiramente maior do que a dos equipamentos comerciais de atividade de água (0,02). “É pouca diferença, ainda mais considerando que a escala é de 0-1. Então 0,03 é um valor relativamente baixo”, argumentou. “Creio que, melhorando o processo de fabricação e deposição do filme fino, a precisão será até superior à dos equipamentos comerciais.”

A autora da dissertação, Ana Valéria Ulhano Braga: “Ferramenta é aplicável a todas as faixas de atividade de água”

Dissertação: “Caracterização de atividade de água e cinética de dessorção de água em alimentos” Autora: Ana Valéria Ilhano Braga Orientador: Flávio Luís Schmidt Coorientador: Serguei Balachov Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)


9 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016

As pontes da cartografia social Dissertação analisa as conexões entre saúde e arquitetura em territórios habitacionais Foto: Divulgação

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

ocalizado em Campinas, o loteamento da Vila Esperança estende-se junto aos eixos das Rodovias Anhanguera e D. Pedro I, da qual está muito próximo. Situado ao norte do Jardim São Marcos, vizinho ao Ceasa e nas proximidades da PUCCampinas e da Unicamp, foi projetado pelo Programa de Combate às Enchentes (Procen). A maioria dos seus moradores são reassentados da ocupação que se localizava à margem do Córrego da Lagoa e de outras áreas de risco. Até 2010 foram entregues pela Companhia de Habitação de Campinas (Cohab) cerca de 1.200 habitações que hoje chegam a 1.300 com os apartamentos recém-construídos. Foi nessa área que se centrou a tese de doutorado da arquiteta Mirela Pilon Pessatti, orientada pela professora Silvia Aparecida Mikami Gonçavez Pina, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Nela a pesquisadora aborda a intercessão arquitetura e saúde e discute a potencialidade dessa forma de intervenção como contribuição para o aumento dos graus de qualidade de vida em territórios habitacionais de interesse social. Considera-se hoje que habitação e saúde são duas das necessidades mais básicas para a sobrevivência dos indivíduos e indissociáveis para uma vida com qualidade. As observações e conclusões do estudo, realizado no bairro de Vila Esperança, de alta vulnerabilidade e risco social, podem ser extrapoladas para muitas outras áreas com problemas similares, tanto no Estado de São Paulo como no Brasil. O escopo do trabalho fundamenta-se na hipótese de que os aumentos nos graus de qualidade de vida de um determinado território avançam desde que as estratégias utilizadas nas intervenções sejam pautadas por um fazer articulado entre os saberes da arquitetura e da saúde, incluídos nas discussões e decisões, moradores e usuários desses espaços. Para a pesquisadora essa tarefa vai além da prescrição de soluções para o ambiente construído. Com significativa parte dos seus 20 anos de experiência profissional dedicados à resolução de problemas envolvendo arquitetura e saúde e praticando uma arquitetura para e com as pessoas, Mirela sempre se sentiu acolhida por profissionais dessa área. Essa experiência consolidou-se na sua dissertação de mestrado, desenvolvida junto à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, quando teve a oportunidade de abordar “A intercessão arquitetura e saúde: quando o problema é a falta de espaço, qual é o espaço que falta?” Nesse trabalho ela aposta que discutir, intervir e projetar para instituições de saúde envolve a produção de um espaço que não se separa das ações de saúde e de subjetividades inerentes a um determinado território e defende o compromisso ético, estético e político do arquiteto nas intercessões arquitetura e saúde que, além de tudo, deve ser permeável a interferências de outros saberes. Por ocasião da apresentação dessa dissertação ela foi provocada a estender esse debate para além dos serviços de saúde, ampliando-o para o universo das cidades. Despontou-lhe, então a questão de habitação, em especial para a população de baixa renda, e sua relação com a atenção básica de saúde, com o território que ocupa e com a qualidade de vida. Propôs-se então a investigar e discutir o alcance de um modo de intervenção baseado na intercessão da arquitetura e saúde capaz de contribuir para o aumento dos graus de qualidade de vida da população que vive em situação de alta vulnerabilidade social em territórios habitacionais de interesse social. Na tese de doutorado ela aposta em estratégias articuladas e inclusivas, pautadas por um modo de “fazer com” e não de “fazer para”, uma vez que considera que essa tarefa, que vai além de prescrever soluções para o ambiente construtivo, prima por um modo de fazer que inclua os usuários do espaço no seu processo de construção que, sem prescindir do saber do arquiteto e urbanista, permita tanto a interferência dos profissionais de saúde, em especial dos agentes comunitários, quanto dos moradores, de modo a despertar na comunidade o desejo de cuidado com o seu território, o que pressupõe a ideia de coprodução.

O ESTUDO

No estudo, que contou com apoio da Capes e CNPq, Mirela adotou como metodologia de pesquisa-intervenção a cartografia social, que favorece a exploração do território, a Foto: Antonio Scarpinetti

A arquiteta Mirela Pilon Pessatti: “Sempre me chamou a atenção de que muito do que chega ao hospital tem a ver com o território”

Jardim Boa Esperança, bairro de Campinas projetado pelo Programa de Combate às Enchentes: gargalos e precariedade

construção de percursos investigativos, análises e proposições para o campo problemático em questão. A cartografia como método de pesquisa-intervenção não se vale da forma prescritiva, que utiliza regras predefinidas, nem se estrutura com base em objetivos previamente estabelecidos e, nem por isso, está desprovida de direção, pois se alicerça em pistas que orientam o percurso da pesquisa. Essas pistas podem constituir estratégias e diretrizes tanto para o campo da arquitetura quanto da saúde, mas, especialmente, para a atuação conjunta e intercessora com vistas a um objetivo comum: o aumento nos graus de qualidade de vida nas comunidades estudadas. Com base nessa metodologia, diferentemente da poesia sugerida pela inspirada composição homônima de Adoniran Barbosa, Vila Esperança, foi lá que eu passei O meu primeiro carnaval Vila Esperança, foi lá que eu conheci Maria Rosa, meu primeiro amor Como fui feliz, naquele fevereiro Pois tudo para mim era primeiro Primeira rosa, primeira esperança Primeiro carnaval, primeiro amor criança, não é poética a visão que moradores têm do bairro quando, durante a realização de oficinas, realizadas com hipertensos e diabéticos usuários do Centro de Saúde São Marcos, estes são instigados a falar sobre problemas que enfrentam e qualidade de vida: “Aqui tem muito pó de terra, que faz mal (...) minha filha é alergia, eu sou alérgica...” “O pó entra e fica preso na casa. Daí eu não abro, deixo tudo fechado.” “Qualidade de vida para mim é morar em outro lugar.” “Aqui a minha pressão é sempre alta e tenho muito medo.” “Os carros correm muito, não dá para ficar na rua.” “Qualidade de vida é boa moradia, família unida, não passar nervoso.” “Não tem como caminhar, não tem calçadas e as ruas são cheias de buracos.” Segundo Mirela, para entender a dimensão dos problemas enfrentados por esses moradores de baixa renda é imperioso primeiramente incorporar as condições físicas e sociais em que vivem, daí a metodologia por ela adotada. “Quando se parte do pressuposto de que saúde não é somente ausência de doença, mas ter condições de trabalho, de moradia, de sociabilidade, de tudo que contribua para uma vida adequada em determinado território, não se pode ignorar a interação com os moradores, que sabem de suas necessidades, dos seus desejos e do contesto que afeta suas vidas muito mais que o médico, o enfermeiro, o arquiteto”, esclarece. A área destinada ao loteamento, considerada de alta vulnerabilidade, diferentemente do seu entorno, despertou a atenção da pesquisadora. Incrustada entre a Fazenda Santa Genebra, que a doou para a implantação do PROCEN, e o Córrego da Lagoa, ela se liga ao norte do Jardim São Marcos por uma única ponte, que permite a entrada dos ônibus e de veículos, e por pinguelas construídas pelos próprios moradores, com vistas à facilitação do acesso. Ruas sem calçadas, sem asfalto e tomadas pelo mato se estendem por terrenos com muita inclinação, o que dificulta a circulação dos moradores que preferem muitas vezes pegar o ônibus no Jardim São Marcos a fazê-lo na via que circunda o bairro, na época da pesquisa a única com asfalto. Depois de 19 anos da implantação do loteamento e de muita luta começavam a ser asfaltadas as demais ruas. Os moradores têm ainda acesso restrito a Campinas. Para eles é mais fácil chegar a pé à Unicamp do que utilizar o transporte coletivo até o Terminal Central de Campinas, de

lá embarcar em outro ônibus que os leve a Barão Gerado e em seguida em outro para o campus, trajeto que demanda cerca de duas horas. Fisicamente o projeto de unidades habitacionais da Vila Esperança segue o padrão dos chamados embriões, com área de 25 m ² - que corresponde à área para estacionamento paralelo de dois carros, dispostos em terrenos de 7x18 m (126 m² ), compostos por cozinha, banheiro provido de aquecedor solar e ambiente de sala e quarto conjugados, o que compromete a privacidade dos moradores. O projeto prevê a ampliação, por parte dos habitantes, segundo uma única planta básica, que não se atém às diferentes necessidades das famílias, constituídas em média de quatro a seis pessoas. No empreendimento foram construídos também, em menor número, casas com dois dormitórios, tendo como base o embrião comum, e sobrados. Uma única ponte de acesso contribui para o isolamento da comunidade e gera insegurança. Ruas íngremes e mal cuidadas dificultam a acessibilidade e a ausência de asfalto levam os moradores a manter janelas e portas fechadas para evitar a poeira, tornando o ambiente das casas insalubre e propício a doenças das vias respiratórias. O medo, o lixo acumulado nos terrenos vazios, os buracos e o matagal que invade as vias mantêm os moradores reclusos. Ampliações e puxadinhos realizados nas residências sem orientação agravam a circulação do ar e a entrada do sol. Em consequência é alto o índice de pessoas afetadas pela dengue, pela tuberculose, por doenças respiratórias como bronquite e asma. As condições higiênicas facilitam também a Hanseníase.

CONCLUSÕES

As oficinas realizadas no Centro de Saúde e as observações colhidas com o auxílio da agente comunitária, que permitiram a Mirela romper aos poucos o clima de desconfiança com que foi recebida, levaram-na a concluir que quanto mais protagonismo e participação tiverem os moradores na construção de seu território maior o grau de qualidade de vida, porque eles se sentem motivados a incorporar as questões de saúde no sentido mais amplo. “Na minha vivência de arquiteta ligada a questões de saúde sempre me chamou a atenção de que muito do que chega ao hospital tem a ver com o território. Mas o problema não se resolve apenas com o envolvimento das comunidades. Trabalhar com os moradores de forma mais protagonista, mais participante tem efeitos, mas tem limites, pois depende também de ações públicas”, diz ela. A começar pela definição do local de implantação e de como é definido o plano de loteamento, de forma que não fique apartado da cidade, como é comum observar-se em territórios habitacionais de interesse social, gerando os problemas já mencionados. Cabe ainda às políticas públicas planejar os embriões com a consciência de que serão ampliados pelos moradores segundo suas necessidades. Mas para isso eles devem contar com apoio técnico. É responsabilidade também dos agentes públicos garantir o saneamento básico, asfalto e o mais amplo acesso à cidade através do transporte coletivo. A autora se declara incomodada com a submissão de arquitetos a projetos que não contribuam para a qualidade de vida e dificultam o trabalho de agentes comunitários. Entende que arquitetos e urbanistas não podem se eximir de suas responsabilidades.

Publicação Tese: “Intercessão arquitetura e saúde: múltiplas vozes na composição de territórios habitacionais” Autora: Mirela Pilon Pessatti Orientadora: Silvia Mikami Gonçalves Pina Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)


10 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016

Painel da semana 

Painel da semana  Formação de multiplicadores para a transição agro-

ecológica - A Rede de Agroecologia da Unicamp (RAU) está promovendo um curso de formação de multiplicadores para a transição agroecológica como atividade do projeto aprovado no Edital MDA/CNPq N º 39/2014, financiado pela SAF/MDA/CNPq. O curso visa atender as atuais demandas dos profissionais da Extensão Rural, que trabalham junto aos agricultores familiares no estado de São Paulo, tomando por base os princípios da Agroecologia que norteiam os seguintes eixos pedagógicos: “A questão agrária em São Paulo e no Brasil”; “Princípios, fundamentos e práxis em Agroecologia” e “A prática extensionista: métodos, técnicas e ferramentas de trabalho”. A Carga horária é de 80 horas presenciais e estão distribuídas em três módulos: Módulo I (17 a 19 de maio); Módulo II (14 a 17 de junho); Módulo III (19 a 21 de julho). O curso será realizado na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). As inscrições para as 25 vagas disponíveis podem ser feitas até 26 de abril, no link http://goo.gl/forms/DWteZC8wUA  Sensoriamento remoto na indústria do petróleo - No dia 25 de abril, às 9 horas, no Auditório do Núcleo de Pesquisas Ambientais (Nepam), acontece um workshop sobre as aplicações do sensoriamento remoto na indústria do petróleo. Mais detalhes pelo e-mail grss@ ige.unicamp.br ou site http://www.ige.unicamp.br/grss/  Sono e exercício físico - O Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), por meio do Programa Saiba Mais, organiza palestra sobre sono e exercício físico. Será com a Dra. Andrea Maculano, da Universidade Federal de Uberlândia. O evento acontece no dia 27 de abril, às 12h15, na sala CB01 do Ciclo Básico. A palestra é aberta ao público em geral. Mais detalhes pelo site https://www.facebook.com/ events/1739110759706124/  43º Congresso Mundial de Pesquisa em Dança CID – Unesco Brasil - As primeiras brasileiras com deficiência a receber a certificação do Conselho Internacional da Dança da Unesco são de Campinas. Aryane, 22 anos, é bailarina congênita. Emociona ao se entregar a canções como Carinhoso, de Pixinguinha, e o tema de A bela e a fera, ao lado do parceiro de dança Cássio. Aryane não se rendeu aos presságios preconceituosos para uma criança com síndrome de Down, tornando-se uma grande bailarina. Rose e Cláudia são capazes de flutuar sobre rodas e fazer o público flutuar junto. Descobriram que a força de vontade e o talento podem fazer voar, rodopiar e encantar a retina de um espectador. As três têm em comum a dedicação à dança e, por isso, receberão o diploma de bailarinas certificadas pela Unesco em abril, no 43º Congresso Mundial de Pesquisa em Dança CID – Unesco Brasil, no CIS Guanabara, em Campinas. A participação, segundo Keyla Ferrari, professora da Cia Humaniza e presidente do CID Unesco, é aberta a todas as formas de dança: balé clássico, dança moderna, folclórica, salão, oriental, dança terapêutica, dança de projetos sociais, dança do ventre, dança recreativa, tango, entre outras. O Congresso acontece de 27 de abril a 1º de maio. Mais detalhes no endereço eletrônico http://campinas. section.cid-world.org/index.php/en/  Redação Científica em Inglês - O Espaço da Escrita organiza no dia 28 de abril, às 8h30, no Auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BCCL), o Workshop Redação Científica em Inglês – Editage.

Teses da semana 

O evento tem como público-alvo docentes, pesquisadores de carreira, alunos de pós-graduação e de graduação regularmente matriculados na Unicamp. Ele será ministrado pela bióloga Karin H. F. Ale, Mestre em Ciências Biológicas pelo Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O Workshop volta a acontecer no dia 29, às 13 horas, no Auditório UL12, Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA). Mais detalhes pelo e-mail workshops.escrita@reitoria.unicamp  Paranoia e afeto no estudo etnográfico da segurança - O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), por meio do Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, recebe, para palestra, a professora Erika Larkins, da University of California Press. No dia 28 de abril, às 10 horas, na Sala Multiuso, ela aborda o tema “Paranoia e afeto no estudo etnográfico da segurança”. O encontro com a docente integra as palestras das Oficinas de Etnografia, evento focado em exercer regularmente a discussão pública, a crítica mútua e a resolução coletiva de questões concretas relacionadas com a etnografia, enquanto modo de fazer e produzir conhecimento partilhado pelo conjunto alargado das ciências sociais. A palestra é dirigida ao público interessado no assunto. Mais informações pelo telefone 19 3521-1601 ou e-mail seceven@unicamp.br  Colóquio de educação infantil - O Grupo de Estudos e Pesquisas em Diferenciação Sociocultural - Culturas Infantis (Gepedisc) organiza, dia 28 de abril, às 19 horas, na Faculdade de Educação (FE), a 5ª edição do Colóquio de Educação Infantil. O evento tem como público-alvo estudantes e professores. Mais detalhes pelo telefone 193521-5564 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Retratos literários - Em recepção aos calouros de 2016, o Centro de Documentação “Alexandre Eulálio” (Cedae) organiza, até 29 de abril, no Centro Cultural do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, a exposição “Retratos literários”. A mostra apresenta retratos de escritores presentes no acervo da unidade, incluindo-se os fotográficos. Busca-se evidenciar com esta seleção de documentos, traços, qualidades, defeitos, reações e atitudes sugeridas nas linhas sutis de um desenho ou de uma caricatura, em um autorretrato poético, um depoimento ou uma crônica. “Retratos literários” é, antes de tudo, um encontro com Cecília Meireles, Bernardo Élis, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Jorge de Lima, Hilda Hilst, Carlos Drummond de Andrade, Menotti Del Picchia e Flávio de Carvalho. A exposição é aberta ao público em geral e pode ser visitada das 11 às 20 horas. Mais detalhes pelo e-mail cedae@iel.unicamp.br ou telefone 19-3521-1523.

Eventos futuros  Malba Tahan - O Centro de Estudos, Memória e Pesquisa em

Educação Matemática (Cempem) da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp organiza, de 2 a 6 de maio, no saguão da Biblioteca “Joel Martins” da FE, uma exposição sobre “Malba Tahan”. A mostra reúne parte do acervo pessoal do escritor Julio Cesar de Mello e Souza. A curadoria é de Sergio Lorenzato, docente da FE. Mais detalhes pelo e-mail eventofe@unicamp.br  SeEMTeC - O Colégio Técnico da Unicamp, o Cotuca, promove a Semana de Ensino Médio e Técnico (SeEMTeC), dias 2 e 3 de maio,

Eventos futuros 

no Centro de Convenções da Unicamp. A abertura do evento ocorre às 8h30. O objetivo é promover a discussão e o estudo dos mais variados temas dentro das áreas de Ensino Técnico e Profissionalizante e Gestão de Carreira. O evento, que terá palestras, minicursos e mesasredondas, se propõe a abranger conhecimentos técnicos, científicos, educacionais e de mercado, envolvendo alunos, professores e profissionais de Escolas/Colégios Técnicos, Universidades, Centros de Pesquisa e empresas. Mais detalhes pelo link http://seemtec.cotuca. unicamp.br/, e-mail vanessa@cotuca.unicamp.br ou telefone 19-35219906.  Curso para blogueiros de ciência - O Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem (EA)², órgão ligado à Pró-Reitoria de Graduação (PRG), promoverá nos próximos dias 3 e 4 de maio, das 9h às 17h, a segunda edição do curso voltado a docentes, pesquisadores e doutorandos da Unicamp interessados em participar da Rede de Blogs de Divulgação Científica da Universidade. A iniciativa é promovida em cooperação com o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor). Leia mais: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2016/04/07/ ea2-oferece-segunda-edicao-de-curso-para-blogueiros-de-ciencia

Teses da semana  Biologia: “O consumo de dieta hiperlipídica durante a gestação e

a lactação modula a sinalização hipotalâmica de notch e a população de células POMC na prole de camundongos” (doutorado). Candidata: Simone Ferreira Lemes. Orientador: professor Marcio Alberto Torsoni. Dia 29 de abril de 2016, às 9 horas, na sala de defesa de teses do 1o. andar do prédio da CPG do IB.  Ciências Médicas: “Alterações fisiopatológicas na próstata de ratos de meia idade” (doutorado). Candidato: Fabiano Beraldi Calmasini. Orientador: professor Edson Antunes. Dia 26 de abril de 2016, às 14 horas, no anfiteatro do Departamento de Farmacologia da FCM.  Computação: “O problema da ordenação por reversões ponderadas” (mestrado). Candidato: Thiago da Silva Arruda. Orientador: professor Zanoni Dias. Dia 28 de abril de 2016, às 14 horas, no auditório do IC2 do IC.  Educação Física: “Efeito do treinamento resistido periodizado e não periodizado nos domínios cognitivos e morfofuncionais de idosas robustas” (mestrado). Candidato: Hélio José Coelho Júnior. Orientador: professor Marco Carlos Uchida. Dia 25 de abril de 2016, às 14 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Elétrica e de Computação: “Proteção de um transmissor de nível submergível contra transitórios associados às descargas elétricas atmosféricas” (mestrado). Candidato: Pedro Luis Ferrer Penalver. Orientador: professor Edmundo da Silva Braga. Dia 28 de abril de 2016, às 9 horas, na sala de defesa de teses da CPG da FEEC. “Trade-Off entre norma H-infinito e transmissões globais, aplicado ao projetos de filtragem através da rede” (mestrado). Candidato: Jonathan Matias Palma Olate. Orientador: professor Alim Pedro de Castro Gonçalves. Dia 28 de abril de 2016, às 10 horas, na sala PE12 da FEEC. “Aplicação de bancos de dados baseados em grafos no controle de redes de computadores” (mestrado). Candidata: Talita de Paula Cypriano

Destaque do Portal 

de Souza. Orientador: professor Christian Rodolfo Esteve Rothenberg. Dia 29 de abril de 2016, às 9 horas, na sala PE12 da FEEC. “Análise de métodos de compensação de efeitos não lineares em sistemas de transmissão óptica de alta capacidade” (mestrado). Candidato: Victor Emanuel Saraiva Parahyba. Orientador: professor João Marcos Travassos Romanos. Dia 29 de abril de 2016, às 14 horas, na FEEC. “Reconstrução, segmentação e registro de imagens de ultrassom intravascular reconstruídas a partir dos dados brutos de radiofrequência” (doutorado). Candidato: Marco Aurélio Granero Santos. Orientador: professor Eduardo Tavares Costas. Dia 29 de fevereiro de 2016, às 14 horas, na FEEC.  Engenharia de Alimentos: “Extração com fluidos pressurizados de compostos bioativos: polifenóis e tiosulfinatos” (doutorado). Candidata: Angela Maria Farias Campomanes. Orientadora: professora Maria Angela de Almeida Meireles Petenate. Dia 26 de abril de 2016, às 15 horas, na sala 31 do DEA da FEA.  Engenharia Química: “Estudo da fermentação alcóolica em um biorreator de leito fixo com células de Saccharomyces cerevisiae imobilizadas em alginato cálcio revestido com quitosana” (mestrado). Candidata: Gizele Saraiva de Sousa. Orientador: professor Gustavo Paim Valença. Dia 27 de abril de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Física: “Efeitos de tamanho e geometria nas propriedades magnéticas e de hipertermia magnética em nanopartículas de Fe(3)O(4)” (mestrado). Candidato: Juan Manuel Orozco Henao. Orientador: professor Marcelo Knobel. Dia 26 de abril de 2016, às 10 horas, na sala de seminários do Departamento de Física da Matéria Condensada do IFGW.  Geociências: “O município de Valença no contexto das transformações socioespaciais do médio Vale do Paraíba fluminense” (mestrado). Candidata: Michele Pereira Silva Carvalho. Orientador: professor Vicente Eudes Lemos Alves. Dia 25 de abril de 2016, às 14 horas, no auditório do IG. “Análise das floras neopaleozoicas da Bacia do Paraná em múltiplas escalas” (doutorado). Candidata: Isabel Cortez Christiano de Souza. Orientadora: professora Frésia Soledad Ricardi Torres Branco. Dia 27 de abril de 2016, às 9 horas, no auditório do IG.  Matemática, Estatística e Computação Científica: “Modelo com aprendizagem automática para previsão e controle de temperatura em aviários tipo túnel de vento” (doutorado). Candidata: Denise Trevisoli Detsch. Orientador: professor Jose Mario Martinez Perez. Dia 27 de abril de 2016, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. “Sobre semigruposnuméricos t-Galois-Weierstrass” (doutorado). Candidato: Steve da Silva Vicentim. Orientador: professor Fernando Eduardo Torres Orihuela. Dia 29 de abril de 2016, às 14 horas, na sala 226 do Imecc.  Odontologia: ”Avaliação do momento reciprocante na resistência à fratura em limas de rotação contínua” (mestrado). Candidato: Humberto Ramah Menezes de Matos. Orientador: professor Caio Cezar Randi Ferraz. Dia 25 de abril de 2016, às 9 horas, no anfiteatro 3 da FOP. “Análise da participação dos sistemas reguladores de transcrição vicrk e covr e proteínas de biogênese de parede celular na produção e localização das proteínas “moonlighting” alpha-enolase e gapdh em s. mutans” (mestrado). Candidata: Thaís Harder de Palma. Orientadora: professora Renata de Oliveira Mattos Graner. Dia 27 de abril de 2016, às 14 horas, no anfiteatro 1 da FOP.

Destaque do Portal

A música e a cultura do brincar uando a televisão entrou na sala de casa, a música foi embora. Deixou a roda que era formada pelas crianças no quintal, nunca mais foi tomar banho de chuveiro, saiu da cozinha à beira do fogão. Para a educadora Lydia Hortélio, pesquisadora da cultura da infância, a tecnologia da telinha apagou o brilho da música que existia nas famílias. Se hoje existe uma obrigatoriedade da iniciação musical nas escolas, ela não vê com bons olhos. A professora Lydia é a convidada especial do “IX Encontro de Educação Musical da Unicamp”, que nesta edição discute o tema “Educação musical e tradições populares no Brasil”. Realizado até de 18 a 20 de abril em salas do Instituto de Artes (IA), auditório da Adunicamp, Centro de Convenções e Faculdade de Educação (FE) o evento foi organizado por docentes e discentes do curso de licenciatura em Música da Unicamp e trouxe além da professora, outros convidados como Alberto Tsuyoshi Ikeda, professor aposentado da Unesp, em São Paulo, e Lucilene Silva, coordenadora do Centro de Formação de Educadores Brincantes da OCA- Escola Cultural. Os convidados participam de workshops, oficinas, mesasredondas, comunicações orais e apresentações artísticas. A abertura, por exemplo, foi com o coral de mulheres Açucena. Para os alunos, vale muito. “É a oportunidade para os alunos entrarem em contato com diversas pessoas que atuam na rede de ensino ou músicos profissionais, pesquisadores da área de música enfim, é uma troca de informação muito rica”, afirmou a aluna Patrícia Patrícia Kawaguchi César que é da organização. De acordo com a coordenadora geral do encontro, Adriana Mendes, a escolha do tema do encontro surgiu a partir do contato de alunos do curso que começaram a atuar em escolas com a arte do maracatu. “Imagine jovens de um contexto urbano como é Campinas, aprendendo o maracatu e envolvidos de corpo e alma no tema. Nós achamos isso muito interessante e digno de um debate, pois há toda uma discussão por detrás dessa vivência com o preconceito contra as africanidades”. Outro ponto que motivou a escolha do tema das tradições populares, acrescenta a coordenadora, é a constante transformação por que passa a cultura popular e o acesso especialmente à música da infância, as brincadeiras e cantigas das crianças. “Nós percebemos que muitos alunos chegam à universidade sem terem brincado, sem terem tido acesso aos jogos e brinquedos da infância, sem saber cantar uma canção. Como serão professores sem isso?”, questiona Adriana. Esta tem sido a preocupação da professora Lydia Hortélio, que conversou mais detalhadamente com o Portal Unicamp, antes de começar suas oficinas. Baiana que passou a infância no município de Serrinha, a musicóloga e educadora, com 83 anos, muito respeitada na área, ainda se dedica à pesquisa da cultura do brincar e a música da infância. Ela foi a idealizadora da organização não governamental “A Casa das Cinco

Foto: Antonio Scarpinetti

A educadora Lydia Hortélio: “A alegria é necessária no Brasil. É preciso ter infância”

Pedrinhas” dedicada à pesquisa e documentação da cultura da criança. Falando um vocabulário regional, ela explicou porque acredita que a televisão foi tão nociva e, ao mesmo tempo, como pode ser otimista em relação ao futuro. Portal Unicamp – A senhora acredita que está havendo um retorno, ou mais interesse em relação aos temas da cultura popular? Lydia Hortélio – A cultura do brincar está voltando. Quando eu comecei, em 1979, eu não tinha companheiros e hoje tem muita gente. A situação é clamorosa, é uma lástima, nas escolas não tem cultura da criança. Não tem Brasil, décadas de televisão desmontaram este país. Eu conheci outro Brasil em que a gente se reunia pra cantar, havia cantor de banheiro. PU – As pessoas não cantam mais? Lydia Hortélio – Não. Os adultos não cantam e as mães não sabem sequer uma cantiga de ninar. PU – Os alunos que chegam à universidade e serão professores também não tiveram essa experiência na infância... Lydia Hortélio – A situação é essa mesma, por outro lado tenho muita esperança, é o ponto da virada. Esse encontro aqui, por exemplo, é um sinal significativo, muita gente interessada, mesmo porque isso está no corpo da gente se você chama, vem a vontade de cantar de dançar, de dar a mão para a roda. É muito natural entre nós. Eu faço pesquisa na zona rural, no sertão da Bahia. Recentemente fui ver um grupo de meninos do grupo de extensão da Filarmônica de Serrinha, tocando flauta doce. Eu tinha feito uma pesquisa naquele lugar mesmo, onde havia três bandas de pífano. Vi os meninos com a flauta doce e fiquei um pouco chocada. Acabaram aquelas festas. Antes era assim: tinha a festa e tinha as rezas no terreiro de casa. As mulheres cantavam, as mães levavam

um bebê no braço e dois dependurados na barra da saia e todo mundo cantava. Havia uma educação musical espontânea, os meninos cresciam naquele tecido musical da comunidade. PU – Hoje você vem para a escola e é preciso uma lei que obrigue a educação musical e ainda assim ela não existe. Lydia Hortélio – Não existe porque as professoras não sabem cantar uma cantiga. São meninas que nasceram depois da televisão, as professorinhas de hoje. Se você encontra uma pessoa mais velha ou se encontrar professoras leigas, aqui é mais difícil, mas lá no nordeste tem muito, elas sabem muito e fazem a alfabetização cantando e ainda escrevendo as cantigas que sabem cantar. É uma exceção. Mas ainda assim vejo com muita alegria esse encontro aqui e esse entusiasmo dessa moçada para aprender a música da infância. O repertório é vastíssimo. No lugar de onde eu venho eu comecei a levantar a música da infância, há 40 anos. Já levantei mais de 600 brinquedos com música lá no meu município. Eu dividi o século 20 em quatro partes e de 25 em 25 anos fui buscar informantes. Você não avalia a riqueza. Eu não tenho notícia se existe outro município no Brasil que tenha feito isso. Seria uma maravilha. Imagine que, com a diversidade étnica, num lugar o acento é mais indígena, em outro lugar é mais africano, em Santa Catarina, no Sul, é mais ibérico. A riqueza de música que tá aí calada... Esperando que a gente tire o verso. PU – A senhora sugere que a criança tem isso naturalmente, de querer cantar e entrar na roda, mas precisa ter alguém que facilite o processo. Esse é o papel do professor? Lydia Hortélio – A gente deixou que a televisão tomasse o lugar da gente. Hoje tem os aparelhinhos (eletrônicos) com toda música que não corresponde às estruturas da infância, música de adulto. E não é a melhor música de adulto que chega. PU – Qual é o risco para o futuro das crianças? Lydia Hortélio – Eu não sei dar receita para ninguém, mas eu sou apaixonada por música. Eu preciso de música pra viver, eu canto muito naturalmente mais do que eu falo. É mais fácil eu cantar. Então quando a mãe, o pai ou a tia estão perto do menino, o que a gente passa é esse gosto pelo cantar e ele canta também. Como professor de música, querendo ensinar, a criança toma distância, não quer. O que ela quer é alegria, e se a gente chega com a alegria da música a gente conquista o menino. Eu acho que cada um, no lugar em que está, pode fazer alguma coisa. O que eu não acredito é numa educação musical na escola, quando vem um professor uma vez na semana. É muito pouco, o menino não ouve música, não canta e de oito em oito dias vem um professor que, durante uma hora “de relógio” quer ensinar. É o professor de classe, ele é que tem que cantar. Porque que não se pode cantar numa aula de matemática, me diga por que não? Só a escola diz não, e a escola não está com nada. A alegria é necessária no Brasil. É preciso ter infância. Essa é a direção, eu acho. (Patrícia Lauretti)


11 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016

Traumas dentários em crianças

e jovens são objeto de dissertação Foto: Cesar Maia

A orientadora da pesquisa, professora Adriana de Jesus Soares (à esquerda), e a autora da dissertação, Ana Carolina Correia Laurindo de Cerqueira Neto, durante atendimento odontológico

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

atores ligados à oclusão, ou encaixe dos dentes, podem influenciar a ocorrência de traumas dentários em crianças e adolescentes. Especialmente o chamado “overjet” que é uma sobresaliência ou “trespasse horizontal” dos dentes anteriores superiores; e o selamento labial inadequado, quando os lábios em repouso não se tocam, deixando os dentes superiores parcialmente ou totalmente descobertos. A constatação é de uma pesquisa realizada pela docente Adriana de Jesus Soares, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, e pela aluna Ana Carolina Correia Laurindo de Cerqueira Neto, autora de dissertação de mestrado sobre o tema. A professora e orientadora do trabalho começou a pesquisa nas escolas públicas de Piracicaba e região em 2009, ainda como colaboradora no Serviço de Traumatismos Dentários na área da Endodontia da FOP, e a aluna deu continuidade à coleta de dados entre 2013 e 2014, tabulando as informações em sua dissertação. Cerca de 1.200 estudantes de escolas públicas entre 6 e 17 anos foram avaliados por meio de exame visual dos dentes permanentes anteriores superiores, medição do overjet e avaliação do selamento labial. Os alunos também responderam questionários sobre possível histórico de trauma dental. A prevalência de traumatismo dentário encontrada foi de 13,36% (correspondente a 157 estudantes). O trabalho foi realizado com escolas de Campinas, Americana, Limeira e Piracicaba. “Existem estudos que mostram que as crianças que têm um aumento no overjet tem muito mais propensão a bater os dentes e fraturar do que aqueles que não têm. Da mesma forma o selamento labial ajuda a proteger mais os dentes quando é adequado. O trabalho foi realizado com o objetivo de entender melhor o quanto esses fatores interferem na ocorrência de trauma”, afirma a professora. A pesquisa mostrou que quanto maior foi a sobresaliência, ou overjet, dos dentes e menos adequado o selamento labial, a ocorrência dos traumas subiu muito. Praticamente dobrou quando o overjet foi superior a três milímetros e aumentou seis pontos percentuais com o selamento inadequado. Ficou comprovado, portanto, que essas características são fatores de risco para trau-

mas dentários. “Quando a criança ou o adolescente levam uma pancada, esses dentes batem primeiro e há casos em que o lábio também não consegue proteger. Quem tem o overjet acentuado e o selamento labial inadequado normalmente respira pela boca, ou permanece bastante tempo com a boca aberta”, explicou a autora da dissertação. Na maior parte dos traumas houve fratura de esmalte e dentina. O dente quebra e tem um comprometimento estético com necessidade de um tratamento. “O trauma dental altera o fator emocional do estudante porque os pais, muitas vezes, não têm condições de fazer a reabilitação e a criança fica com aquele dente anterior fraturado”, observa Ana. Nos casos mais graves o dente pode sair da boca, o que é chamado de avulsão. Esse dente pode ser reimplantado, mas é preciso que ele seja conservado da melhor maneira possível. Professores e pais nem sempre sabem o que fazer de acordo com outra etapa da pesquisa, que foi verificar o conhecimento dos professores em relação ao trauma dental e às medidas de pronto atendimento em casos de acidentes que resultem em lesões traumáticas. 95% dos professores não sabiam sequer o que é a avulsão dentária. A autora explica que, no caso do dente sair da boca, a melhor maneira, caseira, é deixá-lo num copo com leite e procurar um dentista, imediatamente, para o tratamento. Mas somente 22,58% dos professores que responderam os questionários que, no caso de avulsão, transportariam o dente em recipiente contendo leite. A maioria levaria o dente em recipiente contendo soro fisiológico, e boa parte transportaria em toalha de papel, o que é desaconselhável.

PANORAMA Além de apontar o overjet e o selamento labial como fatores de risco, a pesquisa fez um panorama de como ocorrem os traumas dentários nessa etapa da vida escolar. “Levantamentos epidemiológicos de saúde bucal que incluem o diagnóstico de traumatismo dentário são escassos, tanto em países em desenvolvimento quanto em países industrializados, se comparados a dados coletados sobre cárie e doença periodontal” revela Ana. O que surpreendeu até mesmo as pesquisadoras é que a maioria dos casos não ocorreu de fato no ambiente da escola, mas em casa ou na rua. Dos 13,36% estudantes que sofreram trauma nos dentes da frente, menos de 5% dos acidentes foram

Exame visual dos dentes abrangeu cerca de 1,2 mil estudantes da rede pública na região na escola. “Este fato se deve aos tipos de brincadeiras das crianças, e também, cada vez mais, elas se mantêm em ambientes residenciais como apartamentos e condomínios fechados”, observa a orientadora. O trabalho também ajuda a desconstruir o mito de que os meninos se machucam muito mais que as meninas. A diferença vem reduzindo ano após ano e nesse estudo é praticamente de um para um, sugerindo que as mulheres aumentaram a participação nas atividades esportivas. De acordo com a professora, de um modo geral a prevalência de traumas varia muito. “Depende da região, se a criança pratica esportes ou não, a condição social, e se tem mais atividades na escola ou fora dela. Também depende dos índices de violência porque alguns casos podem ser de violência doméstica, enfim alguns fatores mudam de uma região para outra” esclareceu. Estudos brasileiros já realizados em médias e grandes cidades do sul do país, encontraram uma variação da prevalência de 10,7% a 58,6%, segundo dados da dissertação. O trabalho informa que há poucos dados disponíveis sobre traumatismo dental em outras regiões do país. “As grandes cidades são mais propensas a ter mais superlotação, violência urbana e acidentes de trânsito. Isso demonstra como é importante a obtenção de novos dados sobre o assunto a fim de elucidar as tendências do traumatismo dentário”, afirma Ana. Entre as crianças avaliadas no trabalho que tiveram trauma dentário, 72 sofreram quedas da própria altura e 42 participavam de atividades esportivas, especialmente jogando futebol. Também foram relatadas quedas de bicicletas. Os meninos de 10 a 12 anos são os que mais apresentaram traumas dentários. Todos os casos avaliados no trabalho que necessitavam de reabilitação foram encaminhados ao serviço gratuito da faculdade, que atende à população todas as segundas-feiras.

Durante o trabalho de campo nas escolas também foi realizada uma campanha de prevenção, com a entrega de folders e a realização de palestras. Para a docente, “a contribuição do trabalho é a indicação da necessidade de continuar os estudos transversais, que levam um tempo maior, promovendo campanhas educativas dentro das escolas, envolvendo pais e escolares mostrando que o trauma pode acontecer, que existem serviços especializados que dão o suporte do atendimento”. A autora da dissertação complementa que o trabalho nas escolas pode ajudar na orientação da família e dos professores quando há um aluno com maior propensão ao trauma. Da mesma forma que os protetores bucais são populares entre os esportistas, eles podem ser utilizados pelos estudantes nas atividades de impacto. Além disso, as profissionais orientam a procurar um ortodontista para uma correção preventiva. O estudo demonstra a necessidade dos serviços públicos de saúde estarem preparados para o tratamento das crianças. “Ao se conhecer a etiologia e o local da maioria de ocorrências de traumatismo dentário, pode-se estabelecer programas adequados de prevenção e controle” ressalta Ana. A falta de conhecimento de professores, pessoas que geralmente são solicitadas a prestarem os primeiros socorros a crianças vítimas de traumatismo dental durante a prática de atividades na escola, pode prejudicar o prognóstico desses dentes traumatizados.

Publicação Dissertação: “Avaliação da prevalência de traumatismos dentários associados a indicadores de risco em escolares de 6 a 17 anos de Piracicaba (SP) e região e conhecimento dos professores sobre a conduta de pronto atendimento em trauma dental” Autora: Ana Carolina Correia Laurindo de Cerqueira Neto Orientadora: Adriana de Jesus Soares Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)


12 Campinas, 25 de abril a 1º de maio de 2016

Rosa despetalada Fotos: Reprodução

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

ereza foi assassinada pelo excompanheiro com dois tiros à queima-roupa. O crime foi no rancho onde morava o casal. Apanhado em flagrante por um homem que passava por perto, o criminoso não foi preso, mesmo que o delegado tenha comparecido à cena do crime. Ao contrário, ele pode desabafar e contar sua história: matou Tereza porque, embora tenha construído o local para ambos, ela recusou. Não quis a felicidade que ele oferecia e preferiu ir embora com outro. A cabocla Tereza deveria ter se portado de outra maneira. Mas foi assassinada, e esta história vem sendo cantada há pelo menos 75 anos. No auge do sucesso da música caipira ou sertaneja “de raiz”, entre as décadas de 1950 e 1970, a música foi uma das mais conhecidas e admiradas. Nessa época, mulher de verdade (no universo que essas canções pretendem representar) não poderia nunca já ter sido beijada. Deveria ser uma companheira meiga e carinhosa e precisaria ter “o perfume da rosa”, como dizem outras canções do mesmo período. Assim se casaria, seria uma mãe zelosa, daquelas que deixam a mesa do café pronta. De outro modo, certamente ficaria para titia. Mas a violência contra a mulher, ou mesmo uma representação hoje considerada por muitos como equivocada, não está presente só neste período clássico da música sertaneja. Outras correntes do mesmo estilo como o sertanejo romântico, entre as décadas de 1980 e 1990 e mais recentemente o chamado sertanejo “universitário”, também trazem algo de podre no reino do brejeiro, como percebeu Amanda Ágata Contieri quando começou a pensar em desenvolver uma dissertação de mestrado na área de Linguística Aplicada. “Eu parei para ouvir e me dei conta que tinha algo errado ali... O homem estava dizendo que batia na mulher, que a matou porque ela não quis ficar com ele, isso em grandes clássicos da música sertaneja. Essas músicas são uma forma de olhar para algo que todos falam. É uma questão social porque a música retrata algo que acontece na vida. Se a música faz sucesso é porque aquele discurso é aceito pelas pessoas”. Não se trata de demonizar o estilo. Amanda faz questão de salientar que exemplos idênticos ocorrem em outras categorias de canções. A música sertaneja foi escolhida por ter picos de sucesso ao longo de muitos anos. A complexidade da cultura sertaneja, “que não se constitui como um universo uníssono, mas que, pelo contrário, compreende, no seu interior, visões de mundo bastante diferenciadas e, por vezes, contraditórias” não é ignorada. A dissertação “’As mais tocadas’: uma análise de representações da mulher em letras de canções sertanejas” faz então uma análise de 17 canções, escolhidas entre uma pré-seleção de 80 músicas. A autora dividiu o estudo em temas, levando em conta os diferentes períodos: o primeiro tema foi a mulher idealizada. Depois, o matrimônio, a maternidade, o corpo feminino e, por último, a violência contra a mulher. “Procurei verificar de que modo os compositores das letras das canções examinadas fazem uso estratégicos de recursos gramaticais e estilísticos da língua, como por exemplo, a adjetivação, a passivação, a nominalização e figuras de linguagem, para suscitar interpretações sobre o que constituiria a identidade da mulher brasileira”. O objetivo principal da pesquisadora era verificar se essas representações se modificaram ao longo dos anos e de que forma isso ocorreu. Além disso, ela pretendia contribuir com a educação escolar, já que os resultados da pesquisa podem ser úteis para os professores de Língua Portuguesa que se interessam em abordar o gênero por uma perspectiva crítica. “A música sertaneja costuma ser rejeitada no espaço escolar e nos materiais didáticos. É quase sempre vista como simplória, como desprovida de sofisticação, em comparação com outros gêneros musicais. Mas não se pode ignorar o poder das representações de identidade veiculadas por suas letras. A música sertaneja é ouvida por uma significativa parcela das famílias brasileira”, aponta.

IDEALIZADA E SUBALTERNA

A pesquisa revelou que, embora algumas mudanças no discurso de fato ocorreram, especialmente quando se trata da maternidade, do casamento à virgindade, a imagem construída da mulher nas canções analisa-

A dupla Lourenço e Lourival (à esquerda), que gravou “Meu sonho de amor”, e Vadico e Vidoco, intérpretes do sucesso “Mãe amorosa”

das ainda a colocam em posição inferior. A passividade é sua principal característica. Em Meu sonho de amor (1970), gravada pela dupla Lourenço e Lourival, o cancioneiro procura alguém “que tenha o perfume da rosa/ antes de tudo seja meiga e carinhosa/ que sua boca ninguém tenha beijado”. A mulher não beija e sim, sua boca é beijada. Em contrapartida, o homem amou, amou, amou e muito mais haverá de amar: “Se eu encontrar alguém assim em meu caminho/ Entregarei de corpo e alma o meu carinho/ Terei então o grande amor por mim sonhado/ Esquecerei os desamores do passado.” Para Amanda, os adjetivos usados na canção sugerem o desejo de que a pessoa a ser amada seja uma mulher sempre dócil em suas relações, disposta a agradar o outro, independentemente da natureza do modo de agir desse outro. A mulher ideal é aquela que não oferece resistência. Em geral as músicas do período de 1950 a 1970 retratam a mulher idealizada, linda e limpa. “As músicas sempre citam o perfume, e a pureza da mulher, especialmente as mais antigas, quando a virgindade ainda era um tabu e a mulher era encorajada a limpar a casa como se ela própria fosse uma extensão dela – quanto mais limpa ela e a casa estivessem, melhor ela seria”. Para o estilo sertanejo romântico, que veio depois, a mulher idealizada é tratada como um troféu, uma joia, é a mulher representada por substantivos. Segundo Amanda, os anos 80 e 90 foram um período de consolidação dos estudos feministas do Brasil e o olhar da sociedade sobre a produção cultural, inclusive, passou a ser cada vez mais crítico e contestador, o que explicaria a ausência da categoria violência nas canções do ciclo sertanejo romântico. Na canção É o amor (1993), da dupla Zezé di Camargo e Luciano, Amanda chama a atenção para a quantidade de pronomes possessivos. A mulher é “meu doce mel/ meu pedacinho de céu/ minha doce amada/ minha alegria/ meu conto de fada/ minha fantasia”. Já o homem, proprietário,

é o dono da ação, “um apaixonado de alma transparente/ louco alucinado meio inconsequente/ um caso complicado de se entender”. “As expressões indicam que os predicativos da mulher amada não são resultados de suas ações, mas são qualidades que ‘pertencem’ ao enunciador”. Mesmo pretendendo exaltar a figura da mulher, ou homenagear a figura da mãe, os autores das letras acabam patinando na questão do gênero. A melódica Fogão de Lenha (1987), gravada por Chitãozinho e Xororó, em seu refrão, dispara uma série de imperativos: “Pegue a viola/ e a sanfona que eu tocava/ Deixe um bule de café em cima do fogão/ Fogão de lenha, e uma rede na varanda/ Arrume tudo mãe querida, que seu filho vai voltar”. Há aqui, acrescenta Amanda, o pressuposto de que cumprir essas ordens seria motivo de felicidade para essa mulher. Da mesma forma, na canção Mãe Amorosa (1969), gravada por Vadico e Vidoco, “a representação da mãe é a de uma mulher abnegada, que se dedica somente aos filhos, uma figura quase que beatificada”. Amanda ressalta na dissertação que teve dificuldades de encontrar exemplares sobre esse tema nas músicas do estilo sertanejo “universitário”, ou seja, as mais recentes. O motivo, “possivelmente se deve ao fato de o públicoalvo para o qual elas se voltam não ter ainda, em sua maioria, se casado e experimentado a maternidade, diferentemente do que ocorria na década de 1950”, afirma. O corpo da mulher também é abordado na seleção da pesquisa. Com bastante liberdade já, o sertanejo “universitário” da dupla Fernando e Sorocaba apresenta a ex-namorada na música Minha ex (2013) como “gostosa”, “maravilhosa”, “delícia”. A letra diz que a ex mudou, colocou silicone e pintou o cabelo, “está pura malícia”, mas caracteriza como “charminho” a recusa da moça em manter algum tipo de relacionamento. Sinal vermelho para a letra: a recusa da mulher não está sendo levada em conta, o que também, na opinião da pesquisadora, se configura como um tipo de violência.

Aliás, o que Amanda considera mais impactante no trabalho é a representação da violência contra a mulher. A clássica Pagode em Brasília (1960) gravada por Tião Carreiro e Pardinho adverte a mulher namoradeira e a sogra encrenqueira. Na primeira, o homem “passa o couro e manda embora”, na segunda “dá de laço dobrado”. Como classificar, sobretudo a canção Bruto, Rústico e Sistemático (2009) de João Carreiro e Capataz? Na música o homem reclama que a mulher fez topless. “Quando vi me deu um stress/ Perdi minha paciência/ Por mim faltaram respeito/ Na muié eu dei um jeito/ Corretivo do meu modo/ No quarto deixei trancada/ Quinze dias aprisionada/ E com ela não incomodo”. No trabalho Amanda descreve que a canção soma milhões de visualizações no Youtube, contando com comentários de pessoas que defendem o “estilo de vida” retratado. A pesquisadora reitera que a abordagem da representação da mulher na música sertaneja não pretende “acusar o compositor sertanejo e os apreciadores das canções de machismo ou de desconsiderar a beleza de muitas canções do gênero em questão, mas fazer das canções, gênero de grande alcance de público, objetos de análise e explicitar as relações de poder e demandas de mudança”.

Publicação Dissertação: “As mais tocadas: Uma análise de representações da mulher em letras de canções sertanejas” Autora: Amanda Ágata Contieri Orientadora: Terezinha de Jesus Machado Maher Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

Foto: Antonio Scarpinetti

Amanda Ágata Contieri, autora da dissertação desenvolvida no IEL: análise de 17 canções


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