Fotos: Antonio Scarpinetti
Cérebro eletrônico Pesquisa do físico Carlos Alberto Stefano Filho traz novas contribuições para as investigações sobre a interface cérebro-computador.
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Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju
Campinas, 3 a 16 de outubro de 2016 - ANO XXX - Nº 671 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA
CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antoninho Perri
Veneno no campo 3
Dissertação de Vanessa Fracaro Menck aponta a omissão do poder público e de entidades classistas quanto a medidas de combate à exposição de trabalhadores rurais aos efeitos nocivos de agrotóxicos, que são a segunda maior causa de contaminação no país.
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Resina blinda dentes em ataque microbiano Um encontro histórico de reitores da Unicamp Leandro Karnal evoca os espaços da utopia
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Livro reúne ensaios sobre obra de Luciano Coutinho Uma análise do ‘discurso’ do Ciência sem Fronteiras
A violência letal entre mamíferos
Leitores ciumentos veem Capitu na tevê e em HQ
Experimento descobre felicidade nas abelhas
Humanos viveram na Argentina há 14 mil anos
TELESCÓPIO
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TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Cabeças coroadas As espécies de dinossauros terópodes – grupo que inclui o tiranossauro rex, e que deu origem às aves modernas – dotadas de ornamentação óssea no crânio, como cristas ou outras protuberâncias, evoluíram para formas de grande massa corporal mais rapidamente que as demais, diz trabalho publicado no periódico Nature Communications. Os animais dotados de ornamentos no crânio evoluíram rumo ao gigantismo dez vezes mais depressa que as espécies sem enfeites, escrevem os autores, baseados nos Estados Unidos. “Descobrimos ainda um limite inferior de massa corporal, abaixo do qual não aparecem ornamentos cranianos”, diz o artigo. “Nosso estudo oferece um novo apoio quantitativo para uma mudança nas pressões seletivas sobre mecanismos de exibição sócio-sexual nos terópodes, coincidente com a evolução das penas”. Foto: Divulgação
Dois milhões de anos de temperatura Artigo publicado na edição mais recente da Nature oferece uma reconstituição da temperatura média da superfície terrestre ao longo dos últimos 2 milhões de anos, e sugere que os níveis atuais de CO2 na atmosfera implicarão um aquecimento futuro de até 7º C. A autora do trabalho, Carolyn Snyder, da Universidade Stanford, usou informações extraídas de núcleos de sedimentos retirados do leito oceânico. Os resultados indicam, ainda, que a sensibilidade do sistema global aos gases do efeito estufa é de uma elevação de 9º C da temperatura de superfície para cada elevação de 100% na concentração de CO2 na atmosfera, numa escala de milhares de anos. A autora escreve que isso “sugere que a estabilização nos níveis atuais de gases do efeito estufa pode já ter comprometido a Terra a um aquecimento inevitável de 5º C (de 3º C a 7º C, intervalo de confiança de 95%) ao longo dos próximos milhares de anos”.
O maior radiotelescópio
Crânios de terópodes sem ornamentação (acima, Acrocanthosaurus) e com enfeite ósseo (abaixo, Cryolophosaurus)
A China inaugurou oficialmente, em 25 de setembro, o maior radiotelescópio do mundo: sua antena tem um diâmetro de 500 metros, o que lhe dá uma área coletora de ondas de rádio mais de duas vezes superior à do radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico, agora o segundo maior. O equipamento chinês, chamado FAST – sigla em inglês para Radiotelescópio Esférico de Quinhentos Metros de Abertura – vai vasculhar o espaço em busca de eventos astrofísicos, como pulsares e grandes explosões de rádio, e também de sinais de inteligência extraterrestre. Além do tamanho recorde, FAST incorpora uma inovação inédita em seu design: seções de seu disco coletor podem ser deformadas, alterando a posição do foco do telescópio. Isso permite manter o foco apontado para uma mesma fonte por longos períodos de tempo, enquanto a Terra gira.
O nível de violência intraespecífica letal – quando um animal é morto por outro da mesma espécie – varia bastante entre os mamíferos: ela é praticamente inexistente entre morcegos ou baleias, por exemplo, mas é comum entre os primatas, grupos que inclui os chimpanzés e os seres humanos. Em artigo publicado na revista Nature, uma equipe de pesquisadores espanhóis aponta que espécies geneticamente mais próximas tendem a ter níveis de violência intraespecífica semelhante. Trabalhando com dados de mais de 4 milhões de mortes e quantificando a taxa de mortes violentas em mais de mil espécies de mamíferos, além de 600 populações humanas, ao longo de 50 mil anos, os autores estimam que a taxa “prevista” de mortes violentas entre Homo sapiens – por todos os meios e motivos, como crime, infanticídio, canibalismo, guerra e execuções – seria de 2%. Esse número, diz o artigo, “é similar à porcentagem encontrada em bandos e tribos pré-históricos, indicando que éramos tão violentamente letais quanto a história evolutiva comum dos mamíferos prediria. No entanto”, prossegue o texto, “o nível de violência letal mudou ao longo da história humana, e pode ser associado à organização sócio-política das populações”.
Humanos nas Américas Pesquisadores argentinos apresentam, no periódico de livre acesso PLoS ONE, achados que sugerem a presença de seres humanos, ou de ancestrais homininos, nos pampas da Argentina há mais de 14 mil anos. A descoberta, no sítio arqueológico de Arroyo Seco 2, próximo ao extremo leste do território argentino, consiste de uma série de ferramentas de pedra e ossos quebrados de animais do pleistoceno (período encerrado há cerca de 11 mil anos). Esses ossos trazem sinais de que teriam sido partidos e raspados por ferramentas. Datação de carbono 14 sugere que o achado tem de 13 mil a 14 mil anos. Os ossos de algumas espécies concentravam-se em áreas específicas do sítio, o que pode indicar que a atividade de cortar a carne dos animais caçados, e separá-la dos ossos, era realizada nesses pontos. Os autores reconhecem que parte das descobertas poderia ser reinterpretada e explicada sem a necessidade de se invocar intervenção humana, mas insistem que o conjunto é altamente sugestivo da presença de seres humanos nos pampas antes da dispersão da chamada cultura Clovis da América Norte, de cerca de 12 mil anos atrás. Durante muito tempo, Clovis foi considerada a mais antiga população humana das Américas. Mas outros sítios arqueológicos sul-americanos, como o de Monte Verde, no Chile, e Lapa Vermelha, no Brasil, já indicavam uma ocupação do continente anterior ao período de Clovis. O artigo original pode ser lido em http://dx.plos.org/10.1371/journal. pone.0162870 .
Flores artificiais
Vasos artificiais
Natureza da violência
Em pelo menos três oportunidades, o Hubble avistou o que pareciam ser jatos de água elevando-se até 200 km acima do hemisfério sul de Europa. As observações, feitas enquanto Europa passava diante de Júpiter, para aproveitar o contraste da luz solar refletida pelo planeta gigante, serão descritas em artigo aceito para publicação no Astrophysical Journal. Vulcões de água já haviam sido observados anteriormente em Encélado, uma das luas de Saturno. A Nasa tem uma missão a Europa prevista para ser lançada em 2022.
Vasos sanguíneos artificiais de proteína, construídos por meios biotecnológicos, mostraram-se capazes de crescer e mudar de forma, acompanhando o desenvolvimento do corpo em que foram implantados – no caso dos testes iniciais, descritos no periódico Nature Communications, de ovelhas. Os criadores da técnica, da Universidade de Minnesota, cultivaram células dos animais ao redor de um tubo especial, alimentando-as enquanto depositavam proteínas sobre essa matriz. Depois, as células foram eliminadas, deixando apenas a armação proteica, que então foi implantada nos animais, ainda filhotes, substituindo parte da artéria pulmonar. As células dos receptores então colonizaram a armação, fazendo-a crescer e mudar de forma, acompanhando o desenvolvimento das ovelhas.
Pesquisadores baseados nos Estados Unidos apresentam, no periódico Nature Communications, um novo material capaz de mudar de forma em momentos pré-programados: em vez de depender de estímulos externos, como temperatura ou acidez, para alterar seu formato, esse material se vale de ligações químicas permanentes – que acumulam energia elástica e acabarão definindo a forma final do objeto – e temporárias, que se desfazem segundo um cronograma pré-programado. Essa “rede dupla de ligações permite codificar tanto o ritmo quanto o caminho das transformações de forma, em escalas de segundos a horas”, escrevem os autores. Um dos exemplos apresentados no material publicado é uma flor artificial, que desabrocha na velocidade programada por seus criadores.
Felicidade nas abelhas Vulcão de água em Europa A Nasa anunciou, na última semana, que imagens feitas pelo Telescópio Espacial Hubble sugerem que Europa, lua do planeta Júpiter que mantém um gigantesco oceano aprisionado sob sua superfície congelada, dispara jatos de água no espaço. Indícios dessas plumas de água já haviam sido detectados em 2013, mas ainda faltava uma verificação por observações posteriores. A confirmação, anunciada na última semana, faz de Europa, que já era considerada um alvo prioritário para a busca de vida extraterrestre, um destino ainda mais promissor: uma sonda poderia ser enviada para recolher amostras dos jatos no espaço, e analisá-las em busca de sinais de vida no oceano da lua.
Experimento descrito na revista Science sugere que insetos – no caso específico, abelhas – podem exibir comportamentos indicativos de estados emocionais, como felicidade e otimismo. O trabalho foi conduzido por pesquisadores baseados no Reino Unido. Para realizar o estudo, abelhas foram apresentadas a dois cilindros diferentes, um contendo águe pura e outro, uma mistura de água e açúcar, e aprenderam a voar mais rapidamente para o cilindro da solução doce. Numa segunda etapa, foram apresentadas a um só cilindro, que poderia conter água ou solução. De acordo com nota divulgada pela Science, abelhas que haviam recebido uma recompensa de água com açúcar voaram mais rapidamente para o cilindro único, o que, segundo os autores, pode ser interpretado como um sinal de otimismo, estimulado pela recompensa, diante da ambiguidade.
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Rachel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner
Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju
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Desamparados e envenenados SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
m estudo conduzido pela pesquisadora Vanessa Fracaro Menck, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, constatou ações insuficientes, tanto do poder público como de movimentos sociais, contra os efeitos nocivos dos agrotóxicos sobre a saúde dos trabalhadores rurais. A pesquisa foi desenvolvida como parte da dissertação de mestrado de Vanessa Menck junto ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da FCA. O estudo foi orientado e coorientado, respectivamente, pelas professoras Julicristie Machado de Oliveira e Milena Pavam Serafim, ambas da FCA. Houve financiamento, na forma de bolsa concedida à pesquisadora, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes). A autora do estudo informa que os agrotóxicos têm efeitos nocivos em curto, médio e longo prazos na saúde dos trabalhadores rurais. Várias doenças, como câncer, infertilidade, disfunção hepáticas, entre outras, estão associadas à utilização destes defensivos agrícolas. Dados levantados pela estudiosa da FCA apontam os agrotóxicos como a segunda maior causa de intoxicação no Brasil, perdendo apenas para os medicamentos. No estado do Tocantins, a intoxicação pelos defensivos agrícolas é a principal causa dos registros. “A demanda por políticas públicas nesta área não vem nem do governo, nem dos movimentos sociais. A ênfase principal das ações envolve, de modo geral, a temática dos alimentos contaminados, dos direitos do consumidor e da importância econômica destes produtos, além de sua necessidade para ações de combate à fome. A saúde dos trabalhadores rurais fica quase sempre em segundo plano”, aponta a autora do trabalho. Vanessa Menck também reconhece que existem dificuldades de percepção ou mesmo negação dos riscos sobre a utilização dos agrotóxicos por parte dos próprios agricultores, o que acaba perpetuando a utilização massiva e inapropriada dos defensivos. “Não se trata de culpar os trabalhadores rurais sobre essa questão até porque, na maioria das vezes, a negação dos riscos é a única saída que eles têm naquele momento”, pondera. A autora acrescenta que dos 50 produtos mais utilizados na agricultura brasileira, 22 já foram proibidos em quase todos os países do mundo. “A legislação brasileira tornou-se obsoleta, incapaz de acompanhar o cresci-
Estudo da FCA mostra que saúde do agricultor exposto a agrotóxicos é sempre relegada a segundo plano Foto: Antoninho Perri
mento do mercado e as discussões internacionais. Observamos ainda hoje ações permissivas por parte do estado favorecendo as indústrias dos agrotóxicos, ao invés de proteger os trabalhadores rurais”, critica. Um exemplo mencionado no estudo é o do produto “Roundup”, conhecido popularmente como “mata mato”. O glifosato, seu princípio ativo, é o herbicida mais utilizado no Brasil, sendo o principal responsável por intoxicações agudas no país. Vendido durante algum tempo como um produto biodegradável, o herbicida provoca doenças como má formação fetal e câncer, segundo relatório lançado em 2015 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
LEGISLAÇÕES E
POLÍTICAS PÚBLICAS
No estudo, a pesquisadora da Unicamp avaliou como a questão das intoxicações por agrotóxicos em trabalhadores rurais é reconhecida pelos diferentes ministérios do governo federal, por meio de legislações e políticas públicas. O estudo também analisou qual a relevância que os movimentos sociais envolvidos com a discussão da reforma agrária, agricultura familiar e agroecologia dão à temática. Foram investigados, enquanto “atores” governamentais, os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), da Saúde (MS), do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Atualmente, o MDA e o MDS foram fundidos no Ministério do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário. “São basicamente estes ministérios que participam do processo de análise e regulamentação dos agrotóxicos no país, sendo, portanto, do governo federal a incumbência de comprovar quais produtos fazem mal à saúde. Nosso estudo mostra, por exemplo, que um agrotóxico pode ser liberado de acordo com a legislação, mesmo com dano comprovado à saúde do trabalhador e ao meio ambiente. Isso acontece se seu uso for considerado ‘essencial’ para a agricultura, no caso, essencial do ponto vista econômico”, ressalta Vanessa Menck. Ela salienta que sua pesquisa analisou extensivamente legislações e políticas públicas brasileiras na tentativa de situar as ações governamentais e não governamentais em contextos políticos e históricos. As análises dos documentos cobrem o período da primeira política em 1989 até a mais recente de 2016. “Foram lidos na íntegra, fichados e descritos documentos de segurança alimentar e nutricional, de vigilância em saúde, do Foto: Divulgação
A pesquisadora Vanessa Fracaro Menck, autora da dissertação: “A legislação brasileira tornou-se obsoleta, incapaz de acompanhar o crescimento do mercado e as discussões internacionais”
sistema único de saúde, guias alimentares, guias de vigilância em saúde, segurança do trabalho, políticas agrícolas e de meio ambiente, sistemas de notificação, dentre outros. Todos os artigos científicos encontrados nas bases de dados pesquisadas que trataram do tema até hoje também estão descritos no trabalho”, fundamenta.
PROPAGAÇÃO
A pesquisa de Vanessa Menck traz dados que apontam ser o Brasil o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo, com consumo anual superior a 300 mil toneladas de produtos comerciais. O consumo nos últimos 40 anos aumentou 700%, enquanto a área agrícola cresceu 78% no mesmo período. “Duas ações foram as grandes responsáveis pela propagação dos agrotóxicos no país. A primeira é o Plano Nacional de Defensivos Agrícolas (PND II), implementado entre 1975 e 1979, durante a ditadura militar. Este plano vinculava o crédito rural com o uso dos agrotóxicos. A segunda ação se estruturou a partir das Políticas de Incentivo à Ciência e Tecnologia, cujas práticas de extensão rural ‘ensinavam’ os agricultores a incorporar os agrotóxicos em suas atividades”, situa. A principal contribuição para o aprimoramento das políticas públicas e, sobretudo, da visibilidade sobre as intoxicações por agrotóxicos em trabalhadores rurais, vêm dos chamados pesquisadores ativistas, revela Vanessa Menck. “Artigos e publicações científicas têm denunciado sistematicamente os efeitos nocivos dos agrotóxicos e as recorrentes intoxicações de trabalhadores rurais. A maior evidência com relação ao tema vem, portanto, pelas ações e pesquisas acadêmicas, principalmente as que têm caráter ativista”, aponta. De acordo com a autora, os chamados pesquisadores ativistas têm intensa participação na formulação das políticas públicas e na pressão exercida nos ‘atores’ governa-
mentais. “São ações que se intensificaram a partir de 2011, ocorrendo de diversas formas, como filmes, documentários, cartilhas, participações em rádio, manifestações, posicionamentos publicados na internet, dentre outros.” É deste período, por exemplo, a criação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos no âmbito da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, instituída em 2012 pelo governo federal. Outra ação importante, segundo a pesquisadora, é a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF), marco importante dentro das políticas públicas visando à saúde dos trabalhadores rurais. “A redução de agrotóxicos é viável. Já existem tecnologias de caráter sustentável, econômicas e que podem ser incorporadas pelos agricultores familiares. Estas, por conseguinte, retomam conhecimentos tradicionais e incorporam os avanços tecnológicos adequados. Deste modo, por meio de produções orgânicas e agroecológicas, pode-se considerar tanto a qualidade do alimento e a soberania alimentar, quanto à qualidade de vida do trabalhador.”
Publicação Dissertação: “Intoxicação do(a) trabalhador(a) rural por agrotóxicos: (sub)notificação e (in)visibilidade nas políticas públicas” Autora: Vanessa Fracaro Menck Orientadora: Julicristie Machado de Oliveira Coorientadora: Milena Pavam Serafim Unidade: Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) Financiamento: Capes
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Interação possível Fotos: Antonio Scarpinetti
Estudo do IFGW traz novas contribuições para o entendimento da interface cérebro-computador MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
esquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado do físico Carlos Alberto Stefano Filho, defendida no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, trouxe novas contribuições para as investigações sobre a interface cérebro-computador (BCIs, na sigla em inglês). No trabalho, o autor obteve até 80% de acerto na tarefa de discriminar os sinais cerebrais emitidos durante testes de imaginação motora. “É um resultado significativo, principalmente quando levamos em consideração que esse tipo de abordagem ainda é relativamente novo tanto no Brasil quanto no mundo”, considera. O estudo foi orientado pela professora Gabriela Castellano e coorientado pelo professor Romis Attux, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC). De acordo com Stefano, as pesquisas tradicionais sobre BCIs são baseadas em determinadas características do sinal cerebral. Em seu estudo, o pesquisador utilizou um método que tem sido investigado em período mais recente pela ciência, que é a análise da conectividade cerebral. O físico explica que há dois tipos de conectividade no cérebro: a estrutural e a funcional. A primeira é representada pelas conexões físicas entre os neurônios. “No nosso caso, nós estudamos a conectividade funcional. Nós utilizamos a eletroencefalografia para medir a atividade elétrica do cérebro, durante testes de imaginação motora, realizados por oito voluntários saudáveis. Pedimos para que eles imaginassem que estavam mexendo inicialmente a mão esquerda e depois, a direita. O objetivo foi extrair informações para serem posteriormente usadas em um sistema de BCI”, detalha o autor da dissertação. Um dos objetivos de Stefano foi identificar as diferenças de comportamento do cérebro entre uma ação e outra. “O que está no foco do nosso estudo é desenvolver um comando binário que possa ser usado para acionar um sistema de interface cérebro-computador. Esse tipo de aplicação é especialmente importante para pessoas que têm severos comprometimentos das funções motoras e da fala, mas que apresentam atividade cerebral intacta”, explica. O autor da dissertação admite que detectar essas diferenças na conectividade cerebral não é uma missão trivial. “Entretanto, nós encontramos diferenças em situações muito específicas. Nossa intenção é utilizar os dados gerados pela eletroencefalografia para criar uma rede. Essa rede
Pesquisa utilizou a eletroencefalografia para medir a atividade elétrica do cérebro durante testes de imaginação motora com voluntários saudáveis
é um objeto matemático que vai descrever as interações entre cada eletrodo da eletroencefalografia. A partir daí, esperamos extrair métricas para avançar em relação à pesquisa”, pormenoriza. Uma próxima etapa do estudo, entende o autor da dissertação, seria tentar fazer o sistema funcionar em tempo real. Nesse caso, o usuário contaria com dois comandos obtidos a partir da imaginação do movimento da mão esquerda e da mão direita. “A ideia é que a pessoa cumpra determinada ação, como movimentar o cursor do computador para um lado e para o outro. Se ela quiser que o cursor vá para a esquerda, ela vai imaginar esse movimento. O mesmo vale para a mão direita. Um aspecto importante será verificar se o desempenho melhora ou piora em tempo real”, detalha. Essa forma de comunicação direta entre o cérebro e o computador, reforça o físico, deve gerar novas tecnologias que atendam
às necessidades de pessoas que apresentam comprometimento das funções motoras e da fala. “Essas pessoas ainda não contam com esse tipo de recurso, que permite que elas se comuniquem e tenham certo grau de autonomia”, diz Stefano. Como exemplo do que existe atualmente à disposição das pessoas com esse tipo de comprometimento, o pesquisador cita o caso do físico britânico Stephen Hawking, que contribuiu para o entendimento da origem do universo. Aos 21 anos, ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica, doença que afeta as células nervosas responsáveis pelo controle da musculatura. A doença o deixou praticamente paralisado e sem voz. “Entretanto, Hawking consegue mover a sua cadeira de rodas e acionar alguns dispositivos acoplados a ela, como o sintetizador de voz, através de movimentos sutis da bochecha. Esse recurso não constitui um BCI, visto que não
Publicação Dissertação: “Avaliação da conectividade cerebral em usuários de um sistema de interface cérebro-computador baseado em imaginação de movimento utilizando teoria de grafos” Autor: Carlos Alberto Stefano Filho Orientadora: Gabriela Castellano Coorientador: Romis Attux Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) Financiamento: Capes e CNPq
O físico Carlos Alberto Stefano Filho, autor da dissertação: “Esse tipo de aplicação é especialmente importante para pessoas que têm severos comprometimentos das funções motoras e da fala, mas que apresentam atividade cerebral intacta”
existe comunicação direta entre o cérebro e o dispositivo externo. São os movimentos remanescentes que permitem que ele acione tais recursos”, pormenoriza. Embora esta seja a aplicação mais importante e com maior impacto social, os BCIs podem ter outras destinações, como informa Stefano. Segundo ele, a tecnologia também vem sendo investigada para uso em jogos e para monitorar o estado de vigília de motoristas. “De maneira geral, pode-se dizer que o recurso serve a qualquer situação em que os sinais cerebrais sejam utilizados diretamente como comando a um dispositivo externo”, completa Stefano, que contou com bolsas de estudo concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação, e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
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Grupo desenvolve
resina antimicrobiana Material aumenta a resistência a ataques de bactérias responsáveis pela formação de cáries CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
rabalho sobre resina com efeito antimicrobiano foi desenvolvido pelo Grupo Multidisciplinar de Biomateriais, formado por membros da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) e da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), ambas da Unicamp, e da Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN). Os pesquisadores desenvolveram e estudaram a incorporação de um filme antimicrobiano formado por monômero ativo, que pode ser incorporado aos materiais resinosos preventivos de uso odontológico como os selantes oclusais infiltrantes para a paralisação da cárie e as resinas e sistemas adesivos para restauração dentária. Ao ser aplicado nos processos preventivos, interceptadores e de restaurações dentárias, o material oferece resistência ao ataque microbiano responsável pela formação de cárie, aumentando a durabilidade das restaurações e protegendo o dente. Embora o dentista limpe a cavidade do dente cariado da melhor forma possível, podem restar bactérias que venham no futuro a desenvolver nova cárie. Então, seria desejável que o adesivo que une a restauração e a estrutura do dente tivesse em sua composição um bactericida capaz de combater eventuais microrganismos residuais, além de impedir que outras bactérias ataquem a cavidade restaurada formando um novo biofilme (filme microbiano) que dará origem a novas cáries. Pesquisas têm sido feitas com o objetivo de produzir e testar materiais restauradores com propriedades antimicrobianas, capazes de inibir a adesão ou o desenvolvimento de biofilmes sobre restaurações. Desse modo, o material estaria protegendo a polpa subjacente às cavidades preparadas, e controlaria os efeitos deletérios exercidos pelo biofilme nas restaurações. Atualmente os materiais que existem no mercado para essas funções não contêm antissépticos e apenas um deles tem adição de um composto com essa finalidade, à base de bromo, utilizado em um sistema adesivo. Porém, ao longo do tempo os antimicrobianos se soltam da resina, a qual perderá sua característica antimicrobiana desejada e também ficará porosa, perdendo as propriedades mecânicas que dão resistência à restauração (resina odontológica). Para contornar esses problemas, o grupo de pesquisadores constituído pela professora Lucia Helena Innocentini Mei (FEQ/ Unicamp); professora Regina Maria Puppin Rontani (FOP/Unicamp); pelo engenheiro químico Jesus Roberto Taparelli, doutorando da FEQ; pela odontóloga Roberta Caroline Bruschi Alonso (UNIAN); e pela odontóloga Andréia Bolzan de Paula, docente da FOP, propôs o desenvolvimento de materiais restauradores, com propriedades antibacterianas, utilizando uma técnica de fixação do antimicrobiano Triclosan diretamente na resina. Este antibacteriano é largamente utilizado no preparo de produtos dermatológicos e de higiene oral, como dentifrícios e enxaguatórios bucais, devido ao perfil de segurança e ao amplo espectro de ação, mesmo quando utilizado em pequenas quantidades. Diante disso, explica Lucia Mei, “a ideia foi sintetizar um monômero acrílico derivado, à base de triclosan, que pudesse ser incorporado diretamente na resina odontológica e que tivesse ação sobre o biofilme dentário, sem ser liberado no meio bucal.
Dessa forma evitar-se-ia o surgimento de porosidade da resina odontológica, bem como a toxicidade do antibacteriano no ambiente bucal”. Em decorrência, esclarece Andréia Bolzan de Paula, revela-se de fundamental importância avaliar as propriedades antimicrobianas e citotóxicas, e a influência deste agente nas propriedades mecânicas e na resistência à degradação biológica de compósitos restauradores, bem como verificar o efeito dessa associação sobre o biofilme. No caso das resinas obtidas pelo grupo com sucesso, a partir do novo monômero antibacteriano incorporado à cadeia, a desagregação e a formação de porosidades não ocorreram.
O TRABALHO A partir desse novo polímero sintetizado pela equipe, Andreia, orientada pela professora Regina Maria Puppin Rontani, preparou uma resina para ser utilizada como filme no revestimento da cavidade dentária e também como resina restauradora, ambas agora também com função antibacteriana, diferentemente dos materiais de uso convencional. Concretizava-se assim a ideia de desenvolver resinas com antisséptico capaz de matar bactérias que eventualmente tenham permanecido na cavidade do dente por ocasião da restauração e também de impedir que as que cheguem às restaurações sobrevivam e penetrem no dente.
Regina enfatiza: “Esse novo monômero pode ser utilizado em várias situações que envolvem a prevenção da cárie: como selante aplicado em determinados dentes na prevenção de cáries dentárias, principalmente em crianças, ou infiltrante de lesões de cárie, com a finalidade de paralisar a progressão da cárie, como adesivo na cavidade dental antes da aplicação da restauração, ou no próprio material restaurador”. Ela acrescenta ainda que uma das resinas foi testada como infiltrante em dentes que apresentam indícios iniciais de formação de cárie. Neste caso, ela penetra na região do dente que começa a ser atacada, fortalece a área e exerce efeito antibacteriano na superfície, impedindo a propagação da cárie. Estes testes foram feitos in vitro e serão proximamente realizados in vivo.
CONTEXTO O estudo desenvolvido se inseriu no projeto de pós-doutorado de Andreia, apoiado pela Fapesp, que utilizou o monômero desenvolvido para elaboração de materiais restauradores. Ela realizou análises preliminares envolvendo citotoxicidade celular, para determinar possíveis efeitos nocivos desse novo material quando em contato com as células provenientes da mucosa bucal; e testes mecânicos, para avaliar a resistência do material, que apontaram positivamente para o uso do material pe-
los efeitos antimicrobianos e propriedades mecânicas similares aquelas dos materiais comercializados. Os testes in vitro permitiram determinar a atividade do novo material desenvolvido, comprovada pela morte das bactérias do biofilme, produzido em laboratório. Para os testes mecânicos a nova resina restauradora foi comparada com o controle constituído de materiais comerciais convencionais, que não utilizam antibacteriano. Na maioria dos quesitos os resultados mostraram-se bem similares. A professora Lúcia enfatiza: “Deve ser destacado que o nosso material apresentou um desempenho mecânico tão bom quanto o disponível no mercado, que não tem o efeito antibacteriano, e não revelou toxicidade”. Andréia lembra que o estudo gerou várias publicações relacionadas ao desenvolvimento de resinas a partir do monômero com Triclosan, apresentadas em congressos nacionais e internacionais. Ela recebeu o prêmio Menção Honrosa no congresso organizado, em 2013, pelo Grupo Brasileiro de Materiais Dentários, que reúne anualmente pesquisadores de materiais dentários de todo o Brasil. A professora Lucia Mei menciona o progresso que o grupo multidisciplinar tem feito nessa linha de pesquisa, que lhe permite agora requerer patente do processo de síntese deste novo monômero funcionalizado, com vistas à utilização no desenvolvimento de resinas com características bactericidas. Ainda, segundo a professora, a contribuição do consultor e engenheiro químico Jesus Roberto Taparelli, que trouxe para a Universidade sua grande experiência em indústrias químicas nacionais e multinacionais, foi muito importante. Considera que sua participação e o aporte teórico oferecido pela Universidade foram fundamentais no desenvolvido de todo o trabalho que levou à síntese do monômero funcionalizado. Fotos: Antonio Scarpinetti
A professora Lucia Helena Innocentini Mei: “A ideia foi sintetizar um monômero acrílico que pudesse ser incorporado diretamente na resina odontológica”
A professora Regina Maria Puppin Rontani: “Esse novo monômero pode ser utilizado em várias situações que envolvem a prevenção da cárie”
A odontóloga Andréia Bolzan de Paula: estudo gerou várias publicações relacionadas ao desenvolvimento de resinas a partir do monômero
O engenheiro Jesus Roberto Taparelli, doutorando da FEQ: experiência em indústrias químicas nacionais e multinacionais foi fundamental
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Da esq. para a dir., os professores Carlos Vogt, Hermano Tavares, Fernando Costa, José Tadeu Jorge, Carlos Henrique de Brito Cruz e José Martins Filho: destacando a importância da universidade pública
O coordenador-geral da Unicamp, Alvaro Crósta: ”Desde os primórdios da história, a Unicamp soube selecionar muito bem seus funcionári
Simtec promove encontro
Seis dirigentes de diferentes períodos falaram sobre mem MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
m encontro histórico entre seis reitores de diferentes períodos da Unicamp marcou a cerimônia de abertura do VI Simpósio de Profissionais da Unicamp (Simtec), ocorrida na noite do último dia 26, no Centro de Convenções da Universidade. Participaram da solenidade o atual reitor José Tadeu Jorge e os reitores Carlos Vogt (1990-1994), José Martins Filho (1994-1998), Hermano Tavares (1998-2002), Carlos Henrique de Brito Cruz (2002-2005) e Fernando Costa (2009-2013). Eles deram depoimentos sobre a história da instituição, a partir do tema “Unicamp 50 anos – Memórias, experiências e trajetórias profissionais”. Além de falarem sobre vários episódios que marcaram a história da Unicamp e de suas gestões, os reitores também destacaram a importância da universidade pública, gratuita e de qualidade para o desenvolvimento do Brasil. No caso específico da Unicamp, pontuaram, a excelência que caracteriza as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade somente foi alcançada graças à qualidade e ao empenho de funcionários, professores e estudantes. Os reitores enfatizaram, ainda, a importância do Simtec, evento que congrega os funcionários do quadro técnico-administrativo e que divulga os projetos que eles concebem e executam para aperfeiçoar as atividades da instituição. “A qualidade que a Unicamp ostenta hoje foi construída com base nas pessoas: professores, funcionários e estudantes. Para construir a melhor universidade do Brasil é preciso contar com os melhores quadros nesses segmentos”, afirmou o reitor José Tadeu Jorge. De acordo com ele, o Simtec, que é organizado por funcionários, é representativo da qualidade desse segmento. Tadeu Jorge se considerou um felizardo por ter vivenciado 45 dos 50 anos da Unicamp, primeiro como estudante e depois como docente. “Inúmeros episódios que marcam minha vida têm estreita relação com a trajetória da Universidade. Eu me sinto parte da comemoração e me sinto representado em boa parte dessas memórias. Que possamos usar as estruturas que construímos até aqui para ancorar os projetos de qualidade que a Unicamp terá que executar pelos próximos 50 anos ou mais”.
Reitor da Unicamp no período de 1990 a 1994, Carlos Vogt disse que o quadro técnico-administrativo da Universidade sempre desempenhou um papel chave no desenvolvimento da instituição. “Na minha gestão, quando implantei as carreiras, foi justamente pensando na importância dessas atividades para o cumprimento das missões da Unicamp, que é ensinar, pesquisar e fazer extensão”. Outro ponto destacado por Vogt foi o estabelecimento, durante sua gestão como reitor, das bases para a institucionalização da Universi-
PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
universidade é um espaço de conhecimento, utopia e democracia, que enfrenta, com o avanço de tendências conservadoras na sociedade, um crescente número de inimigos. “Nunca a universidade teve tantos inimigos políticos como nesse momento, e tudo leva a crer que essa guinada conservadora vá se estender por vários anos. O ‘lado bom’ disso é que, com tanta gente nos olhando e criticando, teremos que ser melhores. É hora de a gente dar uma resposta muito eficaz e mostrar o valor de uma grande universidade pública”, afirmou o historiador Leandro Karnal, convidado da sexta edição do Simpósio de Profissionais da Unicamp (Simtec). Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Karnal palestrou no último dia 27, no Centro de Convenções da Unicamp. Fez uma reflexão sobre o tempo e sobre a história, tendo como pano de fundo os cinquenta anos da Unicamp. O professor começou falando do prazer de estar na “sua” universidade. Passado, presente e futuro da instituição foram objeto de muitas colocações de Karnal que, com bom humor, a todo momento trouxe o debate para o cotidiano das pessoas. O historiador começou a palestra falando sobre a origem da Universidade. “Somos uma instituição da década de 60, gerida a partir de uma área médico-biológica. A Unicamp foi idealizada num regime democrático, num ambiente de reformas de educação muito importantes, período de leis e propostas educacionais revolucionárias, mas sendo fundada já sob o signo do fechamento, do autoritarismo e do fim das liberdades democráticas”.
dade, projeto que ganhou solidez com o advento da autonomia universitária, conquistada em 1989. José Martins Filho, reitor entre 1994 e 1998, observou que teve algumas atitudes à frente da Administração Central que foram fundamentais para valorizar os funcionários. “Foi na nossa gestão que criamos, por exemplo, o CAF [Centro de Apoio aos Funcionários]. A Unicamp é formada por um conjunto de pessoas. Sem funcionários qualificados não conseguiríamos atingir nossos objetivos de ensinar,
Segundo Karnal, a Unicamp começa “exatamente como ela está hoje”, num momento de polarizações e crise econômica, com a diferença de estar afastada dos centros onde a agitação maior ocorria. Há uma mudança significativa no país neste momento, que é a passagem de uma população predominantemente rural para as cidades. “A Unicamp vive esse momento de transição que vai resultar na diminuição de filhos por casal e diminuição do ritmo de crescimento do País”. A partir dessa mudança, Karnal passou a falar das gerações de alunos que frequentam a instituição. “A primeira delas, de nascidos após a Segunda Guerra, até 1964, ‘geração do baby boomer’, que viveu uma esperança enorme de desenvolvimento nos anos JK”. Esta geração foi educada tendo o trabalho “quase como uma obsessão” e viveu no Brasil um momento de estabilidade e de crescimento econômico. Depois veio a “geração X”, de nascidos até os anos 1970, “muito mais individualista e acostumada a benefícios”, seguida da “geração Y”, de nascidos até o início do século 21 e já plenamente tecnológica, voltada à conexão. Entre o modelo de ensino que receberam e a que está acostumada boa parte dos professores da “geração baby boomer” e a “geração Y”, há um hiato de três séculos como explicou o professor. “É o caso de professores nascidos e, quase sempre, educados como eu, no século 20, dando aulas para alunos nascidos no século 21, alguns deles preparados para atuar no século 22”. De acordo com Karnal, as escolas são baseadas num modelo de pedagogia que determina uma aula formada por giz, professor e conteúdo a ser aprendido, tendo a ordem como eixo. O problema desse hiato de três séculos, afirmou, é que hoje “temos professores que ainda anseiam pela ordem e pelo conteúdo, e alunos que não estão mais aptos ao modelo de aula expositiva”.
ÁREAS DO CONHECIMENTO Para Karnal, um dos desafios que a universidade enfrenta hoje é a perda do diálogo entre as
de pesquisar e de produzir conhecimento. Os servidores não docentes constituem parcela importante para a concretização dessas missões”, reforçou. Hermano Tavares, que ocupou a Reitoria nos anos de 1998 a 2002, declarou que a universidade é capital para o desenvolvimento de um país. “Infelizmente, aqui no Brasil nós iniciamos um movimento de educação em geral e educação superior em particular muito tarde. A Unicamp é uma das universidades brasileiras que têm resultados importantes a exibir, embora seja
Karnal e o espaço da utopia
O professor e historiador Leandro Karnal: “Nunca a universidade teve tanto
várias áreas do conhecimento. “A origem da Unicamp é a área médica, mas naturalmente, como todo instituto superior, ela tem um debate permanente entre as três áreas – humanas, exatas e biológicas. Uma universidade é concebida para ser um contato entre áreas diversas de conhecimento, por isso é uma universidade e não uma faculdade”. O historiador lembrou que, na Idade Média, quando se concebeu “que as três grandes áreas do período histórico - medicina, direito e teologia - deveriam compartilhar o mesmo espaço, foi porque se achava que aos médicos seria importante ouvir sobre leis e teologia e seria importante, aos
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Fotos: Antonio Scarpinetti
ios, docentes e alunos”
A professora Itala Maria Loffredo D’Ottaviano, presidente da Comissão Unicamp ano 50: “Não conheço outra universidade que tenha um evento com essas características”
Edison Lins, coordenador do Simtec e do GGBS: ”Sem dúvida, os funcionários têm cada vez mais importância estratégica dentro dos destinos da Universidade”
o histórico entre reitores
mórias e trajetórias profissionais na abertura do Simpósio jovem. Isso não foi feito pela ação de uma ou outra pessoa isoladamente, mas de um conjunto formado por servidores docentes, servidores não docentes e estudantes”. Na visão de Hermano Tavares, a despeito de o Brasil e da Unicamp terem atravessado tempos difíceis recentemente, há espaço para que a Universidade continue avançando e contribua para oferecer um futuro melhor ao país. “É impossível prever como a Unicamp será daqui a 50 anos. Mas penso que devemos ter sempre a capacidade de estar na vanguarda ou pelo meFoto: Antoninho Perri
nos acompanhar a vanguarda. Estrutura e recursos humanos para isso nós temos”. Atual diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor no período de 2002 a 2005, lembrou que a Unicamp é um dos grandes exemplos disponíveis para a defesa da universidade pública e gratuita no Brasil. “A Unicamp tem cumprido uma trajetória muito especial, baseada no fato de a sua comunidade valorizar muito o mérito, as qualidades acadêmicas e as relações com a
PESSIMISMO O presente, observa o docente, dominado pela crise econômica e política, é marcado pelo pessimismo. “O pessimismo dominante é a marca do momento que estamos vivendo”, observou. O professor sintetizou que “uma parte importante do país está convencida que a outra parte é criminosa e não serve ao bem do país. Uma parte importante do país não reconhece, na outra parte, o estatuto da brasilidade ou da cidadania”. Muitas pessoas, nesse momento, não estão mais ouvindo ninguém, “apenas estão colocando seu ódio”. O problema é que, de acordo com o professor, o pessimista não age. Ele é parte do problema, mas não de sua solução. Foi nas Olimpíadas e Paralimpíadas, quando todos achavam que tudo ia dar errado e deu certo, que Karnal afirmou ter “começado a notar” que estava excessivamente pessimista, talvez influenciado por textos das redes sociais. “É preciso usar as redes homeopaticamente, é preciso restaurar o equilíbrio da discussão, do argumento, de vida. Decididamente está faltando equilíbrio às pessoas em quase todos os campos”.
os inimigos políticos como nesse momento”
teólogos, ouvir sobre medicina e sobre leis, e seria importante a todos integrarem o sistema”. O historiador lamentou que a universidade esteja perdendo isso porque, em geral, ressaltou, “nós convivemos com colegas de outras áreas em decisões burocráticas, não em produção de conhecimento”, e “o mundo contemporâneo exige essa integração, gente que tenha uma especialidade, mas que navegue por várias áreas”. Karnal complementou, exemplificando: “falta a nós historiadores, filósofos, antropólogos e cientistas políticos, um pouco da objetividade da engenharia e falta, aos engenheiros, um pouco da subjetividade da área de humanas; acho que os dois lados cresceriam muito”.
FUTURO Na trajetória para os próximos cinquenta anos de Unicamp, o professor arriscou um exercício de “futurologia”. O cenário futuro é de declínio da população brasileira. Em 30 anos, o Brasil pode se tornar um país similar à Europa na quantidade de pessoas mais velhas recebendo aposentadoria, enquanto há menos jovens em idade de trabalhar. Isso significa que, nas próximas três décadas, a Unicamp ainda estará recebendo muitos alunos. Depois, a hipótese é de que o número de ingressantes na graduação diminuirá. “Pode ser que haja um encolhimento das universidades, que, a partir dos anos 80, se expandiram enormemente”. Neste cenário, com mais pessoas mais velhas, aumentará a procura por qualificação. “Deveríamos pensar em muitos cursos de qualificação, cursos a
sociedade. Toda a comunidade é muito importante para o desenvolvimento da Universidade. Em particular, os funcionários não docentes têm sido essenciais ao desenvolvimento da instituição. O Simtec é uma iniciativa importante porque possibilita a discussão de temas relevantes para o segmento e para a Universidade de modo geral”, afirmou. Fernando Costa, reitor entre os anos de 2009 a 2013, considerou igualmente que o Simtec é revelador da importância dos funcionários para o desenvolvimento da
distância e voltados a profissionais já formados”, salientou. Para chegar bem no futuro ele considera que a instituição não pode se deixar levar por seu sucesso e precisa pensar estrategicamente. “O fato de sermos produtivos, de estarmos entre os melhores do país, de sermos uma referência, é nosso problema hoje”, refletiu. Karnal defendeu a lei das cotas raciais, e afirmou ter visto alunos negros em cursos de Medicina, o que lhe pareceu o início da superação de um problema. O historiador disse ainda que a Universidade precisa aumentar sua visibilidade. “Isso é fundamental para que as pessoas entendam que a ciência brasileira depende exclusivamente das universidades públicas, ou dos laboratórios públicos. A ciência brasileira não cresce nas instituições privadas. A pesquisa, os avanços que melhoram a vida das pessoas, as patentes, tudo sai da universidade pública”. Aumentar a visibilidade da instituição é um desafio assim como a internacionalização. Karnal defendeu que a Unicamp precisa estar cada vez mais focada no mundo, falando inglês mas, sobretudo, a serviço do conhecimento. “Minha existência aqui é irrelevante. A universidade deve ser um espaço do conhecimento, e eu, um professor; os funcionários, todos nós, servimos a causa do conhecimento”. O professor terminou a palestra falando que a universidade é um laboratório da democracia, um espaço onde o autoritarismo deve ser especialmente combatido. “Num mundo de crescentes radicalizações antidemocráticas, a universidade tem que reforçar a democracia, no espaço de trabalho, nas congregações, nos conselhos universitários e assim por diante”. E também precisa ser um espaço de utopia. “Não sei onde nós estaremos no futuro, mas sei onde eu gostaria que nós estivéssemos, nesse patamar da utopia. Quanto mais ela existir, melhor”.
Unicamp. “E a Unicamp é fundamental ao desenvolvimento do país. A Universidade somente conseguiu chegar ao patamar onde se encontra porque sempre primou por selecionar os melhores docentes, os melhores funcionários e os melhores alunos. Somos uma Universidade jovem. Entre as universidades jovens, nós nos destacamos tanto no plano nacional quanto internacional. Penso que a Unicamp só tem a crescer daqui para frente”. Para o atual coordenador-geral da Unicamp, Alvaro Crósta, a história de sucesso da Universidade deve muito ao seu corpo de funcionários. Uma universidade de ponta como a Unicamp, segundo ele, não poderia atingir o status atual se não fosse o comprometimento de toda a sua comunidade interna. “O Simtec é uma forma de valorizar e dar o devido crédito àqueles que trabalham com o desenvolvimento técnico e científico da Universidade, tanto em atividades de apoio quanto nas atividades fim. Desde os primórdios da história, a Unicamp soube selecionar muito bem seus funcionários, docentes e alunos”, pontuou. Presidente da Comissão Unicamp ano 50, a professora Itala Maria Loffredo D’Ottaviano disse que a inclusão do VI Simtec nas ações em comemoração ao cinquentenário da Universidade estava prevista desde o início, por causa da relevância do evento para a instituição. “O Simtec nasceu como um evento original e importante para a Universidade. É uma iniciativa que tem característica especial, visto que conta com a apresentação de trabalhos com muita originalidade e qualidade científica. São trabalhos importantes porque contribuem para o aperfeiçoamento das atividades de vários setores da Unicamp. Não conheço outra universidade que tenha um evento com essas características”. Coordenador do Grupo Gestor de Benefícios Sociais e também do Simtec, Edison Lins classificou a cerimônia de abertura do simpósio como um momento histórico, por reunir seis reitores de diferentes períodos. “É um momento que marca o reconhecimento ao Simtec. Trata-se de uma importante validação institucional. Sem dúvida, os funcionários têm cada vez mais importância estratégica dentro dos destinos da Universidade. Aliás, este entendimento foi que norteou a criação do simpósio, em 1997”.
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Livro do Instituto de Economia homenageia Luciano Coutinho Professor foi um dos fundadores do IE e presidente mais longevo do BNDES, dirigido por ele entre 2007 e 2016 CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
livro “O Futuro do Desenvolvimento”, lançado no último dia 28 no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, tem como subtítulo “Ensaios em Homenagem a Luciano Coutinho”. Professor e pesquisador da Unicamp desde 1974, onde participou da implantação de cursos de pós-graduação no antigo DEPE-IFCH e que depois foi transformado no Instituto de Economia (IE) em 1986, na área de economia internacional e industrial. Foi responsável também pela criação do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) e pelo Centro de Relações Econômicas Internacionais (CERI). Coutinho é mais conhecido do público em geral como o presidente que conduziu o BNDES entre 2007 e 2016, uma época atribulada para a economia global e também para a brasileira. Antes disso, ele já havia sido, na década de 80, secretário-geral do então recém-criado Ministério da Ciência e Tecnologia. O professor completou 70 anos em setembro. “Para nós, economistas, é muito importante essa experiência dele, como homem que passou pelo governo, como um intelectual militante e com uma visão crítica sobre o desenvolvimento econômico e social do país. Coutinho foi o presidente mais longevo do BNDES, um observatório privilegiado que certamente aprofundou seu conhecimento do funcionamento da economia real”, disse o professor e pesquisador do IE Fernando Sarti, um dos organizadores do livro-homenagem. “Coutinho foi um estudioso da dinâmica de acumulação dos oligopólios e domina como poucos as relações entre a microeconomia e a macroeconomia, entre a economia brasileira e internacional”, acrescentou. “Sempre esteve na agenda dele a preocupação com o desenvolvimento industrial e tecnológico do país. Ele foi um dos principais formuladores de propostas de política industrial e tecnológica para o Brasil. Para tanto também foi fundamental a experiência adquirida como consultor de mercado, o que lhe trouxe um conhecimento muito vasto dos setores industriais e dos grupos econômicos no Brasil”. Sarti espera que, depois dessa rica experiência no BNDES, Luciano Coutinho continue a contribuir com a Unicamp, coordenando pesquisas, orientando teses e realizando palestras”. Tenho certeza que o IE não medirá esforços para seduzi-lo a voltar”, comentou.
O professor Luciano Coutinho durante homenagem prestada a ele no último dia 28: “A escola da Unicamp tem muito a contribuir porque é fundada não só nos clássicos, nos keynesianos ‘puro-sangue’, mas também em pensadores inovadores como Minsky”
ESCOLA DE CAMPINAS
Na década de 70, após obter seu doutorado nos Estados Unidos – “lá vi Schumpeter, Keynes, no original. Meu primeiro curso de macroeconomia nos EUA foi a leitura da ‘Teoria Geral’ de Keynes”, relatou –, Luciano Coutinho retornou ao Brasil e foi coordenador de pós-graduação do Departamento de Economia e Planejamento Econômico (DEPE) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. “Nessa época tive muito contato não só com economistas, mas também com cientistas políticos, antropólogos, sociólogos”, disse ele. “Foi uma experiência que me enriqueceu bastante”. “Teoria Geral”, ou “Teoria Geral do Emprego, Juros e da Moeda”, é o livro publicado por John Maynard Keynes (1883-1946) em 1936. Considerado uma das obras fundadoras da macroeconomia moderna, lançou uma série de desafios a crenças da economia neoclássica, como a capacidade dos mercados de produzir pleno emprego naturalmente. Já Schumpeter é Joseph Schumpeter (1883-1950), economista americano nascido na Áustria, famoso como originador do conceito de “destruição criativa” do capitalismo. “Coutinho teve muitos trabalhos publicados na área de economia internacional. Foi, durante anos, a disciplina que ele ministrou na pós-graduação”, relatou Sarti. “Ele trabalhou muito essa preocupação, que é uma marca da escola da Unicamp, de pensar a industrialização como forma de promover mudanças estruturais no país e de melhorar o nosso padrão de inserção internacional. O Coutinho foi fortemente influenciado pela visão estruturalista cepalina”. Tendo participado da construção do IE desde 1974, Coutinho acredita que a chamada “escola de Campinas” de Economia ainda tem um papel a desempenhar na formação do pensamento econômico, e importantes desafios pela frente. “A escola da Unicamp Foto: Antonio Scarpinetti
O professor Fernando Sarti, um dos organizadores do livro: “Coutinho foi um estudioso da dinâmica de acumulação dos oligopólios e domina como poucos as relações entre a microeconomia e a macroeconomia”
tem muito a contribuir porque é fundada não só nos clássicos, nos keynesianos ‘purosangue’, mas também em pensadores inovadores como Minsky [o americano Hyman Minsky, 1919-1996]. Quando ele veio dar seminários na Unicamp, nos anos 90, ele era completamente ignorado pelo ‘mainstream’. Mas recentemente a revista britânica The Economist o colocou entre os grandes pensadores do século 20. Ele tem uma grande compreensão das crises financeiras”. Em julho deste ano, The Economist publicou o artigo “Minsky’s Moment” (“O Momento de Minsky”), afirmando que o economista, que escreveu sobre o papel dos diferentes tipos de endividamento no desencadear das crises financeiras, havia atingido status de “superstar” após a morte. Às críticas, algumas vezes virulentas, que a escola da Unicamp recebe por conta de seu viés desenvolvimentista, Coutinho responde com diplomacia. “Estudei economia neoclássica, econometria, eu me movo no meio ‘mainstream’”, disse ele. “Mas tenho senso crítico. A crença nos mercados racionais, nas expectativas racionais, no mantra de que toda a regulamentação e intervenção estatal são necessariamente negativas, isso tudo foi muito mal-sucedido”, apontou. “Mas é claro que isso não autoriza um desprezo pela eficiência alocadora dos mercados, por exemplo”.
INOVAÇÃO Coutinho vê o IE bem posicionado para enfrentar os desafios trazidos à economia brasileira pela crise global iniciada em 2008, e também pela revolução tecnológica em curso, como a emergência da chamada internet das coisas. “Estamos teoricamente muito bem fundamentados”, disse ele, lembrando a influência de Schumpeter e também a atenção dada pelo Instituto ao trabalho do inglês Christopher Freeman (1921-2010). “Estudos abrangentes da inovação industrial e do avanço tecnológico são da tradição do IE, o que equipa os cursos, na macroeconomia e na microeconomia, de forma a entender os desafios que os desenvolvimentos trarão para o Brasil”. “Coutinho coordenou o que foi talvez o projeto de pesquisa mais importante para o instituto, o ECIB, Estudo de Competitividade da Indústria Brasileira, realizado nos anos 90”, lembra Sarti. “Certamente o estudo sobre competitividade mais completo e abrangente desenvolvido no país”. Esse estudo, realizado em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mobilizou quase uma centena de pesquisadores, de diferentes instituições. “O ECIB veio num momento difícil para o Brasil, na época do governo Collor, quando havia uma proposta liberal para reformatar a estrutura industrial brasileira. Foi um marco ao contrapor-se ao ideário liberal quanto aos diagnósticos e propostas de políticas para o país”.
Quanto aos desafios a serem enfrentados pelo próprio IE, Coutinho menciona a necessidade de “manter a vitalidade intelectual e continuar a ser um lugar onde a reflexão crítica se desdobra, avança e contribui para a formulação de políticas para o Brasil”. “Há uma marca muito importante do Instituto de Economia, que muitas vezes é mal entendida mesmo dentro da Unicamp, que é a participação no debate nacional e a participação na implementação de políticas públicas”, disse Sarti. “Além de produzir e difundir conhecimento, nós economistas somos muitas vezes chamados, convocados para, de alguma maneira, colocarmos nossas ideias e propostas em prática nas esferas de governo municipal, estadual ou federal. Coutinho realizou essa militância intelectual e exerceu a função de homem público de forma muito intensa, muito dedicada e íntegra. Ajudou como poucos a gerar, difundir e implementar as ideias da Escola de Campinas. Sua capacidade intelectual e executiva faz com que tenha um amplo reconhecimento nas esferas acadêmica e empresarial, tanto no plano nacional quanto internacional. O IE e a Unicamp agradecem”.
FUTURO Luciano Coutinho foi fundador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) do IE, do qual Fernando Sarti também já foi coordenador. “Estamos completando 30 anos do NEIT”, disse Sarti, ao explicar que gostaria de continuar a contar com a colaboração de Coutinho, mesmo após sua aposentadoria da Universidade. “É importante que ele esteja aqui com a gente, compartilhando essa rica experiência acadêmica e profissional”, declarou. Coutinho prefere não antecipar seus planos acadêmicos para depois da aposentadoria. “Dediquei-me de corpo e alma à Unicamp por várias décadas”, lembra. Mas, em seguida, acrescenta: “Sinto-me parte do trabalho de construção do IFCH e do IE. Tenho uma relação de afeto e de compromisso com essa instituição que ajudei a criar. Não quero dar as costas a isso. E sou intelectualmente ativo, não gostaria de me exilar”. “O Futuro do Desenvolvimento” tem como organizadores, além de Fernando Sarti, Helena M.M. Lastes, José Eduardo Cassiolato e Gabriela Laplane. O livro reúne treze ensaios, incluindo um texto final de autoria de Luciano Coutinho. Entre os autores encontram-se nomes como Carlos Gadelha, Luiz Gonzaga Belluzzo e Maria Lúcia Falcón. Com 340 páginas, é uma publicação do Instituto de Economia da Unicamp.
SERVIÇO
Título: O Futuro do Desenvolvimento - Ensaios em Homenagem a Luciano Coutinho Organizadores: Fernando Sarti, Helena M.M. Lastes, José Eduardo Cassiolato e Gabriela Laplane Páginas: 340 Edição do Instituto de Economia
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Ciência com fronteiras Pesquisadora analisa sentidos do discurso oficial sobre programa de internacionalização do governo federal
Foto: Antonio Scarpinetti
A pesquisadora Tainá Cristina Costa Lopes, autora da dissertação: “É considerado conhecimento útil o que produz algo vendável”
PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
Ciência sem Fronteiras é um programa que busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional”. A descrição está na página oficial do programa, uma iniciativa dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Educação (MEC). Mas quando fala em ciência, a que exatamente o texto se refere? E, principalmente, quando se observam as áreas contempladas, o que não está sendo dito? Ou, para quem trabalha na área da linguística, quais os sentidos que são produzidos por esta ausência, sobretudo com relação às artes e às ciências humanas? Essas questões mobilizaram a pesquisadora Tainá Cristina Costa Lopes, que defendeu mestrado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), com orientação da docente Monica Zoppi, sobre os sentidos de ciência na política do Ciências sem Fronteiras. Tainá analisou textos diversos do site oficial do programa, assim como o seu projeto de lançamento, e ao final concluiu que o que se pretende com o programa - e está bastante claro - é o desenvolvimento econômico do país a partir da valorização de certas áreas do conhecimento. Tainá usou a proposta de análise defendida pelo professor Eduardo Guimarães, do IEL, que é a Semântica do Acontecimento. Filiada à Análise do Discurso, a metodologia leva em consideração a enunciação como um acontecimento, e o sentido de uma palavra como algo que se constrói a partir da sua história de enunciações, no texto em que aparece e em relação a outras palavras ali presentes. O trabalho é uma espécie de mapeamento das palavras, que leva em conta dois procedimentos: a reescrita da palavra, ou como ela aparece de outra forma no texto, agregando novos sentidos; e o domínio semântico de determinação, ou seja, que palavras são usadas para determinar a palavra ciência e, assim, construir o seu sentido. Segundo a autora, “a palavra ciência aparece nos textos analisados como: áreas tecnológicas, inovação, áreas de vanguarda científico-tecnológicas, áreas que vão trazer o desenvolvimento para o Brasil”. As palavras que estão determinando ciência, seriam: tecnologia, inovação e vanguarda, por exemplo. A primeira e preocupante descoberta da pesquisa foi a de que, ao excluir as humanidades das áreas elegíveis, o Ciência sem Fronteiras delimita o que é ciência e o que
não é. “Se o programa chama Ciência sem Fronteiras, e é voltado para a ciência, só é ciência na concepção do programa, o que ele definiu como elegível, o que ficou de fora não é considerado ciência nesse contexto”, aponta Tainá. Ou seja, humanas e artes não são consideradas ciências. Se assim for, o que o programa considera ciência afinal? “Fui percebendo que a palavra vinha sempre predicada por um sentido de tecnologia e inovação. Mesmo nas áreas elegíveis, pouquíssimas vezes aparecia a palavra ciência. Em seu lugar muitas vezes foram usados termos como ‘o novo em produção de conhecimento’, ‘conhecimento tecnológico’, etc”. Sem contar que as áreas contempladas são tratadas com “áreas de vanguarda”. Tainá questionou. “O que é a vanguarda? Algo que está à frente. Portanto, se as áreas escolhidas são ciência na concepção do programa, e vêm predicadas por esse sentido de inovação, de algo que está à frente e, por isso, podem trazer o novo e, assim, o desenvolvimento para o país, o que acontece, então, com as áreas que estão excluídas? O que é relegado para as ciências humanas e artes? A elas é relegado o passado, um efeito de sentido de que elas se ocupam do que é velho, obsoleto, e, por isso, não vão trazer o desenvolvimento para o país”. Tainá ressalta que nada disso está no texto claramente. “São sentidos que se produzem nesta relação da palavra ciência com as outras”, e mesmo a exclusão das humanidades não se dá explicitamente a todo momento. A pesquisadora recorda o caso de uma das áreas elegíveis que é a “indústria criativa”. “Quando foram concedidas as primeiras bolsas, não havia uma definição muito clara do que se tratava essa área. Alguns alunos de artes, arquitetura e marketing se utilizaram dessa brecha e conseguiram algumas bolsas”. No entanto, complementa, a partir de 2013 a área passa por um refinamento e foi modificada para “indústria criativa voltada para a produção de produtos tecnológicos e inovadores”, para que as áreas excluídas – como as artes, por exemplo – não pudessem realmente participar do programa.
SEM FRONTEIRAS Primeiramente, a pesquisadora analisou como a palavra ciência estava colocada de diversas formas. Considerando que a primeira ocorrência da palavra se dá no próprio nome do programa, inicialmente a busca foi pelos sentidos para as fronteiras, no nome do programa. “Num primeiro momento o que me ocorreu é que o ‘sem fronteiras’ estava funcionando como um
elemento polissêmico, de vários sentidos. O que era o ‘sem fronteiras’ ali dentro? ”. “Como se trata de um programa de intercâmbio, o sentido que se coloca em evidência, o inquestionável, é o geográfico, estabelecendo um cá, que é o Brasil, e um lá, que é o exterior”, ressalta. Em outro momento, os textos mencionam que o intercâmbio é para que o aluno mantenha contato com sistemas educacionais e centros de pesquisa que são referência mundial. “Que tipo de fronteira está sendo colocando aqui? É uma fronteira da produção de conhecimento. O ‘cá’, o Brasil, não é tido como um lado da fronteira que produz conhecimento, por isso o aluno precisa atravessar essa fronteira, para adquirir o conhecimento do lado de lá, ou seja, nos países de destino do programa”. As fronteiras, aparentemente geográficas, se mostram geopolíticas, relata Tainá. Ela estudou um mapa do bolsista do Ciência sem Fronteiras no mundo, que mostra para onde são mandados os alunos do programa. Isso diz muita coisa. “Noventa e oito por cento dos países estão no Hemisfério Norte, América do Norte e Europa, pouquíssimos no Hemisfério Sul, entre eles Chile e África do Sul”. A maioria dos países fala inglês e tem a economia bastante desenvolvida. “Comparei o mapa com a tabela das maiores economias mundiais. Você vê que existe uma correlação entre poder econômico e a produção de conhecimento científico. E, assim, também com o conceito de ciência veiculado pelo programa”. A página do programa na web informa que o objetivo do Ciência sem Fronteiras é internacionalizar a ciência brasileira para colocar o Brasil “em condições de competir internacionalmente”. A pesquisadora começou a pensar no tipo de desenvolvimento do país que se pretende. “Que desenvolvimento é esse senão o econômico? A ausência de países da América do Sul, sendo o Brasil um país da América do Sul, “produz um sentido” que o subcontinente não só não produz ciência em nível internacional como precisa importá-la de outros países. “Seus estudantes são enviados para centros que são referência com o objetivo de desenvolver a ciência nacional. O desenvolvimento que essa ciência irá trazer dará condições ao país de competir com as maiores economias do mundo, ou seja, o desenvolvimento que o programa pleiteia é o desenvolvimento econômico”. Se somente a ciência, ou seja, “as áreas tecnológicas e inovadoras” proporcionam ao país chegar a esse nível de competir com as maiores economias, o que fariam as outras ciências? Não se considera nes-
se contexto que as áreas de humanas, artes e ciências sociais contribuiriam para o desenvolvimento do país porque elas não tratam do desenvolvimento que se busca. No fundo o que perpassa essas discussões é a questão da utilidade. “É considerado conhecimento útil o que produz algo vendável. Não abrange o desenvolvimento humano, o cultural, necessários para uma participação ativa na sociedade”. Nesse caso o olhar da pesquisadora para o Ciência sem Fronteiras é de enxergá-lo como uma lente de aumento para o acontece no país em termos da valorização de áreas de conhecimento e pesquisas. “Existe no Brasil um perfil do que é ser cientista, porque se está definido o que é a ciência também se determina o profissional a ser valorizado, qual área terá financiamento, marginalizando várias áreas de estudo, vários profissionais”. Tainá também é professora de Língua Portuguesa. “Me pergunto qual é o lugar do professor, que tem seu papel na formação do aluno e ao mesmo tempo não vai ser valorizado num programa de fomento como o Ciência sem Fronteiras”. Não incentivar a formação do professor é não trabalhar na formação do aluno, do cidadão e também não formar o cientista. “O programa não dialoga com as demandas da sociedade. Ele dialoga com as demandas do mercado, da economia, porque, se fosse um diálogo com as demandas sociais, haveria outras questões a serem postas”. Por fim Tainá reitera que, com a pesquisa, tentou chamar a atenção para o significado de existir uma iniciativa governamental que produz essa fissura nos campos de conhecimento, e como a exclusão de certas áreas, que são desvalorizadas, é institucionalizada. “Trata-se da legitimação do discurso que exclui certos campos do saber em detrimento de outros, como se eles não fossem importantes para o desenvolvimento humano. Como se fosse importante, apenas, formar mão de obra qualificada”.
Publicação Dissertação: “Ciência sem Fronteiras: os sentidos de ciência em uma política do Estado brasileiro” Autora: Tainá Cristina Costa Lopes Orientadora: Monica Graciela Zoppi Fontana Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
10 Campinas, 3 a 16 de outubro de 2016
Painel da semana
Painel da semana Workshop de Petróleo da Unicamp - O Capítulo Es-
tudantil SPE Unicamp organiza no dia 3 de outubro, às 8 horas, na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), o Workshop de Petróleo da Unicamp. O evento, que é aberto para a comunidade acadêmica, objetiva divulgar o conhecimento técnico-científico para a comunidade na áre de Petróleo. O Capítulo Estudantil SPE Unicamp é uma associação sem fins lucrativos de estudantes vinculados ao curso de Ciências e Engenharia de Petróleo da Unicamp, sendo a primeira organização de estudantes da Society of Petroleum (SPE) no Brasil. Mais detalhes podem ser obtidos no site www.speunicamp.org ou email comunicacaospeunicamp@gmail.com Formação de recursos humanos para o SUS: a necessidade e a formação de profissionais para a Atenção Primária à Saúde (APS) - Tema será debatido em Fórum no dia 3 de outubro, às 9 horas, no Centro de Convenções. O evento é uma realização do Fórum Pensamento Estratégico (PENSES), com o apoio da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). O PENSES é um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos. O Centro de Convenções fica na rua Elis Regina 139, no campus da Unicamp. Confira a programação completa no site: http:// www.gr.unicamp.br/penses/formacao-de-recursos-humanos/ Idoso, um novo personagem na sociedade atual - O Programa UniversIDADE organiza seminário para comemorar o Dia Internacional do Idoso. Com o tema “Idoso, um novo personagem na sociedade atual”, o evento acontece no dia 4 de outubro, às 8h30, no Centro de Convenções da Unicamp. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-8059, e-mail leninha@reitoria.unicamp.br ou na página eletrônica www.programa-universidade.unicamp.br Dia da Caneca - O Grupo da Cidadania Integrado organiza, de 3 a 6 de outubro, na hora do almoço e jantar dos Restaurantes da Unicamp (RU,RS e RA) o “Dia da Caneca”. Na ocasião, os usuários que levarem 1Kg de alimento não perecível (que não seja sal nem açúcar) poderão fazer a troca por uma caneca. O objetivo é conscientizar a comunidade da Unicamp sobre o desperdício e o descarte de copos plásticos. O evento é realizado anualmente. Mais detalhes pelo telefone 19-981111559, e-mail m147222@dac.unicamp.br ou na página eletrônica https://www.facebook.com/events/1081268038588 955/1081515188564240/?notif_t=like&notif_id=1474941580887567 Longevidade e qualidade de vida - Fórum de Saúde acontece no dia 4 de outubro, às 9 horas, no Centro de Convenções. O objetivo é fomentar os diálogos relacionados ao idoso na sociedade atual. Inscrições e outras informações no link http://www.foruns. unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/ saude85.html
Teses da semana
Segurança e vida útil dos alimentos - A Faculdade de
Engenharia de Alimentos (FEA) organiza nos dias 4 e 5 de outubro, em seu Salão Nobre, o workshop “Automação, métodos rápidos e moleculares: avanços e aplicações para garantir a segurança e vida útil dos alimentos”. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas até o dia 3 de outubro, no link http://www.funcamp.unicamp.br/eventos/WorkshopMetodosRapidosMoleculares/index.asp. O público-alvo são profissionais e estudantes da área de Alimentos. O workshop terá palestras e atividades práticas com o que há de mais importante e moderno em métodos rápidos e automação para laboratórios de microbiologia.Na primeira palestra, às 8h30, o professor Anderson Sant’ana (FEA) fala sobre métodos rápidos para análise microbiológica de alimentos. O Salão Nobre FEA fica na rua Monteiro Lobato 80, no campus da Unicamp. Mais informações pelo e-mail metodosrapidos.unicamp@gmail.com ou telefones (19) 3521-0064/3521-0091. Reações de fusão a baixas energias - Seminário que objetiva abordar o tema acontece no dia 4 de outubro, às 11 horas, no Auditório “Meson Pi” do Instituto de Física “Gleb Wtaghin” (IFGW). No evento, a professora Marlete Assunção (Unifesp-Diadema) fala sobre a energia das estrelas e como os elementos são produzidos a partir delas. O público-alvo são alunos de graduação. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5217 ou e-mail orlando@ifi.unicamp.br Votação eletrônica da CIPA - A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho (CIPA) da Unicamp realiza, em outubro, a sua primeira votação eletrônica. Será por meio do Sistema de Voto Eletrônico “E-VOTO”, desenvolvido pelo Centro de Computação (CCUEC). O objetivo é escolher os novos representantes para o período 2016/2017. De acordo com Rosangela Martinhago, presidente da Cipa-Unicamp, “mais de dez mil e-mails já foram encaminhados aos docentes e funcionários para a ativação de dados”. Essa ativação deve ser concluída até 5 de outubro. Já, a votação para a escolha dos novos representantes, acontece nos dias 19 e 20 do mesmo mês. Outras informações sobre a votação eletrônica podem ser obtidas no site http://www.cipa.unicamp.br/, telefone 193521-7532 ou e-mail cipa@unicamp.br Simpósio de segurança em Química - Com o tema “Eu faço química com segurança”, no dia 5 de outubro, às 9 horas, no Auditório “Inés Joekes” do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, acontece o IV Simpósio de Segurança em Química. O objetivo do evento é promover a reflexão sobre segurança relacionada ao contexto da química. A organização é da Cipa Setorial e da Comissão de Segurança e Ética Ambiental do IQ. O evento tem como público-alvo funcionários, estudantes de graduação e de pós-graduação, docentes e pesquisadores. Mais detalhes e inscrições na página eletrônica http:// www.iqm.unicamp.br/iv-simp%C3%B3sio-de-seguran%C3%A7aem-qu%C3%ADmica-0 IE sedia Congresso da ANGE - O Instituto de Economia (IE) da Unicamp sedia, entre 5 e 7 de outubro, o Congresso da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Ciências Econômicas (ANGE) com o tema “O ensino de economia no Brasil: Pluralismo em tempos de crise”. O objetivo é promover o debate sobre a formação
Eventos futuros
do economista, envolvendo a participação de coordenadores de cursos, docentes, profissionais, estudantes e demais interessados. O Congresso contará com mesas temáticas, grupos de trabalhos e de discussão, minicursos e reuniões envolvendo a formação e atuação de economistas no Brasil. Para as mesas especiais, deverão ser convidados professores renomados em suas áreas de atuação, capazes de contribuir para o desafio proposto para o Congresso. Mais informações sobre o evento no site www.ange.org.br 25ª Festa do livro - De 5 a 6 de outubro, das 10 às 21 horas, acontece a 25ª Festa do Livro da Editora da Unicamp, no pátio do Ciclo Básico 2. Como já vem sendo feito desde 2002, a Editora da Unicamp oferece, duas vezes por ano, a oportunidade para que alunos, docentes e funcionários da Universidade, bem como o público em geral, possam adquirir livros a preços diferenciados. O objetivo da Festa do Livro é estimular a leitura e a formação de de bibliotecas pessoais. Para esta edição, o evento terá mais de 520 títulos com descontos de 50% e 70% e especiais. Conheça as publicações: http://www.unicamp.br/unicamp/ eventos/2016/09/22/festa-do-livro 50 anos da Unicamp - Em comemoração aos 50 anos da Unicamp, no dia 5 de outubro, às 18 horas, haverá sessão extraordinária do Conselho Universitário (Consu). O local onde se situa a Universidade Estadual de Campinas foi ocupado, em outras épocas, por cafezais e canaviais. O campus tem o nome do seu fundador, Zeferino Vaz, que foi quem a idealizou e a viu nascer, em 5 de outubro de 1966, data de sua instalação oficial. Eventos meteorológicos extremos - No dia 6 de outubro, às 8h30, no Auditório do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS), acontece o Fórum Eventos meteorológicos extremos – O caso do dia 5 de junho em Campinas – e o Projeto SOS Chuva, organizado pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) e pelo Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) com apoio da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisas (Cocen). Mais informações pelo telefone 19-3521-7945 ou e-mail publabe@unicamp.br Stellarium - Aprendedo astronomia com software - Lançamento do livro de Edson Pedro Cecílio Júnior (IFGW) está marcado para o dia 6 de outubro, às 16 horas, na Biblioteca do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW). A publicação usa o famoso software de simulação celeste “ Stellarium” para ensinar diversos conceitos de Astronomia Básica. Trata-se de um livro didático com teoria, atividades guiadas, exercícios e gabarito, formato até então inexistente no mercado. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5395 ou e-mail edbig@uol.com.br Livros do Vestibular - O lançamento dos livros “Vestibular Unicamp - Redações 2016” e “Vestibular Unicamp - 30 anos”, ambos da Editora da Unicamp, acontece no dia 7 de outubro, às 10h30, na Sala do Conselho Universitário (Consu). A organização é da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest). Leia a sinopse dos livros no link http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2016/09/19/comvest-lanca-os-livros-redacoes-2016-e-30-anos
Destaque do Portal
Teses da semana Economia: “Teoria e política da inflação: a crítica póskeynesiana ao novo consenso macroeconômico” (mestrado). Candidata: Amanda Centofanti Botelho. Orientador: professor Rogério Pereira de Andrade. Dia 4 de outubro de 2016, às 16 horas, na sala 23 do IE. Engenharia de Alimentos: “Interações moleculares e mudanças estruturais durante o processamento de requeijão cremoso com fosfatos de diferentes tamanhos de cadeia” (doutorado). Candidato: Diogo Maus. Orientadora: professora Walkiria Hanada Viotto. Dia 3 de outubro de 2016, às 9 horas, na sala 2 da extensão da FEA. “Avaliação da estabilidade lipídica da carne de búfalo” (doutorado). Candidata: Sarah Janaina Gurgel Bechtinger Simon. Orientadora: professora Neura Bragagnolo. Dia 7 de outubro de 2016, às 14 horas, no auditório do DCA da FEA. Engenharia Química: “Secagem de colágeno hidrolisado com polpa de frutas em leito de jorro e spray dryer: obtenção de um alimento em pó com compostos bioativos” (doutorado). Candidato: José Júnior Butzge. Orientadora: professora Sandra Cristina dos Santos Rocha. Dia 3 de outubro de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. Linguagem: “A Toupeira Invisível: marxismo e cultura antimarxista em Ralph Ellison” (doutorado). Candidato: Luiz Mauricio Azevedo da Silva. Orientador: professor Fabio Akcelrud Durão. Dia 7 de outubro de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. Odontologia: “Identificação de pericitos no ligamento periodontal e sua caracterização como células mesenquimais indiferenciadas” (doutorado). Candidata: Mércia Jussara da Silva Cunha. Orientadora: professora Karina González Silvério Ruiz. Dia 6 de outubro de 2016, às 8h30, na sala da congregação da FOP. Química: “Investigação de homocisteína e seus metabólitos por eletroforese capilar como potenciais biomarcadores de esclerose lateral amiotrófica” (doutorado). Candidata: Zuzana Cieslarová. Orientadora: professora Ana Valéria Colnaghi Simionato Cantú. Dia 3 de outubro de 2016, às 9 horas, no miniauditório do IQ. “Sistemas micelares termosensíveis de PVA/F127 para a liberação fotoquímica de óxido nítrico” (mestrado). Candidata: Thatiane Cristine Camargo Marini. Orientador: professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira. Dia 7 de outubro de 2016, às 14 horas, no miniauditório do IQ.
Destaque do Portal
A trajetória de Sílvia Brandalise, no Centro Infantil Boldrini e na Unicamp professora Sílvia Regina Brandalise é um nome que tem aberto portas no meio acadêmico-social. Sempre desafiada por novos e grandiosos projetos envolvendo a saúde de Campinas, sua vida está intrinsecamente ligada à vida das crianças, como pediatra que é. Foi ela quem idealizou na década de 1980 o Centro Infantil Dr. Domingos Boldrini em Campinas, o maior hospital especializado da América Latina na área da onco-hematologia pediátrica, que atende a cerca de sete mil pacientes por ano, a maioria (80%) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na manhã do último dia 26, ela esteve na Unicamp falando ao público do VI Simtec (Simpósio de Profissionais da Unicamp), no Centro de Convenções da Universidade, sobre a sua trajetória profissional e sua experiência na Unicamp.
Mulher de personalidade forte, ela relatou que aprendeu a pintar parede, a varrer chão e a fazer da “mendicância” uma arte para conseguir recursos e caminhar mais em busca da cura do câncer. Foi assim que ela iniciou, na antiga Santa Casa (hoje Hospital Irmãos Penteado), o Ambulatório de Pediatria embaixo de uma das escadas da instituição. “Naquele momento, tentei adaptar o mundo da pediatria ao meu emocional”, contou. “Depois de três meses, me disseram que eu estava atrapalhando a dinâmica do atendimento, pois as mães, em peso, queriam ir para debaixo da escada”, brincou. Na década de 1960, a Pediatria precisava de um laboratório de coagulação sanguínea, que inexistia em Campinas. Na enfermaria, não havia espaço. Foi então que a professora Sílvia fez tratativas para conseguir uma área Foto: Antoninho Perri
A professora Sílvia Regina Brandalise: “Tenho negociado mais anos de vida com Deus. Se isso for possível, gostaria de mais uma vez me envolver num projeto - o Hospital da Criança, com cerca de 200 leitos”
de 12 metros quadrados no porão da casa das freiras, onde hoje funciona a Choperia Giovannetti, unidade Cambuí. “A feiura do local foi importante para que mudanças viessem”, disse. “Vivíamos uma situação de grande penúria. Passamos a trocar serviço por cobertores e outros itens de necessidade. Foi assim que começamos a tecer embrionariamente o Centro Boldrini.” Foi alugado o primeiro estabelecimento próximo à Santa Casa. Depois veio o segundo, também próximo. “Deixei a chefia da Enfermaria de Pediatria e fui atuar como servente, secretária, contabilista e aprendi o que custa quanto. Pagamos o aluguel com jantares, nos quais literalmente lavávamos pratos. Foi um aprendizado extraordinário”, descreveu. Mais adiante, ela revela que recebeu uma doação inicial da empresa Robert Bosch de um terreno anexo ao Centro Médico com 1.500 m² de construção. Foi o primeiro passo para construir em 1986 o Centro Boldrini, da qual Sílvia Brandalise é presidente. Hoje o hospital possui 77 leitos de internação e atende a mais de 10 mil crianças por ano. Trata-se de uma instituição filantrópica especializada em oncologia e hematologia pediátrica. Fundado pelo Clube da Lady de Campinas em 1978, o Centro Infantil Boldrini tornou-se uma referência no tratamento do câncer infantil. Além de fazer diagnóstico e tratamento dos pacientes, assumiu uma importante interlocução em programas de educação e capacitação de médicos e outros profissionais de saúde. O Centro Boldrini traz hoje uma concepção inovadora ligando arte, música e reabilitação. É pioneiro em técnicas de biologia molecular para precisão diagnóstica, na área de imagem e de equipamentos de alta complexidade. “É o hospital que mais faz radioterapia na região. Ofertar isso a Campinas é uma contrapartida”, salientou ela.
Entre os vários projetos que o Boldrini abraçou estão a Casa da Criança e da Família (Instituto Ingo Hoffman) com capacidade para atender dez famílias, e a Casa Donald Campinas, com capacidade para atender 56 pacientes. “Corta o meu coração ver as crianças sentadas no chão esperando o ônibus”, contou. “Queremos agora um circular com cara de trem, cujo trajeto vai até o Hospital Mário Gatti, à Unicamp, à estação rodoviária e a outros pontos importantes da cidade.” Silvia Brandalise enfatizou na sua abordagem que a Unicamp sempre esteve muito ligada à sua história de empreendedorismo e à sua profissão, mesmo porque nessa Universidade ela atuou (até aposentar) no front das pesquisas do Centro Integrado de Pesquisas Onco-Hematológicas da Infância (Cipoi), que desde 1992 já realizou a triagem do teste do pezinho de mais de 1 milhão de crianças. Mas não é só isso. O Centro Boldrini firmou uma parceria com a Coordenadoria de Projetos (Cproj) da Unicamp em pesquisa para a criação do Instituto de Engenharia Celular e Molecular Zeferino Vaz, um novo celeiro para o desenvolvimento de jovens pesquisadores, que está em construção e que deve ser concluído em fevereiro de 2017. Tem ainda o Projeto de Protonterapia, que se chamará Instituto César Lattes, que permitirá a radiação com partículas pesadas. Com isso, a Unicamp e o Centro Boldrini acabam representando o Brasil no cenário internacional em pesquisa sobre meio ambiente e câncer da criança, vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS). “Tenho negociado mais anos de vida com Deus. Se isso for possível, gostaria de mais uma vez me envolver num projeto - o Hospital da Criança, com cerca de 200 leitos. Já temos a planta. Falta o local”, adiantou Silvia Brandalise, que depois de sua palestra foi homenageada pela Unicamp no Simtec. (Isabel Gardenal)
11 Campinas, 3 a 16 de outubro de 2016
Semáforos podem ser controlados com consciência de máquina em rede urbana
Sinal verde para a arquitetura cognitiva Fotos: Antonio Scarpinetti
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
á há décadas a sincronização dos semáforos nas avenidas e nas ruas de maior movimentação de veículos é utilizada para garantir o fluxo mais eficiente do tráfego urbano. Com o andar dos anos, o sistema se sofisticou e com base em sensores dispostos em pontos estratégicos é possível detectar os maiores estrangulamentos no trânsito das cidades e alterar o tempo de alternância do verde e do vermelho dos semáforos, a partir de comandos de uma central, mas ainda de forma manual. Hoje, em países mais desenvolvidos, o controle sobre os semáforos, que abrangem áreas específicas das grandes metrópoles, já é realizado automaticamente, com utilização de softwares adequados. Reportagem, com chamada de primeira página, que acaba de ser publicada em um dos grandes jornais de São Paulo, dá conta de que, mesmo com investimentos significativos e a reforma de equipamentos em cerca de cinco mil cruzamentos da capital paulista, a cidade ainda não tem um sistema semafórico considerado inteligente, capaz de ser reprogramado a distância, facilitando o fluxo em vias congestionadas. Técnicos consultados pelo jornal afirmam que uma rede de semáforos realmente inteligentes é capaz de reduzir os congestionamentos em até 20%, mas que sua implementação exige a instalação de detectores de fluxo de tráfego que permitam reprogramação automática. A notícia vem muito a propósito da tese apresentada pelo engenheiro de computação André Luis Ogando Paraense, junto à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, que mostra a possibilidade do emprego da arquitetura cognitiva distribuída para o controle de tráfego em uma rede urbana. O estudo foi orientado pelo engenheiro elétrico professor Ricardo Ribeiro Gudwin, do Departamento de Engenharia de Computação e de Automação Industrial (DCA), que coordena grupo de pesquisas na área de sistemas cognitivos, assim denominados aqueles que buscam inspiração nos modelos cognitivos, que explicam o funcionamento da mente humana. Essa linha de pesquisa visa construir algoritmos computacionais que reproduzem os modelos cognitivos humanos de forma que possam ser aplicados em situações de interesse coletivo e social. André detalha: “Construímos uma arquitetura cognitiva, baseada nos modelos de cognição humana, para desenvolver um sistema de software em que se tenta aproveitar o que se sabe sobre a forma como o ser humano manipula conhecimento para tomar decisões”. Portanto, os modelos funcionais da mente humana servem de inspiração para a arquitetura cognitiva, uma mente artificial, que atua para reproduzir de alguma forma os modelos cognitivos humanos, naturalmente com as limitações que lhe são inerentes. Essas mentes artificiais são constituídas de programas de computadores, mas diferentemente dos usuais, porque podem apresentar respostas diversas e inesperadas e não necessariamente programadas, mas dependentes e correlacionadas com as informações que recebem. Mesmo não sofrendo mudanças na sua estrutura, os programas se comportam como se evoluíssem com o aprendizado, porque são capazes de aprender. Essas mentes artificiais, que aprendem com as experiências, codificam e usam o conhecimento para interferir e mudar o ambiente em que são aplicadas, segundo propósitos pré-definidos e desejados.
DIFERENÇAS
Normalmente, espera-se que um programa computacional tenha um comportamento repetitivo e previsível. Com a utilização de modelos de cognição humana não se tem prévio conhecimento de quais serão as soluções aventadas e propostas, pois o sistema é capaz, de acordo com as situações e as possibilidades, propor saídas completamente inovadoras e não programadas previamente. As soluções surgem da interação dos dados, que são variáveis a cada momento, com o programa cognitivo, seguindo um conjunto de políticas especificado.
O autor da pesquisa, André Luis Ogando Paraense: “Um ganho consistente no desempenho foi conseguido com o controlador, utilizando consciência de máquina”
O professor Ricardo Ribeiro Gudwin, orientador do trabalho: analogia entre o funcionamento do corpo humano e o controle do tráfego
A partir dessa perspectiva, uma das motivações da pesquisa foi a de, a partir de um modelo cognitivo, amenizar os transtornos do trânsito urbano, um dos grandes desafios da engenharia do século, em vista do crescimento desordenado das cidades a partir da segunda metade do século 20. A grande pergunta que se colocava para os pesquisadores era: o que se pode fazer para minimizar o problema utilizando uma tecnologia factível, que permita ir da bancada do laboratório para o mundo real? Daí surgiu a ideia de estabelecer uma analogia entre o sistema nervoso humano e as situações de trânsito. Com efeito, o corpo humano é constituído de um sistema de controle distribuído, em que vários sensores, localizados em diferentes partes do corpo e atuando simultaneamente, captam as informações que chegam do ambiente e as encaminham para o gerenciamento de um sistema nervoso central, que permite ao indivíduo atuar de forma coordenada em relação a suas necessidades, impulsionando-o a realizar tarefas com sucesso. Por que, então, não utilizar esse mesmo mecanismo na malha urbana, em que os semáforos pudessem ser acoplados a um sistema de gerenciamento, de forma a constituir um corpo único capaz de levar a uma solução conjunta? Já há algum tempo o grupo de pesquisa do DCA vem estudando a tecnologia das arquiteturas cognitivas para aplicação em problemas correlatos. O professor Ricardo exemplifica: “Podemos estabelecer analogia entre o funcionamento do corpo humano - em que os circuitos neurais distribuídos por todo o corpo captam informações que são conduzidas para o cérebro que toma as decisões, e a
cidade de São Paulo, onde existem milhares de semáforos para o controle do tráfego que, a exemplo do corpo humano, precisariam ser integrados de maneira que em cada um deles sejam captadas informações e encaminhadas para um sistema constituído por um algoritmo computacional, denominado de consciência de máquina (machine consciousness), em analogia à consciência humana, que é capaz de tomar decisões e implementá-las”. O trabalho assentou-se, pois, na ideia de utilizar teorias estabelecidas sobre o funcionamento da consciência humana e de criar simulações delas em programas de computadores, aplicados em problemas de tráfego, o que efetivamente foi feito com base nos estudos de consciência do neuropsicólogo Bernard Baars, baseados na Teoria do Workspace Global. Com base nesse modelo e como estudo de caso, o autor projetou e desenvolveu uma solução para a região central de Campinas, SP, constituída de 109 cruzamentos com semáforos.
canismo que permite que controladores de tráfego locais interajam, resultando com isso melhor desempenho do conjunto, se denomina competição e difusão em broadcast. A comprovação da eficiência do sistema criado exigiu centenas de simulações em cinco cenários diferentes, desde aquele que levava em consideração apenas um cruzamento até evoluir para a aplicação em situações mais complexas, caso do centro urbano de Campinas. Em cada cenário foram ensaiadas situações das mais simples às mais complexas, para que pudessem ser observados os ganhos em termos de velocidade de fluxo e realizadas comparações com os resultados obtidos a partir do controlador fixo, atualmente utilizado na cidade. A diferença entre eles é que este manifesta um comportamento reativo ao passo que aquele se mostra deliberativo, deliberando sobre as próprias ações. Para o autor da pesquisa, “um ganho consistente no desempenho foi conseguido com o controlador utilizando consciência de máquina, que foi de 10% a mais de 20% em média, nos diferentes cenários analisados durante o tempo da simulação”. O controlador, que reage em função do tráfego, inclusive na ocorrência de eventos imprevisíveis, como grandes acidentes, ficaria em uma central de controle de trânsito, a exemplo do que já é feito em muitos semáforos da cidade. Com uma diferença: os controladores utilizados hoje não conseguem controlar automaticamente o funcionamento dos semáforos o tempo todo e em situações que repentinamente se revelem críticas. Embora eles permitam o controle remoto não possuem o grau de adaptabilidade instantânea do programa proposto no trabalho nem sua amplitude. Para o pesquisador, a sua originalidade está na implementação da teoria de consciência de máquina de Baars à rede de semáforos, de que não encontrou paralelo nem referências na literatura. Mesmo nos países mais desenvolvidos existem sistemas que, embora altamente adaptativos ao dinamismo das grandes cidades, ainda não utilizam a consciência de máquina. Em consequência, são incapazes de avaliar eventos críticos que demandam uma intervenção pontual corretiva, como no caso do presente controlador. Além disso, devido ao seu caráter comercial, muitas vezes esses sistemas são fechados e não se tem muitas informações sobre como funcionam. “Não sabemos direito o que eles fazem, como fazem e a que resultados reais levam, além de possuírem um custo bastante elevado. Estamos desenvolvendo uma tecnologia comparável ou até mesmo mais eficiente do que as existentes no exterior e sobre a qual temos o pleno domínio”, complementa o autor. O professor Ricardo lembra que na linha de pesquisa em arquiteturas cognitivas desenvolvida em seu departamento tenta-se encontrar aplicações, com a utilização de algoritmos cognitivos, que possam vir a ser utilizadas para a resolução de diversos outros tipos de problemas, além daqueles ligados estritamente ao trânsito urbano. Exemplos desses outros empregos seriam o controle inteligente de tráfego de pacotes em redes de computadores, o controle do tráfego aéreo ou até mesmo de personagens em jogos de computadores. Diz ele que “na verdade, para o estudo, André primeiramente desenvolveu e implementou uma ferramenta genérica necessária à construção de arquiteturas cognitivas aplicáveis em quaisquer situações, o “Cognitive Systems Toolkit”, para só depois aplicá-lo no controle de trânsito”.
CARACTERÍSTICAS Através do programa e com base na posição e velocidade dos veículos nas faixas imediatamente anteriores aos semáforos, o sistema define qual a melhor configuração para as cores de todos os semáforos monitorados, que operados em paralelo possibilitam o controle sobre todos eles. Para tanto, o programa avalia qual o grau de criticidade em cada um dos cruzamentos. Identificado um cruzamento mais crítico, o sistema reage imediatamente acionando modificações nos semáforos mais próximos, ajustando, se for o caso, os semáforos da rede como um todo. Esse me-
Publicação Tese: “Uma abordagem de consciência de máquina ao controle de semáforos de tráfego urbano” Autor: André Luis Ogando Paraense Orientador: Ricardo Ribeiro Gudwin Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
12 Campinas, 3 a 16 de outubro de 2016 Foto: Divulgação/Reprodução
Cena da série ‘Capitu’, dirigida por Luiz Fernando Carvalho: ciúme é tratado como questão atemporal
Sob o crivo do leitor
ciumento PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
apitu traiu Bentinho? A dúvida, que atravessa todo o romance Dom Casmurro, desde que Machado de Assis o lançou, em 1899, não só perdurou como foi atualizada em adaptações para quadrinhos e séries televisivas. Mantendo as proposições do autor e seus personagens, adaptadores conseguem deixar em suspensão questões que o livro também não esclarece, entre as quais, por exemplo, a paternidade de Ezequiel, filho de Capitu. Seria o menino filho de Escobar, melhor amigo de Bentinho, protagonista da trama? As soluções encontradas pela série Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, exibida pela Rede Globo em 2008, e a HQ Dom Casmurro, de Felipe Greco e Mario Cau foram estudadas na pesquisa de mestrado de Júlia Rochetti Bezerra. O estudo é na área de tradução e problematiza as adaptações, neste caso, da literatura para a TV e para as histórias em quadrinhos. A obra Dom Casmurro já foi adaptada pelo menos duas vezes para o cinema, diversas vezes para o teatro e também já ganhou versões de ópera. Da literatura de Machado de Assis, a obra é uma das mais controversas e prestigiadas, sempre com um olhar sobre o ciúme do personagem Bentinho. Júlia pesquisou as interpretações de Dom Casmurro “mais estáveis”, ou consagradas, para verificar se elas permanecem possíveis para quem assiste à série, ou lê a HQ. “Procurei verificar se a transposição de uma linguagem para outra, que envolve a linguagem visual, manteria abertos os caminhos interpretativos que encontramos no livro Dom Casmurro”, comenta a pesquisadora. O estudo dos procedimentos adaptativos utilizados pelo diretor Luiz Fernando Carvalho na série televisiva e pelos autores dos quadrinhos foram detalhados pela autora, levando em conta as especificidades da linguagem de cada meio. A separação de capítulos, por exemplo, ainda aparece na série de TV, mas não é aproveitada nos quadrinhos pois, segundo Júlia, a nomeação dos capítulos implicaria na ocupação de um espaço essencial, resultando na quebra do ritmo de leitura. Na TV são utilizados vários recursos que influenciam as interpretações. Trilha sonora, cenários, figurinos e até mesmo a manei-
ra como os atores usam a voz, determinam as leituras da obra. “Luis Fernando Carvalho - que não fala em adaptação, mas em um diálogo com a obra - trata a questão do ciúme como atemporal, traz elementos da modernidade em Capitu”, explica. Na série vemos os personagens em um elevador ou usando fones de ouvido, embora se vistam como se vivessem no século 19. “O diretor cria um cenário de apelo mais psicológico, para mostrar que o que o espectador vê é a forma como Dom Casmurro enxerga as coisas e não um retrato da realidade”. Um ar mais teatral e carregado na interpretação dos personagens também se revela um indício ou manifestação da dúvida, que se dá pelo exagero. A caricatura afasta a impressão de realidade. Nos quadrinhos, além das expressões “mais carregadas”, Júlia também observou um tom “noir” para marcar a transformação de Bentinho em Dom Casmurro. O passado aparece sempre mais claro, desenhado com mais suavidade, embora já traga marcas da casmurrice do personagem, enquanto no presente do narrador, os tons escuros predominam e há pouca iluminação.
Estudo analisa adaptações de Dom Casmurro para a televisão e história em quadrinhos
Para fazer as análises, a pesquisadora tomou como base alguns exemplos, entre eles a interpretação de Dom Casmurro proposta pela professora e crítica norte-americana Helen Caldwell, autora do livro O Otelo Brasileiro de Machado de Assis. “Comparando Dom Casmurro a Otelo, Caldwell chama a atenção para a narração em primeira pessoa como marca do posicionamento de Bentinho. Não há nenhum elemento palpável na narrativa que aponte para a infidelidade da Capitu”. Júlia chama a atenção para a forma como o filho do casal Capitu e Bentinho, Ezequiel, apareceria fisicamente na série Capitu e seria desenhado no HQ, já que a fisionomia poderia sugerir a paternidade do garoto e confirmar ou afastar a ideia da traição. “Nesse ponto, a minissérie trouxe um ator bastante parecido com Escobar, mas como vemos as coisas pelo ponto de vista de Bento Santiago, não é possível afirmar que o diretor sugere que Escobar seja o pai da criança. Bentinho ganha uma ‘aura’ de perturbação e o espectador começa a duvidar se a criança é mesmo daquele jeito ou se é daquele jeito que o Bentinho a enxerga”. Foto: Antonio Scarpinetti
Nos quadrinhos há o acréscimo de epígrafes em cada sessão. Cada epígrafe introduz determinado tema e tem uma relação com o texto que não é imediata. “Verifiquei qual a relação desse texto não só com a sessão, mas se haveria alguma interpretação possível de Dom Casmurro relacionada”. Uma das epígrafes marca o início da sessão “Seminário” e traz um trecho do conto “Eu, tu, ele”, da obra Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu. “Há dúvidas quanto a ter havido ou não entre Bentinho e Escobar uma relação homoafetiva – nesse caso, Bentinho se sentiria traído não só por Capitu, mas pelo amigo. A epígrafe vai trazer essa questão da homoafetividade e pode servir como um indício dessa relação triádica entre os personagens”. As epígrafes também servem nos quadrinhos, de acordo com Júlia, para estabelecer uma intertextualidade com outras obras, não só aquelas que influenciaram Machado de Assis e que têm uma relação mais clara com a obra Dom Casmurro, mas para envolver o interesse do leitor por obras correlatas. Júlia conclui que o leitor da obra original, do livro Dom Casmurro, tende a lançar um “olhar ciumento” para as adaptações. “Geralmente, quem teve contato com a obra original espera que sua leitura do livro coincida com a de Luiz Fernando Carvalho ou com a dos autores dos quadrinhos – e eis aí o olhar de Bentinho projetado no leitor ciumento, à espreita de uma possível traição na obra adaptada”.
Publicação
Júlia Rochetti Bezerra, autora da dissertação: “Procurei verificar se a transposição de uma linguagem para outra manteria abertos os caminhos interpretativos que encontramos no livro”
Dissertação: “Da adaptação de Dom Casmurro: do romance aos quadrinhos e à televisão” Autora: Júlia Rochetti Bezerra Orientadora: Maria Viviane do Amaral Veras Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)