Foto: Antoninho Perri
7 Nova frente contra
A FIBROSE CÍSTICA
Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju
Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016 - ANO XXX - Nº 674 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA
CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antonio Scarpinetti
A inovação que nasce do lixo 3
Estudo que fundamentou tese da pesquisadora Luciara Cid Gigante, do Instituto de Geociências, mostra que a regulação da coleta e reciclagem dos resíduos eletroeletrônicos pode contribuir para promover a inovação e a competitividade de empresas, a exemplo do que já ocorre em países que adotaram legislação específica voltada para o setor. A tese foi orientada pela professora Leda Gitahy.
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Impactos das chuvas extremas na RMC O tucumã-do-Amazonas chega ao prato Morte e penúria nos canteiros de obra
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A ‘gente de cor’ que conspirou em Cuba Dados oficiais omitem mazelas urbanas A renovação abortada do cinema de SP
Modelo associa gripe a variáveis ambientais Bactérias ficam mais agressivas no espaço Uma análise estatística da produção de cientistas
TELESCÓPIO
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2 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Foto: Robin Naidoo/WWF/Divulgação
O valor dos elefantes
Grupo de elefantes no Parque Nacional Mudumu, na Namíbia
A morte de elefantes na caça ilegal custa aos países africanos US$ 25 milhões ao ano em receita de turismo perdida, estima artigo publicado em Nature Communications. De acordo com os autores, baseados nos EUA, Canadá e Reino Unido, o ganho de receita turística por elefante mantido vivo, em cada uma das 216 áreas protegidas do continente, mais que compensa os custos do combate à caça ilegal por marfim. O trabalho estima a probabilidade de turistas visitarem parques com ou sem elefantes, e determina que cada elefante africano eleva o número de visitantes em mais de 370%. Esses benefícios são claros nas áreas de savana, mas não ficam evidentes nas de floresta. “A conservação de elefantes em áreas de savana protegidas tem retornos econômicos líquidos positivos comparáveis a investimentos em setores como educação e infraestrutura”, diz o artigo.
Leis do impacto científico Publicada na revista Science, uma análise estatística da produtividade de milhares de pesquisadores de diversas áreas, bem como do impacto dos artigos desses cientistas, mostra que os trabalhos mais influentes distribuem-se de modo aleatório ao longo da sequência de publicações de cada carreira individual, embora os cientistas mais bemsucedidos acumulem mais publicações, com maior impacto, nas primeiras duas décadas de atividade científica. Numa tentativa de modelar os parâmetros que regem as principais métricas usadas na avaliação institucional de pesquisadores, os autores, da Europa e dos Estados Unidos, buscaram separar os efeitos da sorte e do mero volume de publicações sobre o impacto geral da careira, e chegaram a um fator, que chamaram de “Q”, que “captura a capacidade de um pesquisador de tirar vantagem do conhecimento disponível de modo a ampliar (Q > 1) ou reduzir (Q < 1) o impacto de um artigo α”. O valor de “Q”, diz o artigo, é constante ao longo da carreira do pesquisador. “O modelo obtido pressupõe que cada cientista seleciona ao acaso um projeto com potencial pα, e o aperfeiçoa com um fator Qi que é exclusivo do cientista, resultando num artigo de impacto. Publicações de impacto verdadeiramente alto, portanto, são resultado de um cientista de alto Qi selecionar, por sorte, um projeto de alto pα; qualquer cientista, independentemente de seu parâmetro Qi, pode publicar artigos de baixo impacto ao selecionar um pα baixo”.
Câncer via tabaco Estudo de milhares de genomas de tumores humanos extraídos de fumantes e não-fumantes permitiu que cientistas identificassem marcadores específicos das mutações causadas pelo tabaco, aponta trabalho publicado na Science. “A fumaça do tabaco eleva o risco de pelo menos 17 classes de câncer humano”, escrevem os autores, dos EUA, Europa e Ásia. “Analisamos mutações somáticas e metilação de DNA em 5.243 tipos de câncer para os quais a fumaça de tabaco traz risco elevado. O fumo foi associado a aumento nas cargas de mutação de diversas assinaturas mutacionais distintas, que contribuem em diferentes proporções para diferentes cânceres”. O artigo aponta que o resultado é consistente com a ideia de que o fumo aumenta o risco de câncer ao elevar a carga de mutações.
Ocupação da Austrália Seres humanos chegaram ao interior da Austrália há 49 mil anos, cerca de 10 mil anos antes do que se imaginava, aponta artigo publicado na edição mais recente da revista Nature. A espécie humana chegou à Austrália há 50 mil anos, mas o ritmo em que a ocupação do continente se deu, bem como do desenvolvimento de tecnologia própria, com a criação de ferramentas sofisticadas de pedra, ainda é alvo de controvérsia. O novo trabalho, de autoria de pesquisadores australianos, anuncia a descoberta de ferramentas de osso e pedra, bem como restos de animais da megafauna australiana – incluindo o marsupial gigante Diprotodon optatum – num abrigo rochoso chamado Warratyi, numa região árida do sul da Austrália. O artigo relata também os vestígios mais antigos já encontrados, não só na Austrália, mas também no sul da Ásia, do uso de ocre e de gesso como pigmentos. “Nossa evidência mostra que pessoas não só colonizaram o interior árido poucos milênios após entrar no continente, como também desenvolveram tecnologias fundamentais muito antes do que se registrava para a Austrália e o Sudeste Asiático”, escrevem os autores.
Bactérias no espaço Bactérias multiplicam-se mais, tornamse mais virulentas e mais resistentes a antibióticos no espaço por causa da menor disponibilidade de alimento em condições de baixa gravidade, diz artigo publicado no periódico PLoS ONE. O comportamento mais agressivo de certas bactérias no espaço já havia sido detectado em pesquisas anteriores, mas a causa dessa mudança ainda era desconhecida. Alguns cientistas especulavam que a alteração seria uma resposta aos efeitos da baixa gravidade na mobilidade das moléculas presentes no meio externo ao micro-organismo: na ausência de peso os nutrientes se moveriam menos, reduzindo o acesso das bactérias ao alimento.
O novo trabalho identificou os genes ativados em bactérias E. coli cultivadas na Estação Espacial Internacional (ISS) e comparou-os aos de bactérias mantidas na Terra. A E. coli do espaço expressou mais genes associados à inanição, incluindo os envolvidos no uso de fontes alternativas de alimento.
análise revela um limiar-chave por volta dos 75º F [24º C]”, com o efeito da umidade sobre a disseminação da gripe passando de negativo para positivo nesse ponto. “Os resultados indicam uma explicação unificada para os influenciadores ambientais da gripe, que se aplica globalmente”.
Emissão chinesa
Dentro da célula
O desaparecimento de pradarias e a expansão urbana na China resultaram numa emissão de 1,45 bilhão de toneladas de carbono para a atmosfera entre 1990 e 2010, de acordo com estudo realizado por pesquisadores chineses e europeus e publicado no periódico Science Advances, do grupo Science. O trabalho debruçou-se sobre as emissões geradas pelas chamadas mudanças no uso da terra. Os autores apontam que mudanças nesse uso e na gestão da terra contribuíram com 15% das emissões chinesas em 1990 e 4% em 2010. O estudo aponta ainda uma forte emissão de carbono causada pela destruição de florestas no nordeste do país.
Pesquisadores chineses e americanos descrevem, no periódico Nature Methods, o desenvolvimento de uma proteína de fluorescência vermelha que, usada em conjunto com outras proteínas fluorescentes, permite visualizar todas as quatro fases do ciclo de vida de uma célula. Células passam por um ciclo formado por repouso, crescimento, replicação do DNA e divisão. Até agora, era difícil distinguir os sinais de todos os marcadores necessários para delimitar e separar as quatro fases. Com a nova proteína, os autores conseguiram marcar a transição entre as fases S (replicação do material genético) e G2 (crescimento).
Gripe e clima
Caçadores pré-históricos
Modelo publicado no periódico PNAS busca associar a ocorrência de epidemias globais de gripe a variáveis ambientais como umidade e temperatura. Essa relação, escrevem os autores, é facilmente perceptível nos países da zona temperada, onde as transições sazonais são bem marcadas, mas torna-se difícil de distinguir nos trópicos. O estudo, realizado por pesquisadores dos Estados Unidos, buscou um modelo de ligações não-lineares entre clima e epidemias, e acabou concluindo que a umidade absoluta está vinculada às epidemias de gripe, mas que a temperatura determina se a correlação entre a doença e essa vaiável será positiva ou negativa. Quando a temperatura é baixa, uma umidade absoluta alta reduz a incidência da gripe, mas a umidade alta eleva o número de casos em climas quentes. “O equilíbrio entre os efeitos positivos e negativos da umidade absoluta parece ser mediado pela temperatura”, diz o artigo. “A
Seres humanos podem ter sido responsáveis, ao menos em parte, pela extinção do leão-das-cavernas eurasiano, uma das maiores espécies de leão que já existiu, aponta estudo de autoria de pesquisadores espanhóis e publicado no periódico PLoS ONE. O leão-das-cavernas desapareceu há cerca de 14 mil anos. O artigo na PLoS descreve a descoberta, num sítio arqueológico espanhol, de indícios de que os humanos do período Paleolítico Superior (que terminou 10 mil anos atrás) matavam esses animais para aproveitar a pele. A maior parte dos ossos de leão encontrados mostrava marcas de ferramentas compatíveis com uma técnica usada para esfolar a presa, mantendo as garras ligadas à pele.
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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju
3 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016 Fotos: Antonio Scarpinetti
Estudo aponta que regulação da gestão de resíduos eletroeletrônicos contribui para promover a inovação e a competitividade de empresas MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
xperiências internacionais demonstram que a adoção de um marco regulatório relacionado à gestão de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos contribui para promover a inovação e aumentar a competitividade das empresas que compõem o setor. A constatação faz parte da tese de doutoramento da pesquisadora Luciara Cid Gigante, defendida junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. A orientadora do estudo foi a professora Leda Gitahy. De acordo com Luciara, a definição de legislações que regulam a coleta e reciclagem dos resíduos eletroeletrônicos tem proporcionado a abertura de janelas de oportunidades em diversos países. Um exemplo visível nesse sentido é a China, que até recentemente era considerada um “paraíso de poluição”. Várias cidades chinesas abrigavam verdadeiros lixões desse tipo de material, que era exportado por outros países. “Ocorre que o equipamento eletroeletrônico é classificado como resíduo perigoso. Ele pode liberar uma série de elementos, como metais pesados, que afetam negativamente tanto o meio ambiente quanto a saúde da população”, explica a autora da tese. Em 2008, a China formulou uma legislação denominada Diretiva Chinesa para regular a coleta e reciclagem dos resíduos eletroeletrônicos. O documento foi inspirado na Diretiva Europeia, criada seis anos antes, mas adaptado às especificidades do país. A norma chinesa, conforme Luciara, estabeleceu como ponto principal que a responsabilidade pela destinação final do resíduo é do fabricante, mesma posição da legislação válida para os países integrantes da União Europeia. Antes mesmo de a China tomar essa decisão, acrescenta a professora Leda, diversas nações da Europa avançaram muito em relação à gestão dos resíduos em geral e dos eletroeletrônicos em particular. “Algumas delas, como Suécia, Alemanha e Dinamarca, para ficar somente em três exemplos, estão bem próximas do lixo zero. O índice de reciclagem alcançado por elas é superior a 90%”, informa. Segundo Luciara, a tese não tinha, a princípio, intenção de estudar o caso da China, mas ele acabou se impondo durante a pesquisa pela sua importância. Ao realizar buscas em diferentes bases de dados internacionais, a pesquisadora verificou o crescimento do número de patentes registradas (indicador de inovações) após a introdução dos marcos regulatórios nacionais. “Ao compararmos os resultados das buscas, nós vimos que eles eram muito parecidos. Partiam do quase nada para um aumento significativo no número de patentes, avanço este impulsionado pelas novas normas de gestão de resíduos. Na relação de países que mais geraram inovações aparece a China em primeiro lugar, seguida por Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e Japão”, elenca a autora da tese. As principais inovações nesse segmento aponta a professora Leda, estão relacionadas ao que os especialistas denominam de “esverdeamento” da cadeia de produção e a práticas de logística reversa. Em outras palavras, as indústrias têm promovido modificações nos projetos de vários produtos, a fim de tornar mais fácil a reciclagem de suas partes. “Também tem ocorrido a diminuição do uso de matérias-primas virgens pela indústria de eletroeletrônicos. Elas estão utilizando cada vez mais insumos de segunda mão”, complementa a professora Leda. Estão participando desse esforço de inovação universidades, institutos de pesquisa e indústrias. Graças à diretiva implantada no país, a China deixou um cenário no qual os eletroeletrônicos eram desmantelados manualmente e de maneira informal, para ingressar numa fase na qual tem ocorrido a coexistên-
Descarte de eletroeletrônicos: promulgada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos praticamente não saiu do papel no Brasil
Lixo do bem Luciara Gigante, autora da tese: “Na relação de países que mais geraram inovações aparece a China em primeiro lugar, seguida por Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e Japão”
Leda Gitahy, orientadora do trabalho: “Não há incompatibilidade entre regulação e desenvolvimento. Desde que bem desenhada, a regulação pode abrir janelas de oportunidades”
cia desse modelo rudimentar com outro que impõe diretrizes para a formalização da reciclagem, a certificação das indústrias e a consequente redução dos impactos ambientais. A Diretiva Chinesa, pontua a autora da tese, está sustentada em três mecanismos. O primeiro, já mencionado, refere-se ao princípio da responsabilidade do produtor. O segundo foi a criação de projetos-piloto que promovessem a formalização gradual do setor. O governo certificou alguns recicladores para poder integrar as atividades informais com as formais. O terceiro e último mecanismo foi lançar um programa nacional de estímulo ao consumo. Por esse instrumento, o consumidor pode trocar o seu equipamento velho por um novo, obtendo um desconto. “Nesse caso, o lojista entra em contato com o sucateiro informal, que vai à residência do consumidor para retirar o resíduo. Depois, ele se encarrega de levar o equipamento obsoleto até o reciclador certificado, fechando assim o ciclo”, pormenoriza Luciara. Embora existam aqueles que se posicionam contra qualquer tipo de regulação ambiental, por entenderem que qualquer forma de legislação prejudica a competitividade das empresas, estudos internacionais, aos quais se soma a tese de Luciara, demonstram o contrário. “Não há incompatibilidade entre regulação e desenvolvimento. Desde que bem desenhada, a regulação pode abrir jane-
las de oportunidades, gerando mais inovações, novos empreendimentos e ampliação do emprego. Sem contar a economia de recursos destinados a tratamentos de saúde e projetos de recuperação do meio ambiente”, lembra a orientadora da tese.
BRASIL
Em relação ao Brasil, além da análise da evolução da legislação e do patenteamento, o estudo incluiu uma pesquisa de campo em empresas recicladoras desses resíduos, para identificar os problemas enfrentados pelo setor. O trabalho constatou que a ausência de uma cadeia estruturada de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos deixa o país na posição de exportador da parte mais valiosa desses resíduos com destino à Bélgica, Suíça, Suécia, Alemanha, Japão e China. A análise de patentes revelou o interesse de empresas multinacionais originárias dos EUA, Alemanha, China e Japão de defender as suas tecnologias no país, o que indica que o potencial do setor é promissor. Assim, se no plano internacional a pesquisa de Luciara identificou avanços importantes em relação à gestão dos resíduos eletroeletrônicos, o mesmo ainda não pode ser dito sobre o Brasil. Aqui, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, promulgada em 2010, após vinte anos de tramitação, avançou muito pouco no que se refere aos resíduos eletro-
eletrônicos. “O país ainda está engatinhando nessa área”, sustenta a pesquisadora. O grande nó da legislação brasileira, na opinião tanto da orientada quanto da orientadora, está num princípio de difícil operacionalização. Diferentemente do que ocorreu na China e na União Europeia, no Brasil foi estabelecido o princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Isso envolve os atores que compõe a cadeia produtiva, ou seja, fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos e consumidores, via acordos setoriais. Estes acordos seriam responsáveis por definir os custos e os canais da logística reversa. “Como desenho, o princípio em si não é ruim. Mas tem sido muito difícil colocá- lo em prática”, afirma a professora Leda. Após a aprovação do marco regulatório brasileiro, exemplifica Luciara, foram montados grupos de trabalho temáticos para tratar a questão da destinação dos resíduos sólidos, incluídos os eletroeletrônicos. Participaram desses grupos representantes de sindicatos, de cooperativas de reciclagem, da indústria, dos ministérios e da sociedade civil. Em algumas áreas se avançou, mas muito pouco na área estudada. “Foram realizadas 15 reuniões, mas nada de prático foi realizado”, lamenta a autora da tese. Somente em 2016, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e o Sindicato da Indústria de Aparelhos Elétricos Eletrônicos e Similares do Estado de São Paulo (Sinaees) criaram a Green-Eletron, que seria uma entidade gestora desses resíduos, mas tudo ainda segue no plano das discussões. “A pesquisa junto às empresas recicladoras apontou que um dos problemas enfrentados é a falta de matéria-prima. Por um lado sobram resíduos e por outro eles não chegam às recicladoras. Aqui, como na China, o problema está na coleta e na criação de canais que viabilizem a logística reversa”, comenta a professora Leda. A docente contesta a ideia generalizada de que um dos problemas relativos à gestão dos resíduos está na falta de conscientização da população. Segundo ela, não é bem assim. “Tem muita gente consciente, que gostaria de dar destino correto ao seu lixo, particularmente os de origem eletroeletrônica. Ocorre que as pessoas não sabem onde podem entregar os equipamentos velhos”. “A coleta desse tipo de material inexiste no Brasil. Pesquisa realizada entre os consumidores demonstra que 90% deles mantêm seus celulares velhos nas gavetas, pois não sabem onde entregá- los”, finaliza Luciara, que contou com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Publicação Tese: “Políticas de regulação e inovação: reciclagem de resíduos eletroeletrônicos” Autora: Luciara Cid Gigante Orientadora: Leda Gitahy Unidade: Instituto de Geociências (IG) Financiamento: Capes
4 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016 Fotos: Antoninho Perri
Tese analisa impactos de chuvas extremas na RMC Tempestade em Campinas: Planos Diretores bem elaborados não atenuaram efeitos adversos de ocorrências
Pesquisadora reuniu dados do período compreendido entre 1970 e 2009 CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
s consequências associadas às chuvas extremas nas cidades devem ser analisadas de acordo com uma rede que envolve não só fatores físicos e climáticos, mas também sociais, mostram os dados levantados na tese de doutorado “Extremos de Chuva na Região Metropolitana de Campinas (SP): Impactos, Análise Socioeconômica e Políticas Públicas”, defendida por Marina Sória Castellano no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, com orientação de Lucí Hidalgo Nunes. Foram coletados dados associados às chuvas extremas – entendidas como aquelas que se distanciam das condições habituais de uma série histórica – dos municípios que compõem a Região Metropolitana de Campinas (RMC) entre 1970 e 2009, com exceção da cidade de Morungaba, que só foi incluído na região em 2014. Os efeitos adversos das chuvas foram levantados em 92 jornais e na Defesa Civil de Campinas, a única a registrar ocorrências para o período. Após a confecção de um banco de dados inédito sobre os impactos ocasionados por chuvas extremas na RMC, estes foram separados em grupos, entre eles: desabrigados, imóveis invadidos pela água, vias invadidas pela água, feridos e mortos. Os dois primeiros compõem o maior número de ocorrências: 10,1 mil e 7,9 mil, respectivamente, em toda a região. Em relação ao total de casos, houve aumento considerável ao longo do tempo, em especial nas duas últimas décadas, tendo, nos anos de 2000, o período com maior quantidade de ocorrências. “Tal aumento pode ter se dado em razão de três fatores: o crescimento populacional e da mancha urbana da RMC, uma vez que a existência do meio urbano é algo artificial e, portanto, traz uma série de alterações no ambiente natural que podem contribuir com o aumento das ocorrências; a fonte de dados, pois edições mais antigas de alguns jornais consultados apresentaram falhas e o maior acesso a tecnologias (como os celulares) em anos mais recentes, que facilitam o registro das ocorrências” afirma a autora. Campinas ficou em primeiro lugar como a cidade mais atingida em todos os impactos considerados, seguida por Sumaré e Americana. As menos afetadas foram Arthur Nogueira, Holambra e Monte Mor. Apesar do grande número de casos nos 40 anos analisados, Campinas apresentou sensível melhora entre as décadas de 1990 e 2000, possivelmente, de acordo com a tese, por conta da atuação da Defesa Ci-
vil da cidade: “O órgão foi organizado de maneira mais bem estruturada nos anos de 1990, o que pode ter contribuído com a diminuição de casos nos anos 2000, diferente da tendência observada nas Defesas Civis dos outros municípios, que se estruturaram mais recentemente – grande parte, no fim da década de 2000” afirma a autora. O levantamento apontou também que volumes maiores de chuva não necessariamente causaram mais impactos nos municípios considerados. “Nenhum posto pluviométrico analisado na pesquisa apresentou forte correlação entre a chuva e a quantidade de ocorrências”, disse Castellano, explicando que foi realizada uma análise estatística de correlação linear simples entre milímetros de chuva e total de eventos. “Isso pode ser um indicativo de que o fator físico – ilustrado pelas chuvas extremas – é um deflagrador, como um estopim para que os problemas começassem, e não um causador de transtornos à sociedade”. Outros fatores sociais poderiam, portanto, influenciar a magnitude das consequências de um episódio excepcional: “Incluindo a vulnerabilidade da população atingida, a forma de ocupação urbana que se tem atualmente em grandes cidades, o alto grau de impermeabilização do solo e retirada de áreas verdes”.
VULNERABILIDADE
A tese teve como base o IVS (Índice de Vulnerabilidade Social) disponível no Atlas da Vulnerabilidade Social do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). As ocorrências foram separadas por áreas denominadas Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH), definidas com base no censo do IBGE. O mapeamento foi realizado apenas para as décadas de 1990 e 2000. De maneira geral, na década de 2000, mais ocorrências foram registradas em áreas consideradas de baixa ou muito baixa vulnerabilidade, tendência que destoa de grande parte das pesquisas que tratam do tema. “Isso ocorreu em virtude de os índices de vulnerabilidade terem melhorado consideravelmente da década de 1990 à década de 2000, em razão de políticas públicas que tinham como intuito a diminuição da desigualdade social, como o Programa Bolsa Família, por exemplo”, disse a pesquisadora. A despeito disso, foram encontrados alguns bairros de alta vulnerabilidade que tiveram muitas ocorrências ou apresentaram aumento considerável na quantidade de casos da década de 1990 para a década de 2000. Entre eles, a Rua Moscou (área que se destacou no contexto regional), no Jardim São Quirino; o Jardim São Marcos, o Jardim Paraíso de Viracopos, em Campinas; o Bairro Itaici e o Jardim Oliveira Camargo, em Indaiatuba; Jardim São Domingos, Jardim Basilicata e Jardim Picerno, em Sumaré.
PLANEJAMENTO URBANO
A pesquisa também buscou entender a relação entre os desastres causados pelas chuvas e o planejamento urbano. A pesquisa mostrou que a existência, ou mesmo a qualidade, das leis de planejamento urbano não influenciou as ocorrências relacionadas às chuvas extremas em algumas cidades da RMC.
Marina Sória Castellano, autora do estudo: “A presença de legislações relacionadas ao planejamento urbano não amenizaram os impactos associados às chuvas”
“Foram analisados os Planos Diretores de Campinas, Sumaré e Artur Nogueira”, disse a pesquisadora. “Isso porque foram municípios com comportamentos distintos: Artur Nogueira foi o que teve menor quantidade de ocorrências no período, e Campinas e Sumaré tiveram maior quantidade de casos”. Castellano aponta que “há grande discrepância entre a teoria, representada pela existência dos planos e legislações, e a prática, na qual as ocorrências calamitosas de fato se dão”. “A presença de legislações relacionadas ao planejamento urbano não amenizou os impactos associados às chuvas”, aponta ela. “Enquanto Artur Nogueira teve um Plano Diretor mal elaborado, na prática, o município apresentou poucas ocorrências; já Campinas teve os Planos Diretores mais bem feitos, ainda assim foi o município com maior quantidade de casos”. A aparente contradição “está associada à complexidade que a questão das chuvas e de suas consequências traz ao meio urbano”, explica a pesquisadora. “As chuvas e seus efeitos estão relacionados a uma série de outros fatores de ordem social, política e financeira, sendo a especulação imobiliária um caso exemplar. Assim, os municípios mantiveram suas dinâmicas, independentemente da existência de legislações e documentos oficiais”.
CIDADES RESILIENTES
O texto lembra que todos os municípios da RMC têm o certificado de “Cidade Resiliente” emitido pela ONU, “fato que, segundo as Defesas Civis visitadas, deu maior visibilidade e reconhecimento do trabalho desses órgãos, seja pela sociedade, ou pelas próprias prefeituras, além de maior cobrança por parte dos poderes públicos municipais”, escreveu a autora. “Outro ponto bastante importante e muito citado foi o fato de que, depois do recebimento do certificado, as ações de
prevenção foram priorizadas”, aponta a tese. “Segundo a Defesa Civil de Campinas, antes os órgãos eram mais reativos, agindo apenas quando o problema acontecia. Após, houve mudança de visão no sentido de enfatizar a importância da prevenção em relação aos desastres”. A tese aponta que tratar dos problemas trazidos pelas chuvas deve ser algo pensado além da atuação da Defesa Civil. “O órgão pode se estruturar com funcionários, monitoramento em tempo real, medidas preventivas e sistemas de alerta, mas os impactos associados a precipitações excepcionais fazem parte de uma rede complexa e que tem sua essência no modelo de cidade adotado nos municípios brasileiros”, afirma o texto, elencando algumas características desses modelos: “intenso grau de impermeabilização, carência de áreas verdes, alteração de cursos d´água e o favorecimento aos interesses particulares de determinados grupos, que muitas vezes perpetuam situações de desigualdades sociais e exclusão”. Além disso, a pesquisa chama atenção para a necessidade de ações focadas na qualidade de vida da população em longo prazo, “fato que muitas vezes é impossível de ser colocado em prática, quando os ciclos políticos se dão a cada quatro anos”, afirma Castellano.
Publicação Tese: “Extremos de Chuva na Região Metropolitana de Campinas (SP): Impactos, Análise Socioeconômica e Políticas Públicas” Autora: Marina Sória Castellano Orientadora: Lucí Hidalgo Nunes Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
5 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016 Fotos: Divulgação
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
ruto popular no Estado que lhe dá o nome, o tucumã-do-Amazonas tem sua polpa utilizada principalmente para compor o recheio do popular sanduíche regional conhecido como X-caboquinho ou da tapioca, e também na composição de pratos locais. Os cocos do fruto, que se desenvolvem em cachos, têm em média aproximadamente cinco centímetros de diâmetro, uma polpa de pequena espessura, recoberta por uma casca fina, facilmente removível, e um caroço que ocupa grande parte de seu volume. Da polpa, que corresponde a apenas 28% da massa do coco – que é oleosa, de coloração que varia do amarelo ao laranja e tem consistência semelhante à manga mais firme, são comercializados anualmente, em Manaus, cerca de 370 toneladas, das quais mais da metade vendidas na forma fatiada, o que demonstra a preferência do consumidor pela praticidade. Mesmo com a popularidade do uso e da significativa atividade econômica envolvida, são raras as referências sobre o processamento da polpa de tucumã-do-Amazonas, sendo a despolpa realizada ainda de modo manual e a polpa pouco resiste à deterioração (cinco dias em geladeira), o que restringe o seu comércio à informalidade e ao Estado do Amazonas. Estas circunstâncias motivaram o biólogo manauara Alisson dos Reis Canto a desenvolver junto ao Departamento de Ciência de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), orientado pelo professor Marcelo Alexandre Prado, pesquisa objetivando o estabelecimento de parâmetros para o processamento da produção de conserva da polpa de tucumã-do-Amazonas e a avaliação de sua estabilidade durante o tempo de armazenamento sem utilização de refrigeração. O produto proposto pelo pesquisador utiliza a associação de dois métodos de conservação: o tratamento térmico e a acidificação da polpa, obtida pela manutenção desta em solução contendo ácido cítrico, açúcar e sal. Ele estudou a melhor concentração desses componentes na solução de forma que a polpa apresentasse a menor alteração possível de textura, sabor e cor, e atendesse o gosto dos consumidores do produto in natura, o que foi comprovado com a utilização de testes sensoriais. A expectativa é que a polpa possa ser industrializada no Amazonas por cooperativas, mesmo porque, como parte do fruto vem da atividade extrativista do interior do Estado, o ribeirinho, em vez de apenas comercializá-lo, lhe agregaria valor, gerando empregos nas comunidades mais distantes da capital. Ele destaca que isso seria facilitado porque o processo desenvolvido é simples, não envolve grande aparato tecnológico e nem necessidade de refrigeração durante a comercialização. Essa perspectiva seria altamente desejável quando se sabe que, embora exista um cultivo em Rio Preto da Eva, cidade próxima a Manaus, que não chega a suprir 10% do mercado, o coco é essencialmente proveniente do extrativismo. Para o autor, o cultivo é problemático por falta desse hábito na região e pelo fato da semente levar até dois anos para germinar e a planta formada produzir apenas depois de cinco anos. Outra vantagem da industrialização seria comercializar a polpa na entressafra, mesmo porque, próximo de Manaus a safra ocorre de fevereiro a agosto, com pico em abril, embora existam regiões do Estado em que a frutificação acontece em períodos diferentes do ano.
Publicação Tese: “Processamento da polpa de tucumã-do-Amazonas (Astrocaryumaculeatum) em conserva e avaliação da estabilidade durante o armazenamento” Autor: Alisson dos Reis Canto Orientador: Marcelo Alexandre Prado Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Cachos e inflorescência de tucumã-do-Amazonas; frutos de tucumã-do-Amazonas; e polpa de tucumã-do-Amazonas em conserva
Da floresta para o prato Pesquisador desenvolve processo de industrialização do tucumã-do-Amazonas para utilização culinária
Na sequência, sanduiche X-caboquinho, composto de pão francês, queijo coalho, polpa de tucumã-do-Amazonas e banana da terra madura fritas; tapioca com recheio de tucumã-do-Amazonas (panqueca a base de goma de mandioca com queijos e castanha-do-Pará); e pizza recheada com tucumã-do-Amazonas, mussarela e queijo coalho
FASES DA PESQUISA Na primeira etapa da pesquisa, que se estendeu por quatro anos, o autor dedicou-se, no primeiro deles, a verificar durante a safra e entressafra se o fruto, proveniente do extrativismo, mantinha os principais padrões de qualidade necessários à sua industrialização, como variações de cor, maturação e espessura da polpa. Vencida esta etapa, ele passou ao pré-processamento da polpa que, no caso, é denominado de branqueamento. Trata-se de um processo térmico brando que inativa enzimas, promovendo também a remoção do ar retido nas regiões intracelulares e amolecimento dos tecidos vegetais, o que facilita o enchimento das embalagens do produto. Como não havia estudos a respeito, ele teve que determinar a temperatura e o tempo para o branqueamento da polpa de tucumã-do-Amazonas que não levasse ao subprocessamento, não inativação das enzimas, ou ao superprocessamento, que levaria a degradações indesejáveis de cor e textura, além da perda de nutrientes. Tendo em conta a temperatura e tempo de branqueamento o pesquisador passou ao processamento propriamente dito, em que se dedicou a estabelecer a melhor composição do líquido de cobertura constituído de água, ácido cítrico, açúcar e sal, além
do tempo para o processamento térmico. Com base em um planejamento estatístico, ele estabeleceu 15 formulações diferentes. Todas as polpas submetidas a essas formulações passaram então por dois diferentes testes sensoriais com um público acostumado ao consumo da polpa in natura: o primeiro, apenas com a polpa processada, e o segundo, com ela na composição do X-caboquinho. Foram detectadas as formulações mais aceitas, o que possibilitou a escolha que envolvia a menor adição de cloreto de sódio e açúcar em concentração intermediária dentre as formulações testadas, o que além de diminuir os custos industriais contribui para a saúde do consumidor. Para o autor, os resultados sugerem que o produto em conserva está apto a ser industrializado, pois mais de 50% dos participantes declararam que certamente o comprariam ou provavelmente o comprariam. Com vistas a eliminar fatores subjetivos, ele também utilizou análises instrumentais que permitem determinar os parâmetros que devem ser seguidos nos processamentos industriais para chegar ao produto desejado. Por fim, utilizando análises bimensais da cor, textura e composição química da polpa em conserva ele chegou à determinação do seu tempo de prateleira, que é de pelo menos 300 dias, mantido no escuro ou sob a ação da luz e sem refrigeração. Foto: Antonio Scarpinetti
Alisson dos Reis Canto, autor da tese: “Conseguimos um produto que oferece a praticidade que o consumidor procura”
CONSTATAÇÕES O que diferencia o produto natural do em conserva, e os testes sensoriais revelam isso, é que este é um pouco mais claro na cor - em decorrência principalmente da etapa do branqueamento, mais ácido - devido ao ácido cítrico presente no líquido de cobertura, e um pouco mais suculento - por causa da absorção de água. Para Alisson, a polpa in natura tem gosto tendendo ao amanteigado, por ser rica em lipídios (gorduras), o que explica sua combinação com queijos, deixando ao final um sabor levemente adocicado, o que explica também a sua combinação com ingredientes de sabor doce, como a banana da terra. Em relação ao produto processado, ele o compara ao palmito em conserva em relação à textura. Quanto ao sabor, o produto se mostra menos amanteigado que o natural em decorrência do teor de lipídios que cai de até 50% após o processamento, o que de certa forma é benéfico para a saúde. Outro aspecto importante a ser ressaltado é que o processamento não altera substancialmente o teor de betacaroteno original, poderoso antioxidante e precursor da vitamina A no organismo. Além disso, o produto mostrou-se estável para comercialização em até 10 meses sem refrigeração, tempo bem maior quando comparado à polpa minimamente processada que resiste à estocagem em refrigeração por até 20 dias. Os testes sensoriais credenciam o autor do trabalho a afirmar que aparentemente o produto industrializado pode substituir o natural como ingrediente culinário, situação em que as diferenças sensoriais entre um e outro se minimizam. Ele conclui: “Conseguimos um produto estável à temperatura ambiente, muito importante para a região Norte, onde as temperaturas são altas, e que oferece a praticidade que o consumidor procura, evitando o trabalho de descascar o fruto e separar a polpa do caroço. Isso foi obtido utilizado um processo relativamente barato e tecnologicamente simples, passível de ser adotado em cooperativas, permitindo a industrialização nos picos de frutificação e a comercialização deste excedente na entressafra, quando a polpa de tucumã fica muito mais cara”.
6 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
Riscos e precarização rondam trabalhador da construção civil Autora de dissertação do Instituto de Economia aponta também trabalho análogo ao escravo Fotos: Antonio Scarpinetti
Trabalhadores da construção civil em obra em Campinas: índices elevados de acidentes
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
s trabalhadores no canteiro de obras não parecem ter se beneficiado do impulso dado à construção civil, via incentivos de políticas habitacionais, pelo governo federal nos anos 2000. Esses trabalhadores continuam, em sua maioria, mal remunerados, em condições precárias de trabalho, sujeitos a um alto índice de acidentes de trabalho, a jornadas semanais acima da prevista lei. Além disso, o trabalho análogo ao escravo segue com uma presença significativa no setor. Essas constatações estão na dissertação de mestrado “Mercado de Trabalho na Construção Civil: O Subsetor da Construção de Edifícios Durante a Retomada do Financiamento Habitacional nos Anos 2000”, defendida por Melissa Ronconi de Oliveira no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, com orientação da professora Mariana de Azevedo Barretto Fix. Levando em conta o conjunto de diferenças que marca o trabalho nos diversos subsetores da construção civil – que abarca desde a construção de grandes obras de infraestrutura a serviços especializados – a pesquisa enfocou o estudo do mercado de trabalho na construção de edifícios. “Tínhamos como hipótese inicial que os maiores reajustes de remuneração do setor estariam na parcela de trabalhadores de menor qualificação, cujos salários médios são mais próximos ao mínimo”, disse Oliveira. “Mas o que vimos foi que, nesse movimento intenso de retomada da construção, quem teve os maiores reajustes foram os profissionais especializados: engenheiros, arquitetos, assim como o gesseiro, o eletricista, o pintor”. “O servente e o pedreiro são as duas ocupações principais do setor, somam sempre mais de 50% dos ocupados na construção de edifícios”, disse a autora, que acrescenta: “Isso parece indicar que, apesar das mudanças tecnológicas incorporadas em alguns canteiros, o processo de construção da casa no Brasil permanece trabalho-intensivo”. Há um debate sobre a incorporação tecnológica nas edificações, e dimensionar o impacto desse processo sobre o trabalho no setor é um desafio que pode motivar futuros estudos, afirmou a pesquisadora. Enquanto o salário dos profissionais menos qualificados, que formam a maioria empregada pelo setor, apenas acompanhou a variação do salário mínimo durante a expansão da demanda, nos primeiros anos deste
10% das mortes resultantes de acidentes de trabalho no Brasil, em 2006, vitimaram trabalhadores da construção civil, taxa que passou a 16% em 2014. “É um setor que mata”, disse a pesquisadora.
HISTÓRIA
século, os profissionais qualificados tiveram aumentos mais expressivos. “Como o setor teve um crescimento baixo nos anos 90, não havia suficiente mão de obra especializada durante a retomada, pressionando a elevação dos salários”, explica a pesquisadora. “O estímulo à construção civil tem sido usado, na história de nosso país, como instrumento para geração de emprego de baixa qualificação”, lembra ela. “Foi assim na ditadura: o BNH [Banco Nacional da Habitação, empresa estatal criada em 1964, extinta e incorporada à Caixa Econômica Federal em 1986] surge durante um período de intensa migração regional – e um de seus objetivos é criar empregos de baixa qualificação, para absorver essa mão de obra que chegava às cidades”.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Informalidade, trabalho análogo ao escravo e índices elevados de acidentes e mortes seguem acompanhando o setor, mesmo em projetos que contam com financiamento público, como os do Programa Minha Casa, Minha Vida, mostra a pesquisa. A terceirização das atividades é intensa na construção e se ampliou na última década, deteriorando ainda mais as condições de trabalho. Embora o trabalho análogo à escravidão seja mais comumente associado ao meio rural, ele também tem presença significativa na construção civil, aponta a pesquisadora.
“O trabalho análogo ao escravo tem que ser analisado com cuidado, porque você não consegue medir a população de trabalhadores que estão nessas condições, você só consegue saber dos resgates”, lembra ela. “Então, provavelmente há um mar imenso de pessoas assim, mas só conseguimos saber daqueles que são resgatados pelas operações de fiscalização”. “O trabalho análogo ao escravo está presente também nas cidades”, aponta. “A gente vê muitas denúncias, muitos resgates acontecendo em obras do Minha Casa, Minha Vida, mostrando que o programa veio, forneceu financiamento, deu estímulo para os empresários do setor sem exigir, como contrapartida, garantias de condições dignas de trabalho”. Em quase todos os anos analisados para a dissertação houve resgates registrados, assinala a autora. Variam entre 161 e 809 o número de resgatados, por ano, entre 2011 e 2014 na construção de edifícios. “Não há muitas equipes de resgate”, destaca Oliveira. “O conceito do que é trabalho escravo está sempre em disputa na Justiça, os juízes do trabalho não têm decisões uniformes sobre o termo. Tudo isso dificulta o estabelecimento deste limite da relação de assalariamento”. A incidência de acidentes e mortes nos canteiros de obras também é alta. Dados oficiais, citados na dissertação, apontam que
“Quando a gente vê o crescimento do número de contratados nos anos 2000 e compara com o crescimento do número de acidentes de trabalho, as taxas caminham juntas”, aponta ela. “Ou seja, não houve medidas do setor para reduzir os acidentes”. A legislação sobre o assunto, afirma Oliveira, é atrasada no que diz respeito ao setor da construção. “As exigências estão defasadas, e os empregadores fazem frente quando se tenta avançar na legislação”. A dissertação inicia retomando a história do trabalho na construção civil no Brasil, com o objetivo de mostrar que as condições precárias não são “naturais” ou “inevitáveis”: até os anos 30 do século passado, o trabalhador no canteiro de obras era um profissional qualificado, um tipo de artesão, que conhecia matemática e geometria. Com a estruturação do circuito imobiliário no país, intensifica-se a divisão do trabalho entre canteiro e desenho, aponta Oliveira, citando trabalho do artista e pesquisador Sérgio Ferro. “Esse artesão vai sendo substituído por um operário mais desqualificado, na medida em que o capital vai se apropriando da produção da casa no país”, disse a autora. “O circuito se completa durante a ditadura, com o BNH”. Ela nota, no entanto, que o processo de produção de moradias no Brasil não parece ter se industrializado aos moldes da produção da casa no pós-guerra europeu – não há, por exemplo, um uso extensivo de pré-moldados ou pré-fabricados. “O processo continua manufatureiro, mas a fragmentação da produção, possibilitada com o avanço da separação entre canteiro e desenho, permite que o trabalhador vá sendo, progressivamente, mais fácil de substituir”.
EQUÍVOCO
A pesquisadora tece críticas ao Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo federal como parte de sua resposta aos impactos, no Brasil, da crise internacional iniciada em 2008. “Num primeiro momento, a gente conseguiu mobilizar recursos para dar fôlego ao setor e manter um pouco o dinamismo da economia, mas isso tem limites, pois a crise é internacional”, disse. “Além disso, temos que refletir sobre os impactos urbanos de políticas de estímulo à produção residencial”. Oliveira lembra que o programa deixou ao mercado a prerrogativa de decidir como e onde construir as habitações populares. “Temos, assim, um período de intensa construção de moradias mal construídas, em periferias afastadas, alargando a franja urbana das cidades”. Ela prossegue: “Gera-se um estoque de casas mal construídas e com péssima localização, que impacta a configuração urbana. Isso complica, agrava e cristaliza uma estrutura de cidade muito ruim e que vai perdurar no tempo, em troca de uma política anticíclica com impactos muito limitados no tempo – até pelas características do setor – que gera dinamismo apenas durante a vigência das obras.”
Publicação
Melissa Ronconi de Oliveira, autora do estudo: “O estímulo à construção civil tem sido usado, na história de nosso país, como instrumento para geração de emprego de baixa qualificação”
Dissertação: “Mercado de Trabalho na Construção Civil: O Subsetor da Construção de Edifícios Durante a Retomada do Financiamento Habitacional nos Anos 2000” Autora: Melissa Ronconi de Oliveira Orientadora: Mariana de Azevedo Barretto Fix Unidade: Instituto de Economia (IE)
7 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
Técnica inovadora personaliza tratamento de fibrose cística Fotos: Antoninho Perri
A partir do cultivo de células epiteliais, pesquisadores da Unicamp testam drogas específicas CAMILA DELMONDES Especial para o JU
esquisa realizada no Centro de Investigação em Pediatria (Ciped) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp conseguiu, com sucesso, isolar e cultivar células primárias epiteliais brônquicas, traqueais e nasais de pacientes com fibrose cística (FC). A técnica tem o objetivo de avaliar a função do canal de cloro (CFTR), ausente ou diminuído nesses pacientes, com a expectativa de testar a efetividade de novos fármacos de forma personalizada. Com o sequenciamento genético realizado a partir do sangue do paciente e a utilização da técnica de isolamento e cultivo das células epiteliais, os pesquisadores são capazes de extrair células de sistemas e órgãos envolvidos na doença de cada indivíduo e testar drogas específicas, que modulem e/ou potencializem o funcionamento do CFTR. “O Ciped é a única instituição da América Latina a realizar esse tipo técnica, considerada uma inovação no campo da medicina personalizada. Atualmente, mais de duas mil mutações para esse gene já foram descobertas”, comentou Arthur Henrique Pezzo Kmit, aluno de doutorado do curso de pós-graduação em Genética Médica e autor da pesquisa. Por essa inovação, a pesquisa Isolation, production and culture of primary epithelial cells from patient’s airways for the testing of new drugs to cystic fibrosis treatment ganhou o prêmio de melhor trabalho apresentado durante o XV Congresso Brasileiro de Pneumologia Pediátrica, XV Congreso Latinoamericano de Fibrosis Quística e XI Congreso de La Sociedad Latinoamericana, ocorridos em Santa Catarina, no primeiro semestre. O estudo teve a participação da bióloga Adriana Mendes Vinagre, do Laboratório de Fibrose Cística (Lafic) da FCM e da pesquisadora Juliana Moreira. A orientação foi dos professores Antônio Fernando Ribeiro, Carmen Sílvia Bertuzzo e Margarida Duarte Amaral.
Aparelho usado na pesquisa: cientistas extraem células de sistemas e órgãos envolvidos na doença de cada indivíduo
A ausência ou deficiência do canal CFTR gera um transporte de íons de cloreto inadequado acarretando diversas alterações intracelulares que causam uma série de sintomas crônicos em vários órgãos: pulmões, pâncreas, glândulas sudoríparas, vias deferentes, intestinos, fígado. A bronquiectasia é o quadro mais grave, caracterizado pela deterioração irreversível do pulmão. Quando isso acontece, o paciente recebe um novo órgão, por meio de transplante. É nesse contexto que se situa a pesquisa desenvolvida na Unicamp – em parceria com o Instituto do Coração (InCor)
e o Ambulatório de Fibrose Cística, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Os pulmões desses pacientes mais graves são explantados em São Paulo e encaminhados para Campinas. Aqui na Unicamp, no Lafic, nós conseguimos extrair as células epiteliais dos brônquios e da traqueia, cultivá-las em laboratório, e testá-las para drogas específicas”, explicou o pesquisador. Ainda de acordo com Arthur, depois de dissecados, os brônquios e os fragmentos de traqueia são submetidos a lavagens enzimáticas contendo coquetel de antibióticos,
O que é A fibrose cística é uma doença de origem genética decorrente de alterações no gene CFTR, responsável pela produção da proteína que regula o movimento do cloreto de sódio dentro e fora das células. Uma vez defeituosa, tal proteína desequilibra a quantidade de sal e água no interior das células. Secreções das glândulas como o suor, o muco e as enzimas pancreáticas, por exem-
plo, ficam espessas e obstruem os dutos dos órgãos, ocasionando uma série de sintomas, dentre os quais, doença pulmonar crônica e progressiva, e insuficiência pancreática. Ainda sem cura, a fibrose cística atinge cerca de 70 mil pessoas anualmente, em todo o mundo. As crianças são as mais afetadas e a expectativa de vida é de aproximadamente 15 anos.
COMO FUNCIONA A TÉCNICA O gene CFTR é responsável pela produção da proteína, de mesmo nome, que regula a secreção de íons cloreto (Cl-) e bicarbonato (HCO3-) na membrana apical localizada na superfície das células epiteliais. Uma vez defeituosa, tal proteína desequilibra a quantidade de sal e água no interior e exterior das células.
Publicação Pesquisa: Isolation, production and culture of primary epithelial cells from patient’s airways for the testing of new drugs to cystic fibrosis treatment Autor: Arthur Henrique Pezzo Kmit Coautores: Adriana Mendes Vinagre e Juliana Moreira Orientadores: Antônio Fernando Ribeiro, Carmen Sílvia Bertuzzo e Margarida Duarte Amaral Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Da esq. para a dir., o professor Antônio Fernando Ribeiro, orientador da pesquisa, Arthur Henrique Pezzo Kmit, autor do estudo, Adriana Mendes Vinagre, coautora, e a professora Carmen Sílvia Bertuzzo, orientadora: técnica inédita na América Latina
permanecendo em agitação contínua leve pelo período de 24 horas. Na sequência, as células do tipo HBE (da sigla em inglês Primary Human Bronchial Ephitelial Cells) e HTE (da sigla em inglês Primary Human Tracheal Ephitelial Cells) são raspadas dos brônquios e traqueias, respectivamente, e semeadas em placas de cultivo celular, submersas em meio específico de crescimento BEGM (Bronchial Epithelial Growth Medium). Após uma semana, elas são transferidas para filtros de membranas porosas e cultivadas por mais 21 dias, dessa vez, em meio específico para o desenvolvimento das células ALI (Air Liquid Interface), para assim formarem um epitélio brônquico polarizado, como se fosse um “tapetinho” de células. A partir disso, é possível avaliar o transporte de cloreto pelo canal CFTR, e utilizar novos fármacos para mensurar uma melhora da função, através de imagens e medições do movimento dos íons. “A partir da observação do crescimento celular e do aumento da resistência transepitelial, conseguimos padronizar essa técnica em nosso laboratório”, comentou Arthur. De acordo com o pediatra Antonio Fernando Ribeiro, a pesquisa do Ciped oferece o que há de mais avançado no entendimento da fibrose cística e no desenvolvimento de uma terapêutica que atenda os pacientes de forma personalizada. Ainda segundo Ribeiro, muito embora ainda não seja possível falar em cura para a fibrose cística, a possibilidade de testar a medicação de acordo com o paciente abre novas possibilidades de tratamento. “Muitas vezes você tem uma situação em que é difícil estudar a doença no paciente, e nem sempre os animais de experimentação reproduzem a doença da mesma maneira que o ser humano. Essa metodologia permite estudar a fibrose cística a partir de células do indivíduo, sem causar nenhum problema ao paciente. Esse é um passo enorme para melhorar a vida dos pacientes. Se uma empresa deseja lançar uma nova droga, eu consigo realizar um estudo clínico para saber em quais pacientes ela vai funcionar ou não”, explica Ribeiro. Para dar continuidade aos testes de novos fármacos atuantes na modulação da proteína CFTR, o Lafic está iniciando outra metodologia inovadora de alta complexidade e custo que envolve o cultivo de mini-intestinos (organoides intestinais), técnica recentemente padronizada no meio científico. Para o desenvolvimento dessas pesquisas, o laboratório conta com o apoio de linhas de fomento da Capes, Fapesp, Ciência sem Fronteiras (CNPq) e Faepex Unicamp.
8 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
Quando quem conspira é ‘gente de cor’ WLAMYRA ALBUQUERQUE wlamyra@gmail.com
onspirações da raça de cor é um desses livros que não deixam o leitor sossegado. É livro sobre subversões, e, como tal, nos coloca no cenário das contestações da ordem colonial, escravista e racial em Santiago de Cuba, entre as décadas de 1860 e 1880. Conspirações da raça de cor é povoado pelos insurgentes de diferentes condições sociais, patentes militares e vinculações políticas que compunham a “classe” da gente de cor naquela parte oriental de Cuba. O livro conta sobre “livres de cor” já célebres na historiografia e na memória dos movimentos negros nas Américas, como Antonio Maceo, o comandante de soldados brancos e de cor no Exército Libertador cubano. Mas também há rebeldes desconhecidos, como os mulatos que, ao migrarem de São Domingos para Santiago de Cuba, se abrigam sob a nacionalidade francesa, passam a ser tratados como madame, mademoiselle e monsieur e até tentam se passar por brancos. Difícil o leitor não se desassossegar com os infortúnios de Agustín Dá, quase um Dom Quixote a instar, mesmo que pela força, negros e mulatos cubanos contra os brancos colonizadores. O protagonismo desses sujeitos em suas aspirações, planos e ações rebeldes contra o domínio espanhol, senhorial e mesmo contra aliados brancos – sempre que eles se mostravam pouco dispostos a defender a igualdade racial – vai sendo enredado ao longo do livro com o argumento de que raça e nação foram pertencimentos entrelaçados com os mesmos fios da rebeldia reinante naquela porção de Cuba. Maia nos apresenta a agentes políticos que, enquanto conspiravam contra a Coroa espanhola e autoridades locais atentas à movimentação da população não branca, constituíam “a raça de cor”. Compondo tal atmosfera de desassossego da ordem vigente, a autora reitera as aspirações e lutas por liberdade em Santiago de Cuba, que, no seu texto, é província periférica na economia açucareira cubana, mas território central nas tramas conspiratórias da gente de
SERVIÇO
Título: Conspirações da raça de cor – Escravidão, liberdade e tensões raciais em Santiago de Cuba (1864-1881) Autora: Iacy Maia Mata Editora da Unicamp Páginas: 304 | Preço: R$ 48,00 Área de interesse: História www.editoraunicamp.com.br
cor. Para tanto, Maia interpretou e cotejou correspondência governamental, devassas, jornais, processos-crime, legislação e relatos de viajantes. Sem dúvida, a documentação mais surpreendente é um processo de mais de 1.200 páginas, com os autos de inquérito realizado por uma Comissão Militar sobre a conspiração de La Escalera. Dentre tantos aspectos da história de Cuba, a autora aproveita essa documentação para nos contar sobre o que estaria na raiz das sublevações, a exemplo das determinações legais que buscavam coibir casamentos inter-raciais. Surge assim, a
meu ver, a maior contribuição deste livro: a análise, por meio de uma cuidadosa e persistente pesquisa empírica em arquivos espanhóis e cubanos, dos modos pelos quais raça compôs a gramática dos que lutaram contra o domínio colonial e a escravidão. Foi explorando a densidade das fontes e o diálogo, nem sempre conciliatório, com a bibliografia cubana e cubanista, que foram tomando forma no texto de Maia identidades de cor e classe tão explícitas que o leitor pode ter a sensação de que os rebeldes, em termos individuais e coletivos, estavam dispostos a radicalizar em prol dos seus desejos de liberdade racial e nacional. Entretanto, esses pertencimentos de cor, classe e nação também foram conflitantes e negociáveis nos planos dos insurgentes. As nuances desse processo são exploradas a partir do uso que a autora faz do vocabulário político da época. Nesse exercício, Maia Mata não se exime de registrar e problematizar o amplo e confuso conjunto classificatório de cor em circulação na época, evidenciando como e com quais propósitos políticos identidades raciais eram forjadas naquela circunstância histórica belicosa de construção de pertencimento nacional. Moreno, pardo, negro e, por fim, raça de cor são categorias identitárias analisadas como indícios de pertencimentos forjados e intercambiáveis nos ambientes belicosos de revoltas e guerras. Eis, portanto, outra contribuição deste livro e mais uma razão de desassossego para o leitor, que se verá mergulhado numa pluralidade de designações que, sendo de cor, também podem ser de classe e de nacionalidade. Nada a temer. Inquietar-se com a complexidade da sociedade cubana é indispensável para o público brasileiro ainda pouco familiarizado com projetos nacionais e concepções de raça que escapem dos nossos modelos de mestiçagem. Por isso, é bem-vindo o que Maia nos conta, baseada principalmente na bibliografia cubana e cubanista, sobre e escravidão e o movimento abolicionista na parte oriental da Ilha, assim como acerca da Guerra dos Dez Anos (1868-1878) e da Guerra Pequena (1879-1880). Naquele ambiente, é possível notar algumas fronteiras porosas que vão sendo delineadas ao longo do livro. Dentre elas, as mais
permeáveis são as que separam escravos dos negros livres de cor, as que demarcam as diferenças entre a gente de cor cubana dos negros vindos da Jamaica, do Haiti e da República Dominicana. Essa geografia rebelde torna o livro interessante para pensarmos em algo que é insinuado em várias páginas: certo mapa da rebeldia negra nas Américas do século XIX, evidenciado no trânsito de pessoas e ideias. Ao salpicar aqui e acolá as reverberações e conexões entre a atmosfera rebelde em Santiago de Cuba e acontecimentos no Caribe, na América do Norte e mesmo no Brasil, a autora deixa o leitor com o desejo de conhecer melhor as ligações entre as histórias nacionais na região. As relações históricas e simbólicas entre Santiago de Cuba e o Haiti são tão intrigantes quanto o clima da tumba, festa de origem francesa, que reunia escravos vindos com seus senhores da Revolução de São Domingos e santiagueiros. Por outro lado, as fronteiras entre as regiões oriental e ocidental de Cuba parecem mais firmes que a cambaleante ordem colonial na América espanhola. Em certos momentos, Santiago de Cuba, epicentro político da parte oriental, parece apartada da porção ocidental, tendo-se a impressão de que se tratava de uma ilha dentro da Ilha, sem que a autora tenha nos explicado tamanha particularidade. Desse modo, as relações políticas entre Santiago de Cuba e Havana parecem frágeis naquele contexto de emancipação nacional. Por fim, a sugestão é que Conspirações da raça de cor seja referência para quem se interessa pelas rebeldias e expectativas de igualdade inscritas nos projetos nacionais das Américas oitocentistas. Nesse sentido, o desassossego que o livro traz é uma boa provocação para nos fazer conhecer e investigar mais detidamente quais são os sentidos políticos guardados na palavra liberdade, nos episódios conspiratórios que marcaram a história das Américas nos seus diversos processos de emancipação política. Wlamyra Albuquerque é professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBa) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História dessa mesma universidade.
Emoções medem qualidade do café Foto: Divulgação
PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
afé bom, de qualidade mesmo, é o café que a gente gosta e que remete a emoções positivas como sentir-se bem, energizado, aquecido ou feliz. Quem define o que é um bom café é o consumidor. Uma pesquisa feita na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp parte dessa premissa. O estudo “Emoções, sensações e afeições do consumidor pelo café brasileiro”, realizado por Emilia Ricardi, desenvolveu um glossário de termos de emoções que descrevem a experiência de tomar a bebida. Além disso, o trabalho traz análises sensoriais das amostras selecionadas e a confirmação da classificação do café tradicional, superior e gourmet, de acordo com a norma vigente no Estado de São Paulo. Em sua maior parte, o brasileiro prefere os cafés mais tradicionais, com sabor forte ou extraforte, o que nem sempre coincide com a leveza de determinados cafés, padronizados como especiais ou gourmets. Muita gente diz que a preferência nacional é por cafés que não têm qualidade. “O brasileiro não tem que se ‘sentir mal’ de adorar o café tradicional porque é o nosso café, é o café do dia a dia, o café que a gente gosta”, reforça a pesquisadora. O estudo confirmou o que já se sabia, nesse caso. Que a preferência está relacionada ao hábito, ou seja, as pessoas prefe-
Emilia Alice Fonseca Ricardi, autora do estudo: consulta a 60 consumidores
rem ao que estão mais acostumadas. Foram testadas sete amostras de marcas líderes de café no país, entre os tipos tradicional, superior e gourmet. Para desenvolver o glossário com 36 termos de emoções, que foi submetido a mais de cem provadores, Emília primeiramente consultou 60 consumidores que elencaram palavras associadas à expe-
riência de tomar a bebida. Também foram considerados termos de um estudo norteamericano que é referência no assunto. Os termos foram apresentados aos consumidores na Unicamp e no Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos (CCQA) do Instituto de Tecnologia de Alimentos de Campinas (Ital). Também foi realizado um teste de aceitação, que é o mais comum na análise sensorial de alimentos. “Quando o consumidor tinha uma aceitação do tipo ‘gostei muitíssimo’ da amostra, acabava marcando termos positivos como feliz, bem, energizado, acordado. Já os termos negativos são mais difíceis de explorar porque o próprio ato de comer ou beber por si só já é prazeroso e, se o consumidor aceitou participar de um estudo bebendo café, é porque já aprecia a bebida”. A partir dos resultados dos testes três grupos de consumidores foram identificados: os que preferem cafés mais fortes, um grupo que prefere cafés de torra média, e um terceiro grupo que aceita diferentes tipos de cafés. Dentre os que preferem os cafés especiais, que são os de “torra média”, Emilia percebeu que se destacaram os jovens, com até 29 anos, correspondendo a até 80% do total de consumidores do grupo. De acordo com a pesquisadora, estudos recentes afirmam que jovens de centros urbanos, e classes mais afluentes, buscam produtos diferenciados para novas experiências sensoriais e o contato com as cafeterias está transformando o paladar dessa
geração para o café. “Por ter contato com as cafeterias, os jovens estão preferindo um café mais especial que é o café gourmet na classificação do Estado”. Os estudos que relacionam emoções à experiência de consumo tem sido uma tendência na área de Ciência Sensorial. A medição das emoções ajuda a conectar a área com o marketing e o desenvolvimento de novos produtos. “Apesar da importância das emoções para a indústria de alimentos, pouco se conhece ainda sobre como o alimento em si é associado emocionalmente com consumidores. Com o estudo nós conseguimos mostrar que o uso de termos de emoções ajuda sim a qualificar a experiência de consumidores com alimento, se ele gosta do que está provando usa termos positivos, se não gosta, usa termos negativos”.
Publicação Dissertação: “Emoções, sensações e afeições do consumidor pelo café brasileiro” Autora: Emilia Alice Fonseca Ricardi Orientador: Jorge Herman Behrens Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
9 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
Estudo demonstra como dados sobre a Região Metropolitana de Campinas são maquiados
Mazelas ocultas Foto: Antoninho Perri
ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
xiste uma discrepância entre o que refletem os índices gerais sobre a Região Metropolitana de Campinas (RMC) e a sua realidade espacial. A RMC não é, em essência, uma região de opulência, qualidade de vida e bem-estar como tem sido divulgado amplamente. Ocorre justamente o oposto: essa região tem espaços nos quais se concentram pobreza, precariedade habitacional e carência de bem-estar. Esses elementos vêm, na verdade, sendo ocultados nos índices atuais como o Ibeu (Índice de Bem-Estar Urbano), conforme pesquisa de doutorado do Instituto de Geo-ciências (IG). Foi o que comprovou a pesquisadora Rafaela Fabiana Ribeiro Delcol, ao usar como escopo empírico a questão habitacional de Campinas. Esse projeto, desenvolvido entre 2012 e 2016 e orientado pela docente do IG Arlete Moyses, inicialmente se propunha a compreender a participação dos municípios de pequeno porte em uma região metropolitana, buscando explicar os caminhos e os processos para constituí-la, e qual seria o seu significado de fato. Um ponto de inflexão, ao avançar a pesquisa, foi que a geógrafa se deparou com vários índices que trazem como objeto de análise a dinâmica das regiões metropolitanas. Boa parte deles têm mostrado a caracterização, classificação e rankings das regiões metropolitanas. Toda essa diversidade promoveu inquietações na doutoranda e ela escolheu estudar a RMC, por ter alcançado a posição de região metropolitana com o melhor índice Ibeu no país, que realiza um comparativo entre 15 regiões metropolitanas do país (Belém, Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Grande Vitória, Manaus, Porto Alegre, Recife, Ride-DF, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo). O seu objetivo foi avaliar a dimensão urbana do bemestar promovido pelo mercado e usufruído pelos brasileiros via consumo mercantil e pelos serviços sociais prestados pelo Estado.
VISÃO
Contraste em Campinas: discrepância entre os índices e a realidade da cidade
Foto: Divulgação
Rafaela Fabiana Ribeiro Delcol, autora da pesquisa: “Demos ênfase à espacialização da moradia da população de baixo rendimento”
GARGALOS
A RMC é formada por 19 municípios e, de acordo com o IBGE, tinha em 2010 uma população de 2.797.137 pessoas. Desse total, segundo o Plano Municipal de Habitação de Campinas (2011), verificou-se um deficit habitacional de 169.434 domicílios, entre favelas e loteamentos ilegais, em toda a área metropolitana. As tipologias mais expressivas se devem aos loteamentos irregulares que, seguidos de domicílios em adensamento excessivo e sem banheiro, representam um montante superior a 60% dos problemas habitacionais da RMC. Esses dados dão a noção de que, a despeito de estar entre as três melhores regiões metropolitanas do país, cerca de 20% de sua população enfrenta deficit habitacional ou irregularidades em seus domicílios, sinalizou a geógrafa. Na tese, ela não analisou a precariedade da RMC em relação ao país. Contudo, fez uma análise do documento “Diagnóstico dos assentamentos precários nos municípios da Macrometrópole Paulista”, como um contraponto às informações utilizadas pelo Ibeu para a RMC [Integram a Macrometrópole Paulista as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba, Litoral Norte, além da Aglomeração Urbana de Jundiaí.] Enquanto para o IBGE o número de assentamentos precários na RMC é de 276, o diagnóstico para os municípios da Macrometrópole Paulista é de 561 setores tidos como precários. “É mais que o dobro proposto pelo IBGE”, sublinhou Rafaela. O número de domicílios em condições precárias para o IBGE era de 43.536. Já, no diagnóstico de assentamentos precários, foram encontrados 66.969 domicílios a mais, totalizando 110.495.
estaduais e federais, parece incentivar que os Estados elaborem projetos sugerindo a criação de novas regiões metropolitanas. “Também vem aumentando o número de índices e documentos que se detêm a estudar os espaços metropolitanos”, revelou. Rafaela observou que a produção do espaço urbano contemporâneo está deveras voltada aos processos políticos e culturais dinâmicos. Sem uma análise mais profunda, afirmou a geógrafa, as imagens criadas pela valorização das cidades – que tornam os espaços mercadorias a serem vendidas – trazem consigo um ambiente onde o capitalismo não expõe sua face negativa.
Rafaela analisou dados específicos que se aproximam mais da realidade da população de Campinas, visto que alertam para os problemas habitacionais, diferente da hierarquia estipulada pelo Ibeu, que oculta mais a realidade do que a traz à tona. Os índices e indicadores sociais são ferramentas relevantes à análise espacial, explicou ela, contudo conhecer a realidade socioeconômica de determinado espaço, usando unicamente os índices e indicadores gerais, não é condição para garantir o sucesso da análise e não contempla totalmente a compreensão do espaço. Diante do volume de informações e índices recentes, torna-se importante elaborar trabalhos que, para além de empregarem os indicadores, também possam analisá-los a fim de distinguir suas contribuições, sem perder de vista as limitações. “Tão ou mais relevante que o levantamento das informações pelos índices sociais é a interpretação e uso que se faz deles”, pontuou. Mas esse uso tem sido deturpado pelas estratégias do capital, que se consolidam pela construção de “imagens” da mercadoria “cidade” que, “sob a égide do poder político dos governos locais, perfila-se através dos processos de reestruturação urbana e através da construção de imagem para vendê-la, para inseri-la no mercado”, de acordo com a pesquisadora Fernanda Sánchez, em artigo publicado em 2001. A mercadoria “cidade” ou “região” abrange táticas distintas. Aí os índices sociais são incorporados pelo capital, porém não para fomentar políticas públicas, melhorar a qualidade de vida ou mitigar problemas, e sim para produzir imagens e representações que a enalteçam e a diferenciem dos demais espaços comuns. “Constrói-se então um discurso que a legitima como mercadoria especial, tornando-se espaço propício à reprodução ampliada do capital”, assinalou Rafaela.
PRECARIEDADE
O documento sobre o diagnóstico dos assentamentos precários apontou ainda outro aspecto negativo da RMC: ela foi a região que mais cresceu em áreas de precariedade habitacional. Teve um aumento de 13% entre 2000 e 2010.
ANÁLISE Por que há tantos dados disponíveis sobre regiões metropolitanas? Por que trazem como resultado uma hierarquia entre os espaços estudados? O que os índices têm mensurado? Eles permitem de fato distinguir as desigualdades no espaço urbano? Eles medem qualidade de vida ou padrão de vida? E, principalmente, o que revelam sobre as regiões metropolitanas e o que ocultam? Esses questionamentos se tornaram mais marcantes quando analisada a posição da RMC nos índices e, especificamente, do município-sede (Campinas), que tem se destacado em sua maioria pelos altos índices de bem-estar urbano, integração com os municípios da região metropolitana, altos patamares da hierarquia urbana nacional e condições sociais muito boas.
“Como moradora de Campinas e trabalhando, na época, na periferia, eu via uma realidade muito precária na questão habitacional e em demandas sociais de modo geral. Em qualidade de bem-estar urbano, era deplorável”, criticou a doutoranda. Ela acredita que, por meio da análise desse tipo de índice, em contraste com a realidade do espaço urbano campineiro, possibilitará outra abordagem das regiões metropolitanas, com uma leitura e entendimento mais amplos da complexidade da produção do espaço urbano nessas regiões. “Tomamos como aspecto da realidade a questão habitacional de Campinas. Demos ênfase à espacialização da moradia da população de baixo rendimento e a maneira como ela tem sido mostrada ou ocultada nos índices, exibindo outros dados e informações mais próximas da realidade. Isso permitiu compreender uma das dimensões da produção do espaço urbano”, frisou a autora do estudo. Ao fazer isso, ela identificou que a institucionalização de regiões metropolitanas cria um status que, aliado ao discurso de maior facilidade para angariar recursos
Segundo o IBGE (2010), Campinas está entre as 20 cidades do país com maior número de assentamentos precários, com 10,4% dos domicílios considerados nessa situação (40.099 domicílios de um total de 348.503). Está entre as dez metrópoles brasileiras com maior proporção de população residente em favelas e ocupações irregulares, e 13,8% de sua população reside em habitações precárias. Ocupa a quarta posição no Estado e, em relação ao país, está em 15º lugar em população residente em assentamentos precários. O Plano Municipal de Habitação (2011) mostrou que a população residente em assentamentos precários era de 160 mil pessoas em 234 núcleos. O deficit quantitativo habitacional é de 30 mil domicílios e o deficit qualitativo (inadequação habitacional) é de 35 mil domicílios.
Publicação Tese: “A discrepância entre os índices sobre a Região Metropolitana de Campinas e a realidade habitacional de Campinas” Autora: Rafaela Fabiana Ribeiro Delcol Orientadora: Arlete Moysés Rodrigues Unidade: Instituto de Geociências (IG)
10 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
Painel da semana
Teses da semana
Congresso de História do Esporte, do Lazer e da Educação Física - A Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp organiza, entre 8 e 11 de novembro, o Congresso de História do Esporte, do Lazer e da Educação Física e o International Congress of Sports History. Os eventos destinam-se a pesquisadores e alunos de pós-graduação das áreas de Educação Física, Educação e História. A abertura oficial será às 19 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Mais informações podem ser obtidas no site http:// www.fef.unicamp.br/fef/chelef2016, telefone 19-3521-6805 ou e-mail edivaldo@fef.unicamp.br Prevenção de ameaças e mobilidade - Próximo encontro do Café Cinfotec acontece no dia 9 de novembro, às 9 horas, no Auditório do Centro de Computação (CCUEC) da Unicamp. Tratará do tema “Prevenção de ameaças e mobilidade”. Público-alvo: Profissionais de TIC e interessados em geral. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-2220. Eleição de representantes técnico-administrativos A Secretaria Geral (SG) da Unicamp acaba de disponibilizar no link http://www.sg.unicamp.br/eleicoes/representacao-dos-servidorestecnico-administrativos, sistema on-line que permite aos servidores consultar, através de nome ou matrícula, os locais de votação da eleição para a escolha dos novos representantes dos servidores técnico-administrativos junto ao Conselho Universitário (Consu). A eleição está marcada para os dias 9 e 10 de novembro e ocorrem nas unidades de ensino e pesquisa, na administração central e no setor hospitalar. O voto é obrigatório conforme Deliberação CONSUA-22/99. Mais informações no link www.sg.unicamp.br. Financeirização e dinâmica do capitalismo contemporâneo - O Instituto de Economia (IE) da Unicamp, através do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI), organiza no dia 10 de novembro, às 9 horas, no Auditório “Zeferino Vaz” do IE, o seminário internacional “Financeirização e dinâmica do capitalismo contemporâneo”. Interessados nos temas crescimento econômico, capitalismo econômico e financeirização são o públicoalvo do evento. Consulte a programação completa no site http:// www3.eco.unicamp.br/ceri/centro/146-destaque/542-seminario-internacional-financeirizacao-e-dinamica-do-capitalismo-contemporaneo. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-5714 ou e-mail camilaie@unicamp.br Seminários de história econômica - O Instituto de Economia (IE), o Núcleo de Estudos da População (Nepo) e o Centro de Memória (CMU) da Unicamp organizam no dia 10 de novembro, das 9 às 20 horas, no Auditório “Jorge Tapia” do IE, os Seminários de História Econômica. O evento ocorre pela primeira vez em Campinas. O público-alvo são estudiosos do assunto, e de demografia histórica. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5898 ou e-mail pesquisa@nepo.unicamp. br. Acesse a programação completa no link www.nepo.unicamp.br Encontro de vivência e gestão na Unicamp - A Coordenadoria Geral da Universidade (CGU) promove no dia 16 de novembro, às 9 horas, no Centro de Convenções, a próxima edição do Refletir: Encontro sobre Vivência e Gestão na Unicamp. O evento propõe-se a traçar um panorama sobre a aposentadoria dos servidores estatuários no âmbito da Universidade, abordando indicado
Painel da semana Fórum de vida e saúde - Com o tema “Perspectivas filosóficas sobre saúde mental e psiquiatria”, no dia 7 de novembro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece mais uma edição do Fórum Permanente de Vida e Saúde. Inscrições, programação e outras informações no link http://www.foruns.unicamp.br/ foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/saude86.html Economia solidária - A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), órgão da Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), organiza no dia 8 de novembro, das 9 às 17 horas, a próxima Feira de Economia Solidária. A Feira ocorre na rua dos Flamboyants, localizada entre o Restaurante Administrativo (RA) e o prédio da Engenharia Básica. Mais detalhes pelo telefone 19-35212936 ou e-mail cac@reitoria.unicamp.br Feira de variedades - Evento com a participação de alunos do Programa UniversIDADE acontece nos dias 8 e 9 de novembro, das 10 às 15 horas, na Praça das Bandeiras da Unicamp. Ambiência de precisão - Organizado pela Faculdade de Engenharia Agricola (Feagri) da Unicamp, o II Workshop Internacional de Ambiência de Precisão acontece de 8 a 10 de novembro, no Auditório da Embrapa Informática Agropecuária, no campus da Unicamp, em Campinas, SP. O evento visa discutir novas ferramentas tecnológicas para aplicação tanto na mensuração dos dados ambientais quanto para as modelagens existentes voltadas à análise do ambiente e proposição de sistemas de climatização mais eficientes. Confira a programação na página eletrônica http://aviculturaworkshop.wix.com/wapa-internacional Empreendedorismo e a carreira do empreendedor - No dia 8 de novembro, às 12h15, na Sala 01 do Ciclo Básico I, o professor Paulo Lemos, empreendedor e educador na área de empreendedorismo e inovação, ministra a palestra “Empreendedorismo e a carreira do empreendedor”. A palestra, que faz parte do Programa Saiba Mais do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), traz dicas conceituais e práticas para o desenvolvimento de uma carreira de empreendedor, orientada pelo ecossistema de empreendedorismo. O público-alvo são estudantes de graduação e de pós-graduação da Unicamp. Arquivos pessoais e institucionais nos centros de documentação: uma fronteira a se desvelar - Workshop será realizado no dia 8 de novembro, às 13 horas, no Salão Nobre/ FCM. O evento tem como público-alvo servidores administrativos, especialistas em arquivo, historiadores e interessados no assunto. Mais detalhes no link http://www.fcm.unicamp.br/certificado/evento/52 ou e-mail cmemoria@fcm.unicamp.br A técnica da fotografia - Encontro com o fotógrafo Celso Palermo (Unicamp) acontece no dia 8 de novembro, das 14 às 16 horas, no Cis-Guanabara. O objetivo é mostrar a técnica da fotografia por meio do olhar de Palermo, que é especialista em artes visuais. Mais informações pelo e-mail guanabara@reitoria.unicamp.br
Eventos futuros
res, principais regras vigentes e o papel da Unicamp junto à SPPREV e SP Prevcom. Inscrições podem ser feitas no link http://www.ggbs. gr.unicamp.br/form_REFLETIR.html Tempo de debate - No próximo encontro promovido pelo Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo) da Unicamp, a professora Maísa Faleiros da Cunha, pesquisadora do Nepo, fala sobre “Se receberão em matrimônio”: o casamento de cativos em Campinas e Franca, século XIX. O encontro acontece no dia 16 de novembro (nova data), às 12h30, no auditório do NEPP/Nepo (Av. Albert Einstein 1300), no Campus Unicamp. Inscrições no site http://143.106.156.39/site/ Seminário plano diretor participativo da Unicamp Intitulado “Conhecendo as experiências de outras universidades”, o seminário Plano Diretor Participativo da Unicamp acontece no dia 16 de novembro, às 14 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Pré-inscrições devem ser comunicadas pelo e-mail planodiretor@ unicamp.br. O Plano Diretor orientará o uso e a ocupação do campus-sede pelos próximos 20 anos. Veja a programação no link http:// www.unicamp.br/unicamp/eventos/2016/10/31/seminario-do-planodiretor-participativo-da-unicamp Dez anos de FCA - A Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) organiza nos dias 16 e 17 de novembro, evento para celebrar os dez anos do Núcleo de Limeira/Unicamp do grupo Semente do Jogo de Angola. A abertura ocorre às 14 horas, na FCA. As atividades são gratuitas e abertas à participação do público em geral. A organização é do professor Cristiano Gallep. Mais detalhes pelo telefone 19-21133492 ou e-mail gallep@ft.unicamp.br
Teses da semana Artes: “Âmbito, Reminiscência e transmutação: estruturas de um
processo criativo” (mestrado). Candidato: João Carlos Dias Santos. Orientadora: professora Ivanir Cozeniosque Silva. Dia 17 de novembro de 2016, às 14 horas, na sala AP04 do DAP do IA. Economia: “Inserção comercial brasileira no período recente: uma perspectiva kaldoriana” (mestrado). Candidato: Rafael Gava de Souza. Orientadora: professora Carolina Troncoso Baltar. Dia 7 de novembro de 2016, às 10 horas, na sala 23 do pavilhão de Pósgraduação do IE. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: “Análise não linear de colunas de aço formadas a frio com seções enrijecidas” (mestrado). Candidato: Helio Françozo Júnior. Orientador: professor Cilmar Donizeti Basaglia. Dia 18 de novembro de 2016, às 14h30, na sala de defesa de teses 2 do prédio de salas de aula da FEC. Engenharia de Alimentos: “Atividade de óleos essenciais sobre cepas de s. aureus associadas à mastite bovina: inibição do biofilme e ocorrência de hormesis” (doutorado). Candidata: Aline
Destaque do Portal
Francielle da Silva dos Santos. Orientadora: professora Marta Cristina Teixeira Duarte. Dia 8 de novembro de 2016, às 14 horas, na sala JD02 da FEM. “Capacidade antioxidante de hidrolisados proteicos e compostos fenólicos da linhaça (linum usitatissimum l.) e moduladora da atividade inflamatória em modelo experimental de colite” (doutorado). Candidata: Fernanda Guimarães Drummond e Silva. Orientadora: professora Flavia Maria Netto. Dia 18 de novembro de 2016, às 9 horas, na sala 2 da extensão da FEA. Engenharia Elétrica e de Computação: “Monitoramento não invasivo e identificação do consumo de energia individual de cargas residenciais” (doutorado). Candidato: Rafael Cuerda Monzani. Orientador: professor Walmir de Freitas Filho. Dia 7 de novembro de 2016, às 8 horas, na sala PE12 da FEEC. “Separação de sinais em misturas convolutivas: contribuições para a separação cega de fontes esparsas e em subtração adaptativa de reflexões múltiplas em sísmica” (doutorado). Candidata: Yves-Marie Thierry Batany. Orientador: professor João Marcos Travassos Romano. Dia 14 de novembro de 2016, às 13h30, no MINES ParisTech, 60 Boulevard Saint Michel, 75272 Paris Cedex 06 (França). “Aumento da capacidade de transmissão e extensão da rede de acesso óptica utilizando técnica de multiplexação por comprimento de onda” (doutorado). Candidato: Rivael Strobel Penze. Orientador: professor Renato Baldini Filho. Dia 16 de novembro de 2016, às 9: horas, na sala PE12 do prédio da CPG da FEEC. Filosofia e Ciências Humanas: “Sob o signo do grade rei: a barbarização de Alexandre Magno em Diodoro Sículo, Quinto Cúrcio, Plutarco e Arriano” (mestrado). Candidato: Thiago do Amaral Biazotto. Orientador: professor Pedro Paulo Abreu Funari. Dia 17 de novembro de 2016, às 9 horas, na sala de defesa de teses do IFCH. Geociências: “Patrimônio cultural em território urbano contemporâneo: o caso do “Circuito Cultural Praça da Liberdade” – Belo Horizonte (MG)” (doutorado). Candidato: Clesio Barbosa Lemos Junior. Orientadora: professora Arlêude Bortolozzi. Dia 07 de novembro de 2016, às 9 horas, no auditório do IG. “Cartografia dos múltiplos territórios em Paulínia (SP): perspectiva do planejamento urbano municipal” (mestrado). Candidata: Shopia Damiano Rôvere. Orientador: professor Lindon Fonseca Matias. Dia 10 de novembro de 2016, às 9 horas, no auditório do IG. Odontologia: “Impacto do preparo químico-mecânico e da medicação intracanal nos níveis de bactérias e lipopolissacarídeos e avaliação do potencial imunoestimulador do conteúdo infeccioso quanto à produção de citocinas pró-inflamatórias e ativação de tlr-4” (doutorado). Candidata: Ariane Cassia Salustiano Marinho. Orientadora: professora Brenda Paula Figueiredo de Almeida Gomes. Dia 18 de novembro de 2016, às 8h30, na sala da Congregação da FOP. Química: “Desenvolvimento de métodos analíticos para a determinação de agrotóxicos em estipe de coqueiro (Cocos nucifera Linn.), água-de-coco e albúmen sólido e avaliação da translocação por endoterapia” (doutorado). Candidata: Jordana Alves Ferreira. Orientadora: professora Carla Beatriz Grespan Bottoli. Dia 10 de novembro de 2016, às 9 horas, no miniauditório do IQ.
Destaque do Portal
Docentes da Unicamp recebem Prêmio Nanocell ois docentes da Unicamp acabam de ter seus nomes anunciados para ganhar o I Prêmio Cientista e Empreendedores do Ano do Instituto Nanocell. São eles os professores Oswaldo Luiz Alves, do Instituto de Química (IQ), e Íscia Cendes, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). A divulgação dos vencedores ocorreu durante o Congresso de Biotecnologia Sustentável na Biodiversidade Amazônica, realizado no Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, no último dia 20 deste mês. A previsão de entrega do prêmio é até dezembro deste ano. O Instituto Nanocell selecionou, com base no currículo dos cientistas e empresas com maiores números de indicações, aqueles que tinham méritos científicos e ações afirmativas, suficientes para seguirem na premiação. Ao todo foram 36 cientistas e mais seis empresas. Foram oito meses de trabalho, com mais de 11 mil participações nessa primeira edição do prêmio, que tem como objetivo apoiar e difundir a ciência e o desenvolvimento tecnológico no país. O seu escopo é reconhecer e divulgar trabalhos inovadores nas áreas de ciências, educação e saúde pública. Os trabalhos se enquadram em temas de biologia geral; biotecnologia aplicada à saúde; pesquisas com células-tronco humanas; nanotecnologia: da produção à aplicação; câncer: da prevenção à cura; e neurociências, novas perspectivas para uma vida melhor.
Fotos: Antoninho Perri
Os professores Íscia Cendes, da FCM, e Oswaldo Luiz Alves, do IQ: reconhecimento
Segundo Oswaldo Luiz Alves, esse prêmio distingue a excelência na pesquisa em nanotecnologia. No caso dele, as pesquisas vão desde a produção de nanoestruturas e nanossistemas até a sua aplicação frente a sistemas biológicos, remediação ambiental, embalagens e tecidos antibacterianos. Todas essas produções foram patenteadas pela Agência Inova Unicamp. “Fico muito satisfeito por ter sido escolhido e por todas as contribuições para que essas pesquisas se destacassem”, disse.
Para Íscia Cendes, que estava viajando quando saiu o resultado, o processo de escolha dos premiados foi muito interessante, já que as indicações partiram de colegas pesquisadores e a escolha dos vencedores foi também por votação dos pares através da Internet (Facebook) e de membros de comitê de assessoramento de fundações, associações, sociedades científicas, educacionais brasileiras e estrangeiras de diferentes instituições públicas e privadas.
“Ser reconhecida pelos meus pares é uma grande honra e compartilho a homenagem com todos que trabalham ou trabalharam comigo, ajudando nos projetos. É importante também compartilhar essa distinção com toda a sociedade, já que nossa pesquisa só é possível com o apoio dos órgãos oficiais de fomento e da universidade, sendo que esses obtêm seus fundos dos impostos pagos por todos.” (Isabel Gardenal)
11 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
O novo Mineirão, do feijão
tropeiro à lógica do mercado Fotos: Divulgação
Pesquisadora analisa mudanças na configuração urbana de BH depois de reforma do estádio PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
a maquete era tudo perfeito. Estádio lotado, torcedores comportados e, na esplanada, um espaço de 80 mil metros quadrados construído para abrigar um pequeno shopping a céu aberto, com famílias olhando vitrines e fazendo compras. Mas a vontade do empresário e do poder público nem sempre é a vontade do povo. E o que se viu, depois da reforma, foi uma ocupação plural, contraditória e completamente diferente daquela que era esperada para o Estádio Governador Magalhães Pinto, o “Mineirão”, um dos símbolos de Belo Horizonte. Assim como todos os estádios que sediaram a Copa do Mundo de 2014, o Mineirão passou por uma grande obra para atender as exigências da Fifa. Temia-se que, com o fim da competição, esses espaços pudessem se tornar “elefantes brancos”, algo gigante na cidade e completamente sem uso. Nas fotos de hoje, a esplanada aparece cheia de gente. As lojas continuam, em sua maioria, desocupadas, mas há vida por toda parte. Skatistas, patinadores, famílias com crianças, pessoas fazendo caminhadas. Moradores de bairros vizinhos, e até de cidades próximas, visitam o local aos finais de semana num tipo de utilização, já consolidada, para o lazer. Já a arena, onde ocorrem os jogos, tem uma situação diferente. As formas de uso ainda estão em processo, segundo a pesquisadora Priscila Augusta Ferreira Campos, autora da tese de doutorado “As formas de uso e apropriação do estádio Mineirão após a reforma”, defendida na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. Priscila integra o Grupo de Estudo e Pesquisa em Políticas Públicas e Lazer, que analisa os megaeventos esportivos. A pesquisa foi qualitativa, feita por meio da observação do Mineirão em dias alternados, durante jogos ou aos finais de semana, entre 2012 e 2014. Foram aplicados quase 400 questionários aos visitantes, entre torcedores e frequentadores da esplanada. Priscila também entrevistou um dos arquitetos responsáveis pela reforma, o responsável pela segurança, uma cozinheira e o gerente operacional ligado à presidência da empresa Minas Arena, administradora do estádio. A tese procurou discutir a relação com a cidade e com o mercado, e de como o local pode, ao mesmo tempo, ser considerado um ponto turístico que precisa concorrer com outros estádios da iniciativa privada para atrair investimentos e eventos. Sendo uma parceria público-privada, o estádio passa a obedecer a uma lógica empresarial. Além dos jogos, é um espaço preparado para outros grandes eventos como feiras e shows. Quando uma grande banda de rock vem para o Brasil, por exemplo, esses grandes estádios disputam o evento. Foi o que aconteceu com a última turnê dos Rolling Stones no Brasil. O Mineirão foi cotado, mas saiu perdendo. Com a reforma, internamente o Mineirão foi coberto, foram colocadas cadeiras em toda a área da arquibancada, foram construídas áreas vips, um estacionamento. Sobretudo retiraram o espaço da “geral”, o que acabou por excluir boa parte dos torcedores, principalmente aqueles de menor poder aquisitivo. Externamente, a reforma retirou o estacionamento onde eram montadas barracas para a venda de comida. Em dia de jogo, o lugar ficava lotado. Era prática do torcedor chegar mais cedo para comer o famoso feijão tropeiro do Mineirão, transformado depois em símbolo de resistência contra as mudanças no estádio, como conta a pesquisadora.
Esplanada do Mineirão: área consolidou-se como ponto de lazer para moradores da capital mineira e de cidades vizinhas
“Com o comércio ambulante deixando de existir, toda a alimentação dos visitantes passou a ser feita nos bares do estádio, que cobravam mais caro e ofereciam uma receita única de tropeiro que era distribuída para todos os estabelecimentos já que, com a reforma, a vigilância sanitária passou a atuar mais no estádio”. O novo modelo de estádio acabou com a tradição de chegar mais cedo e ficar do lado de fora nas barracas de ambulantes. Foi quando, em boicote, os torcedores começaram a fazer seu próprio churrasco nas ruas, até a proibição da prática pela prefeitura de Belo Horizonte. Por fim, os ambulantes voltaram a cozinhar para os torcedores, dentro do Mineirão, sendo contratados por uma empresa em regime de terceirização. O tropeiro voltou com todo seu prestígio, e sobre ele, um ovo frito, como desejavam os frequentadores do estádio.
TIMES
A história que tem o tropeiro como personagem ilustra uma das mudanças observadas pela pesquisadora. O Mineirão era o estádio onde jogavam os três times profissionais da capital mineira: Atlético, Cruzeiro e América. Depois da reforma somente o Cruzeiro manteve todas as partidas no estádio. O Atlético escolhe quais jogos fará no Mineirão, retirando assim uma parcela dos seus torcedores das arquibancadas. As outras partidas são realizadas no estádio do América, mudando um pouco a territorialidade da cidade, que passa a receber mais gente em outro local do município, antes não tão visitado.
No Mineirão também mudou o perfil das pessoas que vão aos jogos. “Antes a torcida era mais livre, havia mais informalidade. Agora o estádio passa a ter um dono que é uma empresa que se preocupa em passar determinada imagem. Os ingressos que podiam ser vendidos até por 5 reais (na geral), agora não saem por menos de 40. Assim, a exclusão ocorre pelo preço mais alto, mas também pelo comportamento, pois a própria mudança da sociedade já não permite cânticos sexistas e racistas por exemplo”. Por outro lado, o torcedor passa a ser cliente do estádio e se reinventa. Crianças e mulheres voltam a frequentar os jogos, porque sentem mais segurança. “O perfil masculino hegemônico não é mais preponderante. Surgem outras masculinidades, assim como existem outras feminilidades, com homens e mulheres se expressando de variadas formas”.
LAZER
O Mineirão está numa área da cidade, a Pampulha, que até então abrigava o único espaço de lazer da região, a Lagoa da Pampulha, de acordo com Priscila. Trata-se de um complexo arquitetônico com obras de Oscar Niemeyer e que se transformou em patrimônio cultural da humanidade. Ainda assim, o estádio, ou melhor, a esplanada, vem cumprir um papel importante. “A esplanada acabou se tornando uma grande praça com infraestrutura de iluminação, banheiros, segurança, bebedouros. Os frequentadores do espaço consideram que, para eles, o Mineirão passou a existir”.
A esplanada atrai moradores das redondezas e de cidades próximas. As famílias consideram o local seguro, os patinadores gostam do chão liso, os skatistas têm orgulho porque consideram a esplanada do Mineirão uma das melhores pistas do país, grupo de adolescentes descobrem a cidade por meio do estádio. Para quem faz caminhadas, o lugar é agradável. Priscila verificou que os visitantes da esplanada recebem salários menores do que os que vão aos jogos, ou seja, procuram um divertimento popular. “Já os moradores da zona sul da cidade, que concentra a maioria dos equipamentos culturais de Belo Horizonte, só vêm ao Mineirão quando tem o futebol”, constata. Os visitantes dos finais de semana agora têm suas demandas. Skatistas querem uma pista bowl, os idosos, uma academia a céu aberto. O medo da população, segundo as respostas dos questionários, é que a entrada da esplanada seja cobrada. Pode ser até que o comércio ganhe vida, voltado para os novos frequentadores. “A reforma cumpriu com uma demanda da região por lazer e mesmo o torcedor concorda que o estádio ficou melhor, mas ainda critica as perdas. Para o torcedor, o estádio perdeu sua mineiridade, é menos acolhedor agora”. E sobra menos tempo para as narrativas em torno do futebol. “Perdeu-se aquela tradição de conversar que havia antes, durante e após o jogo porque agora o Mineirão abre somente duas horas antes da partida e os torcedores não têm mais o mesmo tempo de convivência”. O Mineirão antigo vive na memória dos antigos frequentadores. Priscila vê o estádio como um microcosmo social. “Lá dentro ocorrem fenômenos sociais e, embora nossa tendência seja homogeneizar o torcedor e o estádio, quando olhamos de perto, vemos uma pluralidade de relações”. Em relação à política, Priscila constatou que o grupo de arquitetos que planejou a reforma dialogava com um grupo político. A obra começou baseada em modelos que funcionam na Europa. “A Copa do Mundo chegou sem muito planejamento. O Mineirão é inaugurado, saem de cena o poder público e o arquiteto e entra a gestão privada que pouco dialogou com os outros’”. O que se vê hoje é resultado desse processo, com suas boas e más notícias.
Publicação
Priscila Augusta Ferreira Campos, autora da tese: “A reforma cumpriu com uma demanda da região por lazer e mesmo o torcedor concorda que o estádio ficou melhor”
Tese: “As formas de uso e apropriação do estádio Mineirão após a reforma” Autora: Priscila Augusta Ferreira Campos Orientadora: Silvia Cristina Franco Amaral Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
12 Campinas, 7 a 20 de novembro de 2016
Renovação abortada
Fotos: Divulgação/Reprodução
SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
ma geração formada por cinéfilos, muitos com passagens pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), foi responsável pela renovação do cinema paulista na década de 1980, mas interrompida posteriormente com as políticas neoliberais do governo de Fernando Collor de Mello. Vários deles instalados no bairro paulistano da Vila Madalena, produziram os seus primeiros longas de ficção entre 1980 e 1990 no Estado de São Paulo. Para o jornalista e crítico Gabriel Henrique de Paula Carneiro, autor de estudo sobre o tema, trata-se de uma geração bastante diversificada, que criou novas linguagens, trouxe novos modos de atuação política e deixou marcas de uma excelência técnica na estética cinematográfica. Na década, o cinema paulista ganhou a maioria das edições dos Festivais de Gramado (RS), com alguns filmes sendo exibidos em Cannes (A Marvada Carne) e outros conquistando o Urso de Prata em Berlim (Vera e A Hora da Estrela). Carneiro considera que, mesmo premiado e com sucessos pontuais de bilheteria, o cinema produzido pela geração paulista não conseguiu sobreviver sem o financiamento e as legislações reguladoras do Estado, extintas pelo governo de Fernando Collor. “Podemos dizer que a geração de 1980 terminou antes de poder avançar”, lamenta. Baseado em entrevistas com autores e extenso levantamento em materiais de jornais, revistas e acervos pessoais, o jornalista analisa, sob uma perspectiva histórica focada na década de 1980, trabalhos de nomes como Guilherme de Almeida Prado (A Dama do Cine Shanghai, 1988), André Klotzel (A Marvada Carne, 1985), Sérgio Toledo (Vera, 1986); Wilson Barros (Anjos da Noite, 1987); Roberto Gervitz (Feliz Ano Velho,1988), Suzana Amaral (A Hora da Estrela, 1985); e Ugo Giorgetti (Jogo Duro, 1985 e Festa, 1989), entre outros. O autor da pesquisa reconhece que é complexo comentar sobre o legado da geração para o cinema nacional “por uma questão de retrospectiva histórica.” “É uma geração que foi interrompida pelo governo Collor. Na década de 1990, ele extinguiu o Ministério da Cultura, acabou com a Embrafilme e o Concine [Conselho Nacional de Cinema], órgão regulador que fazia cumprir a lei de cotas. E, com isso, o cinema brasileiro acabou. O país entrou num hiato, ficando cinco anos praticamente sem nenhuma produção”, constata Gabriel Carneiro. O jornalista e crítico de cinema defendeu pesquisa de mestrado recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes (IA). O mestrado contou com orientações dos professores Nuno Cesar Abreu, falecido em fevereiro de 2016, e de Pedro Maciel Guimarães, que atua no Departamento de Cinema e Fotografia do IA. Houve financiamento, na forma de bolsa ao pesquisador, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). No trabalho, o autor traçou um panorama histórico sobre o cinema paulista da geração de 1980, abordando os cineastas e seus filmes, os modelos de produção, as políticas cinematográficas e os contextos histórico e mercadológico. “O interesse em pesquisar o cinema dessa geração deriva da constatação de ausência de pesquisas rela-
Cláudio Mamberti como delegado em “Anjos da Noite”: enquadramentos do filme noir
A estátua do Santo Antônio muda de expressão em “A Marvada Carne”
cionadas ao tema. Os estudos sobre a história do cinema brasileiro são muito recentes. Temos mais de 100 anos de história, mas o cinema do país ainda é muito pouco estudado. Portanto, a pesquisa tenta jogar luz sobre um período pouco pesquisado e que se tornou, de certo modo, taxado como obscuro pela ausência de informações”, fundamenta.
BOCA DO LIXO Sem caráter ou pretensão de movimento, o cinema da geração de 1980 aponta para diferentes vertentes e propostas estéticas, segundo o pesquisador. O grupo emerge no contexto do declínio da chamada Boca do Lixo, na época um polo paulistano de produção de filmes populares e de cunho erótico, responsável por boa parte das pornochanchadas do período.
“A geração retratada na dissertação é essencialmente cinéfila. Os autores assistiam muitos filmes, gostavam de cinema e, por isso, foram fazer cinema no curso superior da USP. Muitos não concluíram o curso, mas têm essa formação acadêmica e teórica, ausente na Boca do Lixo. Eram poucos os intelectuais lá radicados. Alguns autores fazem trabalhos na Boca e ela acaba servindo como uma transição para esta geração. É uma geração posterior, que começa a formar uma produção independente, paralelamente à Boca do Lixo”, situa Gabriel Carneiro.
PAPEL
DO
ESTADO
Há também que se considerar como contexto para o surgimento do grupo, conforme o jornalista e crítico, o papel desempenhado pela Associação Paulista
A dimensão da fantasia em “Feliz Ano Velho”: acima, Malu Mader como Ângela; abaixo, o domínio de cores artificiais
de Cineastas (Apaci) junto à Embrafilme, empresa de fomento que priorizava a produção carioca. “Graças à luta da Apaci, dois editais de financiamento específicos à produção paulista foram celebrados entre a Secretaria do Governo da Cultura do Estado de São Paulo e a Embrafilme. Estes editais resultaram na produção de 11 dos 30 filmes que eu considero fazer parte dessa geração”, situa. A geração começa a se instalar na Vila Madalena, formando o que seria denominado de polo da Vila Madalena, com a criação de algumas produtoras coletivas e cooperativas, um modelo não existente até então. As principais produtoras eram a Gira Filmes, Barca Filmes, Tatu Filmes e Superfilmes. “Essas produtoras eram formadas por estudantes que trabalhavam nos filmes em diferentes funções, seja como autores ou como produtores, montadores e técnicos de som. O diretor de A Marvada Carne, André Klotzel, produziu Anjos da Noite, de Wilson Barros. O mesmo André Klotzel fez o roteiro de Janete, de Chico Botelho. E assim por diante, ou seja, há um intercâmbio de funções. E isso me parece muito possível porque a geração vem de uma formação técnica da academia, que permite conhecer as diferentes áreas de uma maneira mais experimental”, considera.
NOITES PAULISTANAS Três filmes bastante representativos desse período - A Dama do Cine Shanghai, Anjos da Noite e Cidade Oculta compõem, segundo Gabriel Carneiro, o que tem sido chamado informalmente de trilogia da noite paulistana. “São filmes que se passam e têm como cenário a noite de São Paulo. Muitos remetem a uma noite exuberante, são bastante estetizados, fazem uso de muitas cores de neon e luzes artificiais. Tem outras obras que também vão trabalhar nessa seara, como Feliz Ano Velho, Vera e Real Desejo, do Augusto Sevá.”
Publicação Dissertação: “Noites Paulistanas: O Cinema Paulista da Geração 1980” Autor: Gabriel Henrique de Paula Carneiro Orientador: Pedro Maciel Guimarães Junior Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: Capes
“Cidade Oculta” em instâncias: o ventríloquo abre e fecha o filme, revelando a apresentação cênica (primeira); Shirley Sombra joga tarô com um fliperama (terceira)
Na sequência, a desconstrução de expectativa pelo extracampo em “Anjos da Noite”: Lila fala para a câmara; o espelho denuncia o outro; o espaço aumenta; e estamos no teatro