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Campinas, 2 a 8 de maio de 2016 - ANO XXX - Nº 654 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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ESTADO DE EXCEÇÃO? 5 a7
O professor e sociólogo Laymert Garcia dos Santos afirma que há um golpe em curso e alerta que “já estamos num Estado de Exceção”. Em entrevista ao JU, o docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp fala ainda sobre:
O golpe para além da semântica A arapongagem e a Constituição As vozes conservadoras de 2013 A superelite abre guerra em 2014 O combate seletivo à corrupção Imprensa e Judiciário de mãos dadas Votos na Câmara e a República de Weimar A ascensão das novas mídias digitais A mobilização política do ódio Os ativos e o caos programado O desejo de regressão à Colônia A cooptação da direita evangélica
O professor Laymert Garcia dos Santos (à dir.), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e manifestante (à esq.) protesta contra o impeachment no último dia 28, em São Paulo
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Alterações metabólicas em filho de mãe obesa Um novo método para tratar o esgoto doméstico
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Rede de relacionamentos mapeia combate à pobreza A música cristã ao longo dos séculos
Um ‘atlas narrativo’ da linguagem no cérebro Ancestrais do homem na dieta de carnívoros Vacina contra câncer é alvo de controvérsia
TELESCÓPIO
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TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
O sonho do dragão
Plantas pedem socorro
Quando dorme, o réptil australiano Pogona vitticeps, popularmente chamado de dragão barbudo, passa por fases de atividade cerebral que eram consideradas exclusivas de pássaros e mamíferos, incluindo o sono REM, que no caso dos mamíferos marca a ocorrência dos sonhos mais intensos e vívidos, e o sono de ondas lentas, ou sono profundo. A descoberta de que pelo menos uma espécie de réptil também passa por fases REM e ondas lentas, publicada na edição mais recente da revista Science, desafia a compreensão mais comum da evolução do sono. De acordo com nota distribuída pelo periódico, a explicação mais aceita, até agora, propõe que as fases REM e ondas lentas teriam surgido duas vezes na história da vida, evoluindo de modo independente em pássaros e mamíferos. Mas se elas acontecem também em répteis, fica aberta a possibilidade de terem surgido uma única vez, num ancestral comum desses três grupos. Os autores do estudo com o dragão barbudo, do Instituto Max Planck de Pesquisa Cerebral, na Alemanha, escrevem que o padrão de REM e ondas lentas do lagarto repete-se continuamente ao longo de seis a dez horas, com periodicidade de 80 segundos. Em comparação, nos seres humanos essa periodicidade é de 90 minutos. “Embora similares ao sono dos mamíferos, o sono de ondas lentas e o sono REM dos lagartos parecem uma versão simplificada do rico repertório mamífero”, diz o artigo.
Pesquisadores baseados na Holanda e na Alemanha descobriram que a trepadeira Solanum dulcamara, às vezes chamada no Brasil de dulcamara ou doce-amarga, que contém alcaloides tóxicos, libera um néctar adocicado, diferente da seiva comum, quando mordida por insetos herbívoros. Esse néctar atrai formigas que, na maioria das vezes, atacam violentamente os herbívoros. A pesquisa está publicada no periódico Nature Plants, do grupo Nature. As gotículas de néctar são liberadas a partir das feridas abertas nas folhas mordidas pelos insetos. Em experimentos realizados em estufas, formigas atraídas pelo néctar atacaram larvas de besouros, mas não besouros adultos, e lesmas. Os autores chamam atenção para o fato de que esses “sangramentos” de néctar não estão associados a um órgão ou estrutura específico da planta, e nem se restringem a uma localização em especial.
Plantas relembram Artigo publicado no periódico PNAS sugere que as plantas que florescem na primavera usam príons – proteínas deformadas, capazes de se reproduzir – para preservar memórias. As plantas que produzem flores periodicamente precisam manter algum tipo de lembrança das condições ambientais passadas para regular seus ciclos de desenvolvimento. O estudo, de autoria de pesquisadores dos EUA, Reino Unido e Israel, identificou Foto: Stephan Junek, Max Planck Institute for Brain Research/Divulgação
O dragão barbado, ‘Pogona vitticeps’, enquanto dorme
cerca de 500 proteínas na Arabidopsis thaliana que contêm domínios – trechos da molécula capazes de existir e operar de modo independente da cadeia completa – que podem dar origem a príons. “Proteínas príon fornecem um modo especial de memória bioquímica, por meio de mudanças que se autoperpetuam na conformação e na função proteica”, escrevem os autores. Dos domínios identificados, pelo menos um, chamado Luminodependens, mostrou atividade típica de príon quando testado em leveduras. Esse domínio é importante porque atua no processo de floração. “Nossos resultados sugerem que interruptores do tipo príon são conservados evolucionariamente, e podem atuar em diversos processos biológicos normais”, diz o artigo.
Os autores do trabalho, de instituições da França, Itália e Alemanha, analisaram um pedaço de fêmur, possivelmente de Homo rhodesiensis, espécie tida como provável ancestral do Homo sapiens, e descobriram marcas de dentes consistentes com a mordedura de hienas. Não está claro se o hominino foi atacado e morto pelos animais, antes de ser devorado, ou se seus restos foram consumidos após a morte ter ocorrido por outras causas. “Tenha sido como presa ou carniça, este fêmur mastigado indica que humanos eram um recurso para os carnívoros” da época, diz o artigo.
Vacina personalizada contra câncer Linguagem no cérebro A elaboração de um mapa que localiza as regiões do cérebro que reagem ao significado de conceitos semânticos é descrita na edição mais recente da revista Nature. Esse “atlas narrativo” foi criado submetendo um grupo de voluntários a ressonância magnética funcional do cérebro, enquanto ouviam histórias que giravam em torno de grupos semânticos diversos, como “comida” ou “números”. A ressonância acompanhou o fluxo sanguíneo para cada parte do cérebro à medida que as histórias progrediam, detectando que partes do órgão reagiam com maior intensidade a cada palavra. Um algoritmo foi usado para modelar os resultados, revelando um padrão comum às diversas leituras individuais. O resultado mostrou que o processamento semântico se espalha por mais de 100 regiões do cérebro, e que há associações tanto anatomicamente próximas – uma região estimulada pelas palavras “mãe” e “gravidez” é contígua a outra estimulada também por “mãe”, mas ainda por “casa” – quanto distantes: a palavra da língua inglesa “top” – que pode significar alto, elevado, e também é o nome de uma peça de roupa – ativou áreas ligadas a números, mas também outras, mais distantes, que respondem a termos de vestuário e de arquitetura. Também foram encontradas conexões funcionais: uma palavra visualmente descritiva, como “listrado”, ativou uma área bem próxima ao córtex visual. No geral, as representações se distribuíram por ambos os hemisférios cerebrais. “Nossos resultados sugerem que a maioria das áreas dentro do sistema semântico representa informação sobre domínios semânticos específicos, ou grupos de conceitos relacionados, e nosso atlas mostra quais domínios são representados em cada área”, escrevem os autores, vinculados ao laboratório do pesquisador Jack Gallant, da Universidade da Califórnia, Berkeley. “Este estudo demonstra que métodos de uso intensivo de dados – comuns em estudos de neuroanatomia e conectividade funcional em humanos – oferecem meios poderosos e eficientes para mapear representações funcionais no cérebro”.
Humanos na dieta Ossos de homininos – o grupo de espécies de onde emergiu o ser humano atual – roídos por predadores carnívoros foram encontrados por pesquisadores numa caverna no Marrocos. Os restos têm cerca de meio milhão de anos, e o artigo que descreve a descoberta foi publicado no periódico PLoS ONE.
Vacinas personalizadas para o paciente, criadas de acordo com as mutações individuais responsáveis pelo tumor específico, foram um dos principais tópicos de discussão na reunião anual da Associação Nacional do Câncer dos Estados Unidos, realizada em New Orleans em meados de abril. De acordo com nota publicada no site da revista Nature, os primeiros resultados de testes clínicos – em seres humanos – da técnica se mostraram promissores, com a ativação da resposta imune. O campo também vem recebendo investimentos de capital de risco. Há o temor, no entanto, de que a indústria farmacêutica não será capaz de produzir vacinas com esse grau de personalização em tempo hábil, e quantidade suficiente, para que a terapia seja viável para adoção em larga escala. Há ainda críticos que afirmam que o foco nas vacinas altamente personalizadas pode estar desviando recursos de pesquisas em busca de vacinas de mais amplo espectro contra o câncer, que poderiam trazer benefícios para mais pessoas, e mais depressa. Ouvido pela Nature, Drew Pardoll, imunologista oncológico de Johns Hopkins, referiu-se ao entusiasmo com as vacinas personalizadas como “do nível do que eu chamaria de exuberância irracional”.
Simulando o jovem universo Um software que integra dados cosmológicos e de física de partículas, para simular as condições que existiam nos primeiros minutos do Universo, poderá ajudar pesquisadores a refinar seus modelos teóricos, confrontando-os com os resultados de futuras observações, de acordo com artigo publicado no periódico Physical Review D. O código, chamado BURST, foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório Nacional de Los Alamos e da Universidade da Califórnia, San Diego. Em nota divulgada pelo Laboratório de Los Alamos, um dos criadores do BURST, Evan Grohs, diz que o programa pode ser usado para testar as ideias a respeito da natureza e das interações dos neutrinos nos primórdios do Universo. “Comparando nossos cálculos com observações cosmológicas, como a abundância de deutério, podemos usar nosso BURST para testar teorias”, disse ele, citado na nota. “Teorias que podem ser difíceis de testar em laboratório na Terra, então nosso trabalho oferece uma janela em uma área da Física que, de outro modo, seria inacessível”.
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Os riscos do ‘útero obeso’ Estudos constatam que filhos de mães obesas têm maior predisposição a doenças decorrentes de alterações metabólicas Fotos: Antonio Scarpinetti
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
ilhos de mães obesas têm maior predisposição para o desenvolvimento de patologias decorrentes de alterações metabólicas, como a própria obesidade e o diabetes. A constatação vem de pesquisas realizadas no Laboratório de Distúrbios do Metabolismo (LabDiMe), instalado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, com campus na cidade de Limeira (SP). Segundo os estudos, feitos em modelo animal, as proles geradas por fêmeas submetidas a dietas ricas em gordura tendem a apresentar distúrbios metabólicos que estão envolvidos no surgimento dessas e de outras doenças. A transmissão dessas características das mães para os filhos está relacionada com o que os especialistas denominam de programação metabólica. Esse mecanismo, por sua vez, sofre influência da regulação epigenética, que é diferente da alteração genética. Enquanto na primeira ocorrem mudanças químicas no DNA, entre elas a metilação, na segunda acontecem modificações nas bases do código genético. “A programação metabólica pode ter origem na exposição a algum agente do ambiente ou em alguma condição existente no período de gestação, que é o tema das nossas pesquisas”, explica o professor Márcio Alberto Torsoni, que coordena o LabDiMe ao lado das professoras Adriana Souza Torsoni e Marciane Milanski. De acordo com o docente, as primeiras evidências de que as condições de gestação das mulheres podem interferir na fisiologia dos filhos vêm de um estudo realizado com holandeses cujas mães engravidaram durante a Segunda Guerra. Em dado período, uma região da Holanda foi cercada pelas forças alemãs, o que impediu que recebessem provisões, situação agravada pelo inverno rigoroso. Naquelas circunstâncias, muitas grávidas foram submetidas a quadros de grave desnutrição. “O que os pesquisadores notaram foi que os filhos dessas mulheres desenvolveram na fase adulta vários tipos de patologias, o que não aconteceu com os filhos de mulheres que não passaram pelo mesmo problema”, relata Márcio Torsoni. A falta de nutrientes ao longo da gestação, prossegue o docente da FCA, programou os organismos dos filhos para suportarem a mesma condição. “Entretanto, quando submetidos à situação normal, esses organismos não responderam bem. No caso dos holandeses, o que o estudo constatou foram problemas cardíacos, alteração no nível do colesterol e dos triglicerídeos, diabetes e obesidade”, enumera. Assim como a desnutrição pode acionar o mecanismo de programação metabólica, a hipernutrição pode fazer o mesmo, conforme Márcio Torsoni. No LabDiMe, os pesquisadores fizeram essa constatação ao submeter fêmeas de camundongos a uma dieta rica em gordura nos períodos de gestação e lactação. Ao analisarem as condições fisiológicas dos filhos dessas mães, já em idade adulta, os cientistas identificaram que eles apresentavam diversas alterações metabólicas. “Em comparação com os filhos de mães magras, os filhos de mães obesas apresentavam, por exemplo, maior ganho de peso, maior deposição de gordura no fígado e desenvolvimento de resistência à insulina. Isso comprova que as condições impostas no período de gestação e lactação podem impactar de modo importante o desenvolvimento das proles”, pontua Márcio Torsoni. O estudo gerou artigo que foi publicado em 2012. Em outra abordagem, comandada por Adriana Torsoni, a equipe do laboratório analisou os aspectos metabólicos relacionados especificamente ao fígado dos animais. De acordo com a docente, um dos fatores que promovem mudanças epigenéticas é a alteração de uma pequena molécula chamada MicroRNA, que controla os níveis de RNAs mensageiros que participam da síntese de proteínas importantes para o metabolismo de gorduras. “Nós constatamos que dois MicroRNAs estavam alte-
De acordo com a professora Adriana Torsoni, os estudos conduzidos no LabDiMe contam com o suporte de diferentes áreas do conhecimento, entre elas Biologia, Nutrição, Medicina e Ciência do Esporte
O professor Márcio Torsoni: “As condições impostas às mães no período de gestação e lactação podem impactar de modo importante o desenvolvimento das proles”
rados nos camundongos gerados por mães obesas. Por causa das alterações, eles passaram a promover menor oxidação e maior síntese da gordura, o que fez com que esta aumentasse a sua concentração no fígado”, detalha. Artigo referente ao estudo foi publicado em 2014. Mais recentemente, os integrantes do LabDiMe realizaram nova investigação e identificaram que a prole de mães obesas apresenta alteração no mecanismo responsável por ajustar o avanço da resposta inflamatória, denominado reflexo anti-inflamatório colinérgico. Márcio Torsoni explica que o processo de desenvolvimento da obesidade está associado à inflamação de baixo grau, mas que pode afetar o sistema nervoso central, fígado etc. Esse fator contribui, por exemplo, para o surgimento do diabetes. “Nós verificamos que os animais dessa prole estavam desenvolvendo obesidade e resistência à insulina. Paralelamente, constatamos que o freio que controla a inflamação não estava funcionando direito em seus organismos”, revela. Os resultados deste estudo foram publicados recentemente. O docente da FCA observa que, embora o processo inflamatório seja importante para a defesa do organismo contra patógenos, é necessário que ele seja interrompido em determino instante, para evitar danos maiores ao próprio organismo. “Nós vimos que
o reflexo anti-inflamatório é deficitário nos filhos de mães obesas. Ou seja, eles também foram programados para apresentar defeito nesse freio. Existem estudos que demonstram que, quando exposta a um agente infeccioso, a prole de mãe obesa morre mais rapidamente que a prole de mãe magra”, pontua Márcio Torsoni. A pesquisa rendeu artigo publicado no começo deste ano. Por fim, o LabDiMe também analisou dois mecanismos relacionados com a resistência à insulina e a progressão da inflamação, chamados de estresse de retículo endoplasmático e autofagia. O professor Márcio Torsoni esclarece que essa forma de estresse está mais ativa na prole de mãe obesa que na prole de mãe magra, enquanto a autofagia, um processo de degradação lisossomal, essencial para a homeostase celular, apresenta-se comprometido na prole de mães obesas. “Nós identificamos que, logo após desmamarem, os filhos de mães obesas apresentavam maior ativação de proteínas envolvidas no mecanismo de estresse de retículo, tanto no hipotálamo quanto no fígado, favorecendo o desenvolvimento de resistência a insulina”. Além disso, Marcio Torsoni aponta que os estudos coordenados pela professora Marciane Milanski mostraram um prejuízo na autofagia no fígado e hipotálamo da prole recém–nascida e recém-desmamada. “Isso
é um indicativo de que esses indivíduos podem desenvolver patologias associadas à obesidade na idade adulta”, infere. Um ponto importante relativo a essas pesquisas, enfatiza o docente da FCA, é a geração de uma massa de dados que contribua para a formulação de abordagens preventivas contra o desenvolvimento de patologias vinculadas à programação celular. “Essa prevenção pode ser feita, por exemplo, junto à mãe, oferecendo a ela nutrientes que ajudem a evitar esses problemas. Estamos começando um estudo nesse sentido aqui no laboratório. Estamos suplementando as fêmeas com um tipo de ácido graxo que tem efeito anti-inflamatório. Como o componente inflamatório está presente em vários dos danos causados pela programação celular, vamos tentar fazer a prevenção através dessa via”, diz. Outra opção seria tentar reduzir os danos já causados à prole, também oferecendo suplementos nutricionais a ela. “Precisamos avançar em relação a essas duas frentes, principalmente porque a epidemia de obesidade está aumentando em todo o mundo. Estudos norte-americanos apontam que a obesidade está crescendo significativamente entre as mulheres em fase de reprodução. Nessa situação, a criança costuma deixar um útero obeso para viver numa casa obesa. Isso cria um caminho de difícil volta”, alerta Márcio Torsoni. Uma característica importante do trabalho realizado pelo LabDiMe, assinala a professora Adriana Torsoni, é o caráter multidisciplinar que orienta os estudos. Ela e Márcio Torsoni são biólogos. Marciane Milanski, que agora cumpre período de estudos no Canadá, é nutricionista. “No nosso grupo, temos cerca de 30 estudantes, a maioria vinda das áreas da Ciência do Esporte e Nutrição. Entretanto, para dar conta das perguntas que tentamos responder, sempre recorremos à cooperação de outras áreas do conhecimento, como a Medicina, a Química etc”. Um dos grupos com os quais o laboratório mantém estreita colaboração é coordenado pelo professor Licio Velloso, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, que investiga mecanismos moleculares e celulares que participam da gênese da obesidade e do diabetes e coordena o Obesity and Comorbidities Research Center (OCRC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) mantidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Conforme Adriana Torsoni, o LabDiMe conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fapesp e Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão (Faepex), programa mantido pela Unicamp.
A mestranda Suleyma Costa durante experimento no Laboratório de Distúrbios do Metabolismo: cerca de 30 estudantes de graduação e pós-graduação integram a equipe
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CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
ma metodologia inovadora, que destrincha as redes de relacionamentos entre indivíduos e instituições, foi usada, em tese de doutorado defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, para buscar explicitar e compreender a importância do capital social em projetos do Programa Cédula da Terra, iniciativa de combate à pobreza rural, lançada pelo governo federal e financiada com a colaboração do Banco Mundial em 1997. Essa abordagem de redes, chamada NetMap e desenvolvida pela consultora do Banco Mundial Eva Schiffer no início na década passada, foi utilizada na tese de Patrícia Andrade de Oliveira e Silva. “O Cédula da Terra foi um dos primeiros projetos de crédito fundiário do Brasil”, disse Patrícia. “O crédito fundiário atende a agricultores com pouca ou nenhuma terra, que recebem esse recurso para adquirir um lote de terra e fazer as melhorias necessárias, se desenvolvendo naquele espaço. É um público que não foi atendido pela reforma agrária tradicional, e que tem urgência em se desenvolver e sair da condição de pobreza.” Inicialmente o programa foi implantado em cinco Estados brasileiros – Ceará, Bahia, Maranhão, Pernambuco e Minas Gerais (no norte do Estado) e, nos anos 2000, foi estendido e hoje é conhecido como Programa Nacional de Crédito Fundiário. Nos projetos, os agricultores deveriam se organizar em associações, inicialmente mantendo uma área de produção comum, numa estrutura coletiva que requer capital social para ser bem-sucedida. Capital social, explica Patrícia, “são os ativos provenientes de relações sociais”. Ela dá alguns exemplos: “A partir das associações, os beneficiários faziam muitos mutirões para construção de casas, para a resolução de problemas do dia a dia, para construir redes de apoio. A função do capital social é você ter um retorno, seja ele financeiro ou não, através das redes formadas dentro dessas comunidades”.
Redes mapeiam combate à pobreza Metodologia analisa relacionamentos para traduzir importância do capital social em projetos Fotos: Divulgação
MAPA DAS REDES
Análises puramente quantitativas desse capital social, no entanto, são difíceis de fazer e muitas vezes não captam todos os aspectos envolvidos, acrescentou a pesquisadora. “Medir esse capital é muito difícil, porque ele está intrinsecamente ligado às relações sociais e aos vínculos sociais criados ao longo do tempo nessas comunidades. A pesquisa quantitativa que, por exemplo, conta quantas reuniões a associação faz, não me dá muita informação, era preciso ir além. Então, fui trabalhar com redes sociais”. Patrícia passou dez meses nos Estados Unidos trabalhando na George Mason University, com a pesquisadora Janine Wedel e obteve contato com Eva Schiffer, a criadora do modelo NetMap, abreviação de Network Map (“Mapa de Rede”). O modelo usa entrevistas para descobrir relações entre agentes, além da força e do tipo de ligação entre esses agentes. “O NetMap é realizado a partir da construção de uma rede egocêntrica: você entrevista um agente, ou agentes, em posição central e monta, a partir de questões semiestruturadas, uma rede de todos os atores que pertencem àquele grupo”, descreveu Patrícia. “Então, no meu caso, entrevistei basicamente os presidentes das associações ou comissões de várias pessoas, mas sempre com o presidente da associação presente”, disse. O trabalho foi realizado em oito projetos, sendo quatro do norte de Minas e quatro do sertão da Bahia. “Eu perguntava sobre todos os agentes, desde bancos até os demais projetos ao redor, isso tudo incluindo associações, igrejas, organizações comunitárias, todo o escopo governamental, como prefeituras e secretarias da agricultura. Porque a rede completa não é só pessoal”. A partir dessas informações, surge o mapa: “Vai-se diferenciando por cores: cada tipo de agente tem uma cor, cada tipo de relação tem uma cor, e cada relação tem um peso. A rede é montada primeiro em papel, com as suas diferentes cores, sendo transferida para um software específico. Com esses dados no computador, as relações são transformadas em matrizes binárias numa planilha, e disso você faz cálculos: cálculo da densidade da rede, centralidade, popularidade dos agentes, entre outros, desvendando qual ator está conectado com qual, qual é mais central ou não. É bem interessante, porque você visualiza, como se fosse de cima, o que está acontecendo ali”.
Nas duas fotos do alto, projetos em Euclides da Cunha, no sertão baiano; acima, ações no Norte de Minas: abordagem em rede
tes das cidades, as estradas de terra em péssimas condições, então os produtores não conseguem vender, transformar a produção em dinheiro”, relatou. “Com isso, não conseguem pagar o crédito que tomaram, e a dívida cresce”. Isso é muito grave no norte mineiro, disse Patrícia. “Acontece também na Bahia mas, comparativamente, o norte de Minas apresentou para mim uma situação pior desses projetos”. Um bom exemplo de relação virtuosa entre o programa e um programa público vizinho, encontrado em Minas, foi um caso próximo ao Jaíba, o maior projeto de irrigação da América Latina, fruto de uma parceria entre os governos federal e estadual. “No início do Cédula da Terra surgiu uma dúvida de se esses projetos não seriam engolidos pelo Jaíba, mas não: em um dos poucos casos bem-sucedidos do norte de Minas, os beneficiários faziam cursos no Jaíba para aprender a fazer pimenta em conserva, e diversos tipos de manejo de cultura”. Foto: Antonio Scarpinetti
RELAÇÕES PRINCIPAIS
Esse mapeamento revelou forte relação entre os projetos vizinhos (fossem assentamentos ou comunidades quilombolas), além da presença de igrejas, e relações expressivas com sindicatos rurais. “Sempre havia uma igreja, fosse católica ou protestante, sempre havia uma rede de apoio ali considerável”, disse Patrícia. “Em alguns casos tinha até pequenas capelas dentro dos projetos. Os sindicatos rurais também, sempre presentes. E os projetos ao redor formavam uma rede de apoio comum, isso sempre se destacava em todos os casos”. O bom relacionamento com as comunidades quilombolas foi registrado nos casos baianos. “Os projetos quilombolas da Bahia recebem incentivo federal, então há muitas escolas sendo construídas, pequenas vilas rurais. Além disso, o caminho entre a cidade e o projeto é bem mais curto, bem melhor em termos de infraestrutura, e eles obtêm maior acesso a serviços públicos como educação, posto de saúde”, disse. “Eles se apoiam muito ali: hoje em dia é até difícil saber quem é quilombola ou Cédula da Terra, pois muitos se casaram entre si. Não existe um conflito entre eles”. No geral, a situação no norte de Minas Gerais é mais precária: “Já em Minas a gente chegou a andar por quase 70 km de estrada de terra sem absolutamente nada, não tem uma escola, um posto de saúde”, disse. “E há um problema péssimo de infraestrutura nessa região: os projetos são distan-
ÁREAS COLETIVAS “Os fatores que foram determinantes para o sucesso dos projetos foram um bom relacionamento com a esfera pública municipal e a existência de um canal de escoamento para a produção”, disse a pesquisadora. “São esses os dois pilares, porque o governo proporciona a infraestrutura necessária, e com o canal de escoamento vai permitir transformar a produção em dinheiro e pagar a dívida, enfim”. Medidas relativamente de baixo custo podem ser implementadas para auxiliar os projetos, disse a pesquisadora, desde um maior número de técnicos de assistência atendendo os projetos, banco de dados sistematizado das condições produtivas e a inclusão dos produtores em feiras municipais e no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal. Outra constatação da pesquisa foi de que as áreas de produção coletiva raramente se mantêm coletivas por mais de cinco anos: a tendência geral é que acabem subdivididas em áreas individuais. “A principal causa é o desentendimento de manejo e de cultura: um quer plantar de um jeito, outro quer plantar outra coisa, o outro quer plantar aquela mesma coisa, mas de outro jeito. Esse tipo de entendimento, disseram-me, foi bastante complicado ao longo do tempo. Mesmo porque essas pessoas, quando formaram as associações, eram conhecidas umas das outras, mas não havia nenhum tipo de vínculo solidificado. Então é normal que nos primeiros anos eles enfrentassem maiores conflitos, até se ajustarem, e nesse ajuste a produção coletiva não se sustentou”. A existência das associações, mesmo com a ausência da produção coletiva, é importante, disse Patrícia: “Elas têm um papel, são importantes como agentes representativos. Sintetizar demandas é mais simples tendo uma associação do que não tendo. Ter a associação vai facilitar o contato com o poder público, mas elas não são determinantes do ponto de vista produtivo, da produção coletiva”.
Publicação
Patrícia Andrade de Oliveira e Silva, autora da tese: “A função do capital social é você ter um retorno, seja ele financeiro ou não, através das redes formadas dentro dessas comunidades”
Tese: “Capital social e políticas de combate à pobreza rural no Brasil: uma abordagem em redes” Autora: Patrícia Andrade de Oliveira e Silva Orientador: José Maria Ferreira Jardim da Silveira Unidade: Instituto de Economia (IE)
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Para Laymert, país já vive
Estado de Exceção
Fotos: Antonio Scarpinetti
Docente diz que supressão de garantias constitucionais corrobora a tese de que há um golpe em curso CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
pesquisador e professor da Unicamp Laymert Garcia dos Santos tem diploma de graduação em jornalismo, mas há décadas se dedica ao estudo da sociologia, principalmente da sociologia das tecnologias da informação. Na crise política atual, Garcia dos Santos tem emergido como uma das vozes mais firmes em defesa do mandato da presidente Dilma Rousseff, e um dos mais contundentes argumentadores da tese de que há um golpe em curso no país. O artigo “O Intolerável”, publicado em seu site pessoal (http:// www.laymert.com.br/o-intoleravel/) teve ampla divulgação no meio digital. “No meu entendimento, já estamos num Estado de Exceção”, disse ele, em entrevista ao Jornal da Unicamp. “Se se suspendem as garantias constitucionais a ponto de se autorizar o grampo, e a divulgação do grampo, da presidente da República, isso significa que a Constituição não está valendo para ela. E se não está valendo para a presidente da República, para quem vai valer?” Ele também não acredita que a crise possa ser superada com a eventual formação de um novo governo pelo vice-presidente Michel Temer: “Não é assim, tira a Dilma, o Temer entra, compõe o governo e sai tudo funcionando, de rodinha. Essa é uma visão absolutamente simplista do Brasil”. A despeito dessa avaliação sombria do cenário atual, o pesquisador revela entusiasmo com as novas mídias emergentes – “graças a Deus que a gente tem internet para construir um discurso alternativo”. Leia, abaixo, os principais trechos da conversa de Garcia dos Santos com a reportagem: Jornal da Unicamp – O que o senhor diria ao cidadão brasileiro que se vê perplexo diante da colisão de narrativas, de que a presidente Dilma está sendo vítima de um golpe, contra a de que o que existe é um processo constitucional? Laymert Garcia dos Santos – A gente tem duas narrativas que são contraditórias, e que podem ser resumidas assim: “impeachment é golpe”, e “impeachment não é golpe”. Há ainda um outro termo, que estaria entre os dois, que seria, “impeachment não é golpe, porque está previsto na Constituição, mas este impeachment é golpe”: porque não existe nenhuma acusação contra a presidente, exceto a chamada pedalada fiscal, que foi executada por muitos outros governantes antes dela, e ao mesmo tempo continua a ser praticada por governadores, prefeitos, e isso nunca foi considerado crime. Então, nesse sentido, acho que a palavra golpe cabe, e a pessoa que oscila entre um discurso e outro deveria prestar atenção nesses deslizamentos semânticos e, ao mesmo tempo, atentar para o que as pala-
O professor e pesquisador Laymert Garcia dos Santos: “Graças a Deus que a gente tem internet para construir um discurso alternativo”
vras significam. Parece que é uma questão acadêmica, mas na verdade são duas posições antagônicas numa espécie de guerra. JU – Guerra não é uma palavra forte demais para o contexto atual? Laymert Garcia dos Santos – Eu não descartaria a palavra guerra, porque na medida em que a posição do “impeachment não é golpe” é uma posição que, se não há crime, não se sustenta juridicamente, então isso significa que essa posição só pode ser defendida porque não foi aceita a eleição de 2014. O resultado da eleição de 2014. E aí nesse sentido é uma guerra, sim, porque essa crise que estamos vivendo agora foi aberta em 2014, com o não reconhecimento de que a eleição foi legítima. JU – Mas se o que ocorre hoje é fruto de insatisfação com 2014, por que o estouro só agora? Laymert Garcia dos Santos – Acho que agora é só o desdobramento de 2014, esse desdobramento foi progressivo, foi incessante. Venho acompanhando essa questão desde 2013, na verdade. Porque, no meu entendimento, as coisas começaram com as manifestações de 2013. Foi lá que a gente viu, pela primeira vez, manifestantes na rua com uma pauta progressista, só que expressa numa linguagem conservadora. Era uma pauta por ampliação de direitos, portanto uma pauta democrática. Mas o modo como se exprimia era conservador, e foi a primeira vez que a gente viu surgir uma reivindicação conservadora na rua. Isso em 2013. Já em 2014, acho que o impeachment da Dilma começou na abertura da Copa do Mundo, quando convidados do camarote do banco patrocinador começaram a gritar para o mundo – porque a abertura da Copa era transmitida para o mundo inteiro – xingamentos de baixo calão contra a presidente. Foi a primeira vez que vi um presidente da República ser ultrajado dessa forma, e partindo de onde? Partindo do camarote de patrocinadores da Copa do Mundo. A
partir daí começou o escracho da Dilma. E isso foi extremamente sério, porque sinalizou que essa posição, no meu ponto de vista, partia de um grande descontentamento da superelite. Era a superelite decretando guerra. JU – Mas a superelite vinha convivendo muito bem com quase uma década de governo do PT. Por que romper naquele momento? Laymert Garcia dos Santos – Porque a elite financeira ficou descontente com a queda dos juros no primeiro mandato. Dilma baixou a taxa de juros, o que descontentou extremamente o mercado financeiro, além de ter tomado outras medidas. Isso no aspecto interno. Mas eu acho que o que está acontecendo não tem razões só internas, tem razões externas. JU – Que seriam...? Laymert Garcia dos Santos – As razões externas são as razões de interesse na desestabilização de um certo projeto de desenvolvimento, de um projeto de país. Essa desestabilização aparece, no meu entender, num golpe, que não é mais nos moldes dos anos 60, 70, porque até nem faria sentido – os militares hoje são legalistas. Mas é uma desestabilização cujo modelo vem sendo aplicado já em outros lugares, em outras regiões do mundo e na América Latina. Eu não acredito, por exemplo, que a corrupção seja o verdadeiro problema. Não pode ser. Ela é só a máscara, o pretexto, porque se você tem um combate seletivo à corrupção, você não tem combate à corrupção. Na verdade você só vai combater um determinado tipo de corrupção, e a seleção significa que o que vale aqui, não vale lá. E o combate seletivo à corrupção é o que estamos vendo. Levou um tempo para isso ficar explicitado, para ficar claro que a Lava Jato era seletiva, mas agora já está mais do que evidente. (Continua nas páginas 6 e 7)
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O discurso unívoco da grande mí Foto: Antonio Scarpinetti
E ampliou, também, de certa maneira, uma espécie de independência com relação à própria produção da informação, porque ficou mais fácil: hoje todo mundo pode, de alguma maneira, produzir informação. É claro que você não pode produzir informação na mesma escala que a grande mídia produz. Mas muitas vezes, do ponto de vista qualitativo, você pode produzir, com poucos recursos, uma informação que pode bater de frente com aquela que é feita pelas grandes corporações, e pode apresentar uma outra versão dos acontecimentos, uma outra análise dos acontecimentos. Isso é possível! Antigamente não era possível, porque era preciso ter muito capital para isso. É uma mudança gigantesca.
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
(Continuação da página 5) JU – Mas argumenta-se que a Lava Jato começou investigando, especificamente, crimes cometidos contra a Petrobras durante governos do PT, então o fato de atingir mais petistas é um acidente histórico, uma consequência lógica, não seletividade deliberada. Laymert Garcia dos Santos – Primeiro: o problema da corrupção na Petrobras não começou nos governos do PT, começou antes. E isso apareceu na Lava Jato, mas não foi considerado, foi o chamado “não vem ao caso”. E “não vem ao caso” significa tudo aquilo que houve antes de 2003 – e aí aparece a seletividade: não se investiga, apesar de haver indicações disso nas próprias delações premiadas. Mas só um determinado tipo de delito, só um determinado tipo de gente vai ser investigada e os outros, você descarta, não dá sequência ao processo, isso por um lado. Por outro, há vários juristas que questionam a legalidade de atos da Lava Jato. E se há ilegalidades que vão sendo realizadas por aqueles que deveriam zelar pelo cumprimento da própria lei, você já tem outro problema: são ilegalidades não só no modo de captar, através de grampos, mas também de divulgar as informações. A divulgação é cronometricamente estudada para obter efeitos na relação entre Judiciário e mídia. Como bombas informacionais. JU – Mas as instâncias superiores do Judiciário vêm referendando a maior parte das ações da Lava Jato. Laymert Garcia dos Santos – Você tem um campo discursivo, político, que está evoluindo. A gente tem que analisar a evolução dos enunciados que aparecem nesse campo, da extrema direita até a extrema esquerda. Tem que olhar os enunciados políticos que são dados nesse campo, e como eles evoluem. E aí você começa a ver qual é a dinâmica desse campo, quem retoma o quê, a fala de quem, quais são os enunciados que vão deslizando, até que a gente chega, enfim, a certos enunciados fortes. É o que tenho feito nos últimos anos, desde 2013. Porque quero tentar entender o que acontece, para além do que a mídia diz, porque não acredito nela. Entender a evolução e como se dá a construção dos discursos. Se você olhar o campo dos enunciados, você vai ver que o foco da questão do golpe vai se deslocando, e hoje a ênfase, a última descoberta de onde se encontram novos protagonistas do golpe, é no STF. Chegou ao STF. Como protagonistas do golpe. Não fui eu que inventei esse procedimento analítico. Esse tipo de análise foi feito nos anos 20-30, com relação ao modo como foi desestabilizada a República de Weimar, na Alemanha, com a ascensão do nazismo. E foi durante a República de Weimar que a gente viu a implosão das instituições e uma desestabilização que deu, como resultado, o triunfo do enunciado “Viva a morte!” e a “Solução Final” do problema judeu. Uma das características importantes dessa implosão das instituições, nos anos 20-30, na Alemanha, é o modo como os juízes violavam a lei e a Constituição, e é ao que estamos assistindo aqui. JU – A maior parte do STF é de ministros nomeados nos governos petistas... Laymert Garcia dos Santos – Isso significa que são petistas? Não, não necessariamente. Aliás, o contrário, até. Acho que o que houve, no meu entender, a partir dos atos e das falas que os ministros fazem nos autos e fora dos autos – porque eles também têm uma posição pública, têm se manifestado mais fora dos autos que nos autos, ultimamente – e as posições que têm tomado, com exceções, são bastante complicadas. E não sou eu que digo, são juristas. JU – Quem insiste que as pedaladas da Dilma foram crime menciona o montante envolvido, muito maior que em outros governos, e o fato de terem ocorrido em período eleitoral como agravante.
“E a votação do impeachment na Câmara? Foi uma coisa fantástica, absolutamente grotesca. Porque você sabe quem são aquelas figuras que falavam de moralidade, contra a corrupção. Acontecia assim também na República de Weimar: as palavras queriam dizer o contrário do que diziam. Você ia ao nível do discurso, as pessoas estavam dizendo alguma coisa, mas significavam o contrário”
Laymert Garcia dos Santos – Eu diria que, se pedalada é crime, então pedalada é crime. Se é crime, então por que não foi punida antes, ou em outras vezes. Se não é crime, por que se tornou crime agora? E depois, quais pedaladas se tornaram crime? Porque o que a gente está assistindo agora, com a tentativa de dissociar do caso as pedaladas assinadas pelo Temer, é que há pedalada que vale e pedalada que não vale – de novo, a seletividade. As pedaladas de Dilma são criminosas e as do Temer não são criminosas. Então, que negócio é esse? Tudo que você aborda hoje, é assim. Esse é o problema para mim: não há critério. Você percebe que as instituições estão desmontando quando não existe mais regra. A regra vale para mim de um jeito e para você, de outro jeito. E a votação do impeachment na Câmara? Foi uma coisa fantástica, absolutamente grotesca. Porque você sabe quem são aquelas figuras que falavam de moralidade, contra a corrupção. Acontecia assim também na República de Weimar: as palavras queriam dizer o contrário do que diziam. Você ia ao nível do discurso, as pessoas estavam dizendo alguma coisa, mas significavam o contrário.
JU – A grande imprensa corporativa é acusada de direcionar o noticiário contra o atual governo. Mas há pluralidade, ou uma busca de pluralidade, nas páginas de opinião, entre articulistas...
JU – A crise da República de Weimar culminou com o fim da República, a instauração do Reich e a ascensão de Hitler ao papel de líder supremo, o führer. O paralelo não é um pouco extremo?
JU – A sua área de ênfase de pesquisa é sociologia da tecnologia. Como o sr. vê o papel das novas mídias digitais?
Laymert Garcia dos Santos – Acho que existe um risco parecido no Brasil, porque a questão que importa, para mim, é se você está num Estado Democrático de Direito, ou não. No meu entender, não estamos mais num Estado Democrático de Direito. Nós estamos num Estado de Exceção. E essa questão é interessante para remontar a Weimar, porque ela foi muito estudada: como se implantou o Estado de Exceção na Alemanha. E o problema, aqui, nesse aspecto dos enunciados, é que muita gente diz que haverá um Estado de Exceção no Brasil. No meu entendimento, não é que haverá, ele já aconteceu. Se se suspendem as garantias constitucionais a ponto de, por exemplo, ser autorizado por uma instância inferior da Justiça o grampo e a divulgação do grampo da presidente da República, isso significa que a Constituição não está valendo para ela. Se não está valendo para a presidente da República, para quem vai valer? Para mim esse é o problema: já estamos em um Estado de Exceção; pois, se as garantias constitucionais não funcionam para a presidente, para ministros e para advogados, para quem mais vão funcionar? Ouço as pessoas dizerem: ah, mas para o povão da periferia nunca funcionou, nunca houve Estado de Direito. Mas isso não justifica nada. O que se deveria fazer era estender o Estado de direito até eles, e não o contrário.
Laymert Garcia dos Santos – Eu vejo mais do que direcionamento, vejo um acerto entre as grandes mídias, porque há uma voz comum. As grandes empresas de mídia, com algumas nuances e variantes, têm um posicionamento editorial que é comum. E esse posicionamento comum é fruto de um entendimento comum da leitura da situação, e de qual discurso vão tentar fazer prevalecer. Graças a Deus a gente tem internet para poder, pelo menos, no nível alternativo, por exemplo, nos chamados blogs sujos, construir uma nova versão. Senão, estava tudo completamente dominado, haveria só uma versão dos acontecimentos e você não teria a possibilidade de desconstrução desse discurso. A mídia alternativa está fazendo a desconstrução do discurso unívoco da grande mídia.
Laymert Garcia dos Santos – Um papel enorme, absolutamente enorme. Antes de mais nada, voltando ao ponto que já tinha levantado, se há a possibilidade de um outro discurso, que não o único das elites, é porque existe internet. E é porque existe gente preparada, que sabe trabalhar informação e que está inventando novas maneiras de processar essa informação com rapidez, poucos recursos, mas com rapidez, na internet. Boa parte, inclusive, do problema da grande mídia, decorre da internet. As grandes empresas precisam de benesses, de dinheiro público, porque souberam muito mal se adaptar às mudanças tecnológicas que aconteceram. Não só a mídia impressa, mas também a mídia televisiva. JU – Algo que se critica muito nas novas mídias são as chamadas “bolhas de informação”, que dificultam o acesso ao contraditório e radicalizam as posições. Laymert Garcia dos Santos – Muitas vezes, antes mesmo antes da internet, as pessoas iam procurar aquilo que confirma suas crenças, ou que reconheciam como pertencentes ao seu mundo. Isso, eu acho que faz parte. É mais do que natural. O que acho que aumentou foi a diversidade de oferta de possibilidades de discursos, para as pessoas não terem de se identificar com um discurso. Isso ampliou bastante.
JU – Mas hoje uma pessoa também pode ter acesso a milhares de textos que só reafirmam seus preconceitos, sem jamais cruzar com um contraditório. Laymert Garcia dos Santos – Mas ela também pode confrontar discursos diferentes, tem essa possibilidade de confrontação porque está tudo disponível para ela, em termos de informação. Ela precisa saber ter um filtro, e quanto mais sofisticado o seu filtro, mais sofisticada essa informação será. Por exemplo: para uma pessoa, um intelectual, um professor universitário, acabou a ditadura de ter que se informar só com a mídia brasileira. Eu, por exemplo, já há anos não leio jornais brasileiros, como pratica cotidiana. Leio ou as informações na internet, por meio de um leque de sites e blogs, ou leio diretamente a imprensa internacional. Por que eu leio o Financial Times? Porque considero que esse é um jornal global, e é um jornal global que precisa dizer o que está acontecendo para os investidores globais. Ele não pode ficar mentindo. Porque vai ser cobrado pelos seus leitores, que são globais. Então, mesmo que ele tenha uma posição conservadora, neoliberal, e ele é conservador e é neoliberal, tem que dar a informação para o seu leitor, porque vai ser cobrado num plano que, aqui no Brasil, ninguém está cobrando. Então, prefiro ler um jornal como o Financial Times, inclusive para saber melhor o que acontece no Brasil. JU – O sr. mencionou como algumas palavras vão mudando de sentido. Hoje em dia, uma palavra muito usada é “fascismo”, “fascista”. Ela já não se desgastou? Laymert Garcia dos Santos – É preciso tomar muito cuidado com essa palavra. Como xingamento, você a ouve das maneiras mais variadas, aplicada às pessoas mais variadas e aos pontos de vista mais variados. Então, digamos, no geral, a palavra ficou banalizada. Mas, existe alguma procedência de um certo emprego da palavra “fascismo” para designar o que está acontecendo nesta situação do Brasil contemporâneo? Eu acho que sim. E por que acho que sim? Porque a gente nota uma questão que aparecia no fascismo de modo muito forte - era que a posição do fascista não é suscetível de argumentação. Não há argumentação possível com o fascista. E por quê? Porque mesmo que ele não tenha argumento, se você der dez argumentos para ele, ele não vai ouvir, porque a posição dele é irracional, ele é movido pelo ódio, e por um ódio que é visceral. Que evidentemente foi plantado na cabeça dele, ao longo de um tempo muito grande, que ele incorporou como sendo dele. Não há possibilidade de diálogo. E o que estamos vendo no Brasil, que era uma coisa que não existia aqui, é justamente o surgimento desse tipo de comportamento visceral, irracional, absolutamente imune a qualquer consideração de ordem argumentativa, e que parte direto para a violência. Eu chamo isso de bicho-preto. Pula o bicho-preto da pessoa, aquilo que foi suscitado e que existe de mais negro na alma humana, e é isso que está sendo mobilizado. É essa mobilização que gera um movimento fascista. A mobilização política desse pathos, dessa quase patologia, isso é fascismo. JU – Supondo que se instaure um governo de Michel Temer. Que perspectivas o sr. vê? Laymert Garcia dos Santos – Acho que a situação brasileira vai ser caótica. Vai ser caótica mas, do ponto de vista do interesse externo, que está de olho no pré-sal, na
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ídia e as bombas informacionais Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Reprodução
2 Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
1 Foto: Juca Varella/Agência Brasil
4 Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
3 Cenas da crise: 1) Manifestantes em frente ao Congresso, em 2013; 2) Dilma na abertura da Copa do Mundo, no Itaquerão, em 2014; 3) Muro separa manifestantes pró e contra o impeachment, em Brasília; 4) Votação do impeachment na Câmara, no dia 17 de abril; 5) Secundaristas protestam na Avenida Paulista, no último dia 28
questão da energia nuclear, enfim, naquilo que interessa, os chamados ativos que interessam no Brasil, se vier o caos, eles plantaram isso, o caos não está fora do programa. Aliás, não vai ser o primeiro país a entrar em situação de caos programado. JU – O sr. não espera que Michel Temer consiga conduzir um governo na normalidade. Laymert Garcia dos Santos – É uma história da carochinha, isso: o Temer entra, e aí o problema some porque o problema era a Dilma. Tira-se a Dilma e aí todo mundo vai aceitar, o Temer entra e está tudo bem... é imaginar que existe um problema de pessoa, e não de processo. Não dá para acreditar que, uma vez tirada a presidente, todo mundo vai aceitar essa versão. Por sinal, essa narrativa já não está sendo aceita, pois a cada dia que passa há mais gente contra o golpe - todos os dias há manifestações. Mas você diz: as manifestações não aparecem. Com efeito, a mídia oculta. Mas elas existiram. As pessoas que foram às manifestações estão aí, estão se politizando nas manifestações. Se você olhar a idade das pessoas que estão nessas manifestações, verá que houve uma politização violenta de adolescentes e de jovens que, de repente, descobriram que a democracia está ameaçada e que não querem viver num mundo onde não vão ter liberdade, porque o Bolsonaro e o Feliciano [deputados federais Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Marcos Feliciano (PSC-SP)] vão dizer para elas o que podem fazer ou não.
Então, não é assim: tira a Dilma, o Temer entra, compõe o governo e tudo passa a funcionar. Isso é uma visão absolutamente simplista do Brasil, é considerar que o Brasil hoje é o que ele era no século 19. Aliás, um dos pontos principais de todo esse processo é o desejo de regressão à condição colonial. Não se trata de voltar ao tempo de antes do Lula, é desejo de voltar para a Colônia. Porque a toda hora reaparece a questão dos negros, dos pobres, dos excluídos, a questão das empregadas domésticas: tudo que é questão de casa grande e senzala voltou, da violência colonial. No plano interno, trata-se de uma restauração da dominação colonial, cuja contrapartida no plano externo é a submissão total ao Império, à Metrópole.
JU – Um dado novo é a ascensão da direita evangélica, que vem se integrando muito bem às elites tradicionais. Laymert Garcia dos Santos – Elas são a massa de manobra das elites tradicionais. Eu considero assim. As elites sabem que precisam mobilizar um setor da sociedade. Porque as elites não vão para a rua, é claro. Mesmo aqui do lado, quando batem panela em Higienópolis, vá ver como batem panela: não há uma única pessoa que apareça na janela. As panelas são batidas com a luz apagada e as pessoas fora da janela. Isso mostra, para mim, que elas têm uma posição, são radicalmente contra o governo, batem panela, mas não de peito aberto.
Quem é Laymert Garcia dos Santos tem bacharelado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado em Sociologia das Sociedades Industriais pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) da França e doutorado em Ciências da Informação pela Universite de Paris VII - Universite Denis Diderot. É professor titular do departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Foi
membro do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura e diretor da Fundação Bienal de São Paulo. É autor, entre outros livros, da obra “Politizar as novas tecnologias - O impacto sócio-técnico da informação digital e genética”. (Editora 34, 2003). Sua atuação tem ênfase na Sociologia da Tecnologia e na Arte Contemporânea, principalmente em temas como tecnologia, biotecnologia, arte contemporânea, política e Brasil.
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JU – O sr. vê uma possibilidade de conciliação? Laymert Garcia dos Santos – Não vejo, porque acho que, no fundo, quem fazia a conciliação era o Lula. As elites brasileiras ganharam mais dinheiro que nunca com o Lula. Só que não foram só elas, houve uma parcela da população que não ganhava nada, que ganhou um pouquinho e deu uma melhorada. Se eu fosse da superelite, eu construía uma estátua para o Lula, em nome da paz social – os ricos ganhavam, os outros ganhavam e ficavam contentes, e você tinha um país minimamente civilizado. Mas não, a ganância é tanta que o 1% quer guerra total contra o resto. O 1% quer tudo! JU – Se o impeachment for consumado, o sr. vê chances para a esquerda no pleito de 2018? Laymert Garcia dos Santos – Sim. Por uma razão: mesmo com todo esse tiroteio diário em cima do Lula, ele ainda é o político que tem mais credibilidade no Brasil. Com toda essa invenção de pedalinho e outras coisas, seus algozes escarafunchando a vida dele e da família dele inteira, virando tudo pelo avesso... e o que acharam? É grotesco! Uma pessoa que teve a projeção mundial que teve o Lula, se quisesse roubar, não ia ser para comprar uma chacrinha em Atibaia, um apartamento no Guarujá.
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Escala mensura vergonha e culpa em relação ao corpo Ferramenta de avaliação é validada em pesquisa desenvolvida por graduada em educação física Foto: Antoninho Perri
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
esquisa para validar uma escala que avalia os sentimentos de culpa e vergonha em relação ao corpo em adultos jovens brasileiros foi desenvolvida, na área de Atividade Física Adaptada da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, por Jane Domingues de Faria Oliveira, graduada em educação física, e orientada pela professora Maria da Consolação Gomes Cunha Fernandes Tavares. A docente se dedica a estudos voltados à imagem corporal, considerada na pesquisa como sendo a representação mental da identidade corporal de cada indivíduo, ou seja, o modo de como o corpo se apresenta para cada pessoa. Trata-se de um fenômeno dinâmico, singular, estruturado no contexto da experiência existencial do ser humano e influenciado por fatores emocionais, sociais e fisiológicos. Nos últimos anos, os avanços teóricos e metodológicos referentes à culpa e à vergonha do corpo têm despertado particulares interesses de alguns pesquisadores. A culpa pode ser entendida como um estado emocional que ocorre quando o indivíduo avalia negativamente seu comportamento. É o que acontece, por exemplo, com mulheres que conseguem, por meio de dietas, exercícios, cirurgias plásticas ou tratamentos cosméticos, alterar suas aparências físicas na direção do padrão cultural vigente de corpo, como forma de aliviar o desconforto de estar distante do ideal de corpo ou de valorizar o investimento feito para atingi-lo. Mas, se apesar dos esforços, ainda se percebem longe do ideal, sentem-se culpadas por não terem se esforçado o suficiente ou falhado pela falta de perseverança. O surgimento do sentimento de vergonha depende de dois elementos: da reflexão que o indivíduo faz sobre si mesmo em relação a alguma característica da aparência pessoal e do julgamento do que os outros pensam dele. A pessoa com vergonha vive uma experiência intensa, podendo corar, aumentar os batimentos cardíacos, sentir-se exposta, experimentar sensação de isolamento e manifestar uma percepção aumentada em relação às reações dos outros. Por isso a vergonha é um sentimento fundamentalmente social. Para o envergonhado, a observação do outro vem necessariamente acompanhada de um julgamento, diferentemente da culpa na qual esse olhar não se faz necessário. O indivíduo que vivencia os sentimentos de culpa e vergonha busca proteção do julgamento do outro e de si mesmo. Desta forma, muitas percepções corporais ficam impedidas de ocorrerem, havendo um prejuízo no desenvolvimento da sua imagem corporal, uma vez que esses sentimentos favorecem a fragmentação da identidade, direcionando a energia do indivíduo para referências externas, levando-o a negar e a desconectar-se da sua realidade interna. Segundo teóricos, faz-se necessário ampliar os conhecimentos a respeito da culpa e da vergonha do próprio corpo, mais especificamente em cenários de atividade física e esporte, nos quais o corpo fica mais exposto (aparência) e a capacidade de êxito esportivo (função) fica à prova. Frise-se que principalmente o adulto jovem, ainda em processo de amadurecimento, necessita a valorização externa de sua aparência, habilidades e capacidades físicas. Nesse contexto, torna-se importante identificar a presença da culpa e da vergonha do corpo, favorecendo assim, a elaboração de estratégias mais adequadas de intervenção, atendendo não somente às necessidades físicas como também, às necessidades psicossociais dessa população. Esse foi o escopo do doutorado de Jane. Ela esclarece que atualmente o profissional de educação física enfrenta uma valorização
Para a condução da primeira fase, foi utilizado o protocolo proposto pelo Guideline da American Orthopaedic Surgeons/ Institute of Work and Health (BEATON et al., 2002) que envolve cinco etapas: 1) duas traduções independentes do instrumento original realizadas por brasileiros com fluência na língua inglesa; 2) síntese das traduções com a participação de um juiz de síntese com conhecimento do tema; 3) duas retrotraduções, realizadas por falantes nativos da língua inglesa, com domínio do português; 4) reunião com um comitê de peritos, composto pelos tradutores, retrotradutores, linguista, metodologista e profissional de saúde, para a discussão da versão final, buscando as equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural com o instrumento original; e finalmente, 5) o pré-teste que foi realizado com representantes da população alvo. Para a avaliação psicométrica, segunda fase da pesquisa, foi realizada uma coleta de dados em uma amostra composta por 640 sujeitos com idade entre 18 e 39 anos de ambos os sexos, sendo 341 homens e 299 mulheres. A partir das respostas foi organizada uma planilha, que considera cada alternativa proposta no questionário, e então utilizado um software para análise. A partir dessa análise a pesquisadora identificou na amostra feminina reações de culpa mais intensas que de vergonha, especialmente quanto às comparações sobre a própria aparência, aos comentários recebidos pela aparência do corpo e ao comportamento alimentar. Entre os participantes do sexo masculino observou-se uma maior tendência aos sentimentos de culpa, especialmente no que diz respeito à falta da prática de atividade física e no comprometimento nas questões relacionadas ao peso corporal.
AVALIAÇÃO Jane Domingues de Faria Oliveira, autora do trabalho: “A culpa e a vergonha são aspectos que podem estar presentes nas relações interpessoais em uma aula de educação física”
acentuada da aparência e do desempenho físico, o que o leva muitas vezes a depararse com situações que limitam o desenvolvimento global do aluno em decorrência da necessidade de apresentar resultados diretamente vinculados aos padrões culturais estabelecidos para o corpo. Esse profissional necessita, então, compreender e dimensionar as regras e padrões inseridos no contexto social e, ao mesmo tempo, preservar e estimular o desenvolvimento e a integridade da identidade corporal do seu aluno. Ela explica: “A culpa e a vergonha são aspectos que podem estar presentes nas relações interpessoais em uma aula de educação física. Saber identificá-las e compreendê-las favorecerá a elaboração de propostas de trabalho corporais mais eficazes e resultados mais satisfatórios”.
ESCALA BIGSS Para investigar o nível de culpa e vergonha por causa do próprio corpo ou por um comportamento relacionado a ele há necessidade de um instrumento psicometricamente válido. Dentre os instrumentos disponíveis a pesquisadora optou pela “Body Image Guilt and Shame Scale” (BIGSS) por se tratar de instrumento muito pertinente para educação física. Essa escala apresenta 15 cenários comuns do cotidiano das pessoas. Em cada um deles o avaliado deve localizar a probabilidade de ter uma reação de culpa ou vergonha por causa do corpo ou por algum outro comportamento relacionado a ele e, também, por estar focado em questões relacionadas à aparência e ao peso corporal.
A BIGSS assenta-se teoricamente na teoria da auto-objetificação, descrita como uma forma de autovigilância, caracterizada pelo controle constante da aparência do corpo, na medida em que a pessoa passa a ser avaliada tão somente por sua aparência e não por sua competência. Essa circunstância pode levar a um estado de vergonha do corpo, ansiedade física e desligamento das sensações corporais. O instrumento, então, poderá ser utilizado pelos profissionais de saúde e principalmente por profissionais de educação física, com vistas a possibilitar intervenções mais adequadas em relação aos indivíduos acometidos pelos sentimentos de culpa e vergonha, a fim de proporcionar maior aderência e evolução na prática da atividade física. A propósito da pertinência da abordagem a autora constata: “não existia no Brasil nenhum instrumento disponível que avaliasse de forma confiável e válida a culpa e a vergonha do próprio corpo em adultos jovens”. Em vista disso, o objetivo do seu estudo foi traduzir, adaptar culturalmente e validar a “Body Image Guilt and Shame Scale” (BIGSS) para a língua portuguesa no Brasil para amostras de referências de brasileiros adultos jovens de ambos os sexos. Essa escala foi criada em 2003 pelos psicólogos Ted Thompson, Dale L. Dinnel e Nicole J. Dill, na School of Psychology da University of Tasmania, na Austrália, os quais concederam permissão para trazê-la ao Brasil. A pesquisa constou de duas fases: 1) tradução e adaptação cultural e 2) avaliação psicométrica.
Jane considera que a BIGSS revelou-se uma escala confiável e que poderá fornecer sustentação ao trabalho do profissional da área de saúde, especialmente para o profissional de educação física, em relação à satisfação corporal e aos aspectos emocionais como culpa e vergonha, que permeiam o cotidiano das pessoas. Para ela, além do aspecto fisiológico, o profissional de educação física precisa considerar outras facetas que envolvem o ser humano, o que passa a constituir um diferencial no trabalho que realiza. Utilizando as informações que essa escala oferece, ele terá condições de conhecer melhor o nível de culpa e vergonha do grupo com que trabalha, podendo direcionar as suas atividades de maneira mais acolhedora e respeitosa. A pesquisadora enfatiza: “Acredito que este estudo contribuirá para o aprofundamento científico na área da educação física porque disponibiliza uma escala que foi validada com extremo rigor metodológico, permitindo uma abordagem mais precisa do tema pelos profissionais da área da saúde”.
Publicação Tese: “Tradução, adaptação cultural e validação do Body image guilt and shame scale (BIGSS) para a língua portuguesa no Brasil” Autora: Jane Domingues de Faria Oliveira Orientadora: Maria da Consolação Gomes Cunha Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
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Vermifiltração é alternativa para o tratamento de esgoto Tecnologia ainda pouco conhecida alia a degradação bacteriana com a vermicompostagem LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
ermifiltração é uma tecnologia que ainda não havia chegado ao conhecimento do grupo do professor Adriano Luiz Tonetti, que busca alternativas viáveis, técnica e economicamente, para o tratamento de esgoto em pequenas comunidades rurais e isoladas. Quando uma doutoranda trouxe o tema para discussão, coube a Francisco José Peña y Lillo Madrid desenvolver um primeiro estudo sobre a viabilidade deste processo para o Brasil, diante de vários artigos publicados em países como China e Índia, igualmente em desenvolvimento, e também na Austrália. “Aplicação da vermifiltração no tratamento de esgoto sanitário” é o título da dissertação de mestrado orientada pelo professor Tonetti e apresentada na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). Francisco Madrid explica que a vermifiltração é um processo de tratamento de afluentes sanitários que alia a degradação bacteriana com a vermicompostagem, resultando em um filtro biológico de elevada eficiência para a remoção de poluentes do esgoto. Sua aplicação é voltada para tratamento de efluentes sanitários de localidades não atendidas por uma rede coletora. “As vantagens da vermifiltração se relacionam com a facilidade de instalação e operação do filtro e baixo custo dos materiais. O efluente tratado pode ainda ser utilizado como água de reuso para irrigação ou outros fins não potáveis”, afirma. Segundo o autor da dissertação, a vermifiltração é uma tecnologia bastante nova, com um primeiro trabalho publicado no final da década de 1990 por pesquisadores da Universidade do Chile, sendo que no Brasil o tema aparece somente na dissertação de um aluno da Universidade Federal de Viçosa. “Ficamos curiosos com a vermifiltração porque ela seria totalmente aplicável no Brasil – e especialmente por nosso grupo – como alternativa frente a tecnologias usualmente utilizadas nessas propriedades, como o tanque séptico e o filtro anaeróbio. ” Madrid informa que estatísticas do IBGE para o último Plano de Saneamento, de 2010, apontam que mais da metade dos municípios brasileiros ainda não possui uma forma adequada de tratamento e disposição final de esgoto. “Na prática, o que temos são as fossas rudimentares e fossas secas, onde as excretas se infiltram contaminando o solo e a água subterrânea. No mesmo cenário vemos casas sem rede de distribuição de água potável e que recorrem a poços caipiras, sujeitos a contaminação pelo esgoto disposto inadequadamente. Esta é uma das principais preocupações que levam nosso grupo a estudar alternativas viáveis de tratamento.” Conforme o pesquisador, tecnologias complementares aos tanques sépticos – como filtros anaeróbios, biofiltros percoladores, filtros de areia e wetlands (sistemas naturais construídos) – vêm sendo adotados por apresentarem resultados satisfatórios na remoção de poluentes. “O tanque séptico, que é centenário e mundialmente utilizado, consiste simplesmente de um reator anaeróbio, onde é acumulado o afluente (normalmente por um dia) para degradação parcial da matéria orgânica. A eficiência de remoção é relativamente boa, mas não o suficiente para a disposição posterior desse esgoto tratado no solo ou no rio; para isso, é preciso o tratamento complementar, que na maioria das vezes não é aplicado.”
MINHOCAS E BRAQUIÁRIA Francisco Madrid observa que as tecnologias tradicionais apresentam dificuldades de manutenção e operação devido à geração de lodo e possibilidade de colmatação (entupimento do material suporte do biofiltro), além do custo relativamente elevado de implantação. “A vermifiltração surge como alternativa para se obter um desempenho equivalente na remoção de poluentes e economicamente atraente pela maior simplicidade de instalação e manutenção. Nós avaliamos o desempenho de um vermifiltro com uma configuração mais simplificada em relação às encontradas na literatura, até porque ainda não se chegou a uma configuração padronizada.” O autor da pesquisa construiu vermifiltros com diâmetro de 30 centímetros e um leito dividido em três camadas: a superior, composta por 40 cm de substrato com minhocas (da espécie Eisenia andrei); a intermediária, com 40 cm de pedrisco; e a inferior, com 20cm de brita para drenagem do efluente tratado. O substrato utilizado para as minhocas foi a braquiária (capim), secada e misturada a terra na
Foto: Divulgação
“Branco” Sistema 1 “Branco” Sistema 2 Vermifiltro Sistema 1
Tanque de equalização
Torneira-boia Vermifiltro Sistema 2
Vista superior do vermifiltro do Sistema 2 e do tanque de equalização Foto: Antoninho Perri
uma tecnologia muito nova, ainda não existe um padrão de configuração para vermifiltros, há inúmeras pesquisas, mas nenhum consenso.” O autor da dissertação acredita que o substrato das minhocas seja um aspecto importante para se alcançar uma boa eficiência no uso da vermifiltração. “Outros estudos trazem na configuração a utilização de serragem em diferentes granulometrias, desde a grossa até as bem finas. A serragem tem alto poder de absorção de água, sólidos e nutrientes que compõem o esgoto sanitário. A braquiária também possui esta propriedade, mas não na mesma intensidade; e como a utilizamos da forma como foi cortada em áreas verdes do campus, talvez um tratamento preliminar, como a sua trituração, já permita aprimorar o desempenho do biofiltro.”
UNIDADE MAIS COMPACTA Francisco Madrid, autor da pesquisa: “A vermifiltração surge como alternativa para se obter um desempenho equivalente na remoção de poluentes e economicamente atraente pela maior simplicidade de instalação e manutenção”
proporção volumétrica de três por um. “O vermifiltro é um biofiltro percolador que recebe aplicação intermitente de esgoto, com fluxo descendente conforme a gravidade – não é um filtro afogado. As aplicações de águas residuárias se dão conforme a descarga no vaso sanitário e o uso da pia ou do chuveiro. Este fluxo intermitente permite a areação natural do biofiltro.” Madrid segue explicando que, à degradação aeróbica do esgoto sanitário, associa-se a comunidade de bactérias que se forma no substrato do filtro (braquiária), onde também estão as minhocas para proporcionar uma degradação melhor e mais rápida da matéria orgânica complexa. “Temos uma associação das minhocas que entregam uma matéria já degradada para uma degradação mais fina pela comunidade de bactérias. Além disso, o próprio sistema digestivo das minhocas aumenta a diversidade de bactérias degradadoras de matéria orgânica. Ou seja, as minhocas servem como um incremento, melhorando a eficiência de um biofiltro percolador comum.”
REMOÇÃO ACIMA DE 80% Os vermifiltros não garantem a remoção total de matéria orgânica do esgoto sanitário, mas de acordo com o pesquisador, a literatura registra resultados superiores a 90% de remoção de DBO (demanda biológica de oxigênio) e DQO (demanda biológica de oxigênio) – dois parâmetros para avaliação do impacto ambiental de efluentes. “Aqui na FEC, realizamos dois experimentos: um deles para o tratamento de esgoto bruto aplicado diretamente no vermifiltro, e o segundo com um sistema de filtro anaeróbio seguido pelo vermifiltro – através destes processos chegamos a uma redução total acima de 60% e 80%, respectivamente, o que é um resultado satisfatório, embora esperássemos atingir o que a literatura indicava.” Para Francisco Madrid, considerando o tempo limitado do mestrado, sua pesquisa representa apenas um primeiro passo nos estudos de vermifiltros para o cenário brasileiro. “Também houve a opção por uma versão simplificada a fim de buscar uma tecnologia mais viável economicamente. Empregamos o que é facilmente encontrado no mercado, como a brita que tem custo relativamente baixo, ou mesmo na natureza, como a braquiária e a terra. Por ser
Uma vantagem do vermifiltro já demonstrada na dissertação de mestrado em relação às tecnologias mais tradicionais, além da eficiência equivalente, está na quantidade volumétrica de esgoto que é capaz de comportar por dia. “O filtro de areia, por exemplo, tem eficiência mais elevada, mas o volume de esgoto que se aplica é bem inferior. Se com o vermifiltro é possível tratar volume maior, consequentemente, temos uma unidade mais compacta, ocupando menos espaço e requerendo menos material, tornandose alternativa mais barata.” Agora no doutorado, Francisco Madrid terá quatro anos para uma nova experimentação, em várias etapas: primeiro com pequenos biofiltros em escala de bancada, buscando o melhor substrato para a manutenção da população de minhocas; depois, para determinar a profundidade adequada de cada camada de substrato; e, finalmente, para elaborar uma nova configuração de vermifiltro, visando alcançar resultados comparáveis aos estudos internacionais, com mais de 90% de remoção de matéria orgânica de efluentes sanitários. Madrid conta que a doutoranda Isabel Figueiredo, a mesma aluna que trouxe para o grupo a discussão sobre vermifiltros, está avaliando o sistema de tratamento de esgoto em uma comunidade rural de Campinas, abordando também aspectos da educação ambiental. “Na última etapa do doutorado, prevê-se a construção de cinco pequenos sistemas de tratamento descentralizado, inclusive de vermifiltração, em cinco propriedades diferentes. A ideia é que a comunidade participe tanto da escolha da melhor alternativa como do processo de implantação e execução desses sistemas. É uma nova visão que o professor Tonetti vem implantando no grupo, integrando defesa da natureza, educação ambiental, tratamento adequado de esgoto e reuso da água.”
Publicação Dissertação: “Aplicação da vermifiltração no tratamento de esgoto sanitário” Autor: Francisco José Peña y Lillo Madrid Orientador: Adriano Luiz Tonetti Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
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Painel da semana
Painel da semana Malba Tahan - O Centro de Estudos, Memória e Pesquisa em Educação Matemática (Cempem) da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp organiza, de 2 a 6 de maio, no saguão da Biblioteca “Joel Martins” da FE, uma exposição sobre “Malba Tahan”. A mostra reúne parte do acervo pessoal do escritor Julio Cesar de Mello e Souza. A curadoria é de Sergio Lorenzato, docente da FE. Mais detalhes pelo e-mail eventofe@unicamp.br SeEMTeC - O Colégio Técnico da Unicamp, o Cotuca, promove a Semana de Ensino Médio e Técnico (SeEMTeC), dias 2 e 3 de maio, no Centro de Convenções da Unicamp. A abertura do evento ocorre às 8h30. O objetivo é promover a discussão e o estudo dos mais variados temas dentro das áreas de Ensino Técnico e Profissionalizante e Gestão de Carreira. O evento, que terá palestras, minicursos e mesas-redondas, se propõe a abranger conhecimentos técnicos, científicos, educacionais e de mercado, envolvendo alunos, professores e profissionais de Escolas/Colégios Técnicos, Universidades, Centros de Pesquisa e empresas. Mais detalhes pelo link http://seemtec.cotuca.unicamp.br/, e-mail vanessa@cotuca.unicamp.br ou telefone 19-3521-9906. Blogueiros de divulgação científica - O Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem (EA)², órgão ligado à Pró-Reitoria de Graduação (PRG), promove nos próximos dias 3 e 4 de maio, das 9h às 17h, a segunda edição do curso voltado a docentes, pesquisadores e doutorandos da Unicamp interessados em participar da Rede de Blogs de Divulgação Científica da Universidade. A iniciativa é promovida em cooperação com o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor). Leia mais: http://www.unicamp. br/unicamp/noticias/2016/04/07/ea2-oferece-segunda-edicao-decurso-para-blogueiros-de-ciencia Prêmio para mulheres na ciência - Cientistas mulheres de todo o Brasil já podem se inscrever para a 11ª edição do Prêmio L’Oréal-UNESCO-ABC para mulheres na ciência. O programa visa promover, valorizar e reconhecer a participação das mulheres no mercado científico e é realizado pela L’Oréal Brasil, em parceria com a UNESCO no Brasil e com a Academia Brasileira de Ciências (ABC). As pesquisadoras podem submeter seus projetos para avaliação até o dia 6 de maio no site: http://www.paramulheresnaciencia.com.br.
Teses da semana
Eventos futuros Gerontologia e geriatria - O IX Seminário de Pesquisa em Gerontologia e Geriatria acontece de 10 a 12 de maio, no Centro de Convenções da Unicamp. O objetivo do evento é discutir entre os profissionais e estudantes os desafios que acompanham a longevidade da população. O Seminário com o tema “A revolução da longevidade: possibilidades e desafios” é organizado pela professora Anita Liberalesso Neri. Seu público-alvo são estudantes de graduação, de pós-graduação e profissionais de Gerontologia, Geriatria e áreas afins. Mais detalhes no site do evento http://www.fcm.unicamp. br/spgg, telefone 19-3521-9552, ou e-mail: fabissm@fcm.unicamp.br. Atualização em doenças neurológicas - Em comemoração ao seu jubileu de ouro, o Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp promove nos dias 12 e 13 de maio, o Simpósio de Atualização em Doenças Neurológicas. O evento, cuja abertura ocorre às 12h30, no Auditório 5 da FCM, abordará os seguintes temas: atualização de técnicas cirúrgicas, AVC e fibrilação atrial: profilaxia secundária (uso de novos anticoagulantes), cefaléia, demências, dieta cetogência, doença de Parkinson, epilepsia, esclerose múltipla, estado atual no tratamento das neuropatias periféricas, neuroimagem, sono, TDAH, terapia atual das miopatias, tremores e tumores cerebrais. Mais detalhes pelo e-mail solange@fcm.unicamp.br Colóquios Unicamp Ano 50 - Em comemoração aos 50 anos da Universidade, entre os dias 12 de março e 1 de outubro, o Centro de Convenções da Unicamp recebe a série Colóquios Unicamp Ano 50 - de professor para professor. A série traz palestras, a serem realizadas aos sábados e proferidas por docentes da Unicamp, que discutirão temas da atualidade com professores do Ensino Fundamental e Médio. O próximo encontro será no dia 14 de maio, das 8h30 às 13 horas. Na ocasião, a professora Sônia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), abordará o tema Política Agrária e agricultura familiar brasileira. A entrada é franca. Inscrições podem ser feitas pelo site http://www.50anos.unicamp.br/congressista ou no dia do evento. O Centro de Convenções fica à rua Elis Regina, 131 - Cidade Universitária “Zeferino Vaz” - Campinas-SP - 13083-854. Mais informações: www.50anos.unicamp.br/eventos
Eventos futuros
Caminhada da Faculdade de Enfermagem - No dia 15 de maio, às 8h30, na Lagoa do Taquaral, em Campinas-SP, acontece a 1ª Caminhada da Faculdade de Enfermagem (Fenf) da Unicamp. O evento esportivo comemora os 50 Anos da Unicamp; os 90 Anos da ABEn; os 4 anos da FEnf e os 39 anos do curso de graduação da FEnf. Haverá distribuição de camisetas aos primeiros 500 inscritos. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas pelo e-mail caminhadaenfermagem@gmail.com. Mais detalhes no link: http://goo.gl/forms/YVmOXWrwdB Workshop on Advances of Probiotics for Food and Veterinary Applications - Abertura do evento será realizada no dia 16 de maio, às 8 horas, no auditório 5 da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). A organização é dos professores Adriane Antunes e Anderson Sant’Ana. De âmbito internacional, o encontro destina-se aos alunos de graduação, de pós-graduação e membros da indústria. O encontro, que prossegue até o dia 18, objetiva difundir conhecimentos, atualização sobre o estado da arte do tema probióticos realizando intercâmbio entre as áreas humana e animal. Mais detalhes no site https://www.facebook.com/events/511860995605863/ ou e-mail adriane.antunes@fca.unicamp.br Semana Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho - Evento que integra a programação dos 50 anos da Unicamp acontece de 16 a 19 de maio, com palestras no Centro de Convenções da Unicamp, no Auditório da Diretoria Geral da Administração (DGA) e nos Campi de Piracicaba e de Limeira. Para esta edição o tema abordado será “Avançando na segurança, saúde e educação”. A abertura oficial do evento ocorre às 9 horas, no Centro de Convenções. A Sipat é organizada pelas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes no Trabalho da Unicamp, da Funcamp, de Limeira e de Piracicaba. Para mais detalhes acesse: http://www. unicamp.br/unicamp/eventos/2016/03/31/sipat-semana-interna-deprevencao-de-acidentes-no-trabalho
Teses da semana
Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: “Metamodelo para integração de multidesempenhos em projeto de
Destaque do Portal
arquitetura” (doutorado). Candidata: Mariana Monteiro Xavier de Lima. Orientadora: professora Regina Coeli Ruschel. Dia 6 de maio de 2016, às 9 horas, na sala de defesa de teses 3 do prédio de sala de aulas da FEC. Engenharia Elétrica e de Computação: “Estudo e implementação de estratégias de detecção de ilhamento em inversores para sistemas fotovoltaicos de geração distribuída” (mestrado). Candidato: Marcos Vinícios Gomes dos Reis. Orientador: professor Marcelo Gradella Villalva. Dia 5 de maio de 2016, às 9 horas, na CPG da FEEC. “Sistema de vigilância inteligente para estacionamento de veículos” (mestrado). Candidato: Lino Lopes de Barros Filho. Orientador: professor Clésio Luis Tozzi. Dia 6 de maio de 2016, às 14 horas, na CPG da FEEC. Física: “Investigação do uso de métricas aplicadas a dados de fMRI para a análise da dinâmica cerebral” (doutorado). Candidato: Luis Carlos Tapia Herrera. Orientador: professor Gabriela Castellano. Dia 6 de maio de 2015, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW. Geociências: “Complexidade de sistemas deposicionais eólicos com influência de ambientes enxarcados – grupo Areado (MG)” (mestrado). Candidato: Luiz Ricardo Meneghelli Fernandes. Orientador: professor Giorgio Basilici. Dia 6 de maio de 2016, às 10 horas, na sala A do DGRN do IG. Linguagem: “Entre a tradição e a tradução: representações sobre identidades e línguas na fronteira Brasil/Paraguai” (doutorado). Candidato: Eli Gomes Castanho. Orientadora: professora Terezinha de Jesus Machado Maher. Dia 5 de maio de 2016, às 9 horas, na sala de Vídeo Conferência do Centro Cultural do IEL. Matemática, Estatística e Computação Científica: “Modelo de programação linear inteira com parâmetros estocástico para o problema da coleta de óleo” (doutorado). Candidata: Luciana Carrar Abreu. Orientador: professor Aurelio Ribeiro Leite de Oliveira. Dia 2 de maio de 2016, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. “Modelos epidemiológicos alternativos da tuberculose em Codó, Maranhão” (mestrado profissional). Candidato: Raimundo dos Santos Marcolino. Orientadora: professora Graciele Paraguaia Silveira. Dia 6 de maio de 2016, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.
Destaque do Portal reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, defendeu no último dia 25 a criação do que denominou de Espaço Latino-Americano de Conhecimento, como estratégia para intensificar o intercâmbio acadêmico e científico entre as universidades do continente. A posição foi apresentada durante a abertura da sexta reunião anual da Rede de Pró-Reitores de Pesquisa do Centro Interuniversitario de Desarrollo Andino (Cinda), do qual Tadeu Jorge é o atual presidente. O encontro, que conta com a participação de representantes de 29 instituições, prossegue até esta terça-feira na Casa do Professor Visitante (CPV), localizada no campus de Campinas. De acordo com o reitor da Unicamp, as universidades latino-americanas precisam pensar numa iniciativa na linha do Processo de Bolonha, que estabeleceu etapas para a construção de uma política educacional supranacional comum aos países da União Europeia. “Temos que facilitar o reconhecimento dos créditos cumpridos pelos nossos estudantes, desburocratizando assim os intercâmbios”, propôs. Tadeu Jorge também considerou que os membros do Cinda necessitam definir mecanismos para que a entidade construa uma rede de resultados. “Temos que avançar na criação de cursos de pós-graduação conjuntos com o objetivo de gerar conhecimento novo que possa ser aplicado em benefício dos cidadãos dos nossos países”, afirmou. Na mesma linha, a pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, Gláucia Pastore, destacou a importância de as universidades buscarem respostas aos problemas mais urgentes da sociedade. Como exemplo desse esforço, Gláucia Pastore citou a formação da Rede Zika Unicamp, que tem desenvolvido estudos em diversas frentes com as finalidades de prevenir e controlar as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. A pró-reitora fez uma apresentação da Universidade aos participantes da reunião, na qual destacou os principais indicadores de produtividade da instituição. Em sua fala, Luis Eduardo González, diretor de Gestão Universitária do Cinda, assinalou os trabalhos desenvolvidos ao longo dos últimos cinco anos pela Rede de Pró-Reitores de Pesquisa. Nesse período, disse, houve a estruturação dessa instância e o fomento à cooperação entre os seus membros. “Nesse espaço de tempo também conseguimos executar 12 de 20 propostas originais, o que pode ser considerado um resultado muito significativo. Para o futuro, precisamos desenvolver produtos mais tangíveis
Cinda estreita diálogo e aproxima objetivos Fotos: Antoninho Perri
O reitor José Tadeu Jorge: “Temos que facilitar o reconhecimento dos créditos cumpridos pelos nossos estudantes”
Luis Eduardo González, diretor de Gestão Universitária do Cinda: “Precisamos desenvolver produtos mais tangíveis no curto prazo”
A pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, Gláucia Pastore: universidades precisam buscar respostas aos problemas mais urgentes da sociedade
Gonzalo Herrera, coordenador da Rede: entre os desafios, aumentar o número de membros e promover ações de interesse comum
no curto prazo, melhorar a difusão e a comunicação na rede e buscar linhas de financiamento para nossos projetos”, elencou. Gonzalo Herrera, coordenador da Rede, centrou suas considerações nos desafios a serem superados. Segundo ele, é necessário
trabalhar para aumentar o número de membros, privilegiar ações de interesse comum e apoiar o desenvolvimento de instituições que não pertençam à rede. Este último tópico foi reforçado pelo reitor Tadeu Jorge, que afirmou que a Unicamp tem interesse em
manter relações tanto com as mais destacadas universidades do mundo quanto com as instituições que ainda estão buscando espaço no cenário internacional. (Manuel Alves Filho)
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Programa computacional avalia isolamento acústico de edificações Fotos: Antoninho Perri
Arquiteta desenvolve ferramenta que segue parâmetros da norma brasileira
Vanessa Fátima de Medeiros Takahashi, autora da tese: “A ferramenta indica possíveis soluções de materiais que poderiam ser usados de modo a atender a norma de desempenho da ABNT”
SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
ma ferramenta computacional desenvolvida recentemente pela arquiteta Vanessa Fátima de Medeiros Takahashi, pesquisadora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, permite avaliar o desempenho acústico de edificações habitacionais. O desempenho acústico pode ser definido, de acordo com a pesquisadora da Unicamp, como o comportamento de uma edificação para atender aos usuários, ao longo do tempo, em relação ao isolamento dos ruídos. O programa analisa, por exemplo, se as paredes (internas e externas), o piso e o telhado de uma casa ou prédio, possuem um isolamento acústico adequado dos ruídos, conforme critérios e parâmetros exigidos por norma técnica elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A normativa, também conhecida como Norma de Desempenho (NBR 15575), vigora no país desde julho de 2013. “Programas de simulação acústica são ferramentas muitos importantes para avaliar o que nós chamamos de desempenho acústico de uma edificação. Porém, os programas disponíveis no campo da acústica foram desenvolvidos, em sua maioria, em países da Europa e nos Estados Unidos. Eles são, portanto, inadequados à realidade da construção civil brasileira, principalmente, porque aqui no Brasil os materiais utilizados são diferentes”, considera a estudiosa da Unicamp. O “Hipnos Acústica”, como foi intitulado o programa, integrou tese de doutorado de Vanessa Takahashi, defendida em fevereiro deste ano junto ao Programa de Pós-Graduação em Construção Civil da FEC. A pesquisa foi orientada pela professora Stelamaris Rolla Bertoli, que atua no Departamento de Arquitetura e Construção da Unidade.
A orientadora da pesquisa, professora Stelamaris Rolla Bertoli: “Ao sistematizar os conhecimentos existentes, como cálculos, critérios e requisitos, o programa traz ganhos relevantes”
PREVISÃO E VERIFICAÇÃO
Conforme Vanessa Takahashi, a ferramenta formulada auxilia o profissional da área em duas frentes: prevendo o isolamento acústico adequado de um edifício habitacional, com base em dados de um determinado projeto; e verificando se determinada edificação já construída está dentro dos parâmetros adequados de isolamento acústico estabelecidos pela normatização brasileira. “A ferramenta indica possíveis soluções de materiais que poderiam ser usados de modo a atender a norma de desempenho da ABNT. O programa também verifica o desempenho de uma edificação construída e compara com o desempenho proposto pela norma. O sistema não diz qual é o material, mas aponta possibilidades diante da realidade brasileira, até mesmo para os sistemas construtivos mais novos. Nós fizemos isso justamente para não fechar o processo de criação de um projeto arquitetônico”, ressalva. Ainda de acordo com a arquiteta, o sistema avalia ou verifica, separadamente, cada um dos quatro sistemas construtivos previstos na norma: paredes internas (vedação interna), parede externas (vedação externa), piso e telhado (cobertura). Outro ponto importante destacado pela pesquisadora é a possibilidade de o usuário criar um banco de dados com materiais mais específicos para a realidade brasileira, inclusive materiais sustentáveis e inovadores. Vanessa Takahashi informa que testes preliminares indicaram o bom funcionamento da ferramenta, que ainda não está disponível aos usuários. Isso deve acontecer nos próximos meses, após ajustes finais, revela a autora da pesquisa. O programa foi desenvolvido para usuários que utilizam a plataforma Windows e MAC.
INTERFACE A interface gráfica do “Hipnos Acústica” está dividida nas situações “Simulação do desempenho acústico da edificação” e “Verificação do desempenho acústico da edificação”. Para cada uma das situações foram desenvolvidas telas para os quatro tipos de sistemas: Sistema de Vedação Vertical Externa (SVVE), Sistema de Vedação Vertical Interna (SVVI), Sistema de Piso (SP) e Sistema de Cobertura (SC). As telas do programa para cada sistema foram desenvolvidas e divididas em telas principais, telas auxiliares, telas de informação e telas de tutorial. Cada um dos sistemas possui seis telas principais: uma tela de apresentação do sistema, quatro telas de inserção de dados e cálculos e uma última tela com o relatório parcial com os resultados obtidos. Essas telas podem ser vistas como etapas que o usuário deve passar para que ele consiga um resultado final. “Procuramos elaborar uma interface gráfica didática e intuitiva, tanto para usuários especialistas, como não especialistas na área de desempenho acústica de edificações. O programa foi desenvolvido no software Filemaker, plataforma de desenvolvimento de sistemas de banco de dados”, acrescenta Vanessa Takahashi. Neste ponto, a orientadora do trabalho, professora Stelamaris Rolla Bertoli, destaca a contribuição do docente Daniel de Carvalho Moreira, do mesmo departamento da FEC, sobretudo no aspecto envolvendo a organiza-
ção das informações por banco de dados. Os dois professores integram grupo de pesquisa sobre o tema.
RELEVÂNCIA E CONTEXTO
Com experiência na área da pesquisa em acústica, a professora Stelamaris Bertoli explica que, entre os profissionais especializados neste campo, os cálculos são, muitas vezes, triviais. Estas operações se tornam, no entanto, trabalhosas para profissionais que não são deste ramo específico. “Neste aspecto, ao sistematizar os conhecimentos existentes, como cálculos, critérios e requisitos, o programa trará ganhos relevantes. É como se nós disséssemos ao arquiteto ou projetista: use sua criatividade e deixe que ‘nós garantimos os cálculos’”, brinca a docente da FEC. “Além disso, a ferramenta é bastante didática e permite uma boa compreensão da norma no aspecto do isolamento. Ou seja, é possível aprender utilizando o programa”, complementa. A orientadora situa que a aprovação da norma surgiu a partir de uma demanda da Caixa Economia Federal, que não dispunha de critérios para um projeto ou construção sob o ponto de vista acústico. A Caixa é gestora e o principal banco financiador na área habitacional do país.
DEMANDA CONTEMPORÂNEA
Vanessa Takahashi acrescenta que o tema envolvendo o desempenho acústico de edificações tornou-se uma demanda contemporâ-
nea devido ao aumento da poluição sonora e do consequente incômodo gerado nas habitações. “O ruído gerado pelo tráfego de veículos, pelas atividades na área de lazer, música, eletrodomésticos, dentre outros, são causas de desentendimentos e de estresse entre moradores. Daí a necessidade do adequado isolamento acústico”, considera. O estudo de Vanessa Takahashi contou ainda com bolsa de pesquisa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Atualmente, a pesquisadora, com iniciação científica, mestrado e doutorado pela FEC, leciona no curso de Arquitetura da Universidade Paulista (Unip), campi de Jundiaí (SP) e Limeira (SP).
Publicação Tese: “Desempenho acústico de edificações: ferramenta computacional para avaliação” Autora: Vanessa Fátima de Medeiros Takahashi Orientadora: Stelamaris Rolla Bertoli Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) Financiamento: Capes
12 Campinas, 2 a 8 de maio de 2016 Fotos: Antonio Scarpinetti
Nos ritmos da música cristã Apresentação de Folia de Reis na cidade paulista de Olímpia: cultura popular também é contemplada na obra
ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
s ensinamentos de Jesus Cristo se espalharam a tal ponto, principalmente no Ocidente, que atualmente são mais de dois bilhões de cristãos no mundo. E eles assumiram diferentes características em cada lugar em que chegaram, tanto que já se especula hoje se existiria mais de um cristianismo? Segundo Suzel Ana Reily, professora titular do Instituto de Artes (IA), à luz de sua disciplina – a etnomusicologia – não é possível afirmar que o cristianismo contemporâneo é único. “Há vários cristianismos e, se continuarmos pensando em um só, perderemos muito da sua riqueza.” Essa linha de pensamento está presente numa coletânea recém-lançada mundialmente sob o título The Oxford Handbook of Music and World Christianities. Com Jonathan M. Dueck, professor da George Washington University (DC), Suzel dividiu a tarefa de organizar a obra, que demorou cinco anos para ficar pronta. São 31 artigos escritos por 31 autores, entre eles etnomusicólogos, musicólogos e antropólogos de várias partes do planeta, inclusive brasileiros. Trata-se de uma coletânea publicada pela Oxford University Press que desvenda os cristianismos no mundo e a sua relação com a música. The Oxford Handbook of Music and World Christianities faz parte dos Oxford Handbooks, uma série que busca identificar temas candentes passíveis de debate contemporâneo nas diversas disciplinas. O volume tem como público alvo pessoas da área de música e de etnomusicologia trabalhando especificamente com música cristã, antropólogos, pessoas da área de teologia que atuam com música e pessoas interessadas no processo de globalização, em colonialismo e pós-colonialismos. “Não é um livro de teologia e sim de antropologia. A intenção é compreender o papel da música na religião e, neste caso, uma religião com parâmetros globais”, esclareceu.
A docente do IA disse que poucas religiões do mundo não têm envolvimento com a música e que esse tópico seria uma interessante pergunta de pesquisa etnomusicológica, isso porque religião e música são universos atrelados. “Neste livro, olhamos o cristianismo em particular e o papel da música nos cristianismos.” Ela explicou de modo simples que a etnomusicologia é basicamente a antropologia da música. “A musicologia histórica é uma disciplina mais voltada à música erudita ocidental e a etnomusicologia se presta a descobrir as músicas do mundo todo, perguntando por que o ser humano é musical e qual o papel da música na sociedade?” Pelo fato de a etnomusicologia ter um legado antropológico, considerou Suzel, 90% dos artigos são etnográficos, o que equivale a dizer que eles são baseados em pesquisa de campo. Pesquisadores foram às comunidades e observaram como a música estava sendo usada nas diversas modalidades do cristianismo que investigaram. Ocorre que alguns trabalhos da etnografia histórica não são propriamente análises da música cantada ou tocada nas igrejas, ressalvou a professora. Eles esclarecem por que essa música existe desse modo em uma determinada localidade. “O cristianismo nos permitiu ver isso muito bem, levando a uma mudança no tipo de indagação que se faz hoje. Se no passado as pessoas iam procurar um grupo totalmente isolado para estudar como uma religião e sua música se desenvolviam ali, no momento os muitos questionamentos são de contextos de encontros”, sustentou a professora.
CRISTIANISMOS Para organizar esse trabalho, a coletânea foi dividida em cinco partes. A primeira aborda os encontros missionários e sua resposta local. A etnomusicóloga norte-americana Julia Byl, que fez sua pesquisa de campo na Sumatra, fala do legado de um missionário de origem luterana que foi para essa ilha distante, no meio do Pacífico.
Segundo ela, esse missionário levou para ali todo o seu repertório e, mesmo após sua morte, a igreja local conseguiu se desenvolver por conta própria com uma teologia bastante peculiar, que junta as ideias do missionário às ideias indígenas, gerando um cristianismo nativo. “Muitos missionários hoje levam suas músicas como formas de expressão, de pensar novos gêneros musicais e como expressão de novas sonoridades.” A música, aliás, sempre foi uma das ferramentas mais usadas nas missões, comentou a docente. Muito por causa dela, esse legado vem permanecendo. A partir do século 17, o cristianismo expandiu-se com a colonização europeia e, em razão da sua orientação missiológica, foi mandando missionários para o mundo inteiro. Então essa diversidade no cristianismo derivou boa parte desses encontros variados e contextuais. “Podemos até perceber esses encontros variados quando se ‘olha’ a música. E a difusão foi, por vezes, tão eficaz que se sobrepôs às tradições, provocando ‘batalhas’ musicais.” A segunda parte do livro – “Utopias e modernidades alternativas” – mostrou outro tipo de situação cristã. Diversos grupos protestantes, em especial as pequenas comunidades cristãs, como a dos amishs e a dos menonitas, fecharam-se literalmente em si para se protegerem do “mundo”. Que tipo de músicas surgiram dali e como elas estabeleceram uma identidade com tais seguidores? Na coletânea, uma estudiosa irlandesa realizou sua pesquisa no sul dos Estados Unidos com igrejas batistas negras. Notou que nessas igrejas os repertórios eram bastante avivados, que os rituais eram norteados pela música e que, em última instância, eram nitidamente uma oposição aos blues. Para os batistas, os blues eram tidos como a “música do mal”, pois dessacralizavam a música gospel, da qual derivou. Mas, como eles eram tocados em ambientes profanos, essas igrejas criaram uma barreira tal que a música tradicional definia aonde era o espaço divino e aonde ficava o resto.
A terceira parte da obra discutiu os “Conflitos musicais”, muito vivos em algumas igrejas. Nas protestantes, os membros tradicionais ainda entram em embate com os jovens porque eles não aceitam mais cantar os hinos congregacionais. Querem cânticos animados, com palmas e com instrumentos pouco usuais. Para os tradicionais, a nova música não enleva o coração e não permite entrar em contato com o divino. Na igreja católica, a situação é semelhante. O movimento da renovação carismática, de forte influência neopentecostal, é uma oposição à igreja dominante. Sua música é mais engajada socialmente e tem uma dimensão na qual predomina o político. A despeito disso, comentou Suzel, a igreja católica tradicional também tem um legado musical do catolicismo popular, que ainda soa utópico: a folia de reis. Essa manifestação é só cantada, como no congado. Tem ainda a dança de São Gonçalo que, além de cantada, é dançada. “Isso está ligado à devoção, não meramente o que as pessoas chamam de folclore. É tão catolicismo quanto qualquer outro.” A quarta parte do livro é relativa à mídia e à produção de discos. Entram aí os discos gospel e a profissionalização, agora com uma dimensão mais comercial. E muitas igrejas estão envolvidas nesse marketing, mobilizando um público ainda maior com terminologias mais universalistas. O heavy metal também adentrou esse universo, e uma de suas vertentes adotou a simbologia cristã, porém ao inverso. Suzel compartilhou que muitos hinos protestantes saíram de melodias populares de época e que é muito difícil saber com certeza se eles de fato vão se perenizar. Muitos se perenizaram e se tornaram hinos de países como os EUA, Inglaterra e Alemanha. O último capítulo – “Identidades cosmopolitas” – reúne artigos baseados em contextos de localidades onde o cristianismo é dominante. Então as pessoas podem nem se considerar cristãs, mas a sua orientação (seu ethos) é cristã. Articulam essas noções no seu dia a dia e nem percebem: como a noção do bom e do ruim. Um artigo do etnomusicólogo inglês Keith Howard investigou a tradição de uma ópera coreana. Comumente, essas óperas se fundamentam no confucionismo, no budismo, em uma teologia e em um dia a dia contrário às noções cristãs. Mas atualmente alguns cantores coreanos se converteram à fé cristã e já tentam criar uma outra ópera, mais apropriada para os palcos, mas condizentes com a sua fé. Keith Howard também relatou nesse artigo as contradições que esses cristãos têm que lidar no seu cotidiano, sendo orientados de um modo e o cristianismo sugerindo outro. Mesmo assim, acentuou Suzel, eles continuam mantendo-se leais às tradições e lutando para unir os pontos divergentes. De acordo com a professora, o cristianismo trouxe grandes contribuições à música do mundo todo e, com o colonialismo, gerou muita variação pelo mundo. “O resultado foi um processo historiográfico muito complexo que envolveu determinar o sagrado, transformá-lo em sonoridade, utilizar a música para entrar em contato com o sagrado e demarcar o sagrado para vivenciá-lo em comunidade”, elencou. Em termos musicais, existe uma raiz que faz variações enormes e que estranhamente vai criar novas conexões. “É um cristianismo que se criou aqui, outro que se criou lá e, de repente, uma música daqui vai aparecer lá. Esses fluxos são extremamente complexos, contínuos e demarcam trajetórias”, assinalou Suzel, que pesquisa principalmente o catolicismo popular desde a década de 1980.
SERVIÇO
A professora Suzel Ana Reily, organizadora da coletânea: “A intenção é compreender o papel da música na religião com parâmetros globais”
Livro: The Oxford Handbook of Music and World Christianities Organização: Suzel Ana Reily e Jonathan M. Dueck Editora: Oxford University Press (http://www.oxfordhandbooks.com/ view/10.1093/oxfordhb/ 9780199859993.001.0001/oxfordhb-9780199859993) Preço: US$ 150,00