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Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016 - ANO XXX - Nº 657 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antomnio Scarpinetti
Freio no êxodo rural 3
Tese de Marjorie Rodrigues desenvolvida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) revela os benefícios do programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PAS) implantado na zona rural do município de Extrema (MG), o primeiro do gênero no país. Batizado de Conservador das Águas, o projeto de compensação ambiental conseguiu estancar o êxodo de produtores, melhorou a qualidade da água e fez aumentar as ações de preservação de matas e mananciais. A pesquisa foi orientada pela professora Simone Aparecida Vieira.
Vista parcial da zona rural da cidade mineira de Extrema, onde foi implantado programa de compensação ambiental: benefícios
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Reuni promoveu avanços no ensino, aponta estudo O advento da recolonização discursiva sobre Cuba
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Mercado dita as regras e concebe cidades dispersas Tese questiona papel do BNDES em países vizinhos
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As diferenças na saúde de mulheres e homens Livro revela tentativas de inovação na cafeicultura Foto: Gal Oppido
Regina Machado recria Tom Zé Cantora e professora do IA lança trabalho no qual faz leitura original de canções do compositor baiano.
12 Tom Zé e Regina Machado
2 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016 Foto: Reprodução
Foto: Antonio Scarpinetti
O antropólogo Darcy Ribeiro (à esquerda) e o filósofo Fausto Castilho, cujas ações na área da educação foram objeto de análise na dissertação
Reuni transformou ensino superior, defende pedagoga Apesar dos avanços, programa não pode ser considerado inovador no âmbito da estruturação curricular SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), implementado em 2007 pelo Governo Federal, imprimiu com grande amplitude transformações na educação pública superior do país. Para a pedagoga Ana Paula Silveira, pesquisadora da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, além da expansão no número de matrículas, o Reuni colaborou para a reestruturação curricular e também favoreceu a interiorização da educação superior federal. Apesar disso, o programa, cujos investimentos foram reduzidos a partir de 2013, não pode ser considerado como uma inovação na estruturação curricular do ensino superior público. A pedagoga pondera que, diferentemente do que foi publicado no documento que contém as diretrizes gerais do Reuni, a estrutura curricular do programa não é pioneira, nem inédita. As considerações de Ana Paula Silveira fazem parte de dissertação de mestrado defendida por ela junto a FE. A autora do estudo promoveu uma extensa análise do Reuni, considerando-o como uma política de estruturação da educação superior. A pedagoga se baseou em fontes documentais, tendo como período de análise os anos de 2003 a 2013. Dados levantados pela autora do estudo apontam que o Reuni mais que dobrou o número matrículas em cursos presenciais de graduação em universidades federais, a partir da sua implementação em 2007. A expansão registrada até o momento foi de 55,84%. Ao mesmo tempo, Ana Paula Silveira relata uma expansão do ensino privado com fins lucrativos, impulsionado por políticas públicas como o Prouni (Programa Universidade para Todos) e FIES (Fundo de Financiamento Estudantil). Tal expansão representou um crescimento de 7,30% ao ano, no período de 10 anos. Ainda de acordo com a pesquisadora, o Reuni promoveu a cooperação e mobilidade acadêmica nacional e internacional, estabelecendo interfaces com as agendas internacionais para a educação em consonância com as propostas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e do Banco Mundial, por meio da pu-
Publicação Dissertação: “Reuni: senta que lá vem história...” Autora: Ana Paula Silveira Orientador: Débora Mazza Unidade: Faculdade de Educação (FE) da Unicamp
blicação Construir Sociedades de Conocimiento: Nuevos Desafíos para la Educación Terciaria. “Por outro lado, esta política de expansão e estruturação nacional da educação superior não pode ser considerada como inovadora. O programa foi um despertar de modelo de educação superior pública, preconizando a mobilidade acadêmica, empregabilidade e educação inclusiva. Mas devido à diminuição de investimentos também podemos dizer que a educação superior brasileira ainda permanece em constantes estruturações”, acrescenta. O estudo, conduzido junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FE, foi orientado pela professora Debora Mazza, que atua no departamento de ciências sociais na educação da Unidade. O trabalho insere-se no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Educação (GPPE) da FE, coordenado pela orientadora da pesquisa.
BACHARELADOS
INTERDISCIPLINARES
período escolar e universitário. O fato é que a estrutura pedagógica dita como inédita no Reuni já estava presente anteriormente”, confirma. Ainda de acordo com ela, os bacharelados interdisciplinares, antes de ser tornarem uma característica específica do Reuni, já estavam constituídos na Universidade Federal do ABC (UFABC), desde sua criação em 2005; na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a partir de 2010; na Universidade do Oeste do Pará (UFOPA), em 2009; na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em 2007; e na Universidade Federal do Jequitinhonha e Murici (UFVJM) em 2006. Conforme a pesquisa, os bacharelados interdisciplinares estão presentes, atualmente, em 19 universidades federais brasileiras. “Devemos reconhecer que, apesar de não se constituir numa inovação no caso do Reuni, este tipo de formação promove o fortalecimento da pedagogia do ‘aprender a aprender’ na educação superior. Isso permite que o aprendizado ocorra ao longo da vida do indivíduo. A ideia é a de que a universidade não forme simplesmente especialistas, mas aprendizes que respondam rapidamente às necessidades sociais e econômicas”, avalia. Embora a adesão ao Reuni tenha sido opcional para as universidades federais, no geral a maioria aderiu ao programa, afirma Ana Paula Silveira. “Já as chamadas universidades novas surgem com as propostas do Reuni. Estas universidades foram criadas majoritariamente em regiões afastadas dos grandes centros urbanos, com o objetivo de levar para o interior o conhecimento necessário para o desenvolvimento socioeconômico”, acrescenta. Além dos bacharelados interdisciplinares, a pesquisadora da Unicamp afirma que o Reuni promoveu a articulação entre graduação e pós-graduação, manteve a relação proporcional de um professor universitário para dezoito estudantes, estimulou a contratação de novos servidores públicos e professores universitários para atuarem nas universidades federais, e promoveu a chamada política de inclusão de pessoas com necessidades especiais e a reestruturação curricular. “Na pesquisa eu aponto que a reestruturação da educação superior deve acontecer concomitante à criação do Sistema Nacional de Educação e que o Reuni pode, no âmbito pedagógico e curricular, afirmar-se como um modelo desta reestruturação”, ressalta.
Ana Paula Silveira constatou no estudo que o Reuni promoveu os chamados bacharelados interdisciplinares como proposta de inovação curricular prevista no documento com as diretrizes gerais do programa. Os bacharelados interdisciplinares propõem a formação geral e flexível, se articulando em torno de três ciclos. O primeiro prevê uma formação universitária generalista, como pré-requisito para progressão aos ciclos seguintes; o segundo, uma formação profissional em licenciaturas ou carreiras específicas; e, por último, a formação acadêmica científica, artística e profissional da pósgraduação. Tais programas apresentam, de acordo com a pesquisadora, similitudes com as políticas educacionais do Espaço Europeu para o Ensino Superior e com os Colleges norteamericanos. Neste ponto, a pedagoga explica que a interdisciplinaridade, flexibilização curricular e formação generalista proposta pelos bacharelados interdisciplinares estiveram presentes, com objetivos específicos, ao longo da história da educação superior brasileira. Por isso, não se constituem como inovação, no caso do Reuni. Ana Paula Silveira exemplifica, citando os casos, na década de 1960 da Unicamp, com as propostas de Fausto Castilho pela educação geral e ciclo básico; e da Universidade de Brasília (UNB), com as ideias de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Houve também concepções similares na década de 1940 com a criação do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), e a concepção de uma escola moderna presente no Relatório Smith, escrito pelo educador norte-americano Richard H. Smith, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em parceria com o tenente-brigadeiro Casemiro Montenegro Filho. “O propósito acadêmico presente em cada uma dessas instituições foi diferenciado pelos objetivos. No ITA e na Unicamp a formação generalista compareceu como reparação do déficit escolar oriundo da formação do estudante durante o segundo grau. Já na UNB, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira tinham a concepção de uma formação geral enquanto oportunidade de universalizar os conhecimentos A pedagoga Ana Paula Silveira, autora da pesquisa: adquiridos pelos estudantes durante o Reuni promoveu cooperação e mobilidade acadêmica
Foto: Antonio Scarpinetti
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3 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016
Programa ambiental freia êxodo de produtores rurais Projeto pioneiro no país conscientiza proprietários, melhora a qualidade da água e ajuda na preservação de matas, constata tese Foto: Antonio Scarpinetti
ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é um tipo de programa que compensa financeiramente os produtores rurais pela área designada à conservação dos ecossistemas, em detrimento do uso particular. A ideia é que os beneficiados façam pagamentos diretos, contratuais e condicionais aos proprietários rurais para que pratiquem a conservação e a restauração de ecossistemas. Os casos mais conhecidos no mundo estão relacionados às áreas de mananciais, onde a conservação dos ecossistemas permite a provisão de água, o controle de enchentes, o escoamento e o armazenamento de água. Pesquisa de doutorado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), que teve como modelo o projeto Conservador das Águas – a primeira iniciativa de PSA implementada por um governo local no país, situada no município de Extrema, MG –, mostrou benefícios que não são unicamente compensações financeiras. “Ele tem potencial de mudar o comportamento dos produtores rurais, criando conscientização ambiental, melhoria da qualidade da água, preservação de matas nativas ou restauradas”, constatou a autora do estudo Marjorie Rodrigues. Contudo é fato, comentou ela, que o Conservador das Águas também tem gerado emprego e renda para aqueles que desejam ficar nas áreas rurais, evitando o êxodo. “Para alguns produtores que estão há anos na área rural de Extrema, a permanência dos filhos e netos no campo é fundamental para que as atividades da família continuem no futuro.” A pesquisadora identificou na investigação, com apoio financeiro da Fapesp, as motivações e os fatores que direcionam os tomadores de decisão para estimular, financiar e participar do projeto. Investigou como isso influenciou a dinâmica local do uso da terra e analisou se o PSA pode ajudar os produtores rurais a cumprirem a legislação ambiental e como esta ferramenta pode ser empregada na governança ambiental. O projeto Conservador das Águas foi escolhido pela autora por ter um marco legal – a Lei Municipal nº 2.100 de 2005 – que autoriza o poder executivo de Extrema a dar apoio financeiro aos proprietários rurais que fizerem suas adesões. Marjorie realizou entrevista entre 2014 e 2015 com 45 pessoas, divididas em dois grupos: um grupo de atores, que tinham envolvimento direto ou indireto com o Conservador das Águas, e outro grupo de produtores rurais (participantes ou não). Ela apurou no estudo, orientado pela docente do IFCH Simone Vieira, que a opinião de todos os stakeholders (público de interesse) convergiu para um ponto comum: é preciso dar algum incentivo para encorajar proprietários rurais a conservarem florestas ou plantarem árvores. Alguns entrevistados afirmaram que, por meio do PSA, é possível mudar o histórico de imposição de penalidades pela falta do cumprimento da lei e compensar aqueles proprietários de terras que conservam o meio ambiente. Vem um novo ciclo de incentivo à conservação baseado em recompensa, em vez de punição. Para os atores, o desmatamento é influenciado pela falta de reconhecimento das florestas e produtores rurais pela sociedade. Para os produtores, o pagamento incentiva a conservação ambiental de áreas como a APP e compensa o produtor rural pelo esforço e despesas demandados para proteger o meio ambiente. “Mas só o pagamento é insuficiente. É preciso envolver mais os produtores”, realçou Marjorie. Uma minoria dos produtores rurais enfatizou que o PSA não motiva a conservação ambiental, pois há proprietários rurais que conservam o meio ambiente sem receber nada em troca. A doutoranda então procu-
Vista aérea do núcleo urbano e da zona rural do município mineiro de Extrema
rou saber se projetos de PSA mudam o comportamento dos stakeholders, internalizando a necessidade de provisão dos serviços ambientais na tomada de decisão da gestão da paisagem e o uso dos recursos naturais.
MARCO
O Conservador das Águas, através do marco legal e das ações de conservação ambiental, conquistou visibilidade, sendo utilizado como modelo para a maioria das iniciativas de PSA do país. Este projeto negocia os contratos individualmente com os produtores rurais e em consonância com as características de cada fazenda. Também ajuda os produtores rurais a cumprirem o Código Florestal (Lei Federal nº 12.651, de 2012). Apesar de o Código Florestal ser uma lei federal que exige restauração e conservação das APP em áreas rurais e urbanas, na prática a realidade de algumas regiões é de descumprimento. Todavia, programas de PSA e iniciativas semelhantes têm sido usados para auxiliar o proprietário rural a melhorar o manejo da propriedade e cumprir a lei. Já projetos de reflorestamento são caros e requerem conhecimento técnico. Um próximo passo, relatou a autora, será cercar as áreas de preservação permanente, implantar a Reserva Legal (como limitação ao direito de propriedade, é um mecanismo de conservação ou de restabelecimento de área florestal nos percentuais mínimos estipulados pelo Código Florestal) e restaurar as áreas cercadas com plantios de árvores. Um dos principais objetivos é a restauração e a conservação das nascentes, áreas úmidas e cursos d’água da área rural para prover o serviço ambiental de água em quantidade e qualidade.
PRÁTICA
Marjorie é bióloga e já trabalhava na área ambiental e, quanto mais tinha contato com pessoas que precisavam de regularização ambiental, mais se interessava pelas motivações que elas tinham para conservar ou não o meio ambiente. Buscou entender o que ia além da recompensa monetária e se outras razões influenciariam o proprietário rural a continuar as ações de conservação quando não tivesse mais o pagamento pelo serviço ambiental. Se a motivação é monetária, pontuou a autora, os efeitos vão além da perda de enormes quantidades de investimentos financeiros. “Começaremos a ter produtores de serviços ecossistêmicos? Há o risco de áreas particulares com ecossistemas conservados serem desmatadas para participar de um programa de PSA e receber uma renda a mais?” A motivação inicial para conservar os ecossistemas, verificou, foi receber um pagamento. Mas, com o tempo, os produtores rurais que participavam há mais tempo do programa notaram que o projeto trazia benefícios como conservar o meio ambiente para as próximas gerações, as áreas ribeirinhas para controlar a erosão do solo e melhorar a qualidade da água, e gerar água para outras pessoas. O projeto ajudou os produtores rurais com o ônus de recuperar as APP, porém, como alguns não conheciam a legislação ambiental, ficaram confusos se a lei existia e o direito de propriedade das áreas cercadas e restauradas. O projeto também melhorou os meios de subsistência, criou oportunidades para aqueles que querem ficar na área rural e aumentou a consciência sobre a legislação e questões ambientais. Foto: Divulgação
MUDANÇA
O sucesso do programa, informou Marjorie, foi atribuído ao gestor, devido à confiança que produtores rurais e parceiros têm em sua figura, porque desde 1995 está à frente da Secretaria de Meio Ambiente e porque confiam em sua capacidade de articulação. Ao mesmo tempo, a centralização do poder na figura do gestor também foi citada como ponto frágil: “se o gestor sair, pode-se descobrir que o projeto não tem bases suficientes para continuar sem ele”. A maioria dos produtores está na área há mais de 20 anos (continuou as atividades da família), usa o pagamento na propriedade, por considerar um retorno da atividade agrícola ou para arrendar outras áreas, por considerar o pagamento uma compensação pelas áreas que não podem ser usadas. A doutoranda salientou que produtores rurais entenderam de formas diferentes o recebimento do pagamento e o cercamento das áreas para restauração. As explicações de receber um pagamento e ter áreas cercadas e restauradas foram de conservar as águas e as APP, não usar áreas cercadas, incentivo para conservar áreas restritas e para preservar a natureza, benefício para o povo da roça, aluguel das áreas cercadas para a prefeitura, justificativa para receber dinheiro de fora do governo, concessão ou aluguel destas áreas para a prefeitura, comprar áreas dos produtores rurais e controlar a água. A qualidade e a quantidade da informação trocada entre o Conservador das Águas e os produtores demonstrou ser de grande valor à manutenção do programa e o engajamento de novos membros. Mas os espaços de comunicação então criados, como as associações de bairro, não são mais empregados para conversar com os produtores, e eles ainda têm dúvidas sobre conceitos e ações do programa. A não compreensão do Código Florestal e das APP gerou dúvidas sobre os direitos de propriedade das áreas cercadas. Alguns relataram que não se sentiam donos dessas áreas ou que tais áreas eram “alugadas” para a Prefeitura de Extrema, e eles não podiam mais entrar na beira do rio ou da nascente. Os produtores com um pouco de conhecimento sobre a obrigatoriedade imposta pelo Código Florestal eram de fora de Extrema. Para o grupo de atores, o restauro de ecossistemas sozinho é caro e precisa de conhecimento técnico, o valor da terra restaurada é maior do que a desmatada, e o produtor não pode pagar a conta só. Para o grupo de produtores rurais, as motivações para conservar os ecossistemas foram pagamento (ou incentivo), conscientização, lei, motivações pessoais, preservação da mata nativa e preservação para as próximas gerações. “Na pesquisa, ficou claro que os programas ambientais precisam conhecer o seu público alvo para engajá-lo de modo eficiente e duradouro. Também foi importante mostrar que é preciso empoderar e envolver mais os produtores rurais através de um canal de comunicação aberto, para haver mudança efetiva de comportamento”, observou Marjorie.
Publicação
A autora do estudo, Marjorie Rodrigues: “Para alguns produtores que estão há anos na área rural de Extrema, a permanência dos filhos e netos no campo é fundamental”
Tese: “Tomada de decisão e motivação para conservação de ecossistemas: estudo de caso do ‘conservador das águas´” Autora: Marjorie Delgado Alves Rodrigues Orientadora: Simone Aparecida Vieira Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
4 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016
Estudo analisa discursos sobre a realidade cubana Pesquisa tem como referência modelo econômico adotado pelo país em três diferentes momentos LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
Os Estados Unidos diziam o que era Cuba antes da Revolução, diziam o que era Cuba com o triunfo da Revolução e dizem o que está sendo Cuba agora, quando a ilha promove atualizações em seu modelo econômico. É uma recolonização discursiva”, afirma a jornalista Amanda Cotrim, autora de dissertação de mestrado em que analisou os discursos construídos sobre Cuba por jornais estrangeiros (inclusive um brasileiro) e também pelos próprios cidadãos cubanos. Intitulada “Os discursos sobre Cuba: imprensa, vozes e memória (da atualização do modelo econômico à retomada das relações diplomáticas com os EUA: 2011/2015)”, a dissertação foi orientada pela professora Maria Graça Caldas e apresentada junto ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor). Amanda Cotrim avaliou, na perspectiva da análise de discurso materialista, com referência em Michel Pêcheux e Eni Orlandi, como os jornais The New York Times (EUA), El País (Espanha), Granma (Cuba) e O Estado de S. Paulo (Brasil) constroem saberes sobre Cuba, além de entrevistar um grupo de moradores para observar os sentidos da Ilha para esses cubanos. A autora adotou como referência a atualização do modelo econômico do país, em três momentos específicos: a II Celac (Cúpula de Estados Latino-americanos e Caribenhos), em janeiro de 2014; o reatamento das relações diplomáticas com os Estados Unidos, em dezembro de 2014; e a primeira reunião diplomática entre Cuba e EUA, que aconteceu em Havana em janeiro de 2015. A jornalista esclarece que no trabalho considera-se a ideologia como um fato de linguagem, sendo no discurso, portanto, que se consegue identificá-la. Segundo ela, a mídia participa da produção discursiva e, desse modo, organiza certo imaginário. “Quando pensamos em Cuba, esse imaginário geralmente é polarizado: ou o país é idealizado ou é demonizado. A metodologia utilizada visa analisar a produção dos sentidos, levando em consideração as condições em que os discursos foram produzidos (quem fala, como fala), além de aspectos históricos, ideológicos e cotidianos. Quis saber por que o jornalista falou de um jeito e não de outro e quais os efeitos de sentidos que o seu texto produziu. Para dizer que Cuba é uma ‘ditadura’, o jornal não precisa usar esta palavra; ele diz que no país ‘não existe democracia’, ou que ali ‘falta liberdade política’, ou só ouve a oposição.” Procurando entender a construção deste imaginário, Amanda Cotrin pesquisou os arquivos dos jornais e recuperou aspectos importantes, como no período entre o começo da guerrilha cubana em 1957 até o triunfo da Revolução em 1959. “São dois anos em que os guerrilheiros descem de Sierra Maestra em colunas e vão tomando as principais cidades: vitórias bastante noticiadas no exterior, principalmente pelo The New York Times, que tratava Fidel Castro e seus guerrilheiros como heróis. Do ponto de vista discursivo, o líder cubano torna-se uma figura muito forte – ‘Tropas de Castro avançam’, ‘Fidel ganha Havana’. Porém, ao se dizer que a Revolução é obra de Fidel, outros aspectos desse acontecimento, como a conjuntura favorável e sobretudo o apoio da população cubana, foram silenciados. Não por acaso, ainda hoje há um discurso de que, se Fidel morrer, a Revolução (ou a ditadura) acaba”. A autora da dissertação aponta que há um corte incisivo no discurso do NYT (e, por influência, nos outros jornais estrangeiros) quando o governo revolucionário
começa a se esquerdizar, nacionalizando empresas privadas, promovendo a reforma agrária e, principalmente, deixando clara a não submissão aos EUA. “Cuba teve a sua independência da Espanha no final do século 19, mas permaneceu como colônia norte-americana enquanto lugar de lazer, prostituição e de grande desigualdade social. ‘Aqui vocês não mandam mais’, foi o recado da Revolução. São esses acontecimentos históricos que transformam os revolucionários em violões. Essa transformação discursiva se deu, principalmente, porque os jornais da grande imprensa se alinharam ao discurso institucional do governo americano de que Cuba era uma ameaça por ser comunista, como mostram os documentos de Estado. A imprensa, por já ter um pré-construído sobre o que era o comunismo, ‘comprou’ e propagou esse discurso: a relação de sentido entre Cuba e a União Soviética foi imediata”. No Brasil, segundo a pesquisadora, a ditadura civil militar é muito importante para a compreensão da memória sobre Cuba, visto que a linguagem é constituída pelo que é dito e pelo que não é dito. “O silêncio constitui linguagem e produz memória. Um advogado do jornal O Estado de S. Paulo diz em um documentário: ‘Se fosse música americana, a rádio tocava; se fosse latino-americana, podia ser que não; se fosse cubana, nem tocava’. Esse silêncio imposto pela ditadura à grande imprensa organizou uma memória: Cuba virou um ‘não lugar’, não no sentido de inexistente, mas de negação. Logo depois que termina a ditadura, há a desintegração da União Soviética e um discurso apostando que Cuba também deixaria de ser socialista, o que não aconteceu. Cuba passou por sua pior crise econômica, conhecida como Período Especial, mas por outro lado vivenciou uma conjuntura favorável de governos mais à esquerda na América Latina, com Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia, Cristina Kirchner na Argentina, Correa no Equador e o próprio Lula no Brasil.”
O DISCURSO DE AGORA Amanda Cotrim analisou o contexto do VI Congresso do Partido Comunista Cubano, ocorrido em abril de 2011 e que oficializou as chamadas “atualizações” no modelo econômico do país. “Houve participação intensa da população, que contribuiu com a formulação de projetos e decidiu por atualizações em todas as áreas: transporte, agricultura, educação, saúde, etc. ‘Atualização’ é uma palavra usada pelo governo, pela população e pelo jornal Granma, ao passo que os jornais internacionais falam em reforma ou mudanças; são sentidos diferentes. Os outros momentos analisados
Foto: Reprodução/Divulgação
Times pelo menos procura empresários, especialistas e, ainda que dentro da sua pauta ideológica, procura sair do lugar comum”. Os jornais analisados na dissertação, observa a autora, não investem no sentido político que tem o povo cubano. “A população aparece sempre meio alheia politicamente, descrente, quase desanimada, o que produz uma contradição: se a palavra revolução é carregada de sentidos políticos, como os cubanos podem ser tão alienados? Esse tipo de cobertura enfraquece a própria Revolução Cubana ao apresentar para o leitor uma massa de resignados. Então, o sentido de ditadura faz ainda mais sentido.”
O DISCURSO DO “NÓS”
Capas de quatro jornais analisados na pesquisa destacam o reatamento das relações entre Cuba e Estados Unidos: para pesquisadora, há hoje uma “recolonização discursiva”
são da segunda Celac, um bloco diplomático recente, e o de retomada das relações com os Estados Unidos.” No que diz respeito ao reatamento das relações diplomáticas, a pesquisadora ressalta que as demandas dos EUA sempre se sobrepõem às de Cuba na imprensa internacional. “Em se tratando de dois países que romperam relações há mais de 50 anos, a imprensa parece dizer que apenas os americanos têm contas a receber, com suas reivindicações aparecendo sempre em primeiro plano, como se Cuba estivesse sujeita à Casa Branca. Impressiona o poder dos Estados Unidos no imaginário dos jornais, que deixam evidente quem vai protagonizar este processo. Outro ponto importante é que os jornais internacionais não falam sobre o fim do bloqueio americano, o que torna a reivindicação de Cuba quase algo abstrato”. A pesquisadora acrescenta que as reportagens dos jornais brasileiro e espanhol, de modo geral, não apresentam controvérsias e são imprecisas, o que considera um grave problema jornalístico. “Essas ‘imprecisões’ acontecem porque os jornalistas estão trancados nas suas evidências. Eles não precisam ouvir o outro lado, porque esse outro lado não existe no seu imaginário. O jornalista não diz por que Cuba é uma ditadura, uma vez que isso para ele é algo claro – o problema está em achar que é uma evidência para o leitor. Os jornais brasileiros, principalmente, limitam-se a entrevistar pessoas nas ruas, sem buscar outras fontes importantes, o que implica apuração parcial e falta de conteúdo. O The New York Foto: Antoninho Perri
Amanda Cotrim mostra que o Granma (do Partido Comunista), por outro lado, produz os cubanos como pessoas altamente politizadas. “O jornal desafia os padrões jornalísticos porque não tem a preocupação de ser isento e imparcial e investe nos adjetivos. Para mim, foi surpreendente me deparar com textos escritos na primeira pessoa do plural, ‘nós’ – é uma forma de se apropriar da identidade das pessoas e assumir a posição de porta-voz dos leitores. Já no cenário do reatamento das relações diplomáticas, o jornal cubano se mostrou o mais ponderado, publicando as reivindicações e condições de ambos os países. Mas se o reatamento das relações foi a grande notícia para a imprensa mundial, o destaque de capa do Granma foi a volta de três cubanos que estavam presos há mais de 15 anos nos Estados Unidos, numa troca de prisioneiros entre os dois países.” De acordo com a jornalista, a história dos três cubanos está no livro Os últimos soldados da Guerra Fria, de Fernando Moraes. “Eles integravam uma organização denominada Vespa, que no final dos 1990 se infiltrou nos EUA, notadamente na CIA, para antecipar as ações de organizações anticastristas que detonavam bombas em pontos turísticos de Cuba, como hotéis e restaurantes. O propósito era minar o turismo, válvula de escape da economia cubana depois da desintegração da União Soviética. Os infiltrados pregavam o fim de Fidel e do regime cubano, conseguindo muitas informações importantes, até serem descobertos pelo FBI – de cinco presos, dois foram libertados na primeira década de 2000, restando os três. A prisão motivou intensa campanha em Cuba por sua libertação, tornando 17 de dezembro de 2014 um dia peculiarmente especial na ilha”. Os cubanos que entrevistou, diz a autora da dissertação, filiam-se a uma “formação discursiva patriota”, que mais do que defender a Revolução, defendem a soberania de Cuba, e não negam que a atualização do modelo econômico melhorará seu socialismo. “Eles brigam com a imagem que o estrangeiro faz de Cuba. Um deles ressalta que a Revolução não aconteceu em 1959, que ela está acontecendo. Ao dizer que ‘estão em revolução’, os cubanos deslocam o sentido do tempo, que deixa de ser cronológico e se torna político. Daí, também, o termo ‘atualização econômica’, que nos é estranho porque não estamos acostumados com a maneira como enxergam o reatamento das relações com os Estados Unidos.” Amanda Cotrim considera, finalmente, que persiste a submissão da imprensa à agenda da Casa Branca e que o reatamento das relações diplomáticas pode significar “uma recolonização discursiva dos sentidos sobre Cuba”. “Na ilha, há uma clareza política em relação aos EUA que é histórica e não vem da Revolução, vem de antes, da época em que Cuba era uma neocolônia americana. Quando os cubanos dizem ‘não vamos retroceder’, esse ‘nós’ é o próprio sentido de união que aparece na linguagem, podendo ser interpretado como a própria reafirmação da Revolução”.
Publicação
A jornalista Amanda Cotrim, autora da dissertação: “Ao dizer que ‘estão em revolução’, os cubanos deslocam o sentido do tempo, que deixa de ser cronológico e se torna político”
Dissertação: “Os discursos sobre Cuba: imprensa, vozes e memória (da atualização do modelo econômico à retomada das relações diplomáticas com os EUA: 2011/2015)” Autora: Amanda Cotrim Orientadora: Maria Graça Caldas Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
5 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016 Fotos: Antonio Scarpinetti
Mercado ergue cidades dispersas
Rodovia Anhanguera, que corta a Região Metropolitana de Campinas: estradas se transformam em corredores de deslocamento da população
Livro analisa as implicações da mobilidade populacional para o planejamento urbano PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
magina-se que o crescimento das cidades deva ter relação direta com o aumento da população, ou seja, se há mais pessoas, é preciso mais casas. Não é, porém, o que tem acontecido no Brasil. “O boom imobiliário não corresponde ao aumento da população. O ritmo de crescimento de unidades domiciliares é muito superior ao ritmo de crescimento populacional”, afirma o geógrafo Eduardo Marandola Jr., professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, um dos organizadores do livro “Dispersão Urbana e Mobilidade Populacional – Implicações para o Planejamento Urbano e Regional”, que pode ser baixado gratuitamente no site da Editora Blucher. A publicação traz os resultados de projetos conduzidos pelos Laboratórios de Geografia dos Riscos e Resiliência (Lagerr) e de Urbanização e Mudanças no Uso e Cobertura da Terra (l-UM) da FCA e de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Universidade Federal Fluminense (UFF). As investigações, que analisam a maneira nociva como as metrópoles vêm crescendo, com um planejamento que não articula os setores da administração pública e os aspectos sociais e ambientais, contaram com o apoio da Fapesp e do CNPq. O saldo é dramático para toda a população. Quando as moradias são erguidas nas margens das cidades, de maneira espalhada, ou dispersa, os moradores que deixam os centros urbanos, muitos deles vivendo sozinhos (uma vez que tem se verificado o aumento dessa tendência), vão precisar de investimentos que envolvem o consumo de recursos ambientais. Surgem, além dos grandes condomínios horizontais, lojas espetaculares nas beiras de rodovias, ampliação das redes de energia e telecomunicação. Para agravar o problema, muitas dessas áreas são de proteção ambiental. “Com as facilidades de comunicação e transporte, as pessoas passam a poder optar em trabalhar em uma cidade e morar em outra e, não raro, passam a utilizar serviços tipicamente urbanos no caminho”, salienta o professor. A falta de articulação dos setores, sobretudo o poder público e o mercado imobiliário, que deveriam dialogar antes de tomar decisões que levam à urbanização das cidades, é apontada por Eduardo Marandola Jr. como uma das principais causas do problema. “Todo o mercado imobiliário trabalha assim: fazendo produtos e ignorando o planejamento. Regular o mercado imobiliário
é imprescindível”. E não se trata apenas dos condomínios horizontais voltados à população mais abastada. Há um estudo detalhado na publicação sobre o programa “Minha Casa, Minha Vida” do governo federal, que aponta uma série de problemas. Enfim, trata-se de uma tendência, na qual a dispersão urbana é o perfil esperado dos empreendimentos. O organizador do livro observa, por exemplo, que o programa é pensado exclusivamente do ponto de vista habitacional, para sanar um déficit. “Não foram incorporados à política do programa aspectos específicos de cada cidade. Ademais, as áreas para crescimento na maioria dos municípios de porte médio têm comprometimento ambiental. Mas se você tem uma política pública de outro setor que está possibilitando a construção de casas, a tendência é ‘dar um jeito’ para que isso possa se viabilizar”. O programa é destinado à construção de novas residências e, portanto, precisa ocupar áreas novas para construir esses domicílios “mesmo que a cidade ainda tenha unidades domiciliares vazias”, complementa. Dificilmente o custo ambiental para estender a malha de infraestrutura da cidade até um empreendimento é levado em conta no momento de sua aprovação. “A falta de diálogo e integração dos vários setores da política pública acaba gerando a maior parte dos impactos. Sem contar que você está onerando o município”, afirma Marandola Jr.
FENÔMENO
O fenômeno da dispersão urbana está relacionado a uma nova faceta de suburbanização, segundo os estudos. Tradicionalmente, os subúrbios ou bairros operários começaram a surgir no modelo de cidade industrial que se desenvolve nos caminhos do trem e do bonde. Curiosamente, a atual suburbanização ainda está ligada à oferta de transporte. Somente com a facilidade de locomoção é que as pessoas podem optar pelo que os pesquisadores chamam de mobilidade pendular, ou seja, fazer o movimento diário de ir e vir, para quem trabalha ou estuda longe de casa.
Os “novos subúrbios” são diferentes, entretanto, pois abrigam a população mais escolarizada e com maior poder de compra. A dispersão urbana se traduz, conforme o professor, numa diminuição da escala social e aumento da escala espacial. “A gente está cada vez mais circulando em poucos lugares, em poucos círculos, mas atravessando espaços cada vez mais distantes e levando cada vez mais tempo”. Para muitas pessoas, as novas periferias oferecem as mesmas possibilidades que o centro. “Dependendo da sua rotina, morar longe do centro é bom. Esta é a grande diferença entre o modelo da cidade compacta e o modelo que as cidades adotaram, que é o da cidade dispersa. A compacta tem uma centralidade muito clara e o fluxo é bem definido. Já na cidade dispersa existe uma pluralidade de deslocamentos, gerando outra forma urbana, com trânsito a toda hora e em todo lugar”. Se até a industrialização o único referencial de comércio e de serviços estava no centro da cidade, hoje, com a descentralização, a tendência é o desenvolvimento dos eixos rodoviários em detrimento do centro.
CARACTERÍSTICAS DISTINTAS
O livro analisa três regiões às quais estão vinculados os grupos de pesquisa: todo o Estado do Rio de Janeiro, cidades do Estado de São Paulo e Natal, capital potiguar. Marandola Jr. explica que a dispersão urbana tem características próprias em cada uma delas, dependendo da história de como foi seu processo de urbanização. “No Rio de Janeiro, as segundas residências em regiões de lazer e veraneio passaram a ser ocupadas como primeira residência. Estes moradores estão buscando qualidade de vida e contato com a natureza”. Da mesma forma se dá a urbanização em Natal, com a diferença que os empreendimentos além de mais recentes, disputam espaço com áreas de proteção como as de falésias e lagos. No Nordeste, grande parte dos moradores da cidade dispersa é, segundo Marandola Jr., composta por uma população bastante escolarizada, proveniente do Sudeste e que migrou com dinheiro no bolso e vontade de “recomeçar” a vida mais próxima do mar. “Natal é um fenômeno interessante, pois faz parte de uma grande metropolização e urbanização que o Nordeste viveu nos últimos 20 anos. A cidade tem mais de um milhão de habitantes e uma região metropolitana
enorme. Como tem praia, a urbanização se espalha pela linha litorânea. São criados novos bairros incorporando novas cidades ao processo de urbanização. Imagine que em Natal, estamos falando de áreas de falésias, lagos, uma série de implicações ambientais”, reflete. Como no Rio de Janeiro, há grande importância também no fenômeno da segunda residência e dos domicílios de uso ocasional, que ajudam a constituir uma urbanização dispersa que vai produzindo a conturbação pela linha da costa. Já em São Paulo, a mobilidade populacional sempre foi marcante. “O ir e vir entre as cidades paulistas não é fenômeno dos anos 1990, mas faz parte de como a rede urbana paulista se constituiu, baseada na complementaridade entre as cidades. Do ponto de vista da mobilidade, o que nós temos hoje não é um fenômeno novo. O que é novo é essa mobilidade ter se convertido em dispersão urbana”. A metropolização faz parte do fenômeno. Em vez do ir e vir entre as cidades, o fato novo é, de acordo com o professor, que você não precisa mais fazer a escolha de qual cidade você deve morar. “Com as facilidades de transporte e comunicação, eu mantenho a minha residência e as minhas redes. Continuo na minha cidade, com meus amigos de infância, sei qual profissional contratar em caso de necessidade, em vez de reconstruir minha rede em outro local”.
FUTURO
O que a cidade dispersa reserva à população brasileira que envelhece muito mais do que se renova? O professor Marandola Jr. lembra que é preciso avaliar se os idosos do futuro próximo ficarão nesses bairros distantes ou se vai haver um retorno ao centro, onde os deslocamentos são menores, e a rede de serviços é mais densa, enfim “onde há facilidade em vez do isolamento dos bairros frutos da dispersão urbana”. “Não está se discutindo no planejamento urbano ou nos vários setores como serão nossas cidades”, complementa. Com os dados sobre o envelhecimento da população já é possível antever o futuro. “Sabemos que precisamos de menos escolas e de mais saúde para os mais velhos. Portanto, que cidade é essa com cada vez famílias menores, ou seja, com menos cuidadores e uma população idosa? Estamos construindo cidades para pessoas que têm uma autonomia total, e parte da culpa disso é do mercado imobiliário”.
SERVIÇO
O professor e geógrafo Eduardo Marandola Jr., um dos organizadores do livro: “O mercado imobiliário trabalha fazendo produtos e ignorando o planejamento”
Publicação: “Dispersão Urbana e Mobilidade Populacional” Organizadores: Ricardo Ojima e Eduardo Marandola Jr. A obra pode ser acessada no link: http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/ openaccess/9788580391381/completo.pdf http://openaccess.blucher.com.br/article-list/dispersao-urbana-e-mobilidade-populacional-286/list#articles
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Campinas, 30 de ma
Tese questiona atuação do Estudo do IG aponta que foram ignorados interesses de populações locais e movimentos sociais CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
apoio dado pelo Estado brasileiro, a partir do primeiro mandato do presidente Lula, à expansão de empresas nacionais pela América Latina, principalmente no setor de infraestrutura, tem desconsiderado os interesses de populações locais e movimentos sociais dos países onde essas empresas atuam, afirma a tese de doutorado “O papel do BNDES na política externa do governo Lula da Silva: internacionalização e integração regional na América do Sul”, defendida por Jorge Luiz Raposo Braga no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O avanço dos empreendimentos conduzidos por firmas brasileiras de infraestrutura pela América do Sul “gerou desconfianças sobre quais os reais interesses que estariam por trás do discurso integracionista brasileiro, já que novas tensões territoriais foram sendo produzidas pelos empreendimentos”, disse o pesquisador. “Não raras, as denúncias versavam sobre o controle dos recursos naturais, a precarização das condições de trabalho e a dominação de setores industriais de países sul-americanos promovidas por empresas brasileiras”. Ao analisar a relação do BNDES com grandes grupos empresariais e o papel do banco na construção das chamadas empresas “campeãs nacionais” e na promoção de “transnacionais brasileiras”, a tese de Braga aborda o papel das grandes empreiteiras no financiamento de campanhas eleitorais e o retorno que as companhias recebem, em volume de empréstimos do banco, ao apoiar candidatos vencedores, e as relações de compadrio que se formam entre empresas. “Embora os críticos reportem o compadrio e o clientelismo como vícios do Estado desenvolvimentista, essa prática também estava presente no período dos governos neoliberais”, disse ele. “Isso pode ser exemplificado pelo papel decisivo do Banco como agente de concentração e centralização da produção e da riqueza nas mãos do capital financeiro e das empresas transnacionais por meio da criação de linhas de financiamento, tanto para o apoio as exportações quanto ao programa de privatizações”. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista: Jornal da Unicamp – Não é contraditório que um governo de esquerda, que chegou ao poder com o apoio de movimentos sociais, adote, em sua política externa, práticas que afrontam movimentos sociais de países amigos? Jorge Luiz Raposo Braga – Sim. É preciso entender como esse cenário foi construído. A chegada ao poder do presidente Lula da Silva esteve pautada em uma frágil frente, constituída por movimentos sociais e setores da burguesia interna como, por exemplo, da mineração, do agronegócio, da construção civil, entre outros, descontentes com os resultados da política neoliberal implementada na administração de Fernando Henrique Cardoso. Ao elencar a política externa como um dos temas prioritários de sua agenda, a intenção do governo Lula era dar visibilidade ao Brasil no plano internacional. Para isso, tornava-se fundamental fortalecer as relações com os países vizinhos e consolidar a liderança brasileira na América do Sul. No entanto, a política externa trazia no seu bojo os interesses das classes, ou frações hegemônicas das classes, no interior do bloco no poder, ou mesmo, de alianças entre as classes. Assim, por intermédio de uma atu-
ação mais assertiva da diplomacia brasileira, os grandes empreendimentos de empresas estatais e de alguns grupos nacionais privados tiveram seus objetivos econômicos se expandindo sobre os países vizinhos. Esse movimento de “transbordamento” da economia brasileira em direção aos países sul-americanos foi impulsionado pela valorização das commodities e respaldado pelos investimentos diretos brasileiros, capitaneados nas linhas de crédito do BNDES a juros subsidiados. O objetivo do financiamento promovido pelo BNDES visava a aumentar mercados aos empreendimentos brasileiros no exterior e produzir grandes saldos na balança comercial. Assim, a internacionalização do banco, apoiada em políticas públicas, possibilitou que os interesses da burguesia interna se fizessem cada vez mais presentes nos projetos de integração regional sul-americanos, principalmente no interior da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), produzindo intensos conflitos territoriais. JU – Sua tese lança mão do conceito de “colonialidade do poder”. Mas esse conceito, em sua origem, não se refere à ideia de uma hierarquização entre diferentes “raças”? Como isso se aplica ao cenário latino-americano, e às obras financiadas pelo BNDES em particular? Jorge Luiz Raposo Braga – De acordo com o sociólogo peruano Aníbal Quijano, a idéia de “raça” foi legitimada a partir da invenção da América, no que viria a ser o sistema-mundo moderno-colonial. A intenção do colonizador europeu era “naturalizar” as relações de dominação sobre todas as formas culturais e de saber presentes no continente. Assim, nossa intenção foi analisar como esta lógica de hierarquização e classificação tem o seu rebatimento na organização territorial. As políticas de integração regional em curso na América do Sul, ilustradas preferencialmente pelas propostas da IIRSA, conceberam o espaço geográfico como “vazio demográfico” e a natureza como obstáculo a ser superado, por intermédio de um conjunto de obras de engenharia. Esse cenário, sustentado na elevação dos preços das commodities e nas possibilidades de ganhos econômicos, levou os governos a defender novos investimentos com a justificativa de acessar os recursos naturais. Para tanto, procurou-se mitigar as desigualdades/diferenças espaciais numa perspectiva hegemônica através da implantação de grandes projetos dos setores mineiro-metalúrgicos, agronegócio, energéticos e de transportes que reconfiguraram o território sul-americano. É neste contexto que o BNDES veio se destacando pelas operações com créditos para a produção, consumo e exportação, além do apoio empresarial para a instalação de redes de infraestrutura, que reconverteu atividades e alterou as formas de ocupação do espaço. Deste modo, as empresas têm produzido verdadeiras cruzadas sobre as áreas de grande biodiversidade e provocado tensões e conflitos. Essa lógica de expansão dos empreendimentos se intensificou em direção às áreas ocupadas por povos de diferentes matrizes culturais. Nesse embate, pode-se observar a desestruturação das formas de organização e produção do espaço comunitário e a devastação ambiental. Essa é a prática espacial da colonialidade do poder. JU – O Brasil corre o risco de passar a ser visto como “potência imperialista” pelos vizinhos?
Manifestantes protestam contra projeto ligar as localidades de Vila Tunari e de território indígena e o Parque Nacional
Jorge Luiz Raposo Braga – Nos últimos anos, houve uma retomada dessa discussão tanto na mídia quanto no meio acadêmico, em virtude da expansão do capital e de sua relação com o Estado brasileiro na América do Sul. A assimetria entre a economia brasileira e de seus vizinhos foi acentuada na última década, devido a uma política externa arrojada, com a atuação do BNDES, que estimulou à transnacionalização de empresas e a diversificação de seus investimentos na região.
No sentido horário, o Porto de Mariel (Cuba), Aqueduto de Chaco (Argentina), hidrelétrica no Equador e a segunda ponte sobre o rio Orinoco (Venezuela)
Isso gerou desconfianças sobre quais os reais interesses que estariam por trás do discurso integracionista brasileiro, já que novas tensões territoriais foram sendo produzidas pelos empreendimentos ligados à IIRSA. Não raras, as denúncias versavam sobre o controle dos recursos naturais, a precarização das condições de trabalho e a dominação de setores industriais de países sul-americanos promovidas por empresas brasileiras. Tais políticas de expropriação enfrentam resistências dos diferentes segmentos
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aio a 5 de junho de 2016
BNDES na América do Sul Foto: Reprodução
o de construção da estrada que pretendia e San Ignacio de Moxos, cortando ao meio l Isiboro Sécure, na Bolívia
sociais que vocalizam palavras de ordem contra a “projeção imperialista” brasileira. No entanto, a falta de consenso na literatura exige análises mais aprofundadas deste tema, ainda mais diante da presença crescente da China e da recolonização militar norte-americana na região. JU – Muitos críticos da presença do Estado na economia apontam o compadrio, o clientelismo e o favoritismo como resultados inevitáveis de uma agenda desenvolvimen-
Foto: Divulgação
tista. Você acredita que sua tese dá apoio a essa crítica? É possível pensar numa política desenvolvimentista, com forte presença do Estado, sem esses vícios? Jorge Luiz Raposo Braga – Na tese, procuramos analisar a trajetória do BNDES nos projetos governamentais, principalmente na administração Lula da Silva, avaliando de que modo a instituição contribuiu para as políticas de desenvolvimento em diferentes contextos da história econômica brasileira. Assim, embora os críticos reportem o compadrio e o clientelismo como vícios do Estado desenvolvimentista, essa prática também estava presente no período dos governos neoliberais. Isso pode ser exemplificado pelo papel decisivo do banco como agente de concentração e centralização da produção e da riqueza nas mãos do capital financeiro e das empresas transnacionais, por meio da criação de linhas de financiamento tanto para o apoio as exportações quanto ao programa de privatizações. Na época, muitas denúncias vieram à tona a respeito dos lobbies formados durante o desmonte do patrimônio público no governo FHC. O ideário desenvolvimentista ressurgiu, nas agendas dos países latino-americanos, após a ofensiva neoliberal ter varrido a América Latina, na década de 1990. Os processos da globalização impuseram acirrada competitividade aos países, obrigando o Estado a redefinir o seu papel na promoção do projeto nacional. Assim, a orientação dada pelo Estado à agenda desenvolvimentista tinha como objetivo corrigir as imperfeições do mercado e inserir o país na competitividade internacional, por intermédio de investimentos na órbita produtiva. Dessa forma, a intenção do governo Lula da Silva era fortalecer os grandes grupos econômicos nacionais (pri-
Fotos: Reprodução
Jorge Luiz Raposo Braga, autor da pesquisa: “A assimetria entre a economia brasileira e de seus vizinhos foi acentuada na última década”
vados e estatais) em setores estratégicos (agronegócio, bancos, construção, mineração), embora houvesse a incorporação de políticas sociais compensatórias. De maneira geral, uma política desenvolvimentista sem vícios passaria pela superação dessa ordem econômica vigente, e não apenas por mudanças estruturais no modo de produção capitalista. JU – Sua tese também destaca a relação entre doações de campanha eleitoral e o acesso de empresas aos recursos do BNDES, outro ponto muito citado por críticos do modelo adotado nos governos Lula-Dilma, que chegam a falar numa “Bolsa BNDES” para “empresários amigos”. Você concorda com essa descrição? Jorge Luiz Raposo Braga – A estratégia de internacionalização da base produtiva brasileira ganhou maior visibilidade a partir de 2004, em função da expansão da economia mundial que propiciou a melhoria nas condições de rentabilidade, de financiamento e de capitalização das empresas. Dessa forma, as companhias brasileiras mais competitivas procuraram liderar seus setores e ampliar as bases geográficas de atuação. Esse processo, de alinhamento do Estado às demandas dos grandes grupos empresariais, já estava presente no governo de Fernando Henrique Cardoso. Para dar credibilidade às privatizações, a sua equipe estimulou a formação dos consórcios e promoveu os subsídios aos grupos participantes dos leilões, por meio do BNDES. No entanto, a adoção de políticas de concentração de capitais foi elevada à condição de estratégia-chave da política externa da administração Lula da Silva. Assim, os vultosos financiamentos do BNDES contribuíram para a consolidação das empresas “campeãs setoriais”, particularmente nos setores de infraestrutura e commodities, ou seja, transformaram as maiores companhias privadas nacionais em multinacionais brasileiras, com atuação, principalmente, na América Latina. Entretanto, a expansão das empresas não pode ser reduzida apenas à vontade do governo. A “escolha” por determinados grupos empresariais não está restrita somente à capacidade desses grupos em competir nas esferas regionais e globais,
mas também é importante entender como a burguesia interna articulou seus interesses com as ambições dos homens de Estado, por meio da inserção no aparelho estatal, recorrendo às práticas de relações de “amizades” e lobbies; qual a força dos empresários para influenciar tanto a política doméstica quanto à condução da política externa, e porque determinadas empresas são beneficiadas por grandes obras, recebem maiores créditos e incentivos fiscais. Esta vinculação entre as frações de classe no bloco no poder e o Estado reforça o entendimento sobre quem formula e decide os rumos da política externa e quais os interesses que estão em jogo. Dessa forma, as doações das empresas para campanhas eleitorais são voltadas aos partidos tanto da base do governo quanto da oposição, porque o importante é eleger candidatos que possibilitem a elas o acesso aos projetos públicos. JU – Você vislumbra um modelo de integração regional menos perverso? Como seria? Jorge Luiz Raposo Braga – Em geral, as propostas de integração regional estão pautadas nos processos de articulação das escalas regional-global, onde predominam os interesses do capital internacional, dos grupos econômicos nacionais e/ou associados a estrangeiros e dos governos de diferentes espectros ideológicos, que concebem o território numa visão funcional-economicista e atrelado à dinâmica dos mercados mundiais. Assim, as iniciativas integracionistas conduzidas na ótica dos atores hegemônicos tendem a colocar as dimensões social, política e cultural a reboque da economia. Nós vivemos em um momento histórico e político no qual é necessário problematizar as relações regionais em suas diferentes escalas, procurando fugir das armadilhas dos modelos já desgastados, ou em crise. Creio que seria importante revitalizar o debate acadêmico e político acerca dos projetos de integração regional, dando maior visibilidade aos novos sujeitos e suas formas de ver o mundo, como também permitir que suas experiências de justiça social e de diversidades territoriais possam contribuir para a renovação do pensamento integracionista, ainda pautado pela colonialidade do saber e do poder.
Publicação Tese: “O papel do BNDES na política externa do governo Lula da Silva: internacionalização e integração regional na América do Sul” Autor: Jorge Luiz Raposo Braga Orientadora: Claudete de Castro Silva Vitte Unidade: Instituto de Geociências (IG)
8 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016
Tese identifica diferenciais de saúde entre mulheres e homens Estudo de base populacional confirma paradoxos e chega a possíveis causas de discrepâncias CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
mbora a população masculina apresente altas taxas de mortalidade prematura, vivendo em média seis anos a menos do que as mulheres, exiba elevadas condições graves e crônicas de saúde, e adote com maior frequência comportamentos prejudiciais a ela, os estudos sobre diferenciais de gênero em saúde ainda estão concentrados na saúde da mulher. Este contexto mostra a importância de conhecer o perfil de desigualdades de gênero em saúde, considerando diversos aspectos como os comportamentos relacionados à saúde, ao seu estado, ao uso de seus serviços e mortalidade. Estudo de base populacional desenvolvido no município de Campinas, São Paulo, por Tássia Fraga Bastos, como parte do seu doutorado em Saúde Coletiva – área de concentração em Epidemiologia –, teve como objetivo identificar os diferenciais de saúde entre 957 homens e mulheres de 20 a 59 anos. O trabalho utilizou dados do Inquérito Domiciliar de Saúde de Campinas, ISACamp, realizado em 2008/2009, desenvolvido junto ao Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde, situado no Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, e foi orientado pela sua coordenadora, professora Marilisa Berti de Azevedo Barros.
ESTRUTURA DA TESE
Os resultados da tese foram estruturados em três artigos. O primeiro, intitulado “Healthy Men” and High Mortality: Contributions from a Population-Based Study for the Gender Paradox Discussion”, publicado no periódico PLoS ONE, utilizou dados do ISACamp e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), alimentado e disponibilizado pela Secretaria da Saúde de Campinas. A pesquisadora se valeu desses dois bancos de dados para discutir o aparente paradoxo de gênero, que se caracteriza pela maior prevalência de morbidades nas mulheres e maiores taxas de mortalidade nos homens, e suas possíveis explicações. Os resultados apontaram diferenças entre os sexos, com maiores desvantagens das mulheres, em quaisquer das condições socioeconômicas, quanto à presença de doenças crônicas – como hipertensão, diabetes, problemas circulatórios, asma, bronquite, reumatismo, artrose – e em todos os problemas de saúde referidos – que constituem queixas e sintomas externados pelas pessoas, como dor de cabeça, dor nas costas, problemas emocionais, que delineiam as condições de saúde. Nos homens manifestaram-se desvantagens nos indicadores comportamentais relativos à saúde (tabagismo, consumo abusivo de álcool e consumo alimentar inadequado) e em todas as causas de mortalidade analisadas. Os achados da pesquisa confirmaram o paradoxo de gênero e outros paradoxos foram também identificados no trabalho: nas mulheres maior prevalência de
A pesquisadora: “Verificamos, com base no inquérito, que de fato as mulheres apresentam mais doenças que os homens, ocorrendo o inverso em relação à mortalidade”
comportamentos saudáveis e, por outro lado, mais morbidades; nos homens maior prevalência de comportamentos prejudiciais à saúde e morbidade menor. Ao analisar as variáveis de comportamentos prejudiciais à saúde, como tabagismo, consumo de risco de álcool, hábitos alimentares inadequados e inatividade física, a pesquisadora verificou que as duas primeiras apresentavam maiores diferenças nas prevalências entre os sexos. Como estas estão entre as principais causas de mortalidade por doenças crônicas, a análise do perfil do tabagismo e do consumo de risco de álcool em adultos levaram aos outros dois artigos que compõem a tese. Assim é que, o segundo artigo, que aborda o “Perfil do tabagismo em adultos: diferenciais entre homens e mulheres”, mostra que os fatores demográficos e socioeconômicos associados ao tabagismo (faixa etária, religião e escolaridade) são os mesmos em ambos os sexos, mas revela-se 56% maior nos homens em relação às mulheres. Já nas mulheres o tabagismo foi mais elevado entre as que faziam uso de bebida alcoólica em qualquer frequência e tinham consumo insuficiente de frutas e leite, o que poderia ser explicado pela alteração das papilas gustativas causada pelo cigarro, e de refrigerantes em excesso. Nos homens a prevalência do tabagismo foi maior entre os que consumiam inadequadamente frutas, tinham duração longa de sono e insônia. O estudo aponta ainda que a proporção de fumantes com dependência de nicotina moderada a grave é elevada (47%) e os dados mostram dificuldades de abandonarem o fumo. Já o terceiro artigo, que analisa o “Consumo de risco de álcool: fatores associados e diferenciais entre homens e mulheres”, mostra a prevalência de consumo de risco de álcool de 9,5%. A prevalência foi maior nos homens na faixa etária de 30 a 49 anos, nos pretos e pardos, solteiros e em união estável, nos fumantes e ex-fumantes e nos que manifestavam ao menos um problema de saúde. Os homens apresentam maior frequência de ingestão, de volume consumido, sinais de dependência e de problemas decorrentes do uso do álcool. Como no tabagismo, em relação ao consumo de risco de álcool – entendido aqui como aquele que pode levar à dependência e a problemas sociais, econômicos e de saúde – os fatores socioeconômicos também se mostraram importantes. Observaram-se nos homens maiores frequências e volumes consumidos, assim como sinais de dependência e de problemas em decorrência desse consumo.
EXPLICAÇÕES POSSÍVEIS
Estas constatações levam Tássia a afirmar: “Verificamos, com base no inquérito, que de fato as mulheres apresentam mais doenças que os homens, ocorrendo o inverso em relação à mortalidade. Ao investigar as causas de mortalidade nos homens constatamos que várias delas poderiam ser evitadas, além daquelas decorrentes de homicídios e acidentes de trânsito, se fossem prevenidas correta-
Fotos: Antonio Scarpinetti
Pedestres na região do Terminal Rodoviário de Campinas: dados do Inquérito Domiciliar de Saúde de Campinas fundamentaram pesquisa
mente. Exemplo disso são a hipertensão e o diabetes, menos identificados neles que nas mulheres, embora em relação a diabetes eles morram duas vezes mais que as mulheres, o que é uma contradição”. A explicação para essa aparente contradição pode ser encontrada no fato de as mulheres frequentarem mais regularmente os serviços de saúde e em decorrência terem seus males diagnosticados mais precocemente. Embora ocorram interferências de outros fatores, essa diferença de comportamento mostra que as mulheres se cuidam mais que os homens que, em contrapartida, descobrem doenças em estágios mais avançados. Ressalte-se, ainda, que a mulher histórica e socialmente é criada para as atividades do lar, habituada ao cuidado dos filhos, do marido e de si própria. Em decorrência ela manifesta um autoconhecimento maior do que o homem e, ao perceber algum tipo de anormalidade, procura o sistema de saúde. No homem essa percepção não é tão acurada. Observe-se, também, que para algumas morbidades, como doenças cardíacas, por exemplo, os homens têm maior propensão do que as mulheres, que são protegidas por hormônios no período reprodutivo.
RECOMENDAÇÕES
Em vista dos paradoxos constatados e face às explicações aventadas, Tássia faz algumas considerações. As Unidades Básicas de Saúde constituem a porta de entrada do sistema de saúde e as mulheres têm presença mais constante nessas unidades do que os homens, pois utilizam em geral seus serviços especialmente no período reprodutivo, quando gestantes nas consultas de pré-natal, no puerpério, para acompanhar os filhos e idosos, dentre outros motivos, advindo daí o maior contato com esses atendimentos e possibilidade de diagnóstico precoce de seus males. O trabalho ressalta ainda a pouca visibilidade dos homens nas políticas e nos serviços
de saúde, especialmente na Atenção Primária à Saúde, que tem maior oferta de serviços voltados para as mulheres. Apesar de lançada em 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem enfrenta dificuldades em incorporar suas práticas e se depara com deficiências do sistema nesse atendimento inclusive por não dispor de profissionais bem preparados para tal, possivelmente em decorrência da formação que recebem nos cursos de medicina e em outros cursos de saúde. Para tanto, ela enfatiza a necessidade de maior capacitação desses profissionais e recomenda a necessidade da implementação efetiva e ampliação de ações de prevenção e promoção de saúde que incluam os homens, para diminuir-lhes a mortalidade prematura, bem como a atenção às especificidades de cada sexo no controle de tabagismo e de consumo de risco de álcool. Voltando ao paradoxo, ponto central do seu trabalho, ela afirma: “Os homens de fato estão morrendo mais cedo, mas o fato de nas pesquisas não aparecerem como mais doentes que as mulheres não quer dizer que não sejam portadores de morbidades. As políticas públicas precisam atentar para isso, pois eles estão morrendo muito precocemente, ainda na fase produtiva, gerando impactos sociais e econômicos”.
Publicação Tese: “Diferenciais de saúde entre homens e mulheres em estudo de base populacional” Autora: Tássia Fraga Bastos Orientadora: Marilisa Berti de Azevedo Barros Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
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A revolução tecnológica abortada da cafeicultura brasileira Fruto de dissertação, livro aborda as tentativas de inovação nas lavouras da cultura
Foto: Reprodução
JOSÉ TADEU ARANTES Agência FAPESP
urante aproximadamente um século, o café definiu a imagem interna e externa do Brasil. Principal produto de exportação de um país que, desde o início da colonização, teve sua economia voltada para o mercado externo, a semente do fruto do arbusto da família Rubiaceae determinou todo um perfil econômico, social, político e cultural. No final do século XIX, com uma produção anual de 9,3 milhões de sacas, o Brasil atendia a dois terços do mercado internacional. A produção brasileira elevou-se para 19,9 milhões de sacas na safra de 1906-1907. E atingiu a cifra de 28,9 milhões de sacas na safra de 1929-1930. Esse crescimento desmedido, que excedia a capacidade de consumo, bem como as políticas econômicas que viabilizavam o cultivo ao longo da Primeira República (1889-1930) entraram em colapso em uma quinta-feira que ficou na história. Foi no dia 24 de outubro de 1929, quando a quebra da Bolsa de Nova York arrastou toda a economia capitalista mundial para a Grande Depressão. As consequências econômicas, sociais e políticas desse episódio no Brasil são bem conhecidas: crise de superprodução, fim da hegemonia da oligarquia cafeeira paulista, Revolução de 1930, ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Menos conhecido foi o ato posterior de Vargas para compensar o Estado de São Paulo pela derrota sofrida na chamada “Revolução Constitucionalista” de 1932 e ao mesmo tempo fortalecer o controle federal sobre a produção cafeeira, com a criação da Estação Experimental de Café de Botucatu, no oeste paulista, em 1934. Essa história, com suas causas, contexto, principais componentes e consequências, está sendo contada agora pelo livro A encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil, de Jefferson de Lara Sanches Júnior, publicado com apoio da Fapesp. O livro resultou da dissertação de mestrado de Sanches Júnior, orientada por Cristina de Campos, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. “O trabalho é bastante original porque quase toda a historiografia produzida no Brasil sobre o café se concentra nos aspectos econômicos, sociais e políticos, mas há bem poucos estudos sobre as tentativas de inovação científica e tecnológica. Apesar de Jefferson ter feito uma pesquisa exaustiva e abrangente, seu livro enfatiza exatamente esse aspecto, quase sempre negligenciado”, disse Campos à Agência FAPESP. Como fontes primárias, Sanches utilizou os relatórios produzidos na Estação Experimental de Café de Botucatu no período de 1934 a 1945. E também artigos e livros escritos pelos idealizadores dessa instituição, bem como boletins do Ministério da Agricultura e periódicos publicados na cidade de Botucatu no período. Além disso, como fontes secundárias, ele percorreu a vasta bibliografia produzida sobre o café no Brasil. Segundo o historiador, atualmente doutorando na Unicamp em História Social da Ciência e Tecnologia no Programa de PósGraduação de Política Científica e Tecnológica, o objetivo principal da Estação Experimental de Café de Botucatu foi promover a melhoria da cafeicultura brasileira, pois, apesar da liderança mundial do país em termos quantitativos, o produto oferecido pelo Bra-
Terreiro de café em fazenda na região de Campinas no final do século 19, época em que o Brasil atendia a dois terços do mercado internacional
sil aos consumidores internacionais era bem inferior ao de algumas nações concorrentes, como a Colômbia, por exemplo. “A estação buscava atender especialmente as novas lavouras surgidas no Estado de São Paulo, nas áreas alcançadas pelas ferrovias da Alta Sorocabana, da Alta Paulista e da Noroeste, abarcando as regiões de Botucatu, Bauru, Ourinhos, Marília, Assis, Presidente Prudente, rumo às barrancas do rio Paraná, a oeste, e do rio Paranapanema, a sudoeste. O café produzido nessas regiões, em propriedades pequenas e médias, era pior do que o das regiões mais antigas, da Baixa Paulista e da Mogiana, especialmente Ribeirão Preto e Franca. Essas áreas de cafeicultura antiga, dominadas pelas grandes propriedades, já eram atendidas pelo Instituto Agronômico de Campinas”, afirmou. A estação havia sido pensada na Primeira República, nos anos 1920. Mas só foi realmente efetivada na década de 1930, após o crack da Bolsa, a crise de superprodução, a queima de 40% da produção de café para sustentar o preço no mercado internacional, também conhecida como “cota de sacrifício”, e o processo de centralização do poder empreendido por Vargas após a Revolução de 1930 e a derrota da oligarquia paulista em 1932.
SERVIÇO
Título: A encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil Autor: Jefferson de Lara Sanches Júnior Editora: Editora UFABC Páginas: 222 Preço: R$ 39,90 Mais informações: http://editora. ufabc.edu.br/index.php/cienciassociais/22
Para viabilizar o projeto, o governo federal adquiriu duas das muitas fazendas que haviam pertencido ao Barão de Serra Negra, um dos maiores cafeicultores do Segundo Reinado, datadas da década de 1880. Inaugurada com grande publicidade pelo ministro da Agricultura Odilon Braga (1894 – 1958) em 1934, a estação iniciou suas atividades no ano seguinte, e continuou a funcionar até 1972, quando seu espaço físico passou a abrigar o campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. “Além do grave revés sofrido pela cafeicultura brasileira com o crack da Bolsa, o contexto caracterizava-se também pela decrepitude dos cafezais da Baixa Paulista e da Mogiana. A chamada ‘vida útil’ de um cafezal, sua fase mais pujante, é da ordem de 20 anos. A planta começa a produzir com cinco e produz de forma constante até os 25. A partir dessa idade, inicia-se o processo de senescência”, informou Sanches. “Esses cafezais antigos remontavam à década de 1870. E havia a necessidade de reparos e replantio. Ademais, depois da crise de 1929, muitas lavouras de café antigas foram substituídas por outras culturas agrícolas, como o algodão e os cítricos. Então, enquanto no ‘oeste histórico’ do Estado de São Paulo começava a ocorrer uma diversificação da agricultura, o polo dinâmico da cafeicultura deslocou-se para o ‘novo oeste’”, prosseguiu. Esse “novo oeste”, situado naquilo que era considerado a “boca do sertão”, onde terminava a “civilização do homem branco” e começavam as “terras dos índios”, e integrado ao território nacional pela rede ferroviária, passou a concentrar as esperanças da cafeicultura brasileira. Mas, para melhorar a qualidade do café nele produzido, era necessário um processo de inovação tecnológica. “Criou-se muita euforia em torno do projeto da estação experimental, que definiu um modelo baseado na experiência da Colômbia. Foram testadas técnicas de hibridação das plantas e prosperou a ideia do sombreamento dos cafezais, para que pudesse ser colhido o fruto maduro, chamado de ‘cereja’ devido à sua cor vermelha. A expectativa era que, colhido maduro, despolpado e processado, o café de tipo arábica produzido nas novas regiões proporcionaria uma ‘bebida mole’, isto é, uma bebida de acidez equilibrada e mais palatável, como a derivada do café colombiano, o favorito dos consumidores norte-americanos”, detalhou Sanches. Além da melhoria do produto, havia a perspectiva de combate à broca-de-café, um parasita que se instalou nos cafezais paulistas na década de 1920 e fazia com que, muitas vezes, uma saca de 60 quilos só contivesse 17 quilos de grãos aproveitáveis. Mas a inovação pretendida não ia além desse ponto. O beneficiamento do café exportado cumpria as seguintes etapas: colheita, secagem nos grandes terreiros, des-
cascamento, lavagem e torra. O restante do processo, que incluía a moagem, o porcionamento e o empacotamento, era realizado nos países compradores.
PRODUÇÃO SEM INOVAÇÃO Mesmo limitadas, as mudanças pretendidas teriam configurado uma verdadeira revolução tecnológica na cafeicultura. Mas – e este não foi um caso isolado na história do Brasil – não chegaram a ser implementadas. Não foram porque a inovação tecnológica produz frutos no médio e longo prazos, enquanto que medidas macroeconômicas, como corte de impostos e rebaixamento do câmbio, geram resultados praticamente imediatos. Em 1937, logo após a instalação do Estado Novo, houve uma revisão dos impostos sobre o café. Isso incentivou os cafeicultores a tocar os negócios como antes, sem investir em tecnologia. “Ademais, em 1941, com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o governo norte-americano passou a implementar a chamada ‘Política da Boa Vizinhança’, visando cooptar os países latino-americanos para o esforço de guerra”, disse Sanches. “No caso brasileiro, um dos aspectos dessa política foi a assinatura de acordo comercial para a compra do café. Com a venda garantida, os cafeicultores desinteressaram-se ainda mais pela inovação. E isso inviabilizou de vez a introdução de ciência, tecnologia e inovação na cafeicultura durante aquele período”, completou. Quanto à Estação Experimental de Botucatu, passada a euforia inicial, a proposta esmoreceu. Chamada de “a encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil” pelo ministro Odilon Braga por ocasião de sua inauguração, frase transformada no título do livro em pauta, a instituição foi perdendo paulatinamente importância. E, já no final do Primeiro Governo Vargas, em 1945, precisou diversificar o seu foco, passando a tratar também de outros produtos, como arroz, essências florestais e óleos essenciais. Apesar da revolução abortada, a cafeicultura brasileira continuou a dominar o mercado internacional. “Como lembrou o pesquisador norte-americano Steven Topik, o país foi líder inconteste até o ano 2000”, ressaltou a professora Cristina de Campos. De fato, com uma produção de 43,2 milhões de sacas de 60 quilos em 2015, o Brasil permanece o primeiro produtor mundial, seguido do Vietnã (27,5 milhões de sacas), Colômbia (13,5 milhões de sacas), Indonésia (11 milhões de sacas) e Etiópia (6,4 milhões de sacas) – dados da Associação Brasileira da Indústria de Café. Mas, só em época relativamente recente, e visando atender novos nichos de mercado no país e no exterior, caracterizados por padrões exigentes, é que alguns produtores passaram a investir em café de alta qualidade.
10 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016
Painel da semana
Painel da semana Fórum de Desafios do Magistério - Próxima edição ocorre no dia 1 de junho, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. O evento tem como tema central “Violência e indisciplina escolar: caminhos para a intervenção”. Programação detalhada e outras informações no link http://www.foruns.unicamp.br/foruns/ projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/magis48.htmlhttp:// www.foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/magis48.html OBR - Uma das etapas regionais classificatórias da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR) será realizada no dia 4 de junho, das 9 às 18 horas, no Colégio Técnico de Campinas, o Cotuca da Unicamp. A OBR é uma das olimpíadas científicas brasileiras apoiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que utiliza-se da temática da robótica. O evento destina-se aos alunos das escolas públicas ou privadas do ensino fundamental, médio ou técnico, de todo o território nacional. A iniciativa é pública, gratuita e sem fins lucrativos. Domingo no Lago - A próxima edição do Domingo no Lago, evento organizado mensalmente pelo Espaço Cultural Casa do Lago, começa mais cedo no dia 5 de junho. Às 8h30, o grupo PETFEF, composto por alunos da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, fará apresentações de Slackline, de malabares com bola e com pratos de equilíbrio no show “Vida boa na lagoa”. Além disso, o grupo ministrará uma oficina de dança aos pais e crianças que prestigiarem o evento cultural da Av. Érico Verísismo 1011. As atividades com o PET-FEF ocorrem na área externa da Casa. Já a oficina, na Galeria do Espaço Cultural. Leia mais no link http://www. unicamp.br/unicamp/eventos/2016/05/18/proximo-domingo-no-lago-
Teses da semana
tera-slack-line-malabares-pecas-teatrais-oficina-e-musicahttp://www. unicamp.br/unicamp/eventos/2016/05/18/proximo-domingo-no-lagotera-slack-line-malabares-pecas-teatrais-oficina-e-musica Semana do Meio Ambiente - A Unicamp, por meio do Grupo Gestor Universidade Sustentável (GGUS), órgão da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), organiza, entre 6 e 10 de junho, a Semana do Meio Ambiente com o tema “Unicamp construindo uma trajetória sustentável”. A abertura oficial do evento ocorre no Espaço Cultural Casa do Lago, às 9 horas. Das 9h30 às 11h30, Maria Luiza Appy e Maria Angelina Pereira, diretoras da Escola Paulista de Biodanza, proferem a palestra “Biodanza: inteligência afetiva e a sua contribuição para uma vida sustentável”. [Consulte a programação completa]. A Casa do Lago fica à Av. Érico Verísismo 1011, no campus da Unicamp. Para outras informações ligue para 19-3521-8071. “New Approaches to Drug Discovery against Tropical Diseases” - O Instituto de Biologia IB) da Unicamp, em parceria com a Universidade de Gotemburgo (Suécia) promovem, de 6 a 10 de junho, o 1º Workshop – “New Approaches to Drug Discovery against Tropical Diseases”. O evento, que é apoiado pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp, contará com palestrantes de renome nas áreas de parasitologia e microbiologia e abordará temas como o uso de triagens em larga escala e da bioinformática nesses campos de conhecimento. As inscrições estão abertas e podem ser feitas até 25 de maio. Para se inscrever, basta encaminhar e-mail com nome, matrícula/RA e unidade da Unicamp a qual está vinculado(a) para o endereço eletrônico internationalofficeib@unicamp.br. Mãos que alimentam - O Espaço Cultural Casa do Lago sedia, em sua Galeria, de 10 a 23 de junho, a exposição de fotos “Mãos que alimentam”, do jornalista Ronei Aparecido Thezolin, funcionário da Assessoria de Comunicação (Ascom) da Unicamp. Visitas podem ser feitas de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 22 horas, na Av. Érico Veríssimo 1011, no campus universitário. Mais detalhes na página eletrônica: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2016/05/20/maosque-alimentam-casa-do-lago-sedia-exposicao-de-fotos-do-jornalista-
Eventos futuros
roneihttp://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2016/05/20/maos-quealimentam-casa-do-lago-sedia-exposicao-de-fotos-do-jornalista-ronei Educação Inclusiva no Contexto Universitário - No dia 11 de junho, às 8h30, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, acontece o Simpósio Educação Inclusiva no Contexto Universitário com o tema: “Implicações Práticas da Educação Bilíngue para Surdos no Ensino Superior”. O encontro é proposto pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG), que convida toda a comunidade acadêmica à reflexão e debate sobre o tema inclusão no ensino superior. As inscrições podem ser feitas no site http://www. sei.prg.unicamp.br/.
Teses da semana Ciências Médicas: “Estudo translacional sobre a infecção por Bartonella henselae e sua transmissão transfusional” (doutorado). Candidata: Marilene Neves da Silva. Orientador: professor Paulo Eduardo Neves Ferreira Velho. Dia 30 de maio de 2016, às 9 horas, no anfiteatro da Pós-graduação da FCM. Computação: “Técnicas de multi-análise para investigação forense de documentos digitais” (doutorado). Candidato: Anselmo Castelo Branco Ferreira. Orientador: professor Anderson de Rezende Rocha. Dia 31 de maio de 2016, às 14 horas, no auditório do IC 2 do IC. Economia: “Integração financeira e controle de capitais no mainstream economics e no FMI/; novas evidências e prescrições de regulação” (mestrado). Candidato: Diego Garcia Angelico. Orientador: professor Giuliano Contento de Oliveira. Dia 3 de junho de 2016, às 10 horas, na sala 23 do pavilhão de Pós-graduação do IE.
Destaque do Portal
Engenharia Elétrica e de Computação: “Medidas de
qualidade de experiência baseada no Modelo-E durante uma chamada VoIP” (doutorado). Candidato: Edgard Luciano Oliveira da Silva. Orientador: professor Yuzo Iano. Dia 30 de maio de 2016, às 9 horas, na sala PE12 do prédio da CPG da FEEC. Geociências: “Regulação e governança de ensaios clínicos: experts como agentes” (doutorado). Candidato: Alessandro Luis Piolli. Orientadora: professora Maria Conceição da Costa. Dia 30 de maio de 2016, às 14 horas, no auditório do IG. “Estudo estrutural e geocronológico do domínio norte da faixa de dobramentos Araguaia” (mestrado). Candidato: Rogério Alves Bordalo. Orientador: professor Ticiano José Saraiva dos Santos. Dia 31 de maio de 2016, às 14 horas, no auditório do IG. Linguagem: “Compreensão auditiva extensiva na percepção de alunos de inglês: um estudo Q” (mestrado). Candidato: Itaniel Claudio Hubner. Orientadora: professora Linda Gentry El Dash. Dia 30 de maio de 2016, às 9h30, na sala de colegiados do IEL. “Práticas colaborativas de escrita em disciplina de língua inglesa de curso militar” (mestrado). Candidata: Viviane de Fátima Pettirossi Raulik. Orientador: professor Petrilson Alan Pinheiro da Silva. Dia 3 de junho de 2016, às 9h30, na sala de colegiados do IEL. Matemática, Estatística e Computação Científica: “Zeros de polinômios ortogonais e de polinômios ortogonais múltiplos” (doutorado). Candidato: Eliel José Camargo dos Santos. Orientador: professor Dimitar Kolev Dimitrov. Dia 30 de maio de 2016, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. “Estimação e diagnóstico em modelos multivariados para dados censurados” (doutorado). Candidata: Larissa Avila Matos. Orientador: professor Víctor Hugo Lachos Dávila. Dia 30 de maio de 2016, às 14 horas, na sala 221 do Imecc. “Equações diferenciais fracionárias não lineares” (doutorado). Candidato: Adrian Ricardo Gomez Plata. Orientador: professor Edmundo Capelas de Oliveira. Dia 1 de junho de 2016, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.
Destaque do Portal
Professores discutem prova de redação do vestibular ábado, 21 de maio de 2016. O relógio marca 7h50. A faixa pendurada com os dizeres “Oficina A Redação no Vestibular Unicamp” em frente ao Centro de Convenções da Unicamp, indica que tudo está pronto para começarem as atividades da 13ª edição do evento organizado pela Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest). São aguardados para este dia 337 profissionais da área da linguagem. Sentado ao lado das portas de vidro, aguardando a abertura dos auditórios prevista para as 9 horas, está Renan Luis Salermo, pós-graduando em estudos da língua. Renan veio de Londrina (PR) por indicação de um amigo para participar do ciclo de palestras. Segundo ele “o Vestibular da Unicamp tem uma dimensão nacional e isso me motivou a vir procurar a oficina para melhorar minha prática profissional. É uma prova que tem um nível bom de discussão, de posicionamento e de uso da língua. Uma prova muito bem elaborada”, reforça Renan. Já com o material didático utilizado pelos monitores da oficina estão Heloísa Baldo e Caroline Arantes que vieram juntas de Araraquara (SP), onde cursam a faculdade de Letras. É a primeira vez que participam do evento, embora Heloísa já tenha se aproximado, efetivamente, da prova de redação quando prestou o Vestibular Unicamp há alguns anos atrás. “Tenho interesse em dividir o conteúdo disponibilizado aqui hoje com meus alunos e, claro, pretendo ter a oportunidade de ser corretora das redações aqui da universidade”, conta Heloísa. Caroline, que também já foi corretora de outros vestibulares, reforça que sempre se sentiu atraída pelo Vestibular Unicamp e pela concepção de texto adotada nas provas de redação. “É importante saber como a universidade está pensando para levar isso para os meus alunos, que querem muito ser aprovados aqui”, frisa Caroline. Além de aprimorar seus conhecimentos, muitos se inscrevem para o evento também com o intuito de compor a banca corretora das redações no próximo processo seletivo da Universidade, uma vez que a participação nessa Oficina é um dos requisitos obrigatórios para a convocação. A Comvest registrou um número recorde de inscritos nos últimos sete anos consecutivos, chegando a 77.760 inscritos no Vestibular Unicamp 2016, o que implica em mais de 27 mil textos corrigidos.
Fotos: Divulgação
A oficina “A Redação no Vestibular Unicamp” reuniu mais de 300 participantes no Centro de Convenções da Universidade
Os professores Carlos Alberto dos Santos e Rosilene Dantas Silva, ambos da cidade de Itu (SP), são exemplos desse interesse. Para eles, seria uma grande oportunidade corrigir as redações dos candidatos de um dos maiores vestibulares do país e ainda dividir essa experiência em sala de aula. “O aluno precisa ser repertoriado e ter uma grande competência leitora para que ele possa desenvolver o seu texto e nós observamos que a cada ano que trabalhamos com eles oferecendo subsídios para isso, a produção deles é muito mais positiva. Ainda mais trabalhando com diversos gêneros textuais” explica Carlos. Já Rosilene, soma a esses interesses a expectativa de abrir o leque para auxiliá-la em o seu mestrado “se possível aqui mesmo na Unicamp”, relata ela. A mesa de abertura da Oficina de Redação foi composta pelos seguintes coordenadores da Comvest: professores Edmundo Capelas, coordenador executivo; Jayme Vaz, coordenador de pesquisa e Petrilson Pinheiro, coordenador acadêmico, além da professora Márcia Rodrigues de Souza Mendonça, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), que no primeiro contato com os inscritos sanou as principais dúvidas que surgiam durante o debate. A coordenadora acadêmica de Redação da Comvest, Luciana Amgarten Quitzau, conta que “os professores presentes têm acesso à
filosofia da prova de Redação do Vestibular Unicamp e recebem informações sobre como elas foram corrigidas. Ao longo do sábado, divididos em grupos menores, eles são acompanhados por profissionais que atuam diretamente nos processos de formação de corretores e de correção dos textos. Nesses grupos menores, os professores leem redações produzidas por candidatos ao Vestibular 2016 e entendem por que aqueles textos selecionados foram considerados abaixo ou acima da média”, explica Luciana. De acordo com ela esse evento é fundamental para aproximar o exame do ensino médio e permitir que os professores desfaçam alguns mitos que são criados a respeito da prova de redação, além de enfatizar a necessidade de a escola trabalhar as habilidades de leitura e escrita de forma integrada. Os professores Eliane Campos, Simone Xavier, Fabiana dos Anjos e Felipe de Andrade, todos da cidade do Rio de Janeiro (RJ), se reuniram em grupo na viagem a Campinas para participar da Oficina. “Um de nós aparece com a informação e a escola toda abraça. Os alunos também acham o máximo, pois reforçamos que estamos aqui por eles e eles acham muito interessante”, conta Simone. A professora do ensino médio Daniela Loro é também coordenadora de um cursinho preparatório para vestibular e participa
da Oficina desde a primeira edição. Para ela as escolas não devem ater-se a aulas de gêneros textuais como se houvesse modelos prévios de construção de texto. “Na verdade, a gente quer desafiar o aluno a elaborar estratégias específicas para aquela situação de comunicação. É muito mais trabalhoso, entretanto tem dado certo”, explica Daniela. Ela reforça ainda que participa sempre das oficinas pois são muito enriquecedoras e contribuem para mudar as estratégias em sala de aula. “É um trabalho de preparação para melhorar a qualidade do ensino”, finaliza ela. Para o professor Petrilson Pinheiro, coordenador acadêmico da Comvest, a Oficina “expõe e discute com seus participantes as questões relacionadas à correção da Prova de Redação do Vestibular Unicamp, o que muito contribui para um processo de retroalimentação da educação básica, visto que os professores, ao conhecerem melhor as propostas de redação, podem trabalhar com mais eficiência a produção escrita com seus alunos em seus contextos de ensino”. Ao final dos ciclos de palestras, pouco a pouco os professores vão deixando os auditórios. Agora o relógio aponta 17 horas. Com certificado em mãos, os profissionais vão retornando para casa, carregados de conhecimento. Prontos para compartilhar e preparar melhor seus alunos. (Ricardo Adorno)
11 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016
Qual foi o legado dos projetos para a Copa em São Paulo? Fotos: Álvaro Kassab
Estudo aponta que planos de desenvolvimento para a região de Itaquera são bons, mas incompletos MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
laborados a partir dos investimentos executados para a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 2014, os planos de desenvolvimento sustentável da região contida na Microbacia do Córrego Jacu, onde está localizado o bairro de Itaquera, na periferia de São Paulo, contemplam em boa medida as aspirações da população local. A despeito disso, aspectos importantes para alcançar os objetivos traçados, como a definição de políticas públicas destinadas à melhoria da educação e ao combate à gentrificação, fenômeno que provoca a alteração do perfil imobiliário e força a saída dos moradores mais pobres do lugar, não foram considerados nas propostas. A constatação é da dissertação de mestrado do engenheiro civil André Ferreira Overa, defendida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, sob a orientação do professor André Munhoz de Argolo Ferrão. De acordo com Overa, o objetivo da pesquisa não foi analisar diretamente o legado deixado pelos investimentos realizados para viabilizar a Copa de 2014, mas sim compreender as perspectivas de desenvolvimento almejadas pela população e verificar se os planos contemplam esses anseios. “Queríamos avaliar exclusivamente se esses planos atendiam ou não as aspirações das pessoas que vivem naquela faixa da cidade de São Paulo”, explica. No trabalho, o engenheiro civil considerou os principais pontos de três documentos: Operação Consorciada Rio Verde-Jacu, Plano Diretor Estratégico de São Paulo e Plano de Bacia do Alto Tietê, de modo a abarcar projetos nas áreas econômica, social, cultural e ambiental. Dito de modo simplificado, os três planos definem ações de planejamento de diversas ordens e abrangências. Estas abarcam desde questões relativas à drenagem e uso da água até a definição de áreas para a implantação de pontos comerciais, passando por propostas de melhoria da mobilidade urbana. “A partir do levantamento desses pontos, nós entrevistamos os principais atores envolvidos com a realidade e a dinâmica da região, para verificar se suas necessidades estavam consignadas nos planos elaborados a partir dos investimentos executados para a Copa”, reafirma Overa. Entre os atores ouvidos estavam moradores, comerciantes, corretores imobiliários, gestores públicos, urbanista etc. Estes foram separados em três grupos: Desenvolvimento Esportivo, Desenvolvimento Urbano e Governança. Ao cruzar as determinações contidas nos planos com as manifestações dos entrevistados, o pesquisador diz ter constatado que as propostas presentes nas políticas públicas formula-
das para a região atendem a boa parte das demandas da população local. Nem por isso, entretanto, os documentos podem ser considerados perfeitos. “São bons planos, mas que precisam ser aperfeiçoados em alguns aspectos”, avalia Overa. Um ponto fundamental que não está considerado nas propostas, conforme o autor da dissertação, é a definição de mecanismos que possam combater a gentrificação. O fenômeno ocorre com certa frequência em regiões que recebem investimentos para abrigar megaeventos como é o caso do Mundial de Futebol. Com a valorização imobiliária decorrente do desenvolvimento local, as famílias mais pobres normalmente são forçadas a se mudar, pois não conseguem mais arcar com a elevação significativa dos preços dos aluguéis. “Segundo os entrevistados, esse problema foi verificado nas imediações de Itaquera. Muitas famílias tiveram que deixar o bairro e se transferir para o que podemos considerar uma ‘nova periferia’”, relata. Uma maneira de evitar esse tipo de evasão, diz Overa, é estabelecer políticas públicas na área de habitação que favoreçam a população mais vulnerável. Outro assunto que não é sequer citado nos planos de desenvolvimento da Microbacia do Córrego Jacu é a educação. “Curiosamente, o tema também não foi mencionado pelos atores entrevistados durante a realização da pesquisa. A dissertação também deixou de fazer referência a essa importante dimensão, o que foi observado pelos membros da banca avaliadora, no momento da defesa. Obviamente, a educação tem impacto significativo em várias outras áreas e precisa contar com políticas públicas que a qualifiquem e a ampliem”, declara o engenheiro civil. Uma das formas de melhorar estes e outros planos de desenvolvimento de uma dada região, no entender de Overa, é democratizar a participação da sociedade nas discussões que antecedem a elaboração das propostas. “Não adianta convocar a população para participar de uma audiência pública que será realizada daqui a uma semana. Antes, é preciso capacitar as pessoas para que elas possam contribuir de forma efetiva para a definição das diretrizes e projetos. Isso pode ser feito, por exemplo, oferecendo cursos e promovendo palestras, de modo a estimular a reflexão dos moradores sobre a realidade na qual vivem”, sugere o autor da dissertação, que contou com bolsa de estudos concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Publicação
Na foto maior, complexo viário construído ao lado da arena (acima, com o casario do bairro ao fundo), que recebeu jogos da Copa de 2014, e conjunto habitacional em Itaquera: sustentabilidade e gentrificação em pauta
Dissertação: “Perspectivas de desenvolvimento local na Bacia do Alto Tietê a partir da implantação de empreendimentos civis para um megaevento esportivo: sustentabilidade ou gentrificação?” Autor: André Ferreira Overa Orientador: André Munhoz de Argollo Ferrão Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) Financiamento: CNPq
12 Campinas, 30 de maio a 5 de junho de 2016
Única e múltipla PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
la é a moça que se vê na foto de cabelos cheios e crespos, de macacão branco, um pouco tímida, mãos no bolso. É a moça atrás do microfone, atrás de Tom Zé. Em 1982, aos 17 anos, Regina Machado iniciava a carreira de cantora abençoada pelo grande. Havia recebido um convite para fazer vocal para o cantor e compositor e, ao lado de Tom Zé, fez muitas coisas. Gravou canções para a coleção Taba da Abril Cultural, dedicada ao público infantil, se apresentou em vários shows pela capital e interior de São Paulo, além de programas de TV. Foi amadurecendo e se consolidando como cantora e produtora cultural. Aos 27 voltou para a universidade como aluna e, aos 37, tornou-se professora do curso de Música da Unicamp. Já tinha participação em trilha de filme premiada em Gramado, disco solo com arranjos de Mario Manga, uma escola de canto e mais itens em um currículo de fazer inveja. Desde então foram mais dois discos e, mais recentemente, o reencontro com Tom Zé, com quem Regina já não mantinha muito contato. Mencionou a intenção de gravar músicas dele em um encontro rápido de camarim, depois de um show do compositor. E quando cinco canções estavam prontas, ligou para Neusa, a esposa do Tom Zé que cuida da carreira do artista. Dias depois foi a vez dele enviar um email de reconhecimento pela qualidade do trabalho. O disco que reúne nove canções, recriadas com os arranjos de Dante Ozzetti, ganhou o nome da segunda: Multiplicar-se única. Regina Machado agora ensaia o repertório para os shows que devem ocorrer em 2016. Ela conversou com o Jornal da Unicamp após uma de suas aulas no Instituto de Artes (IA). Jornal da Unicamp – Multiplicar-se única é o seu quarto disco. Como foi a escolha das canções do Tom Zé? Regina Machado – No ano passado, chamei o Dante Ozzetti para fazer um disco novo, e comecei a ouvir canções do Tom Zé. Inicialmente o projeto não era apenas com as canções dele. Eu pensava em colocar uma ou duas canções do Tom Zé, como Menina Jesus, que eu havia cantado com ele no meu início de carreira, e provavelmente Complexo de épico, que conheci no momento da pesquisa. Mas quando comecei a ouvir o repertório, tinha todo aquele material na mão e pensei “isso aqui dá um disco”. Bem, nós tínhamos o disco, mas tínhamos também uma grande responsabilidade porque as performances do Tom Zé são muito marcantes, ele é um artista com uma identidade muito forte. Seria uma responsabilidade trabalhar aquelas canções, se apropriar delas e, ao mesmo tempo, não deixar que elas perdessem a sua identidade original. Nosso objetivo era que a gente pudesse ser instrumento desse projeto do compositor, que ele manifesta nas canções, mas que também minha personalidade artística estivesse ali. O desafio era equilibrar as duas coisas. Foto: Milton Gamez/Divulgação
JU – Como foi a produção do disco? Regina Machado – Nós começamos a préprodução somente eu e o Dante, gravando só voz, às vezes voz e violão. Antes de conceber os arranjos, o Dante se baseava no que eu estava fazendo vocalmente. Ele trabalhou muito com o Guilherme Kastrup criando, inicialmente, algumas texturas e ambiências para algumas das canções. Gravamos cinco músicas já com os arranjos e decidimos mostrar para o Tom Zé. Deixamos uma cópia para ele e, alguns dias depois, Tom Zé me mandou um email enorme falando que ele tinha achado o trabalho incrível. Ele dizia que já tinha visto muita gente se dar muito mal tentando gravar as canções dele. No início, ele achou que pudesse ser mais uma experiência desastrosa. Ele ficou surpreso, disse que descobriu coisas nas canções dele que até então não tinha se dado conta; ele redescobriu a própria obra. Aí fomos até o final. JU – O Tom Zé chegou a sugerir alguma canção? Regina Machado – Depois que ele ouviu as cinco primeiras [Menina Jesus, O amor é velho – menina, Multiplicar-se única, Augusta, Angélica e Consolação e Solidão], sugeriu que eu escutasse o disco Estudando a bossa e de fato encontrei a música João nos tribunais, que é incrível, uma síntese não só da importância de João Gilberto para a música popular brasileira, mas também um relato muito preciso daquele momento e do impacto que a presença dele causou na música brasileira e mundial. JU – Você tinha essa intenção, de trazer as narrativas do Tom Zé para o seu trabalho? Regina Machado – O Tom Zé é um cronista, um baiano radicado em São Paulo há muitos anos e que tem uma visão muito peculiar da cidade. Ele é um artista muito urbano, muito inquieto, que trabalha muito com essa ideia do caos em cena e na composição também. A maneira como ele descreve essas narrativas sempre me chamou muito a atenção desde que trabalhei com ele. Mas, naquele momento, eu estava aprendendo tudo isso. Uma coisa que eu achei muito boa foi poder olhar para esse material agora mais madura, podendo compreender aquilo ali de outro jeito. Uma coisa aos 17, outra aos 50 anos de idade. O disco tem essas canções com as quais eu tenho profunda identidade com o que está sendo dito. Eu tinha que encontrar a minha maneira de dizer e acho que foi nesse mergulho que chegamos nessas nove canções e chegamos, também, a essa ordem que, de alguma maneira, estabelece uma narrativa para o disco. Isso, inclusive, foi uma coisa que eu aprendi com o Tom Zé lá, muito cedo. Me lembro sempre dele dizer que não tinha nada mais chato do que uma música depois da outra, se você não conta uma história, se não dá um sentindo para aquilo. Então, quando eu escrevi esta ordem, foi pensando nisso também. Os meus outros discos também têm isso, eu aprendi mesmo. JU – Não é uma música depois da outra...
Foto: Antoninho Perri
A cantora e professora do IA Regina Machado, que acaba de lançar o CD “Multiplicar-se única”, com canções de Tom Zé: “Eu acho que um disco tem que contar uma história em pouco tempo”
Regina Machado – Você está sempre contando uma história. É claro que com a internet essa história vai ser recontada de muitas formas. As pessoas ouvem uma música depois vão ouvir outra, as pessoas criam as suas próprias histórias, mas a minha está aqui, está contada aqui no “Multiplicar-se única”. JU – Qual é essa narrativa então? Regina Machado – Acho que é a narrativa do artista que busca através das canções entender coisas da condição humana, falar sobre o amor, sobre as perdas, sobre o quanto a sociedade pode ser injusta, dura e, por vezes, em oposição a isso, completamente apaziguadora. Você vê isso em Luagirassol que é quase uma canção ritual, uma canção muito circular, que faz a gente entrar em conexão com os sentimentos mais profundos e mais simples também, e de repente ver coisas como a Menina Jesus que é atualíssima e põe em discussão as diferenças sociais, a sexualidade, um aspecto desumano das cidades. Incrível como as canções se atualizam. JU – A sua voz é muito forte, mas ao mesmo tempo também tem uma característica mais suave, doce... Você procurou, de alguma maneira, tornar a obra do Tom Zé mais palatável? Regina Machado – É uma coisa do meu trabalho. O Tom Zé é um artista que lida com o incômodo, com o desconforto. Ele provoca muito. No meu trabalho espero ter esse componente provocador, mas tenho também outro lado mais lírico, mais doce talvez. Acho que pude, ou pelo menos tentei temperar, colocar um pouco das duas coisas. Então tem coisas mais agressivas e mais irônicas como Complexo de épico, que é uma autoironia, uma canção que fala do lance do compositor se levar muito a sério, mas que também fala o quanto nós nos levamos muito a sério. E depois do compositor, os professores universitários. JU – Ficou alguma coisa de fora, que você queria ter gravado, mas não deu? Regina Machado – Dentro da seleção que eu fiz, eu separei em torno de vinte músicas, mas aí tem a sua concepção das coisas. Eu acho que um disco tem que contar uma história em pouco tempo. A canção em si conta uma história que poderia estar em um livro, poderia ser contada de uma maneira muito mais extensa. A canção tem esse poder incrível de sintetizar e colocar em três minutos uma narrativa por vezes bastante complexa. Eu acho que o disco tem um pouco esse papel de compilação. Todos os meus discos têm um pouco essa ideia de serem curtos, de provocar aquele desejo de ouvir de novo e não de saturar. Eu prefiro estimular isso. Hoje em dia a nossa relação com o tempo é muito diferente, tudo é mais rápido, as pessoas estão mais inquietas, não conseguem Foto: Gal Oppido/Divulgação
À esq., Regina Machado, aos 17 anos, acompanhando Tom Zé em apresentação realizada em 1982; à dir., ao lado do compositor em foto que integra encarte do CD: afinidade de longa data
ouvir por muito tempo, então existe todo um processo educativo que é de estimular a escuta, a atenção, o desacelerar, se entregar para aquele rito. Porque hoje ir a um show ou ouvir um disco é um ritual, você está parando um pedacinho dos seus afazeres para dedicar seu tempo àquela fruição, para experimentar aquilo ali, para ser tocado emocionalmente. A música pode nos levar para um lugar de reflexão, mas ainda assim, protegido da crueza da vida real. JU – Dentro da sua carreira como esse disco se coloca? Regina Machado – Tem uma coerência dentro da minha história porque a música brasileira para mim é prioritária, embora tenha canções em outros discos que eu cante em alemão, em inglês e espanhol. O curso que dou na Unicamp é voltado para a voz na canção popular brasileira, então os alunos vão conhecer essa história, vão entender o que isso significa para nós, o quão este é um patrimônio preciosíssimo da nossa cultura e a gente se apropriar disto nos faz melhores cidadãos. Esse disco recupera uma parte do meu início, e oferece ao público uma outra leitura das canções de Tom Zé, que é um dos maiores compositores da nossa história. JU – Eu percebo que você tem esse trabalho de valorização da canção... Isto é fundamental para você? Regina Machado – Eu sou uma cantora dedicada à canção, que eu nem sei mais se é tão popular assim. Considero fundamental porque existe esta tradição, ela está viva, embora a grande indústria, os grandes meios de comunicação, a televisão especialmente, não se interessem mais por ela. Mas, o fato é que ela continua em franca produção. Nós temos novas gerações de compositores, de cantores, inclusive muita gente está se formando aqui na Unicamp, artistas que estão em cena, estão atuando e gravando com propostas muito legais, gente que está dando continuidade a esta tradição, o que significa ter um ponto de contato e apontar um caminho novo. Isso está vivo. Como patrimônio cultural ela é importante também porque o Brasil produz uma canção que talvez não encontre pares em nenhum outro lugar do mundo, visto que ela traça um elo entre a cultura popular e a chamada alta cultura. Na canção brasileira conseguimos uma síntese em termos de qualidade de letras e de melodias que é difícil encontrar, ela alcançou um nível de excelência e de diálogo com outras artes, com a literatura, com as artes plásticas. É uma história que começou lá nos anos 1920, 1930, com a geração de Noel Rosa, Ary Barroso, Wilson Batista, Lamartine Babo, passou por Tom Jobim, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Chico Buarque, Edu Lobo, José Miguel Wisnik, Itamar Assumpção, Luiz Tatit para citar apenas alguns poucos compositores, sem falar nos intérpretes. São muitas gerações de artistas que consolidaram uma tradição que não para de se reinventar, alimentada por nomes como Fred Martins, Kristoff Silva, Kiko Dinucci, Chico Saraiva, Fabio Barros e Romulo Fróes, por exemplo. Eu tenho um orgulho imenso de trabalhar com a música popular brasileira. Um orgulho e um prazer que se renovam não só na realização artística, mas, na possibilidade de levar esse universo para jovens estudantes que precisam conhecer, se apropriar e ter orgulho dessa história.