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Campinas, 20 a 26 de junho de 2016 - ANO XXX - Nº 660 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Roberto Sanches Rezende
Afeto e escambo no coração da selva
6 e7
Pesquisa etnográfica do antropólogo Roberto Sanches Rezende revela como as relações de troca e de afeto permeiam o cotidiano e a realidade política e econômica dos moradores de Iraçu, comunidade localizada na Reserva Extrativista do Alto Juruá, no oeste do Acre. Rezende morou na localidade amazônica para fundamentar o seu trabalho, transformado em tese defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). O estudo foi orientado pelo professor Mauro William Barbosa de Almeida. Camponeses em lavoura da Reserva Extrativista do Alto Juruá, em Iraçu, Acre
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Técnicas detectam fraudes em documentos digitais Um cimento feito com lodo e resíduos do arroz
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Os danos causados por veículo pesado em rodovias
Esquadrinhando a origem da vida
Surdez é ameaça em 5 categorias profissionais
Os super-verões do revertério climático
Micróbios na base do sabor do vinho
TELESCÓPIO
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TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br Foto: Brett A. McGuire/Divulgação
A origem da origem da vida Algumas moléculas orgânicas apresentam uma característica chamada “quiralidade”: diferem na orientação espacial de suas partes – existindo em duas formas, comumente chamadas “esquerda” e “direita” –, a despeito de partilharem a mesma fórmula química e terem diversas propriedades idênticas. Essa diferenciação é especialmente importante para a biologia: na Terra, os seres vivos têm uma forte preferência por aminoácidos “esquerdos”, por exemplo. A origem desse viés ainda é um mistério, já que ambas as formas podem ser produzidas com igual probabilidade, e talvez esteja ligada à própria origem da vida. Moléculas quirais já foram detectadas em cometas e meteoritos, fato citado por pesquisadores que defendem a ideia de que os ingredientes básicos da biologia chegaram à Terra vindos do espaço. Agora, artigo publicado na revista Science aponta a descoberta de um tipo de molécula com quiralidade, o óxido de propileno, numa nuvem de gás próxima ao centro da Via-Láctea, região onde há intensa atividade de formação de estrelas. A molécula foi detectada graças às ondas de rádio emitidas enquanto vibra no meio interestelar. “Trata-se um salto pioneiro em nossa compreensão de como moléculas prebióticas são produzidas no Universo, e os efeitos que podem ter na origem da vida”, disse, por meio de nota, o principal autor do artigo, Brett McGuire, pós-doutorando do Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO) dos Estados Unidos. O próximo passo, disse ainda McGuire, é determinar se, no espaço, uma das formas quirais do propileno predomina sobre a outra.
Cérebro de passarinho Aves como corvos e papagaios têm capacidades cognitivas comparáveis às de primatas, embora seus crânios (e, por consequência, seus cérebros) sejam muito menores. Um artigo publicado no periódico PNAS aponta uma solução para esse aparente paradoxo, ao determinar que os cérebros dessas aves ocupam um volume menor que os dos primatas, mas acomodam suas células de modo mais eficiente: de fato, têm uma densidade de neurônios superior à dos mamíferos em geral. “Como esses neurônios ‘extras’ encontram-se predominantemente na parte frontal do cérebro, grandes papagaios e corvídeos têm contagens de neurônios frontais iguais ou maiores que as de macacos com cérebros muito maiores”, escrevem os autores, de instituições europeias e brasileiras. “Desse modo, o cérebro das aves têm o potencial de fornecer um ‘poder cognitivo’ muito maior, por unidade de massa, que o dos mamíferos”.
Pesca e desnutrição Mais de 10% da população do planeta, principalmente em regiões pobres da zona equatorial, corre risco de sofrer com deficiências de micronutrientes, como vitaminas, por conta do declínio das populações de peixes causado fatores como pesca predatória e mudança climática, adverte artigo de opinião publicado na edição mais recente da revista Nature. “A maioria das análises prévias considerou apenas como as pessoas serão afetadas pela perda de proteína derivada dos peixes. Calculamos que essa é apenas a ponta do iceberg”, escrevem Christopher D. Golden, da Escola de Saúde Pública de Harvard, e colegas. “Populações pobres têm menos alternativas para compensar o decréscimo iminente de acesso
asteroides, cometas ou, mesmo, de planetas rochosos, como Marte. Resgatar um meteorito depois de rastrear sua trajetória no céu oferece dados sobre seu ponto de origem. Anualmente, apenas cerca de três meteoritos de trajetória conhecida são recuperados. A nova iniciativa espera conseguir resgatar pelo menos um ao ano, em solo francês.
Suecos encontram meteorito
Visão da Via-Láctea e do núcleo galáctico a partir do vulcão de Mauna Kea, no Havaí
a micronutrientes. Carne, ovos, suplementos de vitaminas e peixes importados podem ser caros demais”.
Verões piores virão Se a mudança climática prosseguir no ritmo atual, os verões entre 2060 e 2081 têm mais de 80% de chance de serem os mais quentes já registrados sobre todas as massas de terra do planeta, com exceção da Antártida, aponta estudo publicado pelo Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos (NCAR, na sigla em inglês) no periódico Climatic Change. Os autores do trabalho rodaram uma série de simulações no Community Earth System Model (CESM), um sistema computacional que modela o clima da Terra no passado, presente e futuro, mantido pelo Departamento de Energia e pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA. De acordo com nota divulgada pelo NCAR, ao rodar simulações de um mesmo modelo seguidas vezes, com divergências mínimas nas condições iniciais, os autores foram capazes de examinar diversos cenários, pressupondo que os níveis de emissão de gases do efeito estufa seguirão na trajetória atual. Uma redução nas emissões de carbono reduzirá a probabilidade de verões extraordinários, mas de modo desigual em diferentes partes do mundo. Brasil, Europa Oriental e China seriam beneficiados, vendo o risco de “super-verões” cair em mais de 50%.
Ecologia do extremismo Pesquisadores baseados nos Estados Unidos criaram um modelo matemático da interação de grupos de apoiadores do Estado Islâmico nas redes sociais, mostrando que esses extremistas tendem a formar “agregados” – grupos informais unidos por links dirigidos a uma mesma página ou perfil – que crescem e proliferam antes de atos extremistas. O trabalho está publicado na revista Science. Esses agregados também são capazes de se adaptar à pressão das autoridades e de se
reagrupar depois de expostos, de um modo que grupos de ativistas de direitos civis – acompanhados como controle – não conseguem. Os autores do artigo afirmam, no entanto, que é possível evitar a formação de grandes agregados extremistas atacando-os quando ainda pequenos. Se isso não é feito, os pequenos grupos tendem a crescer e dar origem a super-agregados. O trabalho também diz que deve ser possível usar a atividade online para prever a irrupção de atos pró-Estado Islâmico no mundo real, mesmo quando nenhuma data é mencionada nas mensagens postadas nas redes sociais.
Novos elementos Salvo alguma impugnação durante o período de consulta pública que deve se estender até novembro, quatro novos elementos da tabela periódica, cuja descoberta foi confirmada no fim do ano passado, já têm nomes oficiais: nihonium (elemento 113), moscovium (115), tennessine (117) e oganesson (118). O elemento 113, descoberto por uma equipe japonesa, é o primeiro a ser nomeado na Ásia. Os elementos 115 e 117 homenageiam a capital russa e o Estado do Tennessee, nos EUA. Já oganesson é uma homenagem ao cientista russo Yuri Oganessian, um dos principais nomes na área de pesquisa e síntese de elementos químicos. Os novos elementos, assim como a maioria dos de número atômico acima de 92 (urânio) têm núcleos instáveis e não foram observados na natureza, mas sintetizados em aceleradores de partículas.
Franceses caçam meteoritos Cientistas franceses estabeleceram uma rede de detecção e captura de meteoritos que começa com 68 câmeras apontadas para o céu, espalhas pelo país. O esforço deve contar com 100 câmeras até o fim do ano, informa o site da revista Nature. Batizada de Rede de Resgate de Bolas de Fogo e Observação Interplanetária, a iniciativa foi lançada no fim de maio. Meteoritos, pedras que vêm do espaço e caem na Terra, podem ser fragmentos de
Um meteorito de um tipo até agora desconhecido na Terra foi descoberto numa pedreira sueca, informa artigo publicado no periódico Nature Communications. A pedra espacial única foi encontrada num leito de onde também foram extraídos mais de 100 meteoritos de um tipo mais comum, os L-condritos. Os autores do trabalho, de instituições da Suécia e dos EUA, especulam que a rocha pode ser parte de um asteroide que colidiu com o corpo original de onde vieram os L-condritos, há cerca de 470 milhões de anos. “Este pode ser o primeiro exemplo documentado de um meteorito ‘extinto’, isto é, um tipo de meteorito que não cai mais na Terra porque seu corpo de origem foi consumido em colisões”, escrevem os pesquisadores.
Comércio antes de Colombo Artefatos metálicos de fabricação europeia já haviam chegado ao Alasca séculos antes do descobrimento das Américas, vindos da Sibéria pelo Estreito de Bering. Os objetos, uma conta decorativa e um pedaço de fivela de cinto, feitos de uma liga de bronze e chumbo, são descritos no periódico Journal of Archaeological Science. “Isto não é uma surpresa, com base na história oral e em outros achados arqueológicos, e era apenas uma questão de tempo até termos um bom exemplo de metalurgia eurasiana que tivesse chegado via comércio”, disse, em nota, o antropólogo H. Kory Cooper, da Universidade Purdue, que conduziu a análise do metal.
Micróbios do vinho A população de micróbios presente no mosto – o suco de uvas prensadas que vai fermentar para dar origem ao vinho – permite prever quais serão as moléculas responsáveis por sabor e textura que estarão presentes no produto final, diz estudo publicado no periódico online mBio, da Sociedade de Microbiologia dos Estados Unidos. Os pesquisadores da Universidade da Califórnia em Davis fizeram o sequenciamento genético dos microbiomas de mais de 700 amostras de mosto e de vinho, coletadas em diversas etapas do processo de vinificação, ao longo de 2011, em duas vinícolas californianas. As uvas utilizadas foram chardonay e cabernet sauvignon. O estudo mediu as mudanças na abundância de certas variedades de fungos e bactérias, além de correlacionar o microbioma do mosto às moléculas presentes no vinho pronto. Um dos autores, David Mills, disse que ainda é cedo para determinar qual a influência de cada tipo de micro-organismo na qualidade final do vinho, e que é improvável que ajustes artificiais no microbioma possam, algum dia, permitir controlar todas as características do produto final. Mas diz que talvez venha a ser possível usar esse conhecimento para modular certos aspectos do sabor.
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Caçadores de fraudes Pesquisa na área da computação forense sugere conjunto de passos para identificar documentos digitais falsificados Foto: Divulgação
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
esquisa desenvolvida no Instituto de Computação (IC) da Unicamp propõe nova abordagem para a identificação de fraudes em documentos digitais. Em vez de utilizar um método único para cada tipo de caso, como se faz usualmente, o estudo sugere a combinação de diferentes técnicas [metodologia denominada de multianálise] como forma de refinar a investigação. O trabalho consistiu na tese de doutoramento do cientista da computação Anselmo Castelo Branco Ferreira, que foi orientado pelo professor Anderson de Rezende Rocha e coorientado pelo professor Jefersson Alex dos Santos, do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os crimes envolvendo a adulteração de documentos digitais, observa Ferreira, têm aumentado significativamente em tempos recentes, acompanhando o crescimento das redes sociais, blogs e sites. “Está se tornando cada vez mais difícil constatar a autenticidade de fotografias e vídeos compartilhados nesses espaços, dado que as ferramentas de edição de imagens também estão cada vez mais acessíveis”, afirma. Comprovar se um documento é autêntico não constitui, porém, o único desafio para quem atua na área da computação forense. De acordo com o autor da tese de doutorado, outra dificuldade é descobrir a origem dos documentos. “Identificar qual impressora gerou um contrato fraudado, por exemplo, também é tarefa das mais complexas”, diz. Normalmente, esse tipo de fraude tem sido investigado por meio de abordagens específicas. “Ainda nesse contexto, quando pensamos na identificação de falsificações em fotografias, normalmente as técnicas exploram um ou poucos aspectos ou artefatos de cada vez. Ou seja, muitas vezes uma técnica verifica um único ponto, como a iluminação da foto. Ocorre que esse tipo de exame não é tão efetivo, porque desconsidera vários outros elementos. O que a tese propõe é realizar uma multianálise do documento, promovendo a combinação de diferentes técnicas para checar distintos atributos do objeto investigado”, acrescenta Ferreira. Dito de modo simplificado, o trabalho do pesquisador estabelece um conjunto de passos, vários deles originais, para promover a checagem tanto da autenticidade quanto da origem de documentos digitais. Assim, utilizando novamente o exemplo da fotografia, ao invés de investigar somente a iluminação, o modelo também consideraria outras propriedades da imagem, como cor, tom de pele das pessoas e eventuais inconsistências nas bordas, que são analisadas por algoritmos dotados da capacidade de aprender com esses dados de entrada. Em seguida, outro algoritmo faz a fusão dessas análises e determina se o objeto em questão foi ou não alvo de alguma manipulação. “O cumprimento dessa rota é importante porque a fraude pode eventualmente driblar um algoritmo, mas dificilmente conseguirá driblar vários deles”, pontua o professor Rocha. Em relação à origem do documento, o procedimento é semelhante. No caso de um texto impresso, por exemplo, os pesquisadores avaliam o tipo e o corpo das letras, a área de mancha da impressão, o tom do toner etc, e fazem a comparação com textos gerados por impressoras suspeitas, de modo a encontrar diferenças ou semelhanças. O orientador da tese observa que, para realizar esse tipo de análise, os documentos digitais passam por pré-processamentos. “Nós ampliamos ou reduzimos várias vezes uma imagem, para enfatizar determinadas propriedades da mesma. Ou a decompomos em diferentes canais de informação. Ou, ainda, aplicamos determinadas perturbações. Como muitos fraudadores aplicam filtros nas imagens, na tentativa de dificultar a comprovação da falsificação, nós também filtramos a imagem diversas vezes e analisamos o comportamento desta após cada etapa de filtragem, que pode ser vista como um processo de perturbação. Se ela não foi filtrada anteriormente, o comportamento será um. Se foi, será outro”, pormenoriza.
Exemplo de detecção de fraude usado na pesquisa: checando a origem e a autenticidade de documentos
Uma analogia interessante em relação a esse processo seria com a compressão de textos. “Se temos um texto original nunca foi comprimido e o comprimimos pela primeira vez, ele diminui de tamanho; se ele já foi comprimido anteriormente, dificilmente diminuirá e, possivelmente, até aumentará de tamanho. O mesmo acontece na filtragem; se a imagem já foi filtrada e a filtramos novamente, certos elementos da mesma serão excluídos, mas, certamente, são elementos diferentes em relação àquela imagem que nunca foi filtrada e está sofrendo a primeira filtragem”, reforça o docente do IC. Outro aspecto importante, conforme o autor da tese, é que o método proposto pode ser expandido e agregar outras técnicas de análise. Assim, também pode ser aplicado, em tese, a outros tipos de documentos, como vídeos e áudio. “Existe essa possibilidade. Em relação a um arquivo de áudio, o principal objetivo de uma investigação é identificar quem é o locutor. Nesse caso, o princípio seria o mesmo, ou seja, utilizar dois ou três algoritmos para analisar diferentes propriedades da voz, para depois confrontá-las com os atributos da voz do suspeito. Em relação a um vídeo, a probabilidade é ainda maior, visto que este nada mais é que um conjunto de fotos em movimento. Nesse caso, seria possível analisar cada quadro separadamente e depois combinar os dados obtidos”, infere
Ferreira, que cumpriu parte do doutorado na Universidade Politécnica de Milão, Itália, e contou com bolsa sanduíche concedida pelo Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O professor Rocha reconhece que, a despeito dos avanços registrados, os desafios da computação forense são grandes, principalmente por causa da habilidade demonstrada pelos falsificadores, que estão sempre desenvolvendo novas maneiras de fraudar documentos digitais. “Eu costumo dizer que participamos de uma disputa de gato e rato com eles. Se nós criamos um bom algoritmo para identificar fraudes, eles desenvolvem algum método para driblar essa identificação. Daí a grande vantagem do modelo proposto pela tese, que refina bastante a análise. Imagine um sistema biométrico que identifica a digital do dedo polegar. Agora, imagine um sistema que identifica, além do polegar, também o indicador e o anelar. Mais: imagine se adicionarmos ao sistema uma técnica para identificar, adicionalmente, a face. Isso dificultaria muito a fraude, e é nessa direção que estamos caminhando”. Questionado se o método poderia, por exemplo, ajudar a identificar falsificação de obras de arte, o docente do IC afirma que há essa possibilidade, com as devidas restrições a serem respeitadas para esse novo problema. “Recentemente, outro orientando meu
teve um trabalho aceito para apresentação em um evento científico nos Estados Unidos. Ele desenvolveu um algoritmo para aprender os padrões típicos presentes nas pinturas de Van Gogh, cuja técnica é personalíssima. Nos testes que fizemos, com o uso de fotografias das obras em alta resolução, conseguimos apontar com mais de 90% de precisão se determinado quadro foi pintado por ele. Agora, outro aluno dará continuidade à pesquisa, estendendo a análise a outros artistas e refinando os resultados obtidos com essa análise preliminar”, adianta Rocha. Na opinião dos pesquisadores, o Brasil tem adotado boas práticas para estimular a pesquisa no âmbito da investigação forense. Em 2014, por exemplo, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento vinculada ao Ministério da Educação, lançou um edital por meio do qual foram selecionados 15 projetos forenses nas áreas de computação, biologia, química etc. Os objetivos são desenvolver estudos originais e formar recursos humanos qualificados para auxiliar a Polícia Federal e outras entidades nas suas investigações. Esses projetos temáticos estão divididos em diversas instituições do país e o IC/Unicamp conta com dois deles, um em Multimídia Forense, coordenado pelo professor Rocha, e outro em Informática Forense, coordenado pelo professor Ricardo Dahab. Medida semelhante tem sido tomada pelos Estados Unidos. A Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa) selecionou recentemente dez projetos de pesquisas para financiamento, dentro de um esforço mundial para o desenvolvimento de soluções que contribuam para o processo de combate às fraudes de documentos digitais. A equipe coordenada pelo professor Rocha participa, de forma colaborativa, de um desses projetos juntamente com as universidades de Notre Dame, Purdue, NYU e UCSC, nos EUA, e Politécnica de Milão e Universidade de Siena, na Itália. Retornando ao Brasil, o docente do IC considera que a promulgação do marco civil da internet, em 2014, poderá facilitar o uso das metodologias científicas para subsidiar eventuais decisões judiciais. “O grupo da Unicamp é o mais ativo no país na área da computação forense. Temos desenvolvido estudos importantes e mantido relações de cooperação com destacados grupos estrangeiros. Um dos nossos objetivos é implantar na Universidade um Laboratório Multidisciplinar de Análise Forense, cujo projeto tem sido discutido desde 2012”, relata Rocha.
Publicação Tese: “Técnicas de multi-análise para investigação forense de documentos digitais” Autor: Anselmo Castelo Branco Ferreira Orientador: Anderson de Rezende Rocha Coorientador: Jefersson Alex dos Santos Unidade: Instituto de Computação (IC)
Foto: Antoninho Perri
Anselmo Ferreira (à esquerda), autor do trabalho, e o professor Anderson Rocha, orientador da pesquisa: combinação de técnicas na investigação
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Pesquisa determina impacto
de veículos pesados em rodovias Foto: Antonio Scarpinetti
O estudo avaliou situações como frenagem, curvas e passagem sobre buracos
Trabalho também avaliou como as condições das estradas interferem na suspensão de ônibus e caminhões SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
ma pesquisa inédita desenvolvida na Unicamp aponta uma série de dados e números significativos do impacto que ônibus e caminhões comerciais geram sobre o pavimento de vias, principalmente em situações como frenagem, curvas e passagem sobre buracos. O estudo também avaliou como as condições das estradas brasileiras impactam a suspensão destes veículos. Para os dois tipos de situações, considerou-se o impacto da suspensão dianteira dos veículos a partir de uma instrumentação que permitiu realizar medições em diversas condições reais. A pesquisa conduzida pelo engenheiro mecânico Pablo Yugo Yoshiura Kubo demonstrou que o acionamento de 60% do freio de um caminhão ou ônibus comercial pode gerar uma transferência de carga para o pavimento da via de aproximadamente 10 toneladas, considerando uma carga de 6 toneladas para o veículo parado. O pesquisador explica que a carga de 6 toneladas é o limite (para um eixo isolado simples) permitido pela legislação brasileira para caminhões comerciais. Com buracos de 80 milímetros de profundidade, a passagem do veículo sobre a pista também gera forte impacto, praticamente dobrando a transferência de carga, de 6 para 12 toneladas. Do lado do veículo, vias com pavimento em condições ruins podem gerar, pelo menos, sessenta vezes mais dano à suspensão dianteira, quando comparado a um pavimento em boas condições.
Em curvas também houve transferência de carga do veículo sobre o pavimento, mas menor do que em frenagens e buracos. Conforme a pesquisa, para cada incremento de 10 km/h (2,8 m/s) na velocidade do veículo, uma carga adicional de 110 kg é transferida para o pavimento. Considerando uma velocidade constante de 70 km/h, a transferência de carga chega a 25% (7,5 toneladas) em relação ao peso do veículo parado. Os resultados do estudo integram tese de doutoramento defendida por Pablo Kubo junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. O trabalho foi orientado pelo professor Cássio Eduardo Lima de Paiva, que atua no Departamento de Geotecnia e Transportes da Unidade. Pablo Kubo atua, profissionalmente, no Departamento de Engenharia Experimental da Volvo do Brasil, sendo responsável local pela durabilidade, conforto e estabilidade dos veículos. “A minha pesquisa, demonstrando o impacto que as situações em curvas, frenagens e buracos gera sobre o pavimento, alerta para a importância de que tais considerações sejam previstas no projeto de dimensionamento e manutenção preventiva do pavimento das rodovias. Há, como agravante, o conhecimento geral de que, em algumas rodovias, os veículos trafegam com valores de sobrecarga muito superiores àquela definida pela legislação brasileira”, alerta Pablo Yugo Yoshiura Kubo. Ainda conforme o autor da pesquisa, os resultados, sobretudo em relação ao impacto da frenagem, poderão auxiliar no melhor entendimento e dimensionamento do pavimento de praças de pedágio, próximos a lombadas ou cruzamentos, locais onde há a necessidade obrigatória de frenagem do veículo.
“Há, por outro lado, a necessidade das montadoras de veículos comerciais considerarem a influência das condições dos pavimentos das vias sobre a suspensão dianteira dos veículos. Deste modo, a pesquisa serve como um alerta às montadoras sobre a importância do mapeamento das estradas brasileiras para um melhor projeto de seus caminhões e ônibus. Nossa sugestão é a criação de procedimentos de testes que observem os níveis de irregularidade das vias”, acrescentou.
MAIS DADOS E METODOLOGIA O engenheiro mecânico informa que, no caso da frenagem, a velocidade do veículo pouco influi no resultado da transferência de carga para o pavimento. “A influência não está diretamente relacionada com a velocidade inicial do veículo. Basicamente, a transferência de carga em alta velocidade será similar à baixa, desde que o veículo apresente o mesmo valor de desaceleração. Em uma frenagem de emergência, por exemplo, a transferência de carga será a mesma a 20 km/h ou 70 km/h.” Já em relação aos buracos, a profundidade influiu diretamente na carga aplicada ao pavimento. “Por outro lado, a diferença desse parâmetro em função da velocidade é mais significativa em velocidades inferiores a 40 km/h, situação em que se atinge o pico de transferência de carga”, revela o autor da pesquisa. Em relação à metodologia, Pablo Kubo informa que empregou nas medições um caminhão com configuração de rodas 8x2 (dois eixos direcionais, um trativo e outro ‘escravo’). A configuração desse tipo de veículo tem sido considerada tendência do mercado pela maior possibilidade de carregamento nos eixos dianteiros, justifica o pesquisador da Unicamp.
Publicação Tese: “Análise quantitativa do carregamento vertical dinâmico aplicado ao pavimento brasileiro pela suspensão dianteira dos veículos comerciais” Autor: Pablo Yugo Yoshiura Kubo Orientador: Cássio Eduardo Lima de Paiva Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
“Desenvolvemos ao longo de quatro anos uma instrumentação que transformou o caminhão em um sensor de transferência de carga ao pavimento. Desta forma, foi possível realizar as medições em diversas condições reais. Tal metodologia é muito superior a cálculos virtuais, uma vez que não há qualquer tipo de simplificação do modelo matemático”, considera.
MODAL RODOVIÁRIO O autor do trabalho situa que o modal rodoviário é a base do sistema logístico brasileiro. Apesar de sua importância, conforme Pablo Kubo, ele é caracterizado, em sua maioria, por pavimentos precários, sinalização em condições ruins e problemas de geometria das vias. Ainda de acordo com o autor do estudo, outro agravante é a elevada idade média, de 13,6 anos, dos 1,5 milhão de veículos comerciais que trafegam nas rodovias brasileiras. O autor do estudo informa, com base em dados de 2014 da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que 62,1% da extensão total das rodovias analisadas em estudo da CNT (98.475 km) apresentaram pavimento em estado regular, ruim ou péssimo. Em relação à sinalização, vertical e horizontal, 57,4% da extensão total foi avaliada como regular, ruim ou péssima. “Porém, o dado mais preocupante diz respeito à avaliação da geometria das vias brasileiras: 77,9% de sua totalidade foram consideradas regular, ruim ou péssima”, ressalta. Na pesquisa da Unicamp, são citados ainda dados de 2006 da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), apontando que a indústria automobilística brasileira nasceu apoiada fortemente na montagem de caminhões. De 1957 a 1960 os automóveis representavam uma pequena parcela da totalidade de veículos da época – dos 321,1 mil veículos comercializados no período, 49% eram caminhões, 35% utilitários e 16% automóveis. Conforme o pesquisador da FEC, em 1960, após intenso debate sobre vantagens e desvantagens do transporte ferroviário e rodoviário, o governo brasileiro decidiu pela segunda alternativa. Assim, este foi um dos fatores de sucesso para o desenvolvimento da indústria automobilística de veículos comerciais no Brasil.
5 Campinas, 20 a 26 de junho de 2016
Estudo investiga conexões na ressonância magnética Foto: Antoninho Perri
Métricas baseadas na teoria de grafos fundamentam tese defendida no IFGW
Paciente durante ressonância magnética: interpretação correta dos dados é fundamental
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
ma das ferramentas mais usadas na pesquisa de neurociência é ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês), que permite acompanhar o fluxo de sangue no interior do cérebro, correlacionando-o à intensidade da atividade em diferentes regiões do órgão. No entanto, a interpretação correta dos dados gerados pela ressonância magnética requer a aplicação cuidadosa de modelos teóricos, estatísticos e de métricas, sob pena de se gerarem conclusões espúrias: em 2009, um artigo científico, elaborado como paródia, chamou atenção para os riscos de abuso dos métodos estatísticos, ao apresentar resultados “positivos” obtidos com a fMRI do cérebro de um salmão morto. A tese de doutorado “Investigação do uso de métricas aplicadas a dados de fMRI para a análise da dinâmica cerebral” testa o uso de métricas baseadas na teoria de grafos – que analisam características estruturais de redes, como o número de nodos e conexões – para a interpretação de dados de fMRI do cérebro humano em repouso e durante a realização de uma tarefa relacionada à linguagem. A tese foi defendida por Luis Carlos Tapia Herrera no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. “Com a ressonância funcional você adquire uma certa quantidade de imagens em tempo quase real e faz o que eu chamaria de uma análise primária, em que se detecta onde estão as áreas ativadas: na verdade é uma análise estatística em que você tenta encontrar quais áreas estão correlacionadas com o experimento realizado”, disse a orientadora da tese, Gabriela Castellano. “A análise principal com que o Luis trabalhou é uma análise secundária, em que se tenta entender como as áreas estão relacionadas entre si. Ele usou uma abordagem diferente para analisar essa conectividade, a teoria de grafos”. Cada um dos pontos, ou nodos, das redes delineadas na tese representa uma área anatômica do cérebro, e as linhas, ou arestas, entre os nodos representam relações entre diferentes áreas. “Quando tem uma linha que liga duas áreas, estamos dizendo que essas duas áreas do cérebro têm comunicação. Mas essa comunicação, de fato, nada mais é que uma correlação: o quanto é parecida a atividade daquelas regiões ao longo do tempo”, prosseguiu a orientadora. “Se essa atividade é semelhante, num grau acima de um limiar, considera-se que as duas áreas estão conectadas. Se estiver abaixo de um limiar, considera-se que não estão conectadas”.
REPOUSO E TAREFA
Os experimentos executados para a tese, que envolveram dez voluntários sadios e que foram realizados por uma equipe da qual Luis fez parte, levantaram dados sobre o cérebro em repouso – o que permitiu que se caracterizasse a chamada rede de modo padrão, o conjunto de atividades e conexões encontrados quando a atenção não está focada em nenhuma tarefa específica – e numa tarefa de linguagem: uma letra era apresentada numa tela de vídeo localizada dentro da máquina de fMRI, e o voluntário deveria pensar em palavras começadas por ela. “A rede de modo padrão é a primeira que aparece quando se começam a fazer as correlações entre áreas do cérebro: é uma rede bastante distribuída no cérebro, mas tem uma reprodutibilidade bastante alta, aparece em diversos experimentos. E há vários trabalhos mostrando que essa rede é alterada, por exemplo, em pacientes com Alzheimer, esquizofrenia”, descreveu Castellano.
Foto: Antonio Scarpinetti
Luis Carlos Tapia Herrera, autor do estudo: “Método permite enxergar o comportamento global das áreas cerebrais diante de qualquer tarefa dirigida”
A análise de grafos conseguiu caracterizar as conexões cerebrais no estado de repouso, e também as conexões durante a tarefa de linguagem. “Quando a pessoa está realizando a tarefa de linguagem, dá para ver que as conexões se concentram do lado esquerdo. Esse é um resultado bom para a gente, porque a maioria das pessoas tem uma lateralização das funções de linguagem para o lado esquerdo do cérebro, mesmo. Então, o grafo mostrar isso foi um resultado bonito que o Luis encontrou”. Outro resultado obtido, independentemente da análise de grafos, foi a constatação de que é possível detectar áreas ativas no cérebro, diante de uma tarefa específica, mesmo na ausência de um modelo prévio: observando os registros de atividade num gráfico correlacionando a passagem do tempo à intensidade da atividade em 90 diferentes regiões do cérebro, foi possível perceber as diferenças entre as situações de repouso ou tarefa e identificar as áreas envolvidas. “Você, de certa forma, recupera o experimento que foi feito só pelos dados, sem precisar de conhecimento de como o experimento foi realizado”, descreve Castellano. “Este método de visualizar as séries temporais tem a vantagem de que não assume nenhuma hipótese sobre elas, e, portanto, permite enxergar o comportamento global das áreas cerebrais diante de qualquer tarefa dirigida. A desvantagem do método consiste em que se a relação sinal ruído dos dados individuais coletados é fraca, não é possível tirar conclusões das figuras. Por isso, é
preciso coletar imagens da mesma atividade mais de uma vez”, diz o texto da tese.
ORDEM E CAOS
A tese também descreve uma comparação entre as propriedades de rede de um sistema simulado de partículas virtuais e a rede presente no cérebro humano em repouso. A rede simulada pelo professor José Antônio Brum e pelo aluno Elohim Fonseca, pesquisadores do Departamento de Física da Matéria Condensada do IFGW, era composta por partículas dotadas de uma propriedade, chamada “spin”, que poderia estar apontando “para cima” ou “para baixo”, e onde a mudança na orientação de uma afetaria as vizinhas, seguindo alguma regra. Esse sistema poderia variar de um estado de ordem absoluta – com todos os “spins” na mesma orientação – até um estado de completo caos, com “spins” distribuídos ao acaso. O sistema foi submetido a diferentes estados de temperatura: quanto maior fosse ela, maior a desordem entre os “spins”. A simulação mostrou que propriedades da rede virtual – por exemplo, o grau de aglomeração dos nodos – assemelham-se mais às do cérebro em repouso quando o sistema se encontra no nível crítico de transição entre ordenado e caótico. “As semelhanças apresentadas entre as simulações (...) à temperatura crítica e os dados coletados do cérebro no estado de repouso são fatos que apoiam a hipótese de que o cérebro, nesta condição, funciona próximo da criticalidade”, diz a tese.
NEUROFÍSICA
Gabriela Castellano faz parte do Grupo de Neurofísica do IFGW, que existe há mais de dez anos. “A neurociência é uma ciência fundamentalmente multidisciplinar”, disse ela. “Porque, para estudar o cérebro, você precisa de técnicas que têm por trás uma física e uma tecnologia que os médicos não poderiam ter desenvolvido sozinhos. São necessárias pessoas para desenvolver as técnicas que, hoje, permitem que se estude o cérebro com o detalhamento que existe”. “Além disso”, prossegue, “essas técnicas produzem uma quantidade enorme de dados que os médicos não têm treinamento para analisar. Eles têm o conhecimento da parte biológica, da parte fisiológica e da parte, também, associada às doenças, mas as técnicas produzem números, e quem sabe analisar isso é o pessoal das exatas”. Luis Carlos Tapia Herrera, o autor da tese, é colombiano e veio ao Brasil para fazer o mestrado. “Comecei na área de partículas, aí decidi mudar abruptamente de área de pesquisa e acabei aqui na neurociência, na neurofísica, área de que gostei muito”, disse ele. Tapia pretende continuar nessa linha de estudo. “Uma coisa que procuraremos é como outros parâmetros de rede, que não foram explorados na tese, podem ser interpretados, e também fazer simulações com uma estrutura topológica do cérebro mais realista, reproduzindo as condições estruturais de diferentes áreas cerebrais”. “A gente gostaria de estender essa metodologia para pacientes”, acrescentou Castellano. “A ideia sempre é tentar extrair métricas que, de alguma forma, deem informação sobre o cérebro saudável, mas também sobre o cérebro doente, porque às vezes você consegue achar um parâmetro relativamente simples que já ajuda a distinguir pessoas com problemas de pessoas saudáveis, ou ajuda a discriminar os efeitos de tratamentos. Isso é algo que estamos buscando: métricas, parâmetros, que possam de alguma forma auxiliar no tratamento, prognóstico ou diagnóstico de alguma doença”.
Publicação Tese: “Investigação do uso de métricas aplicadas a dados de fMRI para a análise da dinâmica cerebral” Autor: Luis Carlos Tapia Herrera Orientadora: Gabriela Castellano Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW)
6 Campinas, 20 a
Trabalho etnográfico detalha de troca em reserva extrativis
Antropólogo chegou a morar seis meses em comunidade amazônica pa LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
ma economia peculiar vigente em uma comunidade amazônica, marcada por características morais, racionais e também por relações de afeto, é o tema de tese de doutorado defendida na Unicamp pelo antropólogo Roberto Sanches Rezende. O trabalho etnográfico na Reserva Extrativista do Alto Juruá, situada no extremo oeste do Acre, tem foco inédito nas relações de troca, mais especificamente nas relações de “ajuda”, como são chamadas localmente, e que abarcam uma diversidade de trocas econômicas, desde trocas de dias de trabalho até doações de bens. Intitulada “Camponeses da bacia do rio Tejo: economia, política e afeto na Amazônia”, a tese foi orientada pelo professor Mauro William Barbosa de Almeida e defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Para sua pesquisa de campo, Roberto Rezende morou seis meses com uma família da comunidade Iraçu, localizada na foz do rio Tejo, um afluente do alto Juruá. O autor já guardava na bagagem muitas informações sobre a bacia do Tejo, para onde viajou sete vezes desde 2006. “O professor Mauro Almeida é meu orientador desde a iniciação científica e, já no primeiro ano da graduação, convidou alunos para um projeto de transcrição de cadernos produzidos por seringueiros da região: eram cerca de 900 diários temáticos sobre atividades cotidianas como de trabalho, caça, pesca e agricultura. Por se tratar da primeira reserva extrativista criada no Brasil, havia preocupação com o monitoramento da qualidade de vida e da biodiversidade, e os diários serviam para avaliar as condições ambientais e também sociais, como a dieta alimentar da população.” O autor da tese conta que seu orientador iniciou pesquisas na região antes da demarcação da Reserva, tendo assessorado o movimento dos seringueiros para que a criação se concretizasse em 1990. “Patrões que se diziam proprietários das terras arrendavam os seringais e controlavam a comercialização tanto da borracha como de mercadorias. O movimento dos seringueiros dos anos 1980 foi contra esta relação com os patrões: no Juruá, não queriam ser mais obrigados, por exemplo, a pagar pelo uso das estradas de seringa (33 quilos de borracha por ano como ‘renda’); em outra frente, em Xapuri (região de Chico Mentes), lutavam contra as ocupações de madeireiros e fazendeiros. Este movimento em todo o Acre resultou na criação das primeiras reservas extrativistas, sendo a primeira delas a do Alto Juruá, onde atualmente moram cerca de cinco mil pessoas.” A partir dos anos 90, porém, a produção da borracha começou a ser gradualmente abandonada, levando Rezende a analisar, em seu mestrado, o processo de concentração populacional em localidades às margens do Tejo, particularmente na comunidade Restauração. “Antes as pessoas viviam espalhadas pela floresta, em pequenas colocações de três ou quatro casas, extraindo o látex das seringueiras naturalmente dispersas (não eram plantadas). Com a queda do preço pago pela borracha iniciou-se uma transição para atividades agropastoris. As pessoas começaram a ir para a beira do rio a fim de facilitar o escoamento dessa produção. Ao mesmo tempo, a prefeitura municipal instalava escolas e postos de saúde em localidades à beira do rio, o que incentivava ainda mais as pessoas a se concentrar nas margens. Formaram-se comunidades de até uma centena de casas.” O pesquisador explica que sua dissertação tratou deste movimento e de como as transformações econômicas estavam ligadas a mudanças políticas e sociais importantes: “A Reserva Extrativista do Alto Juruá representa hoje cerca de 65% do território de Marechal Thaumaturgo, um município criado depois da reserva e que a engloba. Há muito interesse e ingerência da prefeitura, além de certa ausência dos órgãos federais responsáveis pela reserva – antes era o Ibama, agora o ICMBio [Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade]. O município possui um total de 14 mil habitantes e os cinco mil da reserva representam porcentagem importante de votos. Após a crise da borracha, muitas pessoas procuraram empregos oferecidos pela prefeitura nas escolas e postos de saúde que ela criava. Era mais uma alternativa econômica”.
FOCO INÉDITO Tendo acompanhado o final desta transição, Roberto Rezende focou seu doutorado nas relações econômicas, mais especificamente nas relações de troca: “Até onde sei, não existe um estudo específico e detalhado sobre essas relações de ajuda na Amazônia. Teses sobre populações amazônicas abordam esse aspecto, mas não como tema central. Além das pesquisas de campo, foram fontes importantes as teses e dissertações orientadas pelo professor Mauro Almeida desde os anos 90, sobre as condições de vida dos habitantes do Alto Juruá.”
Cenas do cotidiano de Iraçu, comunidade localizada na foz do rio Tejo, um afluente do Juruá: consideração, respeito e ajuda
Foto: Antoninho Perri
Roberto Sanches Rezende, autor do estudo: “Os aspectos econômicos e afetivos são indissociáveis”
Nos capítulos iniciais, Rezende oferece um panorama do comportamento econômico dos camponeses amazônicos e da história da região, com ênfase na transição do modelo de ocupação territorial baseado em colocações para o modelo de comunidades, acompanhada pela transição do extrativismo para as atividades agropastoris. “Ao longo dos anos 2000, a borracha desapareceu de Marechal Thaumaturgo dando lugar à farinha de mandioca como produção principal, e ao milho, como base da dieta animal (gado, caprinos e aves). A farinha e a carne compõem a base alimentar da população. Tivemos assim a substituição de uma economia para exportação (de borracha) por uma economia local, no máximo regional.” O pesquisador afirma que, neste período de transição, programas de distribuição de renda como o Bolsa Família tiveram grande impacto junto às famílias de seringueiros. “Todos já eram agricultores de subsistência, mantendo o seu roçado e comprando no mercado apenas itens como sal, óleo, sabão e munição para caça. Com a crise da borra-
Hilarino Lima Nogueira, sua companheira
cha, começaram a produzir mais arroz, feijão e farinha para vender. Eles dizem que as coisas só melhoraram com os primeiros programas sociais, ainda no governo FHC, e que o Bolsa Família foi essencial para a economia doméstica. Passando os anos, o município foi crescendo e dando emprego para muitas pessoas, o que gerou um mercado local: quem não plantava arroz, comprava do vizinho, as famílias tinham mais dinheiro para comprar roupas, calçados, alimentos industrializados, TVs, motores.” De acordo com Roberto Rezende, entre os moradores tradicionais da reserva extrativista, a vida material é bastante parecida. “Obviamente, algumas pessoas possuem mais bens domésticos que outras. Um dos aspectos que pode diferenciá-las é o momento do ciclo de desenvolvimento familiar: um pai com muitos filhos precisa trabalhar muito para alimentá-los, mas quando os filhos crescem, ele conta com vários trabalhadores para ajudar no sustento da casa. Também conta o gosto individual: há quem goste
7 26 de junho de 2016
a relações sta no Acre
ara desenvolver tese Fotos: Divulgação
Códigos peculiares norteiam o cotidiano De agosto de 2013 a fevereiro de 2014, Roberto Rezende morou na casa de Hilarino Lima Nogueira, sua esposa Iza e as filhas Roseli (14 anos), Rosimar (10), Roseane (8) e Rosângela (1). O período foi planejado para que pudesse acompanhar as principais fases do ciclo agrícola na bacia do rio Tejo, desde o preparo dos terrenos para plantio até a colheita. “É justamente nesse período que as casas dos ribeirinhos se envolvem em um número maior de trocas, recorrendo a trabalhadores externos para os picos de demanda de trabalho nos roçados. Boa parte desses trabalhadores externos vem de casas vizinhas, que pertencem a um mesmo grupo de casas. Faço uma etnografia da comunidade Iraçu, que tem o nome do seu líder, senhor Iraçu. Ao redor de sua casa moram os cinco filhos, conformando o grupo de casas principal, ao qual se somam outros grupos de casas aparentadas formando a comunidade. Meu anfitrião, Hilarino, é um dos filhos do senhor Iraçu.” O pesquisador observa que a conformação de um grupo de casas, com a liderança de uma casa mais velha e as mais novas associadas, é um padrão no rio Tejo, mas que não representa um patriarcado. “Cada casa tem sua autonomia produtiva e de consumo. O grupo de casas funciona principalmente para o ordenamento territorial: onde abrir o roçado, as áreas de caça e de pesca. Cabe às casas fazer o planejamento do trabalho dos seus membros e das trocas em que se envolvem”. Quanto às trocas entre as casas do grupo, o pesquisador constatou que suas observações em campo não batiam com trabalhos de outros pesquisadores sobre trocas no interior de comunidades amazônicas. “Em outras regiões a relação de troca chamada de ajuda é definida como uma relação entre parentes, desinteressada e natural, limitando-se ao espaço da comunidade. Ou seja, quem é parente se ajuda. Isso não serve para o caso do Tejo. Mesmo entre irmãos, não se trata de uma relação de troca generalizada, toda troca é contada: a pessoa sabe com quem está endividada, quem está em dívida com ela e o tipo de dívida. Se o irmão e mais três pessoas o ajudaram a abrir o roçado, ele vai se dividir para ajudá-los em alguma atividade posteriormente, retribuindo a ajuda originalmente prestada.”
AJUDA E CONSIDERAÇÃO
Foto: Divulgação
a Iza e as quatro filhas do casal: casas têm autonomia produtiva e de consumo
de ter uma casa grande, um sofá confortável, enquanto outro prefere usar seu tempo para caçar e comer carne fresca de queixada, veado ou paca. Depende da perspectiva que a pessoa tem de uma vida boa.”
Publicação Tese: “Camponeses da bacia do rio Tejo: economia, política e afeto na Amazônia” Autor: Roberto Sanches Rezende Orientador: Mauro William Barbosa de Almeida Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
A partir dessa constatação, Rezende procurou entender qual o sentido da “ajuda” para os moradores da reserva extrativista, interpretando que a peculiaridade desta relação não estava nas características do que era trocado, ou mesmo no parentesco entre quem trocava, mas no efeito causado sobre os sentimentos das pessoas. “Os aspectos econômicos e afetivos são indissociáveis, já que as redes de troca acabam sendo impactadas pela questão da consideração. As relações de ajuda são, afinal, relações de aproximação e de confiança. Mesmo nas modalidades de troca mediadas por dinheiro, notei que se trata de parceria preferencial: sempre que é necessário contratar alguém, procura-se a pessoa com quem já se teve uma relação de troca anterior. Isso vai criando e aumentando relações de proximidade e, por vezes, a relação de ajuda se transforma em parentesco, quando acaba em casamento.” A partir de uma análise mais detalhada da relação entre a ajuda e a construção da consideração entre as pessoas, Rezende analisou as relações no interior das casas das famílias de ribeirinhos, mostrando como a ajuda, enquanto uma relação especial da socialidade local, era ensinada às crianças desde cedo. “A ajuda é uma categoria central da socialidade. Na casa de Hilarino, a filha de 14 anos já ajudava na cozinha, a irmã de 10 cuidava da bebê, enquanto a de 8 ajudava carregando água. O trabalho de Iza no roçado e em casa também era ajuda, pois ‘trabalho’ mesmo era considerado apenas o de Hilarino, o chefe da casa.” Na opinião do autor da tese, a ênfase dada durante a criação às relações de ajuda como uma relação primordial para a manutenção das casas é também uma forma de criar consideração e afeto entre as pessoas. “Se alguém cuida de mim quando pequeno, quando eu crescer vou olhar por ela, ficar ao seu lado na doença. Quando o filho cresce, normalmente fica morando perto do pai e dos irmãos, por conta da cadeia de relações entre eles e por saber que, quando precisar, vão olhar por sua necessidade.”
NEM TUDO É HARMONIA O autor reservou um capítulo da tese para mostrar, por outro lado, que as relações de ajuda e criação não implicavam em total harmonia dentro das casas ou da comunidade Iraçu. “Um dos filhos do líder não concordava com a forma de criação, reclamando que o pai pegava pesado demais no trabalho do roçado. Quando completou 18 anos, casou-se com a professora da escola e foi morar na sede do município com emprego assalariado. As comunidades amazônicas não vivem uma harmonia naturalizada, há processos de separação, seja por expulsão ou por saída voluntária para solucionar tensões.”
Certa feita, um homem comprou um bode, que comia as plantas do vizinho. Como ambos não eram parentes, o vizinho resolveu morar em outro lugar para evitar uma briga. “As brigas envolvem a família toda e podem se tornar violentas. Há um capítulo em que analiso essas relações de desconsideração e desrespeito, que são o avesso da ajuda: se alguém age de maneira indevida na casa ou na comunidade de outro, o dono tem autoridade moral para usar de violência; o chefe deve pôr ordem na casa, até porque a presença do Estado é baixíssima. Conversei com pessoas que não davam festas em casa por medo de que acontecessem atritos e fossem obrigados a tomar providências, talvez ferindo ou mesmo matando uma pessoa, o que significa, muitas vezes, entrar em conflito com toda a família da vítima.” Outro caso registrado por Rezende envolveu a chegada à comunidade Iraçu de um ex-presidiário de Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do Acre. Desconhecendo o regime local, o chamado “marginal” bebia, mexia com as mulheres e se metia em brigas. Em uma rodada dominical do torneio de futebol entre comunidades, os membros de Iraçu se reuniram para discutir o que fazer com o forasteiro inconveniente. “As opções iam de avisar o pessoal da comunidade que o trouxe que ali a falta de respeito não seria tolerada, até de ‘pegar de pau’ o indivíduo. Como a violência não era desejável, eles combinaram que, se algo mais acontecesse, iriam amarrá-lo e chamar a polícia.”
A RELAÇÃO COM POLÍTICOS Segundo Roberto Rezende, as relações de ajuda não se limitam ao espaço das comunidades, podendo se estender a comerciantes e políticos da sede municipal. “A diferença está na assimetria da relação. Se o agricultor precisa de um gerador de energia e não pode pedir ao irmão igualmente sem posses, ele procura o político interessado em seu voto, o que coloca nesta economia um componente redistributivo importante: espera-se que quem tem mais, ajude com mais. A ajuda é uma relação caracterizada pela precisão de uma pessoa e a condição de outra.” Uma característica peculiar apontada pelo antropólogo é que, no processo de formação do município de Marechal Thaumaturgo, os políticos buscavam votos em troca de empregos para membros das famílias das comunidades. “A expansão dos serviços do Estado permitiu a distribuição de muitos cargos. Praticamente todas as escolas precisavam de professores, zeladores e outros servidores. A partir de 2013, tanto o governo federal reduziu o repasse de verbas, como esse mercado de trabalho estava saturado. Os políticos, então, já não conseguiam cumprir suas promessas.” O pesquisador registrou o caso de um morador da reserva que subiu o rio Tejo com um candidato a vereador, ajudando-o a conseguir votos em troca de um emprego para si e de um gerador de energia para sua comunidade. “O vereador foi eleito graças justamente à diferença de votos dos parentes dele, que depois virou motivo de piada por que as promessas não eram cumpridas. O gerador só foi entregue depois de várias idas à cidade para pressionar o vereador e o prefeito, ameaçando não mais votar no partido deles; quanto ao emprego, a solução encontrada foi que dividisse o salário com outro auxiliar geral de escola, com o político contemplando, assim, duas famílias.” Rezende não vê neste regime de troca apenas uma atitude maquiavélica dos políticos para enganar a população. “É uma economia própria do Tejo, uma via de dois sentidos: as pessoas utilizam as relações de consideração e ajuda para cobrar as promessas dos políticos, que na maioria também são da região e pensam da mesma maneira. Não se trata de pessoas politicamente mal formadas, e sim de uma forma bastante peculiar de entender as relações de troca e as relações políticas. Cada promessa política não cumprida vira também uma ofensa moral.” Outro exemplo de política da ajuda e de seu componente redistributivo, lembrado por Roberto Rezende, é do presidente do sindicato de trabalhadores rurais que queria se eleger vereador e, através de um projeto com recursos do governo federal, subiu o rio distribuindo geradores, facões e outros bens para as comunidades. “Foi o mais votado nas eleições. No ano seguinte, durante um bingo no novenário da vila Thaumaturgo [a festa religiosa mais importante da região], ele e um morador da reserva preencheram ao mesmo tempo as cartelas com direito a um fogão e uma botija de gás. Os dois subiram ao palco, em frente a milhares de pessoas, e o vereador sugeriu que ficaria com a botija e o morador com o fogão, esperando a ovação por abrir mão do bem de maior valor. Mas acabou vaiado pelo povo, tido como miserável. Deixou de ser o político mais querido do município e provavelmente não será reeleito. Trata-se do componente redistributivo dessa economia: as pessoas esperam de quem tem que seja generoso com quem precisa.”
8 Campinas, 20 a 26 de junho de 2016
Lodo e resíduos do arroz são a base de alternativa ao cimento Produção de aglomerante demanda pouca energia e libera menos CO2 na atmosfera Fotos: Antonio Scarpinetti
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
cimento Portland é o aglomerante, aglutinante ou ligante mais empregado no planeta principalmente na obtenção de concretos, mas também de argamassas utilizados na construção civil. Ele promove a aglomeração de pedras e areia no concreto e areia na argamassa, gerando materiais de alta resistência mecânica, o que o torna um produto tecnicamente muito importante. Mas sua produção é impactante porque demanda grande consumo de energia térmica e elétrica e libera enorme quantidade de gás carbônico (CO 2), maior responsável pelo efeito estufa e consequente aumento da temperatura atmosférica da Terra. Estima-se que para cada tonelada de cimento produzida seja liberada uma tonelada de CO2 , o que corresponde a 5% a 8% de toda a emissão anual desse gás. Nesse contexto, o emprego de aglomerantes alternativos ao cimento Portland pode vir a se constituir de grande relevância do ponto de vista ambiental. Daí o interesse acadêmico e comercial, despertado nos últimos anos, pela utilização de aglomerantes álcali-ativados. Mas há, ainda, outra significativa vantagem: nas produções de tais materiais, que demandam menor energia e liberam menos CO2 , quando comparados ao cimento comum, podem ser utilizados determinados resíduos, procedimento que atende às recomendações das atuais políticas públicas. Com efeito, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, recomenda a não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final adequada dos rejeitos. Já anteriormente, através da promulgação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009, o Brasil assume o compromisso da mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Estas motivações orientaram a escolha do tema de mestrado do engenheiro ambiental Rodrigo Henrique Geraldo, quando se propôs a verificar a possibilidade da adição de cinzas de casca de arroz em um dos materiais empregados na obtenção desse produto alternativo. Ele deteve-se, ainda, no estudo da substituição parcial do metacaulim, utilizado nesse novo material, pelo lodo gerado como resíduo nas Estações de Tratamento de Águas (ETAs), rico em compostos de silício e de alumínio. Completam os objetivos específicos da pesquisa a verificação do comportamento mecânico de argamassas produzidas com o aglomerante álcali-ativado e, também, o acompanhamento de suas consolidações, o chamado tempo de cura, realizado à temperatura ambiente, diferentemente do processo usual que emprega ar quente, procedimento que demanda gasto de energia. Os corpos de prova sólidos, destinados aos testes mecânicos, foram construídos com a utilização de argamassa resultante da mistura do novo aglomerante com areia e adição de água. As propriedades mecânicas de compressão e tração na flexão desses corpos, determinadas em uma máquina universal de ensaio, foram então comparadas com as dos produtos sem lodo. Para o pesquisador, a proposta de produção desse álcali-ativado proporcionará economia no consumo de energia elétrica, redução de extração de recursos naturais provenientes de jazidas minerais e contribuirá para diminuição da poluição atmosférica. O trabalho, em que ele apresenta os resultados da utilização desse novo aglomerante, obtido com o emprego do lodo de ETA adicionado a metacaulim e cinza de casca de arroz tratada com material alcalino, na produção de argamassas, foi desenvolvido junto ao Laboratório de Aglomerantes e Resíduos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, orientado pela professora Gladis Camarini e financiado pelo CNPq.
Rodrigo Henrique Geraldo, autor da tese: “O novo material aglomerante constitui alternativa para o cimento com resultados técnicos muito próximos ao dele, mitigando as desvantagens ambientais”
Amostras do material desenvolvido no Laboratório de Aglomerantes e Resíduos da FEC
VANTAGENS Em linhas gerais, a produção do cimento Portland envolve, inicialmente, a moagem de calcário (rico em carbonato de cálcio) e de argila (em que predominam os óxidos de silício, de alumínio e de ferro), preparando-se, a partir desses materiais finamente moídos e retirados de jazidas, uma mistura contendo, aproximadamente, quatro partes de calcário e uma parte de argila. Em seguida essa mistura é calcinada (cozida) até a temperatura de 1450 ºC, dando origem a um material granulado chamado clínquer Portland. O clínquer é então moído com aproximadamente 5% de gipsita, resultando um fino pó de cor acinzentada, o cimento Portland. Com o álcali-ativado, em substituição ao cimento, pretende-se minimizar o consumo de energia e o efeito estufa. Sua produção envolve a utilização de dois materiais. O primeiro, resultante da reação de uma solução de material alcalino dissolvido em água com cinza de casca de arroz, oriunda da queima de casca de arroz, para a produção de energia térmica, que contem até 96% de óxido de silício. A reação dessas cinzas com o ativador alcalino, realizada sob agitação a temperaturas menores
de 100 ºC, leva à obtenção de um silicato alcalino por processo alternativo, diferentemente do comercial que se vale de processos químicos de alto impacto ambiental, que demanda menor consumo de energia, eliminação de menos dióxido de carbono e que, além de tudo, permite a utilização de um resíduo normalmente descartado. O segundo material empregado é o metacaulim, proveniente da calcinação da argila caulim, que pode ser substituído parcialmente pelo lodo de ETAs, rico em óxido de silício e óxido de alumínio, oriundo do coagulante utilizado no tratamento de águas. Essa substituição, ainda que parcial, se justifica, pois a transformação do caulim em metacaulim exige temperaturas entre 500 a 800 ºC e posterior moagem para diminuição do tamanho das partículas, o que também gera impactos ambientais. A redução do seu uso visa diminuí-los. Com base nessas informações disponíveis na literatura, diz Rodrigo, “meu objetivo foi avaliar inicialmente a possibilidade de utilizar o lodo de ETAs na formulação do novo aglomerante. Uma análise química de amostras de lodo provenientes das ETAS 3 e 4 da Sanasa de Campinas mostrou que cerca de 35% dele é constituído de óxido de silício
e 34% de óxido de alumínio, rico, portanto, dos compostos que precisávamos. O restante desse lodo é composto em sua maior parte de material orgânico que não eliminamos para evitar consumo de energia e contaminação do meio ambiente, pois a nossa intenção era a de utilizar um procedimento o mais ambientalmente amigável possível. Cumpre ressaltar que o material orgânico foi analisado e não causa problemas de saúde”. A partir de uma amostra de referência, que utilizava apenas metacaulim, ele avaliou então a substituição desse material por lodo de ETAs nas proporções de 15, 30 e 60%, na produção de argamassa. O aglomerante álcali-ativado, substitutivo do cimento, é obtido então misturando-se esses dois materiais na proporção adequada e devidamente estudada. Para o autor, “esse novo material aglomerante constitui alternativa para o cimento com resultados técnicos muito próximos ao dele, mitigando as desvantagens ambientais como consumo maior de energia e emissão de gás carbônico”. Os testes mecânicos de resistência dos corpos de prova, produzidos a partir de pasta elaborada com esse álcali-ativado, misturado à areia e água, mostraram que vários componentes da construção civil, como blocos e tijolos podem ser fabricados a partir dela. Concluindo, Rodrigo acrescenta: “Focamos o estudo na determinação da melhor e mais correta dosagem para a produção de um aglomerante que possibilitasse obter materiais com característica de resistência e, no decorrer do trabalho, conseguimos de fato melhorar a formulação dessa dosagem, chegando a valores próximos de 40 MPa aos 90 dias de idade, resultado obtido para certos tipos de concretos”.
Publicação Dissertação: “Aglomerante álcaliativado contendo iodo de ETA e cinza de casca de arroz” Autor: Rodrigo Henrique Geraldo Orientadora: Gladis Camarini Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
9 Campinas, 20 a 26 de junho de 2016
Estudo avalia perda auditiva em 5 categorias profissionais Dissertação contemplou exames audiométricos de 1.254 trabalhadores EDIMILSON MONTALTI Especial para o JU
o livro Um sopro de vida, Clarice Lispector escreveu: “Eu sei criar silêncio. É assim: ligo o rádio bem alto – então de súbito desligo. E assim capto o silêncio.” Na rotina da vida, criar silêncio é um luxo. Os ambientes, hoje em dia, são cheios de ruídos. Ele está presente no cotidiano, em eventos sociais, no trânsito, ao redor de aeroportos, nas estações de trem, no metrô, dentro de casa e no trabalho. O ruído é definido como um som desarmônico, com vibrações irregulares que causam perturbação. Por muito tempo negligenciado, o ruído passou a ser objeto de pesquisa e uma preocupação mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 10% da população está exposta a níveis elevados de ruído que podem acarretar perda auditiva. De acordo com o médico otorrinolaringologista Alexandre Scalli Mathias Duarte, o ruído se torna mais problemático quando está no ambiente de trabalho, pela sua intensidade, tempo de exposição e outros fatores de risco associados. “O ruído é considerado o agente físico mais frequente no ambiente de trabalho. A exposição ao ruído, ocupacional ou não, pode acarretar surdez, zumbido, dificuldade de compreensão da fala, hipersensibilidade ao som, irritação, distúrbios do sono e até doenças cardiovasculares”, explica Alexandre. Para fundamentar dissertação de mestrado desenvolvida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Alexandre analisou 18.973 exames audiométricos realizados pelo Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), de 2000 a 2010, de oito empresas do Estado de São Paulo. Todas as empresas utilizavam Programas de Conservação Auditiva (PCA), com uso regular de Equipamento de Proteção Individual (EPI) auricular. Para a pesquisa foram selecionados trabalhadores apenas do sexo masculino e foi utilizado apenas o exame mais recente de cada trabalhador. Profissionais com funções administrativas ou que trabalhavam em locais sem exposição ao ruído foram excluídos do estudo, totalizando 2.140 audiometrias. O estudo contemplou exames audiométricos de 1.254 trabalhadores do setor metalúrgico, 266 trabalhadores do setor calçadista, 236 de transportadores de carga, 234 trabalhadores em cerâmicas e 150 da indústria cervejeira, todos expostos ao ruído ocupacional. Alexandre avaliou o grau de perda auditiva por categoria, idade e por tempo de exposição. A pesquisa foi orientada pelo otorrinolaringologista e professor do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da FCM, Reinaldo Jordão Gusmão, e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Unicamp. Os sons podem ser de diversas frequências, que são medidas em Hertz. Quanto mais grave, mais baixa frequência, e quanto mais agudo, mais alta frequência. “Os nossos ouvidos não têm capacidade de perceber sons com frequências muito baixas como os infrassons (abaixo de 20 Hertz), ou frequências muito altas, como os ultrassons (acima de 20 mil Hertz). Por isso, dizemos que a faixa de frequências de sons audíveis para o homem está entre 20 e 20 mil Hertz”, explica Alexandre.
Na pesquisa, Alexandre estudou as médias de três frequências audiométricas específicas: de 3, 4 e 6 mil Hertz (KHz). Essas são, geralmente, as frequências atingidas pela exposição crônica ao ruído. A utilização dessas médias, para avaliar a perda da audição induzida por ruído (PAIR), foi desenvolvida pelo médico Everardo Andrade da Costa, fundador do Ambulatório de Otorrinolaringologia Ocupacional do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Contratado pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) desde 1980 e atuando atualmente como professor colaborador do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da FCM, Everardo possui um imenso banco de dados audiométricos. Ele é pioneiro e referência no Brasil na área da otorrinolaringologia ocupacional. “No gráfico audiométrico o volume é em decibel (dB), uma medida logarítmica, sendo um dB a menor mudança de volume perceptível. A partir do momento que você tem uma tabela com os cálculos das médias aritméticas das três frequências estudadas, fica mais fácil visualizar a piora progressiva da audição”, explica Alexandre. Os trabalhadores selecionados foram classificados em quatro grupos de exposição ao ruído: o primeiro grupo com até 60 meses de exposição; o segundo grupo de 61 meses a até 120 meses; o terceiro grupo de 121 meses a 180 meses; e o quarto grupo com exposição maior que 180 meses. A média de idade foi de 33 anos. De acordo com a pesquisa, houve piora auditiva significativa relacionada com a idade e com o tempo de exposição ao ruído nos quatro grupos em todas as categorias profissionais analisadas. “A perda da auditiva induzida pelo ruído geralmente se inicia a partir de cinco anos de exposição e se estende até 15 anos. Após esse período, esses rebaixamentos auditivos tendem a se estabilizar. A idade, entre outras possíveis causas, pode causar a perda auditiva”, explica.
O médico otorrinolaringologista Alexandre Scalli Mathias Duarte (à esq.), autor do estudo, e o orientador, professor Reinaldo Jordão Gusmão: ruído é mais problemático no ambiente de trabalho
Fotos: Antonio Scarpinetti
Trabalhador em empilhadeira: das categorias analisadas, os transportadores de cargas tiveram maior perda auditiva
Das cinco categorias profissionais analisadas na pesquisa, foram os transportadores de cargas que tiveram maior perda auditiva, quando comparados os dados com os trabalhadores das demais categorias. “A pesquisa apontou piora de 17 decibeis na audição de quem trabalha com transporte de cargas. Todos os trabalhadores usavam, no local de trabalho, equipamento de proteção auricular individual. Já o trabalho de transporte de carga, muitas vezes, é externo. Acreditamos que, ao sair com o veículo, o trabalhador pode tirar o protetor auricular”, revela. De acordo com Alexandre, pensando que a falha é na proteção individual, a própria tecnologia está trazendo mecanismos de proteção que não dependem do indivíduo. Nos veículos mais modernos de hoje em dia, sejam caminhões, tratores, colheitadeiras, explica, o barulho não influencia tanto, pois as cabines são cada vez mais isoladas acusticamente. “Essa piora mais significativa que aparece hoje nos transportadores de carga, daqui a médio prazo deve se igualar às demais categorias”, acredita. De acordo com Alexandre, a perda auditiva pode interferir na qualidade de vida, produzindo limitação de atividades e restrição de socialização pela dificuldade de percepção da fala em ambientes ruidosos e em momentos de lazer, como num jantar de família ou a saída para ir a um barzinho, cinema, shows e teatro. “A grande dificuldade que esses trabalhadores apresentam é que eles até escutam, mas não compreendem o que está sendo dito. Aquele momento social, que deveria ser agradável, causa desconforto e irritação. Isso pode levar a consequências psicossociais como estresse e ansiedade, comprometendo as relações do indivíduo na família, no trabalho, na sociedade e diversos outros problemas de saúde”, alerta o médico otorrinolaringologista. “Ficamos comovidos com o deficiente visual, mas há uma certa impaciência em relação ao surdo. Ao perder a audição, a pessoa
acaba se retraindo, se isolando”, comenta o otorrinolaringologista Reinaldo Jordão Gusmão. A legislação orienta a realização de audiometria na contratação, depois de seis meses e anualmente para trabalhadores expostos ao ruído. No caso de trabalhadores com diagnóstico de perda auditiva, normalmente a audiometria é feita a cada seis meses ou a critério do médico. Segundo Reinaldo, para fechar um diagnóstico de que um trabalhador tem perda auditiva induzida pelo ruído, ele precisa da audiometria, do exame otorrinolaringológico e do nexo causal atestado pelo médico do trabalho da empresa para confirmar que “a exposição àquele ruído, com o passar dos anos, levou à lesão auditiva”. “As médias aritméticas das frequências audiométricas 3, 4 e 6 KHz permitem ao médico visualizar o rebaixamento auditivo e agir precocemente no cuidado do paciente e na avaliação de trabalhadores expostos ao ruído. As medidas de proteção ao ruído, somadas à proteção individual e aos programas de conservação auditiva das empresas, são medidas que podem ajudar a reduzir o número de exames audiométricos, o afastamento do trabalhador e até ações trabalhistas”, reforça Alexandre.
Publicação Dissertação: “Estudo comparativo de exames audiométricos de trabalhadores de cinco categorias profissionais” Autor: Alexandre Scalli Mathias Duarte Orientador: Reinaldo Jordão Gusmão Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
10 Campinas, 20 a 26 de junho de 2016
Obra lançada em seminário no IE reúne estudos sobre inovação e propriedade intelectual
Livro aborda papel
da agricultura no país Fotos: Antonio Scarpinetti
LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
livro Propriedade Intelectual e Inovações na Agricultura (Ideia), reunindo uma série de estudos e contribuições do ponto de vista estratégico sobre o papel da agricultura para o país, foi lançado durante um seminário aberto no último dia 9 no Instituto de Economia (IE). A publicação é organizada pelos professores Antônio Márcio Buainain (IE) e Maria Beatriz Machado Bonacelli (Instituto de Geociências), e pela ex-pesquisadora da Unicamp Cássia Isabel Costa Mendes, analista da Embrapa Informática Agropecuária. Segundo Antônio Buainain, o seminário foi idealizado por conta do livro para debater a importância da propriedade intelectual para a pesquisa pública e privada e para a inovação; as relações entre as instituições de pesquisa e o setor privado e o papel destas instituições na inovação; e a capacitação de recursos humanos, geração de conhecimento e pesquisa científica, entre outros temas. “O debate contará com a participação de stakeholders relevantes na área, como resultado de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), do qual o IE e o IG são integrantes.” O agrônomo e pesquisador Maurício Lopes, presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), foi convidado para conceder a palestra de abertura do evento, sobre “O futuro da agricultura e a inovação”. “Vou começar falando sobre o passado recente da agricultura brasileira, pois o que o país fez nos últimos 40 anos não é nada menos que extraordinário”, adiantou. “Saímos da situação de um país que ainda não tinha alcançado a sua segurança alimentar (importador de alimentos), ao tomarmos a decisão de construir um modelo de agricultura baseado na ciência.” Maurício Lopes lembra que, no início dos anos 1970, o Brasil não possuía um modelo consolidado no chamado “cinturão tropical” do globo e, portanto, não contava com instrumentos, conhecimentos e tecno-
O professor Antônio Buainain, um dos organizadores do livro: ressaltando a importância da propriedade intelectual
Maurício Lopes, presidente da Embrapa: “O que o país fez nos últimos 40 anos não é nada menos que extraordinário”
Painel da semana
Painel da semana Iniciação científica - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) receberá, de 20 de junho a 4 de julho, as inscrições para o XXIV Congresso de Iniciação Científica da Unicamp. O evento destina-se aos alunos de graduação que desenvolvem projetos de iniciação científica, com financiamento de alguma agência de fomento ou de maneira voluntária. A partir desta edição, alunos de outras instituições de ensino e pesquisa estão convidados a participar. O Congresso ocorre de 19 a 21 de outubro. Para mais informações acesse a página eletrônica http://www.prp.rei.unicamp.br/pibic/congressos/xxivcongresso/ Expansão do ensino superior no Brasil - O Laboratório de Estudos sobre Ensino Superior (LEES) e o Núcleo de Estudos e Pesquisas de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp organizam, dia 21 de junho, o Fórum “Expansão do ensino superior no Brasil na última década: conquistas, limites e desafios”. O evento acontece das 9 às 17 horas, no auditório do Centro de Convenções da Unicamp, à rua Elis Regina 131, no campus da Unicamp. Mais detalhes pelo e-mail lees@unicamp.br Educorp e Abec promovem curso e seminário - A Escola de Educação Corporativa da Unicamp (Educorp) e a Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec Brasil) promovem, de 22 a 24 de junho, o XXIV Curso de Editoração Científica e o IX Seminário Satélite para Editores Plenos. A abertura oficial será no dia 22, às 8h30, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Para participar do curso é necessário que os participantes já tenham conhecimentos sobre tópicos fundamentais de editoração científica. Outras informações no link http://xxivcurso.abecbrasil.org.br/ 5º Cinfotec - A Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comunicação da Unicamp promove o 5º Cinfotec Unicamp - Comunicação, Informação e Tecnologia, dias 22 e 23 de junho, no Centro de Convenções. O objetivo é reunir os profissionais de TIC da Unicamp para compartilhamento de experiências e casos de sucesso e oferecer oportunidades de atualização profissional em assuntos de destaque em tecnologia da informação e comunicação. Mais detalhes no site do evento: http://www.ctic.unicamp.br/cinfotec, telefone 19-3521-2220 ou e-mail simoneft@unicamp.br Mãos que alimentam - O Espaço Cultural Casa do Lago sedia, em sua Galeria, até 23 de junho, a exposição de fotos “Mãos que
Teses da semana
alimentam”, do jornalista Ronei Aparecido Thezolin, funcionário da Assessoria de Comunicação (Ascom) da Unicamp. Visitas podem ser feitas de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 22 horas, na Av. Érico Veríssimo 1011, no campus universitário. Mais informações: e-mail casadolago@reitoria.unicamp.br ou telefone 19-3521-7017. Festa junina beneficente - A direção da Escola Estadual Físico “Sérgio Pereira Porto” organiza no dia 24 de junho, às 9 às 17 horas, uma festa junina beneficente para as crianças, atendidas pelo Programa de Integração de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Prodecad). O evento contará barracas de churros, cachorro-quente, milho verde, doces, e brinquedos gratuitos como cama elástica. A dança de quadrilha entre outras atrações, também constam no programa. A Festa é aberta à comunidade universitária. A renda dos produtos comercializados será revertida em prol da própria escola. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-7103. Projetos para a Galeria de Arte - A Galeria de Arte do Instituto de Artes (GAIA) da Unicamp receberá, até 24 de junho, projetos de exposições de arte contemporânea e de atividades culturais a serem realizadas em 2017. A seleção será feita pelo Conselho da GAIA com resultado a ser disponibilizado em 8 de julho, na página eletrônica do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Os arquivos para encaminhamento dos projetos estão no link http://www.iar.unicamp. br/evento/convocatoria-gaiaunicamp-2017. Mais detalhes podem ser obtidos pelo e-mail galeria@iar.unicamp.br ou telefone 19-3521-6561.
Teses da semana Artes: “Funarte e a arte brasileira contemporânea: políticas culturais públicas do INAP e CEAV” (doutorado). Candidato: André Guilles Troysi de Campos Andriani. Orientador: professor Marco Antonio Alves do Valle. Dia 21 de junho de 2016, às 14 horas, no prédio da Pós-graduação do IA. “Maria Helena Rosas Fernandes: catálogo comentado da obra completa e fases composicionais” (mestrado). Candidata: Juliana Abra. Orientador: professor Lenita W. M. Nogueira. Dia 21 de junho de 2016, às 14 horas, na sala 3 da Pós-graduação do IA.
logias para superar os grandes problemas de um país continental. “Temos uma base de recursos fabulosa, mas problemas muito próprios: solos tropicais ácidos e pobres, de baixa fertilidade, e a necessidade de tropicalizar sistemas de produção vegetal e animal. O Brasil fez uma revolução muito importante. Acredito que nenhum outro país fez, em espaço de tempo tão curto, um progresso tão significativo.” Segundo Lopes, o início desta revolução na agricultura coincide com o surgimento da Embrapa em 1973 e com uma decisão de governo por fortalecer as universidades, enviando para várias instituições ao redor do mundo profissionais para mestrado e doutorado. “Uma grande vantagem foi de já termos naquela época excelentes universidades agrárias, capazes de prover profissionais com uma formação muito sólida e que, indo para especializações no exterior, voltaram para ajudar o Brasil a construir esta grande revolução.” O presidente da Embrapa ressalta que o Brasil hoje é um país seguro do ponto de vista alimentar e grande provedor de alimentos para mais de 200 mercados do planeta, graças ao forte investimento em um conceito próprio de agricultura baseada em ciência. “E daqui para o futuro? Tenho certeza de que os desafios serão igualmente substanciais. Estamos vivendo um momento de mudanças expressivas: o multilateralismo perdeu espaço no mundo, havendo uma profusão de forças em jogo; a mudança tecnológica acontece de maneira quase alucinante em algumas frentes; desafios de natureza transnacional, como as mudanças climáticas; e aqueles relacionados a segurança biológica, bem como a pragas, doenças e contaminantes.” A palestra da Maurício Lopes foi seguida de mesa-redonda sobre “Propriedade intelectual e inovação: debate e evidências inconclusivas”, com a participação dos professores da Unicamp Carlos Américo Pacheco, Gonçalo Pereira e José Maria da Silveira, e de Cláudia Chamas, da Fiocruz. No dia 10, ocorreram mais três mesas: “Indústria de sementes, inovação e propriedade intelectual”, “Indicação geográfica, marcas e desenvolvimento da agricultura” e “Propriedade intelectual e inovação na agricultura”.
Eventos futuros
“Escrita de si, escrita do outro: os procedimentos do artista Thomaz Perina em seu livro-arquivo e sua casa-ateliê” (doutorado). Candidata: Sônia Aparecida Fardin. Orientadora: professora Iara L. F. Schiavinatto. Dia 23 de junho de 2016, às 14 horas, na sala 3 da Pós-graduação do IA. Ciências Médicas: “Óxido de grafeno e sistema nervoso central: avaliação dos efeitos na barreira hematoencefálica e perfil nanotoxicológico” (doutorado). Candidata: Monique Culturato Padilha Mendonça. Orientadora: professora Maria Alice da Cruz Hofling. Dia 23 de junho de 2016, às 9 horas, no anfiteatro do Departamento de Farmacologia da FCM. “Avaliação dos polimorfismos genéticos e das concentrações plasmáticas de metaloproteinase 9 e seu inibidor TIMP-1 na hipertensão resistente” (doutorado). Candidata: Natália Ruggeri Barbaro. Orientador: professor Heitor Moreno Junior. Dia 23 de junho de 2016, às 13h30, no anfiteatro do Departamento de Farmacologia da FCM. Computação: “Emparelhamento de múltiplas trajetórias em casos severos de oclusão” (mestrado). Candidata: Karina Olga Maizman Bogdan. Orientadora: professora Siome Klein Goldenstein. Dia 21 de junho de 2016, às 14 horas, no auditório do IC. “Sistemas wearable baseados em métodos de visão computacional para auxiliar pessoas com deficiência visual” (doutorado). Candidato: Laurindo de Sousa Britto Neto. Orientador: professor Siome Klein Goldenstein. Dia 24 de junho de 2016, às 14 horas, na sala 353 do IC. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: “Análise estrutural de cobertura em gridshell de madeira” (mestrado). Candidato: Flavio Meireles Caffarello. Orientador: professor Cilmar Donizeti Basaglia. Dia 24 de junho de 2016, às 9h30, na sala de defesa de teses 2 do prédio de aulas da FEC. Engenharia Elétrica e de Computação: “Desenvolvimento de dispositivos microfluídicos para caracterização de bioprocessos” (mestrado). Candidato: Daniel Silva de Lara. Orientador: professor Stanislav Moshkalev. Dia 23 de junho de 2016, às 14 horas, na Pós-graduação da FEEC. Engenharia de Alimentos: “Otimização da composição do solvente para a extração líquido-líquido de compostos fenólicos de azeite de oliva virgem por meio de planejamento experimental de misturas binárias” (mestrado). Candidato: Leonardo Henrique Silva. Orientadora: professora Helena Teixeira Godoy. Dia 20 de junho de 2016, às 15 horas, no salão nobre da FEA.
Destaque do Portal
Geociências: “Produção do espaço e estratégias de gestão
urbana em Frutal - MG” (mestrado). Candidata: Ananda Maria Garcia Veduvoto. Orientadora: professora Claudete Castro Silva Vitte. Dia 20 de junho de 2016, às 9 horas, no auditório do IG.
Linguagem: “A fuga da sogra: mulheres, poesia e humor em
Hecyra” (mestrado). Candidata: Aline da Silva Lazaro Bragion. Orientadora: professora Isabella Tardin Cardoso. Dia 20 de junho de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Ciência sem Fronteiras: os sentidos de ciência e a constituição de um espaço político” (mestrado). Candidata: Tainá Cristina Costa Lopes. Orientadora: professora Monica Graciela Zoppi Fontana. Dia 20 de junho de 2016, às 15 horas, na sala de videocoonferência do IEL. “Narrativas etnográficas em tradução: as histórias da Comadre Esperanza” (doutorado). Candidata: Rita Elena Melian Zamora. Orientadora: professora Maria Viviane do Amaral Veras. Dia 21 de junho de 2016, às 10 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Letramentos (en)formados por relações dialógicas na universidade: ressignificações e refrações com tecnologias digitais” (doutorado). Candidata: Flávia Danielle Sordi Silva Miranda. Orientadora: professora Raquel Salek Fiad. Dia 22 de junho de 2016, às 9 horas, na sala de video conferência do Centro Cultural do IEL. “Literatura chicana e tradução – transbordamentos e aproximações à fronteira” (mestrado). Candidata: Thaís Ribeiro Bueno. Orientadora: professora Maria Viviane do Amaral Veras. Dia 24 de junho de 2016, às 9h30, na sala de defesa de teses do IEL. “Autismos: contribuições da psicanálise para se pensar o traço de surdez como sinal aparente em crianças autistas” (mestrado). Candidata: Carolina Morari Mendes. Orientadora: professora Nina Virgínia de Araújo Leite. Dia 24 de junho de 2016, às 15 horas, na sala de videoconferência do IEL.
Odontologia: “Relação entre a atividade da anidrase carbônica VI, alfa-amilase salivar, capacidade tampão, fluxo salivar e cárie dental em crianças” (doutorado). Candidata: Thayse Rodrigues de Souza. Orientadora: professora Marinês Nobre dos Santos Uchôa. Dia 24 de junho de 2016, às 14 horas, no anfiteatro 4 da FOP. Química: “Blendas de policaprolactona com poliéster polinitro-
sado para liberação localizada de óxido nítrico” (doutorado). Candidato: Victor Baldim. Orientador: professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira. Dia 21 de junho de 2016, às 14 horas, na sala IQ14 do IQ.
11 Campinas, 20 a 26 de junho de 2016
Técnica corrige desvio postural Problema é causado por alteração óssea do calcanhar; testes foram feitos com militares
Fotos: Antoninho Perri
ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
ma técnica inédita na fisioterapia lança uso de um artefato para corrigir desvios posturais de retropé valgo – uma alteração óssea do calcanhar. Foi o que sugeriu estudo de mestrado apresentado à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), cujo autor, Humberto Akira Takahashi, a batizou com o nome de Integração Postural por Terapia Manual (IPTM). Os testes foram feitos com militares do município de Campinas (SP), e se mostraram promissores. A IPTM é a primeira técnica brasileira de correção de desvio postural com essa finalidade a ser validada em uma Universidade – a Unicamp. A proposta é fazer com que os terapeutas passem a considerá-la na prática e que ela possa se tornar uma opção adicional para pacientes que não estão respondendo bem a outras técnicas. Ela mostrou viabilidade em 60 soldados pertencentes à 11ª Brigada de Infantaria Leve (BIL) da cidade. Na investigação, 30 militares passaram por tratamento com Reeducação Postural Global (RPG) e outros 30 com IPTM. Os avaliados (homens e mulheres) tinham idade entre 18 e 25 anos, um retropé valgo e outro retropé alinhado. Eram assintomáticos, explicou o autor, porque esse tratamento atua justamente de modo preventivo. “A simetria comprovada nos resultados permaneceu muito próxima dos efeitos obtidos na última sessão de fisioterapia”, concluiu Takahashi, que no estudo foi orientado pelo docente da FEEC Antonio Augusto Fasolo Quevedo. A escolha da amostra de militares foi em razão dos altos índices de problemas que em geral eles têm nos pés. Os testes duraram quatro semanas (uma sessão por semana) e, nas outras quatro, os militares não se submeteram às terapias propostas. A seguir, eles foram reavaliados para ver se o tratamento mantinha seus efeitos ou se o desvio postural estaria voltando. Os efeitos benéficos do tratamento se prolongaram por mais tempo na IPTM do que na RPG. Os experimentos analisaram a simetria da pressão do peso na sola dos pés, empregando para isso um baropodômetro – uma espécie de balança entre hemicorpos (cada uma das metades do corpo: lado direito e esquerdo). Esse instrumento avalia as pressões sob a planta do pé durante a posição estática e a marcha; determina o centro de pressão; e identifica o tipo de pisada, instabilidades, impulso e outras alterações biomecânicas. Quando a posição está mais uniforme entre hemicorpos, por exemplo, ele indica que a pessoa está com um bom alinhamento postural.
BIOMECÂNICA Humberto Akira Takahashi, autor da dissertação: “A simetria comprovada nos resultados permaneceu muito próxima dos efeitos obtidos na última sessão de fisioterapia”
O professor Antonio Augusto Fasolo Quevedo, orientador do estudo: “Estamos chegando a medições de problemas de movimento, até para termos uma gradação mais detalhada”
O pesquisador explicou que, no retropé valgo, a parte do tornozelo fica voltada para dentro e que isso pode provocar muita dor, com o tempo, pela sobrecarga no lado medial e porque o peso está inclinado para dentro. “É que a própria sobrecarga acaba comprimindo os nervos da região e ocasionando desconforto”, acrescentou o orientador.
ARTEFATO Takahashi criou a regra biomecânica convexo-convexo nessa pesquisa, uma vez que todo desvio postural possui uma curvatura acentuada. As articulações e musculaturas nestas regiões seguem um padrão: um lado convexo e outro côncavo. O lado convexo é onde a musculatura está mais enfraquecida ou alongada e o lado côncavo é onde a musculatura está mais encurtada e, consequentemente, as articulações nestas regiões estão desalinhadas.
O fisioterapeuta também criou um artefato rígido e com superfície ovalada (veja imagem) para auxiliar na terapia proposta. A face inferior é plana e fica apoiada no chão. O voluntário deita-se de lado com a parte medial do retropé. No caso, o tálus, um dos maiores sustentadores do peso pelo pé, fica em contato com a superfície ovalada do artefato. Com esse contato, a tendência é produzir dois efeitos: minimizar a parte convexa, ou externa do desvio (no caso do tálus), e colocar a parte mais interna deste osso em alongamento, que é a parte côncava. “O osso do tálus seria o lado convexo do desvio postural e o artefato seria outro convexo que, em contato com esse osso, formaria o convexo-convexo”, expôs Takahashi. A técnica seria potencializada com manobras nas quais se utiliza a terapia manual. Nesta pesquisa, ocorreu mobilização articular através das pontas dos dedos. Foto: Divulgação
ASSOCIAÇÃO Takahashi sublinhou que a IPTM atuaria eficazmente na parte do desvio e é um método oposto à RPG e ao Pilates, técnicas ditas globais, que empregam músculos e tendões para corrigir todos os desvios posturais ao mesmo tempo (escoliose, hipercifose, lombar e joelho, retropé e antepé valgos, entre outros). A correção é ativa e os músculos e tendões são estirados e fortalecidos da cabeça aos pés ao mesmo tempo. Enquanto a RPG trabalha com o corpo todo em sequência – com o terapeuta observando, intervindo e corrigindo simetricamente a postura do paciente –, a IPTM trabalha com o desvio de modo mais localizado. “Mas não se trata aqui de discutir se uma técnica é melhor que a outra e sim complementares”, ressaltou o fisioterapeuta, “tanto que, às vezes, numa correção global, pode-se optar pela técnica específica para o retropé valgo, visto que os músculos da região não conseguem ser atingidos com a RPG”.
Conforme o mestrando, o objetivo é alongar com terapia manual o lado côncavo para diminuir a parte convexa (o tálus) e chegar a um realinhamento desta articulação, diminuindo o sobrecarga deste lado medial do retropé. Em decorrência, as diferenças entre hemicorpos diminuiriam e os retropés ficariam mais equilibrados entre o lado esquerdo e direito. O pesquisador comentou que o realinhamento com a RPG e o Pilates, as técnicas mais consagradas, exigem do paciente o alongamento e a contração da musculatura. Entretanto, é difícil fazer a correção nos ossos do tálus, que é o lado convexo do retropé valgo, pois nenhum músculo passa por ali. “Se não há músculo e tendão, como corrigir e manter o realinhamento do osso tálus no pós-tratamento?”, questionou Takahashi. Daí que entra a técnica da IPTM agindo localmente.
O retropé valgo pode estar associado a patologias como a síndrome do túnel do tarso (que é a compressão do nervo tibial), síndromes dolorosas subcalcâneas como a fasceíte plantar ou esporão de calcâneo, e o pé de corredor (compressão do nervo plantar medial). Todos esses desvios se situam na região do pé e teriam indicação de IPTM, tanto para prevenção quanto para restauração. Com a evolução dos equipamentos, descreveu Antonio Quevedo, os estudiosos passaram a avaliar estas patologias quantitativamente, por isso a importância do uso do instrumento baropodômetro. A pessoa sobe numa plataforma e é coletada a sua distribuição de modo bem simples: em poucos segundos. A vantagem do IPTM está em situações em que os portadores de retropé valgo têm dificuldade de efetuar movimentos ativos e em que as pessoas não são colaborativas, como os pacientes neurológicos ou pessoas que têm alguns deficits de atenção e compreensão, salientou Takahashi. A sua expectativa é levar essa técnica à aceitação, à população e aos colegas fisioterapeutas para replicarem-na. Este trabalho integra a linha de pesquisa de engenharia biomédica e de engenharia de reabilitação, na qual tem vários estudos em andamento na FEEC. Seus pesquisadores promovem a análise quantitativa de algumas patologias sob a coordenação do professor Antonio Quevedo. “Estamos chegando a medições de problemas de movimento, até para termos uma gradação mais detalhada. É o que acontece com crianças com paralisia cerebral que hoje são classificadas em leve, moderada e severa. A intenção é ter parâmetros de medição que levem a uma escala mais completa, de zero a dez ou de zero a 100, para situar o grau de deficit num nível mais apurado, atingindo um padrão-ouro”, realçou o docente. Ultimamente, há pós-graduandos trabalhando com sensores para medir movimento, com algoritmos matemáticos para chegar aos números pretendidos ou com representação, relatou Antonio Quevedo. A IPTM foi desenvolvida há 15 anos, informou Takahashi, que se debruça sobre o assunto desde 2001. Não se trata de um estudo que começou agora. Ele lembrou que, quando a RPG também foi criada, não existia a maioria das técnicas disponíveis hoje. “Mas esse procedimento mostrou o seu valor, comprovando que funcionava e que melhorava a condição de vida das pessoas”, revelou o orientador. “É o mesmo que pretendemos alcançar com a nova técnica e, no futuro, investigar os efeitos da IPTM igualmente em outras articulações.”
Publicação Dissertação: “Estudo da técnica IPTM para validação como procedimento de fisioterapia” Autor: Humberto Akira Takahashi Orientador: Antonio Augusto Fasolo Quevedo Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) Sessão de aplicação da técnica, batizada de Integração Postural por Terapia Manual (IPTM): resultados foram promissores
12 Campinas, 20 a 26 de junho de 2016
PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
Na eternidade cabe todo mundo, não apenas eu, um velho senhor que vive em uma instituição da cidade. Na eternidade sou esperado e serei acolhido, assim como você”. Esta é uma interpretação possível da frase dita pelo senhor Fausto, morador de uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) de Indaiatuba, à dupla de palhaços que o visitava. A frase “na eternidade cabe lá todo mundo” acabou sendo escolhida para batizar a dissertação de mestrado em Antropologia Social da atriz palhaça Ana Teresa Costa Figueiredo, a Ana Piu, uma portuguesa com bastante experiência na arte da “palhaçaria”, que veio morar em Campinas com as filhas e com o objetivo de estudar na Unicamp e montar um grupo na região de Campinas e São Paulo que se especialize nesse tipo de visitação a idosos. Durante nove anos Ana fez parte da Operação Nariz Vermelho, uma organização de atores que atua em hospitais, semelhante ao Doutores da Alegria. Era a Xotôra Ninonete Xarope, “palhaça hospitalar” que um dia, junto com sua dupla, conseguiu tirar da apatia, pelo menos naquele momento da visita, uma senhora que já não falava havia muitos meses, desde que dera entrada no hospital. “Começamos a cantar uma música ‘mãe querida, mãe querida’ e ela abriu os olhos, começou a cantar também e a sorrir”, diz impressionada até hoje com o que pode um palhaço. “O que caracteriza o trabalho do palhaço é ser um transformador de momentos”. Graduada em Antropologia Social pelo Instituto Universitário de (ISCTE), Ana foi orientada pela professora Guita Grin Debert e coorientada por Ana Cristina Colla do Instituto de Artes (IA). Já em Campinas, Ana tentou fazer um levantamento de grupos de palhaços que trabalhassem com idosos, mas teve muita dificuldade. Encontrou um único grupo na região, o Gandaiá, de Indaiatuba, que acompanhou para a dissertação. Mais tarde conheceu ainda o Teatro do Sopro, uma dupla do Rio de Janeiro formada a partir de um trabalho que já era feito pelo ator canadense Olivier Terreault em seu país, juntamente com a atriz Flavia Marco. A pesquisa descreve as visitas do Grupo Gandaiá a uma instituição da cidade, o Lar de Velhos & Espaço Dia Emmanuel, e do Teatro do Sopro a três ILPIs no Rio de Janeiro, contando um pouco da história dos atores, dos idosos e da instituição. A pesquisadora procura avaliar o impacto das visitas dos palhaços por meio das conversas, olhares e reações dos idosos. “O palhaço não tem nem passado nem futuro, vive o aqui e o agora, que é um pouco a lógica da criança e uma necessidade para o idoso, que é a de se conectar com o presente. Com os idosos o trabalho acaba sendo um pouco mais complexo porque muitas vezes o artista vira um confidente. Daí que entre os palhaços existe uma contradição, porque se ele vai atuar como um assistente social ou como um voluntário, não precisaria levar a sua arte”, pondera. Muitas vezes, de acordo com Ana, a relação do palhaço com o idoso passa pela conversa e por gestos de afeto. “Pelo que foi observado, o jogo lúdico com o idoso pode acontecer espontaneamente, mas de um modo geral o palhaço necessita de uma aproximação mais pessoal para estabelecer empatia e cumplicidade”, escreve. A pesquisadora compartilha das observações do ator palhaço Olivier Terreault, do Teatro do Sopro, que divide o palhaço em três principais eixos quando intervindo com idosos: o palhaço relacional, o palhaço artístico e o palhaço terapêutico. “O palhaço relacional é o primeiro que surge nessa relação de aproximação. É visível a necessidade de alguns idosos em falarem de si e de contarem histórias do seu presente próximo, assim como do seu passado distante”. O palhaço artístico sobe à cena com um roteiro, ou seja, é aquele que vai até o local fazer uma apresentação, procurando estabelecer uma relação lúdica “na esfera do onírico e do cômico”. Já o palhaço terapêutico é o efeito que este surte no idoso. “Este último aspecto é específico do trabalho do Teatro do Sopro, que assume a característica terapêutica com base num conhecimento mais detalhado do idoso com demência, fruto duma pesquisa e diálogo com gerontólogos, psicólogos e psiquiatras”. O grupo Gandaiá, conforme observado por Ana, tem mais o perfil do palhaço relacional, sem prescindir dos efeitos terapêuticos que consequentemente possam vir a existir. Outro aspecto do trabalho do grupo é o trânsito que os atores fazem durante a
Aqui e agora, entre o cômico,
o onírico e a
eternidade Fotos: Divulgação
Integrantes do Grupo Gandaiá (ao lado) e do Teatro do Sopro (abaixo), durante visitas a instituições de longa permanência para idosos
VISITAS “Senhor Fausto diz que as suas pernas já não são as mesmas, mas que sempre que pode caminha pelos corredores”. A dupla de palhaços sugere uma corrida para ver quem chega primeiro ao bebedouro. “Senhor Fausto responde com humor que nem vale a pena fazer essa corrida, pois ele vai ganhar dos palhaços”. Os palhaços brincam de correr no mesmo lugar, afastando-se do senhor Fausto e, fazendo uma voz distante, falam que, mesmo parado, Fausto é veloz e tem boas pernas. O idoso sorri e comenta: “Estes meninos têm um coração grande! Até sorrio por dentro com as suas bobagens!”. Uma das auxiliares da instituição pede a ajuda dos palhaços para levar uma senhora, dona Maria, que está em uma cadeira de rodas até a sala de convívio. Os atores brincam e disputam pela condução da cadeira, até tirarem a sorte. A palhaça Tatá diz para dona Maria que ela agora tem dois motoristas, um luxo. A idosa responde que seria bom sinal não ter nenhum. “Mas, agora que tem, aproveite! Vamos parar no posto para colocar combustível”, e param junto a um bebedouro, oferecendo um copo com água a Maria. Na Sociedade Beneficente das Damas Israelitas do Rio de Janeiro, o senhor Josué afirma que guarda uma pedra trazida do Muro das Lamentações em Jerusalém. De idade já bem avançada ele abre a gaveta e procura, mas não encontra a pedra. Mesmo que não fosse de verdade os palhaços lidam com aquilo brincando. De repente o idoso encontra a pedra. “Os palhaços dizem: Uau! É de verdade! Eles mantêm o jogo. O senhor estava orgulhoso e muito grato. Este impacto não é mensurável”, afirma Ana Piu. Os palhaços que visitam as instituições ainda enfrentam o desafio de não infantilizar o idoso, o que impediria uma relação empática. Os artistas do Teatro do Sopro, por exemplo, vestem personagens de época, galãs de cinema, dançarinos de tango e, dessa forma, segundo Ana, aproximam-se ainda mais de uma abordagem antropológica, que interessa à pesquisadora. “Para Olivier e Flavia Marco, os palhaços colocam-se no lugar de vulnerabilidade como quem necessita emocionalmente do idoso; fazendo o idoso se sentir útil e invertendo os papeis de verticalidade em que eventualmente é o idoso que necessita do cuidador”, complementa. A identificação, palavra-chave da relação entre o palhaço e a criança doente, ou o idoso que vive em uma instituição, acontece na vulnerabilidade. “O palhaço não é o vencedor, ele brinca com a vulnerabilidade para ‘aligeirar’ o momento, tornar mais leve. O foco do artista está no que é positivo, saudável, o que é são numa pessoa, não nas suas dores e mesmo assim, sem menosprezar suas tristezas”.
Publicação Dissertação: “Na eternidade cabe lá todo mundo: visita de palhaços a instituições de longa permanência para idosos” Autora: Ana Teresa Costa Figueiredo Orientadora: Guita Grin Debert Coorientadora: Ana Cristina Colla Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
visita, entre seus palhaços e eles próprios, quando saem do papel de personagem para algum tipo de observação. “Por exemplo, uma atriz, chamada Kamila faz a personagem de palhaça Tatá. Ela escuta as queixas de dor de dona Rosa. Tatá elogia a roupa de dona Rosa. Esta sorri e segura nas mãos da palhaça. Continua falando que não tem tido fome. Kamila sai da personagem da palhaça Tatá e fala para a dona Rosa que esta tem de comer para não ficar doente. Dona Rosa diz que só espera morrer. Kamila volta a ser a palhaça Tatá e fala docemente, brincando, que se ela morrer não poderá dar o prazer a seus olhos de visitar uma senhora tão chique de vestidos chiques. Será uma palhaça menos chique”, descreve na dissertação. Para Ana Piu, o foco do trabalho do artista numa instituição é relacional. “Não é a questão de levar um produto acabado, uma cena para apresentar e ir embora, e sim criar um vínculo e a partir daí criar um jogo e improvisar utilizando as ferramentas artísticas de que dispomos”.
A atriz Ana Teresa Costa Figueiredo (à direita), autora da pesquisa, com integrantes do Teatro do Sopro: “O palhaço é um transformador de momentos”