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Campinas, 19 a 25 de setembro de 2016 - ANO XXX - Nº 669 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Jornal daUnicamp

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a d a g e r g e s s o t u a e t i l e A Pesquisa da demógrafa Dafne Sponchiado Firmino da Silva revela peculiaridades da configuração urbana de Campinas, cuja periferia é ocupada também por condomínios de luxo que formam a “Cordilheira da Riqueza”, termo cunhado pelo professor José Marcos Pinto da Cunha, orientador do trabalho.

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UM NOVO MATERIAL PARA CÉLULA SOLAR

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Cientistas da Unicamp produziram células solares de perovskita, alternativa mais barata e eficiente ao silício, empregado hoje em sistemas fotovoltaicos.

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Estudo associa cigarro à insuficiência respiratória

Um novo tipo de extinção nos oceanos

Pesquisa revisita a origem dos paralímpicos no Brasil

Abrindo o código para a submissão de artigos

O povo Kokama nas fronteiras da exclusão

A relação entre a força das marés e terremotos

TELESCÓPIO

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A escrita de si e a casa-ateliê de Perina


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TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute

Mancha vermelha de Caronte Caronte, a maior das cinco luas conhecidas de Plutão, tem uma mancha vermelha em seu polo norte. Cientistas especulam que essa coloração peculiar, descoberta pela sonda New Horizons, da Nasa, poderia ser causada pela captura de gás metano emitido por Plutão: as moléculas ficariam aprisionadas na calota polar da lua durante os longos invernos, de mais 100 anos, que existem lá. Artigo publicado na revista Nature, de autoria de pesquisadores dos Estados Unidos, analisa dados gerados pela New Horizons e apresenta um modelo da dinâmica da superfície do satélite, levando em conta ainda os efeitos do movimento conjunto de Plutão e Caronte em torno do Sol. O estudo determina que, além de realmente ser capaz de preservar o metano liberado por Plutão, a calota polar norte da lua, uma vez exposta à radiação solar, pode ser palco de processos fotoquímicos que transformam o metano em moléculas mais complexas, criando a coloração avermelhada.

os dados científicos a respeito nunca foram muito claros. Os autores do novo artigo, vinculados à Universidade de Tóquio, buscaram observar correlações entre os terremotos e a intensidade do estresse sentido na crosta. Foi usada uma série histórica de duas décadas. O resultado foi uma conexão entre os terremotos mais intensos e os maiores estresses de maré: em mais de onze mil terremotos com magnitude superior a 5,5, os ocorridos sob um grande estresse tiveram maior probabilidade de atingir ou superar magnitude 8. Além disso, o artigo aponta que a proporção entre terremotos intensos e terremotos fracos aumenta quando a força de maré é maior. “O conhecimento do estado do estresse de maré em regiões sísmicas pode ser usado para melhorar a previsão probabilística de terremotos, especialmente para tremores extremamente grandes”, escrevem os pesquisadores.

Nobel contra supercolisor Um novo tipo de extinção A atual crise de biodiversidade nos oceanos, causada principalmente pela ação humana, é diferente das demais extinções em massa registradas nos últimos 60 milhões de anos: desta vez, as espécies com indivíduos de grande porte estão mais ameaçadas que as espécies de indivíduos pequenos, o que acentua o impacto potencial das extinções nos ecossistemas. Os resultados constam de artigo publicado na revista Science. Os autores do trabalho, vinculados a instituições dos Estados Unidos, atribuem esse diferencial à preferência humana pela caça e pesca de grandes animais. “A ameaça seletiva aos animais marinhos de grande porte traz um perigo aos ecossistemas que é desproporcional à porcentagem de espécies ameaçadas”, diz o artigo. “Animais de grande porte são essenciais para o funcionamento do ecossistema, por causa de sua posição preferencial no topo das redes alimentares”. Os autores fazem a ressalva de que, caso a mudança climática venha a superar a caça e pesca predatória como principal fator de extinção marinha, o perfil de desparecimento de espécies poderá convergir para o visto em catástrofes do passado, quando a extinção não era seletiva quanto ao tamanho do indivíduo, ou atingia mais as espécies de pequeno porte.

Missão Osiris REx A Nasa lançou, no início de setembro, a missão Osiris REx, com o objetivo de coletar amostras de um asteroide próximo à Terra e trazê-las de volta para análise. O nome da missão é a sigla em inglês para “Origens, Interpretação Espectral, Identificação de Recursos, Segurança, Exploração de Rególito”. Rególito é o nome dado ao material solto que existe sobre a superfície de um corpo rochoso no espaço – o correspondente ao “solo” terrestre. O destino da Osiris REx é o asteroide Bennu, que orbita o Sol a uma distância de 1,3 a 0,9 Unidade Astronômica (UA). O comprimento de 1,0 UA corresponde a 150 milhões de quilômetros, a distância média que separa a Terra do Sol.

O polo norte de Caronte, lua de Plutão, com sua mancha vermelha

Cientistas consideram Bennu um alvo interessante não apenas por ele estar tão próximo da Terra – o que faz com que seja parte de uma população de corpos celestes potencialmente perigosos para nós, daí o fator “Segurança” no nome da missão – como também por ter uma composição que provavelmente se mantém inalterada desde a origem do Sistema Solar, há 4,5 bilhões de anos. A Osiris REx deve chegar a Bennu em 2018, e retornar com amostras para análise em 2023.

Lendo livros fechados Pesquisadores do MIT descrevem, no periódico Nature Communications, o protótipo de um aparelho que, uma vez aperfeiçoado, poderá ser capaz de registrar o conteúdo de livros fechados – o que seria útil para pesquisadores que precisam ter acesso a obras raras que não podem ser manuseadas com frequência. O aparelho usa radiação na faixa dos terahertz – entre as micro-ondas e a luz infravermelha, e também chamada de “raios-T” – para penetrar pilhas de papel e determinar o conteúdo impresso. O teste descrito na Nature Communications envolveu a identificação de letras individuais a uma profundidade de nove páginas. Os pulsos de raios-T são extremamente curtos, o que permite que o tempo entre a emissão do sinal e o retorno da radiação refletida seja usado para calcular a profundidade em que a reflexão ocorreu. De acordo com nota divulgada pelo MIT, o equipamento é capaz de determinar a distância percorrida pelos raios-T refletidos até uma profundidade de 20 páginas, embora a identificação do conteúdo impresso só seja possível, até o momento, nas primeiras nove.

Morcegos num mundo barulhento Morcegos da espécie Trachops cirrhosu, que normalmente caçam rãs usando o som do chamado de acasalamento de suas presas para localizá-las, são capazes de mudar de estratégia, aplicando seu sentido de sonar quando o ruído ambiente sufoca o som dos anfíbios, informa artigo publicado na revista Science. Para ver se o morcego conseguiria improvisar com um novo modo sensorial para conseguir comida, os autores, do Panamá, EUA, Reino Unido e Alemanha criaram duas rãs mecânicas, uma que apenas emitia o chamado de acasalamento (condição “unimodal”) e outra que, além de produzir o som, estufava o papo (condição “multimodal”). Quando o ruído gerado artificialmente mascarava o chamado das rãs, os morcegos passaram a atacar preferencialmente o robô multimodal, valendo-se do sonar para detectar a expansão do papo. Os pesquisadores notam que essa mudança na forma de detecção pode influenciar a evolução da espécie, ainda mais em ambientes onde o barulho produzido pela atividade humana interfere com os animais.

Maré e terremoto A intensidade do estresse provocado na crosta terrestre pela atração gravitacional da Lua e do Sol – as chamadas forças de maré – tem uma correlação com a ocorrência dos terremotos mais potentes, diz artigo publicado no periódico Nature Geoscience. Esse estresse é maior quando a Lua, a Terra e o Sol estão alinhados – ou seja, durante a Lua cheia e a Lua nova. Nota divulgada no website do Grupo Nature lembra que, embora seja fácil supor uma ligação entre o estresse causado pela força de maré e a ocorrência de terremotos,

O físico chinês Chen Ning Yang, ganhador de um Prêmio Nobel em 1957, manifestou-se contra os planos de instalação, na China, de um novo supercolisor de partículas para suceder o LHC europeu, informa o ScienceInsider, boletim informativo do site da revista Science. A construção do Colisor Circular Elétron-Pósitron (CEPC, na sigla em inglês), a um custo de US$ 6 bilhões, é defendida pelo Instituto de Física de Alta Energia da Academia Chinesa de Ciências. Yang, no entanto, acredita que o país deveria ter outras prioridades. Em artigo publicado na imprensa chinesa no início do mês, o cientista afirma que a física de alta energia deveria parar de se preocupar, ao menos por ora, em construir colisores cada vez maiores e buscar novas abordagens teóricas e experimentais.

Abrindo o código A Associação Estatística dos Estados Unidos decidiu passar a exigir que todos os artigos submetidos à seção de Aplicações e Estudos de Caso de seu periódico Journal of the American Statistical Association (JASA) venham acompanhados do código de computador e dos dados utilizados no trabalho. Código e dados, diz nota divulgada pela associação, representam “um padrão mínimo de reprodutibilidade em pesquisa científica estatística”. O processo de revisão pelos pares do JASA passará a incluir a figura do editor associado de reprodutibilidade, “para garantir que atinjamos um padrão de reprodutibilidade”. A revista Nature entrevistou Victoria Stodden, que será uma das editoras de reprodutibilidade do JASA. Ela ponderou que os padrões tradicionais de revisão da pesquisa científica foram estabelecidos para estudos que não envolvem computadores. “Uma vez que você introduz o computador, a seção de materiais de um artigo científico típico não chega nem perto de fornecer a informação necessária para verificar os resultados”, criticou.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Rachel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Unicamp produz células

solares de perovskita Fotos: Antonio Scarpinetti

Resultado é obtido pela primeira vez no país; material é alternativa mais barata ao silício MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

ela primeira vez no Brasil, pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp produziram células solares de perovskita em laboratório. O material, que vem sendo pesquisado pela ciência desde a década de 1960, mas que apenas recentemente teve a aplicação voltada para a geração de energia elétrica a partir da luz solar, surge como alternativa potencialmente mais barata e eficiente ao silício, empregado atualmente em sistemas fotovoltaicos. O resultado foi obtido durante a pesquisa para a dissertação de mestrado do químico Rodrigo Szostak, que contou com a orientação da professora Ana Flávia Nogueira. A preparação das células solares de perovskita no país tem dois aspectos importantes, como explica Szostak. Primeiro, porque o estudo contribui para que o país se torne autônomo nesse campo da ciência. “Fizemos tudo aqui no LNES [Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar], com a estrutura da qual já dispúnhamos e sem a colaboração de grupos estrangeiros”, afirma o pesquisador. Segundo, porque os testes indicaram uma eficiência de 13% por parte das células de perovskita. O índice é semelhante ao alcançado pelas células solares de silício vendidas comercialmente, cuja eficiência gira em torno de 15%. O autor da dissertação explica que o grau de eficiência das células solares é medido de acordo com a energia que chega do Sol. Se, por hipótese, um sistema conseguisse captar todo o espectro solar, a sua eficiência seria de 100%. “Mas isso é impossível devido principalmente à perda da radiação com energia menor que a de absorção do material. Assim, a maior eficiência possível para uma célula solar simples é 33,7%, valor calculado pelo limite denominado Shockley-Queisser. As perovskitas talvez contribuam para, no futuro, nos aproximarmos deste valor com um custo reduzido em relação a outras tecnologias”, infere Szostak. A expectativa do pesquisador é justificada, principalmente porque os estudos em torno da perovskita ainda estão em fase inicial no mundo todo. As primeiras pesquisas sobre o uso do material em células solares datam de 2009, portanto há menos de uma década. Na ocasião, um dos cientistas que investigavam as propriedades das perovskitas preparou uma célula solar com baixa eficiência. Três anos depois, um colega dele, da Inglaterra, promoveu modificações nos dispositivos e chegou a uma célula com 10% de eficiência. O resultado fez com que vários grupos científicos voltassem a atenção para as perovskitas. Atualmente, há relatos na literatura de grupos que atingiram, em escala laboratorial, índice em torno de 20% com as células solares de perovskita. “Esse patamar é excelente, se levarmos em conta que as pesquisas são

Publicação Dissertação: “Células solares híbridas baseadas em perovskitas” Autor: Rodrigo Szostak Orientadora: Ana Flávia Nogueira Unidade: Instituto de Química (IQ)

Célula solar de perovskita é testada no laboratório do IQ: eficiência do material já é semelhante à apresentada pelo silício

recentes”. Outra vantagem das perovskitas sobre o silício, continua Szostak, é que a sua preparação exige o uso de quantidades significativamente menores de energia em comparação ao silício. Em outras palavras, isso representa redução de custos. “Além disso, as células de perovskita têm uma espessura muito fina, de cerca de um micrômetro. Ela pode ser aplicada, por exemplo, sobre um polímero leve e flexível. Isso é importante porque desta maneira podem ser preparados painéis solares robustos e leves, facilitando sua aplicação”, detalha. Apesar da potencialidade das perovskitas, Szostak adverte que todos os resultados obtidos até agora com o material ainda estão em escala laboratorial. “Ainda vamos demorar alguns anos para deixar a bancada e transformar as células solares de perovskita em um produto comercial. Ainda há uma série de aspectos que precisamos desvendar sobre esse material”, diz. O grupo liderado pela professora Ana Flávia Nogueira conta com mais dois pesquisadores que estão dedicando seus trabalhos de pós-graduação à análise das propriedades das perovskitas. Um deles, o doutorando Matheus Serra de Holanda, está buscando um método para evitar que o material, que é extremamente sensível à umidade, absorva a água presente no ambiente. “Estou promovendo modificações nas perovskitas, para evitar que a umidade interfira no processo de conversão direta da radiação em eletricidade. Felizmente,

os testes que temos realizado estão gerando bons resultados”, informa. Os dois pesquisadores chamam a atenção para a importância do avanço das investigações acerca do tema, especialmente em um país como o Brasil, que apresenta um dos maiores índices de insolação do mundo. “Nossas menores taxas de insolação são semelhantes às melhores taxas dos países europeus”, pontua Szostak. Segundo ele, embora a matriz energética brasileira tenha um expressivo percentual de fontes renováveis, é imprescindível que o país amplie essa participação, a exemplo do que vêm fazendo outras nações, notadamente as desenvolvidas. Ainda que a matriz brasileira conte com uma elevada taxa de energia hidráulica, que é renovável, esta exige investimentos vultosos e acarreta impactos ambientais importantes, como lembra o autor da dissertação. “Nesse cenário, a ampliação de outras fontes de energia limpas, como a solar e a eólica, se tornam cada vez mais necessárias”, defende Szostak. De fato, o Brasil ainda vive na penumbra quando o assunto é a exploração da energia a partir da luz solar. De acordo com o Plano Decenal de Energia Elétrica (PDE), divulgado no final de 2015 pelo Ministério das Minas e Energia (MME), atualmente a energia elétrica fotovoltaica responde por somente 0,02% da potência elétrica do Brasil. Se tudo correr bem e os projetos previstos forem integralmente executados, a previsão é que em 2024 esse índice avance para 4%.

Retornando à pesquisa desenvolvida no IQ, Szostak e Holanda assinalam que os trabalhos envolvendo a perovskitas têm necessariamente caráter interdisciplinar. Eles esclarecem que os problemas relativos ao uso do material dificilmente poderiam ser solucionados com o suporte de um único campo do saber. “A nossa equipe conta com químicos, físico e engenheiro eletrônico. Quando chegarmos ao ponto de migrar da bancada para a escala comercial, certamente precisaremos também do apoio de um engenheiro eletricista. Ainda estamos um pouco distantes de desenvolver um produto, mas nosso objetivo é esse”, reforça Szostak, que já iniciou o doutorado, no qual dará continuidade aos estudos em torno das perovskitas.

MATERIAL

Perovskita é o nome de uma estrutura cristalina descoberta pelo mineralogista alemão Gustav Rose em 1839, nos Montes Urais, na Rússia. O mineral foi batizado em homenagem ao também mineralogista russo Count Lev Alexevich von Perovski. Desde então, perovskita é usada para nomear uma classe de materiais. Uma perovskita pode ser puramente inorgânica ou híbrida, onde alguns componentes são orgânicos, como é o caso das utilizadas em células solares. Neste caso, a família de perovskitas com propriedades fotovoltaicas é composta por um cátion orgânico, um inorgânico, sendo chumbo ou estanho, e um halogênio, sendo iodo, bromo ou cloro.

Rodrigo Szostak (à esquerda), autor da dissertação, e o doutorando Matheus Serra de Holanda: resultados promissores


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Pesquisa revela que fumantes são passíveis de alterações que podem desencadear a insuficiência cardíaca Pesquisadores avaliaram dados de 4.580 participantes com idade média de 75,7 anos, de quatro comunidades dos Estados Unidos Foto: Mário Moreira

O professor Wilson Nadruz, professor do Departamento de Clínica Médica da FCM e autor da pesquisa, participou das pesquisas: “Os ex-fumantes apresentaram estrutura e função cardíacas similares às do não-fumantes”

EDIMILSOM MONTALTI Especial para o JU

m estudo conduzido por pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e da Faculdade de Medicina de Harvard mostrou que a exposição ao fumo provoca o espessamento das paredes cardíacas e reduz a capacidade do coração em bombear sangue, elevando o risco de insuficiência cardíaca. A pesquisa também mostrou que quanto maior a exposição cumulativa ao cigarro, maior o dano cardíaco. O estudo acaba de ser publicado na revista Circulation Cardiovascular Imaging e divulgado pela American Heart Association.

“Os dados da pesquisa sugerem que o tabagismo pode provocar alterações diretas na estrutura e função do coração, o que pode levar a um maior risco de insuficiência cardíaca, mesmo em indivíduos que não tiveram infarto do miocárdio”, disse Wilson Nadruz Junior, professor do Departamento de Clínica Médica da FCM e autor da pesquisa. Estudos prévios mostraram que o tabagismo está associado ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca, mesmo em indivíduos sem doenças cardíacas. Além disto, estudos realizados em modelos animais têm sugerido que a fumaça do cigarro pode provocar danos ao coração. Contudo, os mecanismos exatos pelos quais o tabagismo pode aumentar o

risco de insuficiência cardíaca ainda são incertos. A pesquisa avaliou dados de 4.580 participantes com idade média de 75,7 anos e sem sinais de doenças cardíacas de quatro comunidades americanas. Os participantes do estudo realizaram um ecocardiograma para avaliar a estrutura e função do coração e, a partir disso, foram divididos em três grupos: fumantes ativos, ex-fumantes e não-fumantes. De acordo com a pesquisa, mesmo após levar em conta diversos fatores, como idade, raça, índice de massa corpórea, pressão arterial, diabetes, rigidez arterial e consumo de álcool, fumantes ativos tiveram paredes cardíacas mais espessas e pior função cardíaca quando

comparados com não-fumantes e ex-fumantes. “Um dado interessante foi o de que os ex-fumantes apresentaram estrutura e função cardíacas similares às do nãofumantes. Isso sugere que os efeitos potenciais do tabaco podem ser revertidos após a cessação do tabagismo. Além disso, quanto mais as pessoas fumaram, maior foi o dano ao coração, o que reforça as recomendações de que o tabagismo faz mal à saúde e deve ser evitado”, complementou Nadruz, que desenvolveu a pesquisa com apoio do CNPq durante seu período de pós-doutorado no Brigham and Women’s Hospital e Harvard Medical School. A supervisão foi de Scott D. Solomon. Foto: Antoninho Perri

Artigo Título: Smoking and Cardiac Structure and Function in the Elderly: The ARIC Study (Atherosclerosis Risk in Communities) Autores: Wilson Nadruz, Jr, Brian Claggett, Alexandra Gonçalves, Gabriela Querejeta-Roca, Miguel M. Fernandes-Silva, Amil M. Shah, Susan Cheng, Hirofumi Tanaka, Gerardo Heiss, Dalane W. Kitzman, and Scott D. Solomon Publicação: Circulation Cardiovascular Imaging. 2016;9:e004950, originally published September 13, 2016, doi:10.1161/CIRCIMAGING.116.004950 Unidades: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e Harvard Medical School Apoio: CNPq

Estudo sugere que os efeitos nocivos do cigarro podem ser revertidos após a cessação do tabagismo


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A autossegregação da elite Fotos: Antonio Scarpinetti

Aspectos da “Cordilheira da Riqueza” em diferentes pontos de Campinas: nova forma de ocupação e de produção do espaço metropolitano

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

ma população rica e escolarizada, que vive, majoritariamente, em casas do tipo vila ou em condomínios fechados. São mais brancos que o restante da população. Em algumas áreas não há sequer registros de indígenas e negros. Há também forte concentração de migrantes mais antigos, residentes há mais de 25 anos, além de indivíduos não naturais da cidade. Os critérios sócio-ocupacionais demonstram ainda maior presença de empregadores, executivos, administradores e profissionais das ciências e artes. O perfil sociodemográfico descrito acima corresponde à população residente na chamada Cordilheira da Riqueza, objeto de amplo estudo da antropóloga e demógrafa da Unicamp Dafne Sponchiado Firmino da Silva. A Cordilheira da Riqueza, termo criado por José Marcos Pinto da Cunha, demógrafo da Unicamp e orientador da pesquisa, corresponde a quatro áreas contíguas do município de Campinas: os distritos de Sousas e Barão Geraldo, a região do bairro do Gramado e o eixo Campinas-Mogi-Mirim. Trata-se de uma área que congrega a maior parte dos condomínios de alto padrão de Campinas, habitada pela população mais rica e mais escolarizada do município. As quatro regiões encontram-se alinhadas com a Rodovia Anhanguera, que divide a cidade, e com a Rodovia Dom Pedro I, eixo das universidades, centros de pesquisa, institutos tecnológicos, shoppings center e grandes lojas de departamentos. A pesquisa da Unicamp traz nova complexidade aos estudos de demografia ao mostrar uma nova dinâmica urbana de Campinas, singular em relação à urbanização brasileira. “Temos uma tradição nos estudos urbanos no Brasil que trata de uma oposição entre o centro rico e a periferia pobre. Isso vem da década de 1970 como reflexo da urbanização brasileira que, de modo geral, se consolidou desta forma. O país urbano caracterizou-se, em geral, sob este cenário, de um centro, habitado por ricos contra uma periferia, composta por uma população de baixa renda. E a novidade deste estudo é mostrar que Campinas está fora dessa oposição clássica, inserida numa nova dinâmica urbana. Assim, os ricos e o que chamo de elite escolhem morar numa periferia totalmente já planejada pelo poder público”, revela a pesquisadora Dafne Sponchiado. O estudo conduzido por ela integra dissertação de mestrado defendida recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e

Pesquisa de demógrafa revela a dinâmica urbana de Campinas Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. A pesquisa tem sequência com doutorado já aprovado junto ao mesmo programa da Universidade. O mestrado insere-se no âmbito da linha de pesquisa “Redistribuição Espacial da População”, coordenada pelo professor José Marcos Pinto da Cunha junto ao Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. Houve financiamento, na forma de bolsa à pesquisadora, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Dafne Sponchiado também atua como pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole, vinculado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Uma contribuição importante desta dissertação é caracterizar e analisar este tipo de população sob a ótica da demografia, trazendo novos dados sobre o tema. Esta população foi muito pouco descrita demograficamente. O objetivo, portanto, foi compreender como esta nova dinâmica permitiu o surgimento destas áreas e não só o surgimento, mas o seu crescimento e sua consolidação. O trabalho contribui, além disso, não só com a demografia, mas com os estudos urbanos em geral, dando uma nova perspectiva para trabalhos futuros”, considera a demógrafa da Unicamp. A caracterização da população da chamada Cordilheira da Riqueza se baseou em dados do Censo Brasileiro de 2010, referentes a Campinas; além de bibliografia específica sobre o tema. A pesquisadora da Unicamp esclarece que as informações e dados referem-se aos responsáveis pelo domicílio, acima de 14 anos, ocupados ou procurando emprego na semana de referência do Censo de 2010. Conforme Dafne Sponchiado, as áreas estudadas concentram 65,42% do total de domicílios do tipo “casa em vila ou condomínio fechado”. Este tipo de moradia representa apenas 2,79% do total dos domicílios de Campinas. Ainda de acordo com ela, a região

Publicação Dissertação: “Para dentro das portarias, por detrás das cancelas: Características e condicionantes da autossegregação das elites em Campinas” Autora: Dafne Sponchiado Firmino da Silva Orientador: José Marcos Pinto da Cunha Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Financiamento: Capes

Dafne Sponchiado Firmino da Silva, autora da dissertação: novas perspectivas para trabalhos futuros

reúne cerca de 10% da população do município. Outros dados tabulados pela demógrafa apontam que cerca de 80% da população é branca, enquanto que em Campinas o índice chega a 66,7%. Além disso, no quesito renda, 12% dos responsáveis por domicílios da Cordilheira da Riqueza recebem acima de 10 salários mínimos per capita, o equivalente a R$ 8,8 mil. Em Campinas, este índice é de 3,8%. Em relação à escolaridade, 4% da população das áreas pesquisadas possuem titulação de doutorado e 30%, nível superior completo. Em Campinas, menos de 1% dos responsáveis por domicílios são doutores, e 17% possuem ensino superior. Ao falar da região denominada como Cordilheira da Riqueza de Campinas, a demógrafa da Unicamp explica que nos distritos de Sousas e Barão Geraldo foram lançados os primeiros condomínios horizontais fechados de Campinas. Já a região do Gramado, loteada a partir da Fazenda Brandina, tem a maior concentração de alta renda do município, seguida do eixo Campinas-Mogi, onde está localizado, entre outros empreendimentos, o Alphaville Campinas. “O eixo Campinas-Mogi-Mirim e a região do Gramado apresentam a maior frequência nos grupos já considerados de alta renda – respectivamente 21,1% e 29% na faixa de 5 a 10 salários mínimos per capita. O município de Campinas tem, nesta mesma faixa, somente 8,4% do total de responsáveis pelo domicílio”, acrescenta.

AUTOSSEGRAÇÃO A estudiosa Dafne Sponchiado afirma que, com o deslocamento espacial da população rica de Campinas, houve não somente uma alteração do padrão centro/rico-periferia/ pobre, mas uma reformulação do chamado modelo espacial de segregação, que adquire características de autossegreção. De acordo com a autora do trabalho, a caracterização da população pode auxiliar a compreender os condicionantes da autossegregação e o crescimento, tanto espacial como demográfico, da Cordilheira da Riqueza. “Essa ideia de autossegregação se refere ao fato de a população de elite ‘escolher’ viver longe das regiões centrais. Parte da ideia espacial de que para uma população segregada não há escolha. Isso acontece com a popula-

ção de baixa renda. Aqui há uma autossegregação porque há escolha. É uma população que escolhe viver longe do centro, mas ainda sim próxima dos seus pares.” Os condomínios horizontais fechados, nas áreas distantes do centro, representam, assim, uma nova forma de ocupação e de produção do espaço metropolitano. Para a demógrafa, as regiões onde se desenvolveram os condomínios são áreas de intensa concentração fundiária, com intensa atividade do mercado imobiliário, enquanto protagonista da lógica da renda fundiária. Na pesquisa, Dafne Sponchiado explica que o espaço desta nova periferia urbana é muito diferente da periferia ocupada pelas classes de baixa renda. Desta forma, a consolidação destas áreas faz parte de um processo maior do que a escolha individual. Para isso cumprem papéis fundamentais o poder público e o mercado imobiliário, que busca um perfil específico de moradores para estes tipos de empreendimento, afirma. “Estes espaços não crescem em áreas de risco ambiental, como encostas e fundos de vale. Pelo contrário, estão situados em áreas planas e de fácil implantação de residências, glebas que podem ser facilmente parceladas e que se mantiveram livres da ocupação pelas classes mais baixas, justamente por se tratar de áreas de valor para o capital imobiliário.”

ELITE E NÃO ELITE

No seu estudo, a demógrafa da Unicamp distingue duas categorias sócio-ocupacionais como forma de caracterizar a população da região pesquisada: Dafne Sponchiado utiliza os termos “elite” e “não elite”. Ela esclarece que o termo elite refere-se a um conceito técnico-operacional, a fim de especificar uma parcela da população, tentando mostrar, sobretudo, que tal grupo não se distingue somente pela alta renda e alto grau de escolaridade. “Eu utilizo esta categoria de elite e não elite fundamentada no conceito trabalhado por Pierre Bourdieu em sua obra A Distinção. As particularidades econômicas e espaciais da Região Metropolitana de Campinas requerem que a elite seja pensada desta maneira, a partir da sua inserção ocupacional e produtiva. Esta diferenciação é fundamental para que este grupo não seja visto como o mais rico, somente, mas justamente como uma parcela diferenciada da população.” Dafne Sponchiado informa que a somatória de três categorias baseadas em critérios sócio-ocupacionais resultou no grupo denominado por ela como elite. Os critérios foram: indivíduos que se declararam empregadores e que empregam mais de seis pessoas (denominação dada pela autora como “capitalistas”); executivos e administradores empregados, cujas ocupações estejam entre os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) como diretores e gerentes (denominação dada como ‘executivos e administradores’); e, por fim, profissionais das ciências e artes localizados na CNAE como profissionais das ciências e das artes (‘profissionais das ciências e das artes’). O restante dos responsáveis pelos domicílios não enquadrado na soma destas categorias foi denominado como “não elite”. Conforme a tabulação dos dados, na Cordilheira da Riqueza, em torno de 26% dos responsáveis por domicílio podem ser enquadrados como “elite”. Em Campinas, este índice chega a 14,5%. Já a região sudoeste da cidade (onde estão situados os bairros Campo Grande, Ouro Verde, Oziel, Dics, entre outros) o percentual correspondente à elite chega a 4,5%, quase seis vezes menos ao da Cordilheira da Riqueza.


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Na fronteira do extinto, do m Pesquisa expõe a luta do povo kokama, que vive no Brasil, Peru e Colômbia, pelo reconhecimento étnico e territorial

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LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

onsiderado “extinto” por alguns e totalmente “miscigenado” ou definitivamente “aculturado” por outros, o povo Kokama, que em termos de nacionalidade é dividido entre brasileiros, peruanos e colombianos, reapareceu no cenário social fronteiriço do alto Solimões nas últimas décadas. Em tese de doutorado defendida na Unicamp, o antropólogo José Maria Trajano Vieira mostra a luta dos kokama pelo reconhecimento étnico e territorial e por recursos das políticas e de instituições indigenistas oficialmente vigentes no Brasil. A tese foi orientada pelo professor Mauro William Barbosa de Almeida, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). José Maria Trajano, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), enviou por e-mail as informações abaixo, relacionadas à pesquisa em que analisa especialmente a situação vivida no Brasil por indígenas nascidos no Peru e que hoje tentam resgatar um patrimônio cultural específico, associado aos kokama, para se diferenciarem de outros povos indígenas da região, das comunidades ribeirinhas não indígenas e mesmo de outros peruanos que não se reconhecem como indígenas. Um grande obstáculo para isso é que estes “peruanos” são considerados por muitos como invasores estrangeiros, indígenas “falsos” e oportunistas.

O povo Kokama, hoje O povo Kokama atualmente se encontra dividido em termos de nacionalidade, entre brasileiros, peruanos e colombianos. Do lado brasileiro da fronteira, na região do alto Solimões (AM), os kokama vêm se mobilizando politicamente nas últimas décadas, na tentativa de se beneficiar das políticas públicas estatais, por meio de seu reconhecimento legal enquanto sujeitos detentores de direitos étnicos e enquanto coletividade indígena distinta das demais etnias da região. Nesse contexto, os kokama, reflexivamente, vêm procurando conhecer, resgatar e valorizar sua cultura tradicional, promovendo uma incessante busca de suas raízes como forma de conquistar visibilidade étnica diante de um Estado que historicamente os tem excluído das políticas indigenistas oficiais. Não obstante os obstáculos à livre circulação de indígenas impostos pelo Estado brasileiro, sobretudo a fixação em território nacional dos kokama originários da Colômbia e principalmente do Peru, pessoas membros das famílias kokama mantêm relações transfronteiriças por meio de redes de parentesco, de intercâmbio político, religioso, cultural e econômico que atravessam e interligam essa fronteira geográfica entre distintos Estados nacionais e suas políticas, abrangendo uma vasta região da Amazônia que vai de Iquitos no Peru até Manaus no Brasil, passando pela Colômbia.

A língua e a cultura Os kokama são considerados um ramo da família linguística tupi-guarani, entretanto, além da tupi, a língua kokama contém elementos das línguas aruak e kechua, ou seja, é uma língua resultante da mistura de várias outras. Atualmente, alguns kokama conhecem palavras ou frases soltas e possuem as lembranças das avós que falavam a língua. Relatam que a perda da língua se processou em decorrência do preconceito muitas vezes sofrido por eles. Ainda que em seus discursos e práticas os kokama carreguem as marcas das diversas experiências e memórias interculturais, as misturas linguísticas e culturais com outros grupos étnicos não implicam em eliminação dos kokama como grupo étnico específico. Confecção de roupas tradicionais, aprendizagem da língua materna, execução de danças, técnicas de pesca, conhecimentos sobre remédios caseiros, preparo de comidas e bebidas típicas e religiosidade são alguns dos ingredientes para fazer reviver a “cultura milenar” kokama. A região de fronteira entre três países e de encontro entre diferentes povos indígenas e sociedades nacionais leva à troca intercultural. Além dos kokama, a região fronteiriça é habitada por uma diversidade de etnias: tikuna, uitoto, yaguá, matsés, marubo, kanamari, matis, korubo e kulina, entre outras, entrelaçadas por redes de socialidade: trânsito de pessoas, relações de parentesco, objetos, conhecimentos, práticas rituais e religiosas.

O foco da tese Na minha pesquisa enfoquei a formação de algumas aldeias também conhecidas regionalmente como “comunidades”, habitadas majoritariamente por indígenas de nacionalidade peruana e seus descendentes. Analiso a adaptação vivida no Brasil por estes indígenas que, durante a maior parte de suas vidas, estiveram submetidos a outras leis, ditadas por outro Estado nacional, e a outro idioma. As acusações de oportunistas e “falsos” que recaem sobre os kokama, quando os mesmos reivindicam do poder público o reconhecimento étnico enquanto indígenas, não fazem o menor sentido. Sabemos que o povo Kokama, historicamente, foi obrigado ou induzido pelo Estado brasileiro (e também peruano e colombiano) e pelas missões religiosas a que ainda está submetido, a abandonar sua língua materna (obrigado a falar português e espanhol), suas antigas filiações étnicas e sua cultura; buscam recuperá-las por também esperar, dessa forma, potenciais benefícios individuais e coletivos.

‘Invasor estrangeiro’ Nos municípios brasileiros de fronteira como Benjamin Constant, Atalaia do Norte e Tabatinga (AM), os kokama – chamados de “índios peruanos”, “kokama peruanos” ou simplesmente “peruanos” – que transitam através das fronteiras, sobretudo no sentido do Peru para o Brasil, são tratados como invasores “estrangeiros” por setores das esferas públicas nacional, estadual e municipal; pela população local não indígena; por indígenas dos demais povos que compõem o contexto interétnico do alto Solimões/vale do Javari; e, no nível intraétnico, por pessoas do seu próprio povo, pertencentes a outras comunidades e/ou associações kokama. Muitos desses atores sociais e instituições afirmam que no vale do Javari e no alto Solimões não existem kokama, mas sim peruanos oportunistas que querem se passar por índios para obter supostas regalias usufruídas pelos demais povos indígenas que habitam o território brasileiro. Esse não reconhecimento do outro enquanto diferente e sujeito de direitos étnicos, é fruto da disputa de poder entre os grupos sociais da região (madeireiros, empresários ligados ao turismo de “selva” e comerciantes), e tenta se fundamentar na ausência de elementos concretos de cultura indígena (tais como língua, crenças, costumes, etc.) tomados de uma forma naturalizada, estática e imutável. Ignora-se o processo colonial e o contexto de interação dos quais os kokama participaram e ainda participam.

A chegada dos ‘peruanos’ A partir de 1969, muitas comunidades kokama se tornaram adeptas da Irmandade da Santa Cruz ou Ordem da Cruzada, uma religião cristã fundada por um profeta nascido em Minas Gerais, conhecido por José Francisco da Cruz e que tem no seu corpo doutrinário elementos do catolicismo, protestantismo evangélico e de religiões indígenas, principalmente as de origem tupi – adotando destas a cosmovisão catastrófica de destruição e recomeço. A cruz e a bíblia formam os símbolos da Irmandade da Cruz. O irmão José, como ficou conhecido, pregava o fim do mundo e a salvação dos que eram protegidos sob a égide da cruz, sendo que após a catástrofe, os “puros de coração” alcançariam o local sagrado, onde a abundância e a fartura seriam uma constante. Nesse sentido, a cosmovisão desse movimento em muito se assemelha ao ideário da “terra sem males” dos tupi.

1) Comércio de família em Atalaia do Norte; 2) vista parcial da comunidade de Luiz Tenazor; 3) culto em igreja da Irmandade da Luz; 4) festa cultural; 5) representantes do povo Kokama antes de conferência sobre política indigenista

Uma das versões da catástrofe anunciada pelo irmão José me foi narrada por uma idosa kokama de Primeira Aldeia, em Atalaia do Norte, que o acompanhou em suas peregrinações durante alguns anos. Ela conta que muitas famílias kokama vieram para o Brasil porque o irmão José anunciou um tempo de guerra e miséria no Peru, em que os kokama nada mais teriam e em que a passagem pelas fronteiras com Brasil e Colômbia seria impedida. Irmão José ordenou que abandonassem o país e, assim, as famílias desceram o Amazonas e adentraram pelo Javari, instalando sua aldeia às margens desse rio, há cerca de 30 quilômetros acima de Atalaia do Norte, onde hoje se encontra a comunidade de São Pedro do Norte – a recomendação de irmão José era para que ficassem em terra alta, pois viria uma grande alagação, uma espécie de dilúvio. Em tempos recentes, a principal motivação para a vinda de famílias kokama para o Brasil parece ter sido este cunho religioso, desencadeada por um movimento missionário. Entre 1972 e 1980, o povo Kokama que estava concentrado na cidade de Nauta, região de Iquitos, começou a se espalhar e a formar novas comunidades em diferentes lugares (e rios). Atualmente, encontra-se no rio Ucayali, em Maranón, baixo Huallaga; no rio Napo, ainda em território peruano; e na comunidade de Ronda, entre outras, localizada no município de Letícia, sul da Colômbia, numa região conhecida como trapézio colombiano. Do lado brasileiro, os kokama estão na região do alto, médio e baixo rio Solimões; em Benjamin Constant; de Tabatinga até Manaus; e, no vale do Javari, habitam comunidades em Atalaia do Norte.

Organização socioespacial Atingidos pelas frentes de expansão não indígena, a maioria dos grupos kokama passou por processos de reterritorialização em missões religiosas, cidades, comunidades, colocações extrativistas, etc. Atualmente a organização socioespacial da região vem sendo cerceada pela apropriação indevida de áreas de recursos naturais, igarapés e bairros da região, por parte de patrões do extrativismo, pescadores, caçadores profissionais, narcotraficantes e pelo turismo selvagem e especulação fundiária urbana. Isso tem provocado transformações sociais, territoriais e deslocamentos forçados do povo Kokama que ocupa o alto Solimões/vale do Javari, comprometendo a sua autonomia econômica e a sua sobrevivência física e cultural.


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miscigenado e do aculturado Fotos: Divulgação

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Participação política A participação ativa de líderes Kokama na política indígena e partidária e a criação nas últimas duas décadas de diversas associações locais, de comunidades ribeirinhas e urbanas, representam uma nova configuração de articulações políticas que ainda está em construção, mas que poderá definir melhor as reivindicações dos grupos étnicos kokama. Eles tentam participar de projetos (com a colaboração de assessores de ONGs, órgãos governamentais municipais, estaduais e federais, universidades, antropólogos) para obter fontes alternativas de renda para as comunidades. Tais empreendimentos visam fundamentalmente o fortalecimento da identidade étnica, a valorização das tradições, o desenvolvimento sustentável, a inserção nas políticas indigenistas nas áreas de saúde e educação (a exemplo do reconhecimento de escolas diferenciadas), a reconquista da especificidade cultural e linguística e do seu território, bem como a obtenção do Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani). A demarcação das áreas reivindicadas pelos kokama torna-se importante perante a interferência negativa de interesses capitalistas nacionais e estrangeiros, levando os jovens indígenas à falta de perspectivas e problemas sociais (delinquência, drogas, alcoolismo, prostituição). Há litígios envolvendo questões territoriais nas comunidades habitadas pelos indígenas, estimulando-os a buscar emprego urbano e prazeres lúdicos (festas, álcool, drogas e prostituição). A Festa Cultural do Povo Kokama Milenar, realizada pela Associação do Povo Kokama e Tabatinga no Centro Cultural Presidente Lula, em 30 de setembro de 2012, constituiu palco privilegiado para representação da autenticidade cultural indígena (danças, comidas, plantas medicinais, vestuário e músicas para legitimar um discurso em defesa de direitos baseados na etnicidade indígena) diante de interlocutores não indígenas (Funai, políticos, imprensa, antropólogo, universidades). Nesse processo de reinvenção de suas tradições, os kokama construíram em Tabatinga uma “maloca”, que é utilizada para festas e apresentação de dança.

Cultura de fronteira

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O antropólogo José Maria Trajano Vieira, autor da tese: “Indígenas ou não, a maioria da população da tríplice fronteira é composta por sujeitos multiculturais, multinacionais e multiétnicos”

As principais atividades de subsistência dos kokama são a agricultura, cultivando sobretudo a macaxeira e a mandioca para a fabricação de farinha, a criação de animais domésticos para o consumo próprio e a pesca. Isso apesar de uma longa história de contato com os não índios, desde meados do século XVI, tê-los envolvido em várias formas de produção para o mercado, de trabalho extrativo e de comércio urbano – há os que vivem da renda de aposentadoria e salários como de professores e agentes de saúde, além de políticas sociais do governo, como o Bolsa Família.

Dados populacionais Os dados populacionais sobre a população kokama no Brasil são bastante imprecisos, controversos e flutuantes. Trabalhamos nessa tese com dados levantados pelas organizações indígenas kokama há mais de uma década, até porque a maior parte dessa população ainda não se encontra reconhecida como indígena pela Funai. A partir dos gráficos populacionais do Conselho Geral das Tribos Tikuna (CGTT), pudemos constatar que, no alto Solimões como um todo, eram 55 comunidades identificadas “exclusivamente” por indígenas Kokama, distribuídas pelos

municípios de Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Iça e Tonantins. Os kokama compartilhavam outras 14 comunidades, majoritariamente com os tikuna, mas também com os kaixana, kambeba e uitoto. Levantamento populacional por família, realizado pela Organização Indígena do Povo Kokama do Vale do Javari (Orinpokovaja) no ano de 2011, computou 110 famílias, totalizando 550 pessoas que se identificaram como da etnia kokama, apenas no município de Atalaia do Norte. Em Benjamin Constant, na comunidade Bom Jardim, segundo dados da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena], a população indígena era de aproximadamente 123 famílias, totalizando um total de 723 pessoas, a grande maioria formadas por kokama, mas também por tikuna, algumas famílias witoto e por outras “mistas” (mistura de nordestinos, peruanos, colombianos, tikuna e kokama, entre outras combinações possíveis). Segundo o agente de saúde da comunidade, em 2015 residiam na comunidade 157 famílias kokama, totalizando perto de 800 pessoas. A comunidade Luiz Ferreira, criada há 5 anos na periferia da cidade de Tabatinga, possui uma área de dois hectares e meio e é habitada por 211 pessoas auto-identificadas kokama e reconhecidas enquanto tais, à exceção de três famílias nucleares tikuna. Mas segundo dados da liderança local, só no meio urbano de Tabatinga haveria 3.650 indígenas kokama.

Colombianos, peruanos ou brasileiros, somos membros da família humana e como espécie somos filhos da humanidade por cujo bem-estar vale a pena lutar. Devemos ser capazes de ver alguns kokama, por contingências históricas nascidos em outro país, não como invasores, mas como hóspedes, com os quais compartilhamos uma mesma Amazônia e um mesmo planeta, independentemente do Estado-nação ao qual estamos vinculados. Discriminar, excluir, controlar pessoas quem têm a mesma complexidade e capacidade intelectual, por causa das suas diferenças culturais, é uma violação contra os direitos humanos e uma afronta ao livre pensamento. Indígenas ou não, a maioria da população da tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Peru é composta por sujeitos multiculturais, multinacionais e multiétnicos, o que vem se consolidando na formação de uma cultura de fronteira que tem como pano de fundo a diversidade dos grupos que a compõem, grupos estes que em determinados contextos tomam o primeiro plano da cena social. Como sugere meu orientador Mauro Almeida, “é possível contribuir para a formação de um país onde a identidade de cidadãos iguais seja resultado de uma luta pelo reconhecimento constante de diferenças”. Para além da nacionalidade, os kokama sempre foram grupos sem fronteiras geográficas rígidas; mais do que peruanos, colombianos ou brasileiros, se posicionam como indígenas e kokama em particular. Enfim, como membros da espécie humana que buscam qualidade de vida, por reconhecimento das diferenças como uma forma de conquistar a igualdade de oportunidades, numa sociedade mais ampla que historicamente tentou alijá-los do processo social, político e econômico. Como observa Viveiros de Castro, os indígenas “são nosso exemplo, um exemplo de ‘rexistência’ secular a uma guerra feroz contra eles para ‘desexisti-los’, fazê-los desaparecer, seja matando-os pura e simplesmente, seja ‘desindianizando-os’ e tornando-os ‘cidadãos civilizados’”. Enquanto recentemente alguns grupos kokama “brasileiros” conquistaram visibilidade e direitos perante o Estado como povos diferenciados, outros grupos kokama, sobretudo aqueles chegados recentemente do Peru e da Colômbia, ainda carecem de tal reconhecimento. No caso dos kokama, a diversidade política, ideológica, religiosa, nacional, de interesses e estratégias dificultam ações coletivas baseadas em alianças intercomunitárias, construídas em torno de objetivos, projetos e identidades comuns. Neste caso, subsistem as disputas de poder, os conflitos e contradições entre os atores sociais envolvidos na produção e reprodução das identidades. Até que ponto seria possível para os kokama estabelecer um diálogo intraétnico em torno de objetivos comuns? É uma questão que só o desenrolar da política indígena e indigenista poderá explicitar no decorrer do tempo.

Publicação Tese: “A luta pelo reconhecimento étnico dos kokama na tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Peru” Autor: José Maria Trajano Vieira Orientador: Mauro William Barbosa de Almeida Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)


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A infância não é virtual Fotos: Antoninho Perri

Pesquisa alerta para a importância da criança interagir com o mundo real ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

ão é preciso ter só competência para usar as ferramentas computacionais. É preciso saber empregá-las com moderação, ainda mais quando se trata de crianças. As escolas e os pais devem organizar e limitar o tempo que elas interagem com o computador e com outros aparelhos eletrônicos de tela (AETs), como celulares, tablets, videogames, notebooks e televisão. Sem limites para o seu uso, as crianças deixam de brincar no mundo real e de ter uma rotina, o que interfere inclusive no ritmo de construção do seu desenvolvimento cognitivo. Foi o que concluiu a pedagoga Ana Lúcia Pinto de Camargo Meneghel em estudo de mestrado apresentado à Faculdade de Educação (FE), na linha de pesquisa de Psicologia da Educação. O trabalho indicou que as crianças estão ficando em média de quatro a seis horas em frente aos AETs. “Há autores que dizem que até seis anos a criança pode ficar só uma hora na frente dos AETs, até 12 anos duas horas e com mais idade até duas horas. Seis horas é tempo demais”, acredita ela. “A grande preocupação não seria a tecnologia, mas o que deixam de fazer: brincar, explorar e se relacionar diretamente com seus pares.” Ana Lúcia se fundamentou na teoria do epistemólogo Jean Piaget, que em suas pesquisas comprovou que, da ação mais simples à mais sofisticada, a aquisição do conhecimento está invariavelmente ligada a ações que o sujeito realiza sobre os objetos concretos ou imaginados. Ele expressou uma grande preocupação com as crianças para a construção das estruturas do pensamento operatório concreto e das estruturas infralógicas. O estudo da mestranda envolveu o uso dos AETs no desenvolvimento das estruturas lógicas elementares e estruturas infralógicas de espaço. “As crianças estão sempre brincando em frente a um AET, até mesmo em encontros de família, em casas que têm piscina, parque. Apesar de poderem brincar livre e espontaneamente, elas escolhem ficar em frente às telas por horas seguidas.” As crianças não são solicitadas adequadamente a empregar materiais que envolvem o raciocínio, atividades que estimulem o desenvolvimento, para terem a oportunidade de construir conceitos e noções. A sugestão de Ana Lúcia é que a escola sugira atividades para a construção dessas estruturas, utilizando materiais concretos, a fim de que as crianças interajam com o meio físico e social, e não deixem de usar a tecnologia. “É muito importante que professores e pais incentivem atividades que agucem a curiosidade das crianças para inventar, aprender e construir o conhecimento, sem faltar a solicitação do meio inclusive para outras opções”, percebeu a pedagoga.

CAMPO

Ana Lúcia avaliou 21 crianças com idade entre oito e 12 anos que estudavam em uma escola particular da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Baseou-se em [Jean] Piaget (1896-1980), que enfatizava que todo desenvolvimento se constrói com a interação da criança com o objeto: o brincar e a relação interpessoal. Como se dá a construção das estruturas com essa nova era virtual? Como saber se essas crianças estão construindo suas estruturas com atraso ou com avanço no que se refere às lógicas elementares e às infralógicas? A pesquisadora, orientanda da professora da FE Orly Zucatto Mantovani de Assis, explicou que as lógicas elementares incluem os aspectos de seriação, conservação e inclusão de classe, fundamentais para aprender matemática. “Para Piaget, as crianças não nasciam inteligentes. Nasciam com condições de vir a ser inteligentes, e o seu desenvolvimen-

Segundo a autora da pesquisa, quando a criança brinca, ela se vale da noção operatória de espaço, tempo e causalidade

cima de uma mesa. Pedia à criança que construísse uma torre igual, com peças diferentes, só que no chão. Assim que a torre era construída, a mestranda perguntava à criança se ela sabia se sua torre tinha igual tamanho. Algumas concluíram que só poderiam saber levando a torre para perto da primeira. “Se eu construísse um prédio em uma cidade e outro em outra, como elas saberiam se tinham a mesma medida?” Muitas crianças lembraram da régua, porém o desafio foi medir com outro objeto. Tiveram dificuldade. O mesmo ocorreu com a perspectiva. Elas foram posicionadas na frente de uma maquete de casas e observaram fotografias feitas sob as várias perspectivas da maquete. Muitos não souberam dizer em qual delas estava aquela posição. Nas provas piagetianas, Ana Lúcia averiguou que essas crianças ainda não tinham noção de espaço e que, para construir essa noção, teriam que brincar e agir sobre o objeto. Em atendimentos psicopedagógicos, as crianças sem oportunidade de brincar, explorar livremente e que passavam horas nos AETs tinham dificuldade de organizar seus pensamentos, como montar no papel contas simples com um número embaixo do outro.

MUNDO REAL

A pedagoga Ana Lúcia Pinto de Camargo Meneghel: “A grande preocupação não é a tecnologia, mas o que as crianças deixam de fazer”

to dependeria da interação com o meio. E, com base em esquemas, elas construiriam estruturas mentais para aprender por meio de experiências concretas. Quando se desenvolviam, eram capazes então de chegarem ao pensamento abstrato.” A possibilidade de aplicar seus esquemas de ação aos objetos e acontecimentos, de modo a organizar o mundo físico e social, é limitada quando a criança passa a maior parte do tempo com os AETs, constatou a pedagoga. “O objeto de seu conhecimento certamente passa a ser o do plano virtual.” Segundo Piaget, o organismo humano é um todo formado por três partes: as já programadas por completo (sistema respiratório, circulatório, ósseo, muscular), as pouco programadas (sistema nervoso, que amadurece com o tempo) e as nada programadas (da inteligência). Ele denominava essas estruturas de processos biológicos, que começavam a ser formadas ao nascimento, não com o surgimento da fala, como se pensava, e sim por solicitação do meio. Mas, como fica a solicitação do meio, quando a criança vai à escola? Uma pesquisa da professora Orly enfatizava, em 1974, que crianças sem essa solicitação possuíam um atraso na cognição que podia interferir na organização do conhecimento. A autora relatou que a criança nasce sob a vigência do período sensório-motor. Por volta dos três anos, entra no período pré-operatório. As crianças sem solicitação do meio

podem ter um atraso nesse período, que é para durar entre três e sete anos. Depois disso, vem o período operatório concreto. “Minha pesquisa teria como marco o período das operações concretas, em que as estruturas lógicas matemáticas se concretizam, a partir dos sete anos, conforme Piaget.”

RENDIMENTO

A mestranda adotou o método clínico piagetiano, que se caracteriza como uma das mais importantes contribuições à investigação da Psicologia do Desenvolvimento. O método procede de forma mista, pois agrega a observação pura a perguntas de exploração, justificativa e contra-argumentação, usando a observação pura e as vantagens dos testes. Seu objetivo principal é a análise do conteúdo do pensamento infantil. Foram aplicadas provas para diagnóstico do comportamento operatório concreto: três de conservação, duas de inclusão de classe e uma de seriação. “Fazíamos perguntas com base em um protocolo que avaliava o que a criança pensava para chegar a um resultado. Apenas uma estava na fase operatória concreta. As demais tinham atraso no desenvolvimento e, ‘por coincidência’, usavam os AETs em excesso”, revelou. Ana Lúcia aplicou também provas para o diagnóstico da noção infralógica de espaço: de medida, de perspectiva e de reta projetiva. Numa prova, montava uma torre com peças de madeira de diversos tamanhos em

Publicação Dissertação: “O uso de aparelhos eletrônicos de tela e a construção das estruturas lógicas elementares e infralógicas de espaço” Autora: Ana Lúcia Pinto de Camargo Meneghel Orientadora: Orly Zucatto Mantovani de Assis Unidade: Faculdade de Educação (FE) Financiamento: Capes

Quando a criança brinca, faz uso das operações infralógicas (noção operatória de espaço, tempo e causalidade). Embora se desenvolvam paralelamente às operações lógico-matemáticas, apresentam diferenças. As operações infralógicas têm as seguintes propriedades: apoiam-se em objetos e figuras contínuas; dependem da proximidade espaço-temporal, da posição e distância dos objetos e das relações entre parte/todo; apoiam-se em ligações interiores dos objetos, não levando em conta as dimensões dos objetos; referem-se a objetos como tempo, velocidade, espaço, mensuração e causalidade. Quando se diz à criança se ela cabe debaixo de uma cadeira, normalmente seria preciso entrar lá para saber e agir com o objeto. “Para construir as noções de espaço, é preciso experimentar. Não é o que está ocorrendo”, lamentou a autora do estudo. Até o período sensório-motor, a criança age experimentando. O ritmo do desenvolvimento da construção das estruturas será rápido ou lento, dependendo das solicitações do meio em que ela vive. No pré-operatório, o que ela aprendeu nas ações, traz para o seu interior, abstraindo quando interioriza. Começa então a organizar o pensamento. Em termos de fala, a criança vinha produzindo-a. Não falava porque essa organização de pensamento não estava pronta.

ENTREVISTA

Ana Lúcia questionou as crianças sobre quantos AETs elas tinham em casa? A resposta foi pelo menos quatro. Também perguntou se elas brincavam na rua? A resposta foi não porque os pais não deixavam, por ser perigoso. Perguntou ainda se essas crianças praticavam atividade física? Das 21 crianças avaliadas, 14 não praticavam nenhuma. Apenas sete faziam natação, de uma a duas vezes por semana. Outras perguntas foram para conhecer a rotina fora da escola. O que as crianças faziam enquanto não estavam na escola? Muitas foram incapazes de descrever sua rotina. “E eram crianças de oito a 12 anos”, dimensionou a mestranda. Ana Lúcia aconselhou que os professores repensem o seu trabalho, pois muitas crianças têm pais que trabalham fora e não podem acompanhá-las de tão perto. “Há um campo enorme a ser descortinado. A escola está fazendo o que para melhorar a situação? Como tem sido a solicitação do meio?” De acordo com a mestranda, no mundo atual não há como ficar alheio à tecnologia, todavia as pessoas devem se preocupar com demandas mais importantes, como estudar, fazer a lição de casa e brincar entre pares, para a criança se constituir como pessoa. Ela deve brincar e agir. Do contrário, corre o risco de viver o mundo virtual, não o real. Ana Lúcia ainda lembrou da pesquisa da professora da USP Zélia Ramozzi, com crianças de classe média moradoras de apartamentos sem área de lazer, cuja atividade principal até os quatro anos limitava-se a assistir televisão. Ela apontava uma dificuldade na linguagem e aprendizagem dessas crianças. “O trabalho é de 1984, mas ainda é muito atual”, salientou.


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Conquistas com obstáculos Fotos: Divulgação

Tese promove resgate das origens do esporte paralímpico brasileiro, cujo início foi marcado pela total falta de apoio aos atletas MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

uando os Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro foram abertos no último dia 7 de setembro, esta reportagem ainda estava sendo elaborada. Assim, não é possível fazer um registro sobre o desempenho dos atletas brasileiros na competição. Entretanto, o Brasil entrou nas arenas e quadras ostentando a condição de sétima força mundial no esporte paralímpico e a aspiração de chegar ao final dos Jogos na quinta posição no ranking de medalhas. “Não é uma meta fácil de ser alcançada, mas existe a possibilidade”, avaliou a educadora física Michelle Aline Barreto, que defendeu tese de doutorado na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp abordando as origens do esporte paralímpico nacional. Orientada pelo professor José Júlio Gavião de Almeida, a pesquisadora encontrou significativas dificuldades para resgatar as raízes do esporte paralímpico no Brasil. De acordo com ela, existem poucos estudos e documentos sobre o assunto. Para contornar o problema, Michelle decidiu entrevistar os primeiros medalhistas paralímpicos brasileiros, como forma de registrar, por meio de seus depoimentos, aspectos da trajetória que levou o país a se destacar no cenário internacional. De modo geral, conta a autora da tese de doutorado, os relatos dos entrevistados revelaram que o esporte paralímpico no Brasil foi estruturado sem o apoio governamental, ainda que algumas entidades tenham atuado para desenvolver esse segmento esportivo. “Nossos primeiros atletas treinavam com poucos recursos materiais e não recebiam remuneração. Muitos deles só conseguiram se destacar por causa da determinação pessoal e porque contaram com o apoio de familiares e de instituições especializadas no atendimento à pessoa com deficiência”, apontou Michelle. Ao todo seriam entrevistados 27 atletas medalhistas do período analisado, mas a pesquisadora conseguiu colher o depoimento de 23 deles, pois quatro já haviam falecido quando o estudo foi realizado. Ela estabeleceu como recorte temporal da pesquisa o período entre 1976, ano em que o Brasil conquistou a sua primeira medalha paralímpica, e 1992, ano em que ocorreu a última competição antes da criação do Comitê Paralímpico Brasileiro, em 1995. Entre os que concederam relatos à pesquisa, quatro ainda atuam como treinadores ou gestores no âmbito do esporte paralímpico. Segundo Michelle, as falas dos medalhistas relevam de forma eloquente as agruras que tiveram que enfrentar ao longo de suas carreiras. “A falta de apoio institucional levava a uma série de dificuldades, como a ausência de equipamentos devidamente adaptados. Isso sem falar que muitos deles tiveram que ser mantidos financeiramente pelas famílias e amigos para que pudessem desempenhar suas atividades esportivas, dado que não recebiam remuneração como atletas. Essa realidade perdurou por muitos anos, e somente começou a mudar a partir da criação do Comitê Paralímpico Brasileiro”, relatou a educadora física. Mas se a gestão e a estrutura colocada à disposição do esporte paralímpico brasileiro mudou muito desde o final dos anos 1970, o reconhecimento aos pioneiros do segmento segue quase inexistente. “A maioria dos medalhistas que entrevistei se queixou muito do esquecimento e da falta de reconhecimento à contribuição que deram ao esporte paralímpico. Um dos ex-atletas com quem falei trabalha hoje numa empresa em Uberaba (MG). Eu o localizei por meio da internet. Liguei no setor de recursos humanos e expli-

Delegação brasileira na abertura dos Jogos Paralímpicos do Rio

Ivanildo Alves Vasconcelos, atleta paralímpico que ganhou quatro medalhas (duas de prata e duas de bronze) na natação

quei porque precisava entrar em contato com ele. Foi somente aí que os colegas de trabalho e os diretores da empresa ficaram sabendo que ele era um medalhista paralímpico. Depois, soube que a empresa prestaria uma homenagem a ele”, contou Michelle. Localizar os medalhistas paralímpicos, aliás, foi tarefa das mais difíceis, conforme a autora da tese de doutorado. Nem mesmo o Comitê Paralímpico dispõe de dados sobre esses pioneiros. “Esse é outro aspecto revelador do descaso com que as autoridades paralímpicas tratam os ex-atletas”, considerou Michelle. Ela conseguiu chegar à maioria dos entrevistados através das redes sociais, o Facebook principalmente. “Rodei boa parte do Brasil para entrevistar presencialmente essas pessoas. Foi uma experiência muito enriquecedora para mim”, disse. Das entrevistas com os primeiros medalhistas paralímpicos brasileiros não emergiram somente histórias de dificuldade e superação. Alguns depoimentos também revelaram situações, digamos, pitorescas, que hoje não poderiam se repetir. É o caso da história contada pelo primeiro medalhista paralímpico do Brasil, Luiz Carlos da Costa. Ele faturou a medalha de prata ao lado de Robson Sampaio, com quem fez dupla no lawn bowl, modalidade que se parece com a conhecida bocha e que já não faz mais parte da relação de esportes dos Jogos Paralímpicos. O curioso é que os dois foram aos Jogos de Toronto (Canadá), em 1976, para competir pelo basquete sobre cadeira de rodas. Lá, conheceram o lawn bowl, gostaram do esporte

A educadora física Michelle Barreto, autora da pesquisa, ao lado de Luiz Carlos da Costa, primeiro medalhista paralímpico do Brasil: troca do basquete pelo lawn bowl

e simplesmente resolveram trocar de modalidade. “Naquela época, isso era possível. Um atleta podia mudar para outro esporte, mesmo que não estivesse inscrito inicialmente para disputá-lo”, explicou Michelle. Encantados pelo lawn bowl, Luis Carlos e Robson fizeram alguns treinos e foram a campo para encarar a competição. O resultado foi a conquista do segundo lugar e da primeira medalha paralímpica do Brasil. “Além de resgatar os primórdios do movimento paralímpico no país, minha expectativa é que a minha tese contribua para que as autoridades confiram o devido reconhecimento àqueles que ajudaram a consolidar o segmento no Brasil”, pontuou a educadora física. Logo após conceder a entrevista, Michele viajou ao Rio para acompanhar os Jogos Paralímpicos. Na avaliação dela, o Brasil tinha boas chances de conquista de medalhas em várias modalidades, entre elas natação e atletismo. “A meta do Comitê Paralímpico é fazer com que o país avance da sétima para a quinta colocação no quadro de medalhas. Não é uma tarefa fácil, mas acho que ela pode ser alcançada. Determinação e coragem, como minha tese demonstrou, nossos atletas têm de sobra”.

FEF

A Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do esporte paralímpico no Brasil. Paralelamente à criação do Comitê Paralímpico Brasileiro, foi instituído na FEF o Departamento de Estudos da Ativi-

dade Física Adaptada (DEAFA). Como o esporte paralímpico era uma experiência nova, os pesquisadores da Faculdade ajudaram a consolidá-lo. Nas últimas duas décadas, o conhecimento gerado pelas pesquisas realizadas na Universidade tem contribuído para o avanço de diversas modalidades. Não por outra razão, 80% das pessoas que trabalham atualmente no Comitê Paralímpico Brasileiro passaram pelas salas de aula e laboratórios da FEF, seja como alunos de graduação, seja como alunos de pós-graduação. Durante os Jogos Paralímpicos, uma delegação com algumas dezenas de docentes, estudantes e pesquisadores da FEF esteve no Rio não somente para oferecer suporte a atletas e federações, mas também para dar sequência aos estudos que, futuramente, podem fazer com que o Brasil se destaque ainda mais no cenário do esporte paralímpico mundial.

Publicação Tese: “Esporte paralímpico brasileiro: vozes, histórias e memórias de atletas medalhistas (1976 a 1992)” Autora: Michelle Aline Barreto Orientador: José Júlio Gavião de Almeida Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)


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Painel da semana 

Painel da semana  Semana da Economia - A Econômica, empresa júnior

do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, realiza a Semana da Economia 2016, entre os dias 19 a 22 de setembro. A abertura será às 18 horas, no IE. O objetivo do evento é trazer discussões importantes da área para o âmbito acadêmico. O público-alvo são economistas e interessados no assunto. Mais detalhes na página eletrônica https://www.facebook.com/SemanadaEconomia/  Bragfost - A professora Maria Gabriela Celani, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, é uma das organizadoras do evento “As Fronteiras Brasil-Alemanha de Ciência e Tecnologia Simpósios (Bragfost)”, que ocorrerá de 20 a 23 de setembro, nas instalações do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Bragfost é uma série de conferências binacionais interdisciplinares coorganizadas pela Agência Federal de Apoio e Avaliação da Educação Superior (Capes) e pela Fundação Alexander von Humboldt. Nesta edição, no CNPEM, haverá a participação de 60 jovens engenheiros e cientistas (30 da Alemanha e 30 do Brasil). O formato da conferência permite a troca de ideias entre disciplinares, bem como as fronteiras nacionais e, ao mesmo tempo, oferece oportunidades para futuras colaborações binacionais e networking. A Fundação Alexander von Humboldt vai apoiar essas colaborações entre os participantes brasileiros e alemães com o seu programa de acompanhamento especial “Connect”. Para mais detalhes acesse o site http://bragfost2016.fec.unicamp.br/  Refletir - O próximo Encontro Permanente sobre Vivência e Gestão na Unicamp será realizado no dia 20 de setembro, às 9 horas, no Auditório do Grupo Gestor de Benefícios Sociais, localizado no prédio da Diretoria Geral da Administração (DGA). O objetivo é discutir a atuação do assistente social nas Instituições de Ensino Superior Públicas, dando ênfase ao contexto da Universidade Estadual de Campinas. A organização é do Serviço Social do GGBS. O público-alvo do evento são alunos, docentes e interessados no assunto. Mais informações no site http://www. cgu.unicamp.br/programa_refletir_ggbs_50_160825.php  Oficina de sustentabilidade - A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho (Cipa) da Unicamp organiza uma oficina de sustentabilidade para cipeiros e servidores em geral. Será no dia 22 de setembro, às 14 horas, no prédio da Pósgraduação da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC). Mais detalhes pelo e-mail cipa@unicamp.br

Teses da semana 

 Vagas Remanescentes - A Comissão Permanente para

os Vestibulares da Unicamp (Comvest) inicia, dia 22 de setembro de 2016, as inscrições de seu Processo Seletivo Aberto para Vagas Remanescentes. As inscrições poderão ser feitas até o dia 28 de setembro, na página eletrônica www.comvest.unicamp.br.  Jornada de Toxicologia e Toxinologia - Nos dias 23 e 24 de setembro, no Auditório V da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, acontece a Jornada de Toxicologia e Toxinologia Clínica. Na sexta-feira (23), o evento será realizado das 19 às 22 horas. No sábado (24), das 8 às 18h. A Jornada é oferecida anualmente a estudantes e profissionais da saúde. O objetivo é aprimorar os conhecimentos teóricos na área, com enfoque regional. Para o evento estão previstas 14 palestras. A organização é do Centro de Controle de Intoxicações (CCI). Mais informações: pelos telefones 19-3521-7573 ou e-mail zoraide@ fcm.unicamp.br  Curso de ultrassonografia “Point of Care” - O Laboratório de Habilidades da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp organiza no dia 24 de setembro, das 8 às 18 horas, um curso de ultrassonografia “Point of Care”, na modalidade extensão. Ele será realizado nas dependências do próprio Laboratório. Estudantes de medicina e médicos de todas as especialidades podem fazer a inscrição, até 16 de setembro, no site https://www. extecamp.unicamp.br/dados.asp?sigla=%81a%D4%C2%5E%E7% DD%9A&of=%F7%12%AF. O ultrassom “point of care” é uma técnica moderna de assistência ao paciente onde a avaliação é feita à beira do leito, de forma rápida e sistemática. A finalidade do exame é auxiliar na tomada de decisão sobre a melhor conduta para o paciente. A proposta do curso é basear o aprendizado em problemas clínicos e diagnósticos sindrômicos, aliados ao reconhecimento de padrões ultrassonográficos de estruturas como o coração e os pulmões. Com a realização do curso, o aluno será capaz de fazer o diagnóstico da insuficiência respiratória aguda, bem como diferenciar os estados de choque e a insuficiência renal de forma imediata e assertiva. Mais informações pelo telefone 19-3521-9112 ou e-mail macarvalhofilho@gmail.com  Cotuca de Portas Abertas - O Colégio Técnico de Campinas, o Cotuca da Unicamp, realiza no dia 24 de setembro, o evento Cotuca de Portas Abertas. O objetivo é dar oportunidade para que alunos da Região Metropolitana de Campinas (RMC) conheçam o colégio e os seus cursos técnicos. O evento ocorre das 9 às 17 horas com palestras sobre os cursos e a escola. A entrada é livre. Interessados em participar não precisam se cadastrar. O Vestibulinho do Cotuca ocorre no dia 4 de dezembro. Outras informações podem ser obtidas pelo telefone (19) 35219903 e-mail contato@cotuca.unicamp.br.

Eventos futuros 

 Chefs na Unicamp - A Unicamp, por meio do Grupo Ges-

tor de Benefícios Sociais (GGBS), lança no dia 25 de setembro (domingo), no Ciclo Básico, o livro 50 memórias, 50 sabores – A cozinha ancestral de quem ajudou a construir a Unicamp. A obra, organizada pelo jornalista e chef de cozinha Manuel Alves Filho, será apresentada ao público durante o evento “Chefs na Unicamp”, que contará com área de alimentação operada por alguns dos mais destacados chefs de cozinha de Campinas e Região. O Chefs na Unicamp, que oferecerá pratos de família a preços populares, também terá a função de fazer a pré-abertura do VI Simpósio de Profissionais da Unicamp (Simtec), que ocorrerá entre os dias 26 e 28 de setembro. Tanto o lançamento do livro quanto a organização do Simtec fazem parte das ações em comemoração aos 50 anos da Universidade, que serão completados oficialmente em 5 de outubro. Leia mais: http://www.unicamp. br/unicamp/eventos/2016/06/02/chefs-na-unicamp-sera-atracaodos-50-anos

Teses da semana  Computação: “OpenISA, um conjunto de instruções hí-

brido” (doutorado). Candidato: Rafael Auler. Orientador: professor Edson Borin. Dia 23 de setembro de 2016, às 13h30, no auditório do IC 2 do IC. “Aprendizagem de máquina sobre dados cifrados” (mestrado). Candidato: Hilder Vitor Lima Pereira. Orientador: professor Diego de Freitas Aranha. Dia 23 de setembro de 2016, às 14 horas, na sala 53 do IC2 do IC.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: “Biodigestão anaeróbia da vinhaça de cana-de-açúcar: abordagem industrial do modelo adm1 e avaliação dos benefícios ambientais” (doutorado). Candidato: Marcelo Leite Conde Elaiuy. Orientador: professor Edson Aparecido Abdul Nour. Dia 23 de setembro de 2016, às 13h30, na sala de defesa de teses 3 do prédio de aulas da FEC.  Engenharia de Alimentos: “Emoções, sensações e afeições do consumidor pelo café brasileiro” (mestrado). Candidata: Emilia Alice Fonseca Ricardi. Orientador: professor Jorge Herman Behrens. Dia 23 de setembro de 2016, às 14 horas, no auditório do DEPAN da FEA.

Destaque do Portal 

 Engenharia Elétrica e de Computação: “Apren-

dizado de dicionários estruturados” (mestrado). Candidato: Cássio Fraga Dantas. Orientador: professor Renato da Rocha Lopes. Dia 22 de setembro de 2016, às 9 horas, na sala PE12 da FEEC. “Controle de fila de carros usando sistemas sujeitos a saltos markovianos” (mestrado). Candidato: Leonardo de Paula Carvalho. Orientador: professor Alim Pedro de Castro Gonçalves. Dia 23 de setembro de 2016, às 9 horas, na FEEC. “Gestão inteligente de energia em consumidores residenciais” (mestrado). Candidata: Driele Plentz da Silva Ribeiro. Orientador: professor Luiz Carlos Pereira da Silva. Dia 23 de setembro de 2016, às 14 horas, na FEEC.  Engenharia Química: “Substituto de tecidos: desenvolvimento de scaffolds com propriedades adequadas ao crescimento celular tridimensional (3D)” (doutorado). Candidata: Ana Luiza Garcia Millás. Orientador: professor Edison Bittencourt. Dia 23 de setembro de 2016, às 10 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Física: “Evolução das propriedades magnéticas ao longo da série de compostos intermetálicos RTBi2 (R = Ce, Pr, Nd, Gd, Sm, T = Cu, Au)” (doutorado). Candidato: Camilo Bruno Ramos de Jesus. Orientador: professor Pascoal José Giglio Pagliuso. Dia 23 de setembro de 2016, às 14 horas no auditório de Pós-graduação do prédio D do IFGW.  Linguagem: “Polêmica em torno da dislexia: um caso de interincompreensão” (doutorado). Candidata: Patricia Aparecida de Aquino. Orientador: professor Sírio Possenti. Dia 23 de setembro de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  Odontologia: “Análise da expressão de células dendríticas, células de langerhans e células T em lesões potencialmente malignas e carcinoma espinocelular de boca” (doutorado). Candidata: Ana Carolina Amorim Pellicioli. Orientador: professor Pablo Agustin Vargas. Dia 19 de setembro de 2016, às 8h30, na sala da Congregação da FOP. “Relação das variáveis contextuais com os indicadores das condições sensíveis à atenção básica (acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca) no estado de São Paulo de 1998 a 2013” (mestrado profissional). Candidato: Denise de Fátima Barros Cavalcante. Orientadora: professora Glaucia Maria Bovi Ambrosano. Dia 20 de setembro de 2016, às 9 horas, na sala da Congregação da FOP.  Química: “Desenvolvimento de substratos SERS para detecção de poluentes ambientais emergentes” (mestrado). Candidato: Murilo Pastorello Pereira. Orientador: professor Ítalo Odone Mazali. Dia 19 de setembro de 2016, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

Destaque do Portal

UPA: 40 mil jovens têm dia especial Foto: Antonio Scarpinetti

ntre milhares de estudantes que ainda chegavam à área de concentração da Unicamp de Portas Abertas (UPA), na manhã do último dia 10, um grupo uniformizado de amarelo da Escola João Paulo I, de Feira de Santana (BA), foi saudado pessoalmente pelo professor Alvaro Crósta, coordenador geral da Universidade, e por outras autoridades presentes. “Estamos inaugurando a 13ª edição da UPA com a promessa de dar uma boa acolhida para um público de mais de 40 pessoas, que ainda estão chegando aqui pelo entorno. A programação está muito boa, preparada com a perspectiva dos 50 Anos da Unicamp”, disse. Alvaro Crósta ressaltou que o objetivo era apresentar o que cada unidade possui em termos de cursos, projetos de pesquisa e laboratórios, numa programação que ainda incluía palestras e atrações artísticas. “Está tudo muito bem organizado para mostrar o que é a Unicamp aos potenciais futuros estudantes nossos. A UPA sempre teve dois objetivos: o primeiro é trazê-los para a Unicamp a fim de mostrar que ela é acessível a todos. O segundo motivo é para que tirem dúvidas sobre as profissões que pretendem seguir, conversando com docentes e alunos, e assumindo com mais certeza a carreira que vão seguir.” Almiro Santana, professor de física da Escola João Paulo I, trouxe 21 alunos de Feira de Santana, que segundo ele é o segundo município mais importante da Bahia em relação a pesquisa, extensão e também à economia. “A nossa expectativa com a UPA, que reúne tantos jovens, é muito grande. Estava pensando em mim, se tivesse tido essa oportunidade de descobrir qual seria o meu futuro. Para esses alunos de Feira de Santana é a oportunidade de mudar de vida e, depois de algum tempo, ver que fizeram a escolha certa ao virem para a Unicamp, porque aqui encontraram a possibilidade de se desenvolver tanto pessoal como profissionalmente.”

Chegada de upeiros ao evento ocorrido no último dia 10: palestras, atrações artísticas e visita a unidades

No grupo baiano estava Guilherme Carneiro, aluno considerado especial, não por ser autista, mas pelo seu gosto por fotografia. A mãe, Ângela, considera que a escola é um caminho que está sendo construído, desenvolvendo atividades específicas, dentro das habilidades que o filho possui. “Ele já participou de concursos de fotografia e é incluído em todos os passeios pedagógicos. Nesta perspectiva para sua formação, estão as visitas a locais que venham a agradá-lo – e ver o que a Unicamp desenvolve é uma forma de colher algo interessante para Guilherme.” Eduarda Arcanjo, a Duda, foi eleita por uma turma do Cursinho Popular Contexto, de Valinhos, para falar da expectativa

quanto à UPA. “No ensino médio passam para os alunos uma visão preconceituosa das ciências sociais: de coisa de bicho grilo, de quem não quer nada com nada, quando tem gente muito esforçada. Vim para a UPA a fim de tirar minhas próprias conclusões, já que a carreira que pretendo seguir na vida é de socióloga ou antropóloga. Quero pesquisar bastante, conhecer pessoas, conversar com os alunos que já estão aqui e ver se é mesmo o que quero.”

BASE MÓVEL O coordenador geral Alvaro Crósta e as demais autoridades aproveitaram o clima festivo para visitar a Base Móvel da Vigi-

lância da Unicamp, posicionada no Ciclo Básico II. O professor Orlando Fontes Lima Jr., assessor da CGU, explicou que a viatura está dentro do conceito de acolhimento e vigilância comunitária da Unicamp. “Quando se tem eventos do porte da UPA, a Base Móvel é posicionada para prestar apoio ou mesmo registrar boletim de ocorrência, num atendimento tanto de informação como de prevenção. A base faz parte de um tripé que já possui a ambulância do Vidas (atendimento médico 24 horas) e que terá dentro do campus uma unidade do Corpo de Bombeiros, cujo projeto de construção já está na Secretaria de Segurança Pública para assinatura e início das obras.” (Luiz Sugimoto)


11 Campinas, 19 a 25 de setembro de 2016

Quando todos são alvos Foto: Antonio Scarpinetti

Piracicaba registra infestação de dengue em diferentes regiões da cidade, independentemente de classe social CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

issertação de mestrado profissional desenvolvida pela graduada em enfermagem Elaine Regina Defavari, funcionária do setor de atenção básica da Secretaria Municipal de Saúde de Piracicaba, município de médio porte do Estado de São Paulo, teve o objetivo de descrever a dengue e avaliar sua distribuição espacial nessa circunscrição, entre os anos de 2008 a 2015, período em que foram identificados 11.397 casos da doença na região urbana. O trabalho foi orientado pela dentista Marília Jesus Batista de Brito Mota, professora do mestrado profissional do Programa de Pós-graduação de Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Unicamp, e atualmente docente adjunta da Faculdade de Medicina de Jundiaí (SP). A propósito das motivações que determinaram o estudo, a professora esclarece: “Achamos que a partir da pesquisa o município disporia de uma excelente ferramenta de georreferenciamento que, localizando as áreas de maior concentração de casos de dengue, poderia auxiliar nas estratégias de prevenção da doença. Pensamos inicialmente em identificar áreas em que houvesse maior incidência do mosquito da dengue em que, em decorrência, haveria maior ocorrência da doença e que, por isso, exigiriam atuação mais específica do poder público”. A hipótese de partida, que orientou o trabalho, era a de que a dengue estaria associada à exclusão social, ou seja, se concentraria nos locais e bairros com populações de níveis socioeconômicos mais baixos. Entretanto, os dados se revelaram surpreendentes: no centro urbano, uma das áreas de maior nível socioeconômico, foi encontrada ao longo dos anos uma das maiores incidências de casos de dengue, embora se constatasse, a partir de 2010, o alastramento da doença por todas as regiões do município, mesmo ocorrendo variações porcentuais de casos em várias localidades no período estudado. Esta constatação levou as pesquisadoras a brincar, dizendo que “o mosquito da dengue não é preconceituoso e não respeita nível socioeconômico”. Os resultados encontrados na pesquisa mostram que, nos mais de 11 mil casos notificados na região urbana do município no período de 2008 a 2015, a maior incidência da doença ocorreu em 2015, não houve diferença de gênero na sua distribuição e a faixa etária mais acometida foi a de 20 a 39 anos. O exame dos dados levou a pesquisadora a concluir que a doença dengue vem tendo no município de Piracicaba um aumento expressivo ao longo dos anos considerados, fazendo-se necessárias, em vista das variabilidades observadas ano a ano nas várias regiões do município, análises constantes da identificação espacial para que, tanto medidas preventivas, que já vêm sendo tomadas, bem como estratégias inovadoras em andamento sejam implantadas para o combate ao vetor, o mosquito Aedes aegypt, e consequentemente a outras arboviroses, assim denominadas genericamente as doenças causadas por vírus.

A TÉCNICA Para verificar a validade da hipótese inicial, ou seja, a compatibilidade entre incidência da doença e exclusão social, utilizando a técnica de análise espacial, dados oriundos do Sistema de Informação de

A orientadora da pesquisa, professora Marilia Jesus Batista de Brito Mota: “A população tem papel fundamental no sucesso das ações”

Agravo de Notificação (Sinan), órgão da vigilância epidemiológica disponível nas secretarias de saúde dos municípios brasileiros, foram sobrepostos ao mapa de exclusão social. De acordo com dados IBGE 2015, Piracicaba possui população estimada de 390 mil habitantes, de diferentes origens socioeconômicas. Para a análise espacial os dados foram organizados em cinco regiões e 64 bairros do município de acordo com a divisão de bairros, loteamentos e índice de Exclusão Social, disponibilizados pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP, 2010). O Índice de Exclusão Social realizado no município de Piracicaba teve por objetivo caracterizar as desigualdades socioterritoriais nos diferentes bairros do município, permitindo identificar os que apresentam melhores condições de vida, bem como aqueles em que se concentram as condições precárias e, dessa forma, identificar as discrepâncias de condições socioeconômicas na cidade. Para o cálculo deste índice são analisados aspectos como renda familiar, equidade de gênero, qualidade de vida, escolaridade, entre outros fatores socioeconômicos da região e atribuem-se valores de -1 a 1 para identificar desde os lugares de maior exclusão social até os bairros de nível socioeconômico mais alto. Com base na série de coeficientes anuais de incidência calculados, a autora verificou que o maior coeficiente registrado foi no ano de 2015, época em a cada 100 mil habitantes aproximadamente 950 foram diagnosticados com a doença. Seguem-se os anos de 2012 e 2013, com coeficientes, respectivamente, de 827/100 mil habitantes e de 723/100 mil habitantes. Ao longo de oito anos, os coeficientes de incidência apresentaram grandes variações, que vão de, aproximadamente, 5,0 (2009) a 950 (2015) por 100 mil habitantes, com significativos picos em 2013 e 2014. Observou-se, ainda que, em relação à distribuição espacial, não hou-

ve, como já se mencionou, homogeneidade no porcentual da incidência de dengue nas regiões urbanas ao longo dos anos. Conforme mostram os mapas de Piracicaba com os índices de exclusão social e com o total de casos confirmados de dengue nos anos de 2008 a 2015, não se verificou a correlação esperada pelas pesquisadoras.

ANÁLISES Com base nos coeficientes de incidências anuais, que fornecem o número de casos por período em cada 100 mil habitantes, chegou-se a uma série histórica de incidências anuais no período considerado. A análise da série temporal da dengue permitiu constatar o aumento de sua incidência, o que leva a um alertar para um possível comportamento endêmico da doença. Se confirmada, esta possibilidade estaria na contramão da transição epidemiológica observada em países desenvolvidos, caracterizada por uma tendência à diminuição das doenças transmissíveis, como no caso a dengue, e aumento das doenças crônicas na população. Os dados mostram áreas com maior número de casos no município, porém, segundo o estudo, estratégias de prevenção da doença devem ser realizadas em toda a população devido às alterações de concentração de casos ao longo dos anos. Tratando-se de um problema de saúde pública, a autora considera importante a colaboração intersetorial e principalmente a mobilização da comunidade para viabilizar o combate aos criadouros do mosquito. “A população tem papel fundamental no sucesso dessas ações, mesmo porque, como já amplamente divulgado, ela não se tem sensibilizado pelo problema apesar das campanhas educativas e insistentes divulgações na mídia”, esclarece. Nessa perspectiva, ela considera importantes as parcerias firmadas com lideranças locais e religiosas para mobilização das comunidades no intuito de estimular o empo-

deramento para mudanças de hábitos, que continua sendo a estratégia mais efetiva de combate ao vetor. Embora a pesquisadora constate que no município de Piracicaba o Plano de Contingência para Aedes aegypti contemple ações de controle que podem repercutir no futuro para a diminuição dos casos, ela considera de extrema importância a intensificação dos esforços, que além da comunidade, inclua setores de Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária, Secretaria de Defesa do Meio Ambiente, Secretaria de Educação, Secretaria de Desenvolvimento e outros que possam trazer contribuições para que a doença não se revele endêmica. Ressaltase a importância no combate ao mosquito, também responsável pela zika e chycungunha, além da febre amarela. A autora chama a atenção ainda para o fato de que, embora o estudo tenha sido realizado com base em casos notificados, sabese que eles mostram apenas parte da realidade, pois além de pessoas infectadas com sintomas mais leves existem também aquelas que fazem parte das subnotificações, casos que os profissionais da saúde não notificam no Sinan, e que, portanto, não fazem parte das estatísticas oficiais, o que serve de alerta para os profissionais da saúde.

Publicação Dissertação: “Análise espacial da doença dengue em um município de médio porte do estado de São Paulo nos anos de 2008 a 2015” Autora: Elaine Regina Defavari Orientadora: Marilia Jesus Batista de Brito Mota Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)


12 Campinas, 19 a 25 de setembro de 2016 Foto: Reprodução

O artista plástico Thomaz Perina em sua casa-ateliê, na Vila Industrial, em Campinas: espaço de troca de conhecimento

A escrita de si no lugar

da arte e da memória Foto: Antoninho Perri

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

porta da casa numa vila operária da rua Dr. Carlos de Campos, número 87, Vila Industrial, Campinas, estava sempre aberta para quem vinha disposto a ouvir e ser ouvido, a ensinar e aprender. No endereço encontrava-se um senhor que, a bem dizer, morou a vida toda no local. Ele era Thomaz Perina, um dos principais artistas plásticos de Campinas, reconhecido e admirado por gerações que atravessavam aqueles batentes buscando amizade e experiência. Perina foi professor de muitos. Ele não nasceu na casa, para onde foi aos três anos de idade e lá permaneceu até a sua morte, em 2009. Transformou o espaço de morar em espaço de criar e fez de sua casaateliê uma referência ou “lugar de autoridade”, como afirma a pesquisadora Sônia Fardin, historiadora que trabalhou no inventário da obra de Perina, antes de sua morte, e na transferência de parte do acervo do artista para o Instituto Thomaz Perina. Uma estreita convivência com a casaateliê de Perina trouxe para Sônia um olhar diferenciado no trabalho de pesquisá-la para seu doutorado, defendido no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, com orientação da professora Iara Schiavinatto. Conhecia bem sua obra, seu espaço criativo e a forma como armazenava a documentação sobre seus trabalhos e menções na imprensa. Sabia da preocupação que Perina tinha com sua imagem pública. Não em tom de vaidade, mas por ser consciente que esta também influenciaria o público na compreensão de sua obra. Autodidata? É o que a imprensa diz, é o que Perina reafirmava. Mas o que significa ser autodidata no caso dele? Que conhecimento da arte é esse que o artista desenvolveu por si só? E o que significam suas experiências de moradia e de documentação de seu próprio trabalho para a construção desse conhecimento? Essas questões foram tratadas por Sônia. “A tese problematiza a questão

Publicação Tese: “Escrita de si, escrita do outro: os procedimentos do artista Thomaz Perina em seu livro-arquivo e sua casa-ateliê” Autora: Sônia Aparecida Fardin Orientadora: Iara Schiavinatto Unidade: Instituto de Artes (IA)

A pesquisadora Sônia Fardin, autora da tese: “Thomaz Perina produziu um acervo importantíssimo sobre a história cultural de Campinas”

da imagem pública do artista e como Thomaz Perina, em Campinas, esteve conectado com procedimentos de auto documentação e preservação de registros da imagem pública, procedimentos que também marcaram a atuação de muitos artistas de seu tempo, dentro e fora do Brasil”, resume a pesquisadora.

CASA-ATELIÊ

Uma parede coberta de pipas, outras cobertas de fotos, desenhos, recortes de jornais, objetos e obras, muitas, suas e de muitos artistas, em especial amigos, que frequentavam seu local de viver e criar. A casa da Vila Industrial fazia as vezes de uma galeria de arte. E não por acaso. Sônia afirma que desde a década de 1930 existiam ateliês na cidade, e, entre as décadas de 1940 a 1970, eles se tornaram também espaços de trocas de experiências, encontros sociais, debates sobre política cultural e também exposições e comercialização de obras. Não havia na cidade até então espaços de venda, museus ou centros culturais. Os ateliês, entre os quais o de Thomaz Perina, eram espaços de sociabilidade e trocas de conhecimento onde se debatiam formas de se organizar coletivamente para sobreviver de arte na cidade. A criação do Museu de Arte Contemporânea de Campinas “José Pancetti” (MACC), por exemplo, teve origem nos ateliês da cidade e Perina teve um papel de destaque. Os artistas reuniam-se em grupos que romperam com o academicismo nas artes plásticas de Campinas. O mais celebrado deles foi o Vanguarda.

A casa-ateliê de Perina é tema de pauta na imprensa desde 1969. O artista também foi um decorador consagrado, estabelecendo uma relação entre a decoração e as artes plásticas. De acordo com Sônia, ele remodela a casa, traz mobiliário, peças de demolições. No ateliê, dá início aos procedimentos de seleção e guarda de suas referências culturais que são mantidas por décadas em exposição, pontua a autora. “Thomaz Perina produziu um acervo importantíssimo sobre a história cultural de Campinas”, salienta Sônia. O modo como o pintor se relacionou com a casa-ateliê, a rede de conhecimentos e parcerias formadas a partir daquele espaço, fazem parte do que a pesquisadora chama de ‘escrita de si’ e que também considera o livro que o artista usou para registrar sua história como personalidade do meio das artes na história de Campinas. Trata-se do “Livrão”, arquivo muito requisitado por estudiosos da obra de Perina e que hoje pode ser visto em exposição no Instituto Thomaz Perina. Da mesma forma que a casa, o livro traz as marcas da relação de Perina com outros artistas, fotógrafos e cineastas. “Ele teve a iniciativa de fazer o ‘Livrão’, deu uma forma específica a um arquivo sobre a sua produção e a sua presença pública e, ao fazê-lo, evidentemente a escrita de si traz a escrita do outro porque ninguém existe sozinho, somos sujeitos sociais”, observa. Ao selecionar o material, Perina filtrava informações sobre um circuito de relações na cidade, passando inclusive pela imprensa e como se configurou o jornalismo cultural na cidade. O tempo dedicado à confecção do “Livrão”, mais de 50 anos, denota a preocupação de Perina com sua imagem púbica. Meio século recortando, colando, realizando esboços e anotações. A prática dos artistas se preocuparem em constituir sua imagem pública é muito antiga, como afirma Sônia. “Existe toda uma produção pictórica, de quadros de artistas feitos para constituir sua imagem pública e para se divulgar também. Depois, no século 20, a fotografia e o cinema potencializam isso”.

Sônia observa, porém, que a imagem pública dos artistas visuais foi sendo, ao longo do tempo, distanciada de tudo aquilo que remete ao laboral. “Esse é um dos fatores que levaram ao apagamento de todo um conjunto de sujeitos sociais envolvidos na produção do conhecimento artístico”. Ao passo que o trabalho manual era muito valorizado por Perina, como por exemplo a artesania. Sônia recorda que o pintor tinha uma irmã gêmea que foi sempre reverenciada por ele pelas obras artesanais que ela criava. Havia em sua casa-ateliê vários objetos artesanais, mesmo a parede coberta de pipas sugere este significado, sem contar que ele vivia em uma vila operária. Ter o olhar voltado para essas questões e objetos como o “Livrão” (e a casa principalmente) é muito diferente de quando se estuda o trabalho de um artista por meio do acervo já selecionado em uma instituição, como um museu. “O que eu aponto é que muitas vezes, quando a memória de um artista ou um arquivo de qualquer figura pública vão para uma instituição, já vão com um filtro, e essa especificidade de ser um acervo de um indivíduo que se ocupou de sua memória e da sua imagem pública também trouxe elementos pouco percebidos no contexto histórico da cidade, como, por exemplo, a relação entre fotógrafos e pintores”. Com a casa-ateliê e o “Livrão”, Perina fazia a escrita de si e “ao fazê-lo traz as contradições de seu tempo, a presença de outros artistas e outros parceiros. A escrita de si é a escrita do outro e também a influência que eles sofreram de outros que são a imprensa, a crônica, a crítica especializada, a produção fotográfica; essas relações são o foco da pesquisa”.

AUTODIDATISMO

O território de Perina compreendido pela pesquisa é delimitado pelo “Livrão”, que a pesquisadora também qualifica como um livro-arquivo, e pela casa-ateliê. Esses foram os territórios de afirmação da imagem pública do artista, pautados pelos conceitos de autodidatismo. Autonomia e liberdade de criação são discursos muito presentes na crítica especializada do pós-guerra de 1945 a 1960. “Estas formulações colocam o artista não mais como o que estuda, o que vem de uma produção intelectualizada, mas aquele que tem origem num talento nato”, discorre. O pintor campineiro dialoga com essa expectativa. “Sem dúvida ele foi um autodidata, mas não num conceito que se coloca desenraizado e de uma forma mística, mas um autodidata que se formou em relações sociais muito presentes na obra e nos percursos dele”, reflete a autora. O principal percurso foi feito na Vila Industrial. Bairro planejado para acolher trabalhadores, povoado de migrantes com muita bagagem cultural, e que faziam parte do convívio diário do artista que também era assíduo em bailes, clubes e bares. “O que eu pontuo é isso, que existe uma rede de sociabilidades da qual ele participou e que são percursos formativos desse autodidata”. Sem minimizar o aspecto autoral, a pesquisa salienta o relacional na escrita de si e na imagem pública do artista. Sônia amplia a questão para a conexão entre os campos culturais da cidade que são vistos, afirma, de forma fragmentada: a fotografia, a produção audiovisual e pictórica. Sônia realizou muitas visitas em casas ateliês no Brasil e na França. Ela nota que uma geração de artistas no século 20 é marcada por dar início a projetos de documentação de memória ainda em vida, como são os casos de Perina, Lasar Segall, Cândido Portinari ou, no âmbito internacional, Rodin. “Interessante perceber como um artista em Campinas também foi movido a estruturar um projeto de auto documentação, um projeto de memória. Ao contrário do que ele dizia, Perina foi um formulador de ideias e de conceitos, se dizia autodidata, sem formação teórica. Mas a forma como ele organizou sua documentação, produziu seu espaço de viver e criar, estabeleceu relações de parcerias e armazenou farta documentação de seu processo criativo, são manifestações de escrita de si”. O que a pesquisadora ressalta ainda, é a importância de estudar ateliês como lugares de memória e de formulação de conhecimento.

O “Livrão”: registros abarcam a trajetória de Perina e informações sobre a arte e o jornalismo cultural de Campinas

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