Familia Ausente

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Palestra proferida a 12.05.2006. Antes de mais quero agradecer à Comissão Organizadora o convite para poder participar, neste painel intitulado:”quando a família está ausente” situação que infelizmente acontece com muita frequência no nosso País e dizer-vos que é com muito gosto que estou aqui convosco a reflectir sobre esta matéria e felicito a Comissão pela organização deste Seminário. 1 – Noção de Família Segundo O Grande Dicionário Enciclopédico, “a família é um grupo de pessoas aparentadas entre si que vivem na mesma casa sob a autoridade de uma delas. Conjunto de ascendentes, descendentes, colaterais e afins de uma linhagem. A família, como unidade social, existiu em todas as civilizações e todas as épocas desde que há testemunhos históricos. A sua função, destinada a assegurar a propagação da espécie mediante a protecção e provisão mútuas, foi necessária para a sobrevivência da humanidade. A dependência mútua da mãe e do filho, terá sido o principal factor responsável pelo período de união de uma relação mais permanente. Apesar de, em muitas sociedades, a mãe ser mais capaz de proteger-se a si mesma e aos seus rebentos, ao longo da maior parte da sua existência, teria sido difícil que a família humana sobrevivesse sem a adequada protecção da mulher durante o parto. Possivelmente a instituição do matrimónio teve a sua origem na organização da família. A função primordial da família é cuidar dos filhos e a do casamento, regular a conduta social. A família como unidade sociológica é um grupo organizado, unido por laços pessoais, íntimos e domésticos. A sua missão não se limita a cuidar só dos descendentes enquanto precisam de amparo e protecção. Serve também como meio para desenvolver personalidades socialmente úteis, para transmitir o transcendente acumular de conhecimentos humanos, tais como a língua, a escrita, a conduta social, e para perpetuar a organização social. A família é, por conseguinte, fundamental para a civilização humana…..” Esta, é uma parte da noção de família que nos é dada pelo Grande Dicionário Enciclopédico. Estou certo, de que em alguns aspectos, nomeadamente, quando no início se refere “sob a autoridade de uma delas”, todos nós aqui presentes, discordamos deste entendimento, já há muito ultrapassado, face ao princípio da plena igualdade dos cônjuges consagrado no art. 36º, nº1 e nº2, da CRP, que estabelecem respectivamente: “todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade” e “os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.”


1 -1- A Família como elemento fundamental da sociedade: O artigo 36º, nº 1 da CRP, sob a epígrafe, “família, casamento e filiação”, estabelece no nº 1 que, “ todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”. Por sua vez o artigo 67, nº1 da CRP, consagra a família como elemento fundamental da sociedade, estabelecendo que esta tem direito à protecção da sociedade e do estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Como ensinam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada - 3ª edição, pág. 351: “ Fica assim claramente afirmado que constitucionalmente a família é feita de pessoas e existe para a realização pessoal delas, não podendo a família ser considerada independentemente das pessoas que a constituem e muito menos contra elas” e mais à frente dizem: “ A protecção da família significa desde logo em princípio, a protecção da unidade familiar. A manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos.” Igual reconhecimento resulta, aliás, do próprio preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, onde nomeadamente se lê: «(...) a família, elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a protecção e a assistência necessárias para desempenhar plenamente o seu papel na comunidade; (...) a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão (...)». Também a Resolução nº 41/85, adoptada pela Assembleia-geral das Nações Unidas sobre o relatório da VI Comissão proclama os seguintes princípios: A – Bem- estar da família e da infância: Art. 1º:” Cada Estado deve dar prioridade ao bem-estar da família e da criança” e no art. 2º:” o bem-estar da criança depende do bem-estar da família” e no art. 3º:” o interesse prioritário da criança é ser educada pelos seus pais”. A família surge-nos assim como elemento natural e fundamental da sociedade, como espaço de protecção securizante e acolhedor, para todos os seus membros, como local privilegiado para a expressão de afectos..... no entanto, praticam-se tantos crimes no seio da família – maus tratos a cônjuges, a menores, a idosos, abusos sexuais, ofensas à integridade física, homicídios, ameaças, injúrias.....crimes estes, que em regra, são silenciados em nome da chamada paz familiar!


1-2- PRIMADO DA FAMÍLIA Como atrás dissemos, a CRP no nº1, do art.º67 consagra:” a família como elemento fundamental da sociedade”, com “ direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros” Por sua vez o art. 69º da CRP consagra que “ as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”. E “O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar” e “ é proibido o trabalho de menores em idade escolar” Por sua vez o nº5, do art. 36º da CRP estabelece que:” os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” e nos termos do seu nº6,”os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”. Também a Lei de Promoção e Protecção, consagra o princípio da Prevalência da Família na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem, estabelecendo que deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família, art. 4º al. g) da LPP. E consagra também o princípio da responsabilidade parental segundo o qual a intervenção deve ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem, art. 4º, al. f) da LPP. Por sua vez o art. 1878º, do CC estabelece que:”compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los ainda que nascituros e administrar os seus bens”. Os artigos da CRP, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, da Resolução 41/85 da A.G. das Nações Unidas, da LPP e do C. Civil atrás enunciados, consagram a família como elemento fundamental da sociedade, pelo que todos quantos trabalham nesta área devem nortear a sua actuação com observância destes princípios sem esquecer ainda, que toda a intervenção tutelar, obedece ao princípio da intervenção mínima, da necessidade, da proporcionalidade e da actualidade. Pode assim dizer-se que, desde que exista família que assuma as suas responsabilidades parentais, não há lugar a intervenção no âmbito da Promoção e Protecção, pois não há legitimidade para intervir.


1-3 - E Quando a família está ausente? Carácter excepcional do regime de intervenção tutelar de promoção e protecção A necessidade de intervenção tutelar surge quando a família está ausente ou não existe, ou não cumpre as suas responsabilidades ou quando viola os poderes deveres que integram o conceito de poder paternal. É nestas situações, que há lugar à intervenção do Estado e da Sociedade, nos termos do art. 69º da CRP que consagra que “ as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”. E “O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar” E no art. 4º da Resolução nº 41/85 da A.G das Nações Unidas que estabelece:” se a criança não pode ser educada pelos seus pais naturais ou se estes não a educam como convém, é necessário encarar a possibilidade de a confiar a membros da família de seus pais, a uma outra família de substituição - de acolhimento ou adoptiva - ou, se necessário, a uma instituição apropriada Limita-se a intervenção tutelar, às situações de risco que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem e essa intervenção tem por finalidade o afastamento do perigo em que a criança ou jovem se encontra. A legitimidade de intervenção surge, “ quando a família está ausente ou seja quando se verificam as situações previstas no nº 1 do art. 3º da LPP e nas várias alíneas do seu nº 2 ou seja, quando: os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto da criança ou do jovem ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento; esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros; esse perigo resulte da própria criança ou jovem a que os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto não se oponham de modo adequado a removê-lo. As situações de perigo aparecem depois elencadas, a titulo meramente exemplificativo nas alíneas a) a f) do nº2, do art. 3. Assim a criança está numa situação de perigo quando: está abandonada ou vive entregue a si própria; sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; é obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou personalidade;


está sujeita a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; assume comportamentos ou se entrega a actividades e consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação e educação sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto se lhe oponham de modo adequado a remover essa situação. Estas situações de perigo tanto podem resultar de culpa -actuação dolosa ou meramente negligente - dos pais, representante legal ou de quem detenha a guarda de facto ou de acção ou omissão de terceiros, como de simples impotência ou incapacidade destes. Nestas situações em que a família está ausente, ou não existe como família, ou não cumpre as suas responsabilidades parentais, ou viola os direitos das crianças, impõe-se a quem trabalha nesta área, um trabalho em rede, actuando a título preventivo na detecção das situações e posteriormente no seu acompanhamento. Este trabalho em rede, devidamente articulado, com troca de informação e cooperação dos técnicos é fundamental, para que os direitos das crianças sejam devidamente acautelados. 2 - Quando a família está ausente impõe-se uma boa articulação das equipas técnicas com as comissões/ tribunais. Como esta acção se destina essencialmente a técnicos da segurança social, da saúde, da educação e de Instituições de Acolhimento que lidam no dia a dia com as comissões e os tribunais, achei por bem falar da relação ou melhor da inter acção que deve existir entre elas. E dizer também que a intervenção deve respeitar o princípio de subsidiariedade consagrado no art. 4º al. j) da LPP, actuando em primeira instância as entidades com competência em matéria de infância e juventude em seguida as CPCJ e só no fim os tribunais e cada entidade deve resolver as situações que lhe surjam e só se não for capaz de resolvê-las é que a situação passará para a outra entidade competente. O DL n.º 332-B/00 de 30/12, criou as equipas multidisciplinares do sistema de solidariedade e segurança social, competindo-lhes o acompanhamento dos menores em perigo junto dos tribunais, nos termos do nº1, do art.º 7. Podemos dizer que há uma intervenção e uma interacção das equipas técnicas em cinco momentos distintos. A primeira surge quando comunicam às Comissões ou ao MªPº, se for o caso, as situações de risco de que têm conhecimento, no exercício das suas funções. Nos termos do art. 66º da LPP, : ” qualquer pessoa que tenha conhecimento das situações de perigo estabelecidas no art.º3º, pode comunicá-las às entidades com competência em matéria de infância e juventude, ás entidades policiais, às Comissões de Protecção ou às autoridades judiciárias.” E segundo o nº 2: ” a comunicação é obrigatória para qualquer pessoa que tenha conhecimento de situações que ponham em risco a vida, a integridade física ou psíquica


ou a liberdade da criança ou do jovem”. Eu disse comunicam ao MºPº e não Tribunal e fi-lo intencionalmente, pois ao contrário do que acontecia no domínio da OTM em que as situações eram comunicadas directamente ao Tribunal, entenda-se Juiz, sendo R. A e processadas pela secção judicial, no actual quadro legal as situações são sempre comunicadas ao MªPº. O MºPº analisa-as e se verificar que não há uma situação de perigo arquiva-as e se houver situação de perigo, requer o respectivo processo judicial de promoção e protecção ou as providências tutelares cíveis que a situação exigir. A segunda intervenção surge no apoio técnico às decisões dos tribunais, na fase de instrução do PJPP, através dos relatórios sociais ou informações, que elaboram e enviam ao processo nos termos do art. 108º da LPP. Este preceito legal diz que:” o Juiz pode utilizar como meio de prova a informação e o relatório social sobre a situação da criança e do jovem e do seu agregado familiar. Não nos dá o legislador da LPP, a definição de informação e de relatório social apenas estabelecendo prazos diferentes para a sua elaboração e impondo uma exigência no que concerne ao relatório, que só pode ser feito pelas entidades que tenham serviço social adequado. O Relatório O relatório segundo o art.º 108º da LPP, é um meio de obtenção de prova, que deve carrear factos concretos com a caracterização da situação de perigo, que permitam ao Juiz fundamentar uma decisão, que atenda e acautele os direitos da criança. O relatório é um dos elementos probatórios fundamentais do processo pelo que permitam que dada a sua importância, lhe dediquemos alguma atenção. Por definição, o relatório é uma exposição escrita e minuciosa relativa a um assunto, é uma narração escrita e circunstanciada de factos ocorridos, o que obriga a uma recolha de informação. Geralmente, consta de uma introdução que apresenta o tema e informações gerais essenciais e do corpo do relatório propriamente dito, onde é descrita com rigor e pormenor a matéria de facto relevante e das conclusões. Nas informações gerais convém identificar o menor e os seus pais, o representante legal, quem tenha a guarda de facto, através dos nomes e residências e sempre que possível indicar o número de telefone e juntar cópia de documentos de identificação ou outros, como sejam a cédula Pessoal, BI, passaporte, autorizações de residências, boletim de vacinas. Para a elaboração do relatório, há necessidade de recolher informação das mais diversas fontes, de estabelecer critérios rigorosos na recolha e selecção da informação. Saber se a informação recolhida de diversas fontes, como sejam: - relatórios anteriores ou outros documentos, reuniões a que se assiste, visitas e entrevistas, aos pais, a outros familiares, a vizinhos, à professora, à enfermeira e à médica que assistiram a criança, ao


agente da PSP que elaborou a participação -, é fidedigna, se é credível, se a fonte é isenta e imparcial, é um trabalho de investigação, de minúcia e de análise. Depois de recolhida a informação e dado tratar-se de um relatório feito em equipa, há necessidade de analisar, discutir e avaliar a informação recolhida, cruzá-la e confrontar as fontes. Deve ser revisto e discutido pelos diferentes técnicos da equipa, em conjunto, para que cada um na sua área de especialidade, verifique se aquilo que está escrito, é efectivamente o que se pretende dizer. Deverá haver um relator ou redactor, para garantir a consistência da estrutura, estilo e linguagem. Na sua redacção deve usar-se uma linguagem simples, clara e precisa, frases curtas e concisas, tendo em conta os diferentes destinatários dos relatórios e que se escreve para não especialistas, - desde logo para a criança e o jovem e para os seus pais -, que por direito próprio, têm acesso à informação. A este propósito, recordo o art. 86º da LPP, sob a epígrafe:” informação e assistência”, que estabelece no seu nº1, que o processo deve decorrer de forma compreensível para a criança ou jovem, considerando a idade e o grau de desenvolvimento intelectual e psicológico”. E que os pais e a criança têm acesso aos relatórios, nos termos do art.º 4º, al. h) e al.i), que estabelecem respectivamente “a obrigatoriedade de informação” e “a audição obrigatória e participação” e do art. 88º, n.º 3 da LPP, que estabelece que “os pais... podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado”. Atentos os princípios orientadores de intervenção referidos, da obrigatoriedade de informação e da audição obrigatória e participação e do acesso ao processo, resulta que, não há confidencialidade dos relatórios e que os mesmos estão sujeitos ao contraditório nos termos do artº 104º nº2, da LPP. A regra base, será escrever com clareza e de forma concisa, para que aqueles que o vão ler o assimilem e compreendam facilmente. Com o fim de permitir a quem o lê, que o compreenda facilmente, devem evitar-se conceitos vagos e genéricos e demasiado técnicos, expressões compridas e parágrafos extensos, que além de serem completamente irrelevantes, por serem conclusivos e não conterem matéria de facto, são altamente desmotivadores para os seus destinatários. O destinatário último do relatório é o Tribunal/ Comissão, e a sua finalidade essencial é caracterizar, descrever com pormenor a situação de perigo em que se encontra a criança, para permitir alicerçar uma decisão. Com esta finalidade, o relatório deve transmitir ao tribunal factos relevantes, que são conjuntamente com outros elementos de prova, os alicerces da decisão, pois é à matéria de facto dada como provada, que o juiz vai aplicar o direito, proferindo uma decisão, decisão esta que tem um destinatário, uma Criança, um Jovem e uma finalidade, a defesa e promoção dos seus direitos. Quanto às conclusões, entendemos que os relatórios as devem conter, que as técnicas


devem apresentar as suas propostas sem receio, na sequência do estudo que fizeram da situação. Convêm referir que o art.º 54º nº1, da LPP, estipula que” as instituições de acolhimento dispõem necessariamente de uma equipa técnica, a quem cabe o diagnóstico da situação da criança ou do jovem acolhido e a definição e execução do seu projecto de promoção e protecção.” Este artigo é bem claro, no que concerne à responsabilidade das equipas técnicas, quando lhes atribui competência, para fazer o diagnóstico da situação e definir e executar o projecto de promoção e protecção. A relação da equipa técnica com o Tribunal não se esgota com a elaboração dos relatórios e informações. A terceira intervenção das técnicas ocorre quando são chamadas a Tribunal, na participação das diligências instrutórias, nos termos do art. 107º, nº2, da LPP, ou, finda a instrução, na representação das Instituições nos acordos de promoção e protecção, nos termos do art. 112º, da LPP, onde têm também um papel importante nomeadamente na apresentação de cláusulas concretas a incluir nos acordos de promoção e Protecção que acautelem os direitos das crianças, pois melhor que ninguém, conhecem a situação da criança e da família. A quarta intervenção ocorre quando são chamadas a depor no debate judicial sobre os factos de que têm conhecimento, alguns deles presenciados nas diligências que fizeram. A propósito de diligências, uma das que eu reputo essencial, por aquilo que permite percepcionar e recolher de forma directa e imediata no contacto com as pessoas e o meio que rodeia o menor é, a visita domiciliária. As técnicas, atenta a sua formação específica, são testemunhas privilegiadas e se todas as testemunhas têm o dever de falar verdade e de colaborar com o tribunal, das técnicas espera-se transparência total, devendo o seu depoimento ser isento, rigoroso, objectivo e imparcial. Não podemos esquecer que são as técnicas, que lidam directamente e em primeira mão com a generalidade das situações, que falam com as pessoas, frente a frente, olhos nos olhos, observando e lendo as reacções das pessoas, por vezes em situações de extrema delicadeza, fragilidade e perigo, conscientes de que os relatórios que elaboram podem ser consultados pelas pessoas de quem falam e que podem ser confrontadas com elas ou acareadas com outras testemunhas. A este respeito, cito o art. 117º da LPP, : ” para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial” A quinta intervenção ocorre no acompanhamento da execução das medidas de promoção e protecção aplicadas. Nos termos do art. 62º da LPP.:” as medidas aplicadas têm de ser revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a 6 meses”.


E nos termos do art. 85º, os pais, o representante legal, e as pessoas que tenham a guarda de facto da criança ou do jovem, são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que originou a intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e protecção. A revisão da medida pode ter lugar sempre que ocorram factos que a justifiquem - art. 62º, nº2 da LPP, pelo que os mesmos devem ser levados ao processo pelas técnicas, sendo certo que o Tribunal, solicita o relatório antes de decorridos 6 meses após a aplicação da medida, para efeito de revisão. 3- O MINISTÉRIO PÚBLICO E A PROMOÇÃO DOS DIREITOS E A

PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS QUANDO A FAMÍLIA ESTÁ AUSENTE E RELAÇÃO COM AS EQUIPAS TÉCNICAS Sendo eu Magistrado do MºPº e trabalhando num Tribunal de Família e Menores permitam que lhes fale do papel do MºPª, no âmbito da Promoção e Protecção, quando a família está ausente. Ao Ministério Público por força da Constituição da República e do seu estatuto, compete, a defesa da legalidade e a defesa dos interesses dos menores - art. 219º da CRP e art 3º, nº1, al. a) e 5º, nº1, al. c) do seu estatuto. Os artigos 72º e 73º da LPP, sob as epígrafes,” atribuições” e “iniciativa do PJPP”, atribuem ao MªPº, competência para intervir na promoção e defesa dos direitos das crianças e jovens representando-os e requerendo as providências tutelares cíveis e quaisquer meios judiciais necessários à sua protecção. Nos termos do art. 105º da LPP a iniciativa processual cabe ao MºPº. Nos termos destes preceitos legais e do seu estatuto, o MºPº actua no interesse e em representação das crianças e dos jovens em perigo, a dois níveis distintos. Um, a nível de acompanhamento da actividade das Comissões, apreciando a legalidade e a adequação das decisões e fiscalizando a actividade processual – art. 72º, nº2,- e outro a nível da intervenção judicial em que o MºPº requer a abertura do PJPP – art. 72º, nº1 e 105º, nº1da LPP -, ou propõe as mais diversas acções, na promoção e defesa dos direitos das crianças e dos jovens em perigo, nos termos do art. 72º, nº3-,. O legislador ao separar a intervenção tutelar de protecção junto das crianças e jovens em risco, da intervenção tutelar educativa junto das crianças e jovens que praticaram factos qualificados pela lei penal como crimes, teve necessidade de criar mecanismos que permitam que estas intervenções ocorram de forma harmoniosa e articulada, atribuindo também aqui, um papel de grande importância ao MªPº. Por um lado, o MºPº garante que se faça a articulação necessária entre a LPP e a LTE e os Processos Tutelares Cíveis, através do regime das apensações, requerendo-as, para que nos termos dos artigos 81º da LPP e 148º da OTM, as decisões se conjuguem e se harmonizem entre si, tendo em conta o interesse superior da criança. Por outro lado, o MºPº ao actuar junto das Comissões e dos Tribunais é o garante da legalidade e da segurança jurídica, pois nos termos do nº2 do art. 72º da LPP, aprecia a


legalidade e a adequação das decisões das Comissões e nos termos do art. 123º da LPP, tem legitimidade para recorrer de todas as decisões judiciais que definitiva ou provisoriamente apliquem, alterem ou façam cessar medidas de promoção e protecção. Podemos dizer, que o novo quadro legal, ao dar mais competências ao MºPª, uma vez que tudo passa pelo crivo do MºPº, trouxe-lhe responsabilidades acrescidas, exigindolhe uma participação activa na defesa e promoção dos direitos das crianças e dos jovens. É minha convicção, que esta área de grande intervenção social, é por excelência, a área em que os Magistrados do MºPº, sentem e vivem mais intensamente e com maior humanismo, a sua vocação histórica de defesa dos direitos das crianças e jovens. Espero que a PGR invista fortemente nesta área que tanto prestigia o MºPº, dando aos seus Magistrados as condições necessárias, para que possam responder em tempo útil, com a eficácia e a qualidade desejadas, a todas as situações que exijam a sua intervenção. O M.º P.º é o interlocutor privilegiado das técnicas, quer quando tem a iniciativa de requerer o PJPP, quer durante a instrução, quer na decisão negociada, quer no debate judicial, quer na execução da medida. É frequente haver contactos telefónicos, quer das técnicas com o Magistrado do MºPº titular do processo, quer deste com as técnicas. È com base nos relatórios das técnicas e nos seus esclarecimentos e depoimentos, que o MºPº assenta boa parte do seu trabalho na defesa dos direitos das crianças. È frequente haver contactos telefónicos, quer das CPCJ com o Magistrado do MºPº, quer deste com as CPCJ e haver também a presença /participação do MºPº nas reuniões das CPCJ, quer nas reuniões da Comissão restrita, quer nas da Comissão alargada ou participar em outras iniciativas das CPCJ, nomeadamente reuniões com as escolas e outras . Sobre a intervenção do MºPº nas Comissões de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens, ao abrigo do disposto no art. 72º, nº2, da LPP permitam que recorde aqui duas Circulares da PGR sobre esta matéria, a circular nº 01/01, de 25.01, e a circular 3/06 de 17.01.


4- PAPEL DO TRIBUNAL NA DEFESA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS QUANDO A FAMÍLIA ESTÁ AUSENTE Nos termos do art. 101º, nº 1 da LPP compete ao Tribunal de Família e Menores a instrução e o julgamento do processo. E nos termos do seu nº2 fora das áreas abrangida pelos TFMenores cabe ao tribunal da respectiva comarca conhecer das causas que àquele estão atribuídas. Será que na sua actuação, o Juiz está limitada aos princípios do C. P. civil, nomeadamente ao princípio do dispositivo, ou será que o Tribunal pode e deve intervir, tendo um papel activo na defesa dos direitos das crianças e jovens em perigo ? Não podemos esquecer que os PJPP são processos de jurisdição voluntária - art. 100º, da LPP - e que nos termos do art. 1409º, nº2, do CPC, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas provas que o juiz considere necessárias.

E o disposto no art. 1410º do CPC segundo o qual:” nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, e o disposto no nº1, do art.º 1411º, segundo o qual:” nos processos de jurisdição voluntária as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstancias supervenientes que justifiquem a alteração”. Constata - se assim que o Juiz pode e deve determinar todas as diligencias que repute necessárias para formar a sua convicção e poder decidir, sem estar a aguardar serenamente que as mesmas lhe sejam requeridas Tanto mais que o art. 101º da LPP estabelece que compete ao tribunal de família e menores a instrução e o julgamento do processo. Nesta matéria, sem invadirmos a área de competência própria do tribunal, actuando cada um no âmbito das suas atribuições e competências, afigura-se-nos que há uma grande complementaridade, pois a actuação de todos os intervenientes visa acautelar sempre o interesse superior da criança e do jovem e todas as decisões sejam de natureza administrativa, sejam de natureza judicial têm de se pautar sempre pelo critério da defesa do interesse superior da criança, como determina o art. 3º da C.D.Criança, e o art. 4º al. a) da LPP.

5 – A pedido da Comissão Organizadora deste Seminário passo agora analisar convosco dois casos que tivemos no Tribunal: PPP 1254704.3 e PPP 2228/03.2 PARA CONCLUIR DIRIA QUE QUANDO A FAMÍLIA ESTÁ AUSENTE A defesa dos direitos e interesses das crianças e jovens exige do Estado, políticas sociais integradas para a área da família, da infância e juventude, com uma Segurança Social e CPCJ activas e intervenientes, dotadas de meios técnicos, financeiros e humanos, estes a tempo inteiro e com formação adequada e uma sociedade civil, esclarecida, motivada e interveniente, na defesa dos direitos das crianças e dos jovens em perigo.


Há necessidade de trabalhar em rede, conjugando e articulando respostas em tempo útil por parte do Estado e da sociedade civil, - das entidades com competência em matéria de infância e juventude, das Comissões, da Comissão Nacional, do MºP, das equipas técnicas, dos profissionais da saúde e educação, dos Tribunais, respostas estas que terão de ser eficazes, quer em termos quantitativos, quer qualitativos, promovendo-se os direitos e protegendo-se as crianças, construindo-se assim, uma sociedade mais livre, justa e fraterna. Muito obrigado pela vossa atenção Estoril, 12.05.06


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