A Mediação na Adolescência Resolução ou Prevenção? Bruno Caldeira Mediador de Conflitos; Presidente da Associação de Mediadores de Conflitos
Muito se tem escrito sobre Família, facto que se deve aos diferentes ângulos de análise que se podem adoptar quando se estuda a sua estrutura e os fenómenos que ocorrem no seu seio. Pode-se considerar que esta realidade inclui muitos elementos, ou que se restringe à família nuclear, pode ser encarada como um sistema aberto ou fechado, estático ou dinâmico. Do ponto de vista jurídico e sociológico a família é a célula da organização social, embora a sua composição típica varie de acordo com as culturas e épocas, sendo ela a primeira e principal transmissora de padrões fundamentais de socialização. Minuchin (1982, cit. por Moraes Rocha (coord.) 2005), sugere uma definição de família como uma organização de sub-sistemas sujeitos a transições funcionais evolutivas (ciclo vital) que implicam a definição de limites e hierarquias, alianças e distanciamentos e, por vezes, coligações. Assim, a família surge como a maior fonte de conflitos, resultantes dos próprios relacionamentos e das vivências diárias. Este facto ajuda a explicar o porquê da implementação e desenvolvimento da Mediação Familiar, que é utilizada por vários sistemas jurídicos como alternativa para auxiliar as famílias a resolver os seus problemas. Sendo a Mediação Familiar essencialmente utilizada em processos de divórcio, com a consequente regulação de poder paternal, visitas e questões de divisão de bens é, no entanto, possível utilizar a filosofia e as técnicas da Mediação de forma a enfrentar outro tipo de problemas familiares. Entre eles incluem-se os inerentes a uma fase vivida normalmente com grande agitação e conflitualidade: a adolescência. Habitualmente ouvimos as pessoas referirem-se esta “agitação” como “crise de adolescência”, embora, de forma mais correcta, esta deva ser descrita como período evolutivo, de mudança. A adolescência situa-se entre duas eras do estatuto social do ser humano: por um lado a da dependência e
protectorado e, por outro, a da autonomia e independência. Durante este período o adolescente vive uma série de conflitos intra-psíquicos que, quando ultrapassados, permitem o florescimento da sua personalidade e a abertura relacional estável para o mundo social. Completando o seu desenvolvimento psicoafectivo, a identidade assumida possibilita a separação definitiva dos modelos formadores, o investimento em novos objectos e o rumo para outros objectivos, mais pessoais. Quando o adulto se confronta com o adolescente depara-se com os seus próprios sonhos concretizados ou desfeitos, as suas potencialidades, realizadas ou não, o balanço do que fez e não fez. Da qualidade e quantidade de satisfação que a vida lhe proporcionou e proporciona, da forma como aceitou ou não a frustração e como ultrapassou ou cedeu à inveja, vai, em grande medida, resultar o modo como se relacionará com a geração que lhe sucede. Do conflito que poderá resultar daquilo a que comumente se refere como “crise de gerações” resulta, habitualmente, a ausência de diálogo e a minimização da existência e a natureza de uma tensão que poderia ser produtiva se assumida. A resposta habitual é, no entanto, uma habitual tentativa de concertação apressada, que não respeita os novos objectivos do adolescente. O jovem, não compreendido, desconcerta-se, revoltando-se ou adoecendo, provocando conflitos não só com as pessoas que o rodeiam, mas também com as instituições em que está inserido (nomeadamente, a escola) (Matos, 2002). Para que tal não aconteça, e como referimos anteriormente, há que assumir a tensão existente, tranformando-a numa força de evolução e crescimento. Este é um dos conceitos básicos da Mediação: encarar o conflito como fazendo parte do dia a dia e como oportunidade de transformação. Uma das definições de conflito que nos parece ser uma boa base de trabalho é a apresentada por Juan Carlos Vezzulla (2003): “Duas individualidades confundidas
pelas próprias limitações intra-psíquicas, que se enfrentam por posições incompatíveis, determinadas pelo desejo de poder mais do que o outro, estruturadas numa posição defensiva cheia de preconceitos, que confunde mais do que esclarece os próprios interesses”. Outro dos aspectos fundamentais a ter em conta quando falamos de Mediação relaciona-se com os princípios da comunicação. Muitas vezes surgem conflitos que não passam de falhas no processo de comunicação, quer ao nível do emissor, quer ao nível do receptor, sendo por isso importante clarificar o modelo de comunicação que cada um dos interlocutores utiliza, de forma a que se possam entender. No entanto, para que o entendimento possa existir, o essencial é escutar com atenção. Existe o hábito muito enraizado de acharmos que já ouvimos uma mensagem, mesmo antes de ela ser totalmente transmitida. Um adolescente que chega a casa e diga “Hoje fui chamado ao Conseho Executivo...” poderá obter uma resposta do género: “O que é que fizeste? (em tom agressivo) antes de poder concluir a mensagem: “... para me convidarem para ajudar num projecto novo!”. O receptor pensa conhecer quais os desejos e o discurso do outro, baseando-se muito mais nas suas percepções, medos e preconceitos do que na escuta do seu interlocutor. Muitas vezes, isso leva-o a interromper o outro, a completar as suas mensagens, o que poderá implicar um sentimento de desrespeito, de que “não quer (ou não tem interesse em) ouvir” o que temos para dizer, potenciando a situação conflitiva. Para além dos aspectos relacionados com a comunicação, outros aspectos da teoria geral da Mediação de Conflitos, bem como os seus benefícios, fazem sentido quando pensamos em conflitos envolvendo adolescentes. Uma vez que é um processo não adversarial e consensual, a mediação pode resolver conflitos sem destruir uma relação importante que, eventualmente, exista entre as partes. Não sendo orientada por regras e definições legais e/ou formais, a Mediação pode proporcionar soluções criativas e integrativas que permitam um maior grau de
satisfação às partes envolvidas. Para além disso, como a solução é conseguida pelos próprios, a Mediação tem uma função pedagógica para os intervenientes no que respeita à autonomia e à responsabilidade (Bush, 1991). São todos estes aspectos que nos levam a acreditar que a Mediação pode ser um instrumento importante para uma pacificação das relações entre as pessoas, partindo de uma base de respeito e de comunicação aberta. Mas para isso é necessário criar projectos que permitam tornar acessível às pessoas esta forma diferente de encarar o conflito. Relativamente aos adolescentes, este acesso poderá ser efeito através da instituição escolar, até porque, como referimos anteriormente, é muitas vezes aí que se manifestam situações conflitivas, reflexo da incompreensão recíproca entre os diferentes elementos da comunidade escolar. O ambiente emocional que se vive em contexto escolar é uma condicionante para o papel que todos os intervenientes devem desempenhar. A Direcção, os docentes, o pessoal auxiliar e administrativo, os estudantes e os pais não podem alhear-se da construção do ambiente escolar nas suas diversas responsabilidades. Com um programa de Mediação Escolar permite-se que todos os componentes da comunidade educativa possam intervir, sendo ouvidos para uma mudança de cultura e de hábitos de resolução de conflitos e, posteriormente, possuindo as ferramentas necessárias para resolver os seus conflitos da forma que for mais benéfica para todos. É convicção de alguns autores que a incapacidade da família e da escola em lidar com os jovens é a principal fonte geradora da delinquência juvenil. A falta de acompanhamento e supervisão pela escola gera comportamentos distantes dos que devem exprimir a realidade de ser criança e de ser jovem. Assim, o facto de o papel da escola nem sempre ser cumprido tem como consequência dificuldades de aprendizagem e de integração social pelo jovem. Embora este seja um modelo de intervenção aplicado com razoável sucesso, é
nossa convicção que é possível potenciá-lo através de uma nova abordagem à família, ou ao contexto familiar, que utilize os conceitos e os objectivos da Mediação de uma forma preventiva e não resolutiva. Proporcionar ao adolescente as ferramentas em contexto escolar, não dando oportunidade aos pais, irmãos ou outros familiares que com ele convivem de poderem ter, eles próprios, conhecimentos sobre esta nova forma de comunicação poderá, na nossa perspectiva, potenciar situações conflitivas. O desafio com que nos deparamos é criar estratégias para, de forma integrada com as instituições que trabalham com as famílias, fomentar aquilo que o antigo Secretário Geral da UNESCO, Federico Mayor Zaragoza, tão bem expôs: “... Ensinamos aos nossos filhos a história do poder, não do saber (...) Sim, temos de aprender a pagar o preço da paz, como tivemos que pagar o preço da guerra. É necessário estabelecer novas prioridades”. É este um dos nossos objectivos e esperamos poder envolver cada vez mais pessoas na sua prossecussão. ReferÊNcias BibliogrÁFicas
- Bush, R. A. B. (1991). Mediation Involving Juveniles: Ethical Dilemmas and Policy Questions. - Coimbra de Matos, A. (2002). Adolescência: O triunfo do pensamento e a descoberta do amor. Climepsi Editores. Lisboa. - Moraes Rocha, J. L. (Coord.) (2005). Entre a Reclusão e a Liberdade Volume I: Estudos Penitenciários. Livraria Almedina. Coimbra. - Vezzulla, J. C. (2003). Mediação: Teoria e Prática e Guia para utilizadores e profissionais. Ministério da Justiça Direcção Geral da Administração Extrajudicial.