“Nas prisões de todo o mundo, a epidemia pelo VIH apresenta um grande desafio. A prevalência pelo VIH nas prisões é de longe mais alta do que na comunidade em geral e as prisões um local de alto risco para a transmissão pelo VIH.”
Num estudo realizado pelo King’s College em 2008 intitulado “World Prison Population List”, existiam mais de 10 milhões de pessoas detidas em centros de detenção por todo o mundo, e mais de metade estão em prisão preventiva. Considerando a grande rotatividade da população prisional, mais de 30 milhões de pessoas são presos anualmente.
As taxas de infeção pelo VIH, tuberculose e hepatite C e B entre os reclusos são, na maioria dos países, significativamente mais elevadas do que as da população em geral. A infeção pelo VIH, a hepatite, a tuberculose (TB) e as infeções sexualmente transmissíveis (ISTs) são ameaças significativas à saúde dos presos, dos guardas prisionais e dos seus familiares. Surtos de infeção pelo VIH ocorreram numa série de sistemas prisionais, o que demonstra a rapidez com que o VIH se pode espalhar na prisão, a menos que se tomem medidas efetivas para prevenir a transmissão.
Estas infeções são importantes desafios não só para os serviços prisionais como para as autoridades de saúde pública e respetivos governos. Entre os presos, o ônus da infeção pelo VIH, hepatites virais, tuberculose (TB) e infeções sexualmente transmissíveis (ISTs) é alto, devido a comportamentos de risco, antes e durante o encarceramento. Comportamentos de risco podem incluir coerção sexual, a continuação e/ou o início do uso de drogas injetáveis, práticas médicas inseguras, e, no caso da tuberculose, fatores ambientais como a fraca ventilação e a superlotação.
Os grupos mais vulneráveis ao VIH são aqueles que apresentam mais risco de serem detidos. As condições sociais e económicas assim como as violações aos direitos humanos aumentam a vulnerabilidade ao VIH e, também, aumentam a vulnerabilidade à prisão. Como resultado, as populações com as maiores taxas de infeção pelo VIH estão desproporcionalmente representados dentro das prisões. Por exemplo, em países onde a prevalência do uso de drogas injetáveis é elevado na comunidade, a prevalência de utilizadores de drogas injetáveis em prisões será alta. Sempre que mais pessoas contraírem a infeção antes de detidos, os riscos de se ser infetado nas prisões continuarão a ser importantes.
Políticas eficazes para prevenir infeções de VIH e hepatite dentro das prisões são muitas vezes dificultadas pela negação da existência dos fatores que contribuem para a sua propagação, tais como a disponibilidade de drogas
ilícitas; atividades sexuais; a falta de proteção para os reclusos mais jovens, para as mulheres e para os mais fracos, corrupção; e a precaridade da gestão do sistema prisional. Os programas de prevenção que têm vindo a ser aplicados na redução da transmissão pelo VIH estão raramente disponíveis em ambiente prisional e muitos detidos portadores de VIH não querem ter acesso ao tratamento antirretroviral. Em muitas partes do globo as condições das prisões estão longe de ser as ideais e os presos infetados pelo VIH não recebem o básico dos básicos em termos de condições de saúde e de alimentação. Para além de tudo isto, o teste ao VIH é imposto em alguns países, violando os direitos humanos. Estas questões não estão confinadas à população prisional masculina pois por causa do número elevado de utilizadores de drogas injetáveis (UDI´s) dentro das prisões, as mulheres detidas têm vindo a ser severamente afetadas pelo VIH e pela SIDA.
A PREVALÊNCIA DO VIH NAS PRISÕES PELO MUNDO O número de reclusos que vivem com o VIH e ou com SIDA varia entre países. Em Portugal, os vários estudos efetuados mostram, de forma consistente, taxas de prevalência do VIH entre 8% e 9%, quase seis vezes mais altas do que na população em geral e sem tendência para diminuir.
Estudos realizados nas prisões brasileiras e na Argentina revelam uma alta prevalência de VIH, uma média de 3.2 a 20% no Brasil e de 4 a 10% na Argentina. A média da prevalência para alguns países da Africa Subsaariana também é elevada, uma estimativa de 41.4% de reclusos na África do Sul estão infetados pelo VIH. Como dissemos, a prevalência do VIH num país reflete as prevalências nas prisões e a África do Sul, onde a prevalência do VIH na população em geral é estimada em 17.8%, tem uma percentagem alta de pessoas detidas infetadas pelo VIH. Na Europa, muitos dos países de leste têm uma alta prevalência de VIH entre a comunidade prisional. Em 2010 estimava-se que 55.000 dos 846.000 prisioneiros russos, estavam infetados com o VIH. Na Estónia, 4 estudos revelaram que a prevalência do VIH entre as prisões variava entre os 8.8 e os 23.9% contrastando com a Inglaterra que em 1997/8 revelou uma prevalência mais baixa de 0.3% nos homens e 1% nas mulheres.
POR QUE RAZÃO EXISTE UMA ALTA PREVALÊNCIA NAS PRISÕES?
Utilizadores de drogas injetáveis (UDIs) e reclusos são populações que estão muito interligadas, pois muitos UDIs passam ou passaram, em algum momento das suas vidas, pelo sistema prisional por causa de problemas relacionados com os consumos. Na ausência de medidas preventivas no âmbito do VIH dentro das prisões, a exposição ao risco torna-se maior entre os reclusos.
COMO É QUE O VIH SE TRANSMITE NAS PRISÕES?
Por ser difícil aos investigadores terem acesso às pessoas que estão detidas, há pouca documentação que sustente a transmissão do VIH dentro das prisões. No entanto, isso não significa que o VIH não seja um risco para a população prisional.
“As condições nas prisões são muitas vezes locais ideais para a propagação da infeção pelo VIH. Estão frequentemente lotadas e normalmente funcionam à base da violência e do medo. A tensão é muita, principalmente, a tensão sexual. O consumo de drogas e o sexo, são muitas vezes, a maneira encontrada para libertar essa tensão e esquecer aquela vida.”
UNAIDS
As condições das prisões em muitos países não cumprem os requisitos mínimos estabelecidos pelas normas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, bem como outras normas internacionais e regionais. A falta de espaço adequado, de água potável e de uma boa nutrição, saneamento precário, falta de luz natural e de ar fresco são características de muitas prisões em todo o mundo. Muitos desses fatores aumentam tanto as probabilidades de alguém se infetar tanto pelo VIH como pela tuberculose.
A taxa de prevalência da tuberculose nas prisões é, também, sempre mais alta do que na população em geral. Tal como referido anteriormente, as más condições de vida desempenham um papel importante no risco de transmissões e esta situação coloca os reclusos com VIH em risco particular. A co-infecção com VIH e TB requer atenção especial, especialmente com o aumento da prevalência das tuberculoses multirresistentes (MDR-TB) e extensivamente resistentes (XDR-TB).
- UTILIZADORES DE DROGAS INJETÁVEIS (UDIs)
A partilha do mesmo material de uso representa um caminho certeiro para a transmissão da infeção pelo VIH. Onde há um grande número de reclusos utilizadores de drogas injetáveis há um elevado risco de transmissão pelo VIH. Dentro das prisões é difícil conseguir material esterilizado para consumo, possuir seringas já é considerado, muitas vezes, crime e, por isso, os UDIs partilham o mesmo material. Num estudo realizado com reclusos utilizadores de drogas injetáveis infetados pelo VIH na Inglaterra em 1997/8, 75% dos adultos homens e 69% das mulheres tinham partilhado seringas dentro das prisões.
Os UDI´s talvez possam estar alerta dos riscos que correm partilhando o mesmo material de consumo, no enanto, se uma seringa nova não estiver disponível no momento, podem muito bem, correr o risco. Um sem número de estudos conclui que os UDIs têm uma maior probabilidade de partilharem material de consumo dentro das prisões do que fora delas. Na Republica da Irlanda, 70.5% dos UDIs inquiridos revelaram ter partilhado o
mesmo material enquanto estiveram detidos contrastando com os 45.7% que dizem não o ter feito no mês anterior a terem sido presos.
- TRANSMISSÃO SEXUAL
Uma das principais vias de transmissão pelo VIH é através de sexo não protegido. Em muitas prisões o sexo consentido é muito comum entre reclusos mesmo que isso vá contra as normas de alguns estabelecimentos prisionais. É difícil determinar em que medida tais atividades ocorrem, dado que os envolvidos se arriscam a ser punidos se denunciados aos outros detidos ou aos guardas prisionais. Como tal, a maioria dos casos não são reportados. Sexo não consentido também é comum acontecer. No âmbito da prevenção do VIH tem-se apelado a reformas penais para punir a violência sexual como medida urgente para reduzir novas infeções.
Uma serie de fatores contribui para o aumento do risco da transmissão do VIH através de relações sexuais na prisão:
- Indisponibilidade de preservativos, que se usados consistentes e corretamente podem evitar a transmissão pelo VIH e que, muitas vezes, são contrabandeados nas prisões. Um estudo sobre a transmissão pelo VIH entre reclusos masculinos na Geórgia nos EUA, revelou que só 30% dos que reportaram ter tido sexo consentido, usaram preservativo. - A violência que muitas vezes caracteriza o sexo não consentido pode causar fissuras e sangramento o que faz aumentar o risco da transmissão da infeção pelo VIH. A violação ou estupro dentro das prisões é raramente reportado, mas um estudo realizado nos EUA estima que 16% dos presos do sexo masculino foram pressionados ou forçados a ter contactos sexuais. Em 2003, também neste país, estimava-se que mais de um milhão de detidos fora vítima de violência sexual nos últimos anos. - A TATUAGEM
Apesar de ser ilegal na maioria das prisões, a tatuagem continua a ser uma prática muito comum entre a comunidade reclusa. Geralmente, está associada ao desejo de pertença a um determinado grupo ou então pode resultar da pressão dos pares ou, simplesmente, do tédio que assola esta população. Aqueles que praticam a tatuagem tendem a não ter material adequado, isto é, esterilizado, colocando o outro em risco de infeção. No entanto, em 2007, um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) concluiu serem apenas alguns os casos relatados de transmissão de VIH por esta via, através de material contaminado. - A VIOLÊNCIA
Brigas e assaltos são comuns nas prisões e implicam um risco de infeção pelo VIH se as pessoas estiverem expostas a sangue contaminado e a fluidos corporais. Embora a transmissão por esta via seja rara, o risco pode estar presente e pode ser potenciada por diversos fatores que contribuem para o aumento dos níveis de violência, tal como a sobrelotação das celas.
O VIH NAS PRISÕES
Apesar do elevado risco de transmissão pelo VIH dentro das prisões, os programas de prevenção, muitas vezes, não chegam aos presos. Alguns temem que estes programas estimulem comportamentos ilegais ou indesejáveis. No entanto, os reclusos têm os mesmos direitos humanos que qualquer outra pessoa não encarcerada e isso, inclui, proteção de qualquer infeção transmissível.
As ações de prevenção que se seguem foram testadas dentro das prisões e a maioria dela com resultados positivos:
- EDUCAÇÃO
Educar as pessoas para o VIH pode ajudar a prevenir novas infeções e melhorar a qualidade de vida das mesmas, ajudando-as a minimizar o impacto do estigma e da discriminação. A educação é, geralmente, considerada como uma componente essencial da prevenção.
Educação para o VIH nas prisões é um dos métodos menos polémicos de prevenção. Devido ao elevado risco de transmissão pelo VIH dentro das prisões e fora delas, uma vez, libertos, torna-se essencial, para os reclusos receberem informação sobre o VIH. Muitos presos integram uma franja da sociedade de difícil acesso aos programas de prevenção e assim as prisões tornam-se locais privilegiados para chegar até eles. A OMS recomenda: “ os presos e os funcionários dos serviços prisionais devem ter informações sobre o VIH, com especial referência aos riscos prováveis de transmissão dentro deste ambiente e às necessidades dos reclusos depois de soltos.”
Por todo o mundo, os reclusos não recebem um adequado nível de educação para o VIH. No Reino Unido, um estudo revelou que mais de metade das autoridades de saúde das prisões, estavam insatisfeitos com os níveis educacionais sobre o VIH e com o material disponível para a deteção da hepatite. Numa prisão da Califórnia, ex-reclusos relataram que não receberam educação para o VIH enquanto estavam detidos.
No entanto, a informação não é suficiente para reduzir a transmissão pelo VIH nas prisões é, também, necessário a introdução dos preservativos nas cadeias e chegar até elas o programa de troca de seringas, porque, embora, a
educação possa proporcionar aos reclusos maiores conhecimentos sobre esta infeção, muitas vezes, os recursos, não existem quando são precisos. A educação é uma parte da prevenção para o VIH outros métodos complementares são necessários.
- PROGRAMAS DE REDUÇÃO DE RISCOS E MINIMIZAÇÃO DE DANOS
Estes programas visam reduzir os riscos e minimizar os danos causados pelo uso de drogas injetáveis sem condenar ou proibir o uso das mesmas. Estes programas que incluem troca de seringas, terapias de substituição e fornecimento de lixívia, para a desinfeção de objetos cortantes não estão amplamente disponíveis dentro das prisões.
TROCA DE SERINGAS
A troca de seringas proporciona o acesso a seringas limpas de modo a reduzir os consumos injetados com material contaminado. O Departamento Europeu da OMS recomenda que, sempre que os reclusos estejam disponíveis, os programas de trocas de seringas devem ser introduzidos nas prisões, independentemente da prevalência do VIH. Em 1992, a Suíça foi o primeiro país a distribuir seringas aos reclusos através do médico da prisão.
Atualmente, o programa de troca de seringas já acontece em algumas prisões, geralmente, é colocado num local discreto uma máquina de distribuição. Países que implementaram com sucesso esses programas, incluem a Alemanha, Espanha, Moldávia e o Quirguizistão. Uma revisão aos programas detetou não ter encontrado nenhuma consequência negativa inesperada, tais como, o aumento de consumos ou a utilização das seringas como armas. Para além disso, estes programas levaram a uma redução significativa do número de utilizadores de drogas injetáveis que partilham o mesmo material de consumo. Quinze anos depois da Suíça, Portugal cria a lei n.º 3/2007 de 16 de Janeiro, onde nasce o “Programa Especifico de Trocas de Seringas em Meio Prisional” com o objetivo de evitar a contaminação e propagação de doenças infectocontagiosas dentro dos Estabelecimentos Prisionais. “Portugal tornava-se assim no único país do mundo onde este tipo de Programa tinha sido implementado sem que nenhuma seringa tivesse sido sequer entregue.” Conforme refere Carla Torres, membro do Conselho Consultivo do GAT. “No início de 2009, volvidos mais de doze meses após a implementação do Programa português nos dois estabelecimentos prisionais selecionados (Lisboa e Paços de Ferreira), em resposta à Lei que fora aprovada, foram produzidos os relatórios de avaliação pelas comissões locais, as quais integravam técnicos do Instituto da Droga e da Toxicodependência, da Coordenação Nacional para a Infeção VIH/sida, dos próprios estabelecimentos prisionais, entre outros. Nada foi feito após identificação pelos técnicos de
algumas das barreiras conducentes ao fracasso deste Programa – algumas delas, aliás, amplamente reconhecidas antes mesmo do Programa ser iniciado.” A reforçar a dificuldade da implementação deste programa em Portugal, encontramos nas palavras do Presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional o seguinte: «O programa não pode ser salvo porque não houve qualquer resultado e qualquer efeito útil. O senhor presidente do Instituto da Droga quer a todo o custo implementar um programa de troca de seringas no sistema prisional quando ele na sociedade civil teve o resultado que teve», explicou Jorge Alves. Para este sindicalista, os responsáveis do Instituto da Droga não querem admitir que os reclusos são cada vez mais jovens e que o haxixe, a droga mais apreendida nas prisões, não é injetada. «O que é preciso são outras condições para os reclusos cumprirem as suas penas e não de seringas para consumirem mais droga do que a que já têm no meio prisional», concluiu. O que foi esquecido, entretanto: O relatório, da Provedoria de Justiça, sobre o sistema prisional, publicado em 1996, dava conta da situação profundamente preocupante relativa à incidência de doenças infecto-contagiosas entre os reclusos nos estabelecimentos prisionais em Portugal. Entre outras questões abordadas, este relatório dava bem conta da relação causa/efeito entre o consumo de drogas por via intravenosa e o alastramento de doenças como a infeção pelo VIH entre os reclusos, devido à prática comum de partilha de seringas. Com vista à tomada de medidas urgentes e certeiras para fazer face à situação dramática detetada nas prisões, o Senhor Provedor de Justiça recomendava no relatório de 1996 que a Direcção Geral dos Serviços Prisionais proceda à realização de estudos de viabilidade de introdução nos estabelecimentos prisionais de sistemas de troca de seringas que reduzam os riscos de infeção em meio prisional. Ainda em 2006, esse programa de troca de seringas em meio prisional não tinha sido estudado e consequentemente não tinha sido implementado, apesar de o Plano de Ação Nacional de Luta Contra a Droga e a Toxicodependência horizonte 2004, publicado em 2001, ter previsto promover o estudo para a possível instalação, a título experimental, de programas de troca de seringas ou de consumo asséptico em alguns estabelecimentos prisionais. Desde então, os sucessivos relatórios da Provedoria de Justiça sobre o estado das nossas prisões têm insistido naquela recomendação. No último relatório disponível, de 2003, a mesma é retomada, já sob a forma de apelo: “Nestes termos, apelo a Vossa Excelência para que, num mínimo que me parece ser efetivamente exigível, promova a realização participada de estudos sobre a introdução de programas de troca de seringas ou de salas de injeção assistida em meio prisional. Entretanto, houve outros estudos que foram dando conta de mais detalhes sobre o consumo de drogas em meio prisional, concluindo da larga percentagem de população reclusa que se droga nas prisões e, em grande número, por via intravenosa, assumindo, muitos dos reclusos que fizeram parte dos estudos que partilham seringas. Assim concluí um estudo de Anália Torres e Maria do Carmo Gomes, sobre Drogas e Prisões em Portugal, publicado em 2002. Também o Estudo de Avaliação do Programa de Seringas: diz não a uma seringa em segunda mão, encomendado pela Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA, afirma que se este programa de troca de
seringas tivesse sido implementado nas prisões ter-se-iam evitado, entre 1993 e 2001 pelo menos 638 contaminações.
FORNECIMENTO DE LIXIVIA
Disponibilizar lixivia os UDIs para limparem o equipamento de injeção é uma estratégia utilizada, essencialmente, nos meios prisionais. Este método preventivo, no entanto, não é considerado muito efetivo. A OMS sugere que a lixivia só seja utilizada em ambientes ou meios prisionais se e quando, devido aos medos e à hostilidade dos vários membros da comunidade prisional ou das autoridades, for impossível de implementar um programa de troca de seringas.
TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO
A terapia de substituição de drogas é outra abordagem de reduzir e minimizar os danos e que é implementado tanto dentro da comunidade em geral como nas prisões. O objetivo é o de reduzir o consumo da heroína fornecendo um substituto, como a metadona ou a buprenorfina. Na Inglaterra e País de Gales em 2005, a terapia de manutenção foi utilizada por 43% das prisões. Crescem evidências através das prisões que aderiram a este esquema, da diminuição dos consumos entre aqueles que toma metadona. Na maioria dos países desenvolvidos alguns programas de tratamento de dependências são utilizados embora muitos ainda permaneçam inadequados.
“As prisões precisam de programas de troca de seringas. Há uma grande quantidade de pessoas que quando entram nunca consumiram antes de tornam-se dependentes, cá dentro. As pessoas tornam-se altamente dependentes cá dentro, muitas saem infetadas com o VIH e ou com Hepatite C. eu conheci um jovem que apanhou 16 meses, tornouse dependente de drogas cá dentro e contraiu o VIH. Acabou por se enforcar na sua cela. Se eles tivessem programas de trocas de seringas há mais tempo implementado teria poupado a vida a muitas pessoas. Tantas pessoas que já se infetaram por causa de agulhas usadas.”
Ex-recluso, Halifax, Nova Scotia
Luís Fernandes, num artigo intitulado “O QUE A DROGA FEZ À PRISÃO - Um percurso a partir das terapias de substituição opiácea” procurou sintetizar alguns dos principais resultados duma investigação, levada a cabo entre Julho de 2007 e Julho de 2008, acerca das terapias de substituição opiácea no sistema prisional português. Teve origem na solicitação que o GAT – Grupo de Ativistas sobre Tratamentos VIH-Sida – fez ao Centro de Ciências do Comportamento Desviante (CCCD) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto para conduzir a parte portuguesa dum projeto de âmbito europeu denominado AGIS (Reduction of Drug-related Crime in
Prison: the impact of opioid substitution treatment on the manageability of opioid dependent prisoners) – promovido e coordenado pelo WIAD (Instituto Científico da Associação Médica Alemã) e pela Universidade de Bremen, contou com parceria de instituições dos sete países da União Europeia sobre os quais incidiu o estudo: Áustria, Inglaterra, Alemanha, Itália, Portugal, Eslovénia e Espanha. Apoiado pela Comissão Europeia, este estudo teve como principal objetivo investigar os efeitos dos tratamentos de substituição no contexto prisional, procurando analisar o impacto destes na gestão e controle dos reclusos utilizadores de opiáceos e no próprio ambiente prisional. Dado que a informação recolhida em cada um dos países participantes foi tratada em conjunto, o GAT e o CCCD julgaram ser útil um relatório sobre a situação portuguesa. O documento assim resultante foi objeto de publicação pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência, assegurando deste modo uma difusão apropriada junto dos potenciais públicos-alvo.
Publicamos, aqui alguns dos resultados e citações:
(…) Até final dos anos 90, as medidas adotadas em contexto prisional centravam-se exclusivamente nos tratamentos livres de drogas. Contudo, mais uma vez, constatamos que a prisão se mostra em continuidade com os problemas vividos cá fora, e os tratamentos baseados no modelo da abstinência, postos em prática nas alas livres de drogas, não apresentavam resultados satisfatórios. Como constatava a Comissão para a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, no relatório que elaborou em 1998: “Verificava-se, entretanto, que muitos dos toxicodependentes frequentemente abandonavam ou eram expulsos destas alas, ou não procuravam este tratamento, continuando a neles registar-se uma gradual deterioração física, psicológica e social e a eventual prática de comportamentos de risco” (Grupo de trabalho Justiça/Saúde, 2006). A metadona apareceria então como um expediente para contornar esta situação: “A instalação em três estabelecimentos prisionais (Lisboa, Porto e Tires), no ano de 1999, de programas de substituição opiácea (metadona) permitiu uma nova abordagem terapêutica, particularmente de reclusos em várias tentativas falhadas de tratamentos e com graves problemas de saúde” (Grupo de trabalho Justiça/Saúde, 2006).
- Impactos do tratamento de substituição nos reclusos:
Aos reclusos foi pedido que se pronunciassem sobre os impactos dos tratamentos de substituição a dois níveis: ao nível pessoal (nas suas práticas de consumo, nas suas motivações e capacidades, no seu estado de saúde) e ao nível do ambiente prisional em geral (situações relativas ao consumo e circulação de drogas no EP, ocorrência de comportamentos violentos entre reclusos e entre estes e os guardas prisionais). Os efeitos positivos do tratamento são sublinhados sobretudo no que respeita à diminuição dos consumos de drogas (67,9% dos reclusos considera que reduziram), mas também em relação às recaídas (57,5%).
A larga maioria dos inquiridos sublinha também os efeitos positivos do tratamento de substituição no seu estado de saúde quer físico, quer psicológico. 82,3% considera que o seu estado físico melhorou desde que iniciaram o programa de metadona na prisão e 77,2% reconhece efeitos positivos a nível da saúde mental.
- Impactos do tratamento de substituição no ambiente prisional:
Mostra que os reclusos sublinham em particular a diminuição na frequência do uso de drogas e também dos consumos por via intravenosa; referem a menor ocorrência de suicídios e tentativas de suicídio, e destacam a diminuição dos atos de violência sobretudo física, mas também psicológica, entre reclusos. Contudo, de acordo com os nossos entrevistados, o programa de substituição não parece ter trazido qualquer tipo de mudança assinalável ao nível dos atos de violência entre detidos e guardas, nem ao nível do tráfico de drogas no interior do respetivo estabelecimento prisional, o que não deixa de suscitar alguma perplexidade, sobretudo se tivermos em conta que a grande maioria considera que os consumos decresceram, logo seria de supor que a circulação de drogas na prisão tivesse igualmente decrescido.
- Impactos do tratamento de substituição nos técnicos:
Também o questionário dirigido aos técnicos incidiu largamente sobre os impactos das terapias de substituição no contexto prisional. Se é expressiva a percentagem de indivíduos que considera ter havido uma redução na frequência dos consumos, na utilização de drogas por via intravenosa e nas emergências relacionadas com drogas, o mesmo já não acontece no que diz respeito ao tráfico e à apreensão de substâncias e equipamentos/instrumentos de consumo. Quanto aos comportamentos violentos dentro da prisão, a maior parte do pessoal técnico considera que se verificou uma redução sobretudo ao nível da violência física entre reclusos (65,1%) mas também entre estes e os guardas prisionais (51,2%). Os efeitos positivos são menos notados no que diz respeito à violência psicológica, sobretudo no caso da violência psicológica entre reclusos e guardas2. Os efeitos positivos do tratamento de substituição na diminuição dos suicídios e tentativas de suicídio são também sublinhados. À semelhança do que constatámos para os reclusos, também a maioria dos técnicos avalia como positivos os efeitos do tratamento de substituição tanto no estado de saúde físico dos reclusos (79,1%) como no estado de saúde psicológico (81%). A propósito das questões de saúde sublinham sobretudo a diminuição no risco de contágio de doenças infeciosas e a influência positiva que o programa de metadona tem na toma de antirretrovirais e tuberculoestáticos3. Como refere um dos profissionais de saúde que entrevistámos “os reclusos são inseridos no programa de substituição para depois tomarem o resto da medicação”.
Impacto das terapias de substituição opiácea nas capacidades, motivações e comportamentos dos reclusos:
A perceção dos técnicos é positiva em relação a todos os itens considerados. Importa contudo referir que, no seu discurso, vários consideram que muitas destas melhorias se ficam também a dever a outros fatores que não exclusivamente a metadona, e sublinham o aumento da oferta formativa nos EP, os valores monetários que os detidos auferem por trabalhar ou integrarem cursos de formação e o próprio facto de muitos encararem estas atividades como “um passo a caminho da liberdade”, aumentando a possibilidade de obterem saídas precárias. Esta investigação mostra que as terapias de substituição com metadona são um recurso importante, tanto para a saúde e o bem-estar dos reclusos como para o clima prisional. Para uma boa parte dos detidos, potencia também as condições para fazer do período do cumprimento da pena um tempo útil para algum investimento na sua formação académica e/ou profissional. Estar em terapia de substituição potencia ainda a assiduidade a outros tratamentos e, em geral, a integração nos serviços clínicos. Em jeito de conclusão, o autor do documento termina, deste modo: “A diminuição da importância que parecem ter hoje, no meio prisional, os consumos por via intravenosa merece-nos um comentário final: mais uma vez, o meio carcerário reflete o meio livre, onde a via injetada parece estar em regressão. Tal constatação não deve servir, a nosso ver, para retirar importância às medidas de redução de riscos – porque, tal como diz o slogan, “cada novo caso (de infeção) é um caso a mais”. Por outro lado, a diminuição da importância, em meio livre, da via injetada não deve ser desligada dos resultados alcançados pela política de redução de riscos e minimização de danos, o que mostra a pertinência de a alargar ao meio prisional.”
- DISTRIBUIÇÃO DE PRESERVATIVOS
A OMS sugere que todas as prisões deveriam implementar um programa de distribuição de preservativos para prevenir a transmissão do VIH. Também recomenda que a distribuição de preservativos e outras medidas de fazer sexo seguro às reclusas femininas devido à frequência relatada de atividade sexual que existe entre reclusos e reclusos e os guardas prisionais.
Muitas prisões não oferecem preservativos aos presos e como a atividade sexual é proibida dentro das prisões acredita-se que a distribuição de preservativos perdoaria tal comportamento e levaria a aumento de maior atividade sexual. A maioria dos serviços prisionais do Reino Unido apenas oferece preservativos quando prescritos por um médico que deverá referir o artigo 74 sobre a Lei de Crimes Sexuais de 2003 que proíbe a atividade sexual em espaços públicos.
Algumas prisões distribuem e disponibilizam gratuitamente, normalmente, através de uma máquina própria colocada em local discreto. Esta solução tem sido, geralmente, aceite pela equipa e pelos próprios reclusos e muito
poucos problemas de segurança, como o tráfico de drogas, foram identificados. Não houve relatos de uma inversão da política instituída após a introdução de preservativos nas prisões. Os estudos que avaliaram o impacto de programas de distribuição de preservativos em locais onde a frequência de comportamentos de alto risco são elevados, como as prisões, são raros.
O estudo de Anália Torres e Maria do Carmo Gomes, de 2002, indica que o uso regular do preservativo é reduzido no meio prisional: cerca de metade dos reclusos não se protegem de modo sistemático dos riscos de transmissão por via sexual. Coloca-se, assim, dois tipos de questões: por um lado, é fundamental, apostar numa maior divulgação de informação em meio prisional dos riscos envolvidos na prática de relações sexuais desprotegidas. Por outro lado, é necessário colocar à disposição dos reclusos, de modo, fácil, prático e que não implique constrangimentos ou invasão da privacidade – meios de proteção.
- TESTES DE VIH NAS PRISÕES
O teste de VIH não é apenas importante para diagnosticar pessoas que desconhecem ainda o seu estatuto serológico, para lhes dar apoio, tratamento e cuidados de saúde como também representa uma oportunidade para identificarem aqueles que têm comportamentos de risco e oferece a oportunidade de prestar informações e aconselhamento.
Embora os serviços de testagem de VIH variem entre prisões, geralmente, enquadram-se numa das seguintes categorias: - Teste obrigatório, onde todos os reclusos são intimados a fazerem o teste; - Teste voluntário, onde o teste é oferecido e onde os reclusos decidem se o fazem ou não; - ou, a menos que os reclusos peçam para fazer o teste, não é sugerido ou imposto por ninguém. Apesar de a OMS acreditar que o teste obrigatório deva ser proibido, ainda assim, é um meio muito usado em muitas prisões. Em 2008, 24 estados dos EUA estou todos os presos para o VIH à entrada do estabelecimento prisional ou em algum momento da sua reclusão. Os serviços prisionais acreditam que há uma necessidade de identificar aqueles que estão infetados pelo VIH porque assim podem prestar tratamento e apoio adequado, protegendo, deste modo, outros reclusos e pessoal da prisão de se infetarem. No entanto, não há nenhuma evidência científica que sugira que este método é mais eficaz que outros. Algumas pessoas consideram este método uma violação aos direitos humanos, uma vez que retira o direito ao individuo de tomar a sua própria decisão.
Em 2009, o CDC publicou orientações para a aplicação do teste de VIH em ambientes prisionais. O documento defende o uso de “opt-out” aos testes, onde o preso é informado de que o teste de VIH será realizado a menos que ele recuse. Esta estratégia é pensada para aumentar o diagnóstico da infeção pelo VIH (potenciando o aumento de
diagnósticos precoces), para reduzir o estigma que está associado ao teste, para poupar recursos humanos através da racionalização do processo e melhorar o acesso precoce ao tratamento e à prevenção.
A OMS recomenda que as prisões devem prestar um acesso fácil a quem quer fazer o teste de VIH e recomenda o aconselhamento voluntário aos reclusos, método que tem mostrado uma maior adesão à realização dos testes. A realização e o resultado dos testes devem ser mantidos em sigilo pois aqueles que têm um resultado positivo enfrentam a estigmatização se o seu estatuto serológico se tornar conhecido. Se os testes não estiverem disponíveis ou não forem adequadamente realizados, há um risco dos reclusos infetados pelo VIH não serem diagnosticados e desenvolverem sintomas. Em duas prisões de Bangkok, na Tailândia, a maioria dos 112 reclusos diagnosticados só foram diagnosticados em fase tardia, uma vez, que tinham desenvolvido já infeções oportunistas.
Qual é a situação em Portugal?
TRATAMENTO E CUIDADOS DE VIH NAS PRISÕES
Uma vez que uma pessoa foi diagnosticada com o VIH, em algum momento essa pessoa irá precisar de tratamento com antirretrovirais para retardar o aparecimento da fase de SIDA. Em muitos países o acesso a esses medicamentos é limitado e, então, dentro das prisões, a situação torna-se ainda mais dramática.
Muitas prisões não recebem financiamento adequado por parte dos governos e por isso mesmo os serviços de saúde das prisões vivem com carências graves de recursos para tratar reclusos infetados pelo VIH. Nomeadamente, houve uma grande controvérsia sobre o tratamento para o VIH nas prisões da África do Sul, pois em 2006, os detidos da prisão de Westville fizeram uma greve de fome exigindo o acesso a medicamentos antirretrovirais.
Mesmo em países onde a medicação está disponível, questões como a reposição, a adesão, as burocracias dentro do sistema prisional podem tornar difícil o acesso dos reclusos infetados a manter o seu regime terapêutico. Um estudo no Reino Unido com reclusos seropositivos revelou que três quartos tinham tido interrupções no tratamento devido às visitas hospitalares, às visitas judiciais e até mesmo aquando das transferências entre prisões ou até mesmo aquando das transferências entre alas dentro do próprio estabelecimento prisional. Mesmo após a saída da prisão, continua a ser preocupante o acesso ao tratamento. Estudos com reclusos nos EUA revelaram que apenas uma pequena percentagem dos que tinham vindo a fazer a medicação dentro da prisão
continuou a tomar a medicação após as suas saídas. Os obstáculos que os impediam de aceder aos ARV – depois de terem sido postos em liberdade implicaram que muitos deles tivessem interrompido o seu regime de tratamento. Essas interrupções não são recomendadas pois pode levar ao fracasso terapêutico.
Uma dieta nutritiva é vital para um adequado tratamento com antirretrovirais. Com os poucos recursos existentes, os estabelecimentos prisionais são muitas vezes incapazes de fornecer refeições nutritivas para os presos, o que significa que eles são menos propensos aos benefícios da medicação e mais propensos a experienciar a progressão da doença.
As poucas condições que a maioria das prisões possui, como por exemplo, a superlotação, a falta de agua potável, a inexistência de luz natural e de uma ventilação adequada, a precaridade das instalações que leva a uma higiene pessoal deficiente, também podem contribuir para aqueles que sofrem desta e de outras doenças. As que pessoas que vivem com o VIH estão em maior risco de apanhar tuberculose, por exemplo.
A profilaxia pós-exposição (PEP) é uma opção de tratamento que pode ser utilizada para prevenir a infeção pelo VIH após uma exposição ao vírus. Disponibilizando o PEP nas prisões, contribui para a diminuição do risco de transmissão de infeção pelo VIH entre as vítimas de abuso sexual.
POLÍTICAS DE SEGREGAÇÃO DIRIGIDAS AOS RECLUSOS INFETADOS PELO VIH
Muitas prisões por este mundo fora ainda aplicam politicas de segregação dirigidas aos reclusos infetados pelo VIH e ou com SIDA. Em tais lugares, aqueles que são testados à chegada do Estabelecimento Prisional ou que o diagnóstico já seja conhecido, estão detidos em alas diferentes dos restantes reclusos. No Alabama e na Carolina do Sul, nos EUA, a maioria dos presos que são portadores de VIH são obrigados a usar uma braçadeira ou um emblema que os identifique.
O Observatório Internacional dos Direitos Humanos afirmou que a segregação dirigida aos detidos infetados não só reflete politicas ultrapassadas como viola os direitos humanos. Para além disto, há também um risco grande de saúde pública nestes locais onde a segregação é aplicada, por exemplo, a possibilidade de surgir um surto de tuberculose. Colocar reclusos infetados pelo VIH em alas separadas dos outros reclusos não reduz a propagação de IST´s ou de outras infeções transmissíveis por via sanguínea, pelo contrário, tem poucos benefícios para a saúde e aumenta o estigma por parte dos outros presos e do restante pessoal da cadeia. Felizmente, muitos países estão a reconhecer as consequências dos abusos aos direitos humanos que tais políticas trazem e, nesse sentido, tem-se verificado uma diminuição dessas políticas nas prisões. No entanto, para aqueles
locais onde isso se verifica, os presos que vivem com o VIH vão continuar a ser submetidos ao estigma e à discriminação.
O QUE PRECISA SER FEITO?
Por todo o mundo, os governos não conseguiram resolver o problema da infeção pelo VIH nas comunidades reclusas. Mesmo que um corpo substancial de evidências científicas mostre que a prevenção para o VIH aplicado eficazmente reduz comportamentos de risco tanto dentro como fora do sistema prisional, a maioria dos presos não tem acesso a esses programas. As guidelines para a testagem do VIH raramente são seguidas e as poucas condições das prisões tornam impossível aos reclusos chegar um sistema se saúde adequado. Sem proteção suficiente contra o VIH e adequado tratamento e respetivos cuidados de saúde, os reclusos continuarão a sofrer os efeitos devastadores desta epidemia.
Situação e necessidades avaliações e intervenções específicas devem atender os princípios de direitos humanos e as regras mínimas para os prisoneiros. Estes incluem imparcialidade, não discriminação e respeito pelas crenças religiosas e os preceitos morais. Na área da saúde, as normas são obrigatórias para a educação, nutrição, saneamento e acesso atempado aos serviços médicos apropriados. Este último inclui a prevenção da transmissão de doenças contagiosas. Intervenções de saúde devem ser baseadas em evidências, em linha com as diretrizes nacionais e internacionais.
LESS PUNISHMENT, LESS DRUG USE NA SER+
É vasta a bibliografia que aponta a comunidade reclusa como um alvo prioritário de intervenção ao nível do VIH/Sida, assumindo-se o contexto prisional como um meio privilegiado para a prevenção primária, secundária e terciária, uma vez que permite o acesso a uma população com um elevado número de comportamentos de risco (As prisões e HIV/SIDA, ONUSIDA, 2001). De facto, apesar de há muito já se ter abandonado a noção de “grupos de risco” está documentado que esta infeção e outras como as Hepatites afetam com especial incidência o ambiente prisional, não se podendo excluir a existência de comportamentos de risco como a partilha de material de consumo e/ou cortante, e as relações homossexuais e heterossexuais não protegidas (Sida em meio prisional, 2007). Para fazer face a esta problemática a Ser+ iniciou em 2006 uma parceria com o Estabelecimento Prisional do Linhó concretizando o projeto “Falar de Sida no E.P.Linhó” que contemplou algumas sessões de formação a técnicos e outras a grupos de reclusos. Com base nesta experiência e também no Programa de Combate à Propagação de Doenças Infeciosas em Meio Prisional (Junho de 2006) foi elaborado o projeto “ReAge” delineado em conjunto com coordenadores, educadores e
clínicos do E. P. Linhó, que pretendeu alargar o trabalho iniciado a mais agentes e contextos desta comunidade prisional. População-alvo O Estabelecimento Prisional do Linhó é uma prisão de alta segurança, onde se encontram apenas presos condenados (e não preventivos), a sua maioria com penas longas. Tem no total cerca de 400 reclusos, estando a maioria em regime fechado (divididos por 3 Alas - A, B e C) e os restantes em regime aberto, podendo estes estar incluídos no RAVI (Regime Aberto Voltado para o Interior - dormem e trabalham num complexo anexo ao edifício principal da prisão, com medidas de segurança reduzidas) ou no RAVE (Regime Aberto Voltado para o Exterior - dormem nesse complexo mas têm já o seu local de trabalho no exterior). O projeto ReAge abrangeu, nos seus 3 anos de intervenção, 340 pessoas, dos quais 301 reclusos.
Gráfico 3: População abrangida pelo Projeto ReAge
Objetivos gerais 1.
Diminuir em 15% o nº de reclusos do E.P. Linhó, com comportamentos de risco face ao VIH/Sida;
2.
Aumentar o bem-estar físico, psíquico e social de 70% dos reclusos do E.P. Linhó infetados com VIH/Sida.
Objetivos específicos 1.
Aumentar em 50% o nível de conhecimentos corretos sobre IST e sexualidade nos reclusos;
2.
Aumentar em 15% o nível de competências pessoais e sociais nos reclusos;
3.
Aumentar em 15% a perceção de risco face a IST nos reclusos;
4.
Melhorar em 15% a atitude dos reclusos face ao preservativo;
5.
Aumentar em 50% os locais e formas de acesso a preservativos por parte dos reclusos;
6.
Diminuir em 30% as atitudes e comportamentos de discriminação face aos seropositivos na comunidade
prisional; 7.
Melhorar o acompanhamento de 70% dos reclusos infetados por VIH/Sida.
Atividades Atividade
Indicadores
1. Implementação de uma disciplina de “Educação para a
141 reclusos abrangidos 128 sessões realizadas
Saúde” na Escola do E. P. Linhó – ala B
Assiduidade média de 73% Avaliação da satisfação com a formação entre o Bom e o Muito Bom (4,5 numa escala de 5 valores) 2. Sessões de “Saúde no Trabalho” a reclusos em contexto
61 reclusos abrangidos 7 Sessões
laboral ou de formação profissional
13 reclusos abrangidos
3. Formação realizada aos reclusos da Ala A
4 sessões realizadas 4. Encontros temáticos para guardas e outros técnicos do
55 colaboradores do E.P.Linhó abrangidos 10 sessões realizadas
E. P. Linhó
Conceção e distribuição de fascículos colecionáveis com a informação trabalhada 5. Aconselhamento na área da sexualidade, IST e
134 atendimentos realizados
prevenção 6. Acompanhamento/aconselhamento
individual
a
reclusos que vivem com VIH 7. Criação de novos locais de livre acesso a preservativos no E.P. Linhó
66 reclusos atendidos
20 reclusos abrangidos 189 atendimentos realizados Criação de 11 novos locais de distribuição gratuita de preservativos.
Resultados Para avaliar o impacto dos 3 anos de projeto, foi passado um questionário sobre comportamentos preventivos face ao VIH/Sida, no início e no final do mesmo. O questionário abrangeu uma amostra aleatória e estratificada da população reclusa do E.P. Linhó (85 reclusos no início e 100 reclusos no final). Os resultados foram analisados recorrendo ao teste estatístico T-Student, para amostras independentes (α≤0,05), sendo os resultados mais significativos apresentados no gráfico 4.
Gráfico 4: Comportamentos de risco face ao VIH relatados pelos reclusos, antes e após o projeto
Aos reclusos com quem realizámos uma intervenção mais prolongada ao nível da educação para a saúde, foi passado, no início e final de cada ano, um questionário de "Conhecimentos, atitudes e comportamentos face à Saúde", que avaliava diferentes fatores. Os resultados obtidos em cada um encontram-se descritos no gráfico 5. São consideradas significativas as mudanças verificadas nos fatores “conhecimentos e atitude face à sexualidade e saúde”; “conhecimentos e crenças sobre VIH/Sida e outras IST”, “atitude em relação ao uso do preservativo” e “comportamentos preventivos” (teste estatístico T-Student, para amostras emparelhadas, α≤0,01) e ainda na “Atitude face às pessoas que vivem com VIH” (teste estatístico T-Student, para amostras emparelhadas, α≤0,1).
Gráfico 5: Análise do Questionário de Conhecimentos, atitudes e comportamentos face à saúde
Para avaliar o impacto do acompanhamento psicológico que fornecemos aos reclusos que vivem com a infeção VIH, pediu-se que preenchessem, no início e final da intervenção, o Personal Wellbeing Índex, de modo a avaliar o seu bem-estar subjetivo. Em média, este aumentou de 47,5 para 53,2, tendo-se verificado uma diferença estatisticamente significativa em 2 dos 8 domínios avaliados, nomeadamente nos respeitantes à “satisfação com o seu nível de vida”, e “sentimento de pertença à comunidade” (teste estatístico T-Student, para amostras emparelhadas, α≤0,01).
Recursos humanos Ana Luísa Duarte - Coordenadora do Projeto Joana Tavares de Almeida - Apoio técnico ao Projeto Liliana Domingos - Conceção e implementação das sessões de Educação para a Saúde Ana Filipa Lopes - Implementação do gabinete de aconselhamento /acompanhamento individual
Parcerias Estabelecimento Prisional do Linhó Coordenação Nacional para a Infeção VIH/Sida
Calendarização De Setembro de 2008 a Setembro de 2011
A SER+ saúda, subscreve e divulga a Declaração oficial da XVIII Conferencia Internacional sobre SIDA : Apelo Global para Políticas de Drogas baseadas no conhecimento científico.
Cientistas e líderes de todo o mundo apelam à Reforma das Políticas A criminalização das pessoas que usam drogas sociais e para a saúde extremamente negativas. É necessário uma reforma das políticas de drogas. Em resposta aos danos sociais e à saúde causados pelas drogas ilegais, um regime de proibição internacional foi desenvolvido sob os auspícios das Nações Unidas. Décadas de pesquisas proporcionam uma avaliação abrangente do impacto mundial da “Guerra às drogas”. Quando milhares de indivíduos se reúnem em Viena para a XVIII Conferência Internacional de SIDA, a comunidade científica pede o reconhecimento dos limites e danos decorrentes da proibição total do uso de drogas, bem como a revisão das orientações, para eliminar barreiras à prevenção, ao tratamento e cuidados da infeção pelo VIH. A evidência de que o cumprimento da lei tem fracassado no que diz respeito à prevenção da disponibilidade de drogas ilegais em comunidades onde há procura, é agora inequívoca. Durante as últimas décadas, os sistemas nacionais e internacionais de vigilância têm demonstrado que existe um padrão geral de queda nos preços das drogas e um aumento da pureza das mesmas, a despeito dos investimentos maciços no cumprimento da lei. Além disso, não há evidência de que o aumento do rigor no cumprimento da lei reduza de modo significativo a prevalência do uso de drogas. Os dados também demonstram com clareza que o número de países em que as pessoas injetam drogas ilegais está a aumentar, sendo as mulheres e as crianças cada vez mais afetadas. Fora da das áreas onde o VIH se dissemina mais rapidamente, como a Europa de Leste e a Ásia Central, a prevalência do VIH
chega a atingir 70% dos utilizadores de droga injetada e, em determinadas áreas, mais de 80% de todos os casos de VIH encontram-se neste grupo. No contexto da evidência avassaladora de que o cumprimento da lei não tem alcançado os seus objetivos, é necessário reconhecer e analisar os danos que causam. Os danos incluem, entre outros: – Epidemia de VIH fomentada pela criminalização das pessoas que usam drogas ilícitas e pelas proibições de disponibilização de material de injeção seguro e de tratamentos de substituição opiácea. – Explosão da transmissão de VIH entre utilizadores de drogas presos e institucionalizados, como consequência de leis e normas punitivas, assim como a falta de serviços de prevenção da transmissão do VIH nestes ambientes. – Erosão dos sistemas de saúde pública, quando o cumprimento da lei afasta os utilizadores de drogas dos serviços de prevenção e cuidado e os “empurra” para ambientes onde o risco de transmissão de doenças infeciosas (ex.: VIH, hepatites C e B e tuberculose) assim como outros danos é redobrado. - Crise nos sistemas de justiça criminal como consequência das altíssimas taxas de encarceramento numa série de países. Isto tem afetado negativamente o normal funcionamento social de comunidades inteiras. Enquanto as disparidades étnicas nas taxas de encarceramento por crimes relacionados com drogas são evidentes em todo o mundo, o impacto tem sido particularmente grave nos EUA, onde aproximadamente um em cada nove afro-americanos no grupo etário de 20 a 34 anos é encarcerado todos os dias, sendo o cumprimento da lei sobre drogas o principal motivo. – Estigma em relação às pessoas que usam drogas ilícitas, o que reforça a popularidade política da criminalização dos utilizadores de drogas e enfraquece a prevenção do VIH, assim como de outras iniciativas de promoção da saúde. – Violações graves dos direitos humanos, incluindo tortura, trabalho forçado, tratamento desumano e degradante, assim como a execução de dependentes de drogas numa série de países. - Um mercado ilícito de drogas num valor anual de 320 mil milhões de dólares norte-americanos. Estes lucros permanecem totalmente fora do controle dos governos, fomentando o crime, a violência e a corrupção em inúmeras comunidades urbanas e tem destabilizado países inteiros, como a Colômbia, o México e o Afeganistão. – Milhares de milhões de dólares dos contribuintes gastos anualmente na "Guerra às Drogas" que não só não atingem os objetivos enunciados como, em vez disso, direta ou indiretamente, contribuem para os danos acima enunciados.
Infelizmente, a evidência do fracasso da mera proibição graves consequências negativas destas orientações são frequentemente negadas por aqueles com interesse em manter o seus status quo. Isto tem criado confusão na população e tem custado inúmeras vidas. Os governos e as organizações internacionais têm obrigações éticas e legais de responder a esta crise e devem procurar alternativas apoiadas na evidência que possam efetivamente reduzir o dano causado pelas drogas sem causar mais danos. Nós, abaixo assinados, pedimos aos governos e organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas, que: – Se comprometam a fazer uma revisão transparente da eficácia das orientações atuais em relação a drogas;
– Implementem e avaliem uma abordagem de saúde pública com base científica para abordar os danos individuais e para as comunidades decorrentes do uso ilícito de drogas. – Descriminalizem os utilizadores de drogas, aumentem as opções de tratamento para a dependência de drogas apoiadas no conhecimento científico e na evidência, bem como a abolição dos ineficazes centros obrigatórios de tratamento de drogas, que violam a Declaração Universal dos Direitos Humanos; - Apoiem e aumentem inequivocamente o financiamento para a implementação do conjunto abrangente de intervenções no âmbito do VIH descrito no Guia de Estabelecimento de Objetivos da OMS, da UNODC e ONUSIDA; - Promovam o envolvimento significativo da comunidade afetada no desenvolvimento, monitorização e implementação de serviços e orientações que afetem as suas vidas. Além disso, pedimos ao Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki moon que implemente urgentemente medidas para garantir que o sistema das Nações Unidas, incluindo o Conselho de Controle de Narcóticos, se pronuncie apoiando a descriminalização dos utilizadores de drogas e a implementação de abordagens para o controlo de drogas apoiadas no conhecimento científico e evidência. Basear normas relativas a drogas em evidência científica não eliminará o uso de drogas ou os problemas decorrentes do uso de drogas injetadas, entretanto a reorientação das orientações para abordagens apoiadas na evidência que respeitem, protejam e cumpram com os direitos humanos tem o potencial de reduzir os danos derivados das orientações atuais e permitiriam o redireccionamento dos vastos recursos financeiros para onde são mais necessários: a implementação e avaliação de medidas de intervenção, prevenção, regulamentação, tratamento e redução de danos apoiadas em evidência.