Caderno TFG1 - Luisa Pegorini

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ARQUITETURA, ENGENHARIA E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Luisa Pegorini Souza

reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

Pesquisa submetida ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para aprovação na disciplina de Trabalho Final de Graduação I Orientador: Prof. Me. Everton Nazareth Rossete Junior

Cuiabá, 2018



sumário introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05 justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07 parte I 1. a habitação social no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 2. histórico dos programas de habitação social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 3. alternativas para a provisão de moradia social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 4. zonas especiais de interesse social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 5. déficit habitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 6. retrofit como estratégia de ocupação em centros urbanos . . . . . . . . . . . . . . . 27 7. cohousing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 parte II 8. enquadramento da área e opções para intervenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 9. análise da edificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 considerações parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 anexos anexo 1 - escritura do imóvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 anexo 2 - laudo de avaliação do imóvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73


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introdução O tema deste Trabalho Final de Graduação, Reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social, surge da necessidade de encontrar soluções alternativas à construção de condomínios periféricos, os quais favorecem a expansão urbana de maneira dispersa e onerosa, não utilizando o potencial construtivo de áreas urbanas já consolidadas. Como resposta ao modelo vigente de expansão periférica, o trabalho propõe a otimização da infraestrutura urbana na região central de Cuiabá, Mato Grosso, por se tratar de uma cidade que apresenta baixa densidade populacional e que, por outro lado, contém muitos imóveis abandonados ou não-edificados em áreas urbanizadas com boa infraestrutura – muitas vezes de modo especulativo, à espera de valorização. O trabalho é dividido em duas partes, as quais podem ser diferenciadas, sumariamente, como: “análise geral” e “análise local”. A primeira parte apresenta a problemática, em nível nacional, e algumas alternativas para solucionar o problema do déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras. Os primeiros capítulos apresentam uma breve revisão da literatura, baseada especialmente em Bonduki (1998), que discorre sobre a habitação de interesse social no Brasil e a evolução histórica das tentativas de implementação de programas habitacionais, os quais, em sua maioria, estiveram desvinculados de uma política habitacional efetiva. Em seguida, serão expostas algumas alternativas para a provisão de moradia social, sem necessariamente aumentar o estoque imobiliário, baseandose na discussão de Balbim, Krause e Lima Neto (2015).

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Na segunda parte do trabalho, discutir-se-á sobre qual local se mostra mais conveniente para realizar este tipo de intervenção, considerando-se importante que o edifício esteja próximo de vias estruturais, tenha acesso à rede de transporte público e aos equipamentos comunitários de educação e saúde – elementos estes que mostram que a escolha não é feita de maneira aleatória. Posteriormente, analisa-se o edifício escolhido para este projeto. O objetivo deste trabalho é explorar a possibilidade de reabilitar um edifício ocioso na área central de Cuiabá, com o propósito de transformá-lo em habitação de interesse social para famílias com rendimento mensal de até três salários mínimos1 . Sabe-se que a reabilitação de edifícios subutilizados, por si só, não é a solução para equacionar o problema da moradia social no Brasil, especialmente se for feita de maneira isolada, sem articulação com uma política habitacional consistente, como afirmam Costa e Ferreira (2006), mas ainda assim é um passo dado no caminho do desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras. Portanto, o resultado pretendido nesse estudo será um projeto para aproximadamente 50 famílias em condição em déficit habitacional, além de propor a discussão sobre alternativas para a provisão de moradia. Além disso, é importante discutir sobre a utilização de mecanismos que viabilizem a reabilitação de imóveis ociosos em Cuiabá, como já é feito em São Paulo através das Zonas Especiais de Interesse Social – um importante instrumento do Estatuto da Cidade que, se bem utilizado, é capaz de promover cidades mais justas (BRASIL, 2009).

1  A partir de 1º de janeiro de 2018, o salário mínimo passou a ser de R$ 954,00.

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justificativa Atualmente, as grandes cidades brasileiras apresentam um elevado número de imóveis vazios, subutilizados ou abandonados, o que leva esses edifícios ao estado de depredação. Ao mesmo tempo, nos últimos anos nota-se um esforço da sociedade para equacionar o problema do déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras. Uma possível solução seria a destinação de alguns imóveis ociosos para programas habitacionais, especialmente os que são voltados para a população de baixa renda (ZMITROWICZ & BOMFIM, 2007). Esta parcela da população, que se encontra em déficit habitacional, vem desde a década de 1980 denunciando os problemas existentes e pressionando o Estado e a sociedade em busca de respostas às suas necessidades que, de acordo com Zmitrowicz e Bomfim (2007). Estas pressões podem ocorrer através de propostas de instrumentos legais e de ações, como as ocupações de edifícios ociosos em centros urbanos de várias cidades. Da necessidade de discutir e propor uma política urbana menos excludente, tem-se como resultado a criação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), lei que traz instrumentos capazes de reduzir as desigualdades na ocupação urbana, além de viabilizar a reabilitação de edifícios subutilizados em áreas centrais, possibilitando, assim, a sua conversão em habitação de interesse social. Os desafios e possibilidades serão discutidos adiante neste trabalho, pois acredita-se que a situação de déficit habitacional aliado à vacância imobiliária é uma justificativa plausível para estimular a discussão de métodos alternativos para a provisão de moradia de interesse social, aproveitando a infraestrutura urbana existente e consolidada. reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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parte I


1. a habitação social no Brasil Bonduki (1998:14) utiliza o termo habitação de interesse social para definir tanto a “habitação produzida e financiada por órgãos estatais destinada à população de baixa renda” quanto num sentido mais amplo, incluindo a regulamentação estatal da locação habitacional e incorporação, e encarando como um problema de Estado e da falta de infraestrutura urbana gerada pelo loteamento privado. No Brasil, até a década de 1930, as moradias voltadas para famílias de baixa renda eram construídas pela iniciativa privada, sendo o cortiço1 a tipologia mais encontrada (BONDUKI, 1998). Mas é importante frisar que, nesse período, ainda não existiam sistemas de financiamento da casa própria e, portanto, as pessoas conseguiam a moradia através do pagamento de aluguel. Esses conjuntos eram vistos, até então, como um problema apenas de ordem sanitária e que precisava ser erradicado, além do objetivo de doutrinar e difundir 1  O cortiço é a tipologia de moradia precária e coletiva mais antiga da cidade de São Paulo, onde moravam os trabalhadores de baixa remuneração. A ocupação pode ser no centro do quarteirão (nos fundos de depósitos, armazéns, bares ou estábulos) ou até mesmo ter face para a rua. O termo “cortiço” foi associado a várias outras denominações, as mais usadas são: “casa de cômodo”, “cabeça de porco”, “estância”, “zungu”, “pensão”, “hotel”, “hospedaria”, “vila”, “quintal” e “estalagem” (PICCINI, 2004).

padrões de comportamento, de asseio e de hábitos cotidianos burgueses (BONDUKI, 1998). Acselrad e Leroy (1999) comentam que, o inchaço das cidades sem qualquer planejamento produziu a constante degradação do espaço e da qualidade de vida da população que vive em áreas centrais. Com a finalidade de resolver os problemas sanitários desses centros urbanos, o Estado passou a dar incentivos para a construção de vilas operárias. No entanto, esse sistema beneficiou mais os investidores do que os trabalhadores, pois os salários continuavam abaixo do necessário à subsistência e à alimentação digna e, dessa forma, boa parte das famílias “encontravam no cortiço e na casa de cômodos o alojamento compatível com seus parcos rendimentos” (BONDUKI, 1998:53). Foi a partir do período de nacional-desenvolvimentismo, durante a Era Vargas, que o modo de morar dos pobres passou a ser encarado como um problema social. Nessa altura foram desenvolvidos os primeiros programas de provisão habitacional, os quais não faziam parte de uma política habitacional planejada, mas que, de alguma forma, possuíam um ponto em comum: o reconhecimento de que a provisão de moradia era responsabilidade do Estado e a ele cabia intervir para solucionar a questão de forma adequada (BONDUKI, 1998). reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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A solução encontrada para resolver o problema da moradia popular foi baseada no trinômio: ideologia da casa própria, loteamento periférico e construção pelos próprios moradores. O descaso do Estado e à dificuldade de a classe trabalhadora pagar os altos alugueis em áreas centrais colaboraram para a implantação desse sistema. Esse modelo de provisão habitacional para os pobres foi ao encontro de antigos desejos da elite: “eliminar os cortiços do centro da cidade e segregar o trabalhador na periferia, reduzindo assim o custo das moradias e ampliando a distância física entre as classes sociais” (BONDUKI, 1998:77), através de uma solução economicamente interessante tanto para o poder público para a iniciativa privada, pois tratam-se de pequenos lotes em área rural vendidos como áreas urbanas, com pouca ou nenhuma infraestrutura:

“Para o trabalhador urbano, a casa própria simbolizava o progresso material. Ao viabilizar o acesso à propriedade, a sociedade estaria valorizando o trabalho, demonstrando que ele compensa, gera frutos e riqueza. Por outro lado, a difusão da pequena propriedade era vista como meio de dar estabilidade ao regime, contrapondo-se às ideias socialistas e comunistas [...] Os trabalhadores, deixando de ser uma ameaça, teriam na casa própria um objetivo capaz de compensar todos os sacrifícios; já o morador do cortiço ou da moradia infecta estava condenado a ser revoltado, pronto para embarcar em aventuras esquerdistas para desestabilizar a ordem política e social” (BONDUKI, 1998:84).

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Para Bonduki (1998), difundiu-se a ideia de que a casa própria seria um bem essencial para a sobrevivência da classe operária, um instrumento que transformaria o trabalhador em proprietário, além de desempenhar um importante papel na reprodução do padrão de comportamento moral e cultural burguês. A estratégia era, portanto, fazer com que os trabalhadores passassem a desejar, através da educação e da doutrinação, o modelo conservador de habitação que as elites queriam implantar. O problema não era encarado a partir da baixa remuneração dos trabalhadores, o que muitas vezes fez com que estes novos moradores não se adaptassem às casas na periferia e retornassem para os cortiços centrais (BONDUKI, 1998).

A velocidade histórica de todo este processo, aliada ao tradicional elitismo da gestão pública no Brasil, que sempre ignorou as necessidades e direitos da massa pobre da população, favoreceu o crescimento exponencial da informalidade e da precariedade habitacional, inclusive sobre áreas ecologicamente frágeis”. (ACSELRAD & LEROY, 1999:24)

A afirmação de Acselrad e Leroy (1999) vai ao encontro do que defendido por Moretti (1997), quando ele diz que o descaso do Estado com relação as necessidades da população mais pobre, que perdura há mais de um século, faz com que surja a cidade formal, implantada em conformidade com a lei, e a cidade informal, que é construída de acordo com os padrões estabelecido pela própria população.


2. histórico dos programas de habitação social No Brasil, até a década de 1930, as moradias voltadas para famílias de baixa renda eram construídas pela iniciativa privada e foi sob o governo de Getúlio Vargas que surgiram as primeiras instituições públicas a tratar da questão habitacional, mas que não faziam parte de uma política habitacional planejada (BONDUKI, 1998). Bonduki (1998) afirma que os objetivos do Estado eram, para além da higiene e da eliminação da habitação coletiva, a busca pela redução dos custos de construção para viabilização da casa própria. Nesse contexto, foram criados na década de 1930 os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) para cada categoria profissional, sendo seis no total, o quais eram estruturados na contribuição tripartite (empregado, empregador e Estado). Desses três segmentos, dois deles estavam sempre inadimplentes – O Estado e parte dos empregadores – portanto, “foram sobretudo os trabalhadores que financiaram a previdência e, através dela, importantes projetos, estatais e privados, de desenvolvimento econômico” (BONDUKI, 1998:102), desempenhando papel fundamental na expansão do capitalismo e da industrialização no Brasil.

“ [...] o governo respondia aos anseios da sociedade, diante da crise habitacional oriunda do aumento dos aluguéis e das “cirurgias urbanas” que supervalorizavam os imóveis, transferindo para si e para o proprietário o custo da moradia. As empresas, por sua vez, não mais precisariam considerar o alto custo da habitação na formulação dos salários. Reduzia-se, assim, o custo da mão de obra desses trabalhadores para as mesmas”. (ALCÁNTARA et al, 2014:7)

O Decreto 1.749, de 1937, foi o marco inicial da atuação dos IAPs no campo habitacional, pois a partir disso os institutos estavam autorizados a criar carteiras prediais e a destinar até metade de suas reservas para o financiamento das construções (FARAH, 1983 apud BONDUKI, 1998). O decreto facilitou as condições para o financiamento das habitações com o objetivo de ampliar a demanda, por meio de: redução de juros, ampliação dos prazos de pagamento, elevação do valor limite de financiamento, autorização para concessão destes benefícios aos associados que já estivessem em posse da moradia (BONDUKI, 1998). Essas medidas favoreceram o acesso à moradia por parte das famílias de baixa renda, ao mesmo tempo em que apresentava pontos que favoreciam os segmentos de renda mais elevada como, por exemplo, “a adoção reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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do aluguel como forma de acesso aos conjuntos produzidos” (BONDUKI, 1998, p. 106). Essas contradições marcaram o período de atividade dos IAPs: “[...] além da polêmica entre rentabilidade ou função social dos investimentos dos IAPs, havia uma disputa por recursos públicos entre os que lutavam por uma política social de habitação e os incorporadores imobiliários privados, interessados na construção e venda de apartamentos de luxo. Disputa que, na verdade, nunca mais deixou de existir”. (BONDUKI, 1998:105).

Por fim, Bonduki (1998) afirma ainda que, no período de 1945 a 1950 os IAPs deram maior prioridade ao investimento em habitação social, enquanto que durante a ditadura os investimentos foram maiores em empréstimos hipotecários feitos a qualquer pessoa física ou jurídica, de acordo com o que o instituto julgasse conveniente ao seu interesse. Durante o governo de Dutra, foi criada a Fundação da Casa Popular (FCP), por meio da Lei Nº 9.218 de 01 de maio de 1946, e foi o primeiro programa de provisão habitacional que saiu do eixo Rio de Janeiro - São Paulo, descentralizando a produção de moradia e atendendo inúmeras cidades no interior do país (CANAVARROS, 2016). Alcántara et al. (2014) atribui o fracasso da FCP ao contexto político da época, caracterizado pela coexistência de inúmeras agências, o excesso de burocracia e a baixa influência da fundação. Nos anos que antecederam o Golpe Militar, houve a intensificação do processo de urbanização do país, que levou ao crescimento explosivo da demanda por ha12

bitação, estimada em 8 milhões de habitações. O contexto foi marcado por forte inibição do investimento em moradia, pela aceleração inflacionária e Lei do Inquilinato (SANTOS, 1999). A resposta do governo militar de Castello Branco foi a instituição do Sistema Financeiro de Habitação e do Banco Nacional de Habitação (SFH/BNH) através da Lei nº 4.380/64 de 21 de agosto de 1964, com o objetivo de manter o apoio das massas populares e “estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda” (BRASIL, 1964). O SFH/BNH era vinculado ao Sistema Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e os recursos daquele eram provenientes das cadernetas de poupança do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A ideia central era a “aplicação de um mecanismo de correção monetária sobre os saldos devedores e as prestações dos financiamentos habitacionais que viabilizaria tais investimentos” (SANTOS, 1999:10). No caso do SBPE, os recursos das cadernetas de poupança eram captados pelos agentes financeiros do SFH, com o objetivo de financiar investimentos habitacionais de empreendedores privados. Em seguida, o “empreendedor responsabilizava-se pela venda das unidades habitacionais aos consumidores finais” e estes consumidores “responsabilizavam-se pelo pagamento do empréstimo às instituições financeiras, tornando-se, assim, mutuários do sistema” (SANTOS, 1999:11).


Já a arrecadação do FGTS que acontece a partir de 1967 e é gerida pelo BNH, era destinada à construção de habitação de interesse social, mas acabaram sendo canalizadas também para as obras de saneamento e desenvolvimento urbano. Santos (1999) afirma ainda que, desde a fundação do BNH até sua extinção em 1986, apenas 33,5% das unidades habitacionais financiadas pelo SFH foram destinadas população de baixa renda, mostrando-se incapaz de atender essa parcela da sociedade. Botega (2007:68) afirma que o SFH/BNH foi um “agente de dinamização da economia nacional desempenhando um importante papel junto ao capital imobiliário nacional”, ou seja, na prática o papel do banco era de arrecadar os recursos financeiros das cadernetas de poupança e em seguida transferir para os agentes privados intermediários, fugindo do objetivo principal de ser o veículo a dar o impulso para as políticas habitacionais e para a superação do déficit de moradia. As Companhias de Habitação (COHAB) eram “empresas mistas sob o controle acionário dos governos estaduais e/ou municipais” (AZEVEDO, 1988:111 apud SANTOS, 1999:11), as quais obtinham financiamentos do BNH após a aprovação dos projetos compatíveis com as orientações do banco, e eram responsáveis pela contratação de construtoras e supervisão da construção dos conjuntos habitacionais, bem como pelo repasse ao consumidor final (SANTOS, 1999). Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) dois programas habitacionais foram

lançados, com objetivos semelhantes: Pró-Moradia e Habitar-Brasil. Esses programas investiram mais na melhoria das moradias existentes do que na construção de novas unidades e, portanto, concentraram-se na redução do déficit habitacional qualitativo para famílias com renda de até 5 salários mínimos. De acordo com Santos (1999), as únicas diferenças entre os dois programas foram as fontes de recursos. Enquanto o Habitar-Brasil foi financiado pelos recursos do Orçamento Geral da União, os quais não precisavam ser repostos, o Pró-Moradia foi financiado pelos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, os quais deveriam ser ressarcidos para evitar seu esgotamento. Essa diferença se refletiu no alcance dos dois programas, o primeiro teve um alcance significativamente maior do que o segundo, pois as exigências para obter a liberação de financiamentos do FGTS eram mais rígidas. Para pleitear o benefício, os estados e municípios deveriam apresentar seus projetos para que a federação decidisse sobre a liberação do financiamento para realizar as melhorias nas comunidades selecionadas e a regularização das moradias (SANTOS, 1999). Ambos os programam tiveram caráter assistencialista, pois não cobraram nenhuma contrapartida dos beneficiados em um período de escassez de recursos federais – o que resultou em uma atuação limitada – cujo público-alvo foi composto por moradores de áreas altamente degradadas, em situação de extrema pobreza. Entre 1995 e 1998, mais de 700 mil famílias foram reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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atendidas pelos programas, sendo que o tipo de intervenção mais representativo foi a urbanização de favelas (SANTOS, 1999).

busca de uma solução para o problema habitacional, utilizando o Fundo de Garantia dos contribuintes, como em outro momento utilizou os fundos dos IAPs.

Simultaneamente aos dois programas descritos acima, o governo federal criou em 1995 o programa Carta de Crédito, que consistiu na concessão de financiamentos pelo FGTS diretamente a pessoas físicas, cujas rendas familiares não fossem de até doze salários mínimos. Esse programa apresentou uma mudança estratégica em comparação com os programas habitacionais anteriores, pois até 1994 os financiamentos eram direcionados principalmente às construtoras (SANTOS, 1999).

O governo seguinte, sob a gestão de Luis Inácio Lula da Silva, priorizou a consolidação de uma política habitacional após a criação do Ministério das Cidades em 2003 e da aprovação da Política Nacional de Habitação (PNH) em 2004. Nesse contexto, o governo federal destinou R$ 34 bilhões em subsídios para a construção de novas moradias através do programa Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009 após a aprovação da Lei nº 11.977, a qual regulamenta o programa (BRASIL, 2009).

Para receber o benefício, o cidadão deveria comprovar a renda familiar, não ser proprietário de nenhum imóvel da região onde mora e comprovar que possuía condições de pagar as prestações, as quais não deveriam ultrapassar 30% da renda familiar mensal e então recebia um crédito para ser utilizado em alguma das modalidades do programa: compra de imóvel novo ou usado; compra de terreno; materiais para construir ou reformar sua residência (SANTOS, 1999). Santos (1999) complementa que, a concessão direta de financiamento à população seja vista como uma forma de o Estado ajudar a sociedade a resolver seus problemas habitacionais, com o simples papel de facilitador do processo, sem assumir sua responsabilidade. Portanto, o Carta de Crédito, assim como os programas habitacionais anteriores, é mais um exemplo de que o governo continuou responsabilizando a sociedade pela 14

De acordo com Rolnik (2014), o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) é defendido pelo governo federal como a maior política habitacional da história nacional, pois se trata de um programa que representou uma ruptura em relação às práticas anteriores. Essa ruptura se deu por várias razões: a questão habitacional colocada no centro da agenda governamental; o grande volume de recursos; a concessão de subsídio de até 96% para as famílias com renda de até R$1600,00; fatores estes que viabilizaram o acesso à moradia por parte das famílias de menor renda (ROLNIK, 2014). Lançado em um contexto de crise financeira (não apenas nacional) e tendo como objetivo ativar o crescimento econômico, a primeira fase do MCMV concentrou a maior parte da produção habitacional no Brasil, tanto de interesse social quanto no segmento econômico (BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015). Na segunda fase do programa, lançada em 2011, foi incorporado o


Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), que inclui investimento de infraestrutura urbana e urbanização de favelas. O MCMV foi dividido em modalidades e as concessões de benefícios1 eram feitas de acordo com as faixas de renda das famílias:

Faixa I - beneficiou famílias com rendimento mensal até R$ 1.600,00 Faixa II - beneficiou famílias com rendimento mensal de até R$ 3.275,00 Faixa III - beneficiou famílias com rendimento mensal de até R$ 5.400,00

Ainda que a escolha das famílias beneficiárias siga critérios de prioridade, essa política habitacional não levou em conta se a família provém de situação de moradia que a inclua em déficit habitacional. Por essa razão, o MCMV se mostrou mais ajustado a atender a demanda habitacional do que o déficit, mostrando a imprecisão do foco principal dessa política (BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015). Os autores argumentam, ainda, que um dos principais objetivos do MCMV foi a realização em massa do sonho da casa própria – ou mito da casa própria, já apontado por Bonduki (1998).

1  Há divergência nas faixas de renda encontradas, as quais variam de acordo com o ano da publicação e com o reajuste do salário mínimo. Por isso, optou-se por utilizar os rendimentos mensais dos beneficiários apresentados por Balbim, Krause e Lima Neto (2015).

Importante destacar também que, a localização periférica desses conjuntos habitacionais monofuncionais, a péssima inserção no tecido urbano, o afastamento do transporte público e oferta de emprego, são empecilhos para a aderência efetiva do programa, pois uma das principais reivindicações das famílias é de morar mais próximo dos centros de serviço e comércio (ROLNIK, 2014; BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015). Além disso, a rigidez do programa arquitetônico único (que é composto por sala, cozinha, um banheiro e dois quartos), que desconsidera a diversidade de cada família, com relação ao número de integrantes e necessidades próprias (ROLNIK, 2014). Rolnik (2014) afirma que vários municípios tiveram seus programas habitacionais locais desmobilizados para dar espaço ao MCMV, devido à quantidade de recursos disponíveis, à agilidade na produção em série de casas populares periféricas. Os municípios, por sua vez, limitaram-se a flexibilizar suas legislações – para adaptarem-se aos padrões do programa – e aprovarem os empreendimentos. Balbim, Krause e Lima Neto (2015) defendem esse posicionamento: “O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), ao ser elevado à categoria de política habitacional, determina princípios, mecanismos e diretrizes que não têm permitido o surgimento de programas alternativos, em face das peculiaridades do déficit habitacional. Ao mesmo tempo há uma limitação da expansão de modalidades ‘alternativas’, já previstas, que poderiam ser utilizadas com maior vigor no enfrentamento de alguns desses universos do déficit”. (BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015:7)

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O MCMV se mostrou desarticulado das realidades e desafios locais das cidades brasileiras, utilizando uma solução genérica e em larga escala para enfrentar o problema habitacional de um país com dimensões continentais, homogeneizando os projetos, independente das características socioculturais, geográficas e bioclimáticas locais (ROLNIK, 2014).

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3. alternativas para a provisão de moradia social Este capítulo apresentará outras práticas de solução do problema relacionado à habitação de interesse social, que vão além da criação de um estoque habitacional desarticulado do tecido urbano. Os mecanismos que serão aqui discutidos, mesmo com suas aderências dificultadas pela ampla difusão de um programa como o Minha Casa Minha Vida, são opções possíveis no contexto brasileiro.

a. produção social de moradia De acordo com Balbim, Krause e Lima Neto (2015) este é um tipo de ação que compreende várias formas de produção da habitação, que pode envolver setores econômicos na definição do financiamento. A diferença a respeito dos programas citados anteriormente é que, nesse caso, “a organização do processo, a definição das principais diretrizes do projeto e do pós-morar se encontram nas mãos e nos mecanismos de organização coletiva dos próprios moradores” (BALBIM & KRAUSE, 2010 apud BALBIM, KRAUSE e LIMA NET O 2015:19). De acordo com os autores, a Produção Social da Moradia só passou a receber a atenção do Estado no fim da década de 1970:

“O reconhecimento da incapacidade de atender a população de menor renda foi tardio e levou à utilização de formas de financiamento da autoconstrução, já amplamente utilizada como mecanismo de acesso à moradia pelas classes baixas e, naquele momento, reconhecida, ainda como um mecanismo paliativo, dentro dos programas ditos especiais (Profilurb, Promorar e João de Barro)”. (BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015:19)

Desde 1988, os movimentos populares têm apresentado propostas de programas habitacionais de autogestão, no mesmo período estava em longo trâmite o projeto de lei de iniciativa popular que reivindicava a criação de um fundo nacional de moradia popular, que também previa a autogestão na produção da moradia (MINEIRO & RODRIGUES, 2012 apud BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO 2015). O apoio por parte do governo federal a programas autogeridos é recente e começou a se mostrar apenas após a virada do século, ao mesmo tempo em que as condições para obter o financiamento tornam-se mais favoráveis. Os autores afirmam que talvez a maior fragilidade desse programa seja com relação à posse de terra, visto que há relatos das disputas entre as entidades organireabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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zadoras e os agentes do capital urbano, aos primeiros resta as sobras do mercado fundiário (WARTCHOW, 2012 apud BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015). Para que esse processo seja efetivo, é necessário que as entidades atuem como facilitadoras da autogestão, priorizando-se as propostas de produção habitacional com participação na execução das obras (BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015).

b. serviço social de locação De acordo com Balbim, Krause e Lima Neto (2015), essa abordagem parte de debates sobre ônus excessivo com aluguel da moradia e localização de moradia para baixa renda em áreas centrais com o objetivo de propor a reabilitação de imóveis vazios ou subutilizados em centros urbanos. Entende-se que faltam investimentos em programas com o objetivo em reabilitar imóveis centrais que estejam subutilizados, com relação a isso, os autores complementam que há demanda suficiente para que esse tipo de investimento seja feito, e apontam três questões que justificam a medida: o elevado número de imóveis vazios/subutilizados em localidades centrais; a degradação das áreas devido a diminuição do patrimônio edilício; necessidade de habitar próximo ao local de trabalho, contribuindo com a redução dos deslocamentos diários. O Serviço de Locação Social não se trata de uma política assistencial ou emergencial, de caráter tempo18

rário, em função de desastres naturais ou outros fatores. Consiste em uma ação estatal – podendo haver parceria público-privada – que viabilize o acesso à moradia mediante pagamento de aluguel, o qual pode ser subsidiado ou não. No entanto, é importante destacar que nessa modalidade não1 há a transferência de propriedade do imóvel para o beneficiário final. Um ponto importante é que a locação social é entendida como a oferta de um serviço a um determinado público-alvo, enquanto as políticas habitacionais no Brasil têm tratado historicamente a moradia como mercadoria e, muitas vezes, deixa inúmeras famílias à margem da política habitacional, as quais recorrem ao ônus excessivo, à coabitação e ao perverso processo de autoconstrução (MORETTI & AGNES, 2000; BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015). É importante reiterar que a parcela da população que mais carece de moradia digna situa-se na faixa de renda familiar de até três salários mínimos, o que demonstra a necessidade de se pensar em políticas voltadas para atender essa camada da população (BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015). Vabe lembrar, também, que o Estatuto da Cidade, instituído em 2001, já estabeleceu mecanismos de acesso à terra urbana, bem como a importância do cumprimento da função social da propriedade. Esses

1  Balbim, Krause e Lima Neto (2015:25) afirmam que há duas maneiras de subsídio de aluguel: “maneira direta (orçamento) ou indireta (contribuições e diferentes taxas cobradas em um parque locatício)”.


instrumentos visam frear a expansão das fronteiras das cidades, evitando o surgimento de um parque imobiliário subutilizado e especulativo, sobretudo em áreas urbanas consolidadas. Entre os efeitos positivos dessa política destacase a recuperação do estoque imobiliário antigo, de patrimônio histórico, além de auxiliar o desenvolvimento de atividades econômicas centrais, promovendo a reabilitação de territórios degradados e a regulação do mercado formal e informal de alugueis (BALBIM, KRAUSE, LIMA NETO, 2015).

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4. zonas especiais de interesse social No Brasil, durante um século marcado por intenso processo de urbanização, os assentamentos precários – como soluções habitacionais produzidas mediante processos que combinam, em diferentes graus, a iniciativa autônoma da população de baixa renda e a interferência do mercado designado como informal ou irregular – tornaram-se a forma predominante de moradia popular, refletindo a histórica desigualdade de distribuição da terra e da riqueza produzida no país. Desde 1934 o princípio da função social da propriedade está incluído na constituição brasileira e, desde a década de 1960 havia grupos militantes engajados na aprovação de instrumentos legais. Esses movimentos sociais estiveram reprimidos durante o governo militar, reorganizando-se a partir da década de 1980 no contexto da redemocratização (BRASIL, 2009). Por essas razões, as Zonas Especiais de Interesse Social tornaram-se um “importante instrumento estratégico para baratear e viabilizar a produção habitacional para famílias de média e baixa renda” (BRASIL, 2009). O uso da expressão “Zona Especial de Interesse Social” apareceu pela primeira vez em Recife, sob a Lei Municipal de uso do solo de 1983. Em 1987, foi aprovada a Lei dos Planos de Regularização das ZEIS – também

chamada de PREZEIS –, a qual serviu de referência para tantos outros municípios brasileiros, os quais tentaram, por meio de leis municipais – sem sucesso – criar ZEIS em vazios urbanos com o objetivo de facilitar o acesso ao solo urbano por parte da população de baixa renda (BRASIL, 2009). Esse instrumento aparece pela vez na legislação de âmbito federal apenas em 1999, por meio da Lei nº 9.785/99. A partir da aprovação da Lei nº 10.257/01 – Estatuto da Cidade, os munícipios dispõem de uma base legal mais consistente para a delimitação de ZEIS. Em 2009, o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Habitação, publicou um Guia para delimitar e regulamentar as Zonas Especiais de Interesse Social, ou ZEIS, altura em que o governo federal disponibilizou R$ 34 bilhões para investimento em habitação de interesse social, através do Programa Minha Casa Minha Vida. As ZEIS são compreendidas como um tipo de zoneamento, cujo objetivo principal é garantir o direito à cidade, por meio da ampliação da oferta de terras para a produção de novas moradias, bem como estabelecer condições especiais para a regularização de assentamentos precários, com a inclusão – territorial e social – da população de baixa renda em área urbana com inreabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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fraestrutura e serviços (BRASIL, 2009). As áreas delimitadas podem ser de dois tipos: áreas previamente ocupadas por assentamentos precários, passíveis de regularização (ZEIS 1); vazios urbanos ou imóveis subutilizados, que possam ser destinados à habitação social (ZEIS 2). Essa distinção não é obrigatória e pode ser adequada às necessidades de cada município.

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O Ministério das Cidades (2009) aponta que, muitas vezes, os munícipios encontram dificuldade na identificação e reserva de terrenos vazios, não utilizados ou subutilizados – aptos para a demarcação de ZEIS – em função da imprecisão dos cadastros imobiliários municipais. Além disso, enquanto as ZEIS 1 são de fato implementadas, as ZEIS de vazios enfrentam maiores dificuldades na sua regulamentação e gestão.

O importante é entender que essa classificação visa facilitar a regulamentação das ZEIS, estabelecer regras diferenciadas para contemplar situações urbanísticas diferenciadas, permitindo sua delimitação tanto em áreas centrais com maior potencial de adensamento, como em áreas intermediárias onde seja mais adequado prever o adensamento médio, a partir de delimitações podem abranger tanto imóveis isolados quanto um conjunto de imóveis (BRASIL, 2009).

A exemplo das necessidades específicas de cada município, destaca-se São Paulo, que em 2004 aprovou 964 perímetros de ZEIS por meio do Plano Diretor, divididas em quatro classificações e abrangendo 13% da área urbana do município:

É importante destacar que as ZEIS são áreas destinadas principalmente à moradia para a população de menor renda, em áreas sujeitas a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo, que se aplicam tanto a áreas terrenos públicos quanto privados. A delimitação dessas zonas interfere nas possibilidades de aproveitamento do solo urbano e, por esta razão, as ZEIS devem ser criadas pelo Plano Diretor ou outra lei municipal de mesma hierarquia, com o objetivo de prever a articulação dos instrumentos do Estatuto da Cidade, que conduzam ao desenvolvimento urbano sustentável e ao cumprimento da função social da propriedade (BRASIL, 2009).

ZEIS 2: terrenos vazios em áreas intermediárias, ou seja, são áreas relativamente próximas ao centro;

ZEIS 1: áreas ocupadas por assentamentos precários, loteamentos irregulares e favelas, habitadas por moradores de baixa renda;

ZEIS 3: áreas com concentração de cortiços, imóveis vazios ou subutilizados em áreas centrais, terrenos em antigas zonas industriais; ZEIS 4: áreas com restrições ambientais que admitem aproveitamentos de baixa densidade; Para este trabalho, será enfatizada a definição das ZEIS 3 do município de São Paulo, as quais estão localizadas em áreas centrais providas de infraestrutura


urbana; incluem imóveis vazios ou abandonados, áreas com concentrações de cortiços e terrenos em antigas zonas industriais (BRASIL, 2009). Um ponto importante deste tipo de zona especial é que ele mantém o caráter de uso misto, isso decorre em função da localização em áreas com densidades construtivas mais altas e, no caso de São Paulo, as novas construções nessas áreas podem atingir o coeficiente de aproveitamento 4. Já no caso do município de Cuiabá, a Lei Complementar nº 150, de 29 de janeiro de 2007 – Plano Diretor Municipal institui as ZEIS (que até então eram denominadas por Zonas de Interesse Social – ZIS). O Artigo 35 da lei institui dois tipos de ZEIS, para regularizar assentamentos precários (que, na prática, correspondem à ZEIS 1), mas não apresenta nenhuma demarcação de área. Em 2011, a Lei Complementar nº 231 – Uso, Ocupação e Urbanização do Solo reitera o que é apresentado no Plano Diretor Municipal. O Artigo 40 apresenta uma subdivisão vaga de ZEIS:

“I - Zonas Especiais de Interesse Social 1 - ZEIS 1 são constituídas por parcelamentos irregulares, conjuntos habitacionais públicos ou privados irregulares ocupados por população de baixa renda, que por seu grau de consolidação são passíveis de regularização.” “II - Zonas Especiais de Interesse Social 2 - ZEIS 2 são constituídas por parcelamentos informais em áreas públicas ou particulares ocupados por população de baixa renda, e que necessitam de estudos para verificar se são parcial ou integralmente passíveis de regularização.”

Além disso, a Lei acima citada traz em seu conteúdo a primeira tentativa de demarcação de áreas de ZEIS, sendo 14 parcelamentos para as ZEIS I e 47 parcelamentos demarcados como ZEIS II. Em momento algum o texto esclarece a diferença entre “parcelamento irregular” e “parcelamento informal”, tampouco há precisão na demarcação dessas áreas. Ou seja, a demarcação de ZEIS em 2011 foi tão vaga quanto a definição apresentada no corpo desta lei. É importante notar que, até o momento, nenhuma das leis municipais havia apresentado propostas para a demarcação de ZEIS em vazios. Apenas em 2015, por meio da Lei Complementar nº 389/15 – Uso e Ocupação do Solo, são estabelecidos dois tipos de ZEIS, descritos no Artigo 36:

“I – Zonas Especiais de Interesse Social 1 – ZEIS 1: são constituídas por parcelamentos irregulares, conjuntos habitacionais públicos ou privados irregulares, ocupados por população de baixa renda que, por seu grau de consolidação, são passíveis de regularização parcial ou integralmente, conforme estudos técnicos.” “II – Zonas Especiais de Interesse Social 2 – ZEIS 2: são constituídas por áreas não urbanizadas destinadas à ampliação da oferta habitacional para população de baixa renda e para o mercado popular.”

Essa lei complementar apresenta, pela primeira vez, uma demarcação concreta realizada com auxílio de GPS, resultando em 54 perímetros para as ZEIS 1 e 6 perímetros para as ZEIS 2. Portanto, é possível concluir reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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que na Lei nº 389/15 foi dada maior atenção à regularização dos assentamentos precários urbanos. De qualquer maneira, um ponto preocupante a ser evidenciado é que em nenhum momento a legislação municipal trouxe a questão da ocupação de vazios em solo urbanizado, muito pelo contrário, as ZEIS 2 preveem a demarcação de perímetros em solo não urbanizado, todos eles afastados da área central, dos serviços e da oferta de empregos. Levando em consideração o que foi exposto, pode-se indicar alguns dos possíveis efeitos negativos da lei municipal em vigor: a) A lei não considera em nenhum momento a utilização de edifícios que estejam vazios ou subutilizados, tampouco terrenos vazios em área urbanizada. Essa omissão beneficia o processo de especulação imobiliária; b) A demarcação de ZEIS em áreas não urbanizadas implica em ônus público com a provisão de infraestrutura nessas novas áreas, ampliação da linha de transportes, e ônus para próprios moradores, que estarão longe de empregos e serviços, gastando mais tempo em deslocamentos diários; Nessas condições, a lei de uso e ocupação do solo encoraja a dispersão urbana e estimula a expansão do perímetro urbano, seguindo na contramão do que está estabelecido no Estatuto da Cidade e do que vem sendo discutido sobre as vantagens sociais e econômicas do adensamento urbano em escala adequada. 24


5. déficit habitacional Com o objetivo de apresentar dados mais próximos à realidade habitacional do país e possibilitar o traçado de políticas complementares de provimento de moradias e melhoria dos domicílios, a Fundação João Pinheiro (FJP) desenvolveu uma metodologia de pesquisa que se divide em dois segmentos: o déficit habitacional e a inadequação das moradias. O déficit habitacional é entendido como a “necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação detectados em certo momento” (FJP, 2017:10). Enquanto isso, a inadequação de moradias “reflete problemas na qualidade de vida dos moradores: não está relacionada ao dimensionamento do estoque de habitações e sim às suas especificidades internas” (FJP, 2017:10). A FJP calcula o déficit habitacional através da soma de quatro componentes: domicílios precários, subdividindo-se em rústicos ou improvisados1 ; coabi-

1  A FJP (2017) considera que os domicílios rústicos são aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira emparelhada, enquanto os improvisados são os locais sem fins residenciais que servem como moradia (imóveis comerciais, embaixo de pontes e viadutos, entre outros).

tação familiar, subdivide-se em famílias que moram em cômodos 2 e famílias que dividem o mesmo domicílio; ônus excessivo com aluguel para famílias com renda de até três salários mínimos; adensamento excessivo de domicílios alugados, que é entendido como mais de três moradores por dormitório. É importante entender que o conceito de déficit habitacional diz respeito ao déficit quantitativo, enquanto o déficit qualitativo pode ser entendido através do conceito de “inadequação dos domicílios”, o qual tenta mensurar os problemas que refletem na qualidade de vida dos moradores e na habitabilidade desses domicílios. Portanto, é correto afirmar que o segundo não está relacionado com o estoque habitacional, mas sim com as especificidades internas da residência (FJP, 2017). Considerando-se que o objetivo deste trabalho é realizar um projeto de provisão de moradia, serão analisados apenas os dados referentes ao déficit habitacional quantitativo, por município e por setor censitário, tomando o cuidado para não colocar o público-alvo desta proposta em uma condição de déficit qualitativo.

2  Os cômodos foram incluídos no cálculo do déficit habitacional por mascarar a situação real de coabitação; são domicílios particulares compostos por um ou mais aposentos.

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Para a análise dos dados do município de Cuiabá, utilizou-se o software Déficit Habitacional, programa que foi desenvolvido em 2013 pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério das Cidades e a Secretaria Nacional de Habitação. Os dados fornecidos pelo software (FJP, 2013) mostram que o déficit quantitativo total para o município de Cuiabá era de 21.926 domicílios em 2010, sendo que 98,3% destes localizam-se em solo urbano, totalizando a demanda por 21.563 domicílios. Em contrapartida, foram identificados 21.355 domicílios vagos em todo o município, sendo que 98,6% destes estão em solo urbano (21.048 domicílios).

permite acessar o mercado formal de moradia (SCHOR, 2011). As famílias de baixa renda 3 representam 55,3% do déficit habitacional urbano em Cuiabá, ou seja, 11.921 domicílios 4 . E aqui é possível explorar uma hipótese: se a solução para o déficit habitacional de famílias de baixa renda fosse ocupar os domicílios vagos, seria possível criar uma política de subsídio para esse público, visto que há 21.048 domicílios vagos em Cuiabá.

Portanto, em um primeiro momento é correto afirmar que o déficit habitacional é maior do que o número de domicílios vagos, com base nos números absolutos apresentados acima. Mas, quando os dados são destrinchados e analisados com base na renda mensal das famílias, os resultados mudam significativamente. Considerando-se que no cálculo do déficit habitacional há desde domicílios sem rendimento até domicílios com renda mensal que ultrapassa 10 salários mínimos, é necessário adotar algum critério de análise que não trate as diferentes faixas de renda da mesma maneira. O déficit habitacional urbano para os domicílios com rendimento mensal de 10 ou mais salários mínimos representa 10,2% da demanda, ou seja, 2.203 domicílios (FJP, 2013). É importante destacar que esse grupo é composto por famílias que possuem condições financeiras que as 26

3  Para a análise, as famílias de baixa renda englobam duas categorias: sem rendimento; e com rendimento de 0-3 salários mínimos. 4  O levantamento de 2010 mostra que o déficit habitacional urbano para os domicílios sem rendimento e para os domicílios com rendimento de 0-3 salários mínimos são de 617 e 11.304 respectivamente (FJP, 2013).


6. retrofit como estratégia de ocupação em centros urbanos A reabilitação de edifícios não é um tema novo, principalmente no contexto dos países europeus, onde essa prática já está consolidada há aproximadamente 40 anos e foi muito difundida pelos movimentos sociais que ocuparam edifícios vazios, transformando-os em moradias para famílias de baixa renda (COSTA & FERREIRA, 2006; AMANCIO & FABRICIO, 2011). Nos países economicamente mais desenvolvidos daquele continente (dentre os quais pode-se citar Alemanha, Dinamarca, França, Inglaterra e Itália), o mercado da construção civil tem investido mais em reabilitação de edifícios antigos do que na construção de edifícios novos (COSTA & FERREIRA, 2006; YOLLE NETO, 2006). Para Yolle Neto (2006), um dos motivos que justifica a adesão dessa prática é a existência de um imenso parque edificado e que tem sido preservado por consenso. Yolle Neto (2006), Zmitrowicz e Bomfim (2007) afirmam que, no contexto europeu, a reabilitação de edifícios não é feita de forma isolada, mas faz parte de uma intervenção maior e intensa, que abrange toda a área deteriorada e leva em consideração questões técnicas, urbanas e os benefícios sociais que tal intervenção pode trazer. Além disso, a equipe técnica estabelece contato intenso com a comunidade interessada, em

busca de melhores soluções de projeto, porque o objetivo principal é adaptar as edificações às necessidades atuais daqueles que irão usufruir do imóvel (ZMITROWICZ & BOMFIM, 2007). Embora a reabilitação de edifícios antigos seja uma prática comum em vários países, ainda é uma atividade pouco expressiva no setor da construção civil brasileira e, de acordo com Amancio e Fabrício (2011), isso se deve à falta de cultura com relação ao retrofit, o que prejudica o desenvolvimento deste nicho de mercado. Com relação ao exposto, Costa e Ferreira (2006) defendem que a reabilitação de imóveis subutilizados tem se mostrado como um bom caminho para popularização dos centros urbanos e que, o primeiro passo para estimular a cultura de conservação de edificações no Brasil é atrair investimentos em tecnologia voltados para práticas de retrofit, tornando-as mais viáveis economicamente. Por outro lado, os mesmos autores comentam que a legislação atual dificulta as ações de reabilitação, tornando o processo burocrático e moroso, o que acaba, muitas vezes, desinteressando os investidores. Infelizmente, a política que ainda predomina no Brasil direciona recursos abundantes para a construção reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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de novos conjuntos habitacionais periféricos, afastados de equipamentos comunitários, transporte público, serviços e empregos, como já foi abordado nos primeiros capítulos deste trabalho. De acordo com Moretti e Fernandes (2000) esse modelo de expansão periférica teve origem na década de 1940 e ainda vigora nos dias atuais:

“Juntamente a esse processo de segregação socioespacial, vai se moldando uma nova configuração espacial urbana - a cidade inacabada, espraiada em enormes periferias totalmente carentes de infraestrutura e serviços. Esta configuração apresenta profundas implicações de caráter ambiental.” (MORETTI & FERNANDES, 2000:2)

A reabilitação de edifícios ociosos deve ser incentivada, principalmente quando se tratam daqueles localizados em áreas dotadas de infraestrutura e boa localização. As poucas iniciativas de reabilitação com finalidade de interesse social foram realizadas especialmente nas grandes capitais, muitas vezes vinculados a programas governamentais como o Programa de Arrendamento Residencial para Reforma, o PAR-Reforma (COSTA & FERREIRA, 2006; YOLLE NETO, 2006). A cidade de São Paulo, que é a maior capital nacional e também responsável pela maior parte do déficit habitacional, se tornou a cidade pioneira em obras de reabilitação de edifícios vazios no centro. Mas também é a cidade que enfrenta obstáculos neste processo:

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“O repovoamento destas áreas através da provisão de unidades habitacionais para famílias de média e baixa renda aparece como alternativa para uma grande política de revitalização das áreas centrais. Porém, o parque edificado vazio existente, por ser predominantemente de edifícios comerciais ou residenciais de alto padrão, não atende à demanda voltada para Habitação de Interesse Social (HIS). A reabilitação ou reciclagem destes edifícios aparece como peça fundamental na política de revitalização da região central. A adequação do parque edificado aos novos moradores abre um novo campo no setor da construção civil que ainda não é popular no Brasil.” (COSTA & FERREIRA, 2006:2725)

Costa e Ferreira (2006) concluem que a reabilitação do parque imobiliário vazio, por si só, não é a solução capaz de equacionar o problema do déficit habitacional, mas já é uma importante ferramenta para a estratégia de mudança do quadro da habitação de interesse social no Brasil. Os autores enfatizam, ainda, que essa prática deve sempre estar acompanhada de uma política habitacional ampla e consistente, que seja viabilizada pelos três níveis de governo, a fim de evitar o processo de periferização e dispersão nas grandes cidades.


7. cohousing O cohousing é um modelo habitacional que tem suas raízes nos movimentos feministas e comunitários dos séculos XIX e XX, o qual foi construído pela primeira vez em 1964 na Dinamarca (WILLIAMS, 2005).

mas é também algo construído em conjunto (WIKING, 2017). Bofællesskaber é traduzido para o inglês como living together, e em português pode ser entendido como “coabitar”.

Na Dinamarca e nos Países Baixos, o cohousing foi desenvolvido com a intenção de melhorar os relacionamentos sociais e aumentar o senso de comunidade, enquanto que na Suécia a motivação foi o feminismo: com o crescente número de mulheres ingressando no mercado de trabalho houve o desejo de reduzir a carga de trabalho doméstico, principalmente no que diz respeito ao cuidado com as crianças e ao preparo das refeições noturnas, que começaram a ser realizados através do compartilhamento de tarefas entre as famílias (WILLIAMS, 2005).

Esse modelo de habitação é a combinação entre a autonomia e a privacidade das moradias convencionais com as vantagens da vida em comunidade, ou seja, trata-se de um conjunto de unidades privadas, espaços semiprivados e áreas comuns (WILLIAMS, 2005).

Em dinamarquês, esse movimento é denominado por Bofællesskaber. A palavra Bofælles pode ser traduzida como “colega de quarto”, enquanto que a palavra fællesskab significa “comunidade”; essas palavras podem ser decompostas em Bo (= morar ou ficar), fælles (= comum ou compartilhado) e skab/skaber (= armário/criar). Bo + fælles + skaber = morar + compartilhar + criar. A explicação do termo tem a intenção de mostrar que não se trata apenas de compartilhar os recursos,

A principal publicação sobre o assunto foi o livro Cohousing: A Contemporary Approach to Housing Ourselves (1988), dos arquitetos Kathryn McCamant e Charles Durrett. Na altura, os autores apresentaram os princípios fundamentais nessas coabitações, tais como: processo participativo; design que estimule o fortalecimento do senso de comunidade; moradia privativa e completa, com acesso às áreas comunais; gestão realizadas pelos próprios moradores; estrutura não hierárquica; fontes de renda separadas (MCCAMANT & DURRETT, 1988 apud COHEN & MORRIS, 2005). Sobre o último ponto, Scotthanson & Scotthanson (2004) afirmam que o emprego e os empreendimentos são organizados na esfera privada, ou seja, a renda de cada família não é compartilhada com a comunidade. reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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Cohousing é uma maneira de criar um ambiente construído que encoraje a interação da comunidade existente através de quatro recursos de design, são eles: separação de automóveis das residências; desenho de caminhos pedonais conectando às áreas comunais e às casas; posicionar a área ativa da casa (cozinha) voltada para a calçada (interação visual com os vizinhos); e construção da “casa comunal” em posição central (SCOTTHANSON & SCOTTHANSON, 2004). Os autores afirmam, ainda, que as coabitações são frequentemente comparadas com as ecovilas, por essa razão o cohousing é muitas vezes visto como um ingrediente para alcançar uma comunidade sustentável, porque aborda muitas questões do comportamento sociais, enquanto a ecovila é baseada no desejo de criar uma comunidade ecológica e socialmente sustentável, é um movimento que exprime uma mudança radical em nosso relacionamento com o planeta. De acordo com Williams (2005), o processo operacional de uma coabitação encoraja um estilo de vida colaborativo e interdependência entre os seus residentes, formando comunidades fortes. Os habitantes são diferentes entre si no que diz respeito à interesses, faixa etária, religião e outros fatores pessoais. No entanto, em termos de classe social, poder aquisitivo, raça1 e escolaridade, os coabitantes apresentam maior homogeneidade, o que reforça a interação social. Além 1  O termo race foi utilizado por Williams (2005) que, em tradução livre, foi colocado neste trabalho como “raça”, de modo a manter a fidelidade do que foi dito pelo autor. Entretanto, no Brasil a expressão mais adequada seria “cor de pele”.

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disso, os residentes se envolvem em atividades participativas, como: recrutar novos moradores para a comunidade, seu desenho, gestão e manutenção dos espaços, organização de atividades regulares para as áreas comuns (confraternizações, refeições, aulas de ginástica, eventos culturais, manutenção do jardim, entre outros) (WILLIAMS, 2005). Nos últimos anos, muitos autores vêm defendendo a ideia de que o cohousing é adequado para pessoas idosas, para aquelas que não querem viver nem sozinhas e nem em um abrigo convencional para idosos. É importante lembrar que nem todas as pessoas conseguem se adaptar ao modo de vida bofællesskab, no entanto, é possível pegar os elementos que funcionam e adaptá-los de acordo com as necessidades do grupo, para então formar novas configurações de coabitação (WIKING, 2017).


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parte II


8. enquadramento da área e opções para a intervenção A partir da base de dados georreferenciada do município de Cuiabá, do ano de 2013, e com auxílio do software ArcGIS, foram extraídas todas as informações cadastrais necessárias para a elaboração de mapas neste capítulo. Entretanto, é importante frisar que os parâmetros de análise foram estabelecidos pela autora, bem como a elaboração dos diagnósticos, os quais são imprescindíveis para a escolha do local de intervenção.

metodologia de escolha O primeiro passo consiste em determinar quais características tornam sustentável a reabilitação de um edifício. Sabe-se que a modificação do programa original de um edifício dificulta o procedimento de reabilitação, como já foi afirmado por Costa e Ferreira (2006), porque a modificação da tipologia do edifício torna a reforma onerosa e, tratando-se de habitação de interesse social, a minimização de gastos é fundamental. De acordo com as notícias dos jornais locais, o período de recessão econômica em que o país se encontra levou alguns hotéis em Cuiabá a encerraram suas atividades nos últimos anos, sendo que alguns destes nem chegaram a inaugurar. Dentre as várias razões para que esses empreendimentos tenham fracassado, algumas

delas podem ser citadas: falta de investimento no potencial turístico da região; baixa taxa de ocupação durante boa parte do ano; investidores que estão à espera de um momento mais propício para apostar no ramo da hotelaria. Levando-se em consideração o contexto econômico local e a proximidade entre o programa de necessidades de um hotel e o programa de um edifício residencial econômico, percebeu-se que a reabilitação de um hotel subutilizado seria o ideal neste projeto. Considerou-se, ainda, como item mandatório, que o edifício esteja localizado em área dotada de boa infraestrutura, preferencialmente em uma via estrutural, de modo que o incremento de novas habitações não gere impacto negativo no tráfego local de veículos e na capacidade do transporte coletivo. Dentro desses parâmetros, selecionou-se três edifícios ociosos com a tipologia de hotel, os quais serão avaliados de acordo com a acessibilidade aos equipamentos comunitários. A acessibilidade será o fator determinante para a escolha do edifício de intervenção, e tem a finalidade de confrontar o modelo de expansão periférica dos conjuntos habitacionais voltados para a classe de baixa renda. reabilitação de edifício ocioso para uso de interesse social

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Os três edifícios escolhidos para essa análise possuem algumas semelhanças. Todos localizam-se em vias estruturais, em terrenos muito valorizados, com fácil acesso a trasporte público, emprego e serviços.

a) Aurea Palace Hotel: construído na década de 1980, sempre funcionou como hotel, passou por várias gestões e está fechado há mais de uma década. Hoje o edifício está à venda;

Além disso, os três foram projetados originalmente com a tipologia de hotel, com aproximadamente 85 unidades habitacionais cada.

b) Cuyaba Golden Hotel: construção iniciada em 1989 com financiamento da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O edifício já passou por retrofit antes mesmo da sua conclusão;

Apesar das semelhanças e da construção no mesmo período, os três possuem partidos arquitetônicos distintos e estão ociosos por razões completamente diferentes:

c) Haddad Hotel: construção iniciada na década de 1980, foi embargada e nunca chegou à fase de acabamento.

Página ao lado: Mapa 1 - Identificação das opções de edifício para a intervenção. Elaborado pela autora.

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Definidas as opções de edifícios para a intervenção, o próximo passo é avaliar o nível de acessibilidade dos edifícios até os equipamentos comunitários da região, visto que a acessibilidade é um fator imprescindível para a qualificação e escolha do local. Alguns autores estabeleceram métodos para determinar as distâncias ideais a serem percorridas pelos cidadãos, de suas residências até os equipamentos de educação, saúde, lazer e transporte público. Essas distâncias são chamadas de raios de abrangência e “servem como instrumento para que o planejamento urbano possa maximizar oportunidades de acesso da população a estes elementos” (ESCOBAR et al., 2016:8). Para determinar os parâmetros adequados para a cidade de Cuiabá, três metodologias serão comparadas: Grupo

Educação

Saúde Lazer

Serviço Transporte

Tipo de equipamento Creche Pré-escola Ensino fundamental Ensino médio Universidade/Escola técnica Posto de saúde Hospital e clínica especializada Praça Parque Local de esporte Comércio cotidiano Comércio eventual Comércio raro Parada de ônibus Linha de ônibus

a) Prinz (1980) estabelece intervalos aceitáveis de distâncias percorridas a pé, em função do tempo, a partir da residência até os equipamentos comunitários de educação e lazer; b) Pitts (2004) apud Escobar et al. (2016) define as distâncias consideradas ideais, com foco na sustentabilidade urbana; c) Castello (2008) apud Carniato e Gonçalves (2013) estabelece as distâncias máximas baseando-se na frequência dos deslocamentos, os destinos são divididos em três grupos: equipamentos de uso diário ou frequente; equipamentos de frequência média; e equipamentos de uso pouco frequente e/ou deslocamento por transporte coletivo.

Prinz (1980) --450-750m 450-750m --------250-450m 700-1000m 550-1000m 350-500m 850-1200m --400-650m ---

Raios de abrangência Pitts (2004) Castello (2008) --400m 500m 400m 500m 400m 1000m 800m --1600m --800m 5000m 1600m 400m 400m --800m 1000m 800m --400m --800m --1600m 300m -------

Tabela 1 - Parâmetros estabelecidos por Prinz (1980), Pitts (2004) e Castello (2008). Elaborada pela autora.

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A partir dos três métodos apresentados, pretende-se adaptar os parâmetros à realidade do local de estudo. No caso de Cuiabá, é importante considerar que se trata de uma cidade de clima quente durante a maior parte do ano, e com pouca vegetação arbórea nos caminhos percorridos pelos pedestres. Levando em consideração que os parâmetros estabelecidos pelos autores não são os mesmos, para este trabalho serão adotadas as médias das distâncias apresentadas. As distâncias relacionadas ao transporte coletivo serão trabalhadas de forma diferente das demais variáveis, isso se deve ao sistema de transporte público não funcionar de maneira desejável em Cuiabá. Portanto, para a distância da residência até as paradas de ônibus Grupo

Educação

Saúde Lazer

Serviço Transporte

serão considerados dois raios: 300 metros como satisfatório e 500 metros como a situação limítrofe. Para as linhas de ônibus foi considerado um raio de influência de infraestrutura de 300 metros. Essa distância é considerada a partir das vias estruturais que ligam o centro aos principais eixos da cidade. A seguir, serão analisados apenas os equipamentos públicos de educação e saúde. Essa decisão se justifica pelo fato de os grupos “lazer”, “transporte” e “serviço” apresentarem condições muito semelhantes para os três edifícios, não podendo configurar como um item de desempate. Ou seja, os três prédios estão localizados em vias estruturais abastecidas por linhas de ônibus, pelo comércio local e diversificado e, por outro lado, nenhum deles é atendido pelos equipamentos de lazer.

Tipo de equipamento Creche Pré-escola Ensino fundamental Ensino médio Universidade/Escola técnica Posto/centro de saúde Hospital e clínica especializada Praça Parque Local de esporte Comércio cotidiano Comércio eventual Comércio raro Parada de ônibus Linha de ônibus

Raios de abrangência adotados pela autora 400m 500m 500m 900m 1600m 800m 3300m 400m 800m 900m 400m 900m 1600m 150-500m 300m

Tabela 2 - Raios de abrangência adotados para a análise. Elaborada pela autora.

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Para a análise de abrangência dos equipamentos de educação, é necessário explicar que muitas instituições atendem mais de um nível educacional, ao mesmo tempo. Por essa razão - e com o objetivo de simplificar a quantidade de informações - optou-se por flexibilizar os parâmetros de análise para os equipamentos de educação. Portanto, os raios de abrangência (RA) das pré-escolas e de todos os níveis do ensino fundamental serão considerados com a mesma hierarquia, dentro da mesma legenda. No primeiro momento, é possível constatar que os equipamentos de educação estão mal distribuídos, pois ao mesmo tempo em que há concentração de equipamentos em alguns pontos, grande parte da malha urbana não é incorporada. Os três edifícios atendem aos requisitos de acessibilidade para a pré-escola e ensino fundamental. No entanto, os edifícios Cuyaba Golden e Haddad não atendidos pelas creches municipais.

Entendendo as etapas do sistema de educação brasileiro: a) Creche: é a primeira etapa da educação básica, chamada de educação infantil, com foco em atender crianças de 3 a 5 anos de idade, mas que, de acordo com o Ministério da Educação, o estado não tem obrigação de oferecer vagas; b) Pré-escola: também faz parte da educação infantil, é voltado para crianças de 3 a 5 anos de idade. A diferença é que esta etapa tem o foco no desenvolvimento psicológico, social e intelectual, e o estado tem a obrigação de oferecer vagas para essa fase de ensino; c) Ensino fundamental: é voltado para a faixa etária de 6 a 14 anos e geralmente dividido em duas fases, do 1º ao 5º ano e do 6º ao 9º ano. Existem tantos escolas municipais quanto estaduais, pois a responsabilidade de articular as áreas de abrangência e de oferecer vagas é de ambos.

Página ao lado: Mapa 2 - Abrangência de equipamentos de educação infantil e ensino fundamental. Elaborado pela autora.

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A exemplo do mapa anterior, nesta etapa também foi necessário adaptar os parâmtros. Para as instituições que atendem ensino fundamental e ensino médio, simultaneamente, serão considerados os maiores raios de abrangência (RA). A mesma adaptação foi feita no caso de a instituição oferecer o ensino médio aliado ao ensino técnico. Através do mapa ao lado, é possível concluir que há boa distribuição de escolas de ensino médio na área compreendida entre a Avenida Miguel Sutil e o Rio Cuiabá, a qual contém 17 bairros e a maior concentração populacional do município. No entanto, essa distribuição não se mantém fora do anel da Avenida Miguel Sutil, tanto que o prédio do Haddad Hotel não é atendido por nenhuma escola de ensino médio, nem por instituições de ensino superior ou técnico. Ha apenas duas instituições públicas de ensino técnico e superior: o Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), respectivamente. Tratando-se de instituições federais, é incoerente estabelecer distâncias máximas, pois são locais facilmente acessados com o transporte público.

Entendendo as etapas do sistema de educação brasileiro: a) Ensino médio: é a última etapa da educação básica, com foco em atender os jovens de 15 a 17 anos de idade, o estado tem obrigação de oferecer vagas. Nessa mesma categoria considera-se a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que tem o objetivo de desenvolver o ensino fundamental e médio para as pessoas que não frequentaram a escola na idade recomendada; b) Ensino superior: compreende as licenciaturas, bacharelados, formação tecnológica e pós-graduação, para os jovens a partir de 18 anos de idade; c) Ensino técnico: tem o objetivo de qualificar pessoas para os diversos setores da economia. Apesar de ser voltado para jovens com mais de 18 anos, é possível fazer o ensino técnico integrado ao ensino médio ou separadamente, como um cursos a parte.

Página ao lado: Mapa 3 - Abrangência de equipamentos de educação: ensino médio, superior e técnico. Elaborado pela autora.

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Para a análise de abrangância de equipamentos de saúde, foram adotadas duas classificações: o Posto de Saúde da Família e o Centro de Saúde serão considerados dentro da mesma legenda e com a mesma hierarquia; as policlínicas e clínicas especializadas foram consideradas com o mesmo raio de abrangência (RA) de hospitais.

a) Posto de Saúde da Família (PSF) ou Centro de Saúde: são a porta de entrada do SUS, onde são feitas as consultas de rotina, além da entrega de medicamentos e aplicação de vacinas. O Ministério da Saúde recomenda que cada equipe de PSF seja responsável por 600 a 1000 famílias, ou 4500 habitantes;

Com relação ao alcance dos postos ou centros de saúde, o Aurea Palace e o Cuyaba Golden são atendidos por pelo menos uma equipe, cumprindo este requisito básico de acessibilidade. Por outro lado, o Haddad Hotel está localizado em uma área sem cobertura deste serviço.

b) Unidade de Pronto Atendimento (UPA): também chamada de policlínica, oferece atendimento ambulatorial de média a alta complexidade. Pode oferecer pronto atendimento 24 horas, não possui estrutura para internação e centro cirúrgico;

Os três edifícios estão cobertos por dois hospitais regionais: o Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá e o Hospital Universitário Julio Müller. Todos eles também se localizam dentro da área de cobertura de algumas clínicas especializadas, tais como: Clínica Odontológica do Jardim Leblon, Hemocentro e Centro de Reabilitação Dom Aquino Corrêa. No que diz respeito ao Centro Social e Psicossocial, apenas o Aurea Palace Hotel está dentro do raio de 5 km que foi determinado.

c) Hospital: é a unidade que deve atender emergências e casos de alta complexidade, podendo receber encaminhamentos de postos de saúde e UPAs. Funciona todos os dias, 24 horas, e sua abrangência é regional; d) Clínica especializada: são unidades destinadas à assistência em apenas uma especialidade, podendo incluir ou não o serviço de emergência. Sua abrangência é regional, e aqui estão incluídos os centros de reabilitação e clínicas odontológicas.

Ao lado, segue a explicação dos níveis de atendimento do Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS):

Página ao lado: Mapa 4 - Abrangência de equipamentos de saúde: postos, hospitais e clínicas. Elaborado pela autora.

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O próximo mapa mostra a síntese do que foi discutido nos três mapas anteriores, é o resultado de todas as análises parciais, a sustentação para a escolha do edifício que será estudado e, posteriormente, reabilitado para uso de interesse social. A metodologia utilizada para chegar a esse resultado foi desenvolvida pela autora e será explicada nos próximos parágrafos. É importante notar que, cada mapa anterior agrupou vários níveis/graus de estabelecimentos em duas categorias principais, com o objetivo de analisar a interação dos raios de abrangência em duplas. Essa interação “dois a dois” gerou uma “terceira área” em todos os mapas, as quais se formaram a partir da intersecção das áreas de abrangência de cada equipamento. As áreas de intersecção podem ser consideradas como o produto de cada mapa, porque elas indicam quais regiões do tecido urbano são plenamente1 atendidas pelos equipamentos comunitários de educação e saúde. Portanto, chegou-se a três produtos, um referente a cada análise, indicados em cores diferentes. Dessa forma, é possível determinar com maior precisão se os edifícios selecionados cumprem os requisitos de acessibilidade para os equipamentos comunitários.

O mapa mostra que o Haddad Hotel não atingiu a acessiblidade satisfatória em nenhuma das análises anteriores e, por essa razão, não pode ser eleito como o local ideal para abrigar habitação de interesse social. É importante deixar claro que, apesar de não ser satisfatório para a escolha deste estudo, o edifício continua sendo uma opção interessante para futuras propostas, pois está em uma localização estratégica em questão de mobilidade urbana, seja através de veículo privado ou transporte público. O edifício Cuyaba Golden Hotel, por sua vez, atingiu a acessibilidade satisfatória apenas para os equipamentos de saúde, e chegou perto de alcançar a área de intersecção de instituições de ensino médio e superior. No entanto, o local está a uma distância significativa da área de abrangência de creches, razão pela qual o edifício não alcançou a acessibilidade buscada para a educação infantil. O edifício Aurea Palace Hotel é o único que está localizado na área de união das três intersecções. Isso significa que o local é atendido por todos os níveis de equipamentos de educação e saúde, o que pode ser observado nos mapas anteriores e constatado através dessa síntese. Por essa razão, concluiu-se que o Aurea Palace é o edifício mais conveniente para uma proposta de reabilitação com a finalidade de interesse social.

1  Baseando-se na adaptação de parâmetros de “distâncias ideais” de Prinz (1980), Pittz (2004) apud Escobar et al. (2016) e Castello (2008) apud Carniato e Gonçalves (2013).

Página ao lado: Mapa 5 - Análise de acessibilidade e intersecção de áreas de abragência. Elaborado pela autora.

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A tabela ao lado expõe, de forma simplificada, quais categorias de equipamentos atendem os requisitos de distância máxima, para cada um dos edifícios. Essa síntese de informações evidencia a razão pela qual o Aurea Palace foi escolhido como o edifício que melhor se conecta com a malha urbana e com os equipamentos comunitários.

Tabela 3 - Comparação de acessibilidade dos equipamentos de educação e saúde. Elaborada pela autora.

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9. análise da edificação Na internet, não foram encontradas muitas informações acerca da história do prédio e, do pouco que foi encontrado, é referente ao Hotel Aurea Palace, enquanto empresa. Desse modo, a maior parte do material utilizado para a análise da parte histórica e arquitetônica do edifício foi obtida através de: a) visitas in loco; b) entrevista com o proprietário e conversas informais com pessoas que trabalham no local; c) levantamento fotográfico; d) levantamento realizado com auxílio de trena a laser; e) fotografias antigas concedidas pelo proprietário; f) análise de entorno feita com auxílio de ArcGIS.

No primeiro momento, serão apresentados os dois últimos mapas dessa etapa de estudo, o primeiro mostram a acessibilidade do edifício com relação aos equipamentos comunitários essenciais, enquanto o segundo apresentará a análise da rede de transporte público para esse recorte central.

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O mapa ao lado identifica todos os equipamentos que atendem as distâncias máximas estabelecidas, englobando o Aurea Palace em suas áreas de abragência. O objetivo, aqui, é mostrar a acessibilidade do edifício escolhido para a proposta de reabilitação.

A categoria que mais deixa a desejar é a creche, que está a uma distância limítrofe para atender o edifício. Ao que tudo indica, a cidade de Cuiabá não oferece uma cobertura satisfatória de creches e pré-escolas, como foi mostrado no Mapa 1, no capítulo anterior.

Além da excelente localização do prédio e sua acessibilidade satisfatória, nota-se que há grande quantidade de equipamentos comunitários de saúde e educação. Os equipamentos de esporte e lazer não foram considerados como indispensáveis para esta etapa, e serão analisados posteriormente.

O mapa mostra, também, que os equipamentos mais distantes do edifício são as clínicas especializadas e o Hospital Universitário Júlio Müller, localizados de 2 a 3 km de distância, o que é muito satisfatório visto que o limite para esta categoria é de 5 km.

Página ao lado: Mapa 6 - Acessibilidade e identificação de equipamentos de educação e saúde. Elaborado pela autora.

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Como foi dito no capítulo anterior, a avaliação da acessibilidade relacionada à rede transporte público é feita de forma diferente das análises anteriores. Optou-se por desenvolver essa análise apenas nessa etapa, já com o edifício escolhido, a fim de apresentar um disgnóstico mais detalhado. Foram identificados quatro percursos principais de transporte público, diferenciados por cores no mapa ao lado. Essas percursos serão chamados de eixos noroeste, nordeste, sudeste e sudoeste. Para cada um desses eixos, foi analisado o acesso às suas respectivas paradas de ônibus. A partir dos eixos encontrados, considerou-se o raio de influência de infraestrutura de 300 metros. Isso significa que, mesmo que a residência não esteja a uma distância ideal da parada de ônibus, ela está situada em uma área que sofre influência da infraestrutura da rede de transporte que, por sua vez, influi na dinâmica de localização do comércio local. É importante levar em consderação que a região central de Cuiabá não possui vegetação arbórea significativa nos caminhos de pedestres e, somandose a isso, há o fator climático, que faz com que Cuiabá tenha temperaturas elevadas durante a maior parte do ano. Por essas razões, os parâmetros de distâncias percorridas a pé foram adaptadas à realidade do local. Adotou-se como ideais os percursos que distam até 300 metros lineares do edifício até as

paradas de ônibus, sendo que 500 metros é a situação limítrofe. Ao todo, são cinco pontos de origem para acessar os principais itinerários. As paradas de ônibus que dão acesso aos eixos noroeste e sudeste distam menos de 200 metros, enquanto os pontos de acesso aos eixos nordeste e sudoeste excedem a distância ideal e estão a aproximadamente 330 metros . Há duas alternativas para acessar o eixo sudeste, dependendo do destino final do passageiro. A primeira parada de ônibus está localizada na Rua Miranda Reis, a menos de 200 metros do edifício; a segunda está localizada na Avenida Tenente Coronel Duarte (Prainha), e representa a situação mais desfavorável desta análise, situada a 370 metros de distância do edifício. A maior parte das linhas de transporte coletivo de Cuiabá passa nas proximidades da edificação estudada, e alguns fatores que contribuem para isso podem ser citados: a localização central; a convergência de vias estruturais; o extinto Terminal de Ônibus Bispo Dom José, localizado a 370 metros, que mesmo hoje é ponto de passagem de muitas linhas. Portanto, pode-se afirmar que a rede de transporte público atende satisfatoriamente os requisitos de acessibilidade para este edifício, além de conectá-lo aos principais eixos urbanos.

Página ao lado: Mapa 7 - Análise de acessibilidade da rede de transporte público. Elaborado pela autora.

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Através do CNPJ do grupo Aurea Palace Hotel Ltda. - ME, constatou-se que a empresa foi aberta em março de 1980 e continua ativa. No entanto, não se sabe o ano exato de inauguração do hotel, o ano de encerramento das atividades, nem mesmo se funcionou sempre no mesmo edifício. O atual proprietário foi questionado sobre esses dados e informou, por meio de entrevista, que comprou o imóvel na década de 1990, quando o mesmo foi leiloado, e passou a arrendar o imóvel para que outro grupo administrasse o hotel. Informou, ainda, que o hotel encerrou suas atividades há mais de 10 anos, por motivo de má gestão e dívidas. No terreno há várias edificações, como pode ser constatado na escritura do imóvel (anexo 1). Dessas construções, apenas o prédio do hotel está desativado, a sauna continua em funcionamento e aberta ao público, com acesso pela Avenida General Valle. A edificação onde funcionava o auditório do hotel, hoje é o escritório de outra empresa que pertence ao mesmo grupo de proprietários. Não se sabe quantas reformas foram feitas no edifício, mas o levantamento revelou algumas mudanças externas e internas, as quais poderão ser verificadas adiante, neste capítulo, através de plantas baixas e comparação de fotografias. Depois de anos de inatividade, alguns estudos preliminares de reabilitação foram apresentados, podemse citar alguns exemplos: prédio da Polícia Federal, um novo hotel, Centro de Reabilitação para diminuir a sobrecarga de pacientes no Pronto Socorro, entre outros. 52

Entretanto, todos essas propostas foram rejeitados porque pediam a contrapartida dos proprietários: estes deveriam arcar com os custos de reforma do imóvel para que os investidores levassem seus empreendimentos para o edifício. Hoje o imóvel está à venda por R$ 7 milhões, um valor considerado justo para uma área com potencial comercial, de acordo com o laudo de avaliação feito em 2015 (anexo 2). Quando questionados sobre o motivo da venda, os proprietários não demonstraram interesse em investir no prédio. Percebe-se que nunca houve uma proposta de habitação de interesse social para esse edifício e, aparentemente, os custos de reforma são elevados para justificar o fato de os proprietários não investirem mais no imóvel. Por isso é importante pensar em estratégias que viabilizem esse tipo de investimento, é o que será proposto junto ao projeto arquitetônico de reabilitação.


A foto abaixo, de 1960, mostra que no terreno ainda não havia a edificação do Aurea Palace

Figura 1 - Vista parcial do centro de Cuiabá, 1960

Alguns registros evidenciam a importância do Aurea Palace Hotel em Cuiabá no contexto das décadas de 1980 e 1990. Constatou-se essa importância após verificar que o local recebeu algumas exposições de arte, eventos importantes, além de ser o local onde se hospedavam artistas nacionais e políticos importantes. Abaixo, segue um dos relatos:

“O governador de Mato Grosso, Júlio Campos, concluiu várias obras e resolveu inaugurá-las de uma só vez, com a presença do Presidente da República, General João Batista de Oliveira Figueiredo. [...] Por uma dessas belas coincidências, eu estava em Cuiabá tratando de interesse da prefeitura e, sempre me hospedei no Hotel Áurea, diga-se de passagem, na época, o melhor. Por essa razão chegou, naquela tarde, a comitiva da Presidência da República e se hospedou no mesmo hotel.” Retirado do livro Histórias que vi, vivi e Convivi de José Idalberto Cunha, 2016. Autor desconhecido. Disponível em: http://www.socimage.com/ media/1379071986734788937_2898020157

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A comparação fotográfica evidencia que o primeiro pavimento foi modificado nos quartos a noroeste: as janelas deram lugar às portas, acrescentando-se varandas. Essa alteração pode ser verificada nas plantas baixas.

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Figura 2 - Fachada noroeste do Aurea Palace Hotel, s/d

Figura 3 - Fachada noroeste do Aurea Palace Hotel, 2018

Fonte: Arquivo pessoal de Bruno Simoni

Fonte: Luisa Pegorini Souza


Figura 4 - Fachada principal do Aurea Palace Hotel, 1996

Figura 5 - Fachada principal do Aurea Palace Hotel, 2018

Fonte: Arquivo pessoal de Bruno Simoni

Fonte: Luisa Pegorini Souza

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A comparação fotográfica mostra que a piscina foi aterradae o muro foi demolido. Além disso, em algum momento foi feito um projeto de ampliação do hotel, com intenção de construir outro prédio, mas a obra foi interrompida ainda na fase de fundação.

Figura 6 - Área de lazer do Aurea Palace Hotel, s/d

Fonte: Arquivo pessoal de Bruno Simoni

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Figura 7 - Antiga área de lazer do Aurea Palace Hotel, 2018

Fonte: Luisa Pegorini Souza


Figura 8 - Entrada do restaurante e piscina, 1998

Figura 9 - Entrada do antigo restaurante e piscina aterrada, 2018

Fonte: Arquivo pessoal de Bruno Simoni

Fonte: Luisa Pegorini Souza

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considerações parciais A revisão da literatura, feita na primeira parte deste trabalho, reforça a ideia de que a reabilitação de edifícios ociosos para uso de interesse social deve fazer parte de um conjunto de medidas de planejamento urbano e de políticas responsáveis que almejem o desenvolvimento urbano sustentável. A experiência de outros países indica que, o sucesso de projetos de reabilitação com essa finalidade está associado ao conjunto de medidas legais que facilitem a viabilização do retrofit, vinculado a programas sociais específicos. A próxima etapa do trabalho analisará algumas obras correlatas, principalmente as experiências verificadas na cidade de São Paulo, a fim de adquirir repertório projetual para a elaboração de um programa de necessidades adequado à temática. Na sequência, será desenvolvida a análise de patologias das fachadas, de modo a melhorar a salubridade e a estética do edifício. O resultado do trabalho será uma proposta de intervenção arquitetônica, reabilitando o antigo hotel para transformá-lo em habitação de interesse social - utilizando mecanismos que assegurem a conexão do público-alvo com o local.

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anexos


anexo 1 - escritura do imóvel

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anexo 2 - laudo de avaliação do imóvel (2015)

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