O sagrado, a fé e o domínio da paisagem-Os exemplos da Igrejinha do Rochedo e o Seminário Comboniano

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O sagrado, a fé e o domínio da paisagem: Os exemplos da Igrejinha do Rochedo e o Seminário Comboniano de Ibiraçu (ES)

Relatório Final da pesquisa intitulada “Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. Ibiraçu (ES)” | Ano 2016-2017 | FABIANO VIEIRA DIAS Mestre pelo PPGAU-UFES. Professor das Faculdades Integradas de Aracruz. Curso de Arquitetura e Urbanismo. Alunas de Iniciação Científica: Tatiany Barth Simão (bolsista) e Carolina Bianchi (voluntária) |Colaboração: Geógrafo Marcio Costa Schwenck |Apoio Institucional: Faculdades Integradas de Aracruz

Grandes Narrativas da Arquitetura e do Urbanismo


Agradecimentos Esta pesquisa teve a participação de uma série de pessoas e instituições que foram fundamentais em seu desenvolvimento. Os autores agradecem imensamente as contribuições feitas, através de fotografias, materiais e apoio logístico a todos citados as seguir: - A Cúria Diocesana de Colatina, em nome do Chanceler da Diocese de Colatina, Pe. Ernandes Samuel Fantin pela autorização nos dada para fotografar e registrar o prédio do antigo Seminário Comboniano; - A aluna do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faacz, Andressa Rosalém por disponibilizar material sobre a cidade para esta pesquisa e apoio logístico; - A Arquiteta-Urbanista Elaudia Luiza Lima Dan por disponibilizar seu trabalho de graduação com importantes levantamentos e imagens sobre o prédio comboniano de Jerônimo Monteiro; - Aos padres combonianos do município da Serra pela doação do livro “Caminhos Combonianos no Brasil: 1952 – 2007” do autor Giovanni Munari, que muito contribuiu para o conhecimento da história dessa instituição católica, sua luta pelos mais pobres e desvalidos tendo a fé como meio de salvaguarda das vidas e espíritos das comunidades alcançadas pelos mesmos; - Aos alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas de Aracruz Braulio Cuerci Santana, pelo 3D do terreno em que se encontra a Igrejinha do Rochedo e ao Rabi Novithy O. da Silva, pela realização do 3D da edificação da capela e a família Modenesi, pela atenção por compartilhar sua história e pela permissão ao acesso externo e interno à igrejinha. - Os autores também agradecem as contribuições feitas, através de fotografias e apoio logístico à pesquisa, pelas alunas Andressa Rosalém e Karoline (Karol) Battisti, ambas discentes do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas de Aracruz. - A Cúria Diocesana de Colatina, em nome do Chanceler da Diocese de Colatina, Pe. Ernandes Samuel Fantin pela autorização nos dada para fotografar e registrar o prédio do antigo Seminário Comboniano de Ibiraçu (em anexo). - As alunas Tatiany Barth Simão (bolsista) e Carolina Bianchi (voluntária), pelo seus esforços e dedicação à pesquisa e ao estudo das arquiteturas singulares da Igrejinha do Rochedo e do Seminário Comboniano de Ibiraçu (ES), entendo-os como elementos primordiais para se estudar a paisagem que conforma a cidade; - Ao amigo de longa data e geógrafo de profissão, Marcio Costa Schwenck, pelo trabalho de pesquisa sobre a geomorfologia da região de Ibiraçu com destaque para o relevo da Igrejinha. Seu texto sobre o mesmo, foi de fundamental importância para entender um outro olhar sobre a paisagem territorial onde se insere a “igrejinha”; - A arquiteta-urbanista e ex-aluna da Faacz, Daiana Corsino, pelos préstimos de seu trabalho de graduação, que muito nos auxiliou no primeiro contato com o prédio e história da arquitetura do Seminário dos Combonianos de Ibiraçu; - A FAPES (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo) pela bolsa para nossa aluna Tatiany Barth Simão e; - As Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ) pelo apoio institucional à pesquisa, principalmente na disponibilidade de alunos bolsistas pesquisadores.

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Sumário Introdução.......................................................................................................................... 8 Cap. I Narrativas em perspectiva: história, historiografia, linguagem e arquitetura.......... 11 Cap. II Arquiteturas singulares. Conceito .......................................................................... 16 2.1.

O caso exemplar do Palácio Anchieta em Vitória (ES) ................................................................................................................... 18

Cap. III Conceituando a paisagem enquanto narrativa ..................................................... 30 3.1.

O Palácio Anchieta e sua histórica construção narrativa da paisagem da cidade de Vitória ............................................. 32

Cap. IV A Igrejinha do Rochedo, em Ibiraçu (ES): Arquitetura, fé e geomorfologia na construção de uma paisagem singular

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4.1.

Fé, arquitetura e paisagem na Igrejinha do Rochedo .................................................................................................................... 55

4.2.

Uma singela arquitetura expressa na paisagem.............................................................................................................................. 67

4.3.

A Igrejinha do Rochedo como um complexo arquitetônico-geológico-paisagístico. Geomorfologia e paisagem ...... 82

Cap. V O antigo Seminário dos padres combonianos, Ibiraçu (ES): Arquitetura e fé no domínio da paisagem

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5.1.

Fé e política na paisagem: a presença comboniana em Ibiraçu. ................................................................................................ 91

5.2.

Uma arquitetura que domina a paisagem ........................................................................................................................................ 93

5.3.

Uma tipologia arquitetônica construindo paisagens ..................................................................................................................... 96

Considerações finais ....................................................................................................... 103 Referências bibliográficas ............................................................................................... 106 Apêndice: Fichas analíticas de identificação e caracterização, Artigos publicados e materiais produzidos pela pesquisa

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Apêndice 1: Fichas analíticas de identificação e caracterização ........................................................................................................................................................................................................................ 110 Apêndice 2: Levantamento Arquitetônico da Igrejinha do Rochedo ............................................................................................................................................................................................................... 132 Anexos............................................................................................................................ 133

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Lista de Figuras Figura 1 - O Palácio Anchieta antes das reformas de 1910......................................................................................................................................................................................................................................... 18 Figura 2 - Inserção do prédio (centro da imagem) no entorno urbano contemporâneo da cidade de Vitória. Atual aspecto do prédio, após as reformas de 1910 que modificaram a tipologia jesuítica, mantendo-se, de forma parcial, o seu pátio central ................................................................................................................................................................................................................ 18 Figura 3 – Mapa da Ilha de Vitória, parte continental e do atual Município de Vila Velha, datado de 1767, sobre original de 1761 (autor desconhecido). Em vermelho, marcação do núcleo urbano de Vitória....................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 19 Figura 4 – “PLANTA DA VILLA DA VICTORIA situada a 20°15’ de Lat. Sul e 344°45’ de Long.” Mapa da Vila da Vitória, de 1767, atribuído a José Antônio Caldas. À Sudoeste da ilha, a presença da propriedade dos jesuítas, demarcada por cerca, pomar e horta. .................................................................................................................................................................................................... 20 Figura 5 - Na figura acima, Planta da Vila de Vitória, de 1764, também de José Antônio Caldas, com a seguinte legenda: Praças /1- Da Matriz/2- Da Misericórdia (antigo Largo Afonso Brás), denominado Terreiro pelos Jesuítas /3- Grande /4- Do Mercado /5- Da Igrejinha /6- Do Carmo /7- Velha (antigo Pelourinho)/ Igrejas /A- N. S. da Vitoria (Matriz) /BMisericórdia /C- S. Tiago (Colégio dos Jesuítas) /D- S. Gonçalo Garcia /E- S. Antonio Convento dos Franciscanos /F- Ordem 3.ª de S. Francisco /G- N. S. do Carmo (Convento do Carmo) /H- Ordem 3.ª de N. S. do Carmo /I- S. Luzia/J- N. S. da Conceição (Igrejinha) /K- N. S. do Rosário /Edifícios Públicos /a-Palácio da Presidência e Tesouro /b- Câmara Municipal /c- Cadeia /População /6:000 almas. ............................................................................................................................................................................................................................................................ 20 Figura 6 – Detalhe da situação da propriedade dos jesuítas na ilha de Vitória, em levantamento feito no séc. XVIII pelo eng. Militar José Antônio Caldas. No pé do platô onde se encontrava o edifício de São Tiago (Ca), o Fortim de Padre Inácio, e, contornando todo o limite, a cerca. Derenzi afirma que o fortim foi chamado inicialmente de São Mauricio, mas este foi “destronado do padroado” (DERENZI, 1971, p. 25). ..................................................................................................................................................................................................................................... 21 Figura 7- Desenho da antiga escadaria dos jesuítas, em 1906, que dava acesso ao Cais do Imperador. Autor desconhecido ............................................................................................................. 22 Figura 8 – Imagem da Igreja Matriz (em segundo plano), antes de sua demolição para a construção da Catedral Metropolitana de Vitória. No primeiro plano, a Igreja da Misericórdia (à frente do Palácio Anchieta), demolida em 1911 para dar lugar ao Palácio Domingos Martins, prédio que foi, por décadas, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo (à época, chamada Congresso Estadual). ............................................................................................................................................................................................................................................................. 23 Figura 9 – A tríade formada por São Tiago à sudoeste, Santa Luzia à noroeste e Igreja Matriz, à nordeste, na Ilha de Vitória. Entre elas, eixos simbólicos e sagrados, para os usos religiosos das procissões e caminhadas pela fé. E profanos, por se constituírem, no tempo, nos percursos naturais da morfologia urbana que se conformava desde o séc. XVI. ......... 24 Figura 10 – Esta imagem originalmente possui a seguinte descrição: “Vista da cidade de Vitória a partir de Capuaba. Gravura do acervo Solar Monjardim do século XIX”. No centro do círculo vermelho, a presença do Complexo de São Tiago e seu entorno edificado do começo do séc. XIX. ........................................................................................................................................ 25 Figura 11 - O Palácio Anchieta em 1905, antes das reformas gerais no prédio. Percebe-se claramente a posição da primeira ala, anexa à Igreja de São Tiago (à direita). A igreja, implantada na parte mais plana do terreno. A ala, construída sobre declive acentuado, em direção à Baía de Vitória. ....................................................................................................................... 26 Figura 12 – O antigo largo da Igreja, Colégio e Residência de São Tiago (atual Praça João Clímaco), tendo ao fundo o Complexo Jesuítico de São Tiago, ladeados pelo casario ainda existente no começo do séc. XX. Desenho de autoria de André Carloni ............................................................................................................................................................................................... 27 Figura 13 – Em vermelho, área da implantação da Vila da Vitória a partir de 1551, núcleo original e histórico da atual cidade de Vitória .................................................................................... 28 Figura 14 – Vila da Vitória em 1767, mapa atribuído a José Antônio Caldas. Em destaque, o prédio jesuítico de São Tiago................................................................................................................ 28 Figura 15 - Desenho de José Antônio Caldas, de 1767, da vista da Vila da Vitória. Em destaque, o prédio de São Tiago. ..................................................................................................................... 28 Figura 16 – Cartão postal de Vitória do começo do séc. XX (1900), acervo de Carlos Benevides Lima Junior. No centro da imagem, o prédio de São Tiago, já como palácio governamental, mas antes da reforma de 1910 ............................................................................................................................................................................................................................................................ 28 Figura 17 – O atual entorno adensado e verticalizado do Palácio Anchieta (em destaque). Foto do acervo de Flavio Lobos Martins/Fóton. Ver também Figura 2 ...................................... 28 Figura 18 – A consolidação de sucessivos aterros na região central da cidade de Vitória, ao longo do séc. XX amplia sua área urbana, adensa suas construções e ao mesmo tempo, promove a possibilidade da valorização das áreas urbanas pela sucessiva verticalização por que passa a região, nesse momento. Em vermelho, o antigo prédio de São Tiago, atual Palácio Anchieta....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 28 Figura 19 – Em destaque, a pequena península da ilha de Vitória onde, originalmente se implantou sua vila colonial. Sua relação com o restante da ilha (parcialmente representada), formado por maciços rochosos e pequenas ilhas vizinhas, demonstra a opção por colonizadores e jesuítas pelo seu platô, com áreas mais planas que o

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entorno. Ao mesmo tempo, sua posição dentro da Baía e o relevo circunvizinho facilitavam tanto a proteção como a vigília dos navios que adentravam este braço de mar. Na imagem superior, perfil da ilha demonstrando seu relevo de alturas variadas............................................................................................................................................................................................ 33 Figura 20 – Croqui de implantação primitiva da Vila da Vitória em acrópole, nas últimas décadas do séc. XVI, com o núcleo urbano à direita e o prédio jesuítico à esquerda. Nesse momento inicial, São Tiago se encontrava mais afastado da Vila, em posição de destaque na paisagem. O desenho é uma hipótese baseada nos desenhos realizados, no séc. XVIII, pelo engenheiro militar José Antonio Caldas e nos mapas temáticos da pesquisa da Professora Dra. Luciene Pessotti. ...................................................................................................................... 35 Figura 21 – Panorâmica de 2014, em área frontal ao Palácio Anchieta, voltada para a Baía de Vitória e seu porto, do qual se vê parte. Detalhe para vista da área portuária do município vizinho de Vila Velha e de seu conjunto natural de morros ................................................................................................................................................................................................................... 36 Figura 22 – No séc. XVII o núcleo avança em direção a São Tiago e aos outros prédios religiosos implantados na Vila, ao mesmo tempo em que começa a ocupar a linha do mar do platô. Este desenho se baseia em outros, realizados, no séc. XVIII, pelo engenheiro militar José Antonio Caldas e nos mapas temáticos da pesquisa da Professora Dra. Luciene Pessotti. ...................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 38 Figura 23 - Desenho de José Antônio Caldas, de 1767, com a seguinte legenda: “Propecto da Vila da Vitória Capital da Capitania do Espírito Santo, e distante da foz do Rio do mesmo nome, huma Legoa: na Latitude de 20 g. e 15 m. ao sul, e 344 g. e 45 m. de longitude. Foi tirado com Acamara obscura por Jozê Antonio Caldas. Capitam de Infantaria com exercício de Engr.º Lente da Aula Regia das forteficasoens da Bahia, mandado à dita Capitania do Real Serviso pelo Ilm.º S.r Conde de Azambuja Capitam General e Governador desta Capitania B.ª 8 de Sbr d 1767”. Original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro (REIS, 2000). .............................................................................................................................. 39 Figura 24 – Desenho de Joaquim Pantaleão, de 1805, com a seguinte legenda: “PERSPECTIVA DA VILLA DE VICTORIA/Capitania do ESPÍRITO SANTO por Joaquim Pantaleão Per.ª da S.ª/Anno de 1805”. Original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro (REIS, 2000). Mesmo sendo uma imagem de princípios do séc. XIX, e abstraindo-se da mesma a aglomeração urbana em volta do Complexo de São Tiago (com sua quadra completa e a segunda torre em destaque, no canto esquerdo da imagem), tem-se uma idéia de como seria elevada sua presença em relação à Baía de Vitória, ainda nos idos do séc. XVI. .......................................................................................................................................................................... 40 Figura 25 – A consolidação da Vila colonial no séc. XVIII e ocupação adensada do platô original. Este desenho se baseia em outros realizados, no séc. XVIII, pelo engenheiro militar José Antonio Caldas ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 41 Figura 26 – No séc. XIX, o processo de ocupação de novas áreas da cidade, seja sobre o mar e áreas alagadiças através de aterros ou de novas áreas da ilha, amplia os limites urbanos que extrapolam o antigo platô original. O desenho se baseia em foto de Vitória feita no séc. XIX, do acervo da Professora Dra. Luciene Pessotti. .................................................. 42 Figura 27 – Foto do final do séc. XIX, mostrando um ponto de vista posterior ao Palácio Anchieta e à ocupação desta área, anteriormente delimitada pela cerca dos jesuítas. O prédio jesuítico está à direita, ainda com suas duas torres em destaque. Fotomontagem com fotos de Victor Frond do livro TSCHUDI, Johann Jakob von. Viagem à Província do Espírito Santo: Imigração e colonização suíça 1860. Vitória, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2004. Acervo da fotomontagem: Sedec/PMV e NAU/Ufes............................... 42 Figura 28 – Foto do começo de 1909 que mostra, abaixo, o aterro da região conhecida como Campinho onde seria construído o Parque Moscoso (comparar com a imagem anterior). Ao fundo, no alto e à direita, a presença do antigo prédio de São Tiago. Acervo de Paulo Motta/Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo. ..................... 43 Figura 29 – Foto, de 1912, da área do Campinho transformada no Parque Moscoso, tendo ao fundo, e no alto, o prédio de São Tiago, antes das reformas de 1908-12. Foto do acervo da Biblioteca Central/Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo. ........................................................................................................................................................................................... 44 Figura 30 – Fachadas voltadas para a Baía de Vitória (à esquerda) e para a Praça João Clímaco (à direita), em dois momentos de São Tiago: em sua feição jesuítica; e eclética, após as reformas de 1912 .................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 45 Figura 31 – Em 1, 2 e 3, fotos dos aterros realizados no Centro de Vitória, entre 1951 e 1954, criando a Esplanada Capixaba e aumentando a área da cidade. Em 4 e 5, aterros de manguezais e criação de novos acessos à cidade. Destaque para o início do processo de verticalização da região. .............................................................................................................................. 46 Figura 32 – Desenhos a partir de dois pontos de vista mostram o atual Palácio Anchieta e sua relação com as edificações construídas a partir da metade do séc. XX, verticalizando a paisagem da Capital. 1- desenho baseado em foto do séc. XX (acervo Dra. Luciene Pessotti); e 2- desenho a partir de imagem do Google Earth® das elevações em 3D dos principais prédios da cidade de Vitória ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 47 Figura 33 - Em destaque, o prédio do Palácio Anchieta e sua relação em escala e proporção com o entorno edificado da cidade de Vitória, década 1940. Foto: acervo Francisco Moraes/Centro de Artes-Ufes ............................................................................................................................................................................................................................................................................................. 48

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Figura 34 – Foto da década de 1960 mostra os prédios, de mais de quinze pavimentos, que despontam na paisagem, sobrepujando o Palácio Anchieta em altura. A imagem que em décadas anteriores se tinha do prédio, da entrada da Baía (ver figura anterior), deixa de estar em destaque a partir deste momento. Foto de Paulo Bonino, acervo do Instituto Jones dos Santos Neves/Centro de Artes - Ufes ........................................................................................................................................................................................................................................................................ 48 Figura 35 – Cartão postal de Vitória na década de 1970, em que se percebe o maior grau de verticalização da região central da cidade inclusive no entorno do Palácio (em destaque). A verticalização e seu adensamento impedem a visão em destaque do Palácio, à distância, pela Baía de Vitória. O rápido processo mudou o perfil da cidade em poucas décadas, no último século. ................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 49 Figura 36 – O Palácio visto da Baía de Vitória, por detrás dos guindastes do Porto, em foto anterior às reformas completas de 2004-2009. Acervo de Jefferson França ......................... 50 Figura 37 – Vista aérea da região central, com o Palácio no canto inferior direito da imagem. Destaque para a escala dos edifícios e sua relação com o prédio, e a Baía de Vitória. Foto: acervo Fabio Villares ................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 50 Figura 38 – Em primeiro plano, abaixo, o prédio da Escola Maria Ortiz. Em segundo plano, acima, o prédio do Palácio Anchieta, com sua vista para a Baía e Porto de Vitória. Ao fundo, o entorno edificado de prédios que chegam a quinze andares. ................................................................................................................................................................................................................. 50 Figura 39 – Vista geral de Vitória, com a totalidade de sua ilha (ao centro da imagem) e de sua parte continental (parcial, à direita). Ao fundo e à esquerda, a região de manguezal e os municípios de Cariacica e Vila Velha. A seta em vermelho indica a posição aproximada da área urbana que deu origem à cidade. ........................................................................................... 51 Figura 40 - Imagem da Igrejinha de Santo Antônio, conhecida como Igrejinha do Rochedo, às margens da BR 101, no Distrito de Pendanga, Ibiraçu (ES) ..................................................... 55 Figura 41 – Na sequência, os antigos prédios do Santuário Diocesano e do Seminário dos Padres Combonianos, e a Igreja Matriz de São Marco como exemplos de edificações católicas construídas em áreas elevadas da cidade de Ibiraçu. .......................................................................................................................................................................................... 57 Figura 42 – Imagens panorâmicas da subida até a Igrejinha do Rochedo (indicada), que mostram os relevos e pastos que a circundam, além da BR 101...................................................... 58 Figura 43 – Imagem da Igrejinha de dentro da propriedade da Família Modenesi. ........................................................................................................................................................................................... 59 Figura 44 - Vista da Igrejinha do Rochedo no trajeto da BR 101, em Pendanga, distrito de Ibiraçu.............................................................................................................................................................. 61 Figura 45 – Sequência de imagens tiradas da janela de um ônibus intermunicipal da linha Vitória-Aracruz, em movimento, no dia 20 de junho de 2017. As fotos mostram, em retrospectivo, paisagens naturais e urbanas do trecho da BR 101 entre a saída do município da Serra, passando pela cidade de Fundão, até a cidade de Ibiraçu (visadas pelo lado direito da BR). ........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 62 Figura 46 - Sequência de imagens tiradas da janela de um ônibus intermunicipal da linha Aracruz-Vitória, em movimento, no dia 27 de julho de 2017. As fotos, em sentido contrário da anterior, mostram, em retrospectivo, paisagens naturais e urbanas do trecho da BR 101 entre a saída do município de Ibiraçu até a cidade de Fundão, com destaque para a Igrejinha do Rochedo, localizada entre as duas cidades. A primeira imagem dessa sequência mostra o antigo prédio do Seminário Comboniano, em Ibiraçu (ver em especial o Capítulo V). ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 64 Figura 47 – Imagens sequenciais da Igrejinha do Rochedo, feitas de dentro de um veículo em movimento, no trecho Serra à Ibiraçu .......................................................................................... 65 Figura 48 – Nas imagens 01 e 02, formas de perceber a Igrejinha ao anoitecer, com suas luzes brancas (tripartides) do cruzeiro e a vermelha da edificação, marcando a posição do prédio religioso sobre o breu da noite. ............................................................................................................................................................................................................................................................................ 66 Figura 49 - Vista da Igrejinha pela BR 101, sentido Vitória-Ibiraçu. ......................................................................................................................................................................................................................... 68 Figura 50 – Imagem da Igrejinha do Rochedo pelo acesso de terra batida ........................................................................................................................................................................................................... 69 Figura 51 – A chegada ao espaço sagrado da Igrejinha do Rochedo definido pela cerca, a edificação e o rochedo. ............................................................................................................................... 70 Figura 52 – Subida à Igrejinha e a vista da geografia do entorno ............................................................................................................................................................................................................................. 70 Figura 53 - Mapa do Caminho da Sabedoria com a localização georreferenciada de cada edificação religiosa........................................................................................................................................ 72 Figura 54 – Imagens externa e interna do Santuário Diocesano de Nossa Senhora da Saúde. ....................................................................................................................................................................... 73 Figura 55 – As imagens 01 a 03 são relativas ao Santuário Diocesano e as de 04 a 06 da Igrejinha do Rochedo, demonstrando algumas semelhanças arquitetônicas................ 74 Figura 56 – Pela fachada principal da Igrejinha, vê-se ao fundo, de forma parcial a cidade de Ibiraçu e a torre da Matriz (indicada). Ver também Erro! Fonte de referência não encontrada.. .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 76 Figura 57 - Cruzeiro implantado depois da conclusão das obras da igrejinha de Santo Antônio que se encontra ao fundo. ............................................................................................................... 77 Figura 58 - O interior da igrejinha de Santo Antônio, com artigos religiosos e documentos que registraram a história da mesma. ................................................................................................ 77

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Figura 59 - Vista da paisagem circundante de dentro da igrejinha de Santo Antônio ....................................................................................................................................................................................... 79 Figura 60 – Perspectiva eletrônica com a implantação do prédio (igreja mais cruzeiro) sobre simulação do rochedo .......................................................................................................................... 80 Figura 61 – Planta baixa......................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 80 Figura 62 – Cortes e Fachadas ............................................................................................................................................................................................................................................................................................. 81 Figura 63 – A relação da Igrejinha do Rochedo com o entorno natural e urbano ............................................................................................................................................................................................... 83 Figura 64 – Fotos sequenciais da percepção da Igrejinha do Rochedo, a partir da BR 101, no sentido Vitória-Ibiraçu. Posição em destaque e contraste com as formas do relevo natural do entorno .................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 83 Figura 65 – Jardim de Infância “Daniel Comboni” em Ibiraçu e a subida pela Rua Daniel Comboni ao antigo Seminário (atual IESIS) ao fundo. ............................................................ 92 Figura 66 – Respectivamente, imagem do prédio do antigo Seminário Comboniano visto pela cidade e da cidade vista pelo Seminário. ..................................................................................... 93 Figura 67 – Na sequência, os antigos prédios do Santuário Diocesano (ao fundo o novo prédio), a Igreja Matriz de São Marco da cidade, o antigo Seminário dos Padres Combonianos, sendo os três prédios localizados dentro do perímetro urbano da cidade de Ibiraçu, e a Igrejinha de Santo Antônio às margens da BR 101. ................................................. 94 Figura 68 – A relação em altura e proporção (escala e dimensões) do antigo Seminário Comboniano com seu entorno ..................................................................................................................... 94 Figura 69 - Mapa de locais de onde é possível visualizar o antigo seminário comboniano de Ibiraçu. ........................................................................................................................................................ 95 Figura 70 - Vistas do antigo Seminário Comboniano de acordo com mapa da Figura 69. O conjunto de imagens apresentadas está disposta, respectivamente, em ordem numérica crescente.................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 95 Figura 71 - Reconstituição (parcial) da construção das alas em formato de quadra da arquitetura jesuítica, desde os meados do séc. XVI, em terras brasileiras. ....................................... 96 Figura 72 – O desenho em alas que definem dois pátios internos existentes na edificação. ................................................................................................................................................................... 97 Figura 73 - Na sequência, detalhe da volumetria central na fachada da edificação, janelas em veneziana e vitrais. .............................................................................................................................. 98 Figura 74 – Antigo Seminário Comboniano de Ibiraçu - ES. ....................................................................................................................................................................................................................................... 99 Figura 75 - Antigo Seminário Comboniano de São Gabriel da Palha - ES. .............................................................................................................................................................................................................. 99 Figura 76 - Antigo Seminário Comboniano de Gerônimo Monteiro - ES. ............................................................................................................................................................................................................... 99 Figura 77 – Algumas relações possíveis entre as tipologias edilícias dos jesuítas e dos combonianos: 01- foto de 1910 do antigo complexo da Igreja e Colégio de São Tiago e hoje o atual Palácio Anchieta, em Vitória; 02 - foto da fachada do antigo prédio do Seminário Comboniano de Ibiraçu; 03 – foto da Igreja jesuítica de Reis Magos, em Nova Almeida, Serra; 04 – idem foto 02; 05 – foto do pátio interno da Igreja de Reis Magos; 06 – foto de um dos pátios do antigo Seminário Comboniano de Ibiraçu. ................................................................. 101 Figura 78: Localização da Capela de Santo Antônio no município de Ibiraçu. ................................................................................................................................................................................................... 118 Figura 79: Localização do antigo Seminário Comboniano na cidade de Ibiraçu. .............................................................................................................................................................................................. 123

Lista de Mapas Mapa 1 - Mapa Geomorfológico do Estado do Espírito Santo – mostrando as Morfoestruturas, Regiões Geomorfológicas e as Unidades Geomorfológicas. As setas mostram a localização da Igreja do Rochedo em relação das Morfoestruturas, Regiões e Unidades Geomorfológicas do Estado do Espírito Santo. A localização da edificação (indicada) encontrase em zona de transição, corroborando a intrínseca relação entre os parâmetros estruturais e esculturais do relevo......................................................................................................................... 85 Mapa 2 - Mapa das Unidades Geomorfológicas. ........................................................................................................................................................................................................................................................... 86 Mapa 3 – Mapa geológico regional .................................................................................................................................................................................................................................................................................... 87

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Introdução

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Essa pesquisa busca entender, de forma geral, a formação conceitual do que se denominou na mesma de grandes narrativas da arquitetura e urbanismo, e tem como meta correlacioná-las em torno de arquiteturas singulares que tenham a capacidade de sintetizar as características dessas narrativas em sua própria história dentro do tecido urbano. A pesquisa levantará, em campo, de forma quantitativa através de fichas específicas, prédios e espaços singulares que tenham a capacidade de unir essas narrativas em torno de si. A pesquisa tem por objetivo específico o estudo da cidade de Ibiraçu, situada ao norte do Estado do Espírito Santo, vizinha aos municípios de João Neiva, Aracruz, Fundão e Santa Teresa. Cidade de colonização de italianos, chegados ao estado do Espírito Santo em meados do séc. XIX possui dois prédios religiosos de singular implantação de interesse da pesquisa: a Igrejinha do Rochedo, às margens da BR-101, e o prédio do Seminário Comboniano localizado dentro da cidade de Ibiraçu, ambos com privilegiada implantação em colina e domínio da paisagem circundante. Em ambos, pretende-se aliar o estudo de sua história de origem com sua implantação peculiar e marcante na paisagem da cidade de Ibiraçu. A Igrejinha de Santo Antônio, popularmente conhecida como “Igrejinha do Rochedo”, construída sobre um rochedo (matacão) às margens da BR 101, comporta-se, como se verá nos capítulos específicos sobre ela, como um complexo arquitetônico-geológico-paisagístico, denominação atribuída pelo conjunto formado pela igreja e seu rochedo, que constrói uma imagem inusitada à paisagem de estrada marcada por cenários que alternam entre o rural e o urbano, no trecho da rodovia BR 101 a qual pertence a Igrejinha do Rochedo. Com sua privilegiada implantação elevada em relação à rodovia, a Igrejinha se caracteriza como um elemento de domínio da paisagem circundante. Sua história recente e sua implantação fazem parte da própria história de Ibiraçu, cidade do norte do Estado do Espirito Santo. Esse conjunto paisagístico e arquitetônico constrói uma paisagem singular caracterizada pela simplicidade da edificação e o local onde foi edificada, que contrasta com a geografia de seu entorno. Sua história de construção faz parte de uma vida de fé e devoção com a promessa de cura. Localizada em terreno particular pertencente à família Modenesi, a singela Igrejinha faz parte da história da cidade. Sua tipologia característica é de uma arquitetura vernácula, construída com as limitações dos materiais e condições climáticas e topográficas. A singularidade desse complexo narra, por fim, uma história de fé, superação e morte simbolizados na edificação cravada na rocha. Para o antigo Seminário Comboniano na cidade de Ibiraçu (ES), edifício esse que faz parte da chegada dos padres combonianos no Brasil em sua missão de catequização do interior do Brasil, principiando pelo estado do Espirito Santo, tem nessa singular arquitetura da cidade de Ibiraçu, um dos exemplares arquitetônicos restantes desse projeto religioso, que visava, entre outras coisas, criar uma série de seminários para a educação de novos padres. Além disso, o prédio marcou a influência social e política da presença dos padres combonianos na região de Ibiraçu. Isso é parte da paisagem singular que o mesmo construiu com a cidade, através de sua arquitetura típica em linguagem, proporções e funções e de sua relação com o entorno, principalmente por sua implantação elevada na cidade, podendo ser avistada de vários pontos do centro urbano. Desse modo, dominando por assim dizer, os olhares e a paisagem criada. A história que envolve a chagada dos combonianos e o desenvolvimento da cidade estão diretamente ligados, por conta da origem daquele povo, de sua fé cristã, educação e política. Ambos os prédios, em sua singularidade em relação à paisagem, seja ela urbana ou uma anteriormente natural já modificada pelas mãos do homem, marcam dois momentos históricos da cidade de Ibiraçu: de um lado, os combonianos chegando nos primórdios urbanos da cidade e participando de sua formação religiosa, educacional, social e política, e de outro, a construção da Igrejinha do Rochedo, obra particular, ligada a uma benesse por fé mas que faz, mesmo de forma indireta, parte de um grande circuito de pequenas igrejinhas particulares espalhadas pelo território de Ibiraçu, que são exemplares da fé que marcou a conformação desse território.

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Esse Relatório Final, que organiza todo o material pesquisado sobre o tema “Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. Ibiraçu (ES)” está dividido nos seguintes capítulos: - O “Cap. I Narrativas em perspectiva: história, historiografia, linguagem e arquitetura”, trabalha conceitualmente o eixo estruturante da pesquisa em curso pela FAACZ, especificamente, quanto o conceito das Grandes Narrativas nas disciplinas da Arquitetura e do Urbanismo. A hipótese trabalhada é de que Arquiteturas singulares, incluso aí, espaços urbanos e paisagens, tem o potencial e a possibilidade historicamente, no tempo e no espaço, de contar ou narrar a história urbana das cidades foco da pesquisa; - O “Cap. II Arquiteturas singulares. Conceito” trata especificamente do conceito de Arquiteturas Singulares, arquiteturas, espaços urbanos e paisagens que por conta da construção histórica, física e simbólica, tiveram e ainda possuem valor projetar uma arquitetura é interferir quantitativamente e qualitativamente no espaço urbano, alterando de modo significativo a forma urbana ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que essas alterações formais, estéticas e funcionais também interferem na imagem da cidade, ou em sua paisagem, nesse mesmo tempo. O antigo prédio jesuítico de São Tiago e atual Palácio Anchieta, sede do governo estadual localizado na cidade de Vitória, é utilizado como estudo de caso enquanto arquitetura singular, presente na construção da morfologia e da paisagem urbana da cidade como indutor de sua construção formal e simbólica, desde suas origens coloniais de meados do séc. XVI; - Já no “Cap. III Conceituando a paisagem enquanto narrativa”, trata-se da hipótese da paisagem enquanto resultado narrado da interferência humana sobre a natureza, em suas diversas escalas, modos e significados. Retoma-se o estudo do Palácio Anchieta e sua história ao longo dos séculos, enquanto antigo prédio jesuítico, como exemplar de uma arquitetura singular que moldou a morfologia urbana da cidade e, por corolário, sua paisagem enquanto narrativa da própria história da cidade de Vitória; - No “Cap. IV A Igrejinha do Rochedo, em Ibiraçu (ES): Arquitetura, fé e geomorfologia na construção de uma paisagem singular”, o estudo da Igrejinha de Santo Antônio, conhecida como Igrejinha do Rochedo, em Ibiraçu, apresenta essa singular arquitetura implantada sobre um rochedo às margens da BR 101 Norte, como exemplar de uma nova história ou narrativa para a própria história da cidade de Ibiraçu. Aqui, fé, arquitetura vernácula e a geografia do lugar se misturam na análise da construção dessa paisagem de estrada; - E por último o “Cap. V O antigo Seminário dos padres combonianos, Ibiraçu (ES): Arquitetura e fé no domínio da paisagem” aborda a história da chegada da missão comboniana ao Brasil, encontrando no Espírito Santo, sitio apropriado para a implantação de seus prédios de seminários para a educação de novos padres, sendo que um dos três exemplares construídos no estado encontra-se na cidade de Ibiraçu, construção imponente marcadamente construindo uma paisagem urbana para a cidade, mesmo depois de anos passados com novas funções, ainda ligadas à Igreja Católica. Apêndices e anexos reúnem a produção de pesquisa desenvolvida em fichas e projetos pelos autores desse relatório entre os anos de 2016 e 2017. O trabalho não se quer como fato concluído e fechado, mas, aberto à possibilidade de novas leituras, de retomadas de pesquisas ou mesmo a ampliação dessas. Esse é por fim, um registro do que foi podido pesquisar no prazo, no espaço e nas possibilidades técnicas e logísticas conseguidas. Essas mais de 100 páginas são o resultado de todos os envolvidos, com os devidos agradecimentos e com todo o mérito dado.

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Cap. I Narrativas em perspectiva: história, historiografia, linguagem e arquitetura

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O conteúdo desse capítulo foi apresentado, em parte, no artigo publicado pelo autor: DIAS, Fabiano Vieira. Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. In: 4o Seminário Iberoamericano Arquitetura e Documentação, 2015, Belo Horizonte. 1

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aul Ricouer define as narrativas na história (historiografia), na literatura (história versus estória) e filosofia (filosofia da história), como uma construção temporal que cria, em última instância, a própria experiência humana de sua existência. Para o filósofo, as narrativas só têm sentido ao expressar o tempo; e são, por outro lado, duas metades que “se reforçam mutuamente” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 16) para descrever o tempo humano: O tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo: em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência humana (RICOUER, 1994, t. 1, p. 15).

As narrativas são acontecimentos descritos pela história, base de fontes literárias interpretativas e substância da filosofia que tem na história os conteúdos morais para o debate; coisas passadas que ligadas ao futuro estabelecem um lugar na história: um “onde” do qual se questiona Santo Agostinho pela interpretação de Ricouer, pois a questão que se põe o primeiro é saber “onde as coisas são”, ou, em que tempo-lugar as coisas acontecem (RICOUER, 1994, t. 1, p. 26). Esse “sítio” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 26) é uma construção presente formada pelo passado e o futuro, “adjetivos”, segundo Ricouer (1994, t. 1, p. 26) de uma qualidade temporal que descrevem as narrativas por meio de acontecimentos que ainda podem acontecer ou já existiram. Na verdade, a narrativa ao predizer “acontecimentos que ocorrem tal como os havíamos antecipado” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 26) estão na origem desses acontecimentos. Elas não são os acontecimentos em si, mas, sua história: os acontecimentos são fatos ocorridos, ou seja, estão na escala do real, na concretude da experiencia vivida ao longo de um tempo; as narrativas, por outro lado, são os entrelaçamentos possíveis que deram ou dão origem a esses fatos. Por estas relações, as narrativas também estão na base das construções das memórias das histórias e seus lugares. O passado e o futuro, ou, as memórias de coisas passadas e a espera do porvir – “A história é antes de tudo a memória” (ARGAN, 1998, p. 158) -, estão na mesma medida no presente, já que este último, enquanto intermédio, é o lugar do cruzamento de ambos. Essa é por fim, a base da construção narrativa: historiografias que recorrem do passado e constroem o futuro pela interpretação histórica no presente. A história pela definição de Ricouer, “descreve uma sequência de ações e de experiências feitas por certo número de personagens, quer reais, quer imaginários” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 214). Portanto, ao descrever, narra, e ao narrar, através ou pela reinterpretação de fatos e acontecimentos pode recriar a história a partir de uma nova prova, e, a “resposta a essa prova conduz a história à conclusão” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 214). E quanto a essa “história narrativa”, o autor completa: (…) tem como objeto as ações passadas que puderam ser registradas ou que se pode inferir por meio de autos ou de memórias; a história que escrevemos é a de ações cujos projetos ou resultados podem ser reconhecidos como aparentados aos de nossa própria ação; nesse sentido, toda história é um fragmento ou segmento de um só mundo da comunicação (…) (RICOUER, 1994, t. 1, p. 216).

A historiografia, como história narrada, é uma coligação de eventos (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223), ou como explica Barthes, “encadeamentos” de outras histórias. Essa construção da narrativa é também uma reconstrução da história, pois organiza dados que “se relacionam a uma temporalidade” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 243). Para Barthes, a própria temporalidade só se caracteriza como representante do tempo através da narrativa, já que é parte desta como uma “classe estrutural” (BARTHES in BARTHES, 1976, p. 37). O tempo da narrativa é um tempo histórico, descrito por acontecimentos, ou seja, construído (ou reconstruído) por outras histórias que alimentam o eixo central da narrativa. Waisman fala das diferenças entre as temporalidades da historiografia geral e da historiografia que dá conta das artes e arquitetura. Enquanto para a primeira, o objeto “deixou de existir no tempo” (WAISMAN, 2013, p. 11), corroborado pela semiologia de Barthes - já que “do ponto de vista da narrativa, o que chamamos de tempo não existe, ou pelo menos

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só existe funcionalmente, como elemento de um sistema semiótico” (BARTHES in BARTHES, 1976, p. 37) -, para a historiografia das artes e da arquitetura, o objeto “existe por si mesmo, e o trabalho do historiador tem que partir dessa realidade presente” (WAISMAN, 2013, p. 11). A autora ainda argumenta que, enquanto para a historiografia geral o “protagonista” pode ser um “acontecimento, um personagem ou uma cultura que teve lugar no tempo e desapareceu” (WAISMAN, 2013, p. 11) deixando ao longo da história “testemunhos”, na historiografia da arte e arquitetura o protagonista é a própria obra, que passa, portanto, a ser o “testemunho histórico principal e imprescindível” (WAISMAN, 2013, p. 11-12). Ou seja, pegando-se o exemplo de uma obra arquitetônica que estende sua existência ao longo do tempo, tem-se por complemento, que essa arquitetura ultrapassa sua qualidade enquanto tal, ao atribuir-se de uma qualidade maior a qual Waisman chama de “extrahistórica”, quando a arquitetura assune um caráter ou valor artístico enquanto monumento (WAISMAN, 2013, p. 12-13). Mas Ricouer retoma a questão dos acontecimentos para explicar o próprio conceito de história. Para o autor, história é como já dito, um ato de operar coligações, ou seja, ao citar Whewell e Walsh, é “explicar um acontecimento retraçando suas relações intrínsecas com outros acontecimentos e em situá-lo no seu contexto histórico” (WHEWELL e WALSH apud RICOEUR, 1994, t. 1, p. 223). As análises desses acontecimentos se sucedem através de hipóteses, as quais, segundo Ricoeur, não podem ser falsificadas, como ocorrem nas ciências, pois em história, as hipóteses atuam como “guias” e não como referenciais científicos (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223). Dessas são extraídas conclusões a partir de uma “narrativa interpretativa” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223), a qual, por fim, é um juízo e não um método em si, já que a prova não está no fato, mas, ao longo da narrativa “que sustente as conclusões” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223). Mais à frente, Ricoeur trabalha exatamente o que diferencia Waisman sobre a historiografia geral e a das artes e arquitetura. Para o filósofo, em especial, esta distinção acontece sobre duas linhas da historiografia, referenciando-se à Mandelbaum: a da “história geral” e as das “histórias especiais”. Ricoeur distingue ambas da seguinte forma: A história geral tem como tema sociedades particulares, tais como povos e nações, cuja existência é contínua. As histórias especiais têm como tema aspectos abstratos da cultura, tais como a tecnologia, a arte, a ciência, a religião, que, na falta de uma existência contínua própria, só são ligadas entre si pela iniciativa do historiador responsável pela definição do que conta como arte, como ciência, como religião, etc. (RICOUER, 1994, t. 1, p. 278).

Essas são distintas aparentemente, mas estão interligadas por suas questões básicas: na historiografia geral (ou global, como completa Ricouer), a história de sociedades particulares, descrita através dos fenômenos sociais, políticos, econômicos, etc., se notabiliza em mostrar através dessas narrativas, de forma independente ou em conjunto, as “facetas” do seu desenvolvimento histórico (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279). Pelas historiografias especiais (ou especializadas, ainda segundo Ricouer), os diversos matizes culturais se constituem em “classes de atividades” ligadas às áreas da cultura – “técnicas, ciência, arte, literatura, filosofia, religião, ideologia” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279) – como fonte de construção da história narrativa, seja de forma igualmente independente ou em conjunto. Em ambas, suas facetas e classes são, nos termos de Ricouer, “artefatos” metodológicos, pois não se caracterizam como uma “totalidade concreta” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279). Ricouer ainda conclui que análises de obras de arte, por exemplo, enquanto um artefato cultural de uma historiografia especializada, podem remeter à historiografia global, pois de certa forma, recebem influências dessa última: As obras [de arte] inscrevem-se nas tradições e nas tramas de influências, que marcam seu enraizamento na continuidade histórica das sociedades particulares e recebem desta uma continuidade de empréstimo (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279).

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É na aparente autonomia de cada historiografia que se encontra a possibilidade de relacioná-las, pois mesmo admitindo-se que a historiografia geral seja mais objetiva que a especial, como argumenta Ricouer, é também possível “ajustar entre eles pontos de vista diferentes sobre o mesmo acontecimento ou ajustar entre elas as facetas (política, econômica, social, cultural) dos mesmos acontecimentos” (RICOUER,1994, t. 1, p. 280, nota 25). De forma correlata às narrativas, tem-se que a cidade pode como defende Argan, ser entendida como um conjunto de textos que “realiza um contexto” (ARGAN, 1998, p. 159). Ou seja, ao longo da história urbana das cidades – fixando a atenção nas cidades ocidentais – sua construção foi pautada por uma série de textos – gerais e específicos – que construíram, a partir de suas narrativas, historiografias marcadas por fatos descritos ou acontecimentos, e que invariavelmente, marcaram e ainda marcam a cultura dessas cidades. Além disso, a cidade, sobre esse viés de Argan é “idealmente uma obra de arte” (ARGAN, 1998, p. 159), a qual, além de ser o resultado de um conjunto de textos, é também um artefato ou produto das “técnicas urbanas” (ARGAN, 1998, p. 159), que é por fim, um dos textos da historiografia especializada de Ricouer. As cidades são, em última instância, a sede das narrativas. São tanto o pano de fundo como o próprio constructo de histórias que as marcam no tempo histórico, o qual é por concepção ontológica, o tempo humano. Sua arquitetura se torna produto dessa história, parte de uma narrativa em constante construção. A arquitetura enquanto objeto ou um artefato isolado faz parte da crise por que passa o estágio atual da produção arquitetônica, e em última instância, do projeto. Projetar em arquitetura é construir uma (re) valorização da arquitetura pelas relações entre o objeto projetado e o sujeito que usufruirá da arquitetura (ARGAN, 1998, p. 159). Essa revalorização da arquitetura cria novas ligações, novas histórias e construções narrativas. A arquitetura, então, deixa de ser um mero artefato isolado e alcança o status de um artefato maior, um “superartefato”, nos termos de Najjar (2011, p. 82). Enquanto tal – apropriando-se de um termo arqueológico2 – o objeto arquitetônico é entendido como um todo em sua relação com o território construído por relações espaço-sociais ou espacialidades, como explica Najjar (2011, p. 82-83), demonstrando as influências recíprocas entre o objeto arquitetônico e seu entorno, não somente físico, mas também social, “refletindo, portanto, o jogo de poder, a fricção social existente entre os grupos envolvidos, e gerando mudanças no seio da sociedade” (NAJJAR, 2011, p. 82). Mas Argan aponta um momento de crise, estabelecido no contemporâneo, e que tem raiz nos valores culturais que definem a sociedade, e por corolário, em sua história. Inclui-se nesse momento de crise a produção artística e de sua arquitetura enquanto “projeto”, ou de uma “vontade de projeto que se manifesta, não somente nas artes [e nem somente na arquitetura], mas em todas as atividades humanas, em toda cultura” (ARGAN, 1998, p. 156). O ato de projetar tem origem no próprio projeto moderno de cultura, desde Brunelleschi, segundo Argan (1998, p. 156), quando, historicamente, se inicia uma “civilização do projeto” (ARGAN, 1998, p. 156), ao se substituir os modelos como referência cultural. Diferente do modelo, que é dado e posto como verdade histórica, o projeto se situa como processo crítico e contínuo, dividido em camadas: Temos então uma primeira camada: o conhecimento histórico. Uma segunda camada, a análise; uma terceira, as críticas; uma quarta, a imaginação” (ARGAN, 1998, p. 158).

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O termo apresentado por Najjar foi retirado do livro de Leone e Potter. Ver em especial: LEONE, Mark P; POTTER JR, Parker B. The recovery of meaning: Historical Archeology in eastern United States. Washington: Smithsonian Institute Press, 1988.

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Essas camadas se estabelecem como etapas da narrativa própria da arquitetura e do urbanismo enquanto processo de projeto, aquilo que ao mesmo tempo une essas duas disciplinas historicamente, através de uma “dimensão nova e uma escala inteiramente nova” (ARGAN, 1998, p. 159), e as distingue tanto entre si como entre projetos de arquitetura e urbanismo distintos: cada projeto subentende-se uma releitura dessas camadas; cada camada é por definição uma hipótese nova a ser trabalhada e que por fim, gera um projeto diferente. Aldo Rossi ao traçar sua definição de fatos urbanos, fala da cidade como arquitetura total, algo que está além de sua imagem “visível e o conjunto de sua arquitetura” (ROSSI, 1992, p. 60). A cidade para ele, enfim, seria uma construção temporal pela arquitetura. Arquitetura entendida aqui como um ente coletivo da sociedade, parte vital das relações humanas e suas vicissitudes: “com toda a carga dos sentimentos de gerações, dos acontecimentos públicos, das tragédias privadas, dos fatos novos e antigos” (ROSSI, 1992, p. 62, tradução nossa). Mas essas narrativas urbanas levarão em conta a realidade da historiografia da arquitetura e urbanismo brasileiros, inseridos na própria realidade latino-americana de ex-colônias que sofreram fortes influências de suas pátrias mães, ao mesmo tempo em que adaptaram as formas europeias ao contexto local e cultural. Waisman explica que o desenvolvimento arquitetônico e urbano latino-americano é um amálgama transcultural, pois as adaptações feitas aqui por interpretações particulares ou circunstâncias “históricocultural-tecnológicas locais” (WAISMAN, 2013, p. 59), extrapolaram suas origens pelas influências do “contexto social em todos os seus aspectos” (WAISMAN, 2013, p. 62). Aqui, uma nova narrativa se construiu, mais recente que a europeia e em contínuo desenvolvimento e que por fim, deu origem a outros fatos ou acontecimentos em formato de arquitetura, espaços urbanos, novas paisagens, novos significados. Arquiteturas e cidades que se espelharam na metrópole, mas, que ao fim e ao cabo, são diferentes. Dentre as grandes narrativas de interesse em pesquisas atuais e futuras, têm-se: a) as construções históricas a partir dos estudos da morfologia urbana, b) da tipologia e c) da paisagem; d) as relações entre as similaridades e diferenças nos conceitos de lugar e espaço; e) as relações entre forma e função; f) as relações entre os espaços públicos e privados; g) as formas de composição arquitetônica a partir das escalas e proporções fornecidas pela geometria; e por fim, h) a sustentabilidade como novo discurso e narrativa histórica da arquitetura e do urbano. Temas relevantes, trabalhados em suas particularidades enquanto narrativas de uma historiografia espacializada, serão interligadas através do estudo do que se denomina nessa pesquisa de arquiteturas singulares, escolhidas pela especificidade de sua importância histórica e urbana de cidades capixabas, como será visto mais adiante.

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Cap. II Arquiteturas singulares. Conceito

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O conteúdo desse capítulo foi apresentado, em parte, no artigo publicado pelo autor: DIAS, Fabiano Vieira. Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. In: 4o Seminário Iberoamericano Arquitetura e Documentação, 2015, Belo Horizonte.

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nquanto superartefato, a história de uma arquitetura singular se estrutura por meio de suas relações culturais e sociais, dando-lhe tanto a origem como o desenvolvimento dos significados que esta assumirá ao longo de sua existência. Uma arquitetura singular se define como arquitetura – no aspecto amplo do termo – quando marca acontecimentos, ou faz parte desses, na história. É por si própria, um acontecimento: um fato descrito ou que descreve momentos singulares na história e

que tem, pela situação de sua existência, a possibilidade de permanência em uma história continuada, ou narrada. Para Ricouer, os acontecimentos históricos enquanto narrativas, são postos como singulares, tributários de paradigmas que sustentam sua existência (RICOUER, 1994, t. 1, p. 295). Além de singulares, na explicação do autor, ainda são contingentes (RICOUER, 1994, t. 1, p. 295), pois estão na esfera de influência de uma realidade ocorrida ou que pode ocorrer e, também separados (RICOUER, 1994, t. 1, p. 295) por serem singulares; separados no sentido de especiais ou específicos, dentro de um contexto histórico. Uma arquitetura singular se veste dessas características: é singular tanto por sua situação enquanto arquitetura inserida em um meio urbano e é contingente, pois é transformada ao longo da história (ou não) e é ainda, em sua existência e relações, separada, destinta ou mesmo - e de novo - singular do seu contexto; pois mesmo fazendo parte ou compartilhando sua construção, ainda possui sua autonomia, mesmo que não completa. Sua história enquanto arquitetura é construída por narrativas, sejam elas específicas da arquitetura e do urbanismo – as grandes narrativas – ou, gerais da própria história do meio que a originou. Enquanto acontecimento ou fato histórico, a arquitetura é também um fato urbano, inscrito na história da cidade, aproximando-se do que postula Ricouer com a definição de Rossi de fatos urbanos, os quais, como explica o arquiteto, são a “construção última de uma elaboração complexa” (ROSSI, 1992, p. 63). A arquitetura enquanto fato ou acontecimento é a concretude das narrativas a que lhe foram inscritas, expressão de sucessivas camadas históricas, de vieses e matizes diferenciados pelo tempo, escala e significância. As grandes narrativas da arquitetura e do urbanismo estão na origem dos fatos urbanos, pois são os modos significativos e simbólicos de construção da arquitetura: valores culturais, sociais, econômicos e políticos que influenciaram a arquitetura, sua inserção urbana e a construção última da cidade. A história construindo a história de cada arquitetura; o tempo datando as transformações de cada momento vivido por essas arquiteturas. O objetivo central da pesquisa é encontrar exemplares capixabas de arquitetura que tenham a possibilidade de participar de modo preponderante na construção das formas urbanas de suas cidades de origem, ao longo da história. Arquiteturas desse tipo têm a capacidade de alterar, promover e induzir transformações urbanas pela influência de seus usos, ao longo da história. As transformações urbanas induzem mudanças espaciais nos tecidos da cidade, com a criação de novos espaços e novos usos. Além disso, podem vir a reboque transformações estilísticas e compositivas, além de novas funções, que demandam um novo caráter para estes espaços. Sendo tais arquiteturas originárias de tipologias, como uma das grandes narrativas estudas, podem, portanto, se adaptar às transformações, com novos usos, sem perder sua essência. Em paralelo às transformações, surgem novas paisagens que definem uma época ou momento histórico. Em resumo, como explica Rossi, “[...] com o tempo, a cidade cresce sobre si mesma; adquire consciência e memória de si mesma. Em sua construção permanecem os motivos originais, mas com o tempo concreta e modifica os motivos de seu próprio desenvolvimento” (ROSSI, 1992, p. 61, tradução nossa). Cada uma das narrativas tem por pressuposto dessa pesquisa, a característica de contar uma história da cidade; e, unidas, especialmente em uma arquitetura singular, tornam-se parte de sua materialidade, de sua existência e significado. Essas características, por fim, dão sentido e valor a arquitetura, em resposta às críticas de Argan ao estado atual do

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projetar arquitetura: prédios de arquiteturas singulares – nos tecidos urbanos e em suas paisagens – como hipótese, serão o pano de fundo para se buscar novas conexões entre as narrativas da arquitetura e do urbanismo. A “arquitetura” se insere aqui como termo amplo, como já dito, pois alberga para si um contexto amplo na mesma medida. Portanto, entende-se que as disciplinas da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo (em sua relação próxima com o conceito de paisagem) são partes fundamentais do projetar a arquitetura: projetar uma arquitetura é interferir quantitativamente e qualitativamente no espaço urbano, alterando de modo significativo a forma urbana ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que essas alterações formais, estéticas e funcionais também interferem na imagem da cidade, ou em sua paisagem, nesse mesmo tempo.

2.1. O CASO EXEMPLAR DO PALÁCIO ANCHIETA EM VITÓRIA (ES) Ao longo de mais de 400 anos, o antigo complexo jesuítico de São Tiago, na antiga Vila da Vitória, formado por sua igreja e as alas do colégio e residência dos padres, passou por grandes transformações até se cristalizar no atual Palácio Anchieta (Figura 1 e Figura 2); suas funções religiosas foram trocadas pela estrutura governamental (sede do Governo do Estado do Espírito Santo) e espaços culturais, demonstrando o quão se caracterizou a tipologia edilícia jesuítica em sua flexibilidade de usos em terras brasileiras (DIAS, 2014, p. 133).

Figura 1 - O Palácio Anchieta antes das reformas de 1910

Figura 2 - Inserção do prédio (centro da imagem) no entorno urbano contemporâneo da cidade de Vitória. Atual aspecto do prédio, após as reformas de 1910 que modificaram a tipologia jesuítica, mantendo-se, de forma parcial, o seu pátio central

Fonte: TATAGIBA, 2008

Fonte: GOOGLE/PANORAMIO, 2014

O prédio de grandes proporções arquitetônicas e urbanas para o tecido urbano da cidade de Vitória é um dos exemplos de onde a história se fez por um fluxo contínuo de narrativas variadas: marcou a chegada e implantação dos jesuítas, em meados do séc. XVI participando ativamente do florescimento e crescimento urbano da antiga Vila, além de ser exemplar da passagem da vida colonial para o Brasil republicano (DIAS, 2014, p. 133).

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O lugar escolhido para a edificação acompanha as orientações jesuíticas por um local elevado e “com vista para o mar, a cavaleiro, no penhasco a sudoeste da ilha, defronte à Baía” que circunda a Vila da Vitória, resguardando expressões de Carvalho (CARVALHO, 1982, p. 49). A localização da edificação definitiva frente à Baía de Vitória e “estrategicamente posicionado em relação aos rios Marinho e Santa Maria” (Figura 3Erro! Fonte de referência não encontrada.), segundo Miranda, oferecia local de fácil proteção e deslocamento para as missões ao interior da capitania (MIRANDA in SOUZA e RIBEIRO, 2011, p. 94). Além disso, a escolha do lugar definitivo e a construção de sua igreja é também a forma de a Companhia de Jesus perpetuar sua presença simbólica e física no lugar: a igreja marca o topo desta colina que avança sobre a baia de Vitória como uma pequena península, rodeada pelo mar e por altos relevos do Maciço Central da Ilha. Figura 3 – Mapa da Ilha de Vitória, parte continental e do atual Município de Vila Velha, datado de

1767, sobre original de 1761 (autor desconhecido). Em vermelho, marcação do núcleo urbano de Vitória

RIO SANTA MARIA

RIO MARINHO

Ilha de Vitória

CANAL DE CAMBURI

Região norte (continental)

Núcleo urbano de Vitória (1761) BAÍA DE VITÓRIA Vila Velha

Fonte: MIRANDA, 2014. Modificado para o presente trabalho

Terreno privilegiado pelas visuais, domínio do entorno e facilidade de deslocamento, tanto pelo mar como por terra, foi doação de Duarte Lemos aos padres jesuítas, incluindo-se tanto o local de implantação da Igreja e Colégio, bem como adjacências (DERENZI, 1971, p. 26). Estas adjacências, segundo Derenzi, ocupam “três quartas partes da região” (CARVALHO, 1982, p. 49), como se apresentam em levantamentos topográficos feitos no séc. XVIII da Ilha de Vitória, onde claramente estão visíveis os limites (a cerca) da propriedade dos padres, com seu pomar, a Igreja e o Colégio de São Tiago (Figura 4 e Figura 5).

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Figura 4 – “PLANTA DA VILLA DA VICTORIA situada a 20°15’ de Lat. Sul e 344°45’ de Long.” Mapa da Vila da Vitória, de 1767, atribuído a José Antônio Caldas. À Sudoeste da ilha, a presença da propriedade dos jesuítas, demarcada por cerca, pomar e horta.

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009 Figura 5 - Na figura acima, Planta da Vila de Vitória, de 1764, também de José Antônio Caldas, com a seguinte legenda: Praças /1- Da Matriz/2- Da Misericórdia (antigo Largo Afonso Brás), denominado Terreiro pelos Jesuítas /3- Grande /4- Do Mercado /5- Da Igrejinha /6- Do Carmo /7- Velha (antigo Pelourinho)/ Igrejas /A- N. S. da Vitoria (Matriz) /B- Misericórdia /C- S. Tiago (Colégio dos Jesuítas) /D- S. Gonçalo Garcia /E- S. Antonio Convento dos Franciscanos /F- Ordem 3.ª de S. Francisco /G- N. S. do Carmo (Convento do Carmo) /H- Ordem 3.ª de N. S. do Carmo /I- S. Luzia/J- N. S. da Conceição (Igrejinha) /K- N. S. do Rosário /Edifícios Públicos /a-Palácio da Presidência e Tesouro /b- Câmara Municipal /c- Cadeia /População /6:000 almas.

Fonte: MIRANDA in PESSOTI e RIBEIRO, 2011

No ano seguinte à construção da igreja, 1574, Padre Manoel de Paiva – que substitui Padre Brás Lourenço em 1564, por conta de sua ida para Porto Seguro – dá continuidade às obras do complexo, a partir da primeira ala, anexa à igreja (CARVALHO, 1982, p. 47). Dentro da organização espacial e costume jesuítico descrito por Santos, esta primeira ala é

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reservada à residência dos párocos: os primeiros relatos de padres visitantes, como Cardim e Anchieta, apontam ainda nos fins do séc. XVI, as acomodações ou “cubículos” desta primeira ala, que já possuiria seus dois pavimentos – o segundo avarandado – com esses cubículos distribuídos de forma uniforme entre os pavimentos (CARVALHO, 1982, p. 50). A cerca já se encontra definida pelos idos de 1584, como descreve Padre Fernando Cardim, em citação devida a Derenzi, sobre estas etapas das obras de São Tiago: [...] estavam bem acabados com sete cubículos e na cerca há laranjeiras, limeiras, cidreiras, acajá e outros frutos com todo o gênero de hortaliças de Portugal. O terreno descia até o porto, onde havia o cais de embarque privativo (CARDIM apud DERENZI, 1971, p. 26).

Percebe-se, pelo relato de Cardim, que a cerca que delimita a propriedade dos padres abriga horta e pomar, fazendo-se ainda de acesso ao porto privativo dos jesuítas. Este último encontrava-se localizado no pé do platô (Figura 6), de onde zarpam os padres para suas incursões ao interior da Capitania (CARVALHO, 1982, p. 50-51). Figura 6 – Detalhe da situação da propriedade dos jesuítas na ilha de Vitória, em levantamento feito no séc. XVIII pelo eng. Militar José Antônio Caldas. No pé do platô onde se encontrava o edifício de São Tiago (Ca), o Fortim de Padre Inácio, e, contornando todo o limite, a cerca. Derenzi afirma que o fortim foi chamado inicialmente de São Mauricio, mas este foi “destronado do padroado” (DERENZI, 1971, p. 25).

Fonte: MIRANDA in PESSOTI e RIBEIRO, 2011. Modificado para o presente trabalho

Além do seu porto particular, uma grande “escadaria corrida, com patamares amplos e simples” (DERENZI, 1971, p. 29), “velha” por já existir antes da expulsão dos jesuítas, foi construída saindo de dentro de sua propriedade, ligando-a a região dos cais, e no final do séc. XIX ao já Porto de Vitória4. Descia próxima à lateral do prédio (Figura 7), 4

O Porto de Vitória tem suas obras iniciadas em 1908, na gestão de Jerônimo Monteiro, continuando ao longo das décadas seguintes, sendo concluído na década 1940, com as obras de aterros sobre o mar, ampliando sua área de embarque e desembarque e a construção de seus galpões de armazenagem (PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2006).

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dentro da cerca e pela encosta, vencendo o desnível até o mar, em um único lance de escada. Já prenuncia, na época, a vista privilegiada da Baía de Vitória bem como também resguarda a imponência do prédio que seria, nos séculos seguintes, a principal porta de entrada à cidade, pelo mar5. Figura 7- Desenho da antiga escadaria dos jesuítas, em 1906, que dava acesso ao Cais do Imperador. Autor desconhecido

Fonte: MIRANDA, 2014

A cerca é seu espaço de subsistência, seu local de descanso e seu acesso privativo ao mar. Define, com o complexo edilício jesuítico, o lugar e a presença da Igreja de Roma em suas instâncias que se completam, simbolicamente e fisicamente, com outras construções religiosas da ilha do mesmo século ou dos séculos posteriores (ver nota 6). Esta grande gleba do centro histórico de Vitória manterá seus limites até a expulsão dos jesuítas do território português, quando suas propriedades passarão para as mãos da Coroa e seus novos usos administrativos. O momento de construção da igreja e alas, acompanhado por outras edificações religiosas, marcam o solo da cidade de Vitória, principalmente, pela sua implantação de forte caráter simbólico. A Igreja de São Tiago foi a segunda edificação católica na Ilha (a segunda jesuítica, considerando-se a primeira capela construída como parte das construções primitivas dos padres, quando de sua chegada), pois que a Capela de Santa Luzia já se encontrava de pé, a mando de Duarte Lemos para sua fazenda. A Igreja Matriz (Figura 8), construída ainda no séc. XVI passa por reformas, entre os séculos XVIII-XIX, e é demolida no começo do séc. XX, para a construção da Catedral Metropolitana de Vitória, obra iniciada em 1914 e somente concluída em 1971, após alterações no projeto original (ALMEIDA, 2009, p. 419).

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A grande escadaria dos jesuítas assumiria maior destaque no começo do séc. XX, com as reformas do Palácio e seu entorno, incluindo-se a escadaria, acompanhando o novo momento político republicano da história da cidade e do país, como se verá mais à frente.

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Figura 8 – Imagem da Igreja Matriz (em segundo plano), antes de sua demolição para a construção da Catedral Metropolitana de Vitória. No primeiro plano, a Igreja da Misericórdia (à frente do Palácio Anchieta), demolida em 1911 para dar lugar ao Palácio Domingos Martins, prédio que foi, por décadas, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo (à época, chamada Congresso Estadual).

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO DO ESPÍRITO SANTO, 2014

A Vila de Vitória recebe, até o séc. XIX, outras edificações ligadas a Ordens e Irmandades religiosas distintas, que ajudam na definição e orientação do crescimento do espaço urbano da cidade6. Mas Souza traça uma singular relação entre as edificações da Capela de Santa Luzia e do complexo jesuítico de São Tiago, incluindo-se aí a posterior construção da Igreja Matriz. Para a autora, a posição das três edificações religiosas do séc. XVI – reforçada no século seguinte pela construção da Igreja da Misericórdia, à frente de São Tiago (ver nota 6) – cria um desenho geométrico triangular (Figura 9) que liga seus vértices, e remete a uma implantação que leva em consideração a simbologia cristã da Sagrada Trindade. Simbologia presente na Europa medieval desde os séculos XII e XIII, sendo, posteriormente, transpostas para suas novas colônias (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 171-172).

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Os franciscanos chegam à Ilha de Vitória em 1589 para a construção do seu convento, ao pé do Morro da Fonte Grande, mais de trinta anos após terem construído o primeiro convento, na Vila Velha, primeira sede da Capitania. Em 1682 é erguido o Convento do Carmo, dos carmelitas (descalços), localizada no extremo leste da Ilha, e à frente de São Tiago é erguida a Igreja da Misericórdia (que divide seu adro com os jesuítas), demolida em 1911 para dar lugar ao Palácio Domingos Martins. O séc. XVIII marca a expansão do núcleo urbano e o surgimento de novos templos católicos: neste são construídas a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, da Irmandade do Rosário dos Pretos; e a Igreja da Conceição da Praia, próximas uma da outra. Nos fins do séc. XVIII é construída a Igreja de São Gonçalo, das Irmandades de Nossa Senhora do Amparo e da Boa Morte, que depois se fundem na Irmandade de São Gonçalo, estrategicamente localizada entre São Tiago e Santa Luzia. E por fim, no séc. XIX, é construída a Capela de Nossa Senhora das Neves, ao lado do Convento dos Franciscanos. Ver em especial: ALMEIDA, Renata H. Patrimônio cultural do Espírito Santo. Arquitetura. Vitória: Secult, 2009.

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Figura 9 – A tríade formada por São Tiago à sudoeste, Santa Luzia à noroeste e Igreja Matriz, à nordeste, na Ilha de Vitória. Entre elas, eixos simbólicos e sagrados, para os usos religiosos das procissões e caminhadas pela fé. E profanos, por se constituírem, no tempo, nos percursos naturais da morfologia urbana que se conformava desde o séc. XVI.

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009

Este desenho – bem como a disposição das edificações – possui dupla função: uma, do simbolismo intrínseco da presença da Igreja Católica; e outra, como definidora a partir dos eixos criados, de novos percursos e caminhos que serão responsáveis “por uma nova configuração nas morfologias urbanas onde se assentaram as ordens religiosas” (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 172). Além disso, como ressalta Najjar, a própria posição elevada, cuidadosamente escolhida pelos jesuítas de suas edificações, incutia na imagem o poder simbólico de uma ponte entre o espaço profano do exterior e o destino sagrado (NAJJAR, 2011, p. 82). Os acessos – em geral – em aclive aos prédios jesuíticos mostram o caminho que o fiel deveria percorrer, até a salvaguarda espiritual de seu espaço sagrado cristão. Seu largo, pátio externo ou “terreiro”, como diz Oliveira, faz parte de um complexo simbólico, que une fé e os primeiros sopros de civilidade europeia: O espaço vazio do pátio [externo], aliado ao espaço construído da igreja e do colégio, que tem uma escala diferente das construções que lhe fazem vizinhança, possuem uma teatralidade que não é casual [...]. O status transmitido e a mensagem dirigida destes edifícios jesuíticos àqueles que chegam e os vêem é imediatamente a do primeiro símbolo de civilização (OLIVEIRA, 1988, p. 40).

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Mesmo marcando o topo da colina do núcleo urbano original de Vitória, São Tiago, não se encontra no local mais elevado. Foram os franciscanos que escolheram instalar seu convento em lugar mais elevado em relação à Ilha, no sopé do Morro da Fonte Grande, e posteriormente, os carmelitas (OLIVEIRA, 1988, p. 38), mais a leste - ambos, fora do núcleo urbano original7. Mas, o lugar escolhido pelos jesuítas era o mais estratégico da Ilha de Vitória, na explicação de Carvalho (1982, p. 131). Seu sítio possuía características típicas de uma implantação jesuítica, dentro da urbanística tradicional portuguesa: além de elevado se encontrava na parte mais plana do relevo – considerando toda a gleba definida por sua cerca e o restante do núcleo urbano da Vila – com saída para o mar, de fácil proteção, liberdade de visão de todo o entorno e acesso direto ao centro da Vila, além de ser facilmente visível e distinguível da Baía de Vitória e de sua paisagem circundante. Ou seja, a praticidade do lugar também abria espaços para estratégias simbólicas, pautadas em sua implantação e localização no sítio colonial (Figura 10). A tipologia jesuítica, em sua arquitetura, modo de ocupar o sítio, e em seu simbolismo, se tornava, por fim, como explica Oliveira, um “eixo de referência” para o “entendimento do lugar” (OLIVEIRA, 1988, p. 41). Além disso, reunia em um mesmo lugar, e em sua arquitetura, os interesses da Coroa bem como da Companhia de Jesus (OLIVEIRA, 1988, p. 41). Figura 10 – Esta imagem originalmente possui a seguinte descrição: “Vista da cidade de Vitória a partir de Capuaba. Gravura do acervo Solar Monjardim do século XIX”. No centro do círculo vermelho, a presença do Complexo de São Tiago e seu entorno edificado do começo do séc. XIX.

Fonte: MIRANDA, 2014. Modificado para o presente trabalho

A própria distribuição das partes de todo o Complexo de São Tiago foi feita de acordo com os desníveis existentes: a igreja é construída em local mais plano do que as alas de sua quadra (Figura 11). Acompanhando o relevo local, o piso da igreja ficaria o mais nivelado possível em relação ao seu largo criado à frente do prédio do complexo. Espaço público,

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Estas Ordens religiosas – a exemplo de outras cidades coloniais brasileiras – seguiam, segundo SIMÕES JUNIOR e CAMPOS, a implantação dos jesuítas em busca de defesa e proteção, em um primeiro momento. Segundo os autores, “os religiosos contavam com terrenos amplos, a cavaleiro das encostas, facilmente defensáveis, ao lado das principais vias de comunicação que levavam à Vila, dispondo ainda de generosas áreas para pomares e hortas, e acesso direto aos cursos d`água no sopé da colina. Além disso, a opção por vértices respeita determinação papal de Júlio II, de 1509, estipulando que as ordens religiosas deveriam se instalar a pelo menos 140 vergas (aproximadamente 520 m) umas das outras. Exceção feita apenas aos jesuítas, desde o pontificado de Pio IV” (SIMÕES JUNIOR e CAMPOS, 2013, p. 58).

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em um misto e no limite entre o sagrado, o profano e o laico (RIBEIRO in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 207). O largo, como espaço tradicional nas construções religiosas que marcam o período colonial brasileiro e lugar dos acontecimentos sociais e políticos (OLIVEIRA, 1988, p. 40), existe na Vila da Vitória tanto como parte da Igreja de São Tiago, como de outras construções religiosas8. Figura 11 - O Palácio Anchieta em 1905, antes das reformas gerais no prédio. Percebe-se claramente a posição da primeira ala, anexa à Igreja de São Tiago (à direita). A igreja, implantada na parte mais plana do terreno. A ala, construída sobre declive acentuado, em direção à Baía de Vitória.

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2014

Este espaço de múltiplos significados (Figura 12) fez parte, ao longo dos séculos, de um complexo de espaços públicos da cidade. Importantes tanto para vida social, econômica e urbana, como para os aspectos religiosos que moldaram o espaço urbano de Vitória. Entre o Largo do Colégio, passando pelo Largo da Misericórdia (ambas as igrejas, como visto, dividiram este espaço), chegando-se ao Largo da Matriz, criou-se na Ilha um dos percursos mais importantes para sua vida religiosa9. Grande largo no séc. XVI, pela extensão livre à frente de São Tiago, tem seu espaço delimitado no séc. XVIII, pela construção da Igreja da Misericórdia e pelo casario que se desenvolve no entorno do prédio jesuítico, mantendose assim, com poucas alterações, até o séc. XIX (SOUZA, 2004, p. 337). No começo do séc. XX este largo foi transformado em parte, na Praça João Clímaco, mantendo-se a outra parte desocupada, ainda como largo, limitado à frente da antiga Igreja de São Tiago.

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Antes de São Tiago, a Capela de Santa Luzia já possuía um largo à sua frente, e posteriormente, também a Igreja Matriz e a Igreja da Misericórdia o tiveram.

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Para se entender a importância desses espaços públicos na vida religiosa, até início do séc. XX, ver em especial: RIBEIRO, Nelson Pôrto. Aspectos da vida urbana e de seus significados simbólicos na Vila da Vitória ao longo do séc. XIX. In: SOUZA, Luciene Pessoti de; RIBEIRO, Nelson Pôrto (org.). Urbanismo colonial: vilas e cidades de matriz portuguesa. Rio de Janeiro: CTRL C, 2009. Ribeiro ainda descreve um segundo percurso, já no séc. XIX, que se estendia – ou se iniciava – até o Cais das Colunas, no sopé do platô do colégio dos jesuítas.

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Figura 12 – O antigo largo da Igreja, Colégio e Residência de São Tiago (atual Praça João Clímaco), tendo ao fundo o Complexo Jesuítico de São Tiago, ladeados pelo casario ainda existente no começo do séc. XX. Desenho de autoria de André Carloni

Fonte: MIRANDA, 2014

A implantação da igreja é realizada de forma que sua porta principal estivesse voltada para a vila que se formava no séc. XVI – a cavaleiro da Baía, como explica Carvalho (1982, p. 49) e defronte para seu largo – e a construção das alas posteriores, em área voltada para a Baía de Vitória, em declive acentuado e em direção ao mar, fechando-se a quadra aos poucos. Este declive possibilitou a criação de um terceiro pavimento para a quadra, em nível abaixo do templo.

A tipologia jesuítica do complexo edilício formado pela igreja e as alas que conformam a tipologia pátio-quadra da arquitetura religiosa jesuítica (DIAS, 2014. P. 184), tem em sua importância histórica a possibilidade de ampliar seu conteúdo originário. O prédio não foi somente sede da Igreja ou não é somente, hoje, sede política do Governo Estadual: foi e é um monumento da história urbana capixaba, em última instância, da cidade de Vitória, desde suas origens coloniais às transformações em que a sociedade passou nos últimos séculos, mantendo-se ainda altivo, símbolo e representante da história que percorreu (DIAS, 2014, p. 133). A tipologia jesuítica de São Tiago é tão importante como indutora do crescimento urbano da antiga Vila, como para a história do complexo paisagístico da capital. Sua escala urbana participa da construção da morfologia de Vitória, marcando a paisagem que se inicia a partir da metade do séc. XVI, até os dias de hoje, em suas diversas escalas (Ver Figura 13, Figura 14, Figura 15, Figura 16 e Figura 17).

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Figura 13 – Em vermelho, área da implantação da Vila da Vitória a partir de 1551, núcleo original e histórico da atual cidade de Vitória

Figura 14 – Vila da Vitória em 1767, mapa atribuído a José Antônio Caldas. Em destaque, o prédio jesuítico de São Tiago

Figura 15 - Desenho de José Antônio Caldas, de 1767, da vista da Vila da Vitória. Em destaque, o prédio de São Tiago.

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009

Fonte: REIS FILHO, 2000

Figura 16 – Cartão postal de Vitória do começo do séc. XX (1900), acervo de Carlos Benevides Lima Junior. No centro da imagem, o prédio de São Tiago, já como palácio governamental, mas antes da reforma de 1910

Figura 17 – O atual entorno adensado e verticalizado do Palácio Anchieta (em destaque). Foto do acervo de Flavio Lobos Martins/Fóton. Ver também Figura 2

Figura 18 – A consolidação de sucessivos aterros na região central da cidade de Vitória, ao longo do séc. XX amplia sua área urbana, adensa suas construções e ao mesmo tempo, promove a possibilidade da valorização das áreas urbanas pela sucessiva verticalização por que passa a região, nesse momento. Em vermelho, o antigo prédio de São Tiago, atual Palácio Anchieta

Fonte: GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2013

Fonte: MIRANDA, 2014. Modificado para o presente trabalho

Fonte: Planta com Restituição Aerofotogramétrica da Cidade de Vitória (ano de 2000). Modificada para o presente trabalho

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A história do atual Palácio se enquadra como exemplar de três das grandes narrativas pertencentes a esta pesquisa: a tipologia, a morfologia urbana e a paisagem. Enquanto tipologia se baseia nos exemplares mais singelos desenvolvidos pelos jesuítas no início de sua estada em terras brasileiras. Um modo simples, fácil e prático de ocupar o lugar que se torna, ao longo do tempo, parte fundamental de uma morfologia urbana colonial: o prédio em quadra, que se adéqua, pelas suas partes ou alas, aos condicionantes topográficos e às necessidades de mais espaço dos padres. Sua arquitetura, desde sua implantação primitiva, mais afastada da Vila, mas, próxima o suficiente da vida religiosa dos fiéis, foi também fundamental para o desenvolvimento urbano de Vitória, como um dos indutores do crescimento urbano bem como para a construção de seu imaginário colonial. A paisagem que o Complexo Jesuítico de São Tiago ajuda a construir é tradicional dentro da historiografia colonial, parte da iconografia de uma cidade antiga que cresce e se molda ao relevo local. Paisagem urbana que teve em seus prédios religiosos emblemas da fé e proteção espiritual, marcando as alturas de seu sítio e se aproximando do mar, fonte importante para sua vida comercial, econômica e cultural.

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Cap. III Conceituando a paisagem enquanto narrativa

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O conteúdo desse capítulo faz parte da dissertação de mestrado do autor (DIAS, 2014).

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arte-se do pressuposto de que a paisagem é o resultado narrado da interferência humana sobre a natureza, em suas diversas escalas, modos e significados. Ao se falar de cidade, fala-se historicamente sobre a forma indelével do homem existir sobre a natureza, de marcar e criar solidamente a história urbana como fato humano, e vice-versa. A cidade é o legado humano de sua existência, e ela torna-se paisagem mediante o recorte da natureza que é feito pelo olhar estetizante do homem, pois a cidade,

segundo Cauquelin, “participa da própria forma perspectivista que produziu a paisagem” (CAUQUELIN, 2007, p. 149). Absorver a paisagem com todas as sensações corpóreas – “visual, auditiva, tátil ou olfativa” (CAUQUELIN, 2007, p. 149) – faz transcendê-la de seu estado primevo de natureza e alcançar, portanto, um nível mais elevado da cultura particular e coletiva, um novo estado inserido na história e no tempo. Leite apresenta outra possibilidade de entendimento da paisagem, como construção da “criatividade humana” (LEITE in REVISTA PAISAGEM E AMBIENTE, 1991, p. 45). Para a autora, o fato de a paisagem, seus significados e valores serem marcados pela história e pelo tempo, caracteriza-a tanto como uma construção concreta – “um fato físico, objetivo e categorizável...” (LEITE in REVISTA PAISAGEM E AMBIENTE, 1991, p. 45) –, quanto como um “processo criativo contínuo” (LEITE in REVISTA PAISAGEM E AMBIENTE, 1991, p. 45); ou seja, a paisagem não se apresenta fixa na história, pelo contrário, retroalimenta-se por esta e pela cultura que marca o momento histórico, seja por meio da construção cultural do indivíduo que descortina a paisagem, ou da coletividade que se constrói culturalmente junto desta: A paisagem, ao contrário de outras artes, é efêmera. Seus princípios de organização, assim como os da arquitetura, da pintura, da música e da literatura, são constantemente questionados e modificados pela evolução da sociedade, e das ciências e das técnicas. Entretanto, essas outras formas de arte possuem um tipo de registro que permanece através dos tempos, o que não acontece com a paisagem que, ao assumir novas feições, anula as anteriores ou conserva delas apenas alguns vestígios (LEITE in REVISTA PAISAGEM E AMBIENTE, 1991, p. 46).

Simmel faz uma diferenciação exata entre natureza e paisagem, para o qual a natureza deve ser entendida como a “unidade de um todo” (SIMMEL, 2008, p. 1), indivisível no tempo e no espaço, sem fronteiras e limites, sendo formada tanto por sua parte selvagem e natural, como “incluindo-se eventualmente as obras do homem que a ela se integram” (SIMMEL, 2008, p. 1). A passagem do homem pela natureza a modifica, transformando-a e transmutando-a para seus interesses. As edificações humanas, mesmo “eventualmente” fazendo parte da natureza, como propõe Simmel, não são o “natural”, mas a interferência artificial ou humana sobre a terra. Suas paredes separam o exterior do interior, a natureza, do homem. A natureza é o lá, o outro lado do muro. A paisagem constitui-se pelo delimitado, o enquadrado, sob o olhar momentâneo ou duradouro. A natureza fragmentada pelo olhar estetizado do homem é, segundo Simmel, (...) representada como paisagem, reivindica um ser-por-si eventualmente ótico, eventualmente estético, eventualmente atmosférico, em suma, uma singularidade, um caráter que a separa da unidade indivisível da natureza, onde cada parte não pode ser senão um lugar de passagem para as forças universais do ser-ali (SIMMEL, 2008, p. 3).

A paisagem é o recorte da natureza, é o aqui e agora de um lá distante, ao longe, que este mesmo recorte aproxima. As edificações, com todas as suas aberturas ao exterior, recortam esta natureza, ora selvagem, ora composta “eventualmente” por obras humanas. Emolduram o olhar e o direcionam aos fragmentos da natureza, que é modificada, ressignificada por um olhar estético que não só olha, mas contempla, apropria-se e absorve. Nos termos de Simmel, a paisagem somente existirá se, ao ser retirada da natureza, for transformada sem perder o seu contato e relação com esta última:

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[...] para que nasça a paisagem é, sem dúvida, necessário que a pulsação da vida, na percepção e no sentimento, seja arrancada da homogeneidade da natureza, e que o produto especial assim criado, após ser transferido para um nível completamente novo, ainda que se abra, por assim dizer, para a vida universal e acolha com perfeição, em seus limites, o ilimitado (SIMMEL, 2008, p. 3).

A paisagem da cidade ou a paisagem urbana, formada pela relação “entre sua forma e nós” (CAUQUELIN, 2007, p. 149), escapa da noção de natureza idealizada como paisagem para a concretude do tecido urbano que se moldou (ou emoldurou) pelas transformações arquitetônicas e espaciais da ação humana. Pode-se, portanto, associar o espaço urbano ao território de sua inserção: aquele espaço que circunda e define a cidade como resposta às influências humanas sobre a terra. Com isso, aproxima-se a forma urbana do seu “suporte geográfico” (LAMAS, 1992, p. 63). Cada lugar ou sítio induz uma forma, e esta forma desenha a cidade e sua paisagem construída, como explica Lamas (1992, p. 63). Arquiteturas e espaços urbanos convergem para a construção de uma paisagem urbana, que toma da natureza elementos que a própria arquitetura emoldura. Defende-se a paisagem como uma construção cultural da natureza (RIBEIRO, 2007, p. 50), que nasce, portanto, do recorte da natureza por meio de um olhar que pode ser ordenado pelos sentidos/sentimentos/valores ou do método analítico. Por ser, sobretudo, uma construção humana, a paisagem está conectada à forma urbana através “das características do sítio, do traçado, das construções, da existência ou não da vegetação, do parcelamento do solo, dos logradouros, das praças e parques”, na explicação de Aragão (2006, p. 35). Esta relação tem na cultura, ou no desenvolvimento cultural de seus constituintes o elo que constrói os significados destas partes no todo da cidade. A cidade é centro da cultura humana, reflexo do desenvolvimento dos conhecimentos e relacionamentos humanos ao longo da história. Ao mesmo tempo, é o centro das grandes narrativas da arquitetura e do urbanismo que se inserem como produtos culturais deste mesmo homem urbano. Estas expõem, em maior ou menor medida, o passar do tempo, a qualidade e a forma do espaço e a paisagem que foi desenhada, transformada e ressignificada pelas próprias transformações urbanas e de conteúdo da sociedade. Como explica Leite, a paisagem muda constantemente conforme o conteúdo cultural vigente. Contudo, ao ser inserida no meio urbano, enquanto paisagem urbana, a paisagem se liga temporalmente à morfologia e a tipologia. As transformações urbanas, ao longo da história, trazem novas paisagens à cidade, construídas pelo gosto vigente, técnicas construtivas, disponibilidade de materiais e mão-de-obra, normas edilícias, simbologias e critérios outros, em seus diferentes níveis culturais.

3.1. O PALÁCIO ANCHIETA E SUA HISTÓRICA CONSTRUÇÃO NARRATIVA DA PAISAGEM DA CIDADE DE VITÓRIA11 Ao longo da história colonial brasileira as construções religiosas jesuíticas têm, pela sua localização e implantação sobre o sítio, além da composição volumétrica e qualidade de sua arquitetura um papel fundador, de constructo de uma paisagem urbana primitiva em várias cidades. Os prédios jesuíticos e de outras ordens religiosas importantes para esse período histórico, se alinham com a própria ocupação urbana que se inicia nesses primórdios. Ocupação de casarios, prédios singulares – como os primeiros templos católicos – e os primeiros espaços públicos abertos pela conveniência, necessidade e simbolismo, que remonta e se referencia ao modo urbano português. Este, pelas circunstâncias, assume um novo caráter através de sua adaptação ao contexto diverso do Novo Mundo.

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O conteúdo desse capítulo é parte integrante da Dissertação do autor: DIAS, Fabiano Vieira. O pátio jesuítico no Palácio Anchieta: narrativas tipo-morfológicas e paisagísticas na cidade de Vitória (ES). 2014. 250 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014. Disponível em: < http://repositorio.ufes.br/handle/10/1188>

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A Vila da Vitória se apresenta como um dos exemplares mais antigos dos primórdios da colonização portuguesa no Brasil, tanto pela origem de sua ocupação como pelas edificações e modo de adaptação ao sítio da ilha. O entorno natural que circunvizinha o núcleo original é parte fundamental de sua identidade histórica e paisagística. O relevo local mostra-se decisivo para a escolha do sítio da nova vila, um misto de proteção, local de vigia e facilidade de implantação das primeiras edificações na propriedade pertencente a Duarte Lemos. O platô do núcleo urbano original, localizado em uma pequena península dentro da Baía de Vitória (Figura 19), seguindo a urbanística portuguesa por uma “cota dominante na paisagem” (SIMÕES JUNIOR e CAMPOS, 2013, p. 49) cria também condições favoráveis para a instalação de estruturas portuárias e comerciais. O conjunto paisagístico formado pelas edificações religiosas dos primeiros séculos de colonização, o mar, as primeiras estruturas portuárias e o relevo, principalmente do Maciço Central que emoldura o núcleo original, são os elementos “pregnantes da paisagem de Vitória nos primórdios de sua ocupação” (SEDEC-PMV/ÚNICA CONSULTORES, 2011, p. 20). Figura 19 – Em destaque, a pequena península da ilha de Vitória onde, originalmente se implantou sua vila colonial. Sua relação com o restante da ilha (parcialmente representada), formado por maciços rochosos e pequenas ilhas vizinhas, demonstra a opção por colonizadores e jesuítas pelo seu platô, com áreas mais planas que o entorno. Ao mesmo tempo, sua posição dentro da Baía e o relevo circunvizinho facilitavam tanto a proteção como a vigília dos navios que adentravam este braço de mar. Na imagem superior, perfil da ilha demonstrando seu relevo de alturas variadas.

Fonte: Arquivo pessoal da Professora Dra. Luciene Pessotti. Modificado para o presente trabalho

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É o momento em que a paisagem natural sobressai ao construído, de uma vila incipiente que, no caminhar dos primeiros séculos, crescerá de forma lenta pela ocupação do relevo local. Ou seja, neste primeiro momento da colonização do núcleo da Vila da Vitória, como explica Souza, “predominavam os traços da natureza” (SOUZA, 2004, p. 322). Conclui a autora que “o contato do colonizador com os condicionantes da geografia não engendrou uma relação de dominação e de transformação de suas características” (SOUZA, 2004, p. 322). Pelo contrário, as primeiras edificações ocupam, inicialmente, a parte central do platô, mais plana, para depois, como no caso do edifício de São Tiago, ir se adaptando ao relevo local que ora descia em direção ao mar, ora subia em direção do Maciço Central12. Além disso, a predominância da paisagem natural sobre a construída não só se fez pela presença do Maciço Central, diminuída ao longo dos séculos de ocupação, mas por outras estruturas geológicas que conformaram o imaginário visual e histórico da Vila. A paisagem de “significativo valor cênico” (SEDEC-PMV/ÚNICA CONSULTORES, 2011, p. 24), ainda se completa na cadeia de montanhas dos municípios vizinhos de Vila Velha e Cariacica, que aumentam a sensação da dominância do natural sobre o construído: em Vila Velha, os morros do Pão de Açúcar, Atalaia, Argolas, Penedo, Jaburuna e Moreno. E em Cariacica as serras do Anil e do Mochuara (SEDEC-PMV/ÚNICA CONSULTORES, 2011, p. 28). Esta paisagem natural era, em parte, presente no dia a dia dos padres jesuítas, dentro de sua propriedade. À sua frente, pelo largo ou mesmo pelas aberturas de suas janelas e portas, a Vila da Vitória se formava em sua direção. Em seus corredores avarandados, no pré-pátio e de dentro da cerca, a natureza sem obstáculos: o relevo e suas matas, o mar e o pôr do sol diário13. O prédio se destacava do entorno primordialmente natural (Figura 20) e matas fechadas da ilha, como também pelos olhos do observador que estivesse do outro lado da Baía, na área continental da Vila Velha. Mantinha, neste começo da colonização, posição afastada do núcleo original em uma implantação típica jesuítica, do lugar alto, protegido e próximo a corpos d’água.

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O Maciço Central é um “conjunto natural” formado pelas seguintes elevações: “Morro do Romão, Morro do Quadro (bordas leste e oeste), Morro da Fonte Grande, Morro do Parque Municipal da Gruta da Onça e Pedra dos Olhos” (SEDEC-PMV/ÚNICA CONSULTORES, 2011, p. 26). 13

Através dos mapas desenvolvidos nas fases anteriores, percebe-se que o prédio possui, em sua face posterior, última a ser concluída com as alas da quadra, além de sua área de pomar na cerca, orientação Oeste; ou seja, o pôr do sol era, com certeza, uma presença constante para os padres, bem como seu nascer, pelas fachadas voltadas à Vila, em sua orientação Leste. Pode-se especular sobre isso acessando o site Vitória360, disponível em: http://www.vitoria360.com.br, do fotógrafo Edson Chagas. Em fotos panorâmicas de Vitória atual, aquela específica da Escadaria Bárbara Lindenberg (ver o link <http://vitoria360.com.br/escadaria-dopalacio>), logo abaixo do Palácio Anchieta, mostra o pôr do sol da região; possibilitando a especulação de como os padres jesuítas, de seu Colégio (e retirando-se os prédios circunvizinhos) tinham diariamente a vista do ocaso.

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Figura 20 – Croqui de implantação primitiva da Vila da Vitória em acrópole, nas últimas décadas do séc. XVI, com o núcleo urbano à direita e o prédio jesuítico à esquerda. Nesse momento inicial, São Tiago se encontrava mais afastado da Vila, em posição de destaque na paisagem. O desenho é uma hipótese baseada nos desenhos realizados, no séc. XVIII, pelo engenheiro militar José Antonio Caldas e nos mapas temáticos da pesquisa da Professora Dra. Luciene Pessotti.

Fonte: Desenho desenvolvido pelo autor

O modo jesuítico de implantar suas edificações foi preponderante para que o antigo complexo de São Tiago se mantivesse presente na paisagem e no imaginário da população de Vitória. Por séculos, foi o prédio de maior altura e volume da cidade, sobressaindo no entorno edificado, tanto do ponto de vista do interior da área urbana, como de quem adentra a Baía de Vitória. A escolha dos sítios era, como analisado anteriormente, pautada por uma visão pragmática, logo se transformando em simbólica, em que o prioritário era a subsistência, a proteção e a circulação fácil e ágil pelo território para o contado direto com colonos e índios. A tipologia jesuítica de São Tiago conformou seu complexo arquitetônico de escalas urbanas, principalmente quando de sua quadra conclusa. Como parte do processo de ocupação portuguesa das terras capixabas, foi um dos aparatos arquitetônicos fundamentais para a constituição da paisagem urbana da Vila da Vitória. Sua escala, proporções e relação direta com as origens da povoação conferem-lhe o status de superartefato arquitetônicourbano, como defende Najjar (2011) para edifícios singulares e suas abrangentes relações histórico-culturais e espaciais com o lugar. Seu pátio, como uma tipologia pátio-quadra jesuítica, ajuda a definir momentos específicos de uma paisagem emoldurada, a partir do seu próprio espaço: a posição elevada do prédio, em relação ao sítio e à Baía de Vitória, definia, como hipótese, visuais delimitadas e enquadradas em paisagens específicas, na medida em que as edificações da quadra se conformam e se relacionam com o relevo local – principalmente para usufruto dos padres deste espaço singular. A Baía, o relevo da ilha e sua vegetação e as visuais do outro lado, na Vila Velha (Figura 21), são elementos naturais de grande presença na paisagem do entorno e, muito provavelmente, visíveis, mesmo que em parte, desse pátio. Em seu centro, o poço de abastecimento de água; à sua volta, provavelmente, muros que delimitavam o pré-pátio e a futura obra em definitivo da quadra, sendo demolidos à medida que se levantava uma nova ala.

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Figura 21 – Panorâmica de 2014, em área frontal ao Palácio Anchieta, voltada para a Baía de Vitória e seu porto, do qual se vê parte. Detalhe para vista da área portuária do município vizinho de Vila Velha e de seu conjunto natural de morros

Além disso, a cerca que descia pela encosta até as proximidades do mar e do porto particular dos padres foi outro elemento importante na constituição paisagística de todo o Complexo, e em última instância, da própria Vila. Viu-se que o discurso humanista da jovem Ordem Jesuíta, sob os desígnios de Inácio de Loyola, percebe no homem o “poder de transformar e modificar a realidade”, como explica Oliveira (1988, p. 45). Isto se caracteriza em sua tipologia arquitetônica e em sua eficácia ao se adaptar às circunstâncias da natureza brasileira. Ao cercá-la e imediatamente domá-la, através da aprendizagem, com os índios, das espécies locais e introduzindo espécies européias em seus pomares, instalam, na origem da vida colonial brasileira, construções de uma paisagem urbana primitiva. Estas vão, por séculos à frente, ser a primeira imagem e contato das colônias com jardins idealizados, mesmo que para a praticidade da subsistência dos missionários no Brasil14. Essas hortas e pomares também estavam presentes nas propriedades dos franciscanos e carmelitas instalados na Ilha. As formas e dimensões do casario colonial não abriam espaços para jardins internos, os quais vão se propagar no espaço urbano brasileiro somente no séc. XIX, a partir de uma morfologia de lotes maiores que propiciam espaços para jardins particulares, como aponta Reis Filho (2011, p. 16). Os estreitos lotes coloniais, “aproveitando antigas tradições urbanísticas de Portugal” (REIS FILHO, 2011, p. 22) e as limitações técnicas e tecnológicas da época, com suas frentes voltadas para as ruas e laterais como divisas entre lotes, não apresentam, neste momento inicial, e em sua grande maioria, espaços livres. Estes se resumiam aos arruamentos sem calçamento e sem passeios, definidos pelas próprias edificações que os margeavam e os largos dos templos religiosos. São Tiago é símbolo de uma época do poder da Igreja na construção dos espaços urbanos coloniais brasileiros. Dividiu espaço no imaginário coletivo da Vila com outros prédios religiosos – seja pela sua localização e implantação, seja pela importância dentro da vida religiosa da comunidade que se formava naquele momento – ao lado dos quais foi

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A arquitetura jesuítica é a expressão da visão prática da vida religiosa e, principalmente, de uma nova visão da natureza pelos jesuítas, apoiada em textos da filosofia, das ciências e das novas descobertas ultramarinas onde a natureza está posta por Deus a serviço do homem, para seu domínio. A natureza é, neste momento, como explica Assunção, “[...] captada pelo homem, que a decodifica sob um ponto de vista prático da sua sobrevivência, em decorrência dos desejos divinos, ou da gratuidade divina, que tem o dom de gerar os elementos naturais” (ASSUNÇÃO, 2000, p. 28). Ou ainda, como conclui o autor, cultivando e guardando o mundo natural, o homem dava significação à criação divina, pois esta existia em função da existência biológica humana (ASSUNÇÃO, 2000, p. 28).

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importante também para a definição dos primeiros arruamentos, principiando o processo de crescimento urbano e, por conseguinte, da paisagem que se transformava à medida que a Vila crescia. O espaço urbano se molda à arquitetura e vice-versa, e ambos se condicionam pelo relevo. Uma arquitetura vernácula, com bases na tipologia edilícia portuguesa, referenciadas na métrica e filosofia manuelinas (CARITA apud SOUZA, 2004, p. 316): flexibilizada pelos condicionantes materiais e de pessoal especializado, e um urbanismo construído pela “métrica rectangular para o quarteirão” (CARITAS apud SOUZA, 2004, p. 316). Estes traçados urbanos primitivos são feitos por práticos locais (SOUZA, 2004, p. 317), homens designados pelas Câmaras para traçar os arruamentos com a precariedade tecnológica disponível, como cordas e bússolas (CARITAS apud SOUZA, 2004, p. 317). Portanto, a paisagem que se forma nestes primórdios do Brasil colonial é um amalgama da presença da Igreja como indutora dos eixos de crescimento urbano e de circulação, e da própria forma como estes edifícios e arruamentos eram construídos no relevo local. A arquitetura que molda as feições do conjunto edificado tem nestes mesmos prédios religiosos seu ponto de destaque, tanto pela posição privilegiada no contexto geográfico do entorno, como no contexto físico e simbólico dos núcleos urbanos coloniais. O conjunto edificado se torna, por fim, referencial para a leitura do sítio e orientação, como explica Teixeira: Acomodando-se ao sítio, a cidade era facilmente legível, de fácil referenciação e orientação porque seus códigos de leitura se identificavam com os do território. Da mesma forma, era uma cidade naturalmente hierarquizada porque as hierarquias do território estavam embebidas na estrutura urbana. Estabelecia-se assim uma estreita relação entre a estrutura territorial e a estrutura urbana, tornando explícitas as relações entre sítio e plano urbano, entre linha natural e via estruturante, entre ponto de inflexão e praça, entre local dominante e arquitetura notável (TEIXEIRA, 2012, p. 43).

São Tiago, mesmo com sua quadra inconclusa nos primórdios coloniais de Vitória, é a expressão da arquitetura jesuítica pelo que se observa em sua implantação e localização, e em tudo o que isto significa de simbólico. A posição do prédio jesuítico jamais pode ser pensada como mero acaso, e sim como uma escolha cuidadosa dos padres construtores quanto aos condicionantes de proteção e meios de circulação, principalmente pelo mar, com seu porto particular e sua “fragatinha”, que, segundo Carvalho (1982), é, no séc. XVIII, “a melhor embarcação que andava em águas brasileiras” (CARVALHO, 1982, p. 51). Seu porto particular, o Fortim de Padre Inácio e a cerca com pomar, eram parte de um complexo que unia proteção e sobrevivência. Os séculos que se passam, antes da expulsão dos jesuítas, vêem a cidade crescer aos poucos e se aproximar do colégio e de sua igreja (Figura 22). Viu-se como São Tiago se estabelece como um dos eixos indutores de crescimento urbano, e para a vida religiosa de sua comunidade. Na medida em que a Vila vai se consolidando em população e comércio, e as ordens religiosas se implantando e se apropriando dos seus espaços, o casario crescente também altera suas feições, principalmente quanto à qualidade de suas construções. No começo da colonização, questões de precariedade econômica, técnica e pessoal e os constantes ataques indígenas não incentivavam construções mais resistentes. As implantações dos prédios religiosos serão tanto vetores de crescimento da Vila como, sistematicamente, propagadores de construções de melhor qualidade, sendo que os próprios jesuítas, nos termos de Souza, “influenciaram na construção de novos casarios para os primeiros colonos que se transferiram para a ilha” (SOUZA, 2004, p. 321).

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Figura 22 – No séc. XVII o núcleo avança em direção a São Tiago e aos outros prédios religiosos implantados na Vila, ao mesmo tempo em que começa a ocupar a linha do mar do platô. Este desenho se baseia em outros, realizados, no séc. XVIII, pelo engenheiro militar José Antonio Caldas e nos mapas temáticos da pesquisa da Professora Dra. Luciene Pessotti.

Fonte: Desenho desenvolvido pelo autor

A cerca que delimitava a propriedade dos jesuítas, as cercas do Convento dos Franciscanos e, no séc. XVII, da Ordem Carmelita, foram, nos três primeiros séculos da colonização portuguesa da Vila da Vitória, parte de uma situação distinta dentro da morfologia urbana que se formava. Em sua pesquisa, Souza (2004) constata que a soma das áreas das cercas das três Ordens religiosas equivale, aproximadamente, à área do núcleo urbano da Vila no início da colonização (SOUZA, 2004, p. 328), ainda ocupando uma grande parcela de sua área urbanizada no séc. XVIII15. Além disso, como explica a autora, as cercas dessas Ordens, ao longo da história da colonização portuguesa no país, assumiram uma importância que ultrapassa seu sentido de pertencimento ao espaço sagrado de seus templos e conventos, principalmente por “delimitarem uma primeira forma de apropriação de terras nas urbes coloniais” (SOUZA, 2004, p. 331). Souza, ao citar Marx (1984, p. 39 apud SOUZA, 2004, p. 328), ainda explica que as Ordens religiosas influenciaram, através de suas cercas, a expansão e o adensamento desses núcleos, e, por conseguinte, sua forma urbana. Suas grandes dimensões e forma irregular, invariavelmente, não correspondiam à geometria, mesmo que imperfeita, da malha urbana que se moldava aos condicionantes locais e, por fim, ao desenho irregular das próprias cercas (SOUZA, 2004, p. 328).

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Como conclui Souza, “se compararmos a estrutura fundiária da vila, i. e., a relação das ruas x quarteirões x lotes x edifícios com as cercas das ordens religiosas e suas sedes, veremos que esta relação é, aproximadamente, em termos de lotes, de 20 a 30 vezes o tamanho e área média” (SOUZA, 2004, p. 328).

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Pessotti (in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 113-114) aponta a iconografia realizada a partir do séc. XVIII – por engenheiros, a mando da Coroa, para levantamentos cadastrais e perspectivas da Vila da Vitória – como fundamental para entender a morfologia da época, bem como a paisagem urbana que começa a se consolidar naquele momento. Os desenhos de José Antônio Caldas e Joaquim Pantaleão, este último já no começo do século seguinte, são registros mais precisos do que os mapas portugueses e holandeses do século anterior, que mostram esquematicamente a Vila e seu entorno físico (SOUZA, 2004, p. 331-333). Principalmente os desenhos em perspectiva desenvolvidos por Caldas e Pantaleão (Figura 15 e Figura 24) mostram a ilha com ocupação urbana concentrada no platô da acrópole ou colina, descendo pela encosta até o mar, dando destaque para os prédios religiosos, principalmente São Tiago, e sua posição em relação à Baía de Vitória. Os desenhos caracterizam o conjunto urbano da cidade, representando a relação do casario e prédios importantes com o relevo local. Ao mesmo tempo, demonstram como a ocupação se aproximou de São Tiago, que se encontrava, anteriormente, em posição de maior destaque sobre a colina. A segunda torre construída pelos padres para São Tiago se apresenta, a partir deste momento, como o elemento que marca o lugar do Complexo em relação ao entorno edificado, destacando-o da paisagem e orientando os olhares – principalmente da entrada da Baía de Vitória, por conta de sua altura proeminente. Figura 23 - Desenho de José Antônio Caldas, de 1767, com a seguinte legenda: “Propecto da Vila da Vitória Capital da Capitania do Espírito Santo, e distante da foz do Rio do mesmo nome, huma Legoa: na Latitude de 20 g. e 15 m. ao sul, e 344 g. e 45 m. de longitude. Foi tirado com Acamara obscura por Jozê Antonio Caldas. Capitam de Infantaria com exercício de Engr.º Lente da Aula Regia das forteficasoens da Bahia, mandado à dita Capitania do Real Serviso pelo Ilm.º S.r Conde de Azambuja Capitam General e Governador desta Capitania B.ª 8 de Sbr d 1767”. Original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro (REIS, 2000).

Fonte: REIS, 2000

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Figura 24 – Desenho de Joaquim Pantaleão, de 1805, com a seguinte legenda: “PERSPECTIVA DA VILLA DE VICTORIA/Capitania do ESPÍRITO SANTO por Joaquim Pantaleão Per.ª da S.ª/Anno de 1805”. Original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro (REIS, 2000). Mesmo sendo uma imagem de princípios do séc. XIX, e abstraindo-se da mesma a aglomeração urbana em volta do Complexo de São Tiago (com sua quadra completa e a segunda torre em destaque, no canto esquerdo da imagem), tem-se uma idéia de como seria elevada sua presença em relação à Baía de Vitória, ainda nos idos do séc. XVI.

Fonte: REIS, 2000

A consolidação da morfologia urbana colonial da Vila da Vitória, no séc. XVIII, traz a reboque o adensamento de suas edificações típicas de dois ou três pavimentos, ocupando totalmente os estreitos lotes e os vazios remanescentes do núcleo original, aproximando-se em definitivo dos templos religiosos, como um dos polos atrativos da época (Figura 25). Os únicos elementos urbanos que impedem a total sobreposição entre o sagrado e profano, na Vila, são, ainda, os largos e as cercas desses complexos religiosos.

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Figura 25 – A consolidação da Vila colonial no séc. XVIII e ocupação adensada do platô original. Este desenho se baseia em outros realizados, no séc. XVIII, pelo engenheiro militar José Antonio Caldas

Fonte: Desenho desenvolvido pelo autor

Tais complexos se conformam como elementos de estruturação da paisagem urbana pela sua presença na própria estrutura urbana, seguindo, como explica Simões Junior e Campos, o “uso português” das vias que tem nesses prédios seus referencias urbanos e visuais (SIMÕES JUNIOR e CAMPOS, 2013, p. 60). São Tiago e os conventos dos franciscanos e carmelitas sobressaem do entorno edificado, tanto por sua arquitetura de grandes proporções como pela disposição de suas cercas e largos que ainda, nesse momento, delimitam seu espaço sagrado com o profano da cidade. O casario que surge à sua volta se detém nesses limites, preservando a imponência do complexo jesuítico. O pátio jesuítico se completa com a quadra e é a partir dele que esta funciona pela distribuição de seus cômodos e funções. Este pátio encerrado não se abre mais à natureza, além do céu como cobertura; precisa das aberturas das portas e janelas para que o entorno que circunda o complexo adentre seu espaço, visualmente. Sua função é dupla: organiza o espaço interno do colégio e traz, para a vida interior, meditativa e de serviços diários, um pedaço da cultura urbana, advinda da arquitetura e da vida europeia expressa em seus elementos arquitetônicos. Sua presença é a memória desta época. O séc. XIX foi importante para a transformação na paisagem da secular Vila: seu crescimento irrompe as barreiras coloniais definidas e consolidadas no século anterior (Figura 26). Primeiro, por conta da antiga cerca jesuítica que deixa de existir com a expulsão dos padres e a subsequente transformação da área delimitada pela mesma em parte do tecido urbano (Figura 27). O complexo que antes estava, de certo modo, à parte da cidade, é agora parte de sua malha urbana, onde seu desenho em quadra se acomoda ao desenho retangular e irregular dos lotes que se aproximaram dele nos séculos anteriores.

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Figura 26 – No séc. XIX, o processo de ocupação de novas áreas da cidade, seja sobre o mar e áreas alagadiças através de aterros ou de novas áreas da ilha, amplia os limites urbanos que extrapolam o antigo platô original. O desenho se baseia em foto de Vitória feita no séc. XIX, do acervo da Professora Dra. Luciene Pessotti.

Fonte: Desenho desenvolvido pelo autor desta dissertação Figura 27 – Foto do final do séc. XIX, mostrando um ponto de vista posterior ao Palácio Anchieta e à ocupação desta área, anteriormente delimitada pela cerca dos jesuítas. O prédio jesuítico está à direita, ainda com suas duas torres em destaque. Fotomontagem com fotos de Victor Frond do livro TSCHUDI, Johann Jakob von. Viagem à Província do Espírito Santo: Imigração e colonização suíça 1860. Vitória, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2004. Acervo da fotomontagem: Sedec/PMV e NAU/Ufes.

Fonte: SEDEC-PMV/ÚNICA CONSULTORES, 2011

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Viu-se, através da pesquisa de Pessotti (2011), que nos séculos precedentes ao processo de consolidação urbana da Vila da Vitória, ocorre um sucessivo e lento aumento de sua área física por aterros primitivos, que são feitos com entulhos jogados ao mar, na parte baixa da cidade, criando, já no séc. XIX, novas áreas e, principalmente como explica a autora, originando novos arruamentos: [A] Rua da Praia, que veio a ser a artéria mais comercial do local, dando origem à Avenida Capixaba, e posteriormente à Avenida Jerônimo Monteiro, um dos principais corredores de passagem de Vitória na contemporaneidade (PESSOTTI in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 114).

Este processo se acentua e se oficializa pelas mãos do Governo de Francisco Alberto Rubim (1812-1819), tornando-se, a partir desse momento, “uma das intervenções mais impactantes para a transformação da paisagem urbana” da Vila de origem colonial, como explica Pessotti (in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 114). Iniciam-se os aterros pelas áreas alagadiças e mangues, aumentando com isso a área física urbana da Vila, antes limitada ao platô original e arredores naturais (PESSOTTI in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 114). As áreas aterradas se avolumam a partir de meados desse mesmo século, com aterros seqüenciais (1847, 1848 e 1871) para a área do Campinho (Figura 28 e Figura 29), onde posteriormente seria construído o Parque Moscoso, dentro do processo de embelezamento da cidade (PESSOTTI in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 114). Figura 28 – Foto do começo de 1909 que mostra, abaixo, o aterro da região conhecida como Campinho onde seria construído o Parque Moscoso (comparar com a imagem anterior). Ao fundo, no alto e à direita, a presença do antigo prédio de São Tiago. Acervo de Paulo Motta/Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo.

Fonte: MIRANDA, 2014

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Figura 29 – Foto, de 1912, da área do Campinho transformada no Parque Moscoso, tendo ao fundo, e no alto, o prédio de São Tiago, antes das reformas de 1908-12. Foto do acervo da Biblioteca Central/Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo.

Fonte: MIRANDA, 2014

A cidade ganha novas obras, novos arruamentos, mas, principalmente, novas áreas sobre o mar e áreas alagadas, culminando em obras que se estenderão por décadas no séc. XX. Os aterros, por sua vez, trarão um novo caráter à cidade, conectada com as mudanças estilísticas, arquitetônicas e urbanas, ainda dentro do espectro de influência de uma Europa fim-de-século: Os aterros deram origem a um novo solo urbano, que passa a ser ocupado por ruas e edifícios que deveriam traduzir as inovações urbanas advindas da Europa: traçado regular e arquitetura com novos conceitos e tecnologia, traduzindo um novo padrão social e estético (PESSOTTI in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 115).

Os aterros expandem a área da cidade, ao mesmo tempo em que esta cresce para outras áreas naturais e que se encontram desocupadas. O antigo complexo jesuítico, agora Palácio, acompanha as mudanças estéticas e funcionais, iniciadas no final do século anterior, conectado pelo discurso e pela estética arquitetônica e urbana. Toda a simplicidade e singeleza da arquitetura jesuítica foi apagada nas novas feições neobarrocas (CARVALHO, 1982, p. 52), da palheta multiestilística do ecletismo em voga (Figura 30). A disposição em quadra e o pátio central são os únicos remanescentes da era jesuítica colonial, mesmo que o contorno original do pátio central tenha sofrido modificações impostas pelas sucessivas reformas e adaptações.

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Figura 30 – Fachadas voltadas para a Baía de Vitória (à esquerda) e para a Praça João Clímaco (à direita), em dois momentos de São Tiago: em sua feição jesuítica; e eclética, após as reformas de 1912

Fonte: MORRO DO MORENO, 2014

A cidade se sobrepõe à área jesuítica, engloba seu prédio no tecido colonial, no começo do séc. XX, adaptado às novas exigências do uso governamental, ao gosto estético da época e aos avanços tecnológicos que queriam, por fim, conectar a cidade, seus prédios e espaços urbanos ao mundo em rápida mudança. A rapidez nas mudanças será uma das marcas do séc. XX, quando as cidades receberão os maiores impactos: novos meios de transporte, tanto individuais como de massa, mais rápidos e disponíveis; novas tecnologias da construção que se propagam com rapidez, acelerando o tempo, a disponibilidade e as possibilidades pela verticalização das obras; a comunicação, sinônimo último da rapidez e do fluxo, que se massifica por novos meios; e o aumento populacional que se direciona à cidade, como lugar de melhores condições de vida e trabalho. Essas mudanças vão, invariavelmente, alterar drasticamente a feição das cidades, mudando ritmo, desenhos e estruturas urbanas, impondo nova dinâmica ao ampliar suas áreas urbanas, suas velocidades e reduzir o tempo. O contínuo processo de aterros adentra o séc. XX criando novas áreas sobre o mar (Figura 31), seja para seu porto16, seja para outros espaços urbanizáveis, onde uma nova tipologia surge como revés à cidade colonial: a cidade a partir da metade do séc. XX se verticaliza como em um estágio avançado da modernização engendrada no final do séc. XIX (Figura 32). Novos prédios surgem, competindo na paisagem, em altura, e deixando de vez a tipologia tradicional de uma cidade colonial na história ou em fragmentos de um casario preservado.

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Os aterros necessários à construção do Porto de Vitória, ao longo das primeiras décadas do séc. XX ajudam a mudar o perfil da cidade, ampliando sua área territorial e, conseqüentemente, alterando sua paisagem, seja pelos novos prédios, seja pela nova relação com o mar, já que seu porto se torna área restrita, delimitada com a cidade e não menos importante, através de novas referências visuais que o dia a dia do porto leva à cidade: “A construção do porto resultou em profundas alterações na estrutura física e funcional da cidade, modificando o contorno natural da baía. Entretanto, não se pode negar que ele trouxe para a cidade um grande desenvolvimento. Vitória cresce e passa a ter uma paisagem inédita: os grandes navios que ‘passeiam’ na avenida” (PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2006, p. ?).

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Figura 31 – Em 1, 2 e 3, fotos dos aterros realizados no Centro de Vitória, entre 1951 e 1954, criando a Esplanada Capixaba e aumentando a área da cidade. Em 4 e 5, aterros de manguezais e criação de novos acessos à cidade. Destaque para o início do processo de verticalização da região.

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5 Fonte: FOTOS ANTIGAS DE VITÓRIA, 2014

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Figura 32 – Desenhos a partir de dois pontos de vista mostram o atual Palácio Anchieta e sua relação com as edificações construídas a partir da metade do séc. XX, verticalizando a paisagem da Capital. 1- desenho baseado em foto do séc. XX (acervo Dra. Luciene Pessotti); e 2- desenho a partir de imagem do Google Earth® das elevações em 3D dos principais prédios da cidade de Vitória

Fonte: Desenhos realizados pelo autor do presente trabalho

É o momento, como expõe Pessotti, de “ruptura” (PESSOTTI in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 115), seja do tecido tradicional, seja da história colonial da cidade e, principalmente, de seu centro histórico. O platô que antes tinha em São Tiago e outras edificações religiosas os maiores prédios em destaque na paisagem, se apresenta, a partir da metade do séc. XX (Figura 33, Figura 34 e Figura 35), com um novo perfil (PESSOTTI in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 115). Edifícios comerciais e residenciais de até quinze pavimentos ocupam o relevo escalonado da cidade e as novas áreas sobre o mar. Assim, a paisagem que era, até então, marcadamente uma relação de escalas e proporções que se adaptavam ao relevo e aos grandes maciços rochosos de fundo, tem, a partir desta ocupação verticalizada, uma massa homogênea de grandes alturas que muda totalmente a relação com o entorno: os elementos naturais e seus valores cênicos – “valores histórico, cultural, ecológico e paisagístico dos elementos e conjuntos naturais” – são sobrepujados, em sua visibilidade, pelos altos edifícios que retiram da paisagem natural, em definitivo, sua predominância no imaginário da cidade (SEDEC-PMV/ÚNICA CONSULTORES, 2011, p. 26-27).

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Figura 33 - Em destaque, o prédio do Palácio Anchieta e sua relação em escala e proporção com o entorno edificado da cidade de Vitória, década 1940. Foto: acervo Francisco Moraes/Centro de Artes-Ufes

Fonte: MIRANDA, 2014

Figura 34 – Foto da década de 1960 mostra os prédios, de mais de quinze pavimentos, que despontam na paisagem, sobrepujando o Palácio Anchieta em altura. A imagem que em décadas anteriores se tinha do prédio, da entrada da Baía (ver figura anterior), deixa de estar em destaque a partir deste momento. Foto de Paulo Bonino, acervo do Instituto Jones dos Santos Neves/Centro de Artes - Ufes

Fonte: MIRANDA, 2014

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Figura 35 – Cartão postal de Vitória na década de 1970, em que se percebe o maior grau de verticalização da região central da cidade inclusive no entorno do Palácio (em destaque). A verticalização e seu adensamento impedem a visão em destaque do Palácio, à distância, pela Baía de Vitória. O rápido processo mudou o perfil da cidade em poucas décadas, no último século.

Fonte: MIRANDA, 2014

Independentemente de seu uso atual, dividindo espaço entre Palácio e Museu, o antigo prédio jesuítico ainda mantém sua posição privilegiada no contexto paisagístico da área. Apesar da vista à Baía liberada, os altos prédios fazem com que a percepção do complexo, pela Baía de Vitória, seja fragmentada. De dentro da cidade, se resguardam as vistas das avenidas Jerônimo Monteiro e Florentino Avidos e da Praça João Clímaco, as melhores visuais da construção (SEDEC-PMV/ÚNICA CONSULTORES, 2011, p. 191). Isto, de certa forma, cria uma nova relação da edificação, enquanto parte de uma paisagem a ser descortinada: antes, o prédio jesuítico, presente dentro de um tecido urbano típico colonial, estava sempre em destaque pela sua altura, posição e arquitetura. Hoje, em meio a uma série de altos prédios que marcam o novo perfil de Vitória, sua escala menor, posição e importância histórica transformam o antigo Complexo de São Tiago em uma surpresa aos olhares que acompanham o skyline da cidade, usando-se de um termo mais contemporâneo para falar da ocupação dos céus urbanos. Mesmo de dentro da cidade, ele se torna um momento de reflexão, de pausa aos olhares das grandes alturas do Centro de Vitória e sua relação sobre o mar da Baía (Figura 36, Figura 37 e Figura 38). Seu pátio encerrado é, na atualidade, um novo espaço de linhas minimalistas, de grandes aberturas que organizam as fachadas internas e que para ele se voltam. A imagem atual difere da vida agitada dos padres jesuítas no período colonial: o espaço é solene, introspectivo, silencioso e congela em seu centro, com o poço jesuítico redescoberto, a memória de uma época passada, um fragmento arqueológico dos momentos jesuíticos desse prédio secular.

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Figura 36 – O Palácio visto da Baía de Vitória, por detrás dos guindastes do Porto, em foto anterior às reformas completas de 2004-2009. Acervo de Jefferson França

Figura 37 – Vista aérea da região central, com o Palácio no canto inferior direito da imagem. Destaque para a escala dos edifícios e sua relação com o prédio, e a Baía de Vitória. Foto: acervo Fabio Villares

Fonte: GOOGLE/PANORAMIO, 2014

Fonte: SKYSCRAPERCITY, 2014

Figura 38 – Em primeiro plano, abaixo, o prédio da Escola Maria Ortiz. Em segundo plano, acima, o prédio do Palácio Anchieta, com sua vista para a Baía e Porto de Vitória. Ao fundo, o entorno edificado de prédios que chegam a quinze andares.

Fonte: SKYSCRAPERCITY, 2014

O processo de crescimento de Vitória não se restringiu ao seu centro histórico. Expandiu-se a Norte e Oeste (Figura 39), ocupou seus morros – acompanhando o processo de favelização de várias cidades brasileiras, ao longo do último século, e continua a ganhar novas terras sobre o mar. Novos bairros são criados, outras verticalizações são feitas e o

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Centro, agora bairro da cidade, perde sua importância como área comercial, residencial e política preponderante. O centro histórico adentra as últimas décadas do séc. XX em um processo de esvaziamento, se distanciando das novas áreas urbanizadas da cidade. Figura 39 – Vista geral de Vitória, com a totalidade de sua ilha (ao centro da imagem) e de sua parte continental (parcial, à direita). Ao fundo e à esquerda, a região de manguezal e os municípios de Cariacica e Vila Velha. A seta em vermelho indica a posição aproximada da área urbana que deu origem à cidade.

Fonte: SKYSCRAPERCITY, 2014. Modificado para este trabalho

Enquanto Palácio e Residência Governamental, sua atratividade se resumia aos interesses políticos. Em sua Era jesuítica, era o centro da vida religiosa e educacional da antiga Vila. No séc. XXI, a reforma de seu espaço não trouxe de volta a arquitetura jesuítica: manteve-se o status quo de seu último momento – pós-jesuítico –, eclético, símbolo da República e de uma nova cidade que se queria aberta ao mundo pelo seu Porto e pelo seu novo Palácio. A transformação em espaço cultural, de certa forma, o interliga com a cidade e sua população, atraída não por algum discurso político, por visitantes ilustres ou pela missa e ensinamentos jesuíticos. A cultura das artes é o novo elo; atrai e suscita, ao mesmo tempo, o contato com a história do lugar, seja através das visitas guiadas, seja pelo contato direto com aquele espaço, outrora o centro original da cidade.

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Cap. IV A Igrejinha do Rochedo, em Ibiraçu (ES): Arquitetura, fé e geomorfologia na construção de uma paisagem singular

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C

omo visto no capítulo anterior, a paisagem tem a característica de ser uma construção cultural, criada pelas mãos humanas que, atribuída de significado (s), permanece no tempo e na história como marca de um momento singular. É um registro que ultrapassa sua existência física e alcança o simbolismo de um ato ocorrido, de um tempo vivido, de uma história contada ou de um momento eternizado. A paisagem, diferente da Natureza, é um ato deliberado, intencionalmente estético, direcionado pelo olhar

de quem a constrói para quem se deseja apreciar. É o recorte estético de um todo, natural ou urbano, que define um momento na história. Implantada sobre um grande rochedo, às margens da BR 101 Norte em Ibiraçu (ES), a Igrejinha de Santo Antônio passa, em uma primeira visada rápida do veículo motorizado em movimento, uma sensação de espanto que vai rapidamente se transformando em indagação pela ousadia de como foi construído aquele pequeno edifício sobre uma pedra e, o para quê ou para quem! Do espanto, passando pela indagação chega-se a curiosidade da pesquisa e a constatação, pela história local, do caráter de fé atribuída a este empreendimento inusitado, que para muitos (ou milhares) que circulam pela rodovia diariamente de dentro de algum veículo motorizado, é uma história desconhecida, reservando-se somente à imagem da edificação religiosa encravada na pedra. Dessa imagem que tem em sua origem as edificações religiosas cristãs ao longo da história onde a pedra remete à solidez e ao estático, têm-se a estrada, a rodovia federal BR 101, em seus dois sentidos, que subverte totalmente esse simbolismo, pois pelas velocidades dos veículos que trafegam por ela, o olhar e por fim, a percepção dessa igrejinha nunca será estática, sempre em movimento, sempre alterando-se, sempre algo novo, sempre um novo olhar, uma nova percepção e uma nova paisagem, rápida e fugaz, aceleradas como o são as imagens de um vídeo. O rochedo, parte da geologia montanhosa local, leva o olhar às alturas, tanto para quem o visualiza pela janela do veículo em movimento, como para quem sobe pelo acesso de terra batida que serpenteia o relevo até a entrada do campo santo sobre o rochedo, formado pelos elementos da igrejinha, seu cruzeiro e a cerca que delimita o espaço. Esse acesso é outra forma de percebê-la: em peregrinação, sobe-se pelo caminho tortuoso de terra batida que se inicia às margens da rodovia, adentrando a propriedade privada da qual pertence a Igrejinha. Aqui, campo e montanha, elementos primordiais do conceito de paisagem desde o séc. XV (ROGER, 1999, p. 2-6), se misturam ao urbano nessa forma contemporânea de construção da paisagem: a velocidade, marcada pela presença da BR 101, estrada que liga milhares de pessoas entre cidades do litoral e do interior brasileiro, e pelos veículos que trafegam entre seus dois sentidos, em contraponto à subida íngreme, lenta e pausada para poucos. A construção clássica da paisagem, retratada nas artes principalmente pictóricas tinha o olhar pela janela, “essa veduta interior ao quadro, mas que abre ao exterior” (ROGER, 1999, p. 4) a forma de cristalizar a paisagem em pintura, democratizando o olhar de seu criador a todos os admiradores de sua arte. No contemporâneo, a janela dos veículos em movimento, mais telas de vídeos do que vedutas, criam frames, imagens diferentes do mesmo objeto ou olhar, múltiplos, séries, sequências que dificultam a fixação ou admiração da paisagem que passa na velocidade de um piscar de olhos. A fotografia faz hoje, por outro lado, o papel de reter um momento singular, de estabelecer uma imagem, ou imagens, de estudo e análise do que se caracteriza por paisagem. A Igrejinha, objeto icônico tanto da fé cristã, construída de forma laica e vernácula, como da própria história recente da cidade de Ibiraçu, é a medida da construção de uma paisagem pelas mãos e olhar estético humano: faz parte de uma paisagem alterada, antes um vale recoberto de vegetações nativas, parte de um todo da Natureza, transformado

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em pastagem/campo/rodovia, um local de funções primordiais da existência humana (alimentação, circulação etc.) que ganha com a presença dessa singular edificação religiosa, inserida sobre esse marcante elemento geográfico e geomorfológico, um novo aspecto do simbolismo da fé cristã. Sua inserção nesse meio natural-urbano, formado por morros, campos de pastagem e a BR 101, caracteriza uma paisagem tipicamente de estrada que tem por efeito de origem, função e das velocidades empreendidas, a possibilidade de unir campo e cidade, urbano e natureza, no tempo e no espaço. Por fim, a pesquisa sobre essa edificação religiosa se faz por sua existência singular em relação à paisagem que a mesma constrói, dando-lhe dupla caracterização: de um lado, o promontório formado pelo rochedo, onde foi edificada a Igrejinha, marca fisicamente sua singularidade perante ao “mar de morros” (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇU, 2016) que circunda essa edificação, dentro de uma geografia específica da região; e por outro lado, o simbolismo da fé cristã expressa por sua construção em lugar tão inesperado e por sua função de fé, de promessa por cura de doença, de uma vida findada, local de peregrinação etc. Ambas caracterizações atribuem a este lugar singular, composto pela edificação, sua implantação sobre um rochedo e seu entorno geográfico e geomorfológico expressivos, um forte caráter simbólico único, pois une em uma mesma edificação o contexto sagrado da religião Católica e o importante contexto geográfico e geomorfológico dessa região do Estado do Espírito Santo. Essa dupla qualidade, caracteriza a edificação como uma arquitetura singular, dentro da história urbana da cidade de Ibiraçu, foco dessa pesquisa em desenvolvimento. Ambas caracterizações atribuem a este lugar singular, composto pela edificação, sua implantação sobre um rochedo e seu entorno geográfico e geomorfológico expressivos, um forte caráter simbólico único, pois une em uma mesma edificação o contexto sagrado da religião Católica e o importante contexto geográfico e geomorfológico dessa região do Estado do Espírito Santo. Essa dupla qualidade, caracteriza a edificação como uma arquitetura singular, dentro da história urbana da cidade de Ibiraçu, foco dessa pesquisa.

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4.1.

Fé, arquitetura e paisagem na Igrejinha do Rochedo17

A Igrejinha ou capela de Santo Antônio, mais conhecida como Igrejinha da Pedra ou Igrejinha do Rochedo, começou a ser construída no final de 1997, sendo inaugurada em 05 de junho de 1998 (CUZZUOL, 2015, p. 5). Está localizada às margens da BR 101 em posição de destaque, contrastando com a paisagem por sua implantação singular sobre um grande rochedo (matacão), que se projeta sobre o relevo em declive do local (Figura 40). Figura 40 - Imagem da Igrejinha de Santo Antônio, conhecida como Igrejinha do Rochedo, às margens da BR 101, no Distrito de Pendanga, Ibiraçu (ES)

Fonte: Arquivo pessoal de Karol Battisti, 2017.

O rochedo e a singela igrejinha pertencem à propriedade rural da família Modenesi, localizada no trecho entre o distrito de Pendanga e o centro urbano da cidade de Ibiraçu, cidade do norte do Espirito Santo. A construção da Igrejinha do Rochedo está inserida em uma paisagem de morros, campos de pastagem e a BR 101, tendo o centro da cidade de Ibiraçu ao fundo, distante cerca de aproximadamente 2,70 Km da Igrejinha, e sua elevação em relação ao nível do mar é de aproximadamente 104 metros de altura18. A Igrejinha

17

O conteúdo desse subcapítulo foi desenvolvido a partir de pesquisa realizada pela aluna bolsista do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas de Aracruz, Tatiany Barth Simão e por Carolina Bianchi, também aluna do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas de Aracruz e voluntária nessa pesquisa. 18 Essa medida foi constatada tendo-se como base o programa Google Earth® da Google®, dentro de seus limites de precisão.

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do Rochedo foi edificada como uma promessa de cura para o jovem Diógenes Antônio Vescovi Modenesi. De arquitetura caracteristicamente vernácula (ver 4.2.1), a pequena igreja, ou capela, é dedicada a Santo Antônio, santo ao qual Diógenes era devoto. A história da Capela de Santo Antônio começa em 1995, quando o filho do Sr. Artelino Modenesi e da Sra. Santa Vescovi, Diógenes Antônio Vescovi Modenesi (na época, com 34 anos) foi diagnosticado com câncer linfático. Rapaz de forte origem familiar católica, apoiou-se em sua fé e decidiu, através de promessa, que se fosse curado construiria uma pequena capela dedicada à Santo Antônio, seu santo devoto, nas terras da família. Tratado do câncer por dois anos com quimioterapia, e já curado, em 1997 deu início à construção de sua promessa, com ajuda dos familiares (CUZZUOL, 2015, p. 4). O local escolhido pelo próprio Diógenes para implantação da obra seria outro, a princípio, mas analisando a logística e praticidade de levar e lidar com os materiais, a opção escolhida foi o rochedo às margens da BR 101. Desde o princípio o intuito de Diógenes era implantar a igrejinha em um lugar bem alto, onde pudesse ser contemplada por várias pessoas (CUZZUOL, 2015, p. 5). A implantação de templos religiosos em colinas e lugares altos é tradicional na cidade de Ibiraçu ( Figura 41), bem como na tradição histórica católica, ao ser empregada muitas vezes por forte influência cultural que vêm desde a antiguidade, onde “[...] Os cortejos religiosos, subindo sinuosamente aquelas elevações, tinham a experiência da terra e do céu” (MUMFORD, 1965, p.112). Unia-se sob o mesmo lugar, portanto, dois fortes simbolismos: primeiro, o da presença marcante e preponderante das construções religiosas edificadas em partes elevadas das cidades (ou de seus entornos) como forma de marcar a presença e poder da Igreja Católica sobre o sítio, a vida e os espírito dos locais e, segundo o próprio subir à igreja, por caminhos tortuosos e íngremes, faz parte do ritual de penitência para o expurgo dos pecados de cada um.

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Figura 41 – Na sequência, os antigos prédios do Santuário Diocesano e do Seminário dos Padres Combonianos, e a Igreja Matriz de São Marco como exemplos de edificações católicas construídas em áreas elevadas da cidade de Ibiraçu.

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias e Tatiany Barth Simão, 2017

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Independente do uso, talvez, inconsciente de bases históricas da tradição edilícia católica, a escolha do local levou a uma combinação de paisagem natural versus espaço construído que forma, por fim, uma paisagem inusitada para os que trafegam pela BR 101, em direção a Ibiraçu ou saindo da cidade. E quando se quer que edificações sejam notadas, como explica Domingues (no caso de residências, mas valendo para as demais), “nada como construí-las junto à estrada” (DOMINGUES, 2009, p. 40). Porém, antes mesmo que a igrejinha fosse terminada e que os médicos pudessem liberar Diógenes completamente do tratamento, em 07 de março de 1998 ele morreu por afogamento na praia de Barra do Sahy em Aracruz, cidade vizinha de Ibiraçu, onde morava. Apesar da fatalidade, a família concluiu a igrejinha, inaugurando-a em 05 de junho de 1998, data em que Diógenes completaria 37 anos, e sua primeira missa foi celebrada em 07 de setembro de 2010 (CUZZUOL, 2015, p. 2). O entorno à Igrejinha é composto por campos de pastagens à frente dos morros que circundam a região como pano de fundo, formando um grande vale por onde serpenteia a BR 101 em direção a cidade de Ibiraçu. Esses campos de pastagens são formados por relevos com declives acentuados, e entre esses campos, destaca-se um rochedo isolado – um matacão proeminente em relação a esse relevo e à BR 101. Por detrás da Igrejinha, há um grande paredão rochoso, com altura aproximada de 398 metros acima do nível do mar19 (Figura 42 e Figura 43). Figura 42 – Imagens panorâmicas da subida até a Igrejinha do Rochedo (indicada), que mostram os relevos e pastos que a circundam, além da BR 101.

19

Idem nota 18

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Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017 Figura 43 – Imagem da Igrejinha de dentro da propriedade da Família Modenesi.

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017

A geomorfologia local, ou seja, os aspectos geológicos formais do relevo, com sua origem e formação por milênios, como será visto em 4.3, é também parte preponderante no entendimento e construção da paisagem singular formada pela Igrejinha e sua implantação. A paisagem que se conforma, portanto, é de dupla escala compositiva: primeiro, uma

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escala urbana por fazer parte de uma paisagem de estrada, a BR 101, aos moldes de como apresenta Domingues (ver 4.1.1), e segundo, de uma escala geográfica, onde o relevo local, parte de estruturas morfológicas maiores, constrói um pano de fundo ao complexo arquitetônico-geológico-paisagístico formado pela Igrejinha e o rochedo. 4.1.1. Uma paisagem de “estrada”. As estradas, eixos de conexão entre cidades não são invenções humanas contemporâneas. Estão na história do desenvolvimento humano desde a Antiguidade, vide a expansão do Império Romano, por exemplo, que tinham em suas estradas (algumas existentes até os dias de hoje) como elementos físicos que conectavam Roma, sede do Império, com as cidades conquistadas. O que muda a partir de meados do séc. XX é a velocidade que assume a estrada, tanto na sua construção, como na sua dispersão pelo território e, principalmente, na possibilidade das altas velocidades que ela permite através dos veículos motorizados. Por consequência, possibilita enormes alterações no modo do fazer urbano, na construção e ampliação do espaço urbano das cidades contemporâneas. As cidades se espraiam pelo território, ao ponto de se tocarem e diluírem pela estrada as diferenças entre campo e cidade, onde “tudo se mistura: casas, cafés, restaurantes, lojas, serviços, fábricas” (DOMINGUES, 2009, p. 15). Nesse lugar onde, também, “tudo se pendura” como uma corda, segundo Domingues (2009, p. 15), a paisagem que se forma é outra, diferente de uma ligada à Natureza e outra ligada ao urbano. É um misto de algo que não se transforma, necessariamente, pelo tempo histórico, mas, pelo tempo da velocidade. Uma paisagem sem pregnância, sem fixação do olhar... feita de frames variados por quilômetros por hora pela veduta da janela do veículo... A Igrejinha do Rochedo faz parte de uma paisagem que, invariavelmente, é percebida ou construída pela velocidade dos veículos em movimento pela BR 101. O trecho da BR 101 no Espírito Santo que liga as cidades de Serra, vizinha a Vitória - capital do Estado, e a cidade de Ibiraçu, ao norte, se desenvolve por uma série de paisagens que mesclam o urbano e a natural alterado pelas mãos dos homens. Em meio a pastos para criação de gado, redes de alta tensão, construções espaçadas ou aglomeradas, uma paisagem se destaca nesta natureza modificada pelo homem: a inusitada presença dessa pequena construção religiosa sobre uma pedra (Figura 44), o grande matacão que assumiu o termo oficial de "rochedo".

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Figura 44 - Vista da Igrejinha do Rochedo no trajeto da BR 101, em Pendanga, distrito de Ibiraçu

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017

Dentre a conformação de paisagens contemporâneas formadas pela velocidade da estrada, esse complexo arquitetônico-paisagístico-geológico (ver 4.3) é um monumento por “invocar do passado”, segundo Domingues (2009, p. 159), origens e identidades de uma narrativa de lugar, uma “aura, um encantamento do lugar, uma leitura do tempo e do espaço”, segundo o autor, que ainda conclui: “Anda tudo tão depressa na Rua da Estrada que só quando os drive-in forem monumentos é que pararemos para pensar” (DOMINGUES, 2009, p. 159). Em meio ao presente que passa constantemente pelo vidro da janela em (alta) velocidade, a Igrejinha sobre o rochedo pode ser caracterizada como uma “excepcionalidade arquitetônica”, segundo Domingues, pois funciona como uma dissonância “no barulho de fundo” da estrada (DOMINGUES, 2009, p. 159). Ela quebra os intervalos de cheios e vazios que se alternam em variações ao longo da estrada (ver Figura 45 e Figura 46). É um estranhamento nesse “barulho” do qual fala Domingues, um estranhamento que leva a inquietude pela surpresa à primeira vista e pela indagação, que se transforma rapidamente em admiração (se você despender um tempo para percebê-la na rápida passagem pela estrada…).

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A paisagem que se descortina pela estrada, ao longo de pouco mais de 66 Km, mescla a ambivalência entre o rural e o urbano em frames de um filme: de uma janela de um ônibus em movimento (Figura 45 e Figura 46), percorrendo as cidades do trecho – Serra (onde começa a BR 101), Fundão e por fim, Ibiraçu - a paisagem nunca é estática, está sempre em movimento pelo meio físico. Não impregna em sua totalidade na retina, pois as sucessões de imagens entre o urbano e o rural quase se repetem em variantes tipológicas. Figura 45 – Sequência de imagens tiradas da janela de um ônibus intermunicipal da linha Vitória-Aracruz, em movimento, no dia 20 de junho de 2017. As fotos mostram, em retrospectivo, paisagens naturais e urbanas do trecho da BR 101 entre a saída do município da Serra, passando pela cidade de Fundão, até a cidade de Ibiraçu (visadas pelo lado direito da BR).

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Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017.

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Figura 46 - Sequência de imagens tiradas da janela de um ônibus intermunicipal da linha Aracruz-Vitória, em movimento, no dia 27 de julho de 2017. As fotos, em sentido contrário da anterior, mostram, em retrospectivo, paisagens naturais e urbanas do trecho da BR 101 entre a saída do município de Ibiraçu até a cidade de Fundão, com destaque para a Igrejinha do Rochedo, localizada entre as duas cidades. A primeira imagem dessa sequência mostra o antigo prédio do Seminário Comboniano, em Ibiraçu (ver em especial o Capítulo V).

Fonte: Acervo pessoal de Tatiany Barth Simão, 2017.

Mas nesse ponto, em meio a uma série de relevos que se destacam na paisagem surge um pequeno matacão, quase à beira da rodovia que se pronuncia não por sua geomorfologia, mas pela inesperada implantação de um edifício sobre o mesmo. A forma desse relevo que aparenta estar em eterna instabilidade traz outra característica desse

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conjunto arquitetônico-geológico-paisagístico (ver 824.3): a contradição em uma paisagem formada pela necessária estabilidade de uma edificação sobre sua base, instável pelo tempo geológico e natural. Dessa forma, a paisagem formada pelo conjunto desperta no passante, motorizado (já que a rodovia não abre espaço para pedestres) uma surpresa inesperada pela situação da sequência das imagens que se descortinam ao olhar, pela aproximação daquela pequena igreja apoiada, quase que displicentemente, sobre uma rocha que sempre aponta em direção à rodovia (Figura 47 e ver também Figura 44). Figura 47 – Imagens sequenciais da Igrejinha do Rochedo, feitas de dentro de um veículo em movimento, no trecho Serra à Ibiraçu

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017

A igrejinha do Rochedo é, pois, um exemplo de construção da paisagem, um espaço natural-geológico modificado pelo homem de modo a gerar “consciência de paisagem” (SIMMEL, 2008, p.1). Se ali houvesse apenas a natureza, “que no seu ser e no seu sentido profundos ignora toda individualidade” (SIMMEL, 2008, p.2), não teríamos uma paisagem, apenas mais uma visão de um infinito espaço da Natureza, mas quando esta é modificada pelo olhar humano, nascem individualidades, como explica Simmel: [...]é nesta perspectiva ampliada que se justifica nossa interpretação da paisagem a partir dos fundamentos últimos que modelam nossa imagem do mundo. Ali onde vemos realmente uma paisagem e não mais um aglomerado de objetos naturais, vemos uma obra de arte in statu nascendi (SIMMEL, 2008, p. 5).

O que ocorre na relação entre o natural versus construído nesta paisagem é o que Simmel (2008, p.7) chamou de “stimmung da paisagem”. O stimmung é uma palavra da língua alemã que significa humor, ou a sensação que produz o ambiente: “stimmung da paisagem penetra todos os seus detalhes, sem que se possa atribuir a um só dentre eles a responsabilidade por isso” (SIMMEL, 2008, p.7). O stimmung é algo latente, uma pré-disposição, um clima ou atmosfera, segundo Gumbrecht (2014, p. 42), e em uma paisagem, seu stimmung se apresenta no primeiro olhar, no primeiro contato com o quadro que o olho compõe. Possivelmente, somente ali, somente naquele lugar e sua localização no meio daquele relevo, essa paisagem poderia ser revelada. A imagem da Igrejinha cruzando-se a BR 101 e percebida pelas janelas dos automóveis em velocidade, ao longo do dia ou da noite (Figura 48), quando seu contorno some dentro do breu da escuridão, marcam olhares diferenciados sobre essa paisagem singular. Essas percepções se completam com as imagens aéreas, voos de drones ou similares que captam

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um outro olhar sobre o prédio e seu espaço religioso: um campo santo definido pela cerca, a edificação e seu cruzeiro, e sua relação com o entorno geológico do rochedo, encravado no solo ou despontando deste, em direção ao céu/BR 101. Figura 48 – Nas imagens 01 e 02, formas de perceber a Igrejinha ao anoitecer, com suas luzes brancas (tripartides) do cruzeiro e a vermelha da edificação, marcando a posição do prédio religioso sobre o breu da noite.

01

02

03

Fonte: (imagem 01 e 02) acervo de Karol Battisti, 2017; (imagem 03) acervo pessoal Fabiano Dias, 2017.

Na paisagem da Igrejinha do Rochedo não só a capela e nem apenas os morros formariam por si só a paisagem que chama atenção e desperta a curiosidade das pessoas como a conhecemos hoje. Ali o conjunto arquitetônico-geológico-paisagístico cria uma singular narrativa dessa paisagem, ora desafiadora pela posição da igrejinha sobre o rochedo, ora intrigante, alvo de perguntas e porquês de sua existência exatamente nesse lugar em específico. Ela conta uma história de fé, superação e fim simbolizados na edificação cravada na rocha.

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4.2.

Uma singela arquitetura expressa na paisagem

Segundo Cosgrove, “Paisagem é percepção” (COSGROVE in CORREA et al, 1998, p. 42), pois tem o poder de instigar sentimentos no observador, de forma particular através da experiência vivenciada no ambiente. A paisagem enquanto percepção está intrinsicamente ligada à forma como o homem olha a natureza, origem do conceito de paisagem. Desse olhar, invariavelmente estético, fragmenta-se a natureza em partes, define-se limites e enquadramentos que marcam o lugar com experiências singulares de cada indivíduo, registros de um momento vivido em cada observador. Esse conceito levado ao espaço da cidade, essa segunda natureza, como defende Piano (1998, p. 60) transforma a paisagem em urbana, parte de uma memória, de uma história vivida naquele local. Apoiada sobre um grande rochedo, localizado às margens da BR 101 Norte em Ibiraçu, a singela capela de Santo Antônio se relaciona com seu entorno natural-modificado pelo homem dando singularidade e significado à paisagem formada pelo complexo arquitetônico-geológico-paisagístico20. Contrariando a rapidez dos veículos que trafegam pela BR, que limitam a percepção da Igrejinha à velocidade, o caminho de subida à esta pequena capela requer, além de esforços físicos, um olhar mais lento e contemplativo, tanto da relação da Igrejinha com seu rochedo como de ambos e a geografia que os rodeia, formada de morros, pastos e a BR 101. A implantação de capelas, igrejas, seminários e outros prédios religiosos em lugares elevados e topos de colinas é tradicional na religião Católica, e a cidade Ibiraçu apresenta em suas igrejas forte influência dessa característica em exemplares pela cidade: a Igreja Matriz está localizada em um ponto alto da cidade, logo em sua entrada, além do antigo Seminário dos padres combonianos (hoje, sede do Instituto Espírito Santo de Inovação Social da Diocese de Colatina), localizado em um platô elevado no centro da cidade, e do antigo prédio do Santuário Diocesano (bem como o prédio do atual Santuário vizinho ao prédio original), localizado em área elevada mais afastada do centro urbano de Ibiraçu. Tipicamente uma edificação de cunho vernacular, a arquitetura da Igrejinha do Rochedo é uma arquitetura sem arquitetos, que se difere de uma arquitetura erudita por não ter sido criada a partir de um projeto com desenhos técnicos, e sim, a partir de uma vontade de quem a construiu. Sua singularidade reside nessa atitude ousada, se assim pode-se dizer, de construir uma edificação que por definição, deve ser estável, sobre uma pedra que aparenta tudo, menos a estabilidade. A paisagem aí formada é obra dessa dualidade entre o estável (a arquitetura e também, por que não, a fé!) e o instável (pelo menos aparente) desse “rochedo” em relação ao relevo inclinado de onde este aflora. Portanto, um dos objetivos definidos na pesquisa e apresentados nesse artigo foi o levantamento arquitetônico da Igrejinha do Rochedo como meio de registro técnico dessa arquitetura singular, não querendo transformá-la com isso, em uma arquitetura erudita, mas, utilizar esse processo como instrumento de entendimento da forma construtiva desse singelo prédio e de sua relação com o lugar de implantação. Por consequência, a metodologia do projeto arquitetônico para esse caso é também um meio de registrar a relação da Igrejinha na construção da paisagem que a mesma ajudou a moldar. 4.2.1. UM RELATO SOBRE A IGREJINHA: EXPERIMENTANDO A PAISAGEM Ao se trafegar pela BR 101 Norte, num trecho localizado na saída do centro urbano da cidade de Ibiraçu em direção ao município de Fundão, em meio a geografia montanhosa que rodeia a estrada, nota-se a presença de uma pequena edificação em formato de capela, apoiada sobre uma grande pedra que aponta para a rodovia BR 101 (Figura 49). Conhecida

20

Esse termo foi cunhado para designar a relação da Igrejinha do Rochedo exatamente com o “rochedo” (um matacão) onde ela se apoia. Ver em especial item 4.3.

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como Igrejinha do Rochedo, a singela edificação pertencente à propriedade particular da Família Modenesi, de Ibiraçu, foi dedicada a Santo Antônio, como parte de uma promessa de cura. Figura 49 - Vista da Igrejinha pela BR 101, sentido Vitória-Ibiraçu.

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017

A construção de capelas em homenagem a entes queridos são uma forma de fé e devoção para manter viva a presença de alguém e confortar a dor de cada história familiar. Construída pela família Modenesi em sua propriedade particular, a construção da modesta capela teve início no final de 1997, como realização de uma promessa feita dois anos antes, pelo filho do Sr. Artelino Modenesi e da Sra. Santa Vescovi, Diógenes Antônio Vescovi Modenesi, quando este foi diagnosticado com câncer. Desde então, Diógenes se propôs a construir um oratório em devoção a Santo Antônio no local mais alto da propriedade, onde todos pudessem avistar. Por fim, foi escolhido o “rochedo” às margens da BR 101, pois seu acesso seria mais fácil por dentro da propriedade da família, ao mesmo tempo em que poderia ser avistada da rodovia. Infelizmente antes que fossem concluídas as obras, Diógenes, já no final de seu tratamento contra a doença, veio a falecer por afogamento em uma praia localizada na cidade vizinha de Aracruz, em março de 1998. Apesar da fatalidade, a família cumpriu a vontade de Diógenes e concluiu as obras da capela, sendo inaugurada em junho de 1998 (CUZZUOL, 2015, p. 1-5).

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A paisagem singular que a Igrejinha de Santo Antônio representa, pode ser percebida de forma rápida pela rodovia, através das altas velocidades dos veículos que trafegam por ela. A passagem rápida não fixa o olhar, ao contrário, deixa para trás um hiato, uma indagação aos que não conhecem sua história, um porquê dessa igreja naquele lugar. Já a subida pela estrada de terra batida por dentro da propriedade dos Modenesi e que dá acesso à Igrejinha, vinda da rodovia, é uma forma lenta e cadenciada de se perceber o prédio e sua relação com o rochedo e seu entorno (Figura 50). Figura 50 – Imagem da Igrejinha do Rochedo pelo acesso de terra batida

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017.

Aos moldes católicos de uma penitência, a subida íngreme e que se serpenteia pelo relevo, mostra para o caminhante, outras facetas desse singelo prédio e do rochedo, algo que dificilmente será observado pela estrada. Ali, se experimenta essa paisagem formada pela fé em um edifício e sua relação com a natureza, mesmo já há muito modificada pelo homem. A experiência de um caminhante nesse percurso é a de um peregrino ou de um devoto em uma procissão que percorrem o caminho e vivem a experiência da paisagem pelo simbolismo da fé, em busca de redenção, de promessas de cura, como se esse lugar elevado ao alcançar durante a caminhada representasse, ao mesmo tempo o céu, segundo Mumford “a experiência da terra e do céu” (MUMFORD, 1965, p. 112). Ao findar o caminho, a chegada à pequena igreja é rodeada por vegetações plantadas pela própria família Modenesi dentro de uma cerca que define esse espaço sagrado (Figura 51), e que, de certa forma, acolhem o peregrino-caminhante em suas experiências individuais dessa paisagem que une sentimento, dor e fé, como bem exprime Simmel: “[...] O sentimento desencadeado pela paisagem no espectador [...], em sua forma mais legítima, está vinculado tão somente à paisagem particularmente vivenciada” (SIMMEL,1913 p. 25).

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Figura 51 – A chegada ao espaço sagrado da Igrejinha do Rochedo definido pela cerca, a edificação e o rochedo.

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017.

Do topo do rochedo, onde está implantada a Igrejinha, a vista se perde no horizonte de morros e relevos que formam a região (Figura 52). Dalí, são avistados uma série de importantes elementos geográficos locais, como por exemplo, o Morro do Aricanga, na divisa entre Ibiraçu e a cidade de Aracruz, o Morro da Vargem, onde se localiza o Mosteiro Zen Budista de Ibiraçu, entre outros.

Figura 52 – Subida à Igrejinha e a vista da geografia do entorno

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017.

Dentro desse contexto geográfico e geomorfológico de morros, relevos, pastos e a BR 101, a Igrejinha e seu rochedo se destacam pela singularidade de sua relação. Esse complexo arquitetônico-geológico-paisagístico remonta a história e tradição católica de seus edifícios religiosos implantados em colinas, morros e elevados ao mesmo tempo em que criam pelo conjunto uma paisagem que se difere e se destaca desse mesmo contexto que os rodeia.

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4.2.2. IMAGENS, LEVANTAMENTOS E CARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA Uma arquitetura vernácula, executada por muitas mãos, onde o desejo pela cura foi o projeto não desenhado dessa pequena igreja. Feita de materiais locais, de fácil acesso e assumindo uma tipologia arquitetônica de elementos compositivos muito simples e presentes na arquitetura religiosa local. Ibiraçu, cidade de forte tradição católica possui em seu roteiro anual de eventos religiosos a peregrinação às 21 capelas existentes pelo interior do município, além do Santuário Diocesano e o Mosteiro Zen do Morro da Vargem, conhecido como “Caminho da Sabedoria”21 (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇU, 2017, p. ?) (Figura 53).

21

Ver em especial o do Projeto de Extensão “CAMINHO DA SABEDORIA: LEVANTAMENTO DE IGREJAS, CAPELAS E TEMPLOS”, desenvolvido pelos alunos do CAU-FAACZ Braulio Luiz Forestti Santana Cuerci, Daniella dos Santos Teodoro, Italo Pelissari de Oliveira, Janya Demoner Gasperazzo, Julia Cristina de Souza Tonon, Karoline Battisti Santos e Monize Dionizio Matheus, orientados pelos Professores Fabiano Dias e Ivana Marques

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Figura 53 - Mapa do Caminho da Sabedoria com a localização georreferenciada de cada edificação religiosa.

Fonte: Mapa integrante do Projeto de Extensão “CAMINHO DA SABEDORIA: LEVANTAMENTO DE IGREJAS, CAPELAS E TEMPLOS”, desenvolvido pelos alunos do CAU-FAACZ Braulio Luiz Forestti Santana Cuerci, Daniella dos Santos Teodoro, Italo Pelissari de Oliveira, Janya Demoner Gasperazzo, Julia Cristina de Souza Tonon, Karoline Battisti Santos e Monize Dionizio Matheus, orientados pelos Professores Fabiano Dias e Ivana Marques

Mesmo não fazendo parte do roteiro de peregrinação do circuito Caminho da Sabedoria, a Igrejinha do Rochedo dedicada a Santo Antônio (não sendo a única da região, vide figura acima) se insere nesse contexto de pequenas capelas e igrejinhas espalhadas por Ibiraçu. Também não é a única construída em alturas, como já relatado anteriormente. Ao mesmo tempo, o que liga a Igrejinha do Rochedo as demais construções desse percurso é sua arquitetura caracteristicamente vernacular22. Na historiografia da arquitetura brasileira, a arquitetura vernácula possui importante papel por ser a expressão física da cultura de um povo, segundo Teixeira: [...] A arquitetura vernácula brasileira, quando analisada sob seus vários aspectos, apresenta tipologias e técnicas construtivas diferenciadas, dependendo da região onde se insere, respondendo ao contexto local, de acordo com o clima e os materiais disponíveis, e reflete o modo de vida de suas comunidades, que por sua vez está ligado a um contexto histórico-social. Todos esses fatores contribuíram para que diferenças surgissem e produzissem uma arquitetura doméstica com características próprias para cada região. (TEIXEIRA, 2008, p. 40). 22

A pesquisa focou no estudo de duas construções religiosas de Ibiraçu, a Igrejinha do Rochedo e o Seminário Comboniano, o qual está analisado no Capítulo V. As 21 igrejinhas do Caminhos da Sabedoria foram estudadas e analisadas por um grupo de alunos da disciplina de Paisagismo II, do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas de Aracruz, ministrada pelos professores Mestres Fabiano Dias e Ivana Souza, no ano de 2017. O produto final desse trabalho está em fase de desenvolvimento.

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Nesse contexto, pode-se buscar referências para a Igrejinha do Rochedo em exemplares próximos, como por exemplo, no Santuário Diocesano de Ibiraçu (Figura 68), dedicado à Nossa Senhora da Saúde. Construído por imigrantes italianos chegados a região de Ibiraçu, ainda no século XIX, a edificação do Santuário é uma pequena igreja de uma nave, entrada central, telhado de duas águas e frontão na fachada principal, no qual, acima da porta há um nicho com uma pequena imagem de Nossa Senhora da Saúde. A nave única possui um arco pleno que divide a nave do altar em uma ábside e a planta não é retangular, mas, hexagonal. Figura 54 – Imagens externa e interna do Santuário Diocesano de Nossa Senhora da Saúde.

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017.

Comparativamente, algumas relações são possíveis entre ambos os prédios (Figura 55): além de estarem em áreas elevadas23, os dois prédios possuem pequenas dimensões, nave única, mas plantas diferentes, já que a Igrejinha foi construída com uma planta retangular, porta central e duas pequenas janelas laterais em formato de nichos ogivais. Ambos possuem telhados de duas águas apoiados sobre estrutura, austeridade nos elementos decorativos que se limitam à fachada principal, sendo que o Santuário tem seu telhado arrematado por um frontão encimado por pequenos torreões com pináculos e uma pequena cruz no centro. A composição de fachada é semelhante entre ambos se excluindo os elementos decorativos, principalmente por conta da disposição da porta central e das janelas em nicho laterais.

23

O Santuário foi construído no século XIX em uma clareira de mata fechada, em local que ainda se encontra hoje afastada do centro de Ibiraçu. Ver em especial: NOSSASENHORADASAUDE, 2017.

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Figura 55 – As imagens 01 a 03 são relativas ao Santuário Diocesano e as de 04 a 06 da Igrejinha do Rochedo, demonstrando algumas semelhanças arquitetônicas.

01

02

03

04

05

06

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, Tatiany Barth Simão e Carolina Bianchi, 2017.

De desenho bem mais singelo do que o Santuário, a Igrejinha do Rochedo possui características particulares em sua arquitetura, a começar por sua implantação: a pequena igreja possui sua fachada principal orientada para a BR 101, mas em ângulo de quase 45 graus em relação à rodovia. Mas nesse ponto, em meio a uma série de relevos que se destacam na paisagem surge um pequeno matacão, quase à beira da rodovia que se pronuncia não por sua geomorfologia, mas pela inesperada implantação de um edifício sobre o mesmo. A forma desse relevo que aparenta estar em eterna instabilidade traz outra característica desse conjunto arquitetônico-geológico-paisagístico (ver 824.3): a contradição em uma paisagem formada pela necessária estabilidade de uma edificação sobre sua base, instável pelo tempo geológico e natural. Dessa forma, a paisagem formada pelo conjunto desperta no passante, motorizado (já que a rodovia não abre espaço para pedestres) uma surpresa inesperada pela situação da sequência das imagens que se descortinam ao olhar, pela aproximação daquela pequena igreja apoiada, quase que displicentemente, sobre uma rocha que sempre aponta em direção à rodovia (Figura 47 e ver também Figura 44).

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Figura 47 – Imagens sequenciais da Igrejinha do Rochedo, feitas de dentro de um veículo em movimento, no trecho Serra à Ibiraçu

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017

Segundo entrevista com Fátima Modenesi24, filha do Sr. Artelino Modenesi e da Sra. Santa Vescovi, e irmã de Diógenes, a frente da capela foi propositalmente projetada para a direção da rodovia, com a finalidade de ser avistada por todos que trafegam por ela. Percebeu-se, porém, durante as primeiras visitas à Igrejinha que essa orientação voltava a fachada principal em direção a cidade de Ibiraçu, na verdade, da qual podia-se ver a torre da Igreja Matriz de São Marco ao longe (Figura 56).

24

Entrevista realizada através de contato telefônico com a Sra. Fátima Modenesi, no dia 01 de junho de 2017.

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Figura 56 – Pela fachada principal da Igrejinha, vê-se ao fundo, de forma parcial a cidade de Ibiraçu e a torre da Matriz (indicada). Ver também Erro! Fonte de referência não encontrada..

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017.

O cruzeiro, implantado depois da construção da Igrejinha, foi posto à frente do edifício, segundo Fátima, por seu pai, o Sr. Artelino Modenesi (Figura 57). Em seu interior, nota-se o zelo que os familiares têm pela Capela dedicada a Santo Antônio (Figura 58).

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Figura 57 - Cruzeiro implantado depois da conclusão das obras da igrejinha de Santo Antônio que se encontra ao fundo.

Fonte: Acervo pessoal de Carolina Bianchi, 2017 Figura 58 - O interior da igrejinha de Santo Antônio, com artigos religiosos e documentos que registraram a história da mesma.

Fonte: Acervo pessoal de Carolina Bianchi, 2017

A porta central, pintada em azul anil como o são também os marcos das janelas laterais, contrasta com o branco que cobre as paredes externas da Igrejinha. Na entrada, uma mesa de madeira com artigos religiosos e um caderno de mensagens e orações está posicionada para que os visitantes possam deixar recados e pedidos de oração. Suas duas janelas laterais, sem panos de esquadrais, somente telas tipo mosquiteiros permitem que o ar circule dentro da capela de forma suave. Em seu pequeno altar composto por cinco

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esculturas sendo uma central, estão presentes artigos religiosos da família, como terços, imagens de santos e santas, arranjos de flores, fotos e outros objetos com de significado emocional. Um quadro centralizado na parede do pequeno altar com a imagem de Santo Antônio reforça a devoção a ele. Estão presentes também reportagens de jornais enquadradas no altar que contam a história da capela e a influência que a mesma tem na paisagem do local. Há um banco característico da igreja católica na frente do altar para as orações ou descanso da caminhada. Nas paredes laterais ao lado de suas aberturas, há dois nichos em cada parede com as mesmas dimensões das aberturas contendo imagens de santos e santas que pertencem à família. A construção é toda feita de alvenaria dobrada, com espessura média de 25 cm. Seu desenho retangular é arrematado por uma laje de forro, de desenho ogival internamente, mas que acompanha na parte de cima a inclinação dos telhados de duas águas, com telhas cerâmicas tipo capa-canal. Na cumeeira do telhado, acima da fachada frontal uma pequena cruz de corpo cilíndrico arremata o topo. Acima da porta, por sua vez, um quadrilóbulo em alto relevo faz às vezes de um elemento de decoração feito, segundo a sra. Fátima em entrevista, pelas mãos do seu pai, o Sr. Artelino Modenesi. As paredes internas são revestidas de tinta branca e seu teto de azul. Vistas de dentro as paisagens chamam a atenção pela forma que se constroem por essas aberturas (Figura 59).

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Figura 59 - Vista da paisagem circundante de dentro da igrejinha de Santo Antônio

Fonte: Acervo pessoal de Carolina Bianchi, 2017

O levantamento arquitetônico feito in loco teve como resultado final, o desenvolvimento de desenhos técnicos de arquitetura (plantas, cortes, vistas e perspectiva) organizados em pranchas no formato ABNT A3 (297 x 420 mm) e em pranchas A3 estendidas no comprimento, para melhor disposição dos desenhos realizados (ver Apêndice 2). Os desenhos técnicos, excluindo-se a perspectiva, foram desenvolvidos em escala de 1:50, aproveitando-se do tamanho reduzido da igreja. Todos os desenhos foram realizados em softwares livres ou liberados para uso acadêmico. Os mesmos são apresentados abaixo25.

25

As imagens a seguir são parte do levantamento arquitetônico realizado, que se encontra completo nos Apêndices desse relatório..

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Figura 60 – Perspectiva eletrônica com a implantação do prédio (igreja mais cruzeiro) sobre simulação do rochedo

Figura 61 – Planta baixa

Fonte: Base cartográfica local, com planialtimetria. Desenvolvido por Rabi Novithy O. da Silva, 2017.

Fonte: Desenvolvido por Carolina Bianchi, 2017

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Figura 62 – Cortes e Fachadas

Fonte: Desenvolvido por Carolina Bianchi, 2017

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4.3.

A Igrejinha do Rochedo como um complexo arquitetônico-geológico-paisagístico. Geomorfologia e paisagem26 4.3.1. Introdução e Justificativa

A primeira percepção que se pode ter na análise de uma paisagem é o conjunto heterogêneo das formas concretas do relevo que a compõem. O relevo é algo mensurável quanto as formas que se apresentam, no entanto, a fisiografia do relevo ou modelado que se mostra, é observado pelo pesquisador pelas suas diferenciações locais e regionais da silhueta da superfície, formas essas não aleatórias como podem parecer aos não especializados. Tais formas, por mais estáticas que pareçam, mostram-se dinâmicas e se manifestam no tempo e espaço de modo diferenciado, oriundo das trocas de energias provenientes das múltiplas interferências dos demais componentes do estrato geográfico27, em seus três estados físicos (ar, água e terra), desde as morfoestruturas28 geradas pelos processos geológicos, esculpidos pelos agentes da baixa atmosfera (troposfera e parte da estratosfera), até o conhecimento das morfoesculturas29 . O reconhecimento das formas existentes na superfície do “Estrato Geográfico” (GRIGORIEV, 1968 apud ROSS, 1996, p. 10) é parte importante em qualquer análise da paisagem, visto que compreende a estreita faixa onde é possível viver biologicamente, ou de maneira mais restrita, apropriar-se socialmente dos recursos necessários para a manutenção do homem como ser social, além do ente biológico primitivo (ROSS, 1996). Logo, é imperativo que a participação do homem no ambiente, através das modificações inseridas pelos inputs dessa intervenção antropogênica, afeta o dinamismo outrora natural. Dentro dessa perspectiva é possível perceber que as ações do homem no ambiente sejam precedidas por um minucioso entendimento desse ambiente, através de uma radiografia ecológica capaz de fornecer diretrizes que permitam minimizar os efeitos negativos acarretados por quaisquer atividades antrópicas. Inserida nessa diversidade fisiográfica da paisagem estudada, a capela de Santo Antônio, mais conhecida como Igrejinha da Pedra ou Igrejinha do Rochedo (Figura 63 e Figura 64), figura em posição de destaque na paisagem, contrastando com as formas do relevo natural do entorno e por sua implantação singular sobre um grande rochedo (matacão) que aflora numa encosta convexa, moldada pelas estruturas geológicas sotopostas30 e os processos responsáveis pelo modelado observado.

26

O conteúdo desse subcapítulo foi desenvolvido especialmente para essa pesquisa por Marcio Costa Schwenck, Geógrafo formado pela UFES, em 1997. Desde já, agradecemos o empenho do amigo Márcio em descrever e nos ajudar a compreender as dinâmicas geológicas dessa singular paisagem. 27 Estreita faixa onde é possível viver biologicamente denominada por Grigoriev (1968, apud ROSS 1996) como “Estrato Geográfico da Terra”. 28 Interpretação científica do modelado da terra, através do entendimento da sua geologia com suas formas materiais constituintes e processos correlacionados. As forças provenientes do interior da terra, como o tectonismo, vulcanismo ondas sísmicas associado a dinâmica interna do planeta, moldam a superfície da terra ao longo do tempo. De acordo com JIMÉNEZ-RUEDA, et al. (1993, p. 316 e p. 317), a interpretação morfoestrutural tem a premissa de que muitas estruturas podem ser refletidas em superfície e são, por isso, passíveis de identificação através de produtos de sensoriamento remoto. Baseia-se na análise dos elementos de drenagem e relevo e suas relações espaciais, onde as morfoestruturas surgem como feições anômalas dentro da tendência regional. 29 São as formas provenientes das influências dos climas antigos e dos climas atuais no relevo. 30 Estruturas geológicas que embasam as formas de relevo. Em geologia, quando que um tipo de rocha está sotoposto a outro, significa que o mesmo se encontra posicionado embaixo, podendo significar que este seja, ou não, mais antigo que o sobreposto. No caso de não ser mais antigo, pode significar que as rochas fazem parte de uma área de dobramentos tectônicos.

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Figura 63 – A relação da Igrejinha do Rochedo com o entorno natural e urbano

Igrejinha do Rochedo

BR 101 (sentido Vitória-Ibiraçu)

Ibiraçu

Sentido Vitória

Fonte: Google Earth, 2017, editado para esse trabalho Figura 64 – Fotos sequenciais da percepção da Igrejinha do Rochedo, a partir da BR 101, no sentido Vitória-Ibiraçu. Posição em destaque e contraste com as formas do relevo natural do entorno

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Fonte: Arquivo pessoal de Fabiano Dias

4.3.2. Identificação das Unidades Geomorfológicas A Igreja do Rochedo encontra-se inserida como parte integrante de um complexo arquitetônico-geológico-paisagístico maior, gerado pela sua localização na transição entre unidade de relevo que, partindo de uma visão macro, identificam-se como Morfoestruturas típicas de Depósitos Sedimentares, em sua vertente Leste e a Faixa de Dobramentos Remobilizados a Oeste. De acordo com o IJSN - Instituto Jones dos Santos Neves (2012, p. 8), a morfoestrutura dos depósitos sedimentares é composta localmente pelas litologias do Grupo Barreiras e depósitos quaternários mais recentes nos fundos dos vales e inúmeros anfiteatros31 observados. As faixas caracterizam-se pelas evidências de movimentos crustais32, com marcas de falhamentos, deslocamentos de blocos e falhamentos transversos, impondo inquestionável controle estruturas sobre a diversidade topográfica atual.

31

O termo anfiteatro é utilizado aqui com contexto geológico, quando o declive das vertentes é forte, uniforme e com aspecto de um circo: “Anfiteatro de erosão, terreno de forma semicircular, cavado pela erosão na encosta de uma montanha, também chamado circo de erosão”. 32 São os movimentos que ocorrem no interior da terra. São causados pelas correntes de convecção, um fenômeno que ocorre devido ao calor que é produzido pelo núcleo terrestre, o que gera a subida de massas quentes no manto, enquanto que as mais superficiais que estão mais frias descem.

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Aumentando a escala de análise das formas de relevo ainda localizada numa faixa transicional, classificam-se suas Regiões Geomorfológicas de influência, sendo a Leste os Piemontes Inumados e a Oeste, os Planaltos da Mantiqueira Setentrional. Os Piemontes constituem-se de sedimentos cenozoicos do Grupo Barreiras, porém depositados sobre o embasamento fortemente alterado, dificultando a diferenciação entre dos dois litótipos, apresentando “espessura variada e disposição suborizontal, com mergulho para leste, em direção ao Oceano Atlântico” (IJSN, 2012, p. 8). Numa análise de maior detalhe, a identificação das Unidades Geomorfológicas permite identificar características tais como relevo de dissecação, denudação ou acumulação, informações de grande importância para o entendimento das potencialidades e limitações da paisagem, dentro da escala de análise das Unidades Geomorfológicas. A Igreja do Rochedo encontra-se numa situação transicional, também dentro do enfoque de unidades de formas de relevo, podendo facilmente o observador, a partir do cruzeiro da própria edificação, voltado para Leste, identificar as feições características da Unidade Tabuleiros Costeiros, distribuindo-se desde o sopé das elevações cristalinas do “Rochedo” até as Planícies Quaternárias, e a Oeste as formas inerentes a Unidade Geomorfológica Patamares Escalonados do Sul Capixaba (Mapa 1 e Mapa 2), “ressaltando níveis de dissecação escalonados formando patamares, delimitados por frentes escarpadas adaptadas a falhas voltadas para noroeste e com caimento topográfico para sudeste, sugerindo blocos basculados em decorrência de impulsos epirogenéticos relacionados com a atuação dos ciclos geotectônicos” (IJSN, 2012, p. 10). Mapa 1 - Mapa Geomorfológico do Estado do Espírito Santo – mostrando as Morfoestruturas, Regiões Geomorfológicas e as Unidades Geomorfológicas. As setas mostram a localização da Igreja do Rochedo em relação das Morfoestruturas, Regiões e Unidades Geomorfológicas do Estado dodoEspírito Santo. A localização da –edificação (indicada) encontra-se emRegiões zona de transição, corroborando a intrínseca relação entre os Mapa Geomorfológico Estado do Espírito Santo mostrando as Morfoestruturas, parâmetros estruturais e esculturais do relevo. Geomorfológicas e as Unidades Geomorfológicas.

As setas mostram a localização daNEVES, Igreja do Rochedo das Morfoestruturas, Regiões e Fonte: INSTITUTO JONES DOS SANTOS 2014. Editadoem pararelação esse trabalho por Marcio Costa Schwenck Unidades Geomorfológicas do Estado do Espírito Santo. Como no mapa geológico, a localização da edificação encontra-se em zona de transição, corroborando a intrínseca relação entre os parâmetros estruturais e esculturais do relevo.

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Mapa 1 – Mapa geológico local.

Mapa 2 - Mapa das Unidades Geomorfológicas.

N Dt31

Da35

Patamares Escalonados do Sul Capixaba Colinas e Maciços Costeiros Tabuleiros Costeiros Igreja do Rochedo Cursos d’água Falhas Geológicas Da35 – Modelados de Dissecação Dt31 – Modelados de Dissecação

Fonte: Imagem do Google Earth©, com sobreposição do Mapeamento do estado Espírito Santo. Neves, InstituoVitória, Jones do Neves, ES, 2012. Fonte: Imagem do Google Earth©, com sobreposição do Mapeamento geomorfológico do estadogeomorfológico do Espírito Santo. Instituodo Jones do Santos ES,Santos 2012. 19f.: il. Vitória, (Nota técnica, 28). Editado para esse 19f.: il. (Nota técnica, 28). Editado para esse por Marcio Costa Schwenck. trabalho por Marcio Costatrabalho Schwenck

O modelado onde se localiza a edificação mostra-se com dissecação33, numa escala de análise de maior detalhe, encontra-se comandada por estruturas geológicas em microescala, um campo de boulders34 semienterrados, estando a igreja sobreposta a um grande matacão. 4.3.3. Caracterização das Feições do Relevo O “Rochedo”, notável boulder que é a fundação sólida na qual foi construída a singela obra arquitetônica, tem origem geológica do granito foliado a gnáissico, a cerca de 591 milhões de anos (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ). No entanto, a transição é condição intrínseca à Igreja do Rochedo, e o sistema de vertentes

33

Modelados de dissecação são os que ocorrem de forma mais generalizada na paisagem brasileira, sendo caracterizados como dissecados homogêneos, dissecados estruturais e dissecados em ravinas. Os dois primeiros são definidos pela forma dos topos e pelo aprofundamento e densidade da drenagem. Nos relevos dissecados, há uma ação do escoamento superficial semi-concentrado e concentrado demonstrada por remoção do horizonte A, com exposição do horizonte B e formação de canaletas e sulcos profundos; nas planícies fluviais ocorre o escoamento concentrado com desbarrancamento e/ou desmoronamento, e nas planícies marinhas domina a ação das ondas e marés. Há predomínio da morfogênese sobre a pedogênese. São áreas que se caracterizam como meios instáveis. 34 No contexto geológico o termo boulders refere-se à um bloco rochoso ou matacão.

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convexas sobre o qual ela se localiza é a forma topográfica proveniente da gradação abrupta daquele granito foliado a gnáissico para gnaisse bandado aflorante mais antigo, com idade de 631 milhões de anos (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ)35 (Mapa 3). Mapa 3 – Mapa geológico regional

LEGENDA

N

NP3nv – Complexo Nova Venécia: sillimanitagranada-cordierita-biotita gnaisse bandado com intercalações de calcissilicáticas 631 Ma Pb-Pb

NP3γ2at εγ5Iesaragr

NP3γ2at - Granito Ataléia: granito foliado a gnáissico, peraluminoso, tipo S: granada-biotita granito 591 Ma Pb-Pb εγ5Iesaragr - Maciço Aracruz: granito alcalino porfirítico Q2a - Depósitos aluvionares: sedimentos fluviais recentes, depósitos de areia, argila e cascalho da planície aluvionar do Rio Doce

Q2ca

Q2ca

Q2a

Depósitos colúvio-aluvionares: cascalho, areia e lama resultantes da ação de processos de fluxos gravitacionais e aluviais de transporte de material de alteração das vertentes

Igreja do Rochedo Cursos d’água Falhas Geológicas

Q2ca

Q2a

Fonte: COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS – CPRM. CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ. CPRM/ UFES, 2014 (fragmento). Editado para esse trabalho por Marcio Costa Schwenck.

As microestruturas geológicas observadas com maior representatividade nos controles das feições observadas na topografia da área são os sistemas de juntas e diaclases e a foliação da rocha. Algumas medições das foliações foram realizadas na escarpa que sobreia o campo de boulders, com mergulho medido com valores variando entre 30 e 35 graus (CPRM, 2014), mostrando concordância estrutural NW-SE, e “foliação milonítica norte-sul, relacionada às zonas de cisalhamento direcionais, com destaque para a Zona de Cisalhamento Transcorrente Vitória-Ecoporanga” (CPRM, 2014, p. 103). As formas de relevo geradas sobre terrenos de alto grau metamórfico são complexas no que tange os perfis das vertentes resultantes. Na área em estudo podemos constatar que as vertentes são convexas com pequenos vales de drenagens intermitentes que separam os sistemas observados, sugerindo um dinamismo durante eventos pluviométricos intensos. A cobertura vegetal composta por pastagens promove certa estabilidade às vertentes, no entanto, visualmente, tal equilíbrio é substituído por superfícies intergrades (ou 35

O boulder sobre o qual está edificada a igreja do rochedo tem gênese Neoproterozóica, com estruturas provenientes de Magmatismo Sin-Colisional, com litótipos característicos da Suíte Ataléia, compostos por granito foliado a gnáissico, peraluminoso, tipo S: granada-biotita granito, com idade Pb-Pb de 591 Ma (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ). No entanto, a transição é condição intrínseca à Igreja do Rochedo, e o sistema de vertentes convexas sobre o qual ela se localiza é a forma topográfica proveniente da gradação abrupta de litótipos sin-colisionais para a Sequência Metassedimentar denominada Complexo Nova Venécia, com rochas aflorantes compostas por sillimanita-granada-cordierita-biotita gnaisse bandado com intercalações de calcissilicáticas de idade Pb-Pb 631 Ma (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ).

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altamente instáveis) com a aproximação da escarpa a montante da igreja, independente da cobertura vegetal, ora pastagem, ora fragmentos naturais em diversos estágios sucessionais de regeneração natural36.

36

A definição de estágios sucessionais para o desenvolvimento da cobertura vegetal de uma área outrora utilizada e posteriormente abandonada, surgiu da necessidade de se definir vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica.

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Cap. V

O antigo Seminário dos padres combonianos, Ibiraçu (ES): Arquitetura e fé no domínio da

paisagem

89


C

hegados a cidade de Ibiraçu, no norte do Espírito Santo, em 1954, os padres e missionários combonianos, juntamente com moradores da cidade, construíram ali o edifício de sua sede religiosa que, por muitos anos, serviu como seminário na formação de novos padres, e hoje, após a saída dos padres combonianos, é sede do Instituto Espírito Santo de Inovação Social (IESIS), propriedade da Diocese de Colatina.

A grande edificação comboniana marca a paisagem urbana da cidade de Ibiraçu, por sua implantação em um promontório elevado em relação a cidade, com aproximadamente 26 m de altura (e 42 m em relação ao nível do mar) 37. O prédio em si, possui 4 mil m² de área construída e mais de 15 mil m² de área verde ao redor. Está situado em lugar estratégico, podendo ser visto de vários locais da cidade e observado por aqueles que caminham ou circulam em veículos automotores pela cidade. Para aqueles que não conhecem a história da cidade ou a procedência da singular edificação no alto do morro, é comum uma atração por sua arquitetura que difere das do entorno. A missão dos Combonianos chegou ao Brasil em 1951 (MUNARI, 2007, p. 22), e à cidade de Ibiraçu em 1954 (MUNARI, 2007, p. 262), com o objetivo de formar missionários e dar continuidade aos ensinamentos de Daniel Comboni38 (1831-1881), “um jovem missionário italiano que, com seu entusiasmo, parecia querer revolucionar as técnicas da evangelização na África” (MUNARI e COSTA, 2015, p. 9). Com as dificuldades encontradas nas terras africanas, como pestes, doenças, clima, terrenos e matas desconhecidas, povos em conflito, Daniel Comboni percebeu que poderia, [...] criar na África, em lugares estratégicos e acessíveis, também aos missionários europeus, estruturas onde fosse possível preparar pessoas que, bem formadas e animadas, voltassem para as suas regiões e se tornassem eles mesmos sujeitos da missão e da evangelização do continente (MUNARI e COSTA, 2015, p. 28).

Sugiram assim os seminários combonianos, institutos femininos e masculinos, colégios e universidades em território africano, que mais tarde se expandiram para a América. No Brasil, tudo começou com a chegada do missionário comboniano, Pe Rino Carlesi, que de acordo com Munari (2007, p. 22-29), desembarcou no Rio de Janeiro em março de 1951 vindo de Portugal39. Ele procurava ajuda financeira para a construção de um seminário em Viseu, Portugal, e acabou sendo convidado pelo então núncio do Brasil, Dom Carlos Chiarlo a uma missão no Brasil, mais exatamente no sul do Maranhão40, porém tendo a cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, como local de apoio. Ao procurar o bispo de Vitória, Dom Luis Scorteganha, este lhe ofereceu uma paróquia na cidade de Serra, vizinha a Vitória. Em setembro daquele mesmo ano tudo se concretizou. Naquela época haviam poucos padres católicos e muito território capixaba a ser assistido pela Igreja, então, constantemente a diocese de Vitória pedia ajuda aos combonianos para auxiliá-los atendendo às comunidades do interior de estado. Ao ficar sem padre, no final de 1954, a cidade de Ibiraçu foi designada aos combonianos como sede de uma de suas missões, juntamente com a cidade vizinha de João Neiva (MUNARI, 2007, p. 45). De acordo com Santângelo,

37

Essa medida foi constatada tendo-se como base o programa Google Earth® da Google®, dentro de seus limites de precisão. Daniel Comboni foi canonizado pelo Papa João Paulo II no dia 05 de outubro de 2003 (MUNARI e COSTA, 2015, p.42). 39 Onde os combonianos estavam presentes desde 1947 (MUNARI, 2007, p. 22). 40 Aqui não cabe recorrer sobre aos fatos ocorridos na missão no estado do Maranhão, mas sim como os combonianos chegaram a Ibiraçu. 38

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Ibiraçu e João Neiva, a seu tempo, encheram os olhos do então Superior dos Combonianos, o Padre Rino Carlesi, [...] que nessas duas paroquias vislumbrava farto celeiro de vocações. [...] O povo se entusiasmou e colaborou. Os irmãos, com competência e amor, ergueram o majestoso primeiro seminário comboniano (SANTÂNGELO, 1997, p. 38).

Ibiraçu, por sua vez, recebeu o primeiro seminário comboniano do Brasil, o que teve grande influência e impacto na formação daquela cidade, como veremos no capítulo a seguir. A construção do seminário iniciou em 1956 pelo irmão Eligio Locatelli, responsável por dirigir os trabalhos, tendo sua construção finalizada em 1959 quando se iniciaram as atividades religiosas do seminário nessa cidade (MUNARI, 2007, p. 59-60). Ainda de acordo com Munari (2007, p. 267) o seminário fechou em 1981, por decorrência da crise econômica e o decrescente número de alunos desde a década de 70, e em 1983 a paróquia foi devolvida ao clero diocesano. A propriedade de 43 hectares foi loteada e vendida, assim como o prédio, que foi comprado em 1988 pela arquidiocese de Vitória, a quem pertence até os dias atuais e segue funcionando como Instituto Espírito Santo de Inovação Social (IESES), desde 2009, sob os cuidados da diocese de Colatina. Hoje, o Instituto atua comportando cursos de formação e capacitação, recebendo retiros e grupos de forma pré-agendada41.

5.1.

Fé e política na paisagem: a presença comboniana em Ibiraçu.

Alguns fatores foram fundamentais na escolha de Ibiraçu para receber o primeiro seminário comboniano do Brasil. É evidente que a proximidade com o ponto de apoio na Serra e os demais fatores, já apresentados, que levaram os combonianos até ali são de fundamental importância, mas a necessidade de ter no Brasil, uma base onde novos jovens pudessem seguir uma vida vocacional sem precisar que estes viessem da Europa, foi decisivo para a construção de um seminário no Espírito Santo. Munari (p. 265, 2007) relata que outro aspecto importante na escolha de Ibiraçu para abrigar o seminário foi a devoção da população local, uma maioria de imigração italiana cristã, que se dispôs a ajudar doando terrenos, material de construção ou ajuda econômica. Os combonianos, por outro lado, muito se envolviam com a política dos locais onde se instalavam, um reflexo do envolvimento desses padres missionários, principalmente com as causas sociais dos mais pobres42. A exemplo, em Rondônia, o Padre Ezequiel Ramin encontrou uma situação de extremo conflito em 1984, “fazendeiros contra posseiros, grileiros contra pequenos agricultores, fazendeiros e madeireiras contra índios. Muitas vezes, políticos e autoridades contra o povo” (MUNARI e COSTA, 2015, p. 50). E não raro, muitos padres missionários combonianos, por conta desse envolvimento direto em causas sociais e políticas foram assassinados aqui no Brasil, como em outras partes do mundo43. Em sua origem, enquanto “Instituto religioso”, os padres missionários vocacionados devem atender a quatro “dimensões” da fé cristã: “’ad gentes, ad pauperes, ad extra e ad vitam" (COMBONI, 2017, p.?,). A evangelização dos combonianos se resume, dentro dessas quatro dimensões, ao contato direto com comunidades, especialmente carentes ou de fragilidade social, em vários países e continentes que necessitam não somente da crença ou da fé, mas de um apoio ou defesa por causas sociais. Nesse contexto, as gentes, os pobres, as comunidades e sua fé são expressões que marcam a presença dos combonianos por onde passam.

41

Ver em especial: DIOCESE DE COLATINA. IESIS. Disponível em: <http://diocesedecolatina.org.br/paginasdiocesanas/lesis/>. Acesso em: 28 jan. 2017. Ver em especial: SANTÂNGELO, 1997. 43 O próprio padre Ezequiel Ramin foi assassinado em 1985, ao sair de uma reunião do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cacoal, em Rondônia. Tinha 33 anos ((MUNARI e COSTA, 2015, p. 51) 42

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Em Ibiraçu, os combonianos não encontraram um clima de conflito, mas sim um “farto celeiro de vocações” (SANTÂNGELO,1997, p. 38), ideal para receber um seminário. Mas foi notável a influência que a presença dos combonianos tiveram nesta cidade, exemplo disso são as homenagens feitas a Daniel Comboni, que possui uma rua com seu nome, Rua Daniel Comboni, onde está localizado o próprio seminário, e um jardim de infância também com seu nome ( Figura 63). Figura 65 – Jardim de Infância “Daniel Comboni” em Ibiraçu e a subida pela Rua Daniel Comboni ao antigo Seminário (atual IESIS) ao fundo.

Fonte: Acervo pessoal de Tatiany Barth Simão, 2017

Essa presença teve consequências diretas sobre a cidade de Ibiraçu, pincipalmente no aspecto educacional e no envolvimento político: Para garantir aos jovens seminaristas um estudo de qualidade, foi construído o Ginásio N. Sa. Da Saúde que puxou também uma série de outras estruturas sociais, como o Jardim de Infância, a escola normal e o sindicato rural. Padre Carlos Furbetta muito se envolveu para que a cidade tivesse um ensino bom e, por causa desse empenho, em 1969 foi nomeado pelo governador do estado membro do Conselho Estadual de Educação. Alguém pensou que estivesse preparando sua plataforma política para futura candidatura a prefeito da cidade [...]. O Padre teve que fazer nota pública esclarecendo que não eram essas suas intenções [...] (MUNARI, 2007, p. 266).

É fato que, não fosse a fé cristã da população de origem italiana, imigrada para aquela cidade e, ainda o compromisso das famílias com os padres, o seminário não poderia ter sido construído; portanto, este “farto celeiro” não era apenas vocacional, mas de fé e devoção, presença marcante até hoje. O sagrado tem tamanha influencia nesta pequena cidade do interior do Espírito Santo que anualmente acontece uma caminhada onde fiéis percorrem 108 km e visitam as 21 capelas existentes no interior do município, além do Santuário Diocesano de Nossa Senhora da Saúde e do Mosteiro Zen Morro da Vargem - maiores símbolos de fé e espiritualidade existentes no município. Esse longo percurso é conhecido como “Caminhos da Sabedoria” (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇU, 2017, p. ?) e congrega, a cada edição, um grande número de fiéis. Como se verá a seguir, os padres missionários combonianos, tinham, em suas edificações, principalmente nos prédios de seus seminários de formação de novos padres, o meio de marcar simbolicamente sua presença nas comunidades, e por consequência na paisagem urbana ao seu redor, a partir de uma estratégia de implantação dessas edificações em lugares elevados, de forte presença no imaginário da população local e para a escala urbana de cada cidade.

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5.2.

Uma arquitetura que domina a paisagem

O relevo da cidade de Ibiraçu, formado por inúmeros morros e elevações ao seu redor (Figura 66), constitui lugar propício para que as principais edificações católicas da cidade estejam implantadas em lugares estratégicos de visualização. Figura 66 – Respectivamente, imagem do prédio do antigo Seminário Comboniano visto pela cidade e da cidade vista pelo Seminário.

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias e Tatiany Barth Simão, 2017

Assim são, por exemplo, o antigo (e também o atual) prédio do Santuário Diocesano, a Igreja Matriz de São Marco, o Seminário dos Padres Combonianos e, a não menos importante Igrejinha do Rochedo, pequena capela particular, dedicada à Santo Antônio, localizada fora da cidade, às margens da BR 101 (Figura 67). A implantação do Seminário de Ibiraçu em cota elevada (Figura 68) em relação a cidade foi algo premeditado pelos padres combonianos desde o início de sua construção: “Na festa de N. Sa. Da Saúde, em 15 de agosto de 1957, a cidade já pôde contemplar o esqueleto de um prédio bonito e imponente, no alto do morro da cidade” (MUNARI, 2007, p. 60). O seminário torna-se elemento único na paisagem da cidade por sua localização no alto, destacando-se imponente, tanto por sua localização, sua escala e dimensões em relação às demais edificações da cidade. Ibiraçu está implantada sobre um grande vale rodeado por um “mar de morros” (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇU, 2016, p.?), se espraiando, por um lado, pela Rodovia BR 101 que corta a cidade e, por outro, pela av. Getúlio Vargas (que liga a cidade à Rodovia ES 257). As edificações no entorno do antigo seminário não passam de quatro andares de altura, sendo a grande maioria, possuindo somente dois andares.

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Figura 67 – Na sequência, os antigos prédios do Santuário Diocesano (ao fundo o novo prédio), a Igreja Matriz de São Marco da cidade, o antigo Seminário dos Padres Combonianos, sendo os três prédios localizados dentro do perímetro urbano da cidade de Ibiraçu, e a Igrejinha de Santo Antônio às margens da BR 101.

Fonte: Acervo pessoal de Tatiany Barth Simão e Fabiano Vieira Dias, 2017. Figura 68 – A relação em altura e proporção (escala e dimensões) do antigo Seminário Comboniano com seu entorno

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2017.

Prédio de implantação e arquitetura singular em relação a cidade, o Seminário pode ser visto de vários locais da cidade de Ibiraçu, tanto de bairros com cotas mais elevadas como de pontos do Centro da cidade, principalmente a partir da av. Getúlio Vargas através de visadas das ruas perpendiculares a essa ou próximas. A Figura 69 apresenta um mapa contendo fotos tiradas de dentro da cidade como forma de capturar as vistas (Figura 70) que o prédio possui para os moradores locais, como meio de expressar a percepção que os mesmos têm desse prédio e sua implantação estratégica.

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Figura 69 - Mapa de locais de onde é possível visualizar o antigo seminário comboniano de Ibiraçu.

Fonte: Imagem do Google Earth©. Editado para esse trabalho por Tatiany Barth Simão, 2017. Figura 70 - Vistas do antigo Seminário Comboniano de acordo com mapa da Figura 69. O conjunto de imagens apresentadas está disposta, respectivamente, em ordem numérica crescente.

Fonte: Acervo pessoal de Tatiany Barth Simão e Fabiano Vieira Dias, 2017.

Sua posição estratégica é, pois, uma forma simbólica de marcar um lugar perante os que o rodeiam. A forma como esse prédio se coloca perante a cidade é desveladamente uma tradição católica que remonta os primórdios da chegada da Igreja em terras brasileiras, com os primeiros padres e ordens religiosas, a exemplo do Jesuítas e seus grandes complexos edilícios que reuniam em uma mesma edificação, casa, escola e igreja, já em meados do séc. XVI (Figura 71).

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Figura 71 - Reconstituição (parcial) da construção das alas em formato de quadra da arquitetura jesuítica, desde os meados do séc. XVI, em terras brasileiras.

Fonte: NAJJAR, 2011.

A paisagem que se constrói a partir desse prédio em situação elevada em relação a cidade remete à implantação das antigas igrejas e prédios de ordens católicas em várias cidades brasileiras, com exemplos capixabas, onde a posição elevada era um quesito prioritário da presença da Igreja nas colônias portuguesas no Brasil. Essa tradição, marcou por séculos o desenho formal das cidades e, por tabela, a construção de suas paisagens urbanas que se formavam na medida em que essas vilas iam se transformando em cidades, em núcleos urbanos mais complexos e com maior população44. Como se verá a seguir, a arquitetura comboniana implantada em terras brasileiras, principalmente (e limitando-se) no caso do Espírito Santo, buscou desde o início, lugares estratégicos de implantação simbólica de seus prédios, criando assim, junto com a natureza ao redor e, logo depois, com a cidade que crescia do mesmo modo, a construção de paisagens singulares.

5.3.

Uma tipologia arquitetônica construindo paisagens

No início da construção do Seminário de Ibiraçu, em 1956, “a planta era muito simples: um quadrado, com um pátio central, fechado” (MUNARI, 2007, p. 59). Hoje o prédio, sede do Instituto Espírito Santo de Inovação Social (IESIS) da Diocese de Colatina, possui área construída de 4 mil metros quadrados, dois pavimentos, com amplo refeitório, 4 auditórios

44

Ver em especial: DIAS, 2014.

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e 68 apartamentos e capela, além das áreas de sanitários e serviço (DIOCESE DE COLATINA, 2017, p. ?). De desenho pavilhonar45, foi construído em torno de dois pátios ajardinados fechados pelas alas do prédio, para onde se abrem a janelas das alas (Figura 72). Figura 72 – O desenho em alas que definem dois pátios internos existentes na edificação.

Fonte: Acervo pessoal Tatiany Barth Simão, 2017.

No seu exterior o prédio possui uma simetria aparente, com uma grande volumetria central, ao modo de uma torre bipartida, ressaltada pela centralidade de uma cruz de base verticalizada. A torre marca a entrada principal do prédio, sob a base da cruz. Os volumes das alas na fachada principal, voltada para a cidade e orientada para a Igreja Matriz de São Marco, é formada por uma série de grandes janelas disposta ao longo da fachada de forma racional. A torre ou torres possui/possuem vitrais coloridos lembrando pequenos cobogós46 pelos desenhos geométricos, que remetem, ao fim e ao cabo, a uma geometria de símbolos cristãos como a cruz e o círculo47 (Figura 73).

45

Mesmo tendo a citação de Munari quanto a planta quadrada original do prédio do Seminário de Ibiraçu, os autores não conseguiram encontrar nenhum documento relativo aos projetos arquitetônicos originais na Paróquia ou na Diocese de Colatina. Somente uma planta de reforma para a o atual uso do prédio para o IESIS, a qual não se obteve confirmação sobre o tamanho da reforma empreendida. Por esse motivo, mesmo tendo esse desenho em mãos, optou-se em não o apresentar aqui, para se evitar dúvidas. As análises feitas então, são de cunho exploratório a partir de visitas in loco ao prédio pelos autores em épocas distintas. 46 Cobogós são elementos vazados de fechamento, utilizados para ventilação natural de ambientes ou como filtros para a incidência solar direta sobre os mesmos. 47 Ver em especial: LURKER, 2003

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Figura 73 - Na sequência, detalhe da volumetria central na fachada da edificação, janelas em veneziana e vitrais.

Fonte: Acervo pessoal de Tatiany Barth Simão, 2017

O desenho do conjunto é de concepção simples e racional em seus elementos decorativos, que por fim, exprimem mais uma intenção funcional da arquitetura do que meramente estética. Os grandes vãos das janelas da fachada principal, de orientação oeste, captam a luz ao mesmo tempo em que são protegidos com venezianas de madeira marrom, que funcionam como um anteparo, uma camada protetora ao forte sol da tarde. A implantação do prédio segue, longitudinalmente, a orientação Norte-Sul, o que levou a fachada principal a ter a pior orientação solar, mas, essa está ao mesmo tempo, voltada tanto para a cidade como, também orientada em direção à Igreja Matriz de São Marco, pois de cima do platô a Matriz e sua torre podem ser avistadas. O seminário Comboniano de Ibiraçu (Figura 74) não foi o único seminário construído no Estado do Espírito Santo: a cidade de São Gabriel da Palha, no norte do Espírito Santo também recebeu uma instituição comboniana que começou suas atividades no ano de 1965 como escola primária, e em 1968 foi inaugurado oficialmente como seminário. Porém suas atividades foram encerradas em 1975 por motivo de crise e falta de alunos (MUNARI, p. 237-238, 2007), e o prédio (Figura 75) permanece sem uso e abandonado até os dias atuais (Gazeta do Norte, p.?, 2015). Também na cidade de Jerônimo Monteiro, no sul do Espírito Santo (Figura 76), foi construído um seminário que começou suas atividades em 1969 e teve suas atividades suspensas em 1979 também devido à crise. Em 1981 o prédio foi vendido a diocese (MUNARI, 2007, p. 272). Hoje o prédio pertence a Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e funciona como local de encontros religiosos das paróquias e da diocese e é conhecido como Casa de Encontro Maria Mãe da Igreja (DIOCESE DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, 2017, p. ?,).

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Figura 74 – Antigo Seminário Comboniano de Ibiraçu - ES.

Fonte: Acervo pessoal de Tatiany Barth Simão, 2017. Figura 75 - Antigo Seminário Comboniano de São Gabriel da Palha - ES.

Fonte: Acervo pessoal de Fabiano Dias, 2014. Figura 76 - Antigo Seminário Comboniano de Jerônimo Monteiro - ES.

Fonte: Acervo pessoal de Elaudia Luiza Lima Dan, 2017

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Entre as edificações de Ibiraçu, Jerônimo Monteiro e São Gabriel da Palha há semelhanças tipológicas de sua construção 48: os prédios foram construídos em formato pavilhonar, em volta de pátios (totalmente fechados ou não por alas do complexo), tipologia essa, tradicional nas construções de prédios de seminários e escolas de outras ordens católicas. São prédios longilíneos com um pavimento (Jerônimo Monteiro) ou dois (Ibiraçu e São Gabriel da Palha), arrematados com grandes telhados em quatro águas; grandes vãos de janelas dispostas nas fachadas de forma harmoniosa e simétrica; um elemento central vertical, como uma torre que quebra (em parte) a horizontalidade do prédio; o uso de cores claras que destacam o prédio em meio ao entorno natural; e construções feitas em platô sobre colina, de forma a ter o domínio da paisagem e do entorno. É possível também traçar, como hipótese, uma semelhança entre a tipologia da arquitetura comboniana com a arquitetura religiosa da ordem jesuítica, principalmente as implantadas no Espírito Santo, guardando e respeitando-se as devidas particularidades de cada arquitetura e as peculiaridades de suas implantações. Ambas tipologias são marcadas pelo desenvolvimento de suas construções em torno de pátios centrais. Edificações de desenho regular e racional na distribuição de seus espaços internos, e grandes vãos nas fachadas dispostos a expressar essa racionalidade espacial. Altos telhados arrematando o coroamento do prédio e cores claras em contraste com o entorno (Figura 77).

48

Ao longo da pesquisa gerou esse artigo, os autores não tiveram a possibilidade de acesso aos projetos arquitetônicos originais de cada prédio comboniano. As análises comparativas aqui apresentadas foram realizadas de forma exploratória e visual, a partir de visitas in loco de cada autor aos prédios supracitados, em diferentes épocas.

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Figura 77 – Algumas relações possíveis entre as tipologias edilícias dos jesuítas e dos combonianos: 01- foto de 1910 do antigo complexo da Igreja e Colégio de São Tiago e hoje o atual Palácio Anchieta, em Vitória; 02 - foto da fachada do antigo prédio do Seminário Comboniano de Ibiraçu; 03 – foto da Igreja jesuítica de Reis Magos, em Nova Almeida, Serra; 04 – idem foto 02; 05 – foto do pátio interno da Igreja de Reis Magos; 06 – foto de um dos pátios do antigo Seminário Comboniano de Ibiraçu.

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01

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05

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Fonte: 01 – TATAGIBA, 2008; 02 – Acervo pessoal de Tatiany Barth Simão, 2017; 03 – ALMEIDA, 2009; 04 – idem 02; 05 – ALMEIDA, 2009; 06 – ibidem 02.

Mas, na arquitetura jesuítica as implantações em colina eram uma via de mão dupla, ou seja, além do caráter simbólico da presença da Igreja Católica em terras brasileiras, nos primórdios da colonização portuguesa, serviam primordialmente como bastiões seguros para os padres e seus agregados, pois a implantação em altura sempre que possível, estava vinculada a proximidade de corpos d’água, que facilitavam a fuga em caso de algum ataque. Estas implantações marcaram e reforçaram a disposição urbana em acrópole – ou urbanismo de colina (SIMÕES JUNIOR e CAMPOS, 2013, p. 49) – de várias destas cidades que, seguindo a tradição urbana portuguesa, tinham em seu cume os principais prédios religiosos, públicos e o casario, isto desde sua origem. Tanto as cidades portuguesas quanto sua tradição urbana trazida ao Brasil tinham na acrópole e na área portuária, marítima ou fluvial, as duas características fundamentais de sua urbanística e vida cotidiana, com reflexos na paisagem que se construiria a partir daí, nos séculos seguintes. Diferente da situação histórica em que se encontrava os jesuítas na chegada ao Brasil, os combonianos já encontraram em meados do século XX um Brasil com núcleos urbanos estabelecidos, com maior ou menor grau de desenvolvimento urbano e social, que lhes garantiram facilidade e rapidez na implantação da evangelização através de seus grandes e icônicos prédios. Aqui, não era mais a proteção contra os ataques (de índios não catequizados, piratas etc.) que movia a implantação do prédio comboniano em áreas elevadas, mas, a vontade de marcar o lugar da Igreja e da fé em cada território chegado, como uma instituição que tomaria conta da segurança da vida espiritual de suas comunidades. Como nos jesuítas, que tinham em seus colégios (os primeiros do Brasil) também a formação de padres para se espalhar pelo território da Colônia, nos seminários combonianos, nos exemplos construídos no Espírito Santo, tiveram o intuito de criar uma nova geração de padres para se espalharem pelos rincões ainda existentes do interior do Brasil de meados do século passado.

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Consideraçþes finais

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A

Igrejinha do Rochedo, implantada sobre um grande boulder ou matacão, é para a geologia um lugar de instabilidade, mas, é para a arquitetura e seus simbolismos um lugar de estabilidade pela própria história das construções religiosas em pedra. Aí reside uma contradição entre arquitetura e geologia. Mas é essa contradição que dá a esse conjunto ou complexo, como aqui definido, sua singularidade e marca: o espanto, a indagação do primeiro olhar ou dos que desconhecem sua história definem esse

lugar. Porque uma igreja nesse lugar? Como conseguiram? A análise da paisagem como um conjunto arquitetônico de inúmeras experiências vivenciadas individualmente por cada espectador da singela igrejinha e seu rochedo, é o que dá a esse complexo arquitetônico-geológico-paisagístico a importância de um marco para a cidade de Ibiraçu, mesmo que seu acesso seja limitado e sua percepção quase que exclusiva de quem trafega pela BR 101. Esse singelo monumento construído como promessa de cura e que agora é símbolo de alguém que lutou pela vida, através de sua fé, é uma paisagem singular ao unir em um único e pequeno edifício, implantado sobre a rocha, arquitetura e geografia, através da fundamental caracterização geológica do lugar, para a construção dessa paisagem. Aqui, por fim, o conceito de paisagem assume sua “ambiguidade”, como explica Gregotti (1994, p. 62), na multiplicidade de conceitos que a mesma carrega, dentre elas, a definida como de território pela geografia e como recorte na arquitetura da paisagem. O prédio da Igrejinha do Rochedo une ambas em um único e singular lugar. Sua arquitetura, singela na forma e concepção, é carregada de significados, primeiro aos familiares de Diógenes e depois, aos que conhecem sua história e tem a oportunidade de despender um pedaço de tempo para percebê-la. Essa arquitetura sem arquitetos é a expressão do sentimento, de um desejo, de uma vontade que foi transformada em paisagem. O levantamento de sua arquitetura, além de qualquer premissa técnica significou o registro em papel que poderá ser acessado por muitos, desse sentimento criador. Mesmo perdendo sua função original, os prédios dos antigos Seminários Combonianos ainda mantêm sua forte presença no imaginário cotidiano de suas cidades. O passar do tempo, pelo menos por enquanto, não ofuscou sua história e imponência na paisagem urbana das cidades do Espírito Santo listadas aqui. Em Ibiraçu o papel dos padres e seu prédio transcendeu a fé e evangelização pelo envolvimento político e social dos mesmos. Ou seja, religião, fé, apoio social e participação política estão impregnadas tanto na história urbana desses padres como de seus prédios. A paisagem aí formada, urbana por consequência e simbólica pela ainda marcante presença desse prédio em Ibiraçu, é prova da capacidade que uma arquitetura tem, ao longo de sua história, de construir e aglutinar em seu corpo edificado características que escapam de um simples objeto arquitetônico. Esse prédio é por fim, nas palavras de Najjar, um “superartefato”: um objeto arquitetônico que não é visto como fragmento, mas como parte de um todo e sua relação com o território construído por relações espaço-sociais, como explica Najjar (2011, p. 82). O conceito de arquitetura interagindo em um “espaço social ou espacialidade” (NAJJAR, 2011, p. 82-83) demonstra as influências recíprocas entre o objeto arquitetônico e seu entorno, não somente físico, mas também social, “refletindo, portanto, o jogo de poder, a fricção social existente entre os grupos envolvidos, e gerando mudanças no seio da sociedade” (NAJJAR, 2011, p. 82). A presença do prédio conta essa história de Ibiraçu. É parte dela; é parte de uma construção da paisagem urbana da cidade que ainda está em curso. Do alto de seu platôpromontório-colina, a arquitetura tudo vê e, por todos ela é vista.

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Ambos prédios, diferentes em seus tamanhos, em suas escalas e criação pela fé, possuem algo em comum: ambos, dominam a paisagem que os cerca. É da tradição da fé cristã, principalmente no catolicismo, a busca de lugares elevados, mais próximos ao céu, para a construção de suas igrejas, capelas, mosteiros e lugares santos. O elevado é, ao mesmo tempo, lugar simbólico da penitência como da presença da fé sobre aquele lugar marcado pela edificação religiosa. Indiscutivelmente, essa escolha, quando feita, define uma paisagem que, mesmo comum entre os católicos e suas construções, é singular pela relação entre arquitetura edificada e o entorno geográfico e seu contexto geológico. Os complexos arquitetônicos-geológicos-paisagísticos formados são tão diferentes entre si, sem perder a similaridade, como podem ser diferentes as formações geológicas moldadas pela passagem do tempo e suas arquiteturas implantadas nesse contexto, também moldadas pelo tempo histórico.

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Apêndice: Fichas analíticas de identificação e caracterização, Artigos publicados e materiais produzidos pela pesquisa

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APÊNDICE 1: FICHAS ANALÍTICAS DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO 1.

Professor (es) responsável (eis): Fabiano Vieira Dias

2.

Identificação do elemento/conjunto construído ou natural: CAPELA DE SANTO ANTÔNIO – ARQUITETURA E PAISAGEM

3. Endereço: Às margens da BR 101, Rodovia Governador Marcio Covas - Ibiraçu/ES

4. Data do registro: 19 12

5. Coordenadas geográficas: Lat.: 19°50'28.13"S

Long.: 40°23'16.65"O

2016

6. Autor(es) do registro: Marcio Costa Schwenck – Geógrafo (UFES, 1997) - CREA ES-6566/D 7.

Descrição da paisagem – Geomorfologia 7.1. Introdução e Justificativa

A primeira percepção que se pode perceber na análise de uma paisagem é o conjunto heterogêneo das formas concretas do relevo que a compõem. O relevo é algo mensurável quanto as formas que se apresentam, no entanto, a fisiografia do relevo ou modelado que se mostra, é observado pelo pesquisador pelas suas diferenciações locais e regionais da silhueta da superfície, formas essas não aleatórias como podem parecer aos não especializados. Tais formas, por mais estáticas que pareçam, mostram-se dinâmicas e se manifestam no tempo e espaço de modo diferenciado, oriundo das trocas de energias provenientes das múltiplas interferências dos demais componentes do estrato geográfico49, em seus três estados físicos (ar, água e terra), desde as morfoestruturas50 geradas pelos processos geológicos, esculpidos pelos agentes da baixa atmosfera (troposfera e parte da estratosfera), até o conhecimento das morfoesculturas51. O reconhecimento das formas existentes na superfície do “Estrato Geográfico” (Grigoriev, 1968 apud Ross, 1996, p. 10) é parte importante em qualquer análise da paisagem, visto que compreende a estreita faixa onde é possível viver biologicamente, ou de maneira mais restrita, apropriar-se socialmente dos recursos necessários para a manutenção do homem como ser social, além do ente biológico primitivo (Ross, 1996). Logo, é imperativo que a participação do homem no ambiente, através das modificações inseridas pelos inputs dessa intervenção antropogênica, afeta o dinamismo outrora natural. Dentro dessa perspectiva é possível perceber que as ações do homem no ambiente sejam precedidas por um minucioso entendimento desse ambiente, através de uma radiografia52 ecológica capaz de fornecer diretrizes que permitam minimizar os efeitos negativos acarretados por quaisquer atividades antrópicas. Isto posto, é necessário entender a dinâmica das unidades do relevo que compõem a paisagem onde as formas topográficas se inserem como importantes componentes para o entendimento do significado da aplicação dos conhecimentos geomorfológicos para a apropriação da paisagem.

49

Estreita faixa onde é possível viver biologicamente denominada por Grigoriev (1968, apud ROSS, 1996) como “Estrato Geográfico da Terra”.

50

Interpretação científica do modelado da terra, através do entendimento da sua geologia com suas formas materiais constituintes e processos correlacionados. As forças provenientes do interior da terra, como o tectonismo, vulcanismo ondas sísmicas associado a dinâmica interna do planeta, moldam a superfície da terra ao longo do tempo. De acordo com JIMÉNEZ-RUEDA, et al. (1993, p. 316 e p. 317), a interpretação morfoestrutural tem a premissa de que muitas estruturas podem ser refletidas em superfície e são, por isso, passíveis de identificação através de produtos de sensoriamento remoto. Baseiase na análise dos elementos de drenagem e relevo e suas relações espaciais, onde as morfoestruturas surgem como feições anômalas dentro da tendência regional. 51 São as formas provenientes das influências dos climas antigos e dos climas atuais no relevo. 52 Entendemos que um diagnóstico detalhado da paisagem seja de grande importância para o entendimento dos processos atuantes na mesma.

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Inserida nessa diversidade fisiográfica da paisagem estudada, a capela de Santo Antônio, mais conhecida como Igrejinha da Pedra ou Igrejinha do Rochedo, figura em posição de destaque na paisagem, contrastando com as formas do relevo natural do entorno e por sua implantação singular sobre um grande rochedo (matacão) que aflora numa encosta convexa, moldada pelas estruturas geológicas sotopostas53 e os processos responsáveis pelo modelado observado. 7.2. Identificação das Unidades Geomorfológicas

A Igreja do Rochedo encontra-se inserida como parte integrante de um conjunto arquitetônico-geológico-paisagístico maior, gerado pela sua localização na transição entre unidade de relevo que, partindo de uma visão macro, identificam-se como Morfoestruturas típicas de Depósitos Sedimentares, em sua vertente Leste e a Faixa de Dobramentos Remobilizados a Oeste. De acordo com IJSN (2012, p. 8), a morfoestrutura dos depósitos sedimentares é composta localmente pelas litologias do Grupo Barreiras e depósitos quaternários mais recentes nos fundos dos vales e inúmeros anfiteatros54 observados. As faixas caracterizam-se pelas evidências de movimentos crustais55, com marcas de falhamentos, deslocamentos de blocos e falhamentos transversos, impondo inquestionável controle estruturas sobre a diversidade topográfica atual. Aumentando a escala de análise das formas de relevo ainda localizada numa faixa transicional, classificam-se suas Regiões Geomorfológicas de influência, sendo a Leste os Piemontes Inumados e a Oeste, os Planaltos da Mantiqueira Setentrional. Os Piemontes constituem-se de sedimentos cenozoicos do Grupo Barreiras, porém depositados sobre o embasamento fortemente alterado, dificultando a diferenciação entre dos dois litótipos, apresentando “espessura variada e disposição suborizontal, com mergulho para leste, em direção ao Oceano Atlântico” (IJSN, 2012, p. 8). Numa análise de maior detalhe, a identificação das Unidades Geomorfológicas permite identificar características tais como relevo de dissecação, denudação ou acumulação, informações de grande importância para o entendimento das potencialidades e limitações da paisagem, dentro da escala de análise das Unidades Geomorfológicas. A Igreja do Rochedo encontra-se numa situação transicional, também dentro do enfoque de unidades de formas de relevo, podendo facilmente o observador, a partir do cruzeiro da própria edificação, voltado para Leste, identificar as feições características da Unidade Tabuleiros Costeiros, distribuindo-se desde o sopé das elevações cristalinas do “Rochedo” até as Planícies Quaternárias, e a Oeste as formas inerentes a Unidade Geomorfológica Patamares Escalonados do Sul Capixaba, “ressaltando níveis de dissecação escalonados formando patamares, delimitados por frentes escarpadas adaptadas a falhas voltadas para noroeste e com caimento topográfico para sudeste, sugerindo blocos basculados em decorrência de impulsos epirogenéticos relacionados com a atuação dos ciclos geotectônicos” (IJSN, 2012, p. 10). O modelado onde se localiza a edificação mostra-se com dissecação56, numa escala de análise de maior detalhe, encontra-se comandada por estruturas geológicas em microescala, um campo de boulders57 semienterrados, estando a igreja sobreposta a um grande matacão. 7.3. Caracterização das Feições do Relevo

53

Estruturas geológicas que embasam as formas de relevo. Em geologia quando diz-se que um tipo de rocha está sotoposto à outro, significa que o mesmo encontra-se posicionado em baixo, podendo significar que este seja, ou não, mais antigo que o sobreposto. No caso de não ser mais antigo, pode significar que as rochas fazem parte de uma área de dobramentos tectônicos. 54 O termo anfiteatro é utilizado aqui com contexto geológico, quando o declive das vertentes é forte, uniforme e com aspecto de um circo: “Anfiteatro de erosão, terreno de forma semicircular, cavado pela erosão na encosta de uma montanha, também chamado circo de erosão”. 55 São os movimentos que ocorrem no interior da terra. São causados pelas correntes de convecção, um fenômeno que ocorre devido ao calor que é produzido pelo núcleo terrestre, o que gera a subida de massas quentes no manto, enquanto que as mais superficiais que estão mais frias descem. 56 Modelados de dissecação são os que ocorrem de forma mais generalizada na paisagem brasileira, sendo caracterizados como dissecados homogêneos, dissecados estruturais e dissecados em ravinas. Os dois primeiros são definidos pela forma dos topos e pelo aprofundamento e densidade da drenagem. Nos relevos dissecados, há uma ação do escoamento superficial semi-concentrado e concentrado demonstrada por remoção do horizonte A, com exposição do horizonte B e formação de canaletas e sulcos profundos; nas planícies fluviais ocorre o escoamento concentrado com desbarrancamento e/ou desmoronamento, e nas planícies marinhas domina a ação das ondas e marés. Há predomínio da morfogênese sobre a pedogênese. São áreas que se caracterizam como meios instáveis. 57 No contexto geológico o termo boulders refere-se à um bloco rochoso ou matacão.

111


O “Rochedo”, notável boulder que é a fundação sólida na qual foi construída a singela obra arquitetônica, tem a origem geológica do granito foliado a gnáissico, a cerca de 591 milhões de anos (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ). No entanto, a transição é condição intrínseca à Igreja do Rochedo, e o sistema de vertentes convexas sobre o qual ela se localiza é a forma topográfica proveniente da gradação abrupta daquele granito foliado a gnáissico para gnaisse bandado aflorante mais antigo, com idade de 631 milhões de anos (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ)58. As microestruturas geológicas observadas com maior representatividade nos controles das feições observadas na topografia da área são os sistemas de juntas e diaclases e a foliação da rocha. Algumas medições das foliações foram realizadas na escarpa que sobreia o campo de boulders, com mergulho medido com valores variando entre 30 e 35 graus (CPRM, 2014), mostrando concordância estrutural NW-SE, e “foliação milonítica norte-sul, relacionada às zonas de cisalhamento direcionais, com destaque para a Zona de Cisalhamento Transcorrente Vitória-Ecoporanga” (CPRM, 2014, p. 103). As formas de relevo geradas sobre terrenos de alto grau metamórfico são complexas no que tange os perfis das vertentes resultantes. Na área em estudo podemos constatar que as vertentes são convexas com pequenos vales de drenagens intermitentes que separam os sistemas observados, sugerindo um dinamismo durante eventos pluviométricos intensos. A cobertura vegetal composta por pastagens promove certa estabilidade às vertentes, no entanto, visualmente, tal equilíbrio é substituído por superfícies intergrades (ou altamente instáveis) com a aproximação da escarpa a montante da igreja, independente da cobertura vegetal, ora pastagem, ora fragmentos naturais em diversos estágios sucessionais de regeneração natural59. 7.4. Referências bibliográficas

INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES. Mapeamento geomorfológico do estado do Espírito Santo. Vitória, ES, 2012. 19f.: il. (Nota técnica, 28). COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS – CPRM. CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ. CPRM/ UFES, 2014. _________________________________________________. Folha São Gabriel da Palha e Linhares. Orivaldo Ferreira Baltazar, Márcia Zucchetti, Sérgio Azevedo M. de Oliveira, Jaime Scandolara, Luiz Carlos da Silva – Belo Horizonte: CPRM-BH, 2010. 144p., 02 mapas geológicos, 1:100.000 (Série Programa Geologia do Brasil-PGB). JIMÉNEZ-RUEDA, J. R.; NUNES, E.; MATTOS, J. T. Caracterização Fisiográfica e Morfoestrutural da folha São José de Mipibu-RN. Geociências, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 481- 491, 1993. ROSS, Jurandyr Luciano Sanches. Geomorfologia: ambiente e planejamento. 3ª ed. – São Paulo: Contexto, 1996. TRICART, J. Ecodinâmica. Rio de Janeiro: FIBGE/ Supren, 1977.

58

O boulder sobre o qual edifica-se a igreja do rochedo tem gênese Neoproterozóica, com estruturas provenientes de Magmatismo Sin-Colisional, com litótipos característicos da Suíte Ataléia, compostos por granito foliado a gnáissico, peraluminoso, tipo S: granada-biotita granito, com idade Pb-Pb de 591 Ma (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ). No entanto, a transição é condição intrínseca à Igreja do Rochedo, e o sistema de vertentes convexas sobre o qual ela se localiza é a forma topográfica proveniente da gradação abrupta de litótipos sin-colisionais para a Sequência Metassedimentar denominada Complexo Nova Venécia, com rochas aflorantes compostas por sillimanita-granada-cordierita-biotita gnaisse bandado com intercalações de calcissilicáticas de idade Pb-Pb 631 Ma (CPRM, 2014 CARTA GEOLÓGICA Folha SE-24-Y-D-IV ARACRUZ). 59 A definição de estágios sucessionais para o desenvolvimento da cobertura vegetal de uma área outrora utilizada e posteriormente abandonada, surgiu da necessidade de se definir vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica.

112


8.

Implantação (Fragmento de mapa com norte magnético):

Mapa Geológico - Parte da Folha Aracruz SE 24-Y-D-IV Reconhecimento das feições geológicas para o entendimento dos processos morfoestruturais que embasam as feições do modelado na área onde se localiza a Igreja do Rochedo. Tal análise fica clara visto que, a partir da identificação da localização da edificação estar em uma transição litológica (análise morfoestrutural), as características morfoesculturais também herdaram a transição, mostrando o controle do embasamento geológico sobre as feições geomorfológicas, infringindo dinâmicas diversas aos fluxos energéticos que atuam na superfície do modelado em apreço. A seta indica a localização da Igreja do Rochedo. Embora mostre certo distanciamento da zona de transição, conforme a representação cartográfica utilizada, lembramos que a escala do mapa é pequena quando comparada as investigações de campo, confeccionada a partir das análises geoquímicas provenientes de coletas de sedimentos ativos de corrente, inferindo certo grau de imprecisão em comparação a prospecção geológica de um ponto específico. Logo, de acordo com as observações de campo, a localização da edificação encontra-se em área de transição geológica numa análise de detalhe

113


Mapa Geomorfológico do Estado do Espírito Santo – mostrando as Morfoestruturas, Regiões Geomorfológicas e as Unidades Geomorfológicas. As setas mostram a localização da Igreja do Rochedo em relação das Morfoestruturas, Regiões e Unidades Geomorfológicas do Estado do Espírito Santo. Como no mapa geológico, a localização da edificação encontra-se em zona de transição, corroborando a intrínseca relação entre os parâmetros estruturais e esculturais do relevo.

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1.

Professor (es) responsável (eis): Fabiano Vieira Dias

2.

Identificação do elemento/conjunto construído ou natural: IGREJINHA DE SANTO ANTÔNIO (DO ROCHEDO) – ARQUITETURA E PAISAGEM

3. Endereço: Às margens da BR 101, Rodovia Governador Marcio Covas - Ibiraçu/ES

4. Data do registro: 19 12

5. Coordenadas geográficas: Lat.: 19°50'28.13"S

Long.: 40°23'16.65"O

2016

6. Autor(es) do registro: Tatiany Barth Simão 7.

Descrição da paisagem 7.1. Introdução e Justificativa

A capela de Santo Antônio, mais conhecida como Igrejinha da Pedra ou Igrejinha do Rochedo (Fotografia 01), começou a ser construída no final de 1997 e inaugurada em 05 de junho de 1998 (CUZZUOL, 2015). Está localizada às margens da BR 101, em posição de destaque e contrastando com a paisagem fortemente de caráter natural do entorno e por sua implantação singular sobre um grande rochedo (matacão), que se projeta sobre o relevo em declive, onde se apoia (Fotografia 02). O rochedo e a singela igrejinha pertencem à propriedade rural da família Modenesi, propriedade esta, que se encontra no trecho entre o distrito de Pendanga e o centro urbano da cidade Ibiraçu. A singela construção da Igrejinha do Rochedo está inserida em uma paisagem de morros, campos de pastagem e a BR 101, tendo a cidade de Ibiraçu (núcleo urbano central) ao fundo, distante cerca de aproximadamente 1,80 Km da entrada da cidade (Ver Google Maps, 2015). A edificação religiosa se insere nessa pesquisa por sua singular posição em relação à paisagem circundante, dando-lhe dupla caracterização: de um lado, marca fisicamente sua singularidade perante ao “mar de morros” (Prefeitura Municipal de Ibiraçu, 2016) que circunda essa edificação dentro de uma geografia específica da região; e por outro lado, o simbolismo da fé cristã expressa pela edificação e sua função (de fé, de promessa por cura de doença, local de peregrinação). Ambas caracterizações atribuem a este lugar singular, composto pela edificação, sua implantação sobre um rochedo e seu entorno geográfico e geomorfológico expressivos, um forte caráter simbólico único, pois une em uma mesma edificação o contexto sagrado da religião Católica e o importante contexto geográfico e geomorfológico dessa região do Estado do Espírito Santo. Essa dupla qualidade, caracteriza a edificação como uma arquitetura singular, dentro da história urbana da cidade de Ibiraçu, foco dessa pesquisa. 7.2. Identificação

A Capela de Santo Antônio está localizada sobre um rochedo, às margens da BR 101, Rodovia Governador Marcio Covas na saída da cidade de Ibiraçu em direção à cidade de Fundão, à 1.80 km do Centro de Ibiraçu, mais precisamente no centro entre o trecho do distrito de Pendanga (distrito de Ibiraçu) e o Centro de Ibiraçu. A sua elevação em relação ao nível do mar é aproximadamente de 104 metros (Google Maps, 2015). 7.3. Caracterização

Construída pela família Modenesi dentro de sua propriedade particular, localizada na zona rural da cidade de Ibiraçu, a Igrejinha do Rochedo foi edificada como uma promessa de cura para o jovem Diógenes Antônio Vescovi Modenesi. De arquitetura caracteristicamente vernácula, a pequena igreja, ou capela, é dedicada a Santo Antônio, santo ao qual Diógenes era devoto. A paisagem é composta por campos de pastagens à frente dos morros que circundam a região como pano de fundo (fotografia 03), formando um grande vale por onde serpenteia a BR 101 em direção a cidade de Ibiraçu (Fotografia 04). Esses campos de pastagens são formados por relevos com declives acentuados, e entre esses campos, destaca-se um rochedo isolado – um matacão proeminente - em relação a esse relevo e à BR 101, logo abaixo (Fotografia 05). A BR 101 está a cerca de 45m de elevação, em relação ao nível do mar, enquanto a singela capela encontra-se aproximadamente à 104 m de altura em relação ao nível do mar. Por detrás da capela, há um grande paredão (Fotografia 06) e esse rochedo ao fundo possui altura aproximada de 398 metros acima do nível do mar (Google Maps, 2015). A história da Capela de Santo Antônio começa em 1995, quando o filho do Sr. Artelino Modenesi e da Sra. Santa Vescovi, o jovem de 34 anos chamado Diógenes Antônio Vescovi Modenesi foi diagnosticado com câncer linfático. Foi então que o jovem decidiu fazer uma promessa: caso fosse curado do câncer ergueria nas terras da família um oratório em homenagem a Santo Antônio, santo devoto. Após dois anos de quimioterapia, Diógenes começou a ter resultados positivos no tratamento e no final de 1997 a pequena igreja começou a ser erguida. O local escolhido pelo próprio Diógenes para implantação da obra, a princípio seria outro, mas analisando a logística e praticidade de levar e lidar com os materiais, a opção escolhida foi o rochedo às margens da BR 101. Desde o princípio o intuito de Diógenes era implantar o oratório em um lugar bem alto, onde pudesse ser contemplado por várias pessoas. A implantação de templos religiosos em colinas e lugares altos é tradicional na cidade de Ibiraçu. Tal ideal é empregado muitas vezes por forte influência cultural que vêm desde a antiguidade, onde “[...] Os cortejos religiosos, subindo sinuosamente aquelas elevações, tinha a experiência da terra e do céu” (MUNFORD, 1965, P.112.9). Além do uso talvez inconsciente de bases históricas, a escolha do local levou a uma combinação paisagem natural x espaço construído que forma uma paisagem capaz de chamar atenção de todos que trafegam pela BR 101, antes de entrar na cidade de Ibiraçu, atraindo olhares e a curiosidade. E quando se quer que algo seja visto, “nada como construí-las junto à estrada para melhor serem notadas” (DOMINGUES, 2009, p. 40).


Porém, antes mesmo que o oratório fosse terminado e que os médicos pudessem liberar Diógenes completamente do tratamento, em 7 de março de 1998 ele morreu por afogamento na praia de Barra do Sayh em Aracruz, cidade vizinha de Ibiraçu, onde morava. Apesar da fatalidade, a família concluiu o oratório, que foi inaugurado em 5 de junho de 1998, data em que Diógenes completaria 37 anos, e sua primeira missa foi celebrada em 7 de setembro de 2010 pelo Padre Francisco de Sales Teixeira da Diocese de Colatina60. A capela de Santo Antônio não pode ser avistada de dentro do perímetro urbano de Ibiraçu por causa da cadeia de montanhas que a cerca, apenas de alguns pontos da BR 101 já na zona rural. Porém, o observador que se encontra na capela consegue ver parte da cidade, incluindo a torre da Igreja Matriz (Fotografia 07). Existe, porém, uma conexão talvez não intencional entre os edifícios religiosos estudados nessa pesquisa: tanto a igrejinha como o antigo Seminário Comboniano (hoje pertencente à Diocese de Colatina - ver ficha específica sobre o Seminário), por estarem em planos elevados e, principalmente pela orientação de sua implantação sobre esses mesmos planos, é possível a partir desses dois prédios religiosos avistar, mesmo que ao longe, como é o caso da igrejinha, a Igreja Matriz da cidade de Ibiraçu (Fotografia 08 e 09). Esse fato fica mais evidente ao se traçar eixos a partir dos dois prédios em direção a Matriz (Fotografia 20) perpendiculares às suas fachadas e constatar a orientação das mesmas com o principal prédio católico da cidade. O sagrado tem tamanha influencia nesta pequena cidade do interior do Espírito Santo que anualmente acontece uma caminhada onde fiéis percorrem 108 km e visitam as 21 capelas, além do Santuário Diocesano de Nossa Senhora da Saúde e do Mosteiro Zen Morro da Vargem - maiores símbolos de fé e espiritualidade existentes no município fazendo uma corrente de oração. Esse percurso é chamado “Caminho da Sabedoria” (Prefeitura municipal de Ibiraçu, 2017). A subida à Capela de Santo Antônio não está, infelizmente, comtemplada nessa caminhada. Com todas essas características enquanto paisagem marcante na cidade, o objeto em estudo pode ser considerado um monumento local, pois de acordo com Choay (2001, p. 18) “chamar-se-á monumento tudo que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer outras gerações de pessoas rememorarem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças” ou ainda “aplicada às obras de arquitetura, essa palavra (monumento) designa um edifício construído para enfatizar a lembrança de coisas memoráveis, ou concebido, erguido ou disposto de modo que se torne um fator de embelezamento e de magnificência nas cidades” (QUATREMÈRE DE QUINCY apud CHOAY, 2001, p.19). Não estamos nos referindo a monumentalidade desta obra, uma vez que, o conceito de monumentalidade é diverso: seguindo Guedes em seu artigo Monumentalidade x cotidiano: a função pública da arquitetura (2016, P.2), “aponta, sobretudo, para obras artísticas de grandes dimensões”, já Brandão em seu artigo Monumentalidade e cotidiano: a função pública da arquitetura (2006, p.1) afirma que “O monumental, [...] não é o grandioso, o excepcional, o inédito, mas, ao contrário, a síntese que tornou-se comum, pública e legítima dentro de uma tradição.”, e constata ainda que, “O monumento ‘rememora’ e remete a uma suposta instância original dos atos construtivos, da cultura e da civilização [...], sugere a confiança de um povo em si próprio e o destino a ser perseguido. Fundar um passado, através da construção de um monumento no presente, é também caminhar em direção a um futuro ao fim do qual se encontram os valores forjados no passado. ” A capela em questão não é um objeto com características arquitetonicamente relevantes ou de grande escala, mas é monumento enquanto objetivo de sua construção: rememorar a fé, luta e morte do jovem Diógenes, e “por monumento no sentido mais antigo e original do termo, entende-se uma obra criada pela mão do homem e elaborada com o objetivo determinante de manter sempre presente na consciência das gerações futuras algumas ações humanas ou destinos” (RIEGL, 2014, p.31). No sentido empírico, o conceito de monumento muito diz respeito a sentimento e sensação, “[...] definem-se como monumento na medida em que nos fazem habitar um mundo espiritual, um ideal e um destino comum em torno do qual uma comunidade se reúne e celebra a si, à sua cultura e aos valores nela compartilhados” (Brandão, 2016, p. 3), neste caso a religiosidade, e para ser monumento, não precisa rememorar apenas acontecimentos históricos ímpares ou construções de templos ou marcos grandiosos, pois “o monumento do mundo moderno, tal como o vê Le Corbusier, parte do presente e do homem real e visa ao comum, ao cotidiano, e não à exceção, à raridade, ao excepcional, ao que é apartado do cotidiano”. (Brandão, 2016, p. 5 e 6). O Capela de Santo Antônio na cidade de Ibiraçu é um monumento pois apresenta várias das características defendidas pelos autores citados, não apenas empíricas, mas físicas pois “nenhum edifício em si pode ser um monumento, pois isso lhe é dado somente pela sua relação com as demais construções e com o restante da cidade real, histórica, imaginária e simbólica nas quais habitamos” (Brandão, 2016, p.6) e “são eles que suspendem a sucessão de preocupações fechadas no cotidiano e abrem-nos para a origem de onde viemos, para o destino aonde vamos e para aquilo que potencialmente poderíamos ser. Este poder-ser está encoberto pelo cotidiano e é o monumento que nos permite retomar possibilidades perdidas” (Brandão, 2016, p.7), assim como a capela o é as margens da BR 101, no sentido também retratato por Álvaro Rodrigues em seu livro A Rua da Estrada, onde fala sobre como a paisagem passa apressadamente e em sua maioria, despercebida pelos espelhos e vidros de quem trafega, e como esses aspectos distintos como paisagens ou construções singulares neste trajeto, acabam tornando-se pontos de referência no caminho e chamando atenção em meio ao monótono. Esse tipo de monumento não precisa rememorar a um passado longínquo ou fazer referência a um estilo arquitetônico memorável, basta “remeter a uma narrativa” e que “funcionem como dissonâncias no barulho de fundo que vai ao longo da berma [acostamento em uma estrada]”, “Monumento, despido da sua espessura simbólica ou significado coletivo, pode ser apenas o modo como aparecem formas não esperadas, marcas excepcionais na banalidade da Rua da Estrada” (DOMINGUES, 2009, p.161). “Ao dizermos que um determinado edifício é um monumento de arquitetura ou que uma determinada obra é um monumento da literatura ou que aquela mulher é um verdadeiro monumento de beleza, o que estamos concebendo é que eles servem como um ideal de arquitetura, de literatura e de beleza que funcionam como referências nossas, mesmo que não as saibamos defini-las ou que não tenhamos consciência delas antes de vê-las. São como figuras que se projetam sobre o fundo dos demais livros, edifícios e corpos femininos. Mas, figura e fundo não se deixam ver, senão em relação recíproca e em mútua dependência. Um ilumina o outro”, relação esta que a pequena capela mantém com o matacão, o pasto e os morros, e ainda com a monotonia de estrada. A estrada aqui, a BR 101 que corta o estado do Espírito Santo de norte a sul, é palco de uma variada gama de paisagens que se alternam entre urbanas e rurais, intermédios entre o construído e o natural já interferido pelo homem, com suas torres de alta tensão, seus pastos e gados, seus casarios ao longe, contrastando com o que ainda sobra de relevo intocado (ou somente tocado pela própria Natureza). De Vitória, capital do Espírito Santo à Ibiraçu, passam-se por duas outras cidades-municípios: Serra e Fundão. O caráter urbano, em distintas escalas em ambas, marca o percurso que se transforma em natural-

60

O nome do Padre que celebrou a primeira missa, foi esclarecido através de entrevistas, onde a Sra. Santa Vescovi, mãe de Diógenes soube informe o nome como o padre era popularmente conhecido “Padre Sales”, assim direcionamos essa informação à diocese de Colatina, e eles puderam nos informar que o único Padre cujo sobrenome era Sales e que havia exercido função em Ibiraçu foi o Padre Francisco de Sales Teixeira.

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modifcado no intermédio urbano. A igrejinha por fim, nesse meio natural-modificado, marca também a proximidade do urbano de Ibiraçu, como um aviso da interferência do homem e sua cidade sobre a paisagem natural. A igrejinha do Rochedo é, pois, um exemplo de construção da paisagem, um espaço natural-geológico modificado pelo homem de modo a gerar “consciência de paisagem” (SIMMEL, 2008, p.1). Se ali houvesse apenas a natureza, “que no seu ser e no seu sentido profundos ignora toda individualidade” (SIMMEL, 2008, p.2), não teríamos uma paisagem, apenas mais uma visão de um infinito espaço da Natureza, mas quando esta é modificada pelo olhar humano, nascem individualidades batizadas de paisagens. Ainda de acordo com Simmel, “é nesta perspectiva ampliada que se justifica nossa interpretação da paisagem a partir dos fundamentos últimos que modelam nossa imagem do mundo. Ali onde vemos realmente uma paisagem e não mais um aglomerado de objetos naturais, vemos uma obra de arte in statu nascendi” (SIMMEL, 2008, p. 5). O que ocorre na relação entre natural versus construído nesta paisagem é o que SIMMEL (2008, p.7) chamou de “stimmung da paisagem”. O stimmung é uma palavra em alemão que significa humor, ou a sensação que produz o ambiente, “stimmung da paisagem penetra todos os seus detalhes, sem que se possa atribuir a um só dentre eles a responsabilidade por isso” (SIMMEL, 2008, p.7). O stimmung é algo latente, uma pré-disposição, um clima ou atmosfera (GUMBRECHT, 2014, p. 42) e em uma paisagem, seu stimmung se apresenta no primeiro olhar, no primeiro contato com o quadro que o olho compõe. Possivelmente, somente ali, somente naquele lugar e sua localização no meio daquele relevo, essa paisagem poderia ser revelada. Na paisagem da Igrejinha do Rochedo, não só a capela e nem apenas os morros formariam por si só a paisagem que chama atenção e desperta a curiosidade das pessoas como a conhecemos hoje. Ali o conjunto arquitetônico-geológico-paisagístico61 cria uma singular narrativa dessa paisagem, ora desafiadora pela posição da igrejinha sobre o rochedo, ora intrigante, alvo de perguntas e porquês de sua existência exatamente nesse lugar em específico. Quanto aos aspectos técnicos, a Capela de Santo Antônio possui aprox. 5,67 m², sendo 2,49 m de frente por 3,35m de profundidade (medidas externas), 2,37 metros de altura até o início do telhado e 3,39 m até o topo do telhado. Sua fachada principal está voltada para o leste e de frente para a rodovia, dando as costas para um grande rochedo (Fotografia 10). A construção é de alvenaria e suas paredes alvas possuem cerca de 25 cm de espessura. O telhado possui telhas de barro do tipo francesas com altura de 0,72 metros e beiral de 0,22 metros, e acima do telhado uma pequena cruz no ponto central da fachada leste. Conta apenas com três esquadrias de madeira pintadas em azul, duas pequenas janelas de 28x50x192 cm nas laterais (Fotografia 11) e uma porta de 82x201 cm na frente (Fotografia 12). Acima da porta um detalhe que só pode ser percebido ao se aproximar da capela: um quadrilóbulo (Fotografia 13), e todas as paredes são revestidas de tinta branca. O observador que se encontra fora da capela, tanto da rodovia como sobre o rochedo visualiza também um cruzeiro fronteiriço à igrejinha, de alveiraria e pintado de branco, com cerca de 3,7 metros de altura da base ao topo, além de sua base com mais de 0,96 metros de altura (Fotografia 14). O pequeno prédio se encontra assentado sobre uma laje- plataforma que lhe mantém nivelado sobre o solo irregular. O mesmo vale para o cruzeiro e sua base de apoio. No seu interior onde as paredes são brancas e o teto pintado de azul, existe um altar com imagens de Santo Antônio e do falecido Diógenes (Fotografia 15). Em madeira, bancos, mesas e um banco com genuflexório para oração. Há também quatro nichos, divididos em dois pares nas predes laterais, de 45cm de altura por 24 cm de largura e elevados 1,7 metros do piso, pintados de azul, onde encontram-se imagens de santos católicos: Nossa Senhora Aparecida (Fotografia 16), Santa Rita (Fotografia 17), Santo Antônio (Fotografia 18) e São Camilo (Fotografia 19). As maiores dificuldades encontradas na construção da capela, segundo relata a família Modenesi, foram devidas o acesso ao local, que a princípio não possuía nenhuma estrada em meio ao pasto; para isto, foi aberta uma estrada para facilitar que os materiais chegassem até o rochedo. Outra dificuldade foi a água, que não existe naquele ponto. A solução foi usar toneis de 200 litros para transportar água até o local, enchidos antes de se subir para a obra. Devido à altura do rochedo, para segurança dos trabalhadores e também futuros visitantes, foi feita uma cerca de arame ao redor da capela. A família relata ainda que o próprio Sr. Artelino Modenesi, pai do falecido Diógenes, construiu da capela junto com alguns ajudantes. A arquitetura da Capela de Santo Antônio é caracteristicamente vernácula, e segundo Rubenilson Brazão Teixeira em seu artigo Arquitetura Vernacular – em busca da definição (2017, p. 5), “Em se tratando da arquitetura vernacular, [...] sempre prevaleceram as necessidades funcionais da habitação [...]. Ainda que na busca da solução haja alguma intenção plástica, esta ocupa um lugar em geral menos relevante do que a função básica do abrigo e as demais funções que dela decorrem. ”, sendo assim, arquitetura vernacular é quase uma ausência de estilo, mais ligada a função, mesmo quando possui intenções estéticas ligadas a alguma corrente, como no caso em estudo: católica. Ainda de acordo com Teixeira (2017, p 6), essa arquitetura não menciona a figura e um arquiteto ou profissional da construção, seguindo modelos impostos pela tradição, ou seja, aquilo que já é conhecido e herdado por gerações em modo de construir, portanto não apresenta estilos inovadores ou novas técnicas, sendo construído por povos que dispõe de pouca tecnologia, e em sua maioria construídos de acordo com aspectos predominantes no local de construção como transporte, comunicação, materiais disponíveis, e por isso é essencialmente o resultado do que oferece o meio físico geográfico local. Teixeira termina seu artigo definindo arquitetura vernacular como “uma arquitetura tradicional, resultante do desenvolvimento histórico de um determinado povo. Ela prescinde tanto do arquiteto como do projeto, na sua concepção contemporânea. Não cabe nas classificações estilísticas da arquitetura convencional. Origina-se ou é mais frequente em área rural. Respeita e se adapta bem às diversas limitações tecnológicas e físico-ambientais. A tecnologia é autóctone, primitiva, rudimentar, quando comparada à tecnologia formal. Ela permite variações ao nível da língua, mas não da palavra. A arquitetura vernacular é fundamentalmente a expressão de um povo, e, portanto, um ato cultural” (Teixeira,2017, p.12). 7.4. Referências bibliográficas

CUZZUOL, Murilo. Memórias que vem do alto da Igrejinha da Pedra, em Ibiraçu. 2015. Disponível em: <http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2015/06/noticias/cidades/3900424-memorias-que-vemdo-alto-da-igrejinha-da-pedra-em-ibiracu.html>. Acessado em: 19 dez. 2016.

61

Termo cunhado pelo Geógrafo Marcio Costa Schwenck para a análise geomorfológica do rochedo parte dessa pesquisa.

117


AGUIAR FILHO, Walter. Capela em Ibiraçu – Histórias do espírito Santo. 2011. Disponível em: <http://www.morrodomoreno.com.br/materias/capela-em-ibiracu.html>. Acessado em: 19 dez. 2016. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora Unesp, 2001. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Depois de 1945: latência como origem do presente. São Paulo: Editora Unesp, 2014. SIMMEL, Georg. La tragédie de la culture et autres essais. Paris: Editions Rivages, 1988 (Tradução do francês para o português: Vladimir Bartalini, para uso exclusivo na disciplina AUP 5882 Paisagem e Arte – Intervenções Contemporâneas – 2008). MUMFORD, Lewis. A cidade na história. Belo Horizonte. Editora Itatiaia, 1965. Secretaria Municipal De Turismo De Ibiraçu. Disponível em: <http://www.caminhosdasabedoria.org.br/v3/?page=conteudo&pagina=3>. Acessado em: 28 jan. 2017. DOMINGUES, Álvaro. A Rua da Estrada. Porto: Dafne Editora, 2009. TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Arquitetura vernacular - Em busca de uma definição. Disponível em: <http://wvyw.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.201/6431>. Acessado em: 31 mar. 2017. GUEDES, Joaquim. Monumentalidade x cotidiano: a função pública da arquitetura. 2006. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.071/359. Acesso em: 06 mai. 2017. RIEGL, Alois. O culto modernos dos monumentos: a sua essência e a sua origem. 1903 (Tradução: Werner Rochschild Davidsohn e Anac Falbel, São Paulo: Editora Perspectiva, 2014). BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Monumentalidade e cotidiano: a função pública da arquitetura. 2006. Disponível em: https://mdc.arq.br/2006/03/31/monumentalidade-e-cotidiano-a-funcao-publica-daarquitetura/. Acesso em: 08 mai. 2017.

8.

Implantação (Fragmento de mapa com norte magnético):

Figura 78: Localização da Capela de Santo Antônio no município de Ibiraçu. Fonte: Google Maps, imagem de 2015. Modificado para o presente trabalho.

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9.

Relatório de imagens (fotos, croquis, imagens de arquivo, cartões postais, etc.):

Figura 2: Igrejinha vista do acesso à propriedade dos Modenesi Fonte: Arquivo pessoal

Figura 3: Igrejinha vista da BR 101 Fonte: Arquivo pessoal

Figura 4: Igrejinha vista da propriedade dos Modenesi Fonte: Arquivo pessoal

Figura 5: Igrejinha vista da propriedade dos Modenesi Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 6: Igrejinha vista do rochedo Fonte: Arquivo pessoal

120


1.

Professor (es) responsável (eis): Fabiano Vieira Dias

2.

Identificação do elemento/conjunto construído ou natural: SEMINARIO COMBONIANO DE IBIRAÇU – ARQUITETURA

3.

Endereço:

4.

Data do registro:

Rua Daniel Comboni, 442 - BI - C – Ibiraçu/ES

18

01

2017

5. Coordenadas geográficas: Lat.: 19°49’59.80”S

Long.: 40°21’46.51”O

6. Autor(es) do registro: Tatiany Barth Simão 7.

Descrição da paisagem 7.1. Introdução e Justificativa

Construída pelos missionários combonianos nos anos 60, sendo, durante muitos anos Seminário Comboniano da cidade de Ibiraçu, hoje IESIS – Instituto Espírito Santo de Inovação Social, propriedade da Diocese de Colatina, é uma construção marcante na paisagem da cidade de Ibiraçu no Espírito Santo, localizada num ponto alto, a 42 m do nível do mar em relação a 26 m do nível da cidade (Google maps) e pode ser visto de vários locais da cidade. Possui área construída de 4 mil metros quadrados, com amplo refeitório, 4 auditórios e 68 apartamentos. Fica 60 quilômetros distante da capital do Estado Vitória e próxima à BR 101 (FONTE: Diocese de Colatina). A missão dos Combonianos chegou ao Brasil em 1952 (Munari e Costa, 2015), e à cidade de Ibiraçu em 1956 (FONTE: Missionários Combonianos do Coração de Jesus), com o objetivo de formar missionários e dar continuidade aos ensinamentos de Daniel Comboni em países e comunidades carentes. Ibiraçu era então uma pequena cidade fundada em meados do século XIX, em 1877 (Fonte: Prefeitura Municipal de Ibiraçu), e com um projeto já existente no município da Serra, Ibiraçu foi escolhida para receber essa importante instituição, uma entre apenas três existentes no estado e 4 em todo o Brasil: Ibiraçu, São Gabriel da Palha e Jorônimo Monteiro no estado do Espírito Santo e São José do Rio Preto em São Paulo (Munari, p. 126, 2007). 7.2. Identificação

O antigo Seminário Comboniano está localizado na Rua Daniel Comboni, 442 - BI - C – Ibiraçu/ES. Cep 29670-000, na sede do município, e possui 4 mil m² de área construída e mais de 15 mil m² de área verde (FONTE: IESIS). 7.3. Caracterização

A história dos missionários combonianos começa com seu fundador, Daniel Comboni (1831-1881), um missionário católico italiano que dedicou sua vida a revolucionar as técnicas de evangelização na África (Munari e Costa, 2015). Com as dificuldades encontradas nas hostis terras africanas, como pestes, doenças, clima, terrenos e matas desconhecidas, povos em conflito, São Daniel Comboni percebeu que, “criar na África, em lugares estratégicos e acessíveis, também aos missionários europeus, estruturas onde fosse possível preparar pessoas que, bem formadas e animadas, voltassem para as suas regiões e se tornassem eles mesmos sujeitos da missão e da evangelização do continente” (Munari e Costa, 2015). Sugiram assim os seminários combonianos, institutos femininos e masculinos, colégios e universidades em território africano, que depois se expandiram para a América. No Brasil, tudo começou com a chegada do missionário comboniano, Pe Rino Carlesi, em março de 1951 ao Rio de Janeiro, vindo de Viseu (Portugal), procurando recursos financeiros junto à colônia portuguesa para a construção de um seminário em Portugal e pedindo um ponto de apoio para os Combonianos na costa, no Espírito Santo. O bispo dom Luis Scorteganha ofereceu a cidade de Serra, ES. Em dois ou três meses tudo se concretizou e a paróquia de Serra e Fundão ficaram como ponto de apoio aos combonianos no Espírito Santo (FONTE: Missionários Combonianos do Coração de Jesus). Em 1952 chegam à Serra os primeiros missionários e no começo de dezembro de 1953 chegam outros combonianos destinados ao Espírito Santo. Mas somente em 1956 (FONTE: Missionários Combonianos do Coração de Jesus) foi fundado o primeiro seminário comboniano do Brasil, na cidade de Ibiraçu (Figura 9), que foi oficialmente inaugurado em outubro de 1964 (Munari, p. 265, 2007). De acordo com Enzo Santângelo (1997, p. 38) “Ibiraçu e João Neiva, a seu tempo, encheram os olhos do então Superior dos Combonianos, o Padre Rino Carlesi, [...] que nessas duas paroquias vislumbrava farto celeiro de vocações. [...] O povo se entusiasmou e colaborou. Os irmãos, com competência e amor, ergueram o majestoso primeiro seminário comboniano.” Sendo assim, Ibiraçu recebeu o primeiro seminário comboniano do Brasil, o que teve grande influência e impacto na formação daquela cidade. Giovanni Munari (p. 265, 2007) relata que outro aspecto importante para a escolha de Ibiraçu para abrigar o seminário foi a devoção daquele povo, uma maioria de imigração italiana cristã, que se dispuseram a ajudar doando terrenos, material de construção ou ajuda econômica. Desta forma, percebemos a importante influência das famílias que possuíam bens na construção desse seminário, e resquícios desse relacionamento de devoção. Um exemplo disso são as homenagens feitas a São Daniel Comboni na cidade, que possui ruas com seu nome “Rua Daniel Comboni” e um jardim de infância também com seu nome (Figura 10).

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A instalação dos cambonianos na cidade de Ibiraçu teve consequências diretas sobre o crescimento da cidade, pincipalmente no aspecto educação e no envolvimento político, como é relatado por Munari (p. 266, 2007) “Para garantir aos jovens seminaristas um estudo de qualidade, foi construído o Ginásio N. Sa. Da Saúde que puxou também uma série de outras estruturas sociais, como o Jardim de Infância, a escola normal e o sindicato rural. Padre Carlos Furbetta muito se envolveu para que a cidade tivesse um ensino bom e, por causa desse empenho, em 1969 foi nomeado pelo governador do estado membro do Conselho Estadual de Educação. Alguém pensou que estivesse preparando sua plataforma política para futura candidatura a prefeito da cidade [...]. O Padre teve que fazer nota pública esclarecendo que não eram essas suas intenções [...]” O seminário Comboniano de Ibiraçu não foi o único seminário construído no estado do Espírito Santo, a cidade de São Gabriel da Palha também recebeu uma instituição comboniana (Figura 11) que começou suas atividades no ano de 1965 como escola primária, e em 1968 foi inaugurado oficialmente como seminário. Porém suas atividades foram encerradas em 1975 por motivo de crise e falta de alunos (Munari, p. 237 e 238, 2007), e o prédio permanece sem uso e abandonado até os dias atuais (Gazeta do Norte) (Figura 12). Entre as edificações de Ibiraçu e São Gabriel da Palha parece não haver nenhum padrão estético seguido pelos combonianos, pois com exceção da presença de um pátio central e as salas locadas ao redor desse pátio, nenhuma outra semelhança é evidente. Portanto conclui-se que os combonianos não seguiam um estilo arquitetônico característico em suas construções, como podemos ver nas construções de ordem das Irmãs de Santa Catarina presentes no Brasil, por exemplo (Figuras 13, 14 e 15). Ainda se tratando do aspecto técnico da construção, quanto ao seu interior, o prédio possui área construída de 4 mil metros quadrados, dois pavimentos, com amplo refeitório, 4 auditórios e 68 apartamentos e capela, além das áreas de sanitários e serviço. Possui ainda dois pátios/jardins internos (Figuras 16 e 17). No seu exterior o prédio é simétrico, com uma volumetria central (Figura 18), onde encontram-se uma porta com uma grande cruz latina de concreto bem cima dela (Figura 19), transpondo os limites da edificação e, de cada lado desta, vitrais coloridos (Figura 20). As janelas possuem brisesoleil verticais no estilo venezianas na cor marrom (Figura 21). Ibiraçu possui várias instituições religiosas, e algo em comum entre elas é a sua locação no alto de morros, de onde podem ser vistos de vários lugares da cidade. O seminário camboniano está a 42 metros de altura em relação ao nível do mar (Google Earth), enquanto o bairro mais próximo encontra-se a 26 metros de altura em relação ao nível do mar (Google Earth) (Figura 22). Assim, por estarem acima do nível da maioria das residências da cidade, é possível visualizar algumas edificações religiosas estando o observador em outras delas, como por exemplo, é possível avistar a matriz da cidade estando no seminário comboniano (Figura 23), e a partir da matriz, visualizar o seminário (Figura 8). O seminário torna-se elemento único na paisagem da cidade por sua localização no alto, destacando-o, e por ser uma edificação imponente, maior em dimensões que qualquer edificação ao redor, pois a cidade possui edificações de no máximo 4 pavimentos, prédios de apartamentos ou escritórios contemporâneos, que são minoria na cidade que é predominantemente de edificações de até dois pavimentos de uso misto ou residencial. A seminário comboniano pode ser visto de vários locais da cidade de Ibiraçu, em bairros mais altos ou ainda em alguns lugares do Centro, e também pode ser avistado a partir da estrada que liga Ibiraçu a Aracruz na saída do perímetro urbano e em um ponto da BR 101 que atravessa a cidade (Figura 2). De acordo com Munari (p. 267, 2007) o seminário fechou em 1981, por decorrência da crise econômica e o decrescente número de alunos desde a década de 70, e em 1983 a paróquia foi devolvida ao clero diocesano. A propriedade de 43 hectares foi loteada e vendida, assim como o prédio, que foi comprado em 1988 pela arquidiocese de Vitória, a quem pertence até os dias atuais e segue funcionando como O Instituto Espírito Santo de Inovação Social (IESES) desde 2009 sub os cuidados da diocese de Colatina (Figura 24). Hoje, o Instituto atua comportando cursos de formação e capacitação, recebendo retiros e grupos de forma pré-agendada (Diocese de Colatina).

7.4. Referências bibliográficas

IESIS – Instituto Espírito Santo de Inovação Social. Disponível em: http://www.iesis.com.br/. Acesso em: 28/01/2017. http://empresasdobrasil.com/empresa/seminario-comboniano-27727460000172. Acesso em: 28/01/2017. Diocese de Colatina. Disponível em: http://diocesedecolatina.org.br/paginasdiocesanas/lesis/. Acesso em: 28/01/2017. Missionários Combonianos do Coração de Jesus. Disponível em: http://www.combonianos.org.br/quem-somos/historia-dos-combonianos-no-brasil. Acesso em: 28/01/2017. SANTÂNGELO, Enzo. Mas a esperança é mais forte. 1997. Prefeitura Municipal de Ibiraçu. Disponível em: http://www.ibiracu.es.gov.br/ . Acesso em: 01/02/2017.

MUNARI, João; COSTA, Alcides. Daniel Camboni. Mil vidas para a missão. 2015. MUNARI, Giovani. Caminhos combonianos no Brasil. 2007. Gazeta do Norte. Antigo Seminário é mais um bem público totalmente abandonado em São Gabriel da Palha. 2015. Disponível em: http://gazetadonorte.com/?p=117904. Acesso em: 24/07/2017.

122


8.

Implantação (Fragmento de mapa com norte magnético):

Figura 79: Localização do antigo Seminário Comboniano na cidade de Ibiraçu. Fonte: Google Maps, imagem de 2017.

123


9.

Relatório iconográfico (fotos, croquis, imagens de arquivo, cartões postais, etc.):

Figura 4 – VISTA 02 Fonte: Google Earth Figura 3 – VISTA 01 Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 5 – VISTA 04 Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 7 – Seminário Comboniano de Ibiraçu Fonte: http://www.combonianos.org.br/noticias-e-artigos/noticias/185-encontro-ibiracu-es-exseminaristas-combonianos. Acesso em: Julho, 2017.

Figura 6 – VISTA 06 Fonte: Arquivo pessoal 2017

Figura 8 – Jardim de Infância Daniel Comboni. Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 9 – Seminário de São Gabriel da Palha em completo abandono. Ano: 2015 Fonte: http://gazetadonorte.com/?p=117904. Acesso em: Julho, 2017.

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Figura 10 – Seminário de São Gabriel da Palha. Ano: 2012 Fonte: http://www.panoramio.com/photo/74445806. Acesso em: Julho, 2017.

Figura 11 – Colégio Santa Catarina da Congregação Irmãs de Santa Catarina na cidade de Santa Teresa – ES. Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 14 – Pátio Interno no Seminário Comboniano. Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 12 – Colégio Santa Cataria da Congregação Irmãs de Santa Catarina em São Paulo. Fonte: http://www.santacatarinasp.com.br/conteudo/institucional/historia. Acesso em Julho, 2017.

Figura 13 – Hospital Santa Teresa da Congregação Irmãs de Santa Catarina em Petrópolis. Ano: 2016. Fonte:http://www.aconteceempetropolis.com.br/2016/06/17/petropolis-recebesimposio-de-radiologia-mamaria/. Acesso em Julho 2017.

Figura 15 – Segundo Pátio Interno no Seminário Comboniano. Fonte: Arquivo pessoal 2016

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Figura 16 –Seminário Comboniano de Ibiraçu. Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 17 –Volumetria Central no acesso principal ao Seminário e presença da Cruz Latina. Fonte: Arquivo pessoal 2016 Figura 18 – Detalhe dos vitrais existentes na volumetria central. Fonte: Arquivo pessoal 2017

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Figura 10 – Detalhes das janelas com brise-soleil vertical. Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 20 – Cidade de Ibiraçu vista do Seminário Comboniano. Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 21 – Igreja Matriz de Ibiraçu vista do Seminário Comboniano. Fonte: Arquivo pessoal 2016

Figura 22 – Atualmente o antigo Seminário Comboniano funciona como IESES. Fonte: Arquivo pessoal 2016

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1.

Professor (es) responsável (eis): Fabiano Vieira Dias

2.

Identificação do elemento/conjunto construído ou natural: CAPELA DE SANTO ANTÔNIO – ARQUITETURA E PAISAGEM

3. Endereço: Às margens da BR 101, Rodovia Governador Marcio Covas - Ibiraçu/ES

4. Data do registro: 19 12

5. Coordenadas geográficas: Lat.: 19°50'28.13"S

Long.: 40°23'16.65"O

2016

6. Autor(es) do registro: Carolina Bianchi – Aluna Voluntária 7.

Descrição da paisagem – Geomorfologia 7.1. Introdução e Justificativa

Ao trafegar pelas margens da BR 101 norte, num trecho localizado na saída de Ibiraçu com direção ao município de Fundão, em meio a paisagem montanhosa que rodeia a estrada nota-se a presença de uma Capela que contrasta com todo seu entorno caracterizado pelo relevo do local e a natureza que o circunda. Apoiada sobre um grande rochedo (Fotografia 01), a singela capela se harmoniza com todo seu redor dando singularidade e significado àquela paisagem que pode ser interpretada na particularidade de cada indivíduo, como cita SIMMEL (1913, p.121) “ A Stimmung ou “atmosfera”, “estado da alma”, fundamentada na paisagem, exige demarcação e não deve ser confundida com natureza, pois esta é o todo, não tem fragmentos e vai além da compreensão sistemática de classificação dos seus elementos”. 7.2. Identificação

A edificação de caráter religioso (Fotografia 02) insere-se na paisagem de forma a transmitir duplo sentido, tanto quanto na sua posição geográfica em meio ao relevo acentuado, quanto na sua fé cristã e sua função perante ao significado de sua construção (devoção, cura, promessa). A implantação das capelas em lugares elevados e topos de colinas é culturalmente tradicional na religião Católica, Ibiraçu tem forte influência dessa característica tendo a Igreja Matriz localizada em um ponto alto da cidade e um importante templo, o antigo Seminário Comboniano que hoje pertence à Diocese de Colatina. Característica fortemente católica, construir capelas em homenagem a entes queridos são uma forma de fé e devoção para manter viva a presença de alguém e confortar a dor de cada história. Construída pela família Modenesi em sua propriedade particular, a modesta capela (Fotografia 02) teve o início de sua construção no final de 1997 como realização de uma promessa feita em 1995, quando o filho do Sr. Artelino Modenesi e da Sra. Santa Vescovi, Diógenes Antônio Vescovi Modenesi foi diagnosticado com câncer, desde então o jovem se propôs a construir um oratório em devoção á Santo Antônio no local mais alto da propriedade, onde todos pudessem avistar, mas devido á problemas de locomoção seria inviável carregar os materiais para a execução da obra, portanto, por melhores condições de acesso e ainda atendendo a vontade de Diogénes, para que todos pudessem ver a capela, o local foi novamente escolhido e lá foi construída. Infelizmente antes que fossem concluídas as obras, Diógenes, já no final de seu tratamento contra a doença, veio a falecer por afogamento em uma praia localizada próximo à Cidade de Ibiraçú, Barra do Sahy, em março de 1998. Apesar da fatalidade, a família cumpriu a vontade de Diógenes e concluiu as obras da capela, sendo inaugurada em junho do mesmo ano. A primeira missa realizada no local foi celebrada em setembro de 2010. 7.3. Caracterização

O caminho até a singela capela requer esforços físicos, pois a caminhada é árdua. Como tradição no catolicismo, subir grandes escadarias de joelhos, fazer sacrifícios como penitências, é um ato de fé e devoção, como se o lugar almejado durante a caminhada representasse o céu, como explica Munford: “os cortejos religiosos, subindo sinuosamente aquelas elevações tinham a experiência da terra e do céu” (MUMFORD, 1998, p. 152). Ao findar do caminho, a chegada da capela é rodeada com vegetações plantadas pela própria família Modenesi (Fotografia 03), que cativam o local proporcionando aromas, cenas e sentimentos que proporcionam experiências individuais em casa ser humano, como cita SIMMEL (1913, p.121) “[...] O sentimento desencadeado pela paisagem no espectador [...], em sua forma mais legítima, está vinculado tão somente à paisagem particularmente vivenciada. ” A capela possui sua fachada principal voltada para a BR 101 (Fotografia 04). Segundo entrevista com Fátima Modenesi, filha do Sr. Artelino Modenesi e da Sra. Santa Vescovi, e irmã de Diógenes, a frente da capela foi propositalmente projetada para a frente da BR, com a finalidade de que todos a avistassem e que a mesma ficasse marcada na paisagem, criando memórias de todos que passam pela estrada. O cruzeiro, que foi implantado depois que a capela já estava construída foi posto ao lado e a frente da capela (Fotografia 05), segundo Fátima, foi seu pai, Sr. Artelino Modenesi que a construiu. Em seu interior, logo, nota-se o zelo que os familiares têm pela Capela dedicada a Santo Antônio. Segundo Fátima, ela representa tudo que seu irmão, Diógenes, era, é simples, acolhedora e rodeada de animais.

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A porta restaurada pintada de azul anil, com dimensões de 80x210cm, contrasta com o branco que cobre as paredes externas da Capela (Fotografia 06). Na entrada se encontra uma mesa de madeira com artigos religiosos e um caderno de mensagens e orações para que os visitantes possam deixar recados e pedidos de oração (Fotografia 07). Suas duas aberturas medem 24x45cm e com peitoril de 170cm permitem que ar circule dentro da capela de forma suave. Em seu pequeno altar composto por cinco esculturas sendo uma central, estão presentes artigos religiosos da família, como terços, imagens de santos e santas, arranjos de flores, fotos e outros objetos com muito significado emocional (Fotografia 08). Um quadro centralizado na parede do pequeno altar com a imagem de Santo Antônio reforça a devoção a ele. Encontramos também reportagens de jornais enquadradas no altar que contam a história da capela e a influência que a mesma tem na paisagem do local. Há um banco característico da igreja católica na frente do altar. Nas paredes laterais ao lado de suas aberturas há dois nichos em cada parede com as mesmas dimensões das aberturas contendo imagens de santos e santas que pertencem à família (Fotografia 09). A modesta e simples capela é feita de alvenaria convencional. Suas paredes têm espessuras de 25cm, o que ajuda a climatizar o local pelo efeito das paredes mais espessas, internamente a laje possui formato de arcos ogivais, que possuem 12cm de espessura (Fotografia 10). Coberta por telha colonial, possui em sua fachada uma cruz elevada, característica de igrejas católicas. Acima da porta, contém um quadrilóbulo em alto relevo, feito pelas mãos do Sr.Artelino Modenesi (Fotografia 11). As paredes internas são revestidas de tinta branca e seu teto de azul. De dentro para fora, as paisagens que se enquadram em suas aberturas chamam a atenção pela beleza da natureza em seu entorno (Fotografia 12). A arquitetura da Capela se encaixa ás condições climáticas e topográficas características do local, os materiais, apesar de convencionais, foram utilizados e transportados perante as condições que o terreno limitava, como deslocamento, acesso e transporte. Apesar de se destacar ao meio em que está inserida, o conjunto arquitetônico se insere no conceito característico de arquitetura vernacular como explica Rubenilson Brazão Teixeira “Uma das características mais interessantes e louváveis da chamada arquitetura vernacular é o respeito às condições locais. [...]. A arquitetura vernacular se destaca pela grande sensibilidade às condições locais do meio geográfico onde se situa, tais como o clima, a vegetação, o solo e suas características topográficas” (TEIXEIRA,2017). No município de Ibiraçu, com a intenção de unir budismo e cristianismo todo ano realiza-se na cidade a peregrinação chamada “Caminhos da Sabedoria”, onde criou-se um laço entre as duas religiões, pois abriga o Santuário Diocesano Nossa Senhora da Saúde, e o Mosteiro Zen do Morro da Vargem. É um circuito de peregrinação espiritual - preservando-se o caminho pelas igrejas e capelas, unindo a história da imigração italiana - que deu origem às diversas igrejas e capelas da região - e também de caminhada ecológica, seguindo as diretrizes das duas religiões frente à preservação ambiental, por ser uma região de beleza indescritível e com trechos de mata atlântica preservados. É um caminho para ser feito expandindo-se todos os sentidos, abrindo-se para uma realidade de muita fé, infinitas belezas naturais e muita hospitalidade por parte dos moradores da região. Um convite à busca da real sabedoria. (FOLHA LITORAL). Porém, apesar de sua importância, história e característica religiosa, a capela não está inserida no percurso da peregrinação, em entrevista com Fátima Modenesi, relata que, a família não havia pensado na possibilidade, mas que por estar em terreno particular e difícil acesso, pode vir a impossibilitar a subida de muitas pessoas. 7.4. Referências bibliográficas

GAZETA ONLINE. Memórias que vem do alto da Igrejinha da Pedra, em Ibiraçu. Disponível em: <http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2015/06/noticias/cidades/3900424-memorias-quevem-do-alto-da-igrejinha-da-pedra-em-ibiracu.html>. Acessado em: 15 abril,2017. Secretaria Municipal De Turismo De Ibiraçu. Caminhos da Sabedoria. Disponível em: <http://www.caminhosdasabedoria.org.br/v3/?page=conteudo&pagina=3>. Acessado em: 06 maio, 2017. TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Arquitetura vernacular - Em busca de uma definição. Disponível em: <http://wvyw.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.201/6431>. Acessado em: 06 maio,2017 LEISTER, Alexandra Maria Aguiar – A questão da paisagem no Brasil através de Roberto Burle Marx. Disponível em : < file:///C:/Users/ASUS/Downloads/97664-236864-1-PB.pdf>. Acessado em : 02 junho,2017. Mosteiro Zen Morro da Vargem. Caminhos da Sabedoria. Disponível em : < http://www.mosteirozen.com.br/index.php/2014-07-09-19-11-47/caminhos-da-sabedoria>. Acessado em : 02 junho,2017. FOLHA DO LITORAL. Caminhos da Sabedoria: Roteiro turístico religioso em Ibiraçu. Disponível em < http://www.folhalitoral.com.br/site/?p=noticias_ver&id=1703>. Acessado em : 07 junho,2017. DA SILVA, Claudio Oliveira. A rua na dimensão da história. Disponível em : < http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq-3/htm/Artigos/SC/POSTER/SC-CDR-009_DASILVA.pdf>. Acessado em : 07 junho,2017. SIMMEL, Georg (1913 p.121). La tragédie de la culture et autres essais. Paris: Editions Rivages, 1988 (Tradução do francês para o português: Vladimir Bartalini, para uso exclusivo na disciplina AUP 5882 Paisagem e Arte – Intervenções Contemporâneas – 2008).

129


8.

Relatório de imagens (fotos, croquis, imagens de arquivo, cartões postais, etc.):

Figura 12 – Vista aérea da Igrejinha. Fonte: Joel Miranda/A GAZETA, 2017

Figura 15 – Vista da Igrejinha e seu cruzeiro

Figura 13 – Fachada principal da Igrejinha.

Figura 16 –Fachada principal da Igrejinha

Figura 14 – Acesso à Igrejinha.

Figura 17 – Mesa para assinaturas de visitantes.

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Figura 18 – Vista interna. Altar.

Figura 21 – Detalhes de fachada: Cruz sobre o telhado e quadrilóbolo acima da porta trabalhada em almofadas

Figura 19 – Nichos e janela laterais.

Figura 20 – Teto abobadado

Figura 22 – Vista da paisagem a partir da porta.

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APÊNDICE 2: LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO DA IGREJINHA DO ROCHEDO Lista de pranchas apresentadas a seguir: 1. Prancha 01/04 – Implantação e Situação 2. Prancha 02/04 – Planta-baixa, Corte AA’ e Corte BB’ 3. Prancha 03/04 – Planta de Cobertura e Fachada Lateral Direita 4. Prancha 04/04 – Fachada Frontal, Fachada Posterior, Fachada Lateral Esquerda

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Anexos

133


Anexo 1: Autorização da Diocese de Colatina para o uso de imagens do IESIS (Instituto Espírito Santo de Inovação Social), antigo prédio do Seminário Comboniano de Ibiraçu-ES.

134






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