INFORMATIVO BIMESTRAL FÁBRICA DE IMAGENS EDIÇÃO Nº 19 OUTUBRO 2014
EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS página 4
ARTIGO ELEIÇÕES 2014 Marcos Rocha sobre os critérios de votos
FÁBRICA ENTREVISTA MAURÍCIO SANTORO BRICS e Direitos Humanos
ARTIGO PARTICIPAÇÃO SOCIAL Entenda o decreto presidencial
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EDITORIAL
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segundo semestre do ano tem sido de intensas movimentações no cenário nacional. Depois da Copa do Mundo, as eleições passaram a ser o principal assunto na mídia, nas redes sociais e nas conversas acaloradas entre parentes e amigos. Sobre isso, Marcos Rocha fala no artigo “Considerações aleatórias sobre o voto”, desafiando o leitor a pensar o que nos motiva na escolha dos candidatos. Como a luta não para, independente do calendário de grandes eventos do país, a matéria principal do nosso informativo 19, apresenta iniciativas que dão visibilidade ao trabalho de defensores dos direitos
humanos, reinvindicam proteção aos ativistas de ameaças em decorrência do trabalho desenvolvido por eles ou com o objetivo de buscar a efetivação de políticas públicas dentro de determinadas temáticas. As campanhas “Somos Todxs Defensorxs” e “Linha de Frente” foram criadas pelas ONGs Justiça Global e Terra de Direitos e são apoiadas por inúmeras entidades nacionais que trabalham com direitos humanos. Para entrar no clima do III Seminário Outros Olhares, temos ainda uma matéria sobre a Política Nacional de Participação Social, instituída a partir do Decreto nº 8243 - aprovado no
último dia 23 de maio, que reconhece mecanismos e espaços de participação mais direta da sociedade na gestão pública. Confira ainda uma entrevista com o cientista político Maurício Santoro, assessor da Anistia Internacional, sobre desenvolvimento econômico e direitos humanos, a propósito da realização da 6ª cúpula dos BRICS, aqui em Fortaleza. Você se informa também sobre as últimas novidades da Fábrica de Imagens, como os detalhes da preparação para o Outros Olhares 2014 e para o Curta o Gênero 2015. Boa leitura!
CONSIDERAÇÕES ALEATÓRIAS SOBRE O VOTO Por Marcos Rocha | Diretor da Fábrica de Imagens | Membro da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura/GT Gênero
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fato é que votamos, principalmente, movidos pelos afetos. Afetos que emergem da nossa história, das nossas vivências, das nossas dores, das nossas fantasias e até mesmo das nossas doenças. Sim, o voto pode ser um sintoma e o vimos nestas eleições estampado no discurso preconceituoso, odioso contra nordestinos, para dar somente um exemplo. Outros, acho que em menor número, por um cálculo utilitário e individualista ou oligárquico de consequências. Quando ou o que vou ganhar depois? Ganho este, não necessariamente, pecuniário, salientese. E um número bem menor por uma avaliação minuciosa das propostas de governo, entendendo suas consequências coletivas nos âmbito da política nacional e das políticas internacionais a curto, médio e longo prazo. Quero dizer, que destes três tipos me enquadro, inegavelmente, no primeiro, todavia querendo muito, esforçando-me firmemente para me aproximar do terceiro sem, no entanto, exilar ou reprimir a dimensão afetiva. Vou dar um exemplo do que eu estou dizendo sobre o voto como performance, preponderantemente, afetiva. Quantos brasileiros já haviam pensando ou discutido sobre a tal da “autonomia do Banco Central”? Qual a diferença entre autonomia e liberdade? A autonomia tem um limite? E a liberdade tem? Sendo autônomo ou liberto do Governo, segundo alguns, o 2
Banco Central não funcionaria ao gosto de projetos de governo específicos, e sim a serviço da moeda nacional. Mas quem indica o (a) presidente do BC não é o (a) presidente da República? E o (a) presidente não tem a prerrogativa de trocá-lo(a) quando bem desejar, caso sua linha de condução não esteja de acordo com a política fazendária do governo? Dá para se ter uma política econômica com o BC pensando de um jeito e o Governo pensando de outro? E quais os impactos para a vida de cada um de nós de um BC subordinado ou autônomo ou liberto do Governo Federal? O sobre as taxas de câmbio? E sobre o superávit primário? E sobre os royalities de petróleo? E sobre os títulos da dívida pública? E sobre os impactos positivos e negativos de Belo Monte e da transposição das águas do Rio São Francisco? Isso para citar somente uma pequena penca de temas dos quais não sabemos quase nada ou, pelo menos, nunca nos aprofundamos. Na boa, nestes e em outros casos reproduzimos por um sentimento de confiança o que nossos candidatos escolhidos afetivamente nos dizem que é o certo, que é o melhor. Não nos aprofundamos, não temos como nos aprofundar. É muita coisa para gente pensar sozinho ou mesmo nos nossos grupos de convivência. São muitos temas, inumeráveis interpretações, tsunamis diárias de informação. Não dá pra dar conta de tudo, mesmo! O voto,
pois, é um ato de confiança, para alguns um ato quase cego de confiança, de fé. No máximo, o que o eleitor consegue fazer é tentar se aprofundar em um ou dois assuntos, o resto, vai na fé. Ao direcionar este tema para o campo da educação, seria diferente se ao invés da obsessão por uma política educacional (leia-se centrada na escola) de tempo integral utilitária, instrumental e voltada para o mercado, tivéssemos uma política educacional com múltiplos centros. A escola seria um deles, mas também aí estariam a comunidade com suas organizações formais e não formais e a família em seus mais variados formatos. Nesse modelo multicentrado, e que não circunscreve a educação ao espaço escolar seria imperioso que as crianças, adolescentes e jovens do mesmo modo que têm amplo acesso às matemáticas, tivessem acesso à política, economia, filosofia, sociologia, além de uma história e uma geografia mais críticas. Tivessem acesso a cultura/ arte e a comunicação tanto na condição de aprendizes, quanto na condição de produtores, entendendo que estes campos também compõem o universo dos direitos humanos. Tudo isso com status de essencialidade e não, meramente, acessório, ilustrativo. É esquisito como os temas que nos preparariam para decidir sobre nossos destinos são os que temos menos acesso no nosso processo de formação, não?
CONTAGEM REGRESSIVA PARA O III SEMINÁRIO OUTROS OLHARES
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alta pouco tempo para o III Seminário Outros Olhares e a programação já está completa. O evento acontece de 12 a 14 de novembro, com o tema democracia, participação social e direitos humanos. Este ano, contaremos com a realização de quatro mesas, um simpósio temático, dois minicursos e apresentações artísticas. O Seminário Outros Olhares terá início com a mesa “Desenvolvimento, Democracia e Direitos Humanos”, com a participação do assessor da ONG Conectas, Caio Borges, e do professor doutor da PUC-RJ, João Ricardo Wanderley Dornelles. No segundo dia de programação, o público poderá participar de duas
mesas, uma no turno da tarde e outra no turno da noite. O primeiro debate será sobre “Estado Democrático e Criminalização dos Movimentos Sociais”, com a assessora de direitos humanos da Anistia Internacional, Renata Neder, e o advogado popular, Cláudio Silva. As discussões seguem com a mesa “Políticas de Comunicação, Participação e Direitos”, com a doutoranda em comunicação e membro do Coletivo Intervozes, Mônica Mourão, e o advogado e professor da Universidade Federal Rural do SemiÁrido (UFERSA), Jairo Ponte. Para encerrar o Seminário Outros Olhares 2014, receberemos Veriano Terto, professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade
Federal Fluminense (UFRJ), para falar de “Políticas de Desenvolvimento, Aids e Direitos Humanos”. Além das mesas, os participantes poderão conferir as apresentações de trabalho do simpósio Sexualidades e Direitos Humanos, coordenado pela professora da Unversidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Luma Andrade, primeira doutora travesti do Brasil. Os minicursos, por sua vez, acontecem nas manhãs do dia 13 e do dia 14. O primeiro será ministrado por Carlos Eduardo Bezerra, professor da Unilab, com o tema “Gênero, corpo e violência”; e o segundo será ministrado pela Liga Experimental da UFC e aberto ao público.
DE OLHO NO CURTA O GÊNERO 2015
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equipe da Fábrica de Imagens já iniciou a produção de mais uma edição do Curta o Gênero. Em 2015, o evento acontecerá de 23 a 28 de março, na Casa Amarela Eusélio Oliveira. Em breve, divulgaremos a confirmação dos primeiros convidados e convidadas que estarão conosco para diálogos acadêmicos, política e artística sobre feminismos. A escolha do tema é consequência de sementes plantadas ainda no Curta o Gênero 2014. Na ocasião, mesmo voltados para o tema da liberdade e suas interconexões com as questões de gênero, sexualidade, democracia, fundamentalismos e violações de
direitos, percebemos que os olhares, avaliações e proposições feministas nestes campos se constituíram como um ponto forte e denso. Daí a decisão de aprofundarmos o assunto no nosso próximo encontro. As inscrições dos filmes para a Mostra Internacional Audiovisual Curta o Gênero e para a apresentação de trabalhos nos simpósios temáticos do Seminário Internacional Gênero, Cultura e Mudança acontecem meses antes da realização do evento. Portanto, se você tem interesse em exibir um curta-metragem ou em apresentar um trabalho no Curta o Gênero 2015, fique atento ao nosso site
fabricadeimagens.org.br/curtaogenero para saber as novidades. Marcos Rocha, presidente da Fábrica de Imagens, comenta o temática que dará o tom ao evento: “O objetivo do Seminário 2015 não é, pois, eleger uma perspectiva feminista como panaceia, é antes ratificar a posição de que são esses múltiplos significados e interpretações, que conferem ao pensamento feminista toda sua abrangência, todo seu potencial para a instigação, reflexão e construção de outras lógicas, outras performances, outros pensamentos políticos e outras relações entre pessoas, povos e nações”.
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DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS REIVINDICAM PROTEÇÃO
PorSarah Monique Linhares Por Coelho
Campanhas nacionais dão visibilidade ao trabalho e ao cotidiano arriscados de defensoras e defensores dos direitos humanos no Brasil, em busca da efetivação de políticas e de proteção
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ue a luta pela efetivação dos Direitos Humanos no Brasil não é fácil, todos e todas já sabemos, mas quem está na linha de frente pela defesa das minorias de direitos leva uma vida de riscos e cerceamento de liberdade. As campanhas “Somos Todxs Defensorxs” e “Linha de Frente: defensores dos direitos humanos” são um grito de alerta de um coletivo de promotores sociais dos Direitos Humanos às constantes e cada vez mais graves violações. Foram organizadas pela Plataforma de Direitos Humanos, composta pelas entidades: Justiça Global, Dhesca Brasil, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Terra de Direitos e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. O objetivo das campanhas é o mesmo, mas com diferentes perspectivas e situações. A “Somos Todxs Defensorxs” narra história de oito defensoras e defensores de todas as regiões do país; a “Linha de Frente” conta a trajetória de 11 outros defensores do Brasil, incluindo a história de João Joventino e sua luta contra a vulneração dos modos de vida tradicionais de pescadores e ribeirinhos do litoral do Ceará (como o quadro ao final da matéria mostra). De acordo com o Manifesto em apoio aos Defensores/as de Direitos Humanos, que apresenta as duas campanhas, a Organização das Nações Unidas (ONU) assumiu, em 1998, o conceito de direitos humanos e o expandiu por diferentes regiões do mundo, reconhecendo a importância e urgência de ações pela sua promoção. Nos anos seguintes, as Resoluções 53/144 e 2000/61 da ONU foram documentos responsáveis por enfatizar o papel fundamental dos defensores de direitos humanos e criaram meios de monitoramento para que os governos respeitem e protejam as ações destes.
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De maneira geral, pode-se afirmar que as violações cometidas contra os/as defensores/as se exteriorizam através de atentados contra a vida e a integridade pessoal, ameaças e outras ações de hostilidade, violações de domicílio ou outras ingerências arbitrárias ou abusivas, restrições ao acesso à informação, desqualificação moral, prisões arbitrárias, criminalização, racismo, preconceito, espionagem, dentre outras. Manifesto em apoio aos Defensores dos Direitos Humanos. Nesse âmbito, o Brasil tentou tomar parte, com a criação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, em 2005. Após quatro anos foi instituída a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, mas ainda são muitos os casos de violações contra esses importantes atores sociais. Para Érina Gomes, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, esses atores “são criminalizados por defenderem direitos garantidos pela Constituição, tais como a vida, a liberdade, a moradia, a terra e o meio ambiente”. Eles enfrentam a tentativa de frear o que eventos contemporâneos e preconceitos enraizados na sociedade
têm causado em grandes proporções nos últimos anos. São registrados casos bárbaros de violência às minorias de direitos, aquelas a quem sempre se referencia a luta por direitos humanos: pessoas LGBTT, mulheres, negros e negras, quilombolas, indígenas, povos tradicionais e moradores de periferia dos grandes centros urbanos. E o resultado desse embate social pode chegar a casos emblemáticos e extremos de violência também a defensores, como o assassinato do ativista Chico Mendes, no Acre em 1988 e da Irmã Dorothy Steng, no Pará em 2005.
QUANDO O ESTADO FALTA Mesmo que a Constituição de 1988 caracterize-se “pela adoção de uma extensa carta de direitos, previsão de instrumentos processuais inovadores, aproximação com o direito internacional dos direitos humanos e reconfiguração de algumas instituições ligadas à aplicação da lei, como o Ministério Público e as Defensorias Públicas, que são importantes instrumentos para a punição das violações”, ainda há muito o que avançar, pois os defensores enfrentam na prática a dificuldade para registrar ameaças e apurar denúncias de violências sofridas. “A polícia usada na ação era para bandidos. É desta forma como o Estado e todo seu aparato nos vê, como bandidos... Tem sido assim como vem sendo tratado o povo que luta para ser cumprido o que está na Lei”. Esse poderia ser o relato de qualquer defensor, pois é uma situação comum em grande parte das repressões que pessoas e movimentos em defesa dos direitos humanos sofrem – das manifestações da Copa
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO A principal reivindicação concreta, que norteia as duas campanhas, é efetivar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos em política pública e construir uma estrutura para viabilizar suas diretrizes. “Ademais, enquanto não houver compromisso do estado brasileiro, em enfrentar as causas que estruturam as ameaças e colocam em risco a vida dos defensores e defensoras de direitos humanos, não teremos a solução desses problemas”,
JOÃO DO CUMBE Sou natural do Cumbe, minha infância e adolescência foram de uma relação muito próxima com as dunas, as lagoas temporárias, coletando frutas nativas de época nas matas, andando pelos manguezais, pescando nas gamboas, rio e mar. Tínhamos um território livre das ameaças econômicas, o que fazia de nós uma comunidade dependente dos bens não comerciais, pois tínhamos quase tudo que precisávamos na relação com a natureza.
Durante o tempo em que fui estudar no Aracati, tinha vergonha de falar que era do Cumbe, justamente pelo preconceito que se tinha sobre o lugar. Diziam que nós fedíamos a lama, por a comunidade está situada junto do manguezal e ter nele a base do seu meio de vida. A ideia que muitos, ainda hoje, têm do manguezal é de um lugar fedido, cheio de mosquitos e sem importância alguma.
ratifica Érina. São ações polarizadas, que dependem da execução de várias instâncias de poder, mas que precisam ser orquestradas para que, de acordo com Érina, se assuma a efetivação de políticas sociais como: regularização fundiária e ambiental, a titulação dos territórios quilombolas, a demarcação das terras indígenas e enfrentamento aos setores conservadores da sociedade que ameaçam direitos das mulheres e da população LGBT. O que fica explícito na mobilização pelas campanhas “Somos Todxs
Defensorxs” e “Linha de Frente” é o que João do Cumbe reflete: “Penso ser uma tarefa de todos/as, independentemente da sua situação social ou econômica. Cobrar o que está na Constituição Federal, simples. Fazer valer o direito dos povos, das vidas”. Para a garantia da efetivação desses direitos, segundo Érina, é preciso “enfrentar o modelo de desenvolvimento hegemônico, que é insustentável ambientalmente e concentrador de renda e riqueza, para construir um processo mais plural, participativo, que fortaleça a democracia e uma real cultura de direitos”.
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de 2014 aos protestos recorrentes por reivindicações históricas no Brasil. Mas trata-se de parte do depoimento de João Joventino, professor e referência da comunidade tradicional do Cumbe, litoral de Aracati, zona costeira do Ceará. Desde 1996, a população sofre com impactos negativos da carcinicultura (criação de camarão de cativeiro) e de parques eólicos que não cumpriram exigências da legislação ambiental na sua instalação. Em 2013 conflitos entre a comunidade, os empresários do camarão, políticos da região e o poder público vêm se acirrando, o que culminou na ocupação de terreno de um antigo empresário, para fins de produção, lazer e organização pela comunidade; e no despejo violento orquestrado pelo município a partir de uma Ação de Reintegração de Posse. De acordo com o depoimento de João, no site da campanha Linha de Frente, o despejo foi efetivado e a barraca dos pescadores (assim como o reservatório de peixes e demais benfeitorias) foi destruída, mesmo estando fora da área reintegrada, em uma explícita manifestação de abuso de poder e ilegalidade.
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FÁBRICA ENTREVISTA
A NECESSIDADE DE ENXERGAR AS PESSOAS, ALÉM DAS CIFRAS
MAURÍCIO SANTORO Por Sarah Coelho
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
Durante os dias 15 e 16 de julho de 2014, Fortaleza foi palco da VI Cúpula dos BRICS, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Enquanto os chefes de Estado discutiram as agendas econômicas de seus países e a possível criação de um banco, representantes de movimentos sociais srealizaram um evento independente para debater o desenvolvimento na perspectiva dos povos, a chamada Cúpula dos Povos. Na ocasião, a Fábrica de Imagens conversou com Maurício Santoro, cientista político e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil, sobre os impactos que essas negociações globais têm sobre os direitos humanos.
ENTREVISTA
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Que desafios, em sua opinião, são colocados às organizações da sociedade civil no sentido de fazer pressão para que as negociações dos BRICS não se restrinjam ao âmbito econômico, mas possam também impactar as sociedades dos países membros? Sobre a agenda da VI Cúpula dos BRICS, me parece que existem dois grandes temas que merecem a nossa atenção prioritária. Um deles é a criação do banco de desenvolvimento dos BRICS e a importância que esse banco tenha um padrão de direitos humanos de alto nível, que represente um avanço com relação àquilo que já existe em outras instituições financeiras, seja no âmbito multilateral, como o Banco Mundial, sejam as instituições dos próprios países que formam os BRICS, e aí o BNDES brasileiro seria o exemplo mais forte que nós temos. Isso é muito preocupante porque até agora não foi falado nada, no planejamento do banco, sobre a agenda de direitos humanos. Tudo o que nós temos é uma promessa muito vaga de que o banco vai se dedicar a projetos de desenvolvimento sustentável, mas sem que exista uma definição do que essa expressão quer dizer na prática, então qualquer coisa poderia ser incluída dentro dela. O outro grande tema que está presente nessa Cúpula é o da participação da sociedade civil. No âmbito oficial dos BRICS, a única coisa que nós temos é um Fórum dos empresários e um Fórum acadêmico. São passos importantes, mas evidente que não são suficientes. Há uma discussão agora para que haja algum espaço para os sindicalistas, o que também seria um passo fundamental para alargar essa agenda de negociação, mas, novamente, a sociedade 6
civil hoje em dia se organiza em linhas muito mais variadas do que a dimensão clássica do capital e do trabalho, então só os empresários, só os sindicatos, não basta. No caso dos BRICS, há uma dificuldade extra que é o fato de muitos dos países que formam essa sigla serem regimes autoritários, extremamente fechados à participação política, extremamente restritivos em termos de direitos humanos, mas ao mesmo tempo são atores absolutamente fundamentais, hoje, em termo de negociações internacionais. Então precisamos encontrar alguma maneira de engajá-los nesse tipo de discussão, em trazêlos com mais força para o debate sobre direitos humanos. É preciso realmente que haja uma incorporação de uma série de outros movimentos sociais, uma série de outras organizações da sociedade civil nas negociações. Eu citaria como exemplo os vários movimentos feministas, as organizações de mulheres, que costumam arcar de uma forma desproporcional com o ônus dos grandes projetos de desenvolvimento, dos grandes projetos de infraestrutura, que vão ser exatamente um dos pilares da atuação do banco dos BRICS. Sobre isso, que é interessante para nós que trabalhamos com gênero e sexualidade, de que forma você acha que a mulher é impactada por esse modelo de desenvolvimento econômico e como ela pode dar respostas a ele? Uma das coisas que nós mais discutimos aqui na Cúpula dos Povos foi o impacto dos projetos de infraestrutura, de mineração e de um tipo de agricultura comercial de larga escala em comunidades, sobretudo comunidades tradicionais, como de
agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas. Há um elemento de gênero muito importante nesses projetos e que tende a ser ignorado e negligenciado pelos tomadores de decisão. Qual é o impacto, por exemplo, quando você tem um grande projeto como esse que exaure os recursos naturais de certa comunidade, que vai poluir um lençol freático, vai provocar uma escassez de água, vai desestruturar as famílias? A gente sabe que as mulheres acabam arcando com boa parte desses custos, inclusive porque muitas vezes boa parte dos homens migra, vai procurar trabalho em outra parte. No caso das grandes obras, tem todo um problema ligado também à exploração sexual, uma quantidade muito grande de trabalhadores que vão temporariamente para um lugar, geralmente sem suas famílias, o que causa uma série de problemas e é preciso que isso esteja no centro das discussões. Aqui no Brasil, nós já temos um acúmulo de experiências e discussões bastante significativo nessa área. É o que vem, por exemplo, do movimento em torno de Belo Monte, do Movimento dos Atingidos por Barragens; e esses não são temas exclusivos do Brasil, estão presentes também em muitos outros países dos BRICS, e é absolutamente essencial que o novo banco dos BRICS incorpore esses elementos de reflexão, incorpore esse diálogo com a sociedade. Pelo que nós vimos até agora, esse é um elemento ainda muito preocupante, essa falta de espaço de participação, essa falta de espaço para escutar essas demandas. Esse vai ser um grande desafio para as sociedades que foram os BRICS.
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PNPS E A AMPLIAÇÃO DA DEMOCRACIA Por Luzimar Basílio
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m 23 de maio deste ano foi aprovado o Decreto nº 8243, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS). O objetivo do decreto é “consolidar a participação social como método de governo” e “melhorar a relação do governo federal com a sociedade”, fortalecendo o diálogo e a participação social na articulação de políticas públicas. Isso será possível através do acompanhamento de formulação, execução, monitoramento e avaliação de programas, aprimorando a gestão pública por meio de consulta sobre temas de interesse da sociedade civil. Por “sociedade civil” devemos considerar cidadã e cidadão, coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações. A PNPS tem em suas diretrizes o direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas e a autonomia das organizações da sociedade civil. Esse diálogo entre governo federal e sociedade se dará através de mecanismos como conselho e comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública e ambiente virtual de participação social. Ao reconhecer mecanismos e espaços de participação mais direta da sociedade na gestão pública, o decreto vem recebendo apoio de políticos, acadêmicos, ativistas, intelectuais e representantes dos movimentos sociais de vários setores. Em comentário à Rádio Brasil Atual, em julho deste ano, Frei Betto, escritor e assessor de movimentos socias, definiu o PNPS como “um passo importante para aprimorar a democracia brasileira”. Apesar do caráter aparentemente inovador do decreto presidencial, vale lembrar que o mesmo não traz novidade à nossa legislação, ele apenas reforça
os princípios democráticos da mesma. Na atual Constituição, criada em 1988, lê-se no parágrafo único do artigo 1º que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição”. A própria Constituição torna claro que o povo tem o direito de exercer o poder de forma direta, embora deixe claro também que essas novas formas de participação não serão obrigatórias. O Poder público terá que dialogar com a sociedade, responder publicamente porque aceita ou não recomendações de determinada instância. É uma mudança fundamental, que não admite apenas a representação simbólica e institui que se deve ultrapassá-la por meio da democracia participativa. Mesmo sendo notável que o decreto reforça a Constituição e não fere os princípios de um Estado democrático, mas incentiva a ampliação da democracia, a PNPS vem sofrendo duros ataques incentivados por parte da grande mídia. O jornal O Estado de São Paulo divulgou no editorial “Mudança de regime por decreto”, publicado em 29 de maio, que “a presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo”. Parlamentares dos partidos PSD, PSDB, DEM PPS e Solidariedade tentaram articular na Câmara a revogação da medida através de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) de autoria do vice-líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias, que pretende suspender os efeitos do decreto presidencial sob a justificativa de que o mesmo violaria as atribuições do Poder Legislativo por não ter sido submetido previamente ao Congresso. Apenas PT, PcdoB e PSOL se posicionam a favor de manter o decreto. Em agosto, foram realizadas audiências com presença da sociedade civil para debate e esclarecimento da PNPS. Vera Masagão, diretora da Associação Brasileira de ONGs (Abong)
presente no debate, se manifestou sobre a ampliação da participação da sociedade nas questões de seu interesse. “Enquanto o poder econômico tiver tanta influência, não teremos uma democracia plena. A democracia tem que passar por cima dessa elite”, afirma. Há uma tentativa de distorção dos objetivos e metodologia por parte dos setores mais conservadores para evitar a perda dessa influência política, que se dá por meio da exclusividade de poder sobre as decisões, já que o decreto pede mais transparência nos procesos decisórios. Para Masagão, “é uma ação de maior transparência e participação”. Para o cientista político Paulo Vannuchi, as tentativas de distorção e argumentação de quem se põe contra o decreto são inválidas. “Ali não não há uma linha sequer a respeito do Legislativo para tirar qualquer poder dele”, garante. Na opinião de José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), “o que está sendo criticado no decreto são justamente suas virtudes, que colocam em pauta o direito humano à participação. A oposição contraria o decreto porque, se você amplia os espaços de poder, já não existe mais uma elite que possa definir todas as questões”. O decreto vem como resposta às manifestações de junho do ano passado e busca ser medida paliativa para as reinvindicações da população. O decreto não aponta na direção de novos instrumentos de democracia direta, o que, para Moroni, também invalida a crítica feita pela oposição. “O decreto é importantíssimo, mas é preciso entender que é uma medida que organiza aquilo que já existe, não avança em determinadas questões que só com uma Reforma Política conquistaríamos”, afirma.
Fonte: Observatório da Sociedade Civil https://observatoriosc.wordpress.com 7
NÃO JOGUE PAPEL NO CHÃO
NÃO JOGUE PAPEL NO CHÃO
ILUSTRAÇÃO: DOMITILA ANDRADE
EXPEDIENTE Este jornal é uma publicação do projeto Cacto realizado pela ONG Fábrica de Imagens - ações educativas em cidadania e gênero. Coordenação Geral: Marcos Rocha Coordenação Socioeducativa: Christiane Ribeiro Gonçalves e Taiane Alves
Design Editorial: Thyago Nogueira Jornalista Reponsável: Monique Linhares MTB JP 2630/CE Reportagens: Luzimar Basílio, Monique Linhares e Sarah Coelho Endereço: Rua Odilon Benévolo, 1133, Maraponga, Fortaleza - CE Contatos: (85) 34951887 / fabricadeimagens@fabricadeimagens.org.br www.fabricadeimagens.org.br