Revista Fábrica de Imagens - Ed. 25

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INSTITUCIONAL

ENTREVISTA

ARTIGO

SESSÃO SOLENE 6

MARCOS E CHRISTIANE 7

KARLA BESSA 14

UM NOVO RITO DE PASSAGEM, UM NOVO CAMINHAR

O LEGADO É TANGÍVEL E CELEBRA QUASE DUAS DÉCADAS

DOU DE BUNDA E MOSTRO OS PEITOS

R E V I S TA

FÁBRICA DE IMAGENS E D I Ç ÃO 2 5 | M A R Ç O - A B R I L - 2 0 1 6

ESPECIAL

18 ANOS 10

D E M O C R AC I A E V I O L AÇ Õ E S D E D I R E I T O S


CONTEÚDO

Capa 18 anos - Fábrica de Imagens por Matheus Jatay Coordenação Geral Marcos Rocha

4 ARTIGO MARÍA LUISA FEMENÍAS Feminismos na América Latina 6

Coordenação Socioeducativa Christiane Ribeiro Gonçalves Dário Bezerra Taiane Alves Design e Diagramação Matheus Jatay Projeto Gráfico Thyago Nogueira Jornalista Reponsável Luizete Vicente MTE CE 3523 JP Redação e Edição Luizete Vicente Amanda Nogueira Marianne Freire Revisão Contribuições María Luisa Feminías Karla Bessa Fábrica de Imagens Ações Educativas em Cidadania e Gênero Rua Odilon Benévolo, 1133 - Maraponga Fortaleza - CE 2015 +55 85 3495 1887 fabricadeimagens.org.br Versão digital disponível em: issuu.com/frabricadeimagens

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INSTITUCIONAL 18 ANOS Um Novo Rito de Passagem, um Novo Caminhar 7 ENTREVISTA MARCOS ROCHA E CHRISTIANE GONÇALVES 18 anos: O legado é tangível e celebra quase duas décadas 10 CAPA 18 ANOS Pela Democaracia e contra Violação de Direitos 14 ARTIGO KARLA BESSA Dou de Bunda e mostro os Peitos


CARTA AO LEITOR

CHEGA PRA CÁ? Poderia ser que nem cerimônia de casamento indiano: Durar para sempre. Mas, estamos chegando ao final das comemorações dos dezoito anos da Fábrica de Imagens, somando muitas conquistas ao desenvolvimento humano e à construção das habilidades socioeducativas, políticas e culturais, sempre incorporando ações positivas no combate às violências de gênero, desigualdade social e racial, e formando cidadãos capazes de refletir e propor mudanças perante atual conjuntura do País, que tem enfrentado marés turbulentas em seu cenário político, onde passamos processo de deslegitimação do atual governo Dilma, e sentimos na pele o retrocesso de conquistas subtraídas, como a retirada das questões de gênero nos espaços de decisão do campo educacional brasileiro. E em perspectiva mundial, a crise de refugiados e migrantes, nos trazendo a preocupação com os acordos de paz e consensos políticos entre países. Simone de Beauvoir estava certa: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. ” E, para esta edição da revista Fábrica de Imagens teremos um papo com María Luisa Femenías - filosofa, docente e investigadora em gênero - na qual iremos trazer seu artigo “Feminismos na América Latina”, onde nos proporcionará um olhar sobre o pensamento político, representatividade e contexto social da mulher e do feminismo na América Latina. Em seguida, o momento marcante da sessão solene em homenagem aos dezoito anos da Fábrica, realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, onde foram recebidas muitas homenagens e elogios ao compromisso de formação, difusão e produção de todos os projetos já realizados pela ONG. Sobre a idealização e momentos já vividos pela Fábrica de Imagens traremos uma entrevista com o Marcos e a Cris, que falarão um pouco sobre os percursos, parcerias e desafios iniciais enfrentados. Posteriormente o debate pela democracia e contra violação de direitos, realizado no Teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, fazendo parte da programação em comemoração aos dezoito anos da Fábrica, e, onde a ONG constrói um espaço de discussão sobre as questões que acarretam problemas sociais e políticos do País, onde resultam nos déficits das políticas de interesse público, de exercício da cidadania e dos plenos direitos. Fechando esta edição teremos também o Artigo da Karla Bessa, professora da Unicamp e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero (PAGU), onde discutirá a visibilidade dos corpos nus como emancipação política e estudantil, diante do conservadorismo e opressão existentes em relação ao corpo feminino. Esperamos que a sua leitura seja inspirada, atenta e prazerosa. Que você possa atuar, discutir e complementar espaços de diálogo conosco, e que as nossas pautas prioritárias te façam tecer novos caminhos para a compreensão das causas fundamentais que permeiam nossa preocupação com as questões de gênero, sexualidade e direitos humanos. Excelente leitura!

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ARTIGO

FEMINISMOS EN AMÉRICA LATINA POR MARÍA LUISA FEMENÍAS

PROFESSORA DE FILOSOFIA DA FACULDADE DE HUMANIDADES E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDAD NACIONAL DE LA PLATA (ARGENTINA), DIRETORA DO CENTRO INTERDISCIPLINARIO DE INVESTIGACIONES EN GÉNERO (CINIG) E DOUTORA EM FILOSOFIA

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stas páginas esbozan, de forma necesariamente incompleta e insuficiente, las líneas fundamentales del feminismo y de la teoría de género en América Latina. El espacio disponible no permite hacer justicia al extenso territorio que se define como América Latina, su pluralidad y su diversidad en todas las dimensiones posibles. Irremediablemente es imposible cubrir la diversidad de aportes de las mujeres que defienden y luchan por sus derechos, su diversidad y su reconocimiento; y ante todo, por la dignidad de sus vidas y hasta por sus vidas mismas. Sin embargo, ya en el título, mi opción por “feminismos” indica que considero que no hay una sola corriente o punto de mira que pueda dar cuenta de esta vastedad, sino un enjambre de posiciones teórico-prácticas entretejidas. Y este constituye precisamente uno de sus rasgos más ricos y originales, que ha hecho decir a Urania Ungo que, en América Latina, el feminismo no sólo se propone cambiar las instituciones sino, y sobre todo, “cambiar la vida misma.” Es decir, que las distinciones que haré tienen un carácter analítico o académico ya que, en lo cotidiano, ningún grupo, movimiento o equipo de investigación responde de modo preciso a una sola posición, corriente o rasgo distintivo. Entre las diversas corrientes en que me interesa articular los feminismos Latinoamericanos, una primera aproximación obliga a distinguir entre los que se centran en la noción de “identidad” y aquellos que lo hacen entorno a la noción de “ciudadanía.” Está claro que ninguna categoría está

escindida de la otra, por lo que se trata más bien de una cuestión de énfasis o de acento. Entonces, en términos de énfasis, algunas líneas identitarias priorizan la identidad de sexo-género y las diversidades sexuales; otras, la identidad etnorracial, cultural o incluso religiosa. Cuando la identidad se entiende en términos culturales, suele estar ligada a la tensión colonial-postcolonial, la colonialidad y la reivindicación de los pueblos originarios. Si se priorizan cuestiones tales como la “negritud” o la pertenencia “originaria”, se ponen en evidencia al menos dos posiciones: una esencializante, ligada a las tradiciones y las herencias, y otra que entiende la identidad como una construcción histórico-social, punto de partida para la acción y performativamente apta a la resignificación. No puedo dejar de mencionar algunas figuras señeras del feminismo, como las ya fallecidas Graciela Hierro (filósofa mexicana) y Julieta Kirkwood (militante y escritora chilena), herederas e impulsoras de una rica tradición de mujeres que defendieron y teorizaron sus derechos. Más recientemente, teóricas como Ofelia Schutte (Cuba-EEUU), Gabriela Castellanos (Colombia), Joana Pedro (Brasil), María Eugenia Rodríguez (Costa Rica), Rosario Aguirre (Uruguay), Silvia Rivera Cusicanqui (Bolivia), han contribuido extensamente a los desarrollos de alguna de las vertientes mencionadas. Sobre muchísimas otras, lamentablemente, no podemos extendernos.


FEMINISMOS NA AMÉRICA LATINA (TRADUÇÃO)

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ssas páginas esboçam de forma necessariamente incompleta e insuficiente, as linhas fundamentais do feminismo e da teoria de gênero na América Latina. O espaço disponível não permite fazer justiça ao extenso território que se define como América Latina, sua popularidade e sua diversidade em todas as dimensões possíveis. Irremediavelmente é possível abafar a diversidade de contribuições das mulheres que defendem e lutam por seus direitos, sua diversidade e seu reconhecimento; e principalmente pela dignidade de suas vidas e até por suas vidas mesmas. No entanto, já no titulo, minha opção por “feminismos” indico que considero que não há uma só corrente ou ponto de vista que pode dar conta desta vastidão, senão uma multidão de posições teórico-práticas introduzidas. E este constitui precisamente um dos seus traços mais ricos e originais, que fez dizer Urania Ungo, que na América Latina, o feminismo não só se propõe mudar as instituições, mas, e sobre tudo, “mudar a própria vida1”. É dizer que as distinções que fará ter um caráter analítico e académico já que, no cotidiano, nem um grupo, movimento ou equipe de investigação responde de modo preciso a uma só posição, corrente ou traço distintivo. Entre as diversas correntes em que me interessa articular os feminismos Latino-americanos, uma primeira aproximação obriga a distinguir entre os que se concentram na ideia de “identidade” e aqueles que o fazem em torno da ideia de “cidadania”.

Está claro que nem uma categoria está coincidida na outra, por tanto se trata mais bem de uma questão de ênfase ou de acento. Então, em términos de ênfase, algumas linhas identitárias priorizam a identidade de sexo-gênero e as diversidades sexuais; outras a identidade étnica racial, cultural ou inclusive religiosa. Quando a identidade se entende em términos culturais, costuma está ligada a tensão colonial pós-colonial, a colonização e a reinvindicação dos povos originais. Si priorizam questões como a “negritude” ou a possessividade “originaria”, se põem em evidencia ao menos duas posições: uma essencial, ligada as tradições e as heranças e outra que entende a identidade como uma construção histórico-social, ponto de partida para a ação e performatividade apta a ressignificação. Não posso deixar de mencionar algumas figuras únicas do feminismo, como as já falecidas Graciela Hierro (filósofa mexicana) y Julieta Kirkwood (militante y escritora chilena), herdeiras e impulsoras de uma rica tradição de mulheres que defenderam e teorizaram seus direitos. Mais recentemente teóricas como como Ofelia Schutte (Cuba-EEUU), Gabriela Castellanos (Colômbia), Joana Pedro (Brasil), María Eugenia Rodríguez (Costa Rica), Rosario Aguirre (Uruguai), Silvia Rivera Cusicanqui (Bolívia), hão contribuído extensamente ao desenvolvimento de algumas das vertentes mencionadas. Sobre muitas outras, não podemos nos estender.

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INSTITUCIONAL

18 ANOS: UM NOVO RITO DE PASSAGEM, UM NOVO CAMINHAR ONG FÁBRICA DE IMAGENS REALIZA SESSÃO SOLENE PARA COMEMORAR SUA HISTÓRIA E TRAJETÓRIA

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a sociedade brasileira, essa idade é marcado por mudanças, muitas mudanças. Um turbilhão de transformações na adolescência. Medos e anseios compõem essa etapa de grande transição da vida, pois o discurso sobre autonomia e responsabilidade fazem parte desse novo cotidiano. E para a Fábrica, o que significa chegar ao 18 anos? Chegar aos 18 anos de idade é ir além, é causa impacto na vida dos sujeitos sociais que passaram pela organização, é transformar a sociedade práticas cotidianas estimulando a participação social, é reivindicar pautas que incluam todos e todas na construção de um mundo mais equânime e livre. Com a finalidade de buscar mudanças que a Fábrica de Imagens chegou a sua maioridade. Para isso, decidiu comemora sua história de inserção e diálogo sobre as questões de gênero com a realização de sessão solene na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. No intuito de apresentar a trajetória histórica de uma organização que pauta direitos humanos, sexualidades e gênero é mais urgente para compreender a sua importância no processo democrático. Compreendendo que apenas com a participação coletiva foi possível realizar projetos, programas e ações que atingiram diversos públicos em torno de temáticas referentes aos movimentos sociais. As

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discussões proporcionaram mudanças de comportamento e valores sobre questões em pauta relacionadas ao a sociedade. A sessão solicitada pela deputada estadual Rachel Marques contou com homenagens e falas emocionadas de pessoas que participaram, de forma direta e/ou indireta, dos cursos, formações e atividades da organização. A autora do requerimento, Rachel Marques, disse que a entidade chegou à maturidade cumprindo com zelo sua missão na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. “A Fábrica de Imagens atua na articulação e mobilização política junto a redes, fóruns e conselhos, dentre outros espaços de movimentos sociais, na perspectiva do controle social e da proposição de políticas públicas afirmativas de combate ao machismo e à homofobia. Acumula também ampla experiência no campo do audiovisual popular e na defesa dos direitos das pessoas que vivem com HIV/Aids”, afirmou parlamentar. Marcos Antônio Monte Rocha, presidente da ONG Fábrica de Imagens, falou do compromisso com a luta pela cidadania, pela democracia, equidade de gênero e raça. “Não se pode falar de cultura, de igualdade social, sem falar de negros, da população LGBT, de acessibilidade e de todas as populações que foram discriminadas ao longo da história do Brasil”, destacou.

POR AMANDA NOGUEIRA FOTO ANNY SANTOS


ENTREVISTA

18 ANOS O LEGADO É TANGÍVEL E CELEBRA QUASE DUAS DÉCADAS MARCOS ROCHA E CHRISTIANE GONÇALVES

MARCOS: PSICÓLOGO, DIRETOR DA ONG FÁBRICA DE IMAGENS E COORDENADOR GERAL DO CURTA O GÊNERO. CHRISTIANE: PSICÓLOGA, DIRETORA E COORDENADORA SOCIOEDUCATIVA DA ONG FÁBRICA DE IMAGENS.

ENTREVISTA MARIANNE FREIRE TEXTO MARIANNE FREIRE FOTO MATHEUS JATAY

Conversamos com Marcos Rocha, psicólogo e presidente da ONG Fábrica de Imagens e Christiane Ribeiro - Psicóloga e integrante da coordenação socioeducativa da ONG Fábrica de Imagens sobre os 18 anos de luta e trabalho nas questões de gênero, direitos humanos e diversidade sexual da entidade. FI - Quais foram os desafios iniciais para implementação de uma Organização Não-Governamental disposta a trabalhar com equidade de gênero no Estado do Ceará? Marcos: A Fábrica de Imagens já surge como organização com personalidade jurídica definida ONG (Organização Não Governamental) no ano de 1998, mas anteriormente já funcionava com o projeto “A Face Masculina do Planejamento Familiar”, onde buscávamos trabalhar a inserção do público masculino nas decisões de pauta familiar e maior envolvimento nas relações de gênero existentes. Na época patrocinado pela Fundação McArthur, onde na década de 90 subsdiava muitos projetos na área de gênero e sexualidade no Brasil. As pessoas que desempenhavam pesquisas no projeto formaram o Conselho Deliberativo da Fábrica de Imagens na ocasião, onde posteriormente construíram outros viés de estudo e pesquisa, com um olhar amplo e de continuidade para as questões de cidadania, gênero, sexualidade e educação em direitos humanos. Onde, até hoje, são os elementos mais fortes e expressivos da entidade, e que em base todas as suas ações culturais, comunicacionais e políticas.

FI - Como se deu a inserção das linguagens e temáticas sobre gênero e aproximação da Organização com os movimentos sociais e sociedade em geral? Cris: No início as parcerias ainda estavam em tempo de maturação, a primeira parceria se deu em 1998 com uma ONG de Pernambuco, a SOS Corpo, onde realizávamos uma série de ações com grupos de mulheres, integralizando um cuidado e prevenção do câncer de colo uterino (CCU), e com demais grupos de mulheres em empresas, e comunidades para discutir saúde feminina. Também realizamos diversas ações de promoção à saúde pública, prevenção às DST’s, HIV, AIDS. Após essas ações, ao fim do ano de 99, surgiu o Projeto de Capacitação Solidária, promovido pelo Governo Federal, onde o foco era capacitação profissional de jovens e seu encaminhamento para o mercado de trabalho. Durante os cursos, incluíamos as discussões e temáticas de gênero e cidadania. Marcos: Ainda não existindo um financiamento direto para as ações e projetos de gênero e sexualidade, captávamos recursos de outros financiadores que não trabalhavam diretamente com esta perspectiva, e incluíamos nos processos desenvolvidos estas temáticas. Em 2002 a Organização vence um primeiro edital nacional realizado pela Petrobras, e passamos a realizar trabalhos mais consistentes e com uma dimensão cultural, onde já ganhávamos condições estruturais para as ações da Fábrica. Com o Projeto Imagens da Paz começamos a trabalhar percepções audiovisuais, 7


“Com o Projeto Imagens da Paz começamos a trabalhar percepções audiovisuais, formações técnicas/estéticas em gênero e sexualidade, aperfeiçoando o protagonismo do indivíduo e de seu papel cidadão, reduzindo as desigualdades existentes.”

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“Saímos do senso comum de assistencialismo e trilhamos o caminho de reflexão e combate aos problemas sociais e reais, de importância pública, humana”

formações técnicas/estéticas em gênero e sexualidade, aperfeiçoando o protagonismo do indivíduo e de seu papel cidadão, reduzindo as desigualdades existentes. FI - No campo educacional e de emancipação política, como o relacionamento da Fábrica com os parceiros e apoiadores veio a obter destaque? Cris: Os produtos finalizados pelas turmas do ‘’Imagens da Paz’’ foram difundidos em Escolas, outras ONG’s, e fora do Estado do Ceará, fortalecendo um ciclo de formação, produção, e difusão de conteúdo e material educativo, político e comunicacional realizado pelos alunos. A Fábrica ganhou visibilidade nacional, e passamos a ocupar espaços de ativismo político, cultural e social, integrando o Fórum de Movimento Social de Luta contra a AIDS, o Fórum de Mulheres, o Fórum de Audiovisual. Saímos do senso comum de assistencialismo e trilhamos o caminho de reflexão e combate aos problemas sociais e reais, de importância pública, humana, onde os projetos Imagens da Paz, Núcleo de Realização Audiovisual e em seguida o CACTO tinham metodologias de formações técnicas/sociais/construcionais. Avançamos nas áreas de arte, teatro, animação, 3D. FI - Quais os avanços recentes que são produto das ações e projetos já realizados? Marcos: A Fábrica realizou o 1º Encontro Latino-Americano de Gênero e Cultura, em 2015, onde obtivemos articulações maiores com a Rede Latino-Americana e países como Uruguai, Argentina e Chile, aproximando e trazendo um panorama mundial das discussões de gênero, afirmação de direitos e políticas públicas à população LGBT, e em 2016, a importância é ainda maior, onde trazemos o feminismo sob uma ótica descolonial, longe dos conservadorismos e retrocessos ainda persistentes. FI - Diante dos bons frutos dessa jornada, quais serão os caminhos para os próximos anos? Cris: Apesar das tensões enfrentadas diante da atual situação política do país, esperamos que, mesmo com editais cada vez mais concorridos e burocráticos, a Fábrica consiga manter seus parceiros e financiadores, que idealizam conosco um futuro próspero e de avanços. O Curta O Gênero 2016 foi realizado com sucesso, apesar da equipe reduzida, não houveram dificuldades, e o evento atraiu extenso público como em todos os anos. A ONG está em novos projetos com a Casa Civil, e segue para que suas atividades continuem a todo vapor. O futuro é de esperança para uma caminhada contínua de bons frutos.

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CAPA

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18 ANOS PELA DEMOCRACIA E CONTRA QUALQUER TIPO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS

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POR AMANDA NOGUEIRA FOTOS MATHEUS JATAY E THYAGO NOGUEIRA

Fábrica de Imagens encerra comemoração aos seus 18 anos debatendo a conjuntura atual da política brasileira.

razer aos 18 anos da Fábrica de Imagens um debate como esse, sobre direitos humanos e democracia, sobre diversidade e democracia, na verdade, essa mesa temática é de extrema importância inclusive pelo papel por exemplo que uma instituição como a Fábrica vem jogando na cidade de Fortaleza, vem jogando nessa cena local, regional e até mesmo nacional, internacional, por conta das atividades dos encontros, das discussões que promove”. Foi assim que Nágyla Drumond, doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), abriu sua fala na mesa “Democracia e Violações de Direitos”, promovida no Teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, pela ONG Fábrica de Imagens em comemoração aos 18 anos da organização O momento teve como objetivo a realização de uma análise de conjuntura do momento político atual no Brasil. Também foram convidadas para a mesa a antropóloga Francilene Martins, ativista feminista e mestra em Antropologia Social e Política pela Universidad Nacional de San Martin (Argentina), e a doutora Danyelle Nilin, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), trazendo percepções sobre o papel dos diversos atores e atrizes sociais que hoje compõem os mais variados movimentos e minorias sociais. Neste começo de 2016, as ruas do país estão tomadas por segmentos que tanto são a favor da instauração do impe-

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CAPA

achment contra a presidenta Dilma Rousseff, como por movimentos que se declaram contra, na verdade, um golpe político-midiático, que vem sendo cotidianamente traçado contra a democracia e contra a legitimidade de um governo instituído pelo voto. O receio dos que defendem a democracia é que finalmente o impeachment seja levado adiante pela Câmara dos Deputados e o Senado acate esta decisão. O que se sabe é que, caso o rito siga, a presidenta Dilma Rousseff poderá ser afastada por até 180 dias, o que ocasionará a posse do vice-presidente conspirador Michel Temer, provocando uma série de retrocessos para as políticas de direitos e, ainda mais, para as políticas culturais no Brasil. É nesse cenário de constantes disputas que a ONG Fábrica de Imagens decidiu construir um seminário a fim de discutir esse momento político do país. Em fala durante o momento, Fabiano dos Santos, titular da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (SECULT/CE), comentou a importância do evento, principalmente no que tange a cultura. “[Eu estou aqui] para celebrar os 18 anos da Fábrica de Imagens porque creio que não há agenda hoje no Brasil mais necessária e mais preemente do que a agenda do direito, da diversidade, compreendendo nesse direito a cultura, como esse fator, como esse vetor importante, para a garantia desse direito”, destacou. Para Danyelle Nilin, “a democracia é uma construção constante. A gente não pode nunca fechar os olhos e achar que o jogo está ganho. O jogo não está ganho e acho que está muito claro isso”. A pesqui-

sadora alertou que é necessário sempre nos mantermos alerta perante as adversidades. Trouxe ainda dados que reforçam os ganhos de uma determinada parcela da população brasileira, principalmente pobre e negra, quanto ao acesso à educação e a outros direitos sociais básicos, como saúde e moradia. Ao dialogar sobre a situação do Brasil e os retrocessos que poderão acontecer, caso haja um golpe, também é essencial entender o que está acontecendo em outros países da América Latina. Para diferentes especialistas, o que vemos no país é algo que não tem acontecido desde hoje apenas contra a presidenta Dilma Rousseff. “Então a gente também que há um machismo por trás dessa ação orquestrada, direcionada, a um levante de derrubada aos governos de mulheres na América Latina”, reforçou Francilene Martins por considerar que esta dimensão de tomada de poder é também contra as mulheres e contras as políticas voltadas para elas, criadas especialmente em governos populares latino-Americanos. Ao final da mesa, a ONG Fábrica de Imagens lançou ainda os livros “Direitos Humanos, Sociedade e Política” e “Feminismos Plurais” organizados pela própria organização, com diversos artigos transitando pelas temáticas sociedade, política, feminismos, gênero, cultura e comunicação. Todos que estavam presentes puderam receber uma edição de cada livro e uma série de outros brindes, dentre eles o box do Curta O Gênero 2015, revistas e produtos especiais em alusão aos 18 anos da entidade.

“[Eu estou aqui] para celebrar os 18 anos da Fábrica de Imagens porque creio que não há agenda hoje no Brasil mais necessária e mais preemente do que a agenda do direito, da diversidade, compreendendo nesse direito a cultura, como esse fator, como esse vetor importante, para a garantia desse direito”.

Fabiano dos Santos (SECULT)

“Trazer aos 18 anos da Fábrica de Imagens um debate como esse, sobre direitos humanos e democracia, sobre diversidade e democracia, sobre... na verdade, essa mesa temática é de extrema importância inclusive pelo papel por exemplo que uma instituição como a Fábrica vem jogando na cidade de Fortaleza, vem jogando nessa cena local, regional e até mesmo nacional, internacional, por conta das atividades dos encontros, das discussões que promove”.

Nágyla Drummond

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“A democracia é uma construção constante. A gente não pode nunca fechar os olhos e achar que o jogo está ganho. O jogo não está ganho e acho que está muito claro isso”.

“Nós, dos movimentos sociais, percebemos que há um machismo por trás dessa ação orquestrada, direcionada, a um levante de derrubada aos governos de mulheres na América Latina”.

Daniely Nilin

Francilene Martins

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ARTIGO

DOU DE BUNDA E MOSTRO OS PEITOS O DELEITE INDECIFRÁVEL DOS CORPOS NUS POR KARLA BESSA

DOUTORA EM HISTÓRIA; PESQUISADORA DO NÚCLEO DE ESTUDOS DE GÊNEROPAGU/UNICAMP; PROFESSORA DO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS/ UNICAMP.

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stávamos em greve na Universidade. Alunos, professores e funcionários com suas respectivas assembleias, pautas e estratégias tentavam pressionar a Reitoria para um acordo. A Reitoria, com dificuldades de negociar qualquer tipo de reivindicação, em especial, de ouvir as solicitações discentes em pontos como: moradia, auxílio creche para mães estudantes, auxílio refeição, autonomia universitária e claro, o mais importante, garantir a universidade pública e gratuita gerava sério impasse. No entanto, naquela tarde, o tema da reunião do CONSUN (Conselho Superior da Universidade) se deslocou da pauta para pensar no que fazer com um bando de alunos que estavam na entrada do prédio e, impedidos de participar da reunião, resolveram tirar as calças e respectivas cuecas para mostrar a bunda para o Conselho ali reunido. Esse gesto, “dar de bunda”, como foi nomeado na ocasião, me parecia rude, hostil, pueril e ineficaz do ponto de vista de uma ação estudantil consciente, enfim, um “tiro no pé” do movimento estudantil do qual eu fazia parte. No entanto, aos poucos a irreverência do ato e o desconcerto dos presentes sugeriram que algo realmente estava ocorrendo. Em outras palavras, a potência do alvoroço dependia em grande medida da recriminação presente no olhar da plateia que funcionava ali na chave da censura, procurando medidas para rapidamente desativar a (escandalosa) cena. Sim, era um espetáculo, no sentido de haver uma deliberada convenção dos strippers para atrair o olhar para aquela parte do corpo (a bunda) que, naquele instante, antes de fabricar curiosidade, iconizava rebeldia, com tons de deboche, contra a seriedade e formalidades que cercam tal instituição acadêmica. Interessante pensar como este gesto dialoga com outras tantas práticas de deliberada exposição do corpo ou de

partes do corpo nu em situações de confronto com valores conservadores e práticas opressivas. A cena também nos permite indagar porque a bunda e não o peito dos jovens foram expostos, logo sugerindo uma diferença de gênero importante no ato de combater com o corpo na berlinda. Recentemente, concomitante ao sucesso midiático das feministas do Femen, vimos circular nos jornais locais e nacionais as Vadias e seus seios expostos, pintados, ornados de palavras de ordem que quase sempre repõem um mesmo slogan “este corpo me pertence”. Tanto as vadias quanto as Femen usam do desvestir o corpo como arma contra o sexismo ou contra a noção de que o corpo feminino seja um objeto a ser consumido, trocado, negociado ou injuriado. No entanto, há diferenças consideráveis na proposta tanto estética quanto política, assim como nas estratégias de atuação destes dois movimentos. Tais diferenças são também diferenças no entendimento de como as normas de gênero atuam por e sobre os corpos humanos, assim como nas relações que ambos os movimentos estabelecem com uma compreensão de masculinidade. O Femen, elegeu estrategicamente lugares de grande visibilidade- Igrejas, Reuniões internacionais, grandes monumentos, encontros de lideranças e recrutam suas agentes com alto nível de seleção física, mantendo um padrão mainstream de beleza branca, pele bem tratada, corpos magros e seios perfeitos – para causarem tumulto com seus seios à mostra. A irreverência do despir-se é visto por elas como uma ação política que desconcerta e atrai a mídia, acostumada a glamourizar o corpo feminino e a colocar como objeto de desejo. Aproveitando-se deste expediente já consolidado, elas tentam inverter o jogo, atraindo, com seus seios/corpos, os olha-


TOPLESS ATIVISTAS DO FEMEN EM FRENTE À TORRE EIFFEL EM PARIS. FOTÓGRAFO: KENZO TRIBOUILLARD/AFP

res para suas reivindicações, como no caso da foto acima, na qual convocam mulheres muçulmanas a também tirarem as roupas. As vadias seguem uma perspectiva mais politizada e aberta em relação à compreensão do que é ser mulher, em muitos lugares, incluindo mulheres transgêneras, sem distinções hierarquizantes. Há também uma grande preocupação com a questão do aborto e do estupro como principais alvos de suas caminhadas. Nas fotos das muitas marchas, as imagens são bem diversas, agregam companheiros e amigos solidários; corpos fora dos padrões da moda e da mídia e insistem que a libertação do corpo, expresso pelo gesto do despir os seios, ou andar de sutiã à mostra ou pintar partes do corpo exposto, em suma, a luta pela libertação dos padrões sociais impostos passa também pela desracialização, pela luta contra o sexismo na organização dos espaços públicos, da vida urbana e familiar. Neste sentido, as Vadias estão conectadas com as vozes da diversidade, com a quebra de padrões de gênero que extrapolam o tema do feminismo como um que “diz respeito às mulheres”, interseccionando outras camadas e dimensões daquilo que diferencia os grupos/indivíduos humanos. Uma branca, outra negra, uma vestida, outra despida. No gesto carinhoso a campanha elabora um libelo que busca por respeito ao sexo/amor entre mulheres. Uma nova aurora do feminismo surge nas pega-

das das Vadias e Vadios que invadem, de bunda de fora e peito nu, a sala de estar do moralismo à brasileira. Ao longo da história, vários usos do corpo nu como confrontação política foram mobilizados, tanto por homens quanto por mulheres. No entanto, o uso recorrente deste expediente nos dias atuais tem chamado atenção. Em termos políticos o que se explicita é o fato de que o corpo despido é um corpo que se coloca numa condição de vulnerabilidade deliberada, justamente para deslocar o campo de batalha para outra dimensão, não mais bélica. Interessante é que toda esta explicitação do corpo acontece em um momento no qual justamente o corpo é um dos grandes alvos do controle da ciência, do Estado, das muitas guerras e disputas religiosas, econômicas, que demarcaram a constituição da modernidade e, em novos patamares, a crise social do século XXI. Tamanhas tentativas de decifrar o corpo (e controla-lo), levou ao que Jean-Jacques Courtine (2011), seguindo passos de Foucault, considerou como o desencantamento do corpo. Com tanta exploração do nu e do erótico na mídia e tantos outros dispositivos de domesticação da nudez, ainda é de se pensar porque o uso político do corpo nu ainda é uma afronta poderosa. Certamente há algo de indecifrável nesta matéria viva que se faz lira e, ao mesmo tempo, retórica política. 15


REVISTA FÁBRICA DE IMAGENS - EDIÇÃO 25 - MARÇO - ABRIL - 2016


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