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Bibliófalo: Manifesto Contrassexual
from Falo Magazine #9
É preciso ter duas coisas em mente antes de ler o Manifesto Contrassexual (Countersexual Manifesto, 2002) do filósofo e escritor espanhol Paul B. Preciado:
1. Manifesto é uma espécie de declaração formal, persuasiva e pública para a transmissão de opiniões, decisões, intenções e ideias, normalmente de cunho político – ou seja, um manifesto é a exposição democrática de um determinado ponto de vista. Na literatura, o manifesto está incluindo no chamado gênero argumentativo, devido a sua natureza de tentar convencer o leitor do discurso narrado através de argumentos.
2. Conhecido originalmente como escritora e lésbica, Beatriz Preciado começou um lento processo de transição em 2010 e, em 2015, mudou seu nome para Paul em definitivo.
Sem essas duas informações é possível que um leitor vivente em nossa sociedade heteronormativa ache o livro completamente insano. A partir de Foucault, Preciado desenvolveu sua teoria para um “novo” tipo de relação sexual, com regras, exercícios e esclarecimentos, todos voltados para desconstrução do sistema de gênero e das práticas sexuais. Coloquei a palavra novo entre aspas, porque o livro foi escrito em 2002, quando Preciado ainda era mulher e lésbica, porém, muitos de seus apontamentos já existem hoje entre as questões de gênero e sexualidade trans (e talvez sinalizem que Beatriz sempre foi Paul).
Como escrevi no editorial desta edição, falar sobre as identidades, orientações e sexualidade do século 21 não é um trabalho simples, uma vez que nossa sociedade ainda prega o binário heterossexual do homem e mulher como a validade única. Por mais mente aberta que você possa ser, sua criação ainda teve modelos dentro desses padrões e isso pode dificultar o entendimento do texto. O palavreado acadêmico-filosófico dá margem a dispersão e, por muitas vezes, o manifesto de Preciado parece agressivo e destrutivo. Se você se permite continuar e ir a fundo nas teorias contrassexuais, a desconstrução vai começar (de forma lenta, como a transição de Paul).
Falando especificamente do falo – já que estamos aqui pra isso –, o Manifesto Contrassexual faz importantes constatações: talvez a mais significativa seja a perda nietzschiana de sentido do falocentrismo frente a possibilidade de duas mulheres fazerem sexo sem a necessidade da penetração. Através do texto árido, Paul argumenta em fatos históricos (e, bem provavelmente, experienciais) que o sexo lésbico desconstrói a potência do falo, quando o pênis pode ser substituído por um dildo ou, então, nem fazer parte do ato. Quando retira o homem e seu membro do centro da sexualidade humana, Paul desenvolve seu manifesto, onde analisa o corpo, o prazer e os desejos.
Em vários momentos, fiquei me perguntando se Preciado chegou a ler A transparência do mal, de Jean Baudrillard. Neste livro de ensaios publicado em 1990, Baudrillard fala da transexualidade como um destino artifical do corpo visível, ou seja, a busca de um argumento existencial leva faz com que a humanidade modifique seus signos vestimentares, morfológicos e gestuais. Tanto Preciado quanto Baudrillard convergem suas ideias sobre a transformação do corpo e da sexualidade, porém, divergem quando o sociólogo francês considera o “ser” como uma performance efêmera baseada num ato de aparência e visualidade sem profundidade (e liga isso ao travesti/ transformista).
Confesso que escrevi esse texto sem ainda chegar ao fim das ideias de Preciado. Como disse, o processo aqui é lento, pois a desconstrução é grande. Sugiro que antes de começar a ler o Manifesto, você leia as entrevistas da coluna Falocampse desta edição, pois funcionam como uma introdução real do que Preciado filosofa. 8=D