Minas Faz Ciência 42

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Divulgação científica

Pós-graduação Resultado da avaliação trienal da Capes indica crescimento do número de cursos de pós-graduação no Brasil e aumento de cursos com conceito 7, o mais alto na classificação. 6

Carro autônomo

O ganhador do Prêmio José Reis, Roberto Lent, fala sobre os principais desafios da divulgação científica e o seu trabalho voltado para crianças e jovens.

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Mecânica

Grupo multidisciplinar de pesquisa desenvolve protótipo de veículo que se locomove sem a intervenção humana e serve como plataforma de testes para diversos projetos.

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Cana-de-açúcar

Pesquisadores da UFMG desenvolvem veículo que funciona como trator e caminhão para uso no campo e nas estradas.

36 Lembra dessa? Pesquisadores da Epamig avançam nas pesquisas com oliveiras e identificam uma nova técnica de propagação das plantas e produção de novas cultivares.

Foi lançada em Minas Gerais uma nova variedade de cana capaz de manter a alta produtividade em diferentes condições geoclimáticas.

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Asfalto

HTLV Projeto avalia os efeitos da radiação solar no envelhecimento do asfalto utilizando testes acelerados de simulação da degradação.

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Design Centro de Estudos em Design de Gemais e Joias da Uemg, referência nacional na área, conduz trabalhos que aliam sustentabilidade e inclusão social.

Domicílios mineiros Pesquisa aponta perfil dos domicílios mineiros e levanta dados que poderão ser utilizados para criação de indicadores e monitoramento de políticas públicas

22 Sustentabilidade

Vírus ainda pouco conhecido por médicos e pela população é alvo de um estudo que partiu do teste do pezinho em recém-nascidos para traçar sua distribuição geográfica. 40

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Notas

Uso eficiente da água proporcionado pelo sistema de irrigação por gotejamento pode triplicar a produtividade no cultivo da cebola.

Pesquisadores mineiros se destacam em importantes premiações, entre elas o Prêmio Balzam, um dos mais importantes da área científica.

26 Especial

Rodadas de negócios, embates de empreendedorismo e novas tecnologias marcaram a Inovatec, um dos maiores eventos de inovação e negócios do Brasil.

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais

Cientistas brasileiros

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O médico e pesquisador Robson Augusto Souza dos Santos, vencedor do prêmio de pesquisa básica Marcos Luiz dos Mares Guia, fala sobre a premiação e os trabalhos desenvolvidos por sua equipe. 50

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte.

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Ao leitor

Expediente MINAS FAZ CIÊNCIA Assessora de Comunicação Social e Editora: Vanessa Fagundes (MG-07453/JP) Redação: Vanessa Fagundes, Ariadne Lima (MG09211/JP), Juliana Saragá (MG-15424/JP) Colaboração: Desiree Antônio, Karina Almeida e Virgínia Fonseca Ilustrações: Beto Paixão Revisão: Aline Bahia Projeto gráfico/Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing Montagem e impressão: Lastro Editora Tiragem: 15.000 exemplares Fotos: Maristela Leão e Marcelo Focado Agradecimentos - Agradecemos a todos os colaboradores desta publicação Redação - Rua Raul Pompeia, 101 - 12.º andar São Pedro - CEP 30330-080 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br

Capa: Máquinas do Futuro Foto: www.sxc.hu Nº42 jun. a ago. 2010

GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Antônio Augusto Junho Anastasia SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Alberto Duque Portugal

Presidente: Mario Neto Borges Diretor Científico: José Policarpo G. de Abreu Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira Conselho Curador: Presidente: Paulo Sérgio Lacerda Beirão Membros: Afonso Henriques Borges Anna Bárbara de Freitas Proietti Evaldo Ferreira Vilela Francisco Sales Horta Giana Marcellini João Francisco de Abreu José Cláudio Junqueira Ribeiro José Luiz Resende Pereira Magno Antônio Patto Ramalho Paulo César Gonçalves de Almeida Rodrigo Corrêa de Oliveira

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A recente avaliação trienal de cursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) apresentou resultados significativos para Minas Gerais. Divulgada em setembro, ela mostra um avanço na pós-graduação mineira. Primeiro, em número: passamos de 368 cursos de mestrado e doutorado contabilizados em 2007, ano da última avaliação, para 430. Segundo, na qualidade dos mesmos: ao todo, 31 cursos de doutorado foram classificados com nota 6 ou 7, concedidos apenas àqueles com desempenho de referência e de inserção internacional. A avaliação comprova algo que a MINAS FAZ CIÊNCIA já tinha certeza: os professores, alunos e instituições do Estado se destacam nacional e internacionalmente por sua competência e excelência nas respectivas áreas de atuação. O que nos indicou isso? A quantidade e variedade de pesquisas que vêm sendo conduzidas, a maioria com resultados inéditos e boas perspectivas de aplicação, que servem de matéria-prima para as reportagens produzidas por nossa equipe de jornalismo. É o caso, por exemplo, do estudo com os veículos autônomos ou robôs móveis, capazes de se locomover e tomar decisões sem a intervenção humana. Hoje, eles podem ser utilizados em tarefas repetitivas ou nocivas à saúde humana, como a busca e o regate de vítimas em incêndios, a vigilância de grandes áreas ou a manipulação de dispositivos explosivos. Um grupo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) está realizando uma série de trabalhos nesse tema e, recentemente, apresentou o protótipo de um carro que se locomove por comandos de computador, sem exigir qualquer esforço físico. Também já tem resultados o trabalho da Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa), maior programa de pesquisa em cana-de-açúcar do Brasil. A Rede é formada por pesquisadores de dez universidades brasileiras e, em duas décadas de existência, já desenvolveu 78 novas cultivares de cana-de-açúcar. Essas novas variedades se destacam por serem mais resistentes a pragas e apresentarem boa produtividade em diferentes condições geoclimáticas. O trabalho de melhoramento genético é minucioso e demorado, mas os resultados são positivos. Apenas em 2010, a Ridesa liberou 13 novos cultivares para o mercado. No setor joalheiro, o destaque fica por conta das pesquisas desenvolvidas pela equipe do Centro de Estudos em Design de Gemas e Joias da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). O Centro dedica-se a atividades de pesquisa relacionadas à valorização dos bens e produtos minerais, atua na capacitação de recursos humanos e também busca soluções para questões sócio-ambientais, como a do resíduo mineral. Neste último, um exemplo é o trabalho realizado em Coronel Murta, no Vale do Jequitinhonha, onde os pesquisadores estão reaproveitando os resíduos da mineração para fabricação de adornos e joias. A iniciativa já rendeu prêmios ao grupo e está ajudando a transformar a vida da comunidade local. Confira, ainda, uma entrevista com Roberto Lent, neurocientista e pesquisador, ganhador deste ano do Prêmio José Reis de divulgação científica. Entre suas criações está uma série de livros infantis que contam a história de uma turma de neurônios. Nesta conversa, que aconteceu durante a 62ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Lent fala sobre a divulgação científica hoje, os desafios que persistem, o trabalho com jovens e crianças e o caminho para aqueles que desejam trabalhar com a difusão do conhecimento para a sociedade. A revista não termina por aí e traz outros trabalhos importantes na área de saúde, infraestrutura viária e política pública. Apenas uma amostra, claro, das muitas pesquisas que vêm sendo desenvolvidas por esse time de profissionais que merece nosso reconhecimento. Aos pesquisadores, alunos e instituições de CT&I de Minas Gerais, nosso parabéns pelos resultados obtidos na avaliação da Capes. Aos nossos leitores, esperamos que apreciem esta edição!

Vanessa Fagundes Editora


Cartas apresentadas pela revista enriquecem ainda mais o meu conhecimento. Parabéns a todos da equipe!!!” Cibele Cynthia Araújo Gomes Contagem/MG

Publicação trimestral da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG nº 41 - mar. a maio. 2010 MINAS FAZ CIÊNCIA informa que as cartas enviadas à Redação podem ou não ser publicadas e, ainda, que se reserva o direito de editá-las, buscando não alterar o teor e preservar a ideia geral do texto.

“Olá! Meu nome é Eliza de Oliveira Macedo, sou estudante de Psicologia da Faculdade de Minas - FAMINAS, em Muriaé/MG. Conheci a revista MINAS FAZ CIÊNCIA através de minha irmã que é bióloga. Ela é simplesmente apaixonada por essa revista e eu passei a dividir essa paixão com ela. Todo o conteúdo da revista é interessantíssimo: os temas, atualizados e diversificados, atendem aos mais variados públicos, estudantes, professores e profissionais de Minas. Por isso, gostaria de receber gratuitamente a revista para que eu também possa me enriquecer com toda a informação que ela pode trazer pra minha vida acadêmica, profissional e pessoal. Quem sabe, num futuro próximo, eu também possa publicar alguma pesquisa na MINAS FAZ CIÊNCIA??!! Como sugestão, gostaria de pedir atenção da revista para a Musicoterapia, um tema muito legal e que tem ajudado na melhora de vida de muitas pessoas nos dias de hoje”. Eliza de O. Macedo Estudande / Faminas São Sebastião da Vargem Alegre/MG RESPOSTA Sua sugestão foi anotada, Eliza. Agradecemos o contato!

“Tive a oportunidade de conhecer a revista MINAS FAZ CIÊNCIA e fiquei muito interessa“Primeiramente, quero agradecer-lhes pela da em poder receber os exemplares em minha remessa da revista MINAS FAZ CIÊNCIA residência, pois a revista possui publicações de deste mês. Parabenizo a todos pelo conteú- alto nível e com uma boa credibilidade, o que do da mesma, principalmente pela matéria garante segurança nas informações apresenintitulada “Procuram-se Engenheiros”, da tadas. Caso seja possível, gostaria muito de Juliana Saragá. É uma matéria riquíssima receber a revista, já que a mesma será de nos demais conteúdos abordados pelo grande ajuda para minha formação acadêmidoutor Vanderli Fava de Oliveira. Para mim, ca. Desde já, agradeço por este presente”. Sarah Francelli Alves Gandra que trabalho na Universidade de Itaúna, Estudante / Faculdades Integradas Pitágoras na secretaria do curso de Engenharia de Montes Claros/MG Produção, foi uma maravilha. Inclusive, gostaria de receber mais duas revistas ou mais desta edição para que eu possa mostrar ao “Conheci a revista MINAS FAZ CIÊNCIA atranosso coordenador do curso, a pró-reitora vés de uma amiga que trabalha comigo e que etc. Estou pensando até numa possibilida- participou de uma Feira que aconteceu na de de uma palestra do doutor Vanderli, aqui cidade de Belo Horizonte. Gostaria muito de em nossa Universidade. Desde já, deixo os receber esta revista, pois me interessei pelos assuntos abordados. Gosto muito de estar por meus sinceros agradecimentos.” Roselé Fernando de Andrade dentro dos assuntos ambientais, quero apriItaúna/MG morar meus conhecimentos. Aguardo uma resposta dizendo se poderei receber esta re“Sou leitora assídua da revista já há um vista, pois estou realmente interessada.” Thamires Laise M.de Assis Ribeiro bom tempo. Na época, fazia um curso técnico de biotecnologia e fiquei sabendo da Técnica em Meio Ambiente e Saúde Pública existência da revista por uma professora do Nova Era/MG curso. Sem pensar duas vezes, fiz o cadastro para recebê-la. Atualmente, sou forma- “Gostaria, em primeiro lugar, de parabenizar da em Ciências Biológicas e as reportagens a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, sempre com

matérias úteis e de fácil entendimento. Sempre faço uso das matérias para pesquisas escolares do meu filho. Gostaria de informar a mudança de endereço, para continuar recebendo a revista.” Rose Rocha Belo Horizonte/MG “Sou graduanda do curso de Ciências Biológicas (e técnico em Meio Ambiente) e tive acesso a várias revistas MINAS FAZ CIÊNCIA que me foram emprestadas pela minha orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso em que meu tema trata-se dos Bioinseticidas. Achei o trabalho de vocês muito interessante e, em tempo, gostaria de parabenizá-los.” Juliana Rodrigues Caeté/MG “Ao receber de um colega de trabalho boas informações sobre esta revista, entrei no site e fiquei maravilhada com tudo que li. Aproveito a oportunidade para parabenizar a equipe responsável por essa publicação. Gostaria de receber a mesma gratuitamente no meu endereço.” Nelcília Maria Gonçalves Extensionista/Projeto Jaíba Por e-mail “Agradeço a FAPEMIG pela minha inclusão na lista dos destinatários da revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Aqui, em terras goianas, passei a ser uma “formiga divulgadora” dos importantes trabalhos e matérias impressas. Amigos e colegas de trabalho ficam surpresos ao ver o esforço em prol da ciência traduzido na qualidade de cada edição.” Benicio Araujo Técnico agrícola Goiânia/ GO ERRATA “Como leitor da revista MINAS FAZ CÊNCIA da FAPEMIG venho informar um erro encontrado no volume 41 (Março/Maio 2010). Na página 41, bem no fim do último parágrafo vem: “Uma vez determinadas, a equipe tentou produzi-las em laboratório a partir de técnicas como sublimação (passagem do estado sólido diretamente para o estado líquido)...”. De acordo com os fundamentos de química a sublimação é a transição de uma fase sólida para gás. Transição de sólido para líquido é denominada fusão.” Matheus Venturini Almeida Professor de Química Por e-mail RESPOSTA O leitor Matheus Almeida tem razão. No trecho em destaque, o correto é “...técnicas como a sublimação (passagem do estado sólido diretamente para o estado gasoso)...”. Agradecemos a observação!

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, preencha o cadastro no site http://revista.fapemig.br ou envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080 MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Pós-graduação

Mais e melhor

Avaliação trienal da Capes indica que a pós-graduação no Brasil teve crescimento de 20% nos últimos três anos; número de cursos com conceito 7 aumentou 26%

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A pós-graduação strictu sensu no Brasil, categoria que inclui cursos em nível de mestrado e doutorado, cresceu em quantidade e em qualidade nos últimos três anos. Esse é o resultado da avaliação mais recente realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC) que se dedica ao fortalecimento dos cursos de mestrado e doutorado no Brasil. A Avaliação Trienal 2010 da Capes, divulgada em setembro, analisou a qualidade e a estrutura de 2.718 programas de pósgraduação em 46 áreas referente ao período de 2007 a 2009. O exame mostrou que houve aumento de 20,8% dos cursos de pósgraduação oferecidos por instituições de ensino brasileiras. Em números absolutos, isso representou um aumento de 2.256 cursos analisados na avaliação trienal anterior para 2.718 na atual. Ao todo, 19% obtiveram conceitos mais altos em comparação aos recebidos na avaliação anterior, 71% mantiveram o nível de qualidade e 10% tiveram o seu conceito rebaixado. Além do crescimento quantitativo e qualitativo geral, o diretor de avaliação da Capes, Lívio Amaral, destacou o crescimento da área multidisciplinar, que incluiu cursos que combinam diferentes campos de conhecimento, e a avaliação, feita pela primeira vez, dos livros didáticos adotados pelos cursos. “A pós-graduação brasileira em todas as áreas de conhecimento e em todas as regiões do país tem crescido fortemente, sendo que no triênio foi da ordem de 20%. O processo de avaliação da Capes analisa cada novo curso no seu início e depois, ao longo do tempo, o seu crescimento. Ele tem se mostrado de qualidade e cada vez contempla mais áreas e maior interdisciplinaridade”, avalia o diretor. A avaliação, feita a cada três anos desde 1976, tem uma série de objetivos, todos eles voltados, de forma direta ou indireta, para o aprimoramento da pósgraduação nacional. Um dos principais é definir os parâmetros de qualidade dos cursos e identificar aqueles que estão de acordo com esse padrão.

É a partir deles que a instituição avalia os programas de mestrado e doutorado e distribui conceitos de 1 a 7, com base nos quais recomenda ou não os cursos. Aqueles que recebem notas 1 e 2 deixam de ser recomendados. Programas que oferecem apenas a modalidade mestrado podem obter conceito máximo de 5. A nota 6 é reservada para cursos com doutorado e com elevado padrão de excelência, e o conceito 7 apenas para aqueles considerados de ponta, de nível internacional e com desempenho claramente destacado, inclusive, em comparação aos cursos de nota 6. Para determinar esses conceitos, foram convocados 877 avaliadores, professores e pesquisadores considerados especialistas em suas áreas de atuação, organizados em 46 comissões. Os critérios de avaliação variam de acordo com as especificidades de cada área, mas, de modo geral, estão organizados em cinco grandes eixos. O primeiro deles é a proposta do programa que diz respeito à coerência, consistência e abrangência das áreas temáticas, das linhas de pesquisas e projetos desenvolvidos, grade curricular e infraestrutura para ensino e pesquisa, aí inclusos a biblioteca, os laboratórios dentre outros recursos. A ele, segue-se a análise do corpo docente, não apenas de sua extensão e titulação, mas também a diversidade da formação daqueles que o compõem, a compatibilidade entre sua formação e a proposta do programa, além de seu envolvimento também com as atividades de pesquisa e ensino em nível de graduação. O terceiro quesito é a qualidade do corpo discente e do trabalho (teses e dissertações) desenvolvido por ele: a quantidade de trabalhos defendidos em relação ao número total de alunos, a contribuição dos estudantes na produção bibliográfica do programa e a formação de mestres e doutores, considerando-se o tempo levado e o percentual de bolsistas da Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os dois últimos quesitos são a expressividade da publicação intelectual, a relação do número de artigos MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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e textos publicados e de docentes permanentes, e a inserção social, que se refere aos benefícios gerados pelo programa à sociedade, em âmbito regional ou nacional, e sua interação com outros cursos visando ao fortalecimento da pós-graduação no país. Esses critérios, no entanto, podem ser revistos entre uma avaliação e outra a fim de contribuir para um retrato mais fiel dos cursos. A adoção dos mesmos critérios para a avaliação de diferentes áreas de conhecimento são um dos grandes desafios do processo, segundo o diretor, mas ele acredita que o resultado até então tem sido satisfatório. “O modelo de avaliação da Capes é hoje um processo de ampla aceitação e reconhecimento da comunidade brasileira. No entanto, esse processo está em permanente mudança de modo a acompanhar e contemplar aquilo que é próprio da formação de mestres e doutores, ou seja, a própria natureza do conhecimento.” É importante ressaltar que as instituições podem recorrer do conceito que receberam e solicitar uma nova avaliação. Os recursos são apreciados pelo próprio departamento, e o conceito final deve ser divulgado até o fim do ano.

De Norte a Sul Um ponto que marca a Avaliação Trienal 2010 da Capes é a constatação

de que a pós-graduação cresceu em quantidade em todo o país (veja figura na página 11). A região Norte foi aquela que apresentou maior aumento em termos percentuais: 35,5%. O menor crescimento foi da região Sudeste, de 14,9%. Por concentrar tradicionalmente o maior número de cursos e algumas das instituições de ensino mais destacadas, o aumento dos programas de pós-graduação nos Estados da região é proporcionalmente menor comparado ao das demais. Geograficamente, os programas de pós-graduação estão assim distribuídos: 53,4% se encontram no Sudeste, com 2.190 cursos; 19,8 % no Sul, com 810 cursos; 16,4% no Nordeste, com 672 cursos; 6,6% no Centro-Oeste e 3,5% no Norte, com 157 cursos. De acordo com relatórios da Câmara de Avaliação da Capes, cada uma das regiões teve algum ponto a ser destacado. Nos Estados do Sul, por exemplo, o que chama a atenção é o baixo índice de cursos que deixaram de ser recomendados, com conceitos 1 e 2: apenas 1,2%. Já no Norte, destaca-se o expressivo aumento de 35,3% no número de cursos criados nos últimos três anos, muito superior à média nacional de 20,8%. Nela, destaca-se o Tocantins, onde houve aumento de 167% dos programas de pósgraduação, passando de três em 2007 para oito em 2010. O Centro-Oeste também teve crescimento considerável e superior à mé-

Divulgação Capes

O diretor de avaliação da Capes Lívio Amaral destaca o crescimento quantitativo e qualitativo dos cursos apontado pela avaliação.

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dia do país (29,8%) e possui dez cursos considerados de excelência, pontuados com notas 6 e 7. No Nordeste, também merece destaque o crescimento de mais de 30% dos programas de pós-graduação. A Câmara de Avaliação cita a experiência de dois Estados: Sergipe, que passou de 13 para 27 cursos, e Piauí, que passou de 10 para 20. O Sudeste mantém sua posição como a região que possui os cursos mais bemavaliados, com conceitos 6 e 7: 467 do total de 594 cursos. Desses cursos de ponta, com conceitos 6 e 7, 31 são oferecidos por instituições mineiras: são 18 com notas 6 e 13 com conceito 7 mantidos por quatro universidades e uma faculdade. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é a responsável pelo maior número de cursos com alto conceito: são 13 com nota 6 e 9 com nota 7. Ela é seguida pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), com 2 cursos de conceito 6 e 4 de conceito 7; a Universidade Federal de Uberlândia, teve um curso com nota 6, assim como a Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (FAJE). Na opinião do reitor da UFV, Luiz Cláudio Costa, a avaliação é motivo de orgulho para a universidade e também um estímulo para manter e aprimorar o nível dos cursos oferecidos. “A UFV tem grande tradição e muita preocupação com o setor de pós-graduação, mesmo porque entendemos que ela fortalece também a graduação, através de projetos que possibilitam o contato entre graduandos e pós-graduandos”. Com seis programas de alto nível dentre os 57 que a universidade possui – 35 de mestrado e 22 de doutorado--, o reitor ressalta que, apesar de ter ficado satisfeito com o resultado da entidade, acredita que alguns cursos deveriam ter recebido conceitos mais altos como as pós-graduações em Solos e Nutrição de Plantas, ligada ao curso de Agronomia, e em Fitotecnia, que foram avaliados com notas 5. A instituição recorreu da avaliação da Capes, solicitando uma revisão do conceito. “A universidade é um universo muito complexo para ser avaliada por alguns índices, mas precisa ser avaliada, até para mostrar à sociedade o que


vem sendo feito e o que pode ser melhorado”, resume. Já para Alfredo Júlio Fernandes Neto, reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a avaliação é um marco: essa é a primeira vez que um de seus cursos de pós-graduação – o de Engenharia Mecânica – recebe o conceito 6. “É motivo de grande orgulho para nós, principalmente porque nossa universidade ainda é relativamente nova, tem apenas 30 anos. Isso é de fundamental importância para servir de incentivo para outros cursos”, diz. Na UFU, o parecer da Capes sobre a pós-graduação, oferecida há 25 anos, tem outro ponto positivo: o curso de Biologia Celular foi aprovado e será oferecido, por ora, apenas na modalidade mestrado. O reitor destaca ainda o fato de que nenhum dos 29 programas teve seu conceito rebaixado. “Para nós, o resultado mostra o sucesso de nossos projetos, apoiados por várias instituições, inclusive a FAPEMIG, e também uma postura da universidade de buscar mais do que quantidade, e sim buscar ter cursos de qualidade”, conclui.

Tops de linha Também merece destaque o aumento do número de cursos que receberam o conceito 7 em comparação à Avaliação Trienal de 2007: de lá pra cá, os programas com nota máxima passaram de 82 para 112, o que corresponde a um crescimento de 26%. Há cursos com conceito 7 distribuídos por quase todas as nove grandes áreas do conhecimento – Ciências Agrárias, Ciências Exatas, Ciências da Saúde, Ciências Humanas, Ciências Biológicas, Ciências Sociais Aplicadas, Engenharias e Linguística, Letras e Artes -, excetuando-se apenas a área multidisciplinar, cuja constituição ainda é muito recente se comparada com as demais. O aumento se deve principalmente a programas que tinham nota 6 e passaram a ser mais bem-avaliados, como aconteceu com a pós-graduação em Ciências da Computação oferecida pelo Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG. Fundado em 1974 apenas com o mestrado (o doutorado

“A avaliação, feita a cada três anos desde 1976, tem uma série de objetivos, todos eles voltados, de forma direta ou indireta, para o aprimoramento da pós-graduação nacional. ” foi criado em 1991), o curso permaneceu com o conceito 5, que recebeu em 1998, até passar por duas progressões consecutivas nas avaliações mais recentes: alcançou o conceito 6 na avaliação trienal de 2007 e alcançou a nota 7 na mais recente. Apenas três cursos de pós-graduação em Ciências da Computação receberam conceito 7: além do curso da UFMG, o programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). “Essa avaliação mostra o reconhecimento de nosso esforço em manter o programa sempre nos níveis mais altos e equiparado a níveis internacionais”, diz Wagner Meira, subcoordenador do curso e professor do Departamento de Ciências da Computação da UFMG. O foco na qualidade da produção acadêmica e a formação do corpo docente são, para Meira, os grandes diferenciais do programa e fatores que,

combinados a outros, levaram ao seu destaque no cenário nacional. O corpo docente conta com 32 dos 50 professores do departamento e sua formação levou em conta a contratação preferencial de profissionais que tivessem um perfil de pesquisador, mais do que apenas de professores, e que tivessem disposição e competência técnica para o desenvolvimento de pesquisas. A razão para isso remonta à década de 1980, quando houve grande incentivo por parte da universidade na promoção do doutorado, tanto para seus professores quanto para os alunos do mestrado que acabara de ser criado. À essa época, a instituição já contava com um contingente de pesquisadores aptos a integrar seus quadros, aqueles que haviam se doutorado no exterior durante a década de 1970 e retornavam ao país. A prioridade, então, era fortalecer e consolidar o mestrado antes de expandir o curso também para o doutorado, o que só ocorreu 17 anos depois. Como ressalta Meira, dar atenção especial ao doutorado, como hoje acontece, não significa deixar o mestrado relegado a segundo plano. A opção é justificada pelo acompanhamento mais próximo demandado pelos projetos dessa titulação e pela espécie de conhecimento que pode ser gerado a partir do projeto. A seleção dos alunos, aliás, tanto do mestrado, mas principalmente do doutorado, é um dos pontos que ganha atenção especial do corpo docente. Para essa modalidade, a seleção é feita em fluxo contínuo, ou seja, o edital vale por um ano e os candidatos vão submetendo seus projetos à avaliação do departamento durante esse período. Fonte: DC/FAPEMIG

Cursos de Pós-Graduação em MG Ano

Mestrado

Doutorado

Total

2004

176

97

273

2007

241

127

368

2010

287

143

430

Crescimento de 34,80% - 2004 a 2007 Crescimento de 16,85% - 2007 a 2010 MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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De modo geral, o perfil daqueles que procuram a pós-graduação em Ciências da Computação varia entre quem acabou de terminar a graduação e quer aprimorar sua formação antes de entrar para o mercado de trabalho e docentes que já possuem o mestrado e querem obter o doutoramento. Atualmente, estão matriculados 196 alunos no programa: 111 no mestrado e 85 no doutorado. Ao todo, o programa foi responsável pela defesa de 841 defesas, de 739 de mestrado e 82 de doutorado. Apesar da boa avaliação, ainda há muito a ser feito, na opinião do coordenador do curso, José Marques Nogueira. Os planos para o futuro são, em primeiro lugar, tentar manter o nível do programa, um grande desafio na opinião do professor. “Ao receber esse conceito, passamos a ser ao mesmo tempo espelho e vidraça, porque todos estarão atentos a nós, seja como referência ou como alvo de críticas, em caso de deslizes”, comenta. Outros desafios são reduzir a discrepância entre a formação dos pesquisadores no Brasil e no exterior e estreitar a relação do curso com instituições de ensino estrangeiras. Para vencê-los, o curso estabeleceu parcerias com universidades e empresas em outros países – Estados Unidos, Canadá, França e Inglaterra e Alemanha dentre outros, - e incentiva os alunos a fazerem estágios e intercâmbios. Também está entre as prioridades de curto prazo expandir as instalações destinadas ao programa, visando a aumentar o número de vagas oferecidas para o doutorado, que hoje é 25. No próximo ano, terá início a construção de um anexo próximo ao ICEx no campus da Pampulha. O prédio terá seis andares e deverá ser ficar pronto em 2012. Meira acredita que o crescimento que o curso apresentou nos últimos anos não teria sido possível sem apoios financeiros como, por exemplo, o do Programa Mineiro de Capacitação Docente (PMCD), iniciativa idealizada e mantida pela FAPEMIG em parceria com a Capes, que oferece bolsas parciais e totais a alunos inscritos no doutorado.

Do Amazonas para Minas Se o conceito serve para que a Capes indique o programa ou para que o

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MEC reconheça a validade do diploma por ele emitido, ele serve também para nortear a escolha de quem pretende cursar o mestrado ou doutorado. A procura por um curso que tenha recebido uma boa avaliação pode valer uma mudança de cidade ou de Estado. Que o diga o doutorando em Ciências da Computação pela UFMG, Vilar da Câmara Neto, que saiu de Manaus, no Amazonas, para cursar inicialmente o mestrado e, mais tarde, o doutorado na universidade mineira. Formado em engenharia civil, Vilar trabalhava na Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi) em Manaus, instituição especializada no desenvolvimento de projetos tecnológicos visando ao fortalecimento da indústria instalada na Zona Franca de Manaus. Em 2002, ele decidiu cursar o mestrado em computação, de preferência numa universidade que fosse bem-conceituada e tivesse tradição na área. As escolhas recaíam sobre os cursos das escolas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Após pesquisar as estruturas curriculares, ele optou por se candidatar à seleção da UFMG. “Tinha referências muito boas do curso, que à época tinha conceito 5, e a qualidade de vida da cidade também me atraía”, revela. Somada a isso, pesava também a favor da capital mineira uma parceria entre a universidade e a empresa em que trabalhava, o que contribuiu para a vinda de outros colegas para Minas. E a mudança valeu a pena, segundo Vilar. Ele, que iniciou o mestrado em 2003 e o doutorado em 2006, diz que ficou deslumbrado com a estrutura que encontrou na universidade. “Se soubesse de antemão que era assim, nem teria cogitado outros locais. Os professores daqui respiram a universidade noite e dia; estão sempre dedicando a sua energia para a promoção do curso. É um local com ideias borbulhando, desde os alunos da graduação aos professores, nos projetos de pesquisa, extensão e nos laboratórios. Tem que estar aqui para sentir isso”, conta. Completamente envolvido nesse ambiente, Vilar acredita que a progressão que o curso recebeu nas duas

avaliações foi bastante justa. O resultado veio apenas confirmar um movimento que ele já havia notado: nos últimos anos, o número de candidatos ao programa aumentou, assim com o número de projetos de pesquisa e de publicações. A quantidade e o nível dos candidatos que participam dos concursos para professores do departamento é outro indicador que ele percebe para a evolução do programa. Para o doutorando, profissionais que se formaram em instituições de ponta tendem a procurar universidades em que possam dar continuidade a um trabalho de qualidade. “Estou bastante satisfeito com o programa e sei que o conceito renderá bons ganhos como reconhecimento da qualidade da formação”, afirma o doutorando, que deverá defender até o final do ano a sua tese sobre visão computacional, parte da ciência da computação que investiga o reconhecimento das imagens por robôs e suas aplicações.

Investimentos Para que Minas Gerais chegasse a atingir esse nível de qualidade e figurar como o terceiro Estado em número de cursos de pós-graduação, ficando atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro, uma série de investimentos foi realizada, tanto pela Capes quanto pela FAPEMIG. A agência de fomento mineira tem hoje participação crucial no aprimoramento da formação de mestres e doutores. Entre seus projetos, há aqueles destinados especificamente a esse fim, promovidos em parceria com a Capes. Exemplo disso é o já citado Programa Mineiro de Capacitação Docente (PMCD), que visa a acelerar a formação de doutores através da concessão de bolsas durante 18 meses para auxiliar a manutenção das atividades do aluno. Para pleitear as bolsas, o candidato deve estar matriculado em algum curso de pós-graduação com conceito igual ou superior a 5 e ser indicado por professores do departamento. Lançado em 2008, o PMCD já beneficiou 71 estudantes, totalizando um investimento de mais de R$2,5 milhões.


Outra iniciativa é a o Programa de Apoio aos Cursos Seis e Sete (PACSS), também uma parceria com a Capes, cujo objetivo é elevar o patamar de qualidade de cursos que podem alcançar as notas 6 e 7 e manter o nível daqueles que já possuem esses conceitos, injetando verbas para melhorias de infraestrutura. Mais três projetos completam o rol de ações voltadas para a pós-graduação mineira, principalmente para os cursos de ponta. O primeiro é a Bolsa Conhecimento Novo. A proposta é apoiar pesquisadores que atuam no desenvolvimento de inovações científicas e tecnológicas, por meio de bolsas e de custeios, que somados chegam ao valor de R$7 mil durante três anos. A ideia é induzir a produção de pesquisas ligadas a temas não explorados e que possuam um alto grau de incerteza. Para isso, as propostas elaboradas pelos candidatos são avaliadas por pesquisadores internacionais, reconhecidos como grandes autoridades na área em que se situa o projeto. Já o Estágio Sanduíche, implantado em 2009, concede bolsas a alunos de doutorado matriculados em cursos 6 e 7 para viabilizar a realização um intercâmbio em alguma instituição de ensino estrangeira de alto nível. O último, o Programa para Aquisição de Equipamentos para a Pós-Graduação, tem como objetivo custear a aquisição de equipamentos e materiais para formação e melhorias de laboratórios e outros espaços de aprendizado. Essas ações integram um acordo de cooperação entre a Capes e a FAP mineira, que estabeleceu uma divisão do montante na proporção de 1 para 1,5, ou seja, a cada um real investido pela FAPEMIG, a Capes se compromete a contribuir, em contrapartida, com R$1,50. Segundo o diretor científico da FAPEMIG, José Policarpo Gonçalves de Abreu, o resultado desses esforços é demonstrado pelos números: entre as duas avaliações mais recentes da Capes, o Estado apresentou uma melhora de 57% na conceituação dos programas, além do já mencionado crescimento quantitativo de 16,85%. “Isso é

uma prova de que o trabalho realizado pela FAPEMIG é um dos melhores do país. Nosso menu de projetos e editais é mais completo em comparação de outras FAPs. Temos uma preocupação muito marcada de viabilizar a formação de pesquisadores em todo o processo, mesmo antes da pós-graduação”. O diretor se refere a programas mantidos pela agência, como o Bolsa de Iniciação Científica Jr. (BIC Jr.), que estimula jovens estudantes do ensino médio a envolverem-se com pesquisas científicas em centros de pesquisa, e o Programa de Apoio a Núcleos Emergentes de Pesquisa (Pronem), idealizado para permitir a continuidade do trabalho de grupos que ainda precisam se consolidar. Para o futuro da pós-graduação mineira, Abreu revela que um dos grandes objetivos da FAPEMIG é intensifi-

car a sua internacionalização, buscando fazer do Estado um pólo de atração em ensino para pesquisadores estrangeiros. A concretização desse plano teria duas dificuldades principais: os custos de permanência desse estudante no país e o problema do idioma. As soluções em vista seriam dividir a responsabilidade dos custos com o país de origem e a elaboração de um rol de disciplinas que sejam ministradas em inglês, que é atualmente a língua em que é produzida a maior parte do conhecimento cientifico. “Pode haver uma certa resistência de muitos docentes para que isso ocorra, mas podemos propor editais específicos para auxiliar àqueles que se dispuserem a se adequar à novidade. Para os demais, temos que mostrar que eles também serão beneficiados pela maior abertura do curso”, avalia. Desireé Antônio

MAPA DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL Região Norte: 157 cursos (3,5%) Região Nordeste: 672 cursos (16,4%)

Região Centro-Oeste: 270 cursos (6,6%) Região Sudeste: 2.190 cursos (53,4%)

Região Sul: 810 cursos (19,8%)

Total de cursos em 2007: 3394 Total de cursos em 2010: 4099 (Crescimento: 20,8%) MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Mercado Robótica

Carro Inteligente

Grupo da UFMG desenvolve veículo capaz de se locomover sem intervenção humana Michael Knight era um tipo de cavaleiro medieval dos “tempos modernos”. Ele dirigia um carro com avançada tecnologia e personalidade própria, adquiridas a partir do desenvolvimento de uma inteligência artificial. O veículo possuía um “cérebro computadorizado” e tomava decisões por conta própria, como desviar de obstáculos e assumir o controle enquanto o motorista dormia ao volante. O enredo é da série “A Super Máquina”, que foi ao ar no Brasil no início da década de 1980, época em que tais características seriam impossíveis para um automóvel. Hoje, porém, isso é uma realidade. Isso é o que provam pesquisadores do Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Veículos Autônomos (PDVA), vinculado à Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Eles criaram um protótipo de carro autônomo, ape-

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lidado de CADU (Carro Autônomo Desenvolvido na UFMG), que se locomove por comandos de computador, sem exigir qualquer esforço físico. O motorista pode dar as coordenadas através de um GPS, comando de voz, ou até mesmo um joystick, como os de videogames. O Astra modelo 2004 utilizado no projeto foi ganho pela universidade em uma competição de economia de combustível, em 2002, quando a equipe concorreu com um protótipo que alcançou a média de 600 quilômetros por litro. Como prêmio, a Chevrolet doou o automóvel para pesquisa. A transformação do carro começou em 2007 com o desenvolvimento de hardwares e softwares para automatização de seus principais sistemas, como direção, câmbio, aceleração e freio. O veículo, capaz de se locomover tanto de forma autônoma quanto de

maneira tradicional, serve também como uma plataforma de testes para os projetos do grupo. Todo o sistema de navegação foi desenvolvido através de dois projetos aprovados pela FAPEMIG. “A intenção foi combinar diversos sensores para o veículo se localizar, identificar e desviar obstáculos, e assim, se locomover de forma autônoma”, explica Guilherme Augusto Silva Pereira, coordenador do projeto.

Sensores Conhecidos como robôs móveis, os veículos autônomos (terrestres, aéreos ou aquáticos) são capazes de se locomover e tomar decisões sem que haja intervenção humana. Substituindo o homem, eles podem ser utilizados para realizar tarefas repetitivas e nocivas à saúde humana, como busca e resgate de vítimas em incêndios, inunda-


ções e acidentes, vigilância de grandes áreas, monitoramento ambiental e até mesmo atuar em situações extremas como desativar bombas. A navegação de robôs com segurança é um desafio para diversos pesquisadores da área de robótica móvel. Em sistemas reais, os robôs móveis têm um espaço de trabalho normalmente dinâmico com pessoas passando e objetos que mudam de lugar a todo o instante. Para os robôs, perceber estes obstáculos somente é possível por meio de sensores. Quando são reconhecidos corretamente, os robôs podem planejar a sua trajetória. Para um carro autônomo, por exemplo, se os obstáculos forem reconhecidos em tempo real, torna-se possível trafegar por ruas com outros carros e pedestres. “Quando nos locomovemos, utilizamos o nosso conhecimento prévio, como a visão ou um mapa, por exemplo. Estas informações armazenadas em nosso cérebro nos dizem qual o melhor caminho a seguir. Os robôs precisam de tais sensores para imitar este comportamento humano”, esclarece o pesquisador. No caso do Carro Autônomo da UFMG, foram combinados sensores internos, como GPS, acelerômetros (mede a aceleração do veículo) e girômetros (medem a velocidade angular) e externos, como câmeras de vídeo, sensor de distância a laser – feixe de luz que percorre o ambiente e mede a distância – e sensores ultrassônicos, os mesmos utilizados em carros comerciais que possuem sensores de estacionamento. “Eles são similares aos sensores a laser, só que bem mais baratos, por isso foi possível utilizar vários deles no veículo”, completa Pereira. A combinação de sensores é muito utilizada na robótica e serve para amenizar o efeito dos ruídos, ou seja, informações imprecisas que podem fazer com que o veículo tome decisões erradas. “Se um erro no GPS, por exemplo, diz que o veículo está em uma posição em que ele não está, será difícil para ele se locomover. Por isso combinamos o GPS com outros sensores. Para cada problema que temos, uma nova combinação é feita, assim estamos

sempre aperfeiçoando o sistema’, exemplifica o coordenador. O software desenvolvido pelo grupo integra os sistemas de controle e sensoriais por meio de um módulo que controla a posição e atitude do veículo. Para a validação do sistema, foram realizados diversos experimentos onde o carro percorria por um trajeto pré-definido.“Dirigíamos o veículo por determinado caminho e ele salvava os dados de localização, ou seja, a trajetória percorrida. Depois, acionávamos o comando para que o carro repetisse o mesmo caminho”, conta. Duas câmeras instaladas no teto do automóvel imitam o sistema visual do ser humano por meio de técnicas de visão computacional. As imagens, processadas no computador acoplado ao painel, permitem que o veículo detecte obstáculos à sua frente. Esta etapa está sendo aperfeiçoada atualmente. “Para nós é muito fácil distinguir uma folha de uma caixa, por exemplo. Para o veículo não é tão simples. Há certa imprecisão. Por isto temos que desenvolver algoritmos mais sofisticados”, detalha. A segurança do veículo e das pessoas ao redor também foi uma preocupação no desenvolvimento do CADU. Ele tem um sistema de emergência que permite sua parada instantânea em caso

de pane. Quando é detectada alguma falha, o veículo freia automaticamente. O carro ainda possui três botões que acionam o freio. Um no painel, um no teto e outro com acionamento sem fio, para o uso de quem observa o trajeto. Fotos: Marcelo Focado

O veículo pode se locomover tanto de forma autônoma quanto de maneira tradicional.

Seus principais sistemas, como direção, câmbio, aceleração e freio, são automatizados. MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Nacionalizar é preciso O PDVA é um dos primeiros grupos de pesquisa do Brasil na área de carros autônomos. No país, além da UFMG, este tipo de pesquisa existe apenas na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e na Universidade de São Paulo (USP). O desenvolvimento de veículos autônomos tem despontado no campo da robótica, como visto, por exemplo, nas competições promovidas nos Estados Unidos desde 2004 pela DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), em português, Agência de Projetos de Pesquisa em Defesa Avançada. Com o evento, diversos grupos de pesquisas envolvendo empresas e universidades se formaram com o objetivo de desenvolver sistemas veiculares robustos e seguros para aplicações comerciais e militares. O número de participantes a cada edição aumenta, e revela interesse e progresso na área de pesquisa e desenvolvimento de veículos autônomos. Uma das dificuldades de adquirir esta tecnologia de fora do país é porque muitas têm aplicações bélicas. Os Estados Unidos, por exemplo, já possuem diversos aviões autônomos que podem ir para guerra sem que haja perdas humanas. Para a Copa do Mundo 2014, a Polícia Federal brasileira anunciou em agosto deste ano a compra de um robô móvel que detona bombas à distância com jato d’água, no caso de ataques terroristas. De origem

canadense, o robô custou US$ 860 mil. “O Brasil precisa ter a sua própria tecnologia. É uma questão de segurança nacional”, alerta Pereira

Futuro Apesar dos esforços realizados nesta área de pesquisa, o caminho para a produção em massa de veículos autônomos ainda é lento. Mas as tecnologias desenvolvidas proporcionam avanços no setor automobilístico, principalmente em aspectos ergonômicos e de segurança. “O objetivo principal do nosso projeto foi criar uma plataforma de testes, uma infraestrutura experimental na área de navegação de veículos autônomos. Nele, podemos testar tecnologias assistivas que auxiliem o motorista a dirigir e evitar acidentes. Por exemplo, o veículo pode emitir um alerta quando o motorista ultrapassar a velocidade permitida na via, e desacelerar automaticamente”, esclarece. Atualmente, a equipe também está trabalhando para que o automóvel estacione sozinho. Já existem carros comerciais de luxo que possuem esta função, mas, segundo o pesquisador, nacionalizar esta tecnologia pode garantir que ela seja incorporada em carros mais populares. “Nossa preocupação é também formar pessoas para atuar neste segmento da robótica”, ressalta. Na equipe do PDVA,

Guilherme Augusto Silva Pereira, coordenador do projeto

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estão professores e diversos alunos de pós-graduação e graduação dos cursos de engenharia elétrica, engenharia de controle e automação, engenharia mecânica e ainda ciência da computação. Além de tudo isso, o projeto pode beneficiar deficientes físicos, já que atualmente as adaptações para este público são feitas de forma mecânica, havendo necessidade de esforço físico. “Os deficientes poderão controlar o carro através do joystick”, sugere. Para o grupo, ainda há muitos outros desafios pela frente. Um projeto futuro será fazer com que o carro respeite as leis de trânsito. “É ambicioso pensar nisso, mas futuramente teremos tecnologias suficientes para que até mesmo os deficientes visuais comecem a dirigir”. Projeto: “Desenvolvimento de sistemas de hardware e software para localização, navegação e controle de veículos autônomos em ambientes externos” e “Navegação de veículos autônomos em ambientes externos” Modalidade: Jovens Doutores e Programa Pesquisador Mineiro Coordenador: Guilherme Augusto Silva Pereira Valor: R$31.925,00


Automação Para cada um dos mecanismos de condução básicos do veículo, foram desenvolvidos sistemas de acionamento que permitem a operação dos mesmos por um software único. Para que o carro ande de maneira totalmente autônoma, é preciso acionar cinco chaves no painel que determinam os comandos: uma geral e as demais para direção, aceleração, câmbio e freio.Veja na figura:

Avião autônomo

1 - Câmbio: Para a automatização do câmbio, foi empregado um atuador (elemento que produz movimento, atendendo a comandos). Um microcontrolador permite comunicação USB com o computador do painel.

tadas interligadas. Um controlador digital se comunica com o computador e controla a posição, velocidade e corrente do motor.

2 - Freio: Assim como o câmbio, um microcontrolador USB faz a comunicação com o computador, e informa quando o sistema de emergência do veículo é acionado.

3 - Direção: Foram acopladas ao volante e ao motor coroas den-

Além do carro autônomo, pesquisadores da UFMG desenvolveram uma aeronave não tripulada e com capacidade de vôo autônomo, o Watch Dog, ou Cão de Guarda (foto ao lado). A construção do veículo foi fruto do projeto Simulação e Desenvolvimento de Veículos Aéreos Autônomos e Não Tripulados (SiDeVAAN), anterior à criação do PDVA, grupo que oficializou a colaboração já existente entre alguns professores dos Departamentos de Engenharia Elétrica, Engenharia Eletrônica, Engenharia Mecânica e Ciência da Computação da UFMG. O avião recebeu esse nome pela possibilidade de utilização em vigilância e monitoração aérea e é

4 - Aceleração: A Unidade de Comando Eletrônico original do veículo é responsável pela ignição, controle da mistura ar/combustível. Um microcontrolador envia à Unidade um sinal correspondente à aceleração desejada, simulando o sensor de posição do pedal do acelerador.

considerado a primeira aeronave autônoma e não tripulada produzida com tecnologia brasileira. O sistema de controle do Watch Dog permite que a aeronave voe sobre pontos geográficos pré-definidos, mantendo um perfil de altitude em relação ao solo. O avião possui um microcomputador acoplado em sua estrutura com capacidade de tomar decisões próprias, baseadas em informações sensoriais. Lançado em 2007, o projeto foi tema de uma reportagem da MINAS FAZ CIÊNCIA (edição 29) no mesmo ano. Na época, a empresa Flight Solutions já negociava com os pesquisadores uma parceria para a comercialização das aeronaves. Para as companhias que precisam

fazer monitoramento contínuo, as aeronaves com pilotos representam um custo altíssimo. Por isso, a utilização dos aviões não tripulados é uma tendência mundial. O veículo substitui a presença do piloto, eliminando riscos e oferecendo praticidade. “A empresa Flight Solutions realmente absorveu o projeto e conseguiu dois contratos com o Exército Brasileiro. Infelizmente, por diversas razões, não nos envolvemos, mas sabemos que o Exército já está utilizando os Watch dogs”, afirma Paulo Iscold, um dos coordenadores do projeto.

Juliana Saragá

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Melhoramento Genético

Maior produtividade

nos canaviais

Pesquisadores da UFV desenvolvem variedade capaz de manter a alta produtividade em diferentes condições geoclimáticas 16

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Fotos: Maristela Leão

Não basta ser um país tropical de dimensões continentais para conquistar o posto de maior produtor mundial de cana-de-açúcar. É graças também ao trabalho silencioso e persistente dos cientistas que o Brasil é o número um do ranking. Na safra 2008/2009, o país produziu cerca de 569 milhões de toneladas e, de acordo com as estatísticas divulgadas pela UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar), este número equivale a mais de um terço da produção mundial que registrou 1,5 bilhão de toneladas no mesmo período. O professor Márcio Pereira Barbosa, coordenador do Programa de Melhoramento Genético da Canade-açúcar da Universidade Federal de Viçosa (UFV), é um dos responsáveis por essa conquista. Desde 1997, Barbosa e sua equipe pesquisam a cana-de-açúcar como representantes da UFV na Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa) – o maior programa de pesquisa em canade-açúcar do Brasil, com atividades específicas para cada local de produção. Em 20 anos de existência, a Ridesa é responsável por quase 60% de toda a produção de cana no Brasil e já desenvolveu 78 novas cultivares resultantes do trabalho realizado pelos pesquisadores de dez universidades brasileiras, incluindo a UFV. Neste ano, a Rede comemora a liberação para o cultivo de 13 dessas novas variedades, entre elas a RB937570, desenvolvida no Centro de Melhoramento Genético de Canade-açúcar da UFV. Com mais esta conquista, a Ridesa espera, nos próximos cincos anos, tornar-se responsável por 70% da produção brasileira. Os pesquisadores mineiros, que contam com o apoio da FAPEMIG, têm orgulho de participar deste processo tão grandioso. “A RB937570 tem ótima produtividade e estabilidade de produção em diferentes condições de ambientes. Em um solo mais seco, em um solo mais úmido, em área irrigada, em uma região com clima quente ou frio, em região onde a precipitação é bem distribuída, em outra onde a distribuição hídrica é irregular, enfim, essa variedade tem

Equipe da UFV que integra a Ridesa: até hoje, foram produzidas 78 novas variedades e 13 já estão no mercado

o perfil de produzir muito bem em diferentes condições geoclimáticas”, explica o professor Barbosa. Esta é a terceira variedade da UFV liberada para cultivo no Brasil. Em 1998, a universidade comemorou a liberação da RB867515 – atualmente, uma das cultivares mais plantadas em todo o Brasil – e, em 2002, da RB928064.

Caça aos genótipos superiores Para se chegar a uma nova variedade, os pesquisadores podem esperar até 20 anos. A demora deve-se ao fato de o ciclo da cana-de-açúcar ser anual. O pesquisador explica que é preciso pelo menos um ano de avaliação da plantação

e, ainda, outros dois anos consecutivos para verificar a capacidade de brotação daquele canavial. “Só então, podemos tomar a decisão de qual genótipo entre aqueles que estamos avaliando é o melhor”, diz Barbosa. Para isso, a equipe trabalha muito, fazendo viveiros de mudas, experimentos, selecionando um grupo aqui, outro ali. “São 200 mil candidatas à nova variedade por ano. Colocamos todas essas plantas em campo e vamos atrás do genótipo superior”, conta o pesquisador. É um trabalho de melhoramento genético que Barbosa compara ao realizado com o gado zebu. “O fazendeiro compra o sêmen de um touro provado, mas por que ele escolheu esse sêmen para inseminar as vacas da fazenda dele? Porque o touro foi provado, ou seja, a genética dele é boa. Isso signi-

Nos laboratórios, os pesquisadores realizam o trabalho de melhoramento genético a fim de obter variedades superiores MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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fica que ele transmite bons genes para os filhotes e aumenta a produtividade deles. Na cana, acontece a mesma coisa. Temos alguns genótipos com alta capacidade de serem genitores que são utilizados para gerarem novos ‘filhos’ que podem ou não ser superiores aos ‘pais’”, diz Barbosa. “Fazemos a combinação, o direcionamento dos melhores cruzamentos, enfim, usamos toda a ciência para isso, mas também precisamos de uma pitada de sorte para que na nossa plantação haja um genótipo bom e para que consigamos encontrá-lo”, acrescenta.

Parceria público-privada A busca pelas variedades não é isolada. Cada universidade parceira da Ridesa cria novos genótipos, também chamados de clones pelos pesquisadores, e aqueles selecionados nos primeiros testes são enviados às demais universidades. Portanto, há uma troca, para que todos tenham conhecimento do que está sendo estu-

dado. O trabalho de campo é realizado, em grande parte, nas terras das usinas de processamento da cana-de-açúcar que fazem parte da Rede e é financiado, especialmente, por elas. “Este projeto tem sucesso por conta da parceria público-privada”, afirma Barbosa. As usinas e destilarias investem nas pesquisas científicas, as universidades entram com seus pesquisadores e a infraestrutura, o governo repassa recursos por meio das agências de fomento. “Há dois anos, recebemos um aporte significativo do governo federal, de R$16,5 milhões, e contamos sempre com as bolsas oferecidas pela Capes e projetos pontuais financiados pela FAPEMIG”, ressalta o pesquisador da UFV. Dos recursos oferecidos pelas usinas, 5% são royalties, que os pesquisadores aplicam no desenvolvimento dos estudos. “O trabalho é de longo prazo, investimos hoje para obter novas variedades daqui a alguns anos. Por isso, o projeto é contínuo e o investimento não pode parar”.

Raio X da variedade RB 937570 Aspectos gerais: desenvolvimento médio, hábito de crescimento semidecumbente, de média despalha, diâmetro de colmo médio, de cor roxo-amarelado quando exposto ao sol, com média quantidade de cera. Recomendações de manejo: plantar em ambientes com bom potencial; colher a partir de maio a agosto. Destaques: alto teor de sacarose e média a alta produtividade agrícola, boa sanidade e excelente brotação em cana-planta e em soqueiras, com bom desenvolvimento no corte mecanizado.

A Ridesa A Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro nasceu da união entre as universidades federais, que herdaram as atividades de pesquisa até então desenvolvidas pelo Planalsucar, programa do governo federal extinto em 1990. As instituições de pesquisa desenvolvem novas variedades e as empresas parceiras ficam responsáveis pelo plantio, distribuição e testes com as novas variedades. No total, são cerca de 300 empresas conveniadas à rede que cultivam variedades de cana-de-açúcar desenvolvidas por dez universidades. Melhoramento genético, manejo da cultura, socioeconomia, fitossanidade, estudos de solos e adubação, industrialização e as especificidades de cada uma das áreas de cultivo da cana-de-açúcar

são as atividades realizadas pela Ridesa. Em 20 anos de existência, o intercâmbio tem sido eficiente e, hoje, a Rede é responsável pela pesquisa em todas as áreas de conhecimento da cultura da cana-de-açúcar no Brasil. As variedades RB (abreviatura de Ridesa Brasil) respondem por 58% da área de cultivo de todo o país. Universidades parceiras: Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Karina Almeida

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Fotos: Marcelo Focado

Infraestrutura

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O Brasil é o quinto país do mundo em extensão territorial. Mais de 212 mil quilômetros de malha rodoviária pavimentada cortam seus 8,5 milhões km². Manter essas estradas em boas condições de uso é um desafio não apenas pela dimensão, mas pelas próprias características geográficas e climáticas brasileiras. Estudos recentes desenvolvidos em Minas Gerais apontam que é relevante o impacto dos raios solares na deterioração do asfalto, especialmente em locais com elevado índice de insolação, como é o caso do território nacional. Conduzido pela professora do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Vanessa Lins e por sua aluna de doutorado, a engenheira civil do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) Maria de Fátima Amazonas, o projeto avalia os efeitos da radiação solar no envelhecimento do asfalto, utilizando testes acelerados de simulação da degradação. A partir daí, pretende-se compreender melhor o processo de deterioração do pavimento durante sua vida útil, buscando o aprimoramento da qualidade dos elementos utilizados na sua composição e a aplicação mais adequada a cada região do país. Os pavimentos à base de Concreto Betuminoso Usinado a Quente (CBUQ), um dos revestimentos mais utilizados no Brasil, em geral são projetados para uma vida útil mínima de dez anos. No entanto, pesquisas apontam

O Concreto Betuminoso Usinado a Quente normalmente é composto por um agregado miúdo (areia), um agregado graúdo (brita) e um ligante, o Cimento Asfáltico de Petróleo (CAP), obtido da destilação do petróleo. A mistura desses elementos é realizada a quente em uma usina de asfalto e transportada até o local de sua aplicação por caminhões especialmente equipados. Após seu lançamento a mistura é compactada por rolos compressores até atingir a densidade especificada.

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Fotos: Marcelo Focado

Os raios solares também contribuem para a deterioração do asfalto. Abaixo, amostra utilizada para testar os efeitos da radiação solar

o aparecimento de trincas bem antes desse prazo. Uma das principais causas é o excesso de cargas transportadas, mas as condições ambientais tendem a agravar a situação. “O peso excessivo das cargas, muito comum nas nossas rodovias, ocasiona fadiga nas camadas internas, enquanto a radiação solar está mais associada ao desgaste na superfície”, explica Lins. “Esses dois fatores contribuem para que as estradas tornem-se precárias, o que eleva os custos de manutenção, restauração e, principalmente, traz riscos quanto à segurança”, acrescenta.

País tropical Estudos sobre degradação conduzidos nos Estados Unidos nas últimas décadas trouxeram avanços em testes que simulam o envelhecimento durante a usinagem ou durante a vida em serviço do asfalto. Eles avaliam resultados relacionados a fatores como o efeito da pressão, temperatura e oxigênio. Mas o impacto da radiação solar não vinha sendo considerado. Essa lacuna motivou o trabalho das pesquisadoras. Segundo Lins, embora ainda haja pouca bibliografia relacionada à questão, é preciso avaliar este fator, principalmente em locais como o Brasil, por causa das características geográficas e climáticas, que resultam em forte exposição ao sol durante a maior parte do ano, aliada a altas temperaturas e umidade relativa do ar.

Um trabalho recente realizado por pesquisadores franceses mostrou que os efeitos da radiação solar no envelhecimento das camadas superiores do pavimento são rápidos. Com dez horas de exposição a esta radiação, o ligante asfáltico – material aglutinante usado nos revestimentos – atinge níveis de oxidação similares àqueles alcançados após um ano em serviço. A oxidação é uma das principais causas do envelhecimento do material e provoca, entre outros efeitos, o aumento da sua viscosidade ou consistência. “Compreender a degradação causada pelos raios ultravioleta (UV) é muito importante para que se possa reduzir este envelhecimento, seja modificando a composição química do Cimento Asfáltico de Petróleo (CAP) por meio de aditivos que amenizem o problema, seja por procedimentos na operação das usinas de asfalto”, avalia Fátima Amazonas.


Em 2009, a engenheira, também por meio de projeto aprovado junto à FAPEMIG, fez estágio no LCPC (Laboratoire des Ponts et Chaussées), na França, órgão que corresponde ao Departamento de Estradas e Pontes daquele país. A experiência adquirida auxiliou no desenvolvimento dos testes no Brasil, executados no laboratório do DER/MG. No local, foi montada uma câmara de simulação de intemperismo.

Intempéries Nos trabalhos realizados no DER, utilizou-se a radiação de xenônio – cujo espectro é muito similar ao da radiação solar –, para realizar testes de intemperismo em uma câmara, reproduzindo os efeitos da degradação do asfalto causados pela luz solar. Chuva e orvalho, obtidos com condensação de umidade e borrifação de água, também faziam parte da simulação. Os materiais – CAP fornecido pela Refinaria Gabriel Passos, da Petrobras, e um ligante francês – foram expostos a ciclos alternados de luz e umidade, em temperaturas elevadas e controladas. Amazonas explica que a câmara de intemperismo é capaz de reproduzir de maneira acelerada a degradação das superfícies expostas, uma vez que no ambiente natural os objetos estão sujeitos à luz solar por apenas algumas horas, com condições mais severas no verão, enquanto a

ação do aparelho permite a exposição 24 horas por dia. Após os testes na câmara, a engenheira avaliou as amostras segundo dois diferentes métodos químicos, levando em consideração as alterações na massa molar (cromatografia de permeação em gel) e o surgimento de ligações C-O nas amostras (espectroscopia no infravermelho). “O emprego dessas técnicas já constituiu um diferencial, pois quase sempre o padrão é o uso de testes puramente físicos”, revela Lins, destacando a importância da interdisciplinaridade nos resultados das pesquisas atuais. Foram medidos aspectos como o aumento do ponto de amolecimento, a ductilidade (flexibilidade) e a variação química e de massa das amostras. Depois de expostas à radiação de arco de xenônio, as amostras apresentaram alterações visíveis em sua superfície, como trincas e manchas brancas. “As fraturas não foram devido à aplicação de carga e tiveram origem na superfície, não sendo, portanto, devido à fadiga do revestimento”, detalha Amazonas. Também foi observado um possível processo de oxidação do ligante, com diminuição da sua viscosidade, o que torna o material mais quebradiço, favorecendo a perda de finos e o aparecimento de trincas.

Adequação A partir dos resultados obtidos, os pesquisadores sugerem a adoção, por parte da indústria petroquímica, de exames de envelhecimento que considerem o impacto da radiação solar, além dos atuais efeitos do oxigênio, temperatura e tensões de carregamento. Assim, será possível adequar melhor os produtos à realidade nacional. “Estamos propondo a adoção de normas que incluam testes de avaliação quanto ao intemperismo”, diz Amazonas. Os estudos continuam também no sentido de comparar, por meio de testes na câmara, o desempenho de diferentes ligantes utilizados no país. O objetivo é identificar aqueles mais resistentes.“Queremos encontrar um material que seja elástico o suficiente para suportar tráfego intenso, visando à durabilidade, de acordo com as características do nosso território”, adianta a engenheira do DER. Ela explica que, ao testar materiais de distintos fabricantes, será possível sugerir aqueles que sejam mais adequados ao projeto de cada rodovia, quanto ao tráfego e características climáticas. A pesquisa é feita por amostragem, pois é possível inferir que aqueles revestimentos capazes de suportar tráfego pesado em regiões mais quentes são capazes de resistir também em outras de clima mais ameno. Resultados deste trabalho devem ser apresentados no primeiro semestre de 2011. As pesquisadoras acreditam que estas adequações podem representar um grande avanço para a melhoria da infraestrutura rodoviária nacional que, por sua vez, ainda é um dos requisitos fundamentais para o desenvolvimento econômico do país. Virgínia Fonseca

Vanessa Lins e Maria de Fátima Amazonas, responsáveis pela pesquisa

Projeto: “Efeito da radiação solar no envelhecimento de ligantes asfálticos” Modalidade: Demanda Universal Coordenador: Vanessa de Freitas Cunha Lins Valor: R$47.188,00 MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Design

Peças produzidas a partir do rejeito da mineração, uma iniciativa do projeto Da Gema - Itaporarte

Centro de Estudos em Design de Gemais e Joias da Uemg é referência nacional e desenvolve pesquisas que vão além do setor joalheiro 22

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Trabalho Os moradores de Coronel Murta, no Vale do Jequitinhonha (MG), não imaginavam que aquelas “montanhas” de pedras brancas que estão acostumados a ver acumuladas nas entradas dos garimpos do município pudessem deixar de ser um problema socioambiental para se transformar em uma solução. Graças aos pesquisadores do Centro de Estudos em Design de Gemas e Joias da Universidade do Estado de Minas Gerais (CEDGEM/Uemg), os resíduos da mineração – principal fonte de renda de Coronel Murta – estão sendo reaproveitados e utilizados em adornos e joias, por meio de um trabalho não só de pesquisa, mas também de inclusão social. A iniciativa rendeu ao grupo o 1º Prêmio Sebrae Minas Design, em 2008, e foi selecionada para participar da Bienal Brasileira de Design de Curitiba, realizada em setembro deste ano. O projeto em Coronel Murta revela que o trabalho do CEDGEM vai além das gemas e joias, como o nome sugere. O Centro dedica-se a atividades de pesquisa relacionadas à


Precioso valorização dos bens e produtos minerais, atua na capacitação de recursos humanos e também busca soluções para questões socioambientais, como a do resíduo mineral. “A ideia é sempre buscar novas possibilidades não só formais do produto, mas técnicas, tecnológicas e materiais, a fim de levar isso para o setor. E estamos conseguindo”, afirma a coordenadora Bernadete Teixeira. Tudo começou em 2003 com o projeto Recope - Rede Cooperativa Integrada da Escola de Design da Uemg, uma parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia,

o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Senai/ Fiemg), a Associação dos Joalheiros, Empresários de Pedras Preciosas, Relógios e Bijuterias de Minas Gerais (Ajomig) e a FAPEMIG. “Era um projeto de pesquisa para realizarmos um levantamento de aspectos materiais e culturais, ligados ao setor joalheiro. Foi esse projeto que deu um impulso ao nosso trabalho na escola”, lembra. Com o Recope, a Escola de Design conseguiu recursos para instalar equipamentos na pequena sala que, mais tarde, transformaria-se num centro de pesquisa com seis labora-

tórios integrados (veja quadro). “Isso foi possível graças ao interesse crescente de estudantes e pesquisadores de todos os cantos. Foram aparecendo pessoas interessadas e cada vez mais projetos de pesquisa. Com eles, vieram os laboratórios”, acrescenta a coordenadora. Os laboratórios são integrados, portanto os pesquisadores buscam ligar as atividades dentro de um processo sistêmico, de modo que um projeto, dificilmente, seja de apenas um laboratório. “Nós vamos articulando as atividades de modo que eles fiquem sempre fazendo um trabalho de retroalimentação”, explica Bernadete. MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Atualmente, são 15 pesquisadores, dez alunos, sete projetos em andamento e uma coleção de dez prêmios, conquistados somente nos últimos dois anos, entre eles o Concurso Swarovski Passion Topaz Design Competition 2009, cujos produtos foram incluídos no Catálogo Swarovski que contêm os 30 melhores projetos do mundo, apresentados na Feira de Joias de Basileia, na Suíça. “No Prêmio IBGM (Instituto Brasileiro de Gemais e Metais Preciosos) de Design de Joias deste ano, dos 30 premiados, 22 são mineiros e desses 22 os que não foram alunos de graduação, foram alunos de pós-graduação da Uemg”, conta, orgulhosa, a pesquisadora Maíra Paiva Pereira, vencedora na categoria Joias com Lapidação Diferenciada.

Responsabilidade social Do premiado trabalho em Coronel Murta, a menina dos olhos do CEDGEM, derivaram outros projetos como o Da Gema – Itaporarte, uma parceria com o Centro Minas Design e financiado pela FAPEMIG. Desde então, os pesquisadores buscam o maior aproveitamento das riquezas locais, utilizando resíduos da extração de gemas aplicados em 48 protótipos de quatro linhas de produtos: uma linha de souvenires; uma de objetos de adornos; uma de objetos decorativos; e outra de objetos utilitários. Também faz parte do traba-

lho a capacitação de 40 jovens futuros artesãos minerais da cidade. Todas as atividades são realizadas no Laboratório Itaporarte de Lapidação e Artesanato Mineral, instalado em 2005 em um espaço cedido pela Prefeitura local. O nome Itaporarte, que costuma despertar curiosidade, é uma associação do antigo nome da cidade, Itaporé (Cachoeira da Pedra, na linguagem indígena), com a palavra arte, e foi sugerido pela própria comunidade. A meta, que vem sendo cumprida com sucesso, é contribuir para a transferência de conhecimento e o desenvolvimento de tecnologia própria associada a aspectos de inovação e design e, consequentemente, promover a inclusão social na região. Segundo os pesquisadores do CEDGEM, a matéria-prima é abundante em Coronel Murta, especialmente o cascalho de turmalina e o feldspato. No entanto, é subutilizada. Com o projeto Da Gema – Itaporarte, os recursos minerais passaram a ser melhor aproveitados, novos produtos estão sendo desenvolvidos para o setor joalheiro e os moradores locais ganharam a oportunidade de aprender um ofício e aumentar a renda da família, sem ter que deixar a cidade natal, que está em uma das regiões mais pobres do país. “Consideramos a identidade local e buscamos trabalhar não só com a matéria-prima, mas também com a iconografia da região, que a comuni-

dade mesma sugere. Talvez por isso, o trabalho tenha uma aceitação tão boa. Não é uma coisa de fora, tem o DNA dali”, ressalta Mara Guerra, coordenadora do Laboratório Itaporarte. O primeiro resultado são as joias artesanais de feldspato, cascalho de turmalina e quartzo – todos oriundos do resíduo mineral –, que foram expostas este ano na Tecnogold - Feira Internacional de Joias, Gemas e Relógios, realizada em São Paulo.

Modelagem virtual em 3D A prototipagem rápida é outra linha de pesquisa do CEDGEM, que tem feito muito sucesso e pode ser considerada referência nacional. O processo tecnológico que envolve a modelagem virtual e a fabricação de modelos tridimensionais tem uma aplicação valiosa no setor de gemas e joias. No laboratório, coordenado pelo professor Henrique Lana, é possível, entre outras coisas, validar uma peça antes de fabricar o seu molde. Pelo computador, o pesquisador avalia o volume, a forma e ainda cria um protótipo em resina para evitar erros e perdas na produção. Entre os projetos que estão por vir, ele cita a utilização da computação gráfica no desenho de joias – o que permitiria a produção de modelos complexos e articulados que um ourives não conseguiria

Fotos: Arquivo CEDGEM

Integrantes da equipe do CEDGEM/Uemg

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A modelagem virtual permite a validação da peça antes de sua fabricação


confeccionar –, e o resgate histórico de peças desaparecidas, como uma joia roubada de um museu, por exemplo. Com apenas a descrição, os pesquisadores seriam capazes de reproduzi-la virtualmente, em três dimensões, e até de confeccioná-la se fosse necessário. “São inúmeras possibilidades de aplicação, ressalta o professor Lana.

A coordenadora do CEDGEM também lembra a amplitude e relevância do trabalho realizado nos demais laboratórios integrados. “Não desenvolvemos apenas projetos de joias e objetos de adorno. Desenvolvemos pesquisas científicas e tecnológicas para este setor que é uma tradição e uma vocação de Minas Gerais”, resume Bernadete.

Laboratórios Integrados de Gemas e Joias Projetos: desenvolvimento de projetos de produtos para o setor de gemas e joias, considerando primordialmente os aspectos materiais e iconográficos regionais. Neste laboratório, as possibilidades técnicas, materiais, formais e tecnológicas desenvolvidas nos demais convergem para a concepção e desenvolvimento dos produtos. Lapidação: dedicado à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos a partir dos minerais oriundos da exploração dos corpos pegmatíticos do Estado de Minas Gerais, englobando técnicas de lapidação avançada e produção de artesanato mineral. Prototipagem Rápida: ênfase no processo tecnológico que envolve a modelagem virtual e a fabricação de modelos físicos tridimensionais. A prototipagem rápida permite, diretamente de um desenho em CAD, a materialização e visualização de produtos para a análise e ajuste das suas condições na fase pré-produção.

Anglogold Ashanti de Pesquisa em Ligas de Ouro: voltado para pesquisa e desenvolvimento de novas formas de utilização do ouro na joalheria. Seus equipamentos permitem a preparação de ligas de ouro não usuais para estudos de suas propriedades mecânicas e adequações às diferentes técnicas de produção de joias e afins. Cerâmica: a meta principal deste laboratório é desenvolver massas cerâmicas mais resistentes e mais finas para aplicação em adornos que não são, necessariamente, joias. Itaporarte: laboratório avançado em Coronel Murta, no Vale do Jequitinhonha. É um trabalho em parceria com a prefeitura local, que cedeu o espaço e o Sindicato dos Garimpeiros do Vale do Jequitinhonha. Tem duas vertentes: a capacitação de moradores da região e o desenvolvimento de produtos a partir do material descartado da estação mineral.

Cava de garimpo na regiao de Coronel Murta (MG)

Projeto: “Projeto de implantação de laboratórios para ampliação da pesquisa na área de desenvolvimento de produtos do Centro de Estudos em Design de Gemas e Joias da Escola de Design/Uemg” e “Itaporarte – capacitação tecnológica na unidade produtiva de Coronel Murta com vista ao aprimoramento nos processos de inovação e lapidação de materiais descartados dos corpos pegmatíticos aplicados a acessórios e artesanato mineral”. Modalidade: Demanda endogovernamental e Auxílio especial Coordenador: Maria Bernadete Santos Teixeira Valor total: R$391.129,47 Karina Almeida

Treinamento da equipe envolvida no projeto Da Gema-Itaporarte MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Agricultura

Econômico e sustentável Uso eficiente da água proporcionado pelo sistema de irrigação por gotejamento pode triplicar a produtividade no cultivo da cebola Base de todos os temperos, ela oferece um sabor especial a quase todos os tipos de pratos. Há quem ame e há quem não goste tanto assim, mas além da culinária, a cebola pode ser utilizada para auxiliar o organismo na defesa contra infecções devido à ação dos seus sais minerais, como o fósforo, ferro, cálcio e vitaminas. No Brasil, ela é considerada a terceira hortaliça economicamente mais importante, com uma produtividade média nacional em torno de 20 toneladas por hectare (IBGE 2009). Minas Gerais se destaca no cenário nacional, produzindo uma média de 45 toneladas por hectare. A cebola é uma hortaliça que necessita de boa disponibilidade de água no solo e irrigações frequentes para o seu bom desenvolvimento. No entanto, o excesso de água, aliado a altas temperaturas, é igualmente prejudicial, favorecendo o desenvolvimento de pragas, reduzindo o crescimento e consequentemente a produção e qualidade de bulbos. Dessa forma, o correto manejo da irrigação torna-se indispensável para o seu cultivo. Maior eficiência no uso da água e adubação, aumento da produtividade e redução de gastos com energia e mão de obra são algumas das vantagens obtidas com o uso do sistema de irrigação por gotejamento no cultivo da cebola. A conclusão é do pesquisador Renato Carvalho Vilas Boas, da Universidade Federal de Lavras (Ufla), que desenvolveu o projeto “Manejo da irrigação por gotejamento e viabilidade econômica da cultura da cebola”. O estudo, que

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contou com o apoio da FAPEMIG e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), teve início no final de 2007 e foi o tema da tese de doutorado do pesquisador no programa de pós-graduação em Engenharia Agrícola da Universidade.

Alternativa sustentável Em um cenário de preocupação mundial com a escassez de água, alternativas de cultivo que minimizem a utilização de recursos hídricos se tornam mais que importantes, mas necessárias. A irrigação por gotejo aplica baixos volumes de água, porém com alta frequência, umedecendo diretamente o solo onde a planta se encontra. “A água é aplicada de gota em gota, diretamente na raiz, o que diminui o desperdício e aumenta a eficiência. Ainda há uma diminuição do uso de energia, já que a baixa pressão do gotejo necessita de pouca potência de bombeamento”, explica Vilas Boas Além disso, o sistema proporciona maior eficiência na adubação, já que o fertilizante pode ser aplicado junto à água de irrigação em doses menores e com maior frequência. “O gotejo não molha as folhas e diminui a incidência de fungos. Ainda, por ser um sistema automatizado, economiza mão de obra”, completa. Apesar de todas estas vantagens, a irrigação por gotejamento ainda é pouco estudada e não tem sido utilizada para o cultivo da cebola no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, o processo já é bem comum. “A utilização desse sistema ainda é recente no país e uma


Fotos: Pedro Farnese

Geraldo Magela Pereira, orientador do projeto, e Renato Carvalho Vilas Boas (de pé), que desenvolveu o estudo. A água é aplicada de gota em gota, diretamente na raiz, o que diminui o desperdício e aumenta a eficiência

das principais limitações é o alto custo de instalação, que varia de cinco a seis mil reais por hectare”, explica Geraldo Magela Pereira, orientador do projeto e especialista em irrigação e drenagem. Segundo o pesquisador, o método de irrigação por aspersão ainda é a técnica de irrigação mais utilizada no país. “Nesse método, a água é aspergida sobre as plantas como uma chuva. Por isso, pode gerar desperdício e aumentar a inicidência de doenças fúngicas, além de propiciar o crescimento de ervas daninhas”, esclarece. O gotejamento, mesmo sendo um sistema inicialmente caro, mostrou-se economicamente viável para o produtor, levando-se em consideração a economia no uso da água e de defensivos agrícolas aliada a um possível aumento da produtividade.

Métodos e resultados O experimento foi conduzido em canteiros construídos a “céu aberto” na área experimental do Departamento de Agricultura da Ufla no período de abril a outubro de 2008, ideal para o cultivo da hortaliça devido ao clima mais ameno. Foram utilizadas duas cultivares de cebola (Alfa Tropical e Optima F1) e testadas seis tensões de água no solo, ou seja, diferentes momentos de iniciar a irrigação. A partir do 15º dia de transplante das mudas, utilizou-se o sistema de irrigação por gotejamento. Durante a colheita, as plantas foram arrancadas manualmente e mantidas ao sol por três dias. Em seguida, 12 dias à sombra em galpão ventilado, para o período de cura. Depois, foi feita a avaliação de algumas características: produtividade, classificação e massa média

de bulbos comerciais, ou seja, adequados para venda. O preço adotado para o estudo foi de R$26,20 por saca de 20kg, valor compatível com a média de mercado. Esta etapa do projeto contou com a co-orientação dos professores Rovilson José de Souza, do Departamento de Agricultura, e Ricardo Pereira Reis, do Departamento de Administração e Economia da Ufla. Das cultivares de cebolas utilizadas, a Optima F1 obteve resultados mais satisfatórios. Houve um aumento significativo em sua produtividade média, que chegou a 58 toneladas por hectare. Esse número mostra que a produção praticamente triplicou, se comparada à média nacional, que é de 20 toneladas por hectare. “Para obter maior lucratividade, a recomendação é que se adote esta cultivar, utilizando a menor tensão da água no solo (15kPa/ unidade de tensão), medida à profundidade de 15 centímetros”, conclui Vilas Boas. O projeto mostrou que o uso deste sistema no cultivo da cebola é economicamente vantajoso, e ainda representa uma alternativa sustentável.“É importante que esta proposta chegue até o produtor”, ressalta Pereira. O trabalho já foi divulgado no Congresso Nacional de Irrigação e Drenagem (CONIRD), no ano passado, e ainda este ano três artigos serão publicados em revistas especializadas. Juliana Saragá Projeto: “Manejo da Irrigação por Gotejamento e Viabilidade Econômica da Cultura da Cebola, em Lavras-MG” Modalidade: Edital Universal Coordenador: Geraldo Magela Pereira Valor: R$16.831,00 MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Encontro marcado

Especial

Rodadas de negócios, embates de empreendedorismo e novas tecnologias marcaram a Inovatec, um dos maiores eventos de inovação e negócios do Brasil Um ambiente que estimula o diálogo em torno da inovação visando ao desenvolvimento de novas soluções tecnológicas em benefício da sociedade. Assim, pode-se resumir a Inovatec - Feira de Inovação Tecnológica, que teve sua sexta edição realizada entre os dias 5 e 8 de outubro, no Expominas, em Belo Horizonte. Com os temas “Energia Limpa” e “Copa 2014”, o evento reuniu cerca de 80 empresas de diversos segmentos e mais de 12 mil visitantes. “A Inovatec evoluiu muito neste ano. Tivemos importantes eventos ocorrendo dentro da Feira como o Congresso Empresarial de Inovação, realizado pela FIEMG, a 26ª Inforuso, realizada pela Sucesu, e ainda o Congresso de Biodiesel sob a coordenação da Ufla e do Ministério de Ciência e Tecnologia”, destaca Heber Pereira Neves, coordenador executivo do evento. Segundo Neves, a Inovatec ain-

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da contou com mais de 70 eventos de conteúdo, como palestras, seminários e workshops, e dobrou de tamanho com 96 expositores divididos entre universidades, empresas, instituições governamentais e projetos estaduais de tecnologia, como o Sistema Mineiro de Inovação (SIMI), que realizou 288 reuniões entre empresas e pesquisadores. “Com tudo isso, o evento se consolidou como um ambiente para interação e integração dos atores de inovação de Minas e do Brasil”, avalia. O presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, também avalia o evento de forma positiva. “A Inovatec já é considerada um dos maiores eventos na área de inovação do país. Neste ano, ela superou as melhores expectativas ao trazer eventos paralelos relevantes, diversificados e muitas rodadas de negócios”, opina. “Dessa forma, a Feira cumpre seu papel de colocar pesquisadores, empresas, instituições

internacionais e governo num ambiente propício para o avanço da ciência, tecnologia e inovação no Estado”. A transformação de ideias em negócios foi um dos objetivos do evento e apareceu já na palestra de abertura, proferida pelo professor Naeem Zafar, da Haas School of Business, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Com o título “Da inovação à produção: transformando ideias em negócios”, a palestra traduziu de forma direta e aplicável os conceitos da inovação. O professor, que vive há mais de 20 anos no Vale do Silício, nos Estados Unidos, falou da diferença entre inovação e invenção, e elencou cinco prioridades para se ter uma cultura inovadora: colaboração, escassez de burocracia, propriedade intelectual, massa crítica e comemoração da falha. Zafar finalizou sugerindo ao público a praticar inovação em seus respectivos ambientes de trabalho. “Comecem por pequenas


a m co

O Ã Ç A V O IN Fotos: Lucas Costa

O físico Reginaldo Eustáquio recebe do secretário de C&T, Alberto Portugal, o prêmio de divulgação científica. Ao lado, Robson Santos recebe do presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, o prêmio de pesquisa básica.

Trabalho reconhecido Na solenidade de abertura da Inovatec, foram entregues os prêmios de Divulgação Científica e Tecnológica Francisco de Assis Magalhães Gomes e de Pesquisa Básica Marcos Luiz dos Mares Guia, ambos iniciativa da Secretaria de Estado de Ciência,Tecnologia e Ensino Superior (Sectes) em parceria com a FAPEMIG. O prêmio de Divulgação Científica e Tecnológica contemplou, em 2010, a categoria estudante de graduação e pós-graduação. O primeiro lugar ficou com o físico Reginaldo Eustáquio e o projeto “O laboratório do Professor Bugiganga”. O trabalho teve início em 2005 e tem como objetivo apresentar conceitos da ciência por meio de palestras e experimentos interativos. “A abordagem cômica busca despertar no aluno o interesse pelo universo da ciência. Procuro levar essa ideia a diversas escolas e comunidades. Mais de seis mil estudantes do Leste de Minas já participaram do projeto”, explica o professor premiado. O segundo lugar foi entregue ao geógrafo Lucas Mello de Souza e o projeto “Canta Cantos”,

iniciativa que, desde 2004, busca divulgar formas alternativas de se fazer Geografia por meio de diferentes veículos de comunicação. Um deles é o blog Canta Cantos, que pode ser acessado no endereço www.cantacantos.com.br Já o vencedor da segunda edição do prêmio de Pesquisa Básica Marco Luiz dos Mares Guia foi o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Robson Augusto Souza dos Santos. Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Nano-biofarmacêutica (NBiofar), ele se destacou pelas pesquisas que resultaram em novos fármacos para o tratamento da hipertensão (veja entrevista com o premiado na página 50). A comissão julgadora decidiu entregar, ainda, Menção Honrosa para o pesquisador Wilson Mayrink, também da UFMG, por suas pesquisas com a leishmaniose. MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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coisas e logo perceberão os resultados”, concluiu. Expositores de vários Estados participaram com estandes. Um dos destaques foi a Usina Móvel de Biodiesel, uma carreta das empresas Biominas e Minerita que transforma o óleo de cozinha em biodisel. A Usina já é utilizada nas cidades do entorno de Itaúna, no Centro-Oeste do Estado, e também na própria mineradora, produzindo combustível para os caminhões. Outro projeto que chamou atenção foi a “Vila do Aço”, um espaço com mais de 1500 metros que apresentou formas de aplicação do aço na construção civil através de opções arquitetônicas em tamanho real.

Copa 2014

Credito Fotos:Vanessa Fagundes

A Copa de 2014 foi um dos temas discutidos durante o evento. O presidente do Núcleo Gestor das Copas do

Governo de Minas, Tadeu Barreto, apresentou o projeto de Minas Gerais para o campeonato. “O Brasil é mais do que o país do futebol e do carnaval. A Copa é uma oportunidade de apresentar para o mundo o nosso potencial e nossa capacidade de inovar em diversas áreas. Será também uma ótima chance para que nós, mineiros, mostremos para o mundo que somos o Estado da inovação, sobretudo em relação à eficiência, à qualidade, à pesquisa e à gestão pública”, afirmou. Entre as obras previstas para receber o mundial está a reforma do estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, que ganhará espaço multiuso, novas bilheterias, ampliação do estacionamento, aumento do número de camarotes, lojas, restaurantes, conexão com o Mineirinho, entre outros serviços. Segundo Barreto, haverá também uma modernização no setor de transporte com as reformas de estradas estaduais e federais, a construção de um

novo terminal rodoviário no bairro São Gabriel (região Nordeste de Belo Horizonte), a implantação de um sistema de ônibus de alta capacidade (BRT) e a ampliação das vias de acesso diretas e indiretas para a região da Pampulha. O presidente do Núcleo Gestor enfatizou a necessidade de melhorias também no transporte aéreo, com a expansão dos terminais do Aeroporto Tancredo Neves (Confins). “Apenas o terminal um não será suficiente. Precisamos de um segundo terminal e já encaminhamos o projeto para a Casa Civil”, ressaltou. Além da apresentação do projeto arquitetônico do novo Mineirão, o palestrante falou sobre os projetos nas áreas de hotelaria e eventos, além das oportunidades e resultados esperados com a realização da Copa 2014. Sobre a importância que o evento terá para o país e, principalmente, para Minas Gerais, ele citou estudo feito pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. A expectativa é de que o Produto Interno Bruto (PIB), especialmente em Belo Horizonte, tenha aumento de 1% por ano até 2014, crescimento acima do esperado para o país, que é de 0,69%. “Mas esses são números preliminares. A partir do ano que vem, certamente teremos um detalhamento de dados em relação a cada segmento da economia”, prevê.

Oportunidades Integrante da equipe Magnano, da UFMG, apresenta o projeto ao juri do Programa Mineiro de Empreendedorismo. O trabalho foi eleito o Melhor Plano Inovador.

No estande do Programa Mineiro de Empreendedorismo, projetos de alunos da pós-graduação se destacavam pelo caráter inovador e potencial de mercado.

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A Inovatec também ofereceu espaço para apresentação dos projetos de jovens empreendedores. No estande do Programa Mineiro de Empreendedorismo, era possível encontrar projetos de alunos da pós-graduação de diversas universidades mineiras que se destacavam pelo caráter inovador e o potencial de mercado. O programa teve início em março deste ano e se estrutura a partir de um método chamado Empreendedorismo de Base Tecnológica (Embate), que insere equipes em situações do cotidiano de um empreendedor e do processo de inovação, desafiando-as a encontrar soluções para problemas reais. Várias equipes concorreram dentro de cada universidade e o plano


de inovação escolhido como o melhor foi apresentado na Inovatec. “Estamos em busca de parcerias e participar da Inovatec é muito importante para esta etapa do nosso projeto, já que aqui temos a oportunidade de divulgar nosso trabalho”, afirma a estudante da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Patricia Lemigoto. Ela e seu grupo desenvolveram um sistema sustentável para a construção de casas que utiliza peças modulares derivadas do aço, reduzindo metade do consumo de água, detritos e movimento de caminhões nas obras. Felipe Tadeu Gomide, da equipe Magnano da UFMG, também enxerga a Feira como um espaço para captar investidores. “O programa leva a inovação escondida nas universidades para o mercado”. O seu grupo desenvolveu um processo inovador de separação óleoágua que pode ser aplicado na indústria petrolífera. O novo processo pode gerar uma economia de até 80% em relação aos métodos atualmente utilizados. Os melhores planos de inovação de cada universidade competiram entre si e o prêmio de Melhor Plano Inovador, eleito por um júri formado por pesquisadores e empresários, ficou com a Magnano. O grupo premiado vai visitar a Universidade do Arizona – SkySong, referência mundial em inovação. A equipe da Universidade Federal de Lavras (Ufla) conquistou o segundo lugar com um projeto que propõe transformar a glicerina residual do biodiesel em produtos com valor agregado. Em terceiro lugar, empataram três projetos: “Bolsa para higienização de jalecos de profissionais de saúde”, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), a “Caneta odontológica silenciosa”, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e o “Processo inovador para redução da lactose no leite”, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). A Feira, que se tornou um dos maiores eventos de inovação e negócios do Brasil, ganha no próximo ano um novo nome: Fintec - Feira de Inovação, Negócios e Tecnologia. Que venham as inovações de 2011. Juliana Saragá

Palavra-chave

BRILHO INTERNACIONAL Mario Neto Borges*

O resultado da recente avaliação trienal de cursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) mostrou um avanço de Minas Gerais na área da pós-graduação. Divulgada em setembro, a avaliação indicou um crescimento de 16,8% no número de cursos se comparado com a avaliação anterior, realizada em 2007. Isso significa que pulamos de 368 cursos de mestrado e doutorado para 430. O crescimento do Estado foi maior que o apresentado pela região Sudeste (14,9%). Mas talvez o mais importante seja o crescimento da qualidade desses cursos, indicada pela atribuição de conceitos 6 e 7 que indicam desempenho de referência e de inserção internacional. De acordo com a avaliação, Minas Gerais possui, hoje, 18 cursos nota 6 (em 2007 eram 17) e 13 cursos nota 7 (em 2007 eram 6). Principalmente dentre os cursos com conceito máximo, o crescimento do Estado é notório, mostrando que nossas instituições e pesquisadores possuem excelência comparável à de países plenamente desenvolvidos. Avanços como esse não acontecem de uma hora para outra – são construídos. E a FAPEMIG tem desempenhado um papel de grande importância no fortalecimento da pós-graduação mineira. Ressaltamos três ações empreendidas em conjunto com a Capes que, implementadas em 2009, já têm resultados que podem ser relacionados ao sucesso obtido na avaliação. A primeira é o Programa Mineiro de Capacitação Docente (PMCD). Seu objetivo é promover a melhoria das atividades de ensino, pesquisa e extensão por meio do apoio à capacitação e ao aprimoramento da qualificação dos docentes. O PMCD busca acelerar a formação de pesquisadores e professores no Estado, com qualidade. A Fundação já distribuiu mais de 100 bolsas nessa modalidade. Vale lembrar que a instituição que oferece a vaga para esses bolsistas ganha uma taxa de bancada associada ao aluno, o que contribui para o fortalecimento do curso. Outra iniciativa é o Programa de Apoio a Cursos nota 6 e 7 (PACSS), que visa manter o padrão de excelência dos cursos, atendendo às suas necessidades. Por outro lado, busca incentivar o aumento do número de cursos com conceito 6 e 7 em Minas Gerais. Também há estímulo aos programas com conceito 5, para uma mudança de patamar. Por fim, foi criado o Programa para Aquisição de Equipamentos para PósGraduação – Pró-Equipamentos. Ele tem como fundamento que, para atingir o sucesso nos dois programas anteriores, é necessário que os cursos sejam equipados com infraestrutura laboratorial adequada. Dessa forma, propõe o financiamento conjunto da FAPEMIG e da Capes com esse fim, exclusivo para as instituições de ensino superior mineiras. Tudo isso culmina no crescimento e fortalecimento do sistema de ensino superior, o que, mais que desejável, é necessário. A expansão da educação superior com qualidade tem sido almejada por muitos anos. Se compararmos o percentual de jovens com idade adequada que entram nas universidades brasileiras com o percentual de outros países, veremos que nossa posição é ainda acanhada para um país que deseja se tornar plenamente desenvolvido. Esse tipo de investimento é essencial para que essas instituições, com sua qualidade e capilaridade para o ensino e a pesquisa, continuem o buscando democratizar o acesso ao ensino superior. Fica aqui registrado o reconhecimento ao bom trabalho que vem sendo realizado pelas instituições de ensino superior mineiras, seus docentes e seus discentes. A parceria com as agências de fomento, em especial com a FAPEMIG, agência mineira de apoio à ciência, tecnologia e inovação, ainda renderá muitos frutos. É o conjunto dessa atuação que vem transformando o Estado em referência nacional na produção de conhecimento e que confere a Minas Gerais brilho internacional. *Presidente da FAPEMIG e do Confap

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Divulgação

Neurociência para crianças O pesquisador Roberto Lent é o vencedor do prêmio José Reis de divulgação científica

Esse é o Ptix, personagem criado por Roberto Lent e desenhado por Flávio Dealmeida. Os cinco livros já publicados contam as “aventuras de um neurônio lembrador” e ajudam a divulgar para crianças e jovens conceitos da neurociência.

Zé Neurim é um neurônio que mora no cérebro de Pedro, ou Ptix, como é mais conhecido. Ele é responsável pelas lembranças do garoto e faz parte de uma turma de neurônios com variadas funções. Toda vez que Ptix pensa, anda, brinca, assiste à televisão e faz o dever de casa, o Zé Neurim e seus amigos neurônios ficam conversando dentro do cérebro do garoto. Um dia, Ptix vê uma linda garota e fica paralisado. Zé Neurim, sempre atento, não entende o que está acontecendo com o menino e resolve trocar informações com os outros neurônios, enviado mensagens. É assim que começa a primeira das aventuras do neurônio lembrador. As confusões de Zé Neurim e sua turma já renderam cinco livros infantis, uma série de tirinhas (quadrinhos) e uma adaptação para o teatro. Eles são criação do neurocientista Roberto Lent, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde chefia o Laboratório de Neuroplasticidade. Os livros infantis são apenas parte de seu trabalho de divulgação científica. Desde 2006, ele escreve a coluna “Bilhões de Neurônios”, publicada toda última sexta-feira do mês na Ciência Hoje Online (http://cienciahoje.uol.com.br/). Roberto Lent é ainda um dos diretores do Instituto Ciência Hoje e estava entre o grupo de cientistas que, em 1982, criou a revista Ciência Hoje.

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Esse trabalho já de longa data lhe deu, neste ano, o prêmio José Reis de divulgação científica e tecnológica. Concedido anualmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o prêmio é um reconhecimento àqueles que contribuíram para a formação de uma cultura científica e para tornar a ciência, a tecnologia e a inovação conhecidas do grande público. Já em sua 30ª edição, o prêmio é o mais importante da área no Brasil. Durante a 62ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no mês de julho em Natal (RN), o pesquisa-

dor proferiu a palestra “Divulgação científica: do paleolítico ao neolítico”. Em sua opinião, o período paleolítico começa com José Reis e seu esforço para introduzir temas da ciência na pauta dos jornais. Desde então, houve uma evolução com a criação de várias ferramentas de divulgação científica. “Nós evoluímos, mas ainda estamos longe do que seria necessário para chegarmos a uma idade moderna”, acredita. Seu grande sonho é ver a ciência sendo discutida pela população como hoje acontece com o futebol. Confira a entrevista concedida à MINAS FAZ CIÊNCIA.

Zé Neurim e Ocipitaldo Luzes são neurônios que vivem no cérebro do garoto Ptix

As ilustrações dessa reportagem são de Flávio Dealmeida e foram retiradas do livro “O Neurônio Apaixonado”, da Vieira&Lent Casa Editorial.

Em sua palestra, o senhor defende que, na divulgação científica, já passamos por um período paleolítico e agora estamos no período neolítico. O que precisa ser feito para chegarmos à idade moderna? O principal desafio é institucionalizar. Essa é a palavra-chave. Ainda não existem ações estruturantes que ultrapassem o estágio das pequenas iniciativas individuais. É preciso que o poder público, as agências de fomento, as universidades e os ministérios envolvidos tenham propostas de políticas públicas que multipliquem por mil o esforço que alguns poucos abnegados fazem em prol da divulgação científica. O país precisa falar de ciência todos os dias. A ciência precisa ser comentada no boteco, na roda de samba, dentro das casas... como acontece com o futebol. Se o interesse pela ciência for capilarizado na sociedade, aparecerão os cientistas, as pessoas com talento para fazer ciência e vamos multiplicar nossas possibilidades. Sem mencionar o fato de que a função da divulgação científica não é só formar cientistas, é também formar cidadãos. Cidadãos que conheçam um pouco de ciência para poder tomar decisões através do voto. Por exemplo, o aquecimento global demanda legislações de proteção ao meio ambiente. É preciso que os cidadãos estejam cientes do que significa esse fenômeno. Da mesma forma, a questão das células tronco ou o uso de animais em pesquisas cientificas. Existe uma legislação específica para isso, mas são questões em que o cidadão é que manda. Mesmo que ele não se expresse formalmente sobre elas, os políticos têm a sensibilidade de perceber a opinião pública. E isso vai ter uma influência grande no modo como vão trabalhar e votar no Congresso. Que avanços o senhor percebe na área da divulgação científica comparando com o início de seu trabalho como divulgador da ciência? Hoje existem mais pessoas envolvidas com divulgação cientifica. Não só cientistas, mas também estudantes, jornalistas e comunicadores em geral. MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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E os veículos de divulgação científica se multiplicaram. Hoje, existem os blogs de ciência, várias instituições científicas e pessoas físicas possuem seu twitter para veiculação de notícias sobre ciência, temos iniciativas no teatro, no cinema, na televisão e nos jornais. Então, existe uma multiplicidade de veículos e de meios de divulgação científica como o país nunca viu. Só que ainda é pouco, porque o nosso buraco educacional, como eu chamo, é muito grande. Ao mesmo tempo em que o Brasil é o 13º em produção científica mundial, ele é o último em desempenho em ciências de jovens de 15 anos, de acordo com levantamentos internacionais. O último. Essa é uma dissonância, um paradoxo inimaginável. Estamos produzindo mais de 2% das publicações científicas internacionais, mas nossos jovens de 15 anos não sabem ciência. Como vamos dar sustentação a isso? É uma bolha que vai explodir daqui a alguns anos se a gente não resolver esse paradoxo educacional. O senhor chegou a mencionar algumas medidas estruturantes que poderiam ajudar a solucionar esse problema. Bom, sonhar é grátis. Eu imaginei algumas coisas. Acho que devemos ter uma maior participação do governo federal na rede escolar do ensino básico. Por exemplo, as escolas básicas são atribuição dos municípios e os Roberto Lent, por Flávio Dealmeida

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municípios, às vezes, não têm recursos para manter a rede escolar. Então, por que não federalizar o ensino básico? Por que o governo federal não participa mais fortemente? Talvez essa nova configuração pudesse garantir salários mais representativos para os professores. Com salários melhores, os professores poderiam ficar o dia inteiro na mesma escola, se dedicar mais a ela. Poderíamos, talvez, ter um compartilhamento de responsabilidades: uma parte dos salários dos professores, por exemplo, seria de atribuição federal e a manutenção física das escolas de atribuição municipal ou estadual. Assim, os 20% do orçamento que se dedica à educação por parte dos municípios (ou que deveria ser dedicado) talvez pudesse ser utilizado na manutenção e renovação das escolas porque se desoneraria toda a parte salarial para o governo federal. Obviamente, essa é uma discussão enorme. Não sou político, não sou economista, então não sei quais são os obstáculos reais, como se levantariam os recursos para pagar R$2 mil para todos os professores do Brasil etc. Mas acho que deve ser uma meta para tentarmos atingir em um curto prazo. Boa parte de seu trabalho de divulgação científica é voltado para crianças. O que é mais difícil neste trabalho de falar sobre ciência para crianças? Essa é uma pergunta difícil. Como eu tenho 60 anos, minha linguagem não é mais infantil. Então, tive que pedir assessoria a pedagogos, educadores, comunicadores especializados em crianças para inclusive criticar meus primeiros textos. Vou te dar um exemplo. Os personagens dos meus livros receberam nomes inspirados em Monteiro Lobato. Eram nomes da década de 1930: Zeca, Juca, Joca. A primeira crítica que recebi foi essa, que os nomes não são mais assim. As crianças hoje se chamam Thiago, Clarissa, Manuele. Eu tive então que mudar, essa foi a primeira dificuldade. Agora, tenho um projeto de fazer livros para adolescentes. Vai ser um grande problema porque as gírias, os

jargões, são ainda mais difíceis que o das crianças pequenas. Mas eu acho muito divertido, me permite atualizar. É uma área que eu não lido, meus filhos têm mais de 30 anos, já passaram dessa fase e também já não têm mais a linguagem adolescente. Vou ter que aprender as gírias e a maneira de falar dos jovens. O que o senhor achou de ter recebido o prêmio José Reis? O prêmio é individual e, portanto, representa um elogio público de algo que você se esforça por fazer durante um grande período de tempo. Eu me sinto muito gratificado por ter sido reconhecido. Eu exerço também a função de diretor de um instituto universitário e a gente recebe 99% de críticas e, de vez em quando, 1% de elogio. Receber um elogio é sempre uma coisa boa. Mas é obvio que muitas coisas que eu pude realizar são coisas coletivas. O Instituto Ciência Hoje, os meus colegas que participaram da fundação e da condução do Instituto e de seus veículos, o pessoal que participou dos vídeos publicitários, da concepção dos livros infantis, os críticos da linguagem... todos esses são um pouco são merecedores desse prêmio. Mas o premio é individual, então a gente acaba levando todos os louros que são indevidamente exagerados porque muitos outros participantes atuaram nisso. Falamos da importância da divulgação científica, mas nem sempre é fácil começar um projeto dentro da universidade. O senhor tem alguma dica para quem quer começar a fazer trabalhos de divulgação científica? O primeiro ingrediente é a criatividade. O jovem interessado em divulgação científica geralmente é aluno já de nível universitário ou professor em início de carreira. A primeira coisa é bolar um projeto. Os jogos eletrônicos, por exemplo, podem ser uma matéria de divulgação científica. Ao invés de jogos de guerra, de tiros, você poderia bolar jogos eletrônicos que divulgassem ciência. Mas é preciso ter alguém que entende de computação,


Qual a importância da atuação das agências de fomento para a divulgação científica? Eu conheço mais a atuação da Faperj, no Rio de Janeiro. Tenho uma notícia muito vaga de que as outras FAPs também atuam nessa área. No caso da Faperj, existem editais de divulgaLent percebe avanços na divulgação científica, mas acha que ainda é possível fazer mais. Para ele, criatividade e um bom projeto são os ingredientes principais para se trabalhar na área.

ção científica. Por exemplo, a peça de teatro dos meus livrinhos infantis foi financiada pela Faperj por meio de um edital. Eu fiz o projeto, submeti, ele foi aprovado e isso permitiu que a gente levasse a peça a uma escola de região muito carente do Rio, próximo à universidade. Sei que as outras FAPs também têm editais de divulgação científica, mas não sei quanto, qual a política e como funcionam. Mas seria altamente desejável que tivessem. Se o governo federal ampliar sua atuação em áreas de divulgação científica, certamente as FAPs irão acompanhá-lo e também criar programas em âmbito estadual. Além disso, é uma estratégia interessante das agências federais de bolarem editais em parceria com as FAPs. Esse é um mecanismo interessante para induzir as Fundações Estaduais a atuar em determinado setor. E isso permitiria, talvez, um investimento maior em ações e projetos de divulgação científica em todo o Brasil.

Divulgação UFRN

de eletrônica, que tenha uma familiaridade com a ciência, ou pelo menos um grupo multidisciplinar. Seria algo extremamente original. Uma vez que você tenha o projeto, já existem no país alguns editais que financiam o trabalho, ou pelo menos uma parte dele. Em alguns casos, você pode conseguir até patrocínio privado caso se disponha a colocar um banner comercial, etc. Assim, a primeira coisa é ter um projeto que precisa ser formulado, detalhado e que pode ser apresentado aos editais das agências públicas e privadas e, quem sabe, se tornar viável.

Roberto Lent, na vida real

Compromisso com a divulgação do conhecimento José Reis é conhecido como o pai da divulgação científica no Brasil. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 12 de junho de 1907. Sua formação acadêmica incluiu os melhores centros nacionais, como a Faculdade Nacional de Medicina (1925-30) e o Instituto Oswaldo Cruz (1928-29), de onde foi para o Rockefeller Institute, em Nova York, especializar-se em virologia (1935-36). Foi diretor do Instituto Biológico de São Paulo e, como pesquisador, realizou diversos trabalhos em Ornipatologia, tornado-se um especialista mundialmente respeitado em doenças de aves. Em 1947, começou a publicar artigos sobre temas científicos no jornal Folha da Manhã, do mesmo grupo da Folha de S. Paulo. Logo, tornaria-se editor de ciência do jornal. Reis também foi um dos articuladores da criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948. Fundou a revista Ciência e Cultura, que dirigiu por três períodos diferentes, e foi diretor de redação da Folha de S. Paulo entre 1962-68. Entre as homenagens que recebeu pelo trabalho de divulgar a ciência para o grande público e contribuir para colocar na pauta dos jornais temas relacionados à pesquisa científica, estão o Prêmio John R. Reitemeyer, da Sociedade Interamericana de Imprensa e União Panamericana de Imprensa, e o Prêmio Kalinga, da Unesco. O médico, cientista e jornalista José Reis faleceu em 16 de maio de 2002, aos 94 anos.

Vanessa Fagundes MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Mecânica

De terra e asfalto Pesquisadores desenvolvem veículo que funciona como trator e caminhão para uso em estradas

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Não é preciso trabalhar na agricultura para conhecer as principais funções de um trator: arar a terra, tracionar cargas, auxiliar no cultivo. No que depender de pesquisadores do curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), transportar pessoas e mercadorias será, em breve, um novo item dessa lista. Eles estão desenvolvendo um veículo misto, que reúne as funções de trator e caminhão em um só equipamento. “A proposta é fazer um veículo que seja utilizado em fazenda para atividades típicas de trator e possa andar em estradas, sem atrapalhar o trânsito como um trator, que anda a 6km/h”, explica o coordenador da pesquisa, Ramon Molina. A ideia nasceu na comunidade, trazida à universidade pela empresária Vivian Ferrari, cujo pai, já falecido, desenvolvia equipamentos para o exército italiano e, entre outros inventos, pretendia desenvolver o veículo. “Fizemos uma pesquisa no Brasil e vimos que não tínhamos nenhum equipamento do tipo no país. No mundo, já havia similares, mas com custos muito elevados”, diz Molina. A equipe de pesquisadores aceitou o desafio e deu início ao projeto em 2004, com recursos do Sebrae. Posteriormente, obteve apoio

da FAPEMIG, por meio do Projeto Inventiva, que financia a construção de protótipos. Para a construção do veículo, vários componentes foram testados e alguns construídos. Como explica Ramon Molina, algumas peças não estão disponíveis no mercado e precisaram ser fabricadas. “Temos utilizado peças de outros veículos. A caixa de marcha é de um jipe, o motor é da GM, alguns itens são do D20”, relata o pesquisador. Ele adianta que a intenção é que, com os resultados dos testes em mãos, novos financiamentos sejam solicitados junto às agências de fomento a fim de ampliar o trabalho e o potencial de comercialização do projeto. Na aparência, o veículo misto lembra um trator. Na cabine, há espaço apenas para o motorista. Quando usado na estrada, pessoas e mercadorias podem ser transportadas na parte traseira. Na visão funcional, passa do trator ao caminhão, de acordo com a necessidade do motorista. A migração é fei-

Fotos: Marcelo Focado

O coordenador do projeto e professor da UFMG, Ramon Molina

Estrutura do veículo misto, que pode chegar a 70 km/h quando usado como caminhão.

ta manualmente, por meio da marcha, que deve ser reduzida, quando o veículo for usado como trator e alongada, quando for usado como caminhão. Como trator, o veículo precisa ter freios individuais nas quatro rodas, trava de suspensão e caixa de redução. Por ser um veículo de fazenda, ele tem que ter tração nas quatro rodas e motor potente. Desse modo, a velocidade não ultrapassa os 6 km/h e, quando caminhão, ela atinge 70 km/h. “No novo veículo, foram feitas, basicamente, mudanças no sistema de freios, de suspensão e na transmissão”, resume Molina. De acordo com o pesquisador, a proposta é que o veículo atenda a pequenos e médios fazendeiros, oferecendo a opção de dois veículos em um, já que nem todos conseguem manter um trator e um veículo de estrada ao mesmo tempo. De forma inversa, grandes fazendeiros já possuem os dois veMINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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ículos e dificilmente se interessariam pelo projeto. “Uma família sem muitos recursos teria só o trator, mas, com o veículo misto, o fazendeiro poderia comercializar os produtos na cidade, transportando a mercadoria ou até mesmo passear com a família nos fins de semana”, exemplifica. Ele afirma que a ideia é que o produto chegue ao mercado com custo razoável, exatamente para que seja acessível a fazendeiros com menor renda. Molina afirma que, com esse objetivo, não existe veículo similar no Brasil. No exterior, alguns modelos têm características semelhantes, embora não sejam utilizados com essa finalidade e sejam caros, até mesmo por apresentarem dispositivos adicionais. Segundo ele, a intenção é partir para testes que comprovem as características propostas pelos pesquisadores da UFMG. “Chegamos a fazer um teste da primeira versão do trator, construída com motor de 18 cavalos e sem tração quatro por quatro. Ele se mostrou fraco com relação aos serviços de fazenda. Na nova versão, feita com apoio da FAPEMIG, colocamos um motor mais potente”, conta. Os novos testes estão previstos para o início de dezembro e acontecerão na fazenda da Escola de Veterinária da UFMG. A patente do produto foi pedida junto à universidade, mas, somente após os testes, as características do veículo poderão ser confirmadas. De acordo com o coordenador do projeto, a partir dos testes, será possível chegar, inclusive, a um valor aproximado de mercado para o produto. Ele diz que, inicialmente, é possível que o grupo deixe o protótipo para uso em alguma fazenda, a fim de observar seu desempenho no dia a dia. “A partir daí, podem surgir interessados em projetar e construir o veículo em série”, prevê. Até então, ele já participou de duas exposições, entre elas a Inovatec, uma das maiores feiras de inovação tecnológica do país. Até hoje, a construção do veículo misto envolveu cerca de 14 estudantes do curso de Engenharia Mecânica da

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UFMG, sob a coordenação dos professores Ramon Molina Valle e Fabrício Pujatti, que atua na área de projetos automotivos. Molina destaca a importância do aprendizado prático para os alunos. “Na UFMG, sempre temos um veículo sendo projetado. Ainda que não cheguem ao mercado, eles são uma grande fonte de aprendizado. Aqui, os alunos aprendem a projetar uma suspensão, soldar, usinar. Isso é

muito importante na formação de um engenheiro”, diz. Ariadne Lima Projeto: “Veículo misto para uso agrícola e na estrada” Modalidade: Projeto Inventiva Coordenador: Ramon Molina Valle Valor: R$30.000,00

Concretizando ideias O veículo misto recebeu apoio da FAPEMIG por meio do Projeto Inventiva, que apoia o desenvolvimento de protótipos de produtos ou processos inovadores. Além da Fundação, participam da iniciativa, o Sebrae-MG, o Instituto Euvaldo Lodi (Iel) e o Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (BDMG).O Inventiva visa, principalmente, facilitar o caminho para a transferência de tecnologia ao mercado. Podem concorrer ao financiamento inventores e pesquisadores independentes, microempresas e instituições de ensino e pesquisa que atuem em parceria com o inventor ou pesquisador e a microempresa. As propostas enviadas devem ser de até R$30 mil. Segundo o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, o Inventiva preencheu uma lacuna, pois, até seu lançamento, não havia na instituição uma linha para apoiar a construção de protótipos. “Isso mostra o que Minas Gerais têm feito no sentido de juntar esforços de seus mecanismos e agentes, sintonizados na proposta de tornar o Estado competitivo nos cenários nacional e internacional.” O Inventiva não depende do lançamento de um edital para receber propostas. Para solicitar apoio, o pesquisador ou inventor precisa preencher o formulário de inscrição, disponível na página da FAPEMIG (www.fapemig.br), e encaminhá-lo à Fundação. As propostas recebidas passam por uma primeira triagem e são avaliadas por uma comissão especial de julgamento, que, entre outros critérios, analisa o caráter inovador do projeto, o potencial mercadológico e os possíveis impactos socioeconômicos no âmbito estadual.

A FAPEMIG destinou R$ 30 mil para a construção do protótipo, por meio do Projeto Inventiva.


Mercadodessa? Lembra

Verde oliva e amarelo Pesquisas da Epamig revelam potencial brasileiro para produção de oliveiras

A falta de tradição no cultivo de oliveiras no Brasil não significa que o país não tenha vocação para esse tipo de cultura. Algumas regiões, inclusive em Minas Gerais, reúnem condições ideais para a produção de olivas. Esse potencial tem guiado os trabalhos de pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) que foram tema de reportagem da edição nº 19 da Minas faz Ciência. Seis anos depois, algumas mudanças se destacam nos rumos das pesquisas, como o uso de uma nova técnica de propagação das plantas e a produção de novas cultivares. De acordo com o atual coordenador das pesquisas, o engenheiro agrônomo Adelson Oliveira, desde a primeira reportagem, houve um avanço bastante significativo. “Naquela época, a propagação de plantas era feita por enxertia, o que gerava problemas por incompatibilidade de enxertos. Hoje, a tecnologia utilizada é a estaquia, mais moderna e com a vantagem de proporcionar a obtenção de maior quantidade de mudas, em menos tempo e com menor quantidade de material vegetativo. Além disso, as plantas obtidas são exatamente iguais à planta matriz. “Com o método anterior, nós levávamos de 24 a 36 meses para obter uma muda. No método atual, obtém-se essa muda no período de 12 a 18 meses”, exemplifica Oliveira. O pesquisador afirma que a evolução dos trabalhos não parou na propagação das plantas. Segundo ele, também houve avanços no controle de pragas e doenças, nas técnicas de adubação, na seleção de cultivares mais adaptáveis à região e, especialmente, nos processos pós-colheita. Quando colhidos, os frutos têm dois possíveis destinos: o consumo em mesa e a extração de azeite. “De maneira especial,

houve uma evolução muito acentuada com relação à extração de azeite porque, a partir da possibilidade de termos uma maior quantidade plantada, também tivemos maior quantidade de frutos por mês e isso nos estimulou à extração”, diz Oliveira. Ele relata que o aumento na produção permitiu que fossem identificadas as características mais comuns aos azeites da região e comparadas às de azeites produzidos em outras regiões. O crescimento da produção e o avanço das técnicas pós-colheita também estimularam o desenvolvimento de novas cultivares, que foram objeto de proteção intelectual em nome da Epamig, junto ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares. “Na primeira reportagem publicada, tínhamos 50 variedades da planta. Conseguimos adicionar mais algumas e hoje possuímos aproximadamente 60 catalogadas”, conta Oliveira. Do total, 33, desenvolvidas por pesquisadores da Epamig ao longo de anos de pesquisa, estão em processo de registro. O pesquisador coordena atualmente um projeto que consiste na caracterização de cultivares, contemplando a descrição ergonômica (formatação de árvore, folhas e frutos) e a pós-colheita, em que se descreve as principais características de composição dos frutos, como acidez e percentual de ácidos graxos, por exemplo. Outra novidade na pesquisa é a avaliação do comportamento de algumas cultivares de oliveiras em localidades diferentes de Maria da Fé (MG), no Sul de Minas, onde está localizada a Fazenda da Epamig que sedia as pesquisas. Os experimentos estão sendo realizados, por exemplo, em regiões como o Campo das Vertentes e o Norte de Minas, que tem condições climáticas totalmente diferentes do Sul do Estado. Acauã, Mocambinho,

Jaíba, Piedade do Rio Grande,Três Corações e São Sebastião do Paraíso são algumas das localidades onde a pesquisa aconteceu. “Começamos este trabalho há cerca de quatro anos. Já temos alguns resultados preliminares e existem expectativas, mas não podemos adiantá-los, pois ainda estamos na fase de estabelecermos doses, reguladores. É prematuro dar qualquer informação”, diz Oliveira. Foto: Cristiano Quintino

Diferentes regiões de Minas Gerais têm apresentado boas condições para o cultivo de oliveiras

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Saúde

r e c e h r n i o n C e v e r p a r a p

lia a v rais a e s G a nas min i o M m He em o V L ã T ç nda ca do H u us F r í a i v f d grá oras do isa o u e q g s Pe tad ção r i o u p b i distr nta mães e e ori

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Fotos: Glaucia Rodrigues


Um vírus silencioso e pouco conhecido que pode levar ao desenvolvimento de doenças graves como a leucemia. Este é tipo 1 do HTLV, ou vírus linfotrópico de células T humanas. Ele infecta células do sangue denominadas linfócitos T, importantes para o sistema imunológico já que auxiliam, por exemplo, no combate a infecções. Suas principais formas de transmissão são o compartilhamento de agulhas e seringas contaminadas, a prática de relações sexuais sem preservativo e a amamentação, quando a mãe é portadora do vírus. Considerando especialmente a

contaminação vertical (de mãe para filho), pesquisadores do Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em HTLV (GIPH), da Fundação Hemominas, realizaram uma pesquisa que avaliou a distribuição geográfica do vírus em Minas Gerais em mães de recém-nascidos submetidos ao teste do pezinho. No período de setembro a novembro de 2007, todas as crianças submetidas à triagem neonatal no Estado por meio do teste do pezinho foram também submetidas à triagem para o HTLV. A inclusão do teste foi possível graças a uma parceria entre a Hemominas e o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que hoje é responsável pela triagem neonatal no Estado, atendendo cerca de 95% das crianças recémnascidas. No período, foram realizados testes em 55.593 recém-nascidos a fim de identificar quais deles possuíam anticorpos (substâncias de defesa do organismo) contra o HTLV, o que seria um indício de que a mãe seja portadora do vírus. “Isso não significa que a criança, necessariamente, esteja contaminada, apenas que recebeu os anticorpos para o vírus durante a gestação”, explica a médica e pesquisadora da Hemominas Maísa Ribeiro. A cada criança identificada, o sangue da mãe foi coletado e submetido a exame. Foram identificadas 53 crianças com resultado alterado no teste e, assim, o material de 53 mães também foi analisado. Do total, 42 estavam infectadas pelo HTLV. Segundo Ribeiro, a diferença entre o número de bebês com exames alterados e o número de mães infectadas está dentro da taxa prevista quando se realiza testes de triagem. O teste de HTLV normalmente é feito em duas etapas: uma de triagem e outra de confirmação. O teste de triagem sorológica é o mais utilizado por ser mais simples, rápido e sensível. Os testes confirmatórios são mais específicos e são utilizados para confirmar a infecção. Maísa Ribeiro conta que, sempre que o teste do pezinho dava alterações referentes ao HTLV, rapidamente a mãe da criança era contatada para a coleta do sangue. Se o teste da mãe

desse resultado positivo, ela novamente era contatada e orientada a interromper a amamentação, a fim de evitar a contaminação do filho. Para isso, o projeto ofereceu leite a todas as crianças nascidas de mães soropositivas identificadas na pesquisa. “A transmissão do vírus de mãe para filho se dá principalmente pelo aleitamento materno e está relacionada ao tempo de amamentação. A chance de o bebê ser contaminado, nesse caso, varia de 15 a 25%”, diz. Segundo ela, pessoas que contraem o vírus na infância podem ter maior probabilidade de desenvolver leucemia na fase adulta. A pesquisa mapeou a ocorrência do vírus em Minas Gerais, de acordo com a amostra analisada, nas 12 mesorregiões geográficas do Estado. Foi identificada a ocorrência do vírus em quase todo o Estado, mas houve concentração na região dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha. Em duas mesorregiões, Campo das Vertentes e Central Mineira, não houve registro de mães soropositivas no período estudado. As taxas mais baixas de soropositividade foram encontradas nas regiões Sul, Zona da Mata e Sudoeste do Estado. “As áreas de maior soropositividade coincidiram com as áreas de menores condições socioeconômicas, mas não podemos tratar isso como relação causa-efeito”, pondera Ribeiro. Entre as mães infectadas, 40 apresentaram o tipo 1 do vírus e apenas duas, que fazem parte da tribo indígena dos Maxacalis, são portadoras do HTLV-2, Foto: Eber Faioli/Cedecom/UFMG

A pesquisa incluiu no teste do pezinho, aplicado em recém-nascidos, uma triagem para o vírus HTLV MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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outro tipo viral pouco associado a doenças. “O HTLV-1 tem ampla distribuição mundial, enquanto o HTLV-2 predomina em determinados grupos, por exemplo, os indígenas das Américas”, explica a pesquisadora. Todas as mulheres soropositivas que participaram da pesquisa receberam material com orientações sobre a doença e um relatório para que pudessem receber acompanhamento médico nas cidades onde moram. Os postos de saúde onde elas foram identificadas também receberam livro e folder sobre o HTLV, a fim de que os profissionais da unidade pudessem conhecer o vírus e suas implicações. Segundo Maísa Ribeiro, um dos principais benefícios da pesquisa foi exatamente possibilitar a divulgação de informações sobre o vírus. “O HTLV é pouco conhecido até mesmo pelos profissionais da área de saúde. A abrangência do teste do pezinho é muito grande e, com isso, a pesquisa possibilitou que cada posto de saúde recebesse cartazes e informes técnicos sobre o vírus. Fizemos um seminário para treinar profissionais da área e hoje sabemos que, em Minas Gerais, cada posto pelo menos já ouviu falar em HTLV por causa do projeto”, comemora. Ao final do estudo, os pesquisadores encaminharam um ofício aos gestores da saúde das cidades onde foram identificadas mulheres contaminadas pelo vírus. Este ofício relatava os resultados encontrados e informava sobre o artigo gerado pela pesquisa publicado na revista Panamericana de Saúde Pública. “Embora não tenhamos encontrado uma taxa alta de infecção na população estudada, o HTLV é um vírus que pode levar a doenças graves e pode ser prevenido. É importante o conhecimento e a prevenção, especialmente no pré-natal, em que se pode identificar e orientar a gestante, preparando-a para não amamentar. Isso deve ser feito principalmente nas áreas em que identificamos maior prevalência do vírus. O ideal é que o teste para HTLV seja incluído entre os exames do pré-natal. Queremos que se interrompa a cadeia de transmissão”, diz Ribeiro.

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Estudo amplo As mães identificadas como portadoras do HTLV pela pesquisa foram convidadas a participarem de um estudo maior, coordenado pelo GIPH, da Hemominas. Trata-se da Coorte do GIPH, um estudo com duração prevista de 20 anos, iniciado em 1997 e com uma proposta inicial de acompanhar portadores de HTLV identificados entre doadores de sangue no Estado. “O objetivo é acompanhá-los por 20 anos para avaliar e verificar quem desenvolveu ou não as doenças associadas. Como essa é uma infecção crônica e as doenças associadas normalmente demoram a se desenvolver, é necessário um período longo de acompanhamento”, justifica Ribeiro. O registro mais recente, de julho, aponta 560 pessoas soropositivas sendo acompanhadas pelo estudo. O número, no entanto, varia com a inclusão e a saída de participantes. As pessoas acompanhadas pela pesquisa passam por uma avaliação clínicolaboratorial a cada dois anos. Quando se verifica qualquer sinal ou sintoma de infecções associadas ao HTLV, o paciente é encaminhado para especialistas em oftalmologia, neurologia, dermatologia, entre outras áreas, de acordo com cada caso. Conforme Ribeiro, várias especialidades compõem o grupo e uma parceria com médicos da Faculdade de Medicina da UFMG e o hospital da Rede Sarah permite o encaminhamento de pacientes. “Às vezes, quando há alteração, o paciente precisa voltar mais vezes, não necessariamente para a nossa avaliação, mas para um especialista”, explica a pesquisadora. Nesse caso, o acompanhamento é feito por meio de relatórios sobre o paciente. Todas as informações são armazenadas no banco de dados do GIPH e só devem ser totalmente disponibilizadas após a conclusão do estudo, em 2017. Muitas mães do interior apontadas na pesquisa de distribuição geográfica do vírus não puderam participar do acompanhamento, devido a dificuldades de deslocamento para a capital. Segundo Ribeiro, a Hemominas colocou-se à disposição para recebê-las, mas, como na maioria dos casos não


há manifestação de sintomas, elas podem permanecer no interior e serem acompanhadas em uma Unidade Básica de Saúde. Os familiares de todos os soropositivos identificados pela Hemominas, inclusive das mães apontadas na pesquisa, também foram convidados a realizarem testes para verificar se há contaminação pelo vírus. “Entre familiares, a taxa de infecção é muito maior que no grupo geral: em torno de 20%”, diz Ribeiro. No caso das mulheres, o teste foi oferecido aos seus parceiros, filhos e mães. Os familiares apontados como soropositivos também foram convidados a participarem do acompanhamento feito pelo GIPH.

Outras pesquisas Diversas outras pesquisas estão em andamento no Serviço de Pesquisa da Fundação Hemominas, algumas delas financiadas pelo Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS), fruto da parceria entre FAPEMIG, Ministério da Saúde e

Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais. Segundo Maísa Ribeiro, uma das linhas de pesquisa visa a estudar diversas infecções associadas ao HTLV. Um dos projetos vai analisar a associação do vírus com o Strongyloides stercoralis, um verme relativamente comum, mas de difícil diagnóstico, que pode causar uma hiperinfecção em portadores de HTLV. Outra pesquisa vai avaliar a associação entre HTLV e HIV, doenças provocadas por vírus da “mesma família”. Uma terceira vai verificar possível associação entre HTLV e tuberculose. “Além dessas, há várias outras em andamento, por exemplo, uma na linha de alterações neurológicas associadas ao HTLV e outras que analisam carga proviral e a expressão gênica de determinadas proteínas virais. As diversas pesquisas em HTLV, desenvolvidas pelo grupo GIPH, também contam com a parceria de pesquisadores do Centro de Pesquisas René Rachou da Fiocruz e do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), da UFMG”, completa a pesquisadora.

Tipos de HTLV O HTLV tem, basicamente, dois tipos virais: o HTLV-1 e o HTLV-2. Saiba mais sobre eles. HTLV-1: Foi o primeiro retrovírus humano descrito. Inicialmente, foi associado à leucemia de células T no Japão, em 1977. Depois, foi associado a doenças neurológicas, como a mielopatia. Hoje, é encontrado em todo o mundo. Estima-se que 15 a 20 milhões de pessoas estejam infectadas pelo vírus no mundo, mas as taxas diferem de acordo com a região e a composição sociodemográfica. As maiores taxas de prevalência estão em países como Japão, Jamaica, Trinidad, Camarões, Guiné Bissau e Irã. Nos países da América do Sul, as taxas são um pouco mais baixas. HTLV-2: Foi identificado em 1982 e é pouco associado a doenças. É mais comum em populações específicas, como indígenas da América do Sul, por exemplo.

Doenças associadas ao HTLV A maior parte dos portadores do HTLV não apresenta quaisquer sintomas. Apenas cerca de 5% desenvolve doenças associadas ao vírus. Três são as mais comuns. Conheça cada uma: Leucemia linfoma de células T: Atinge de 1% a 5% dos portadores do HTLV, manifestando-se principalmente na fase adulta. Pessoas que tenham contraído o vírus na infância têm mais chances de desenvolvê-la. As principais alterações que provoca são aumento dos linfonodos periféricos (gânglios linfáticos), aumento do fígado e do baço, maior concentração de cálcio no sangue e alteração no número de leucócitos (glóbulos brancos do sangue, que têm a função de combater agentes infecciosos e substâncias estranhas no organismo). Alguns sintomas são lesões de pele, dor abdominal, diarreia e tosse. Pode ser classificada em latente, crônica, linfomatosa e aguda, com alto índice de mortalidade em pacientes com formas mais agressivas da doença. Nas formas

aguda e linfomatosa, é tratada por meio de quimioterapia. Mielopatia associada ao HTLV-1: Desenvolve-se em 1% a 5% dos portadores do HTLV. Caracteriza-se pelo surgimento de um ou mais sintomas, como: fraqueza muscular, dormências ou formigamentos, disfunção erétil, alterações na bexiga (incontinência urinária, jato fraco, esvaziamento incompleto da bexiga) e alterações intestinais. Conduz à inflamação da medula espinhal torácica. Normalmente, torna-se mais evidente após os 40 anos. O tratamento é feito por meio de medicamentos. Uveíte associada ao HTLV-1: Pode atingir de 2% a 30% dos portadores de HTLV, de acordo com o grupo estudado. Consiste na infiltração dos tecidos oculares, especialmente o corpo vítreo (fluído gelatinoso transparente que preenche 3/4 do olho), e vasculite retiniana (inflamação intraocular) moderada. O tratamento é realizado pelo uso de medicamentos corticosteroides.

Ariadne Lima MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Perfil

Retrato de família

Pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro aponta perfil dos domicílios mineiros

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Você é casado? Pratica atividades físicas? Quantos cômodos tem a sua casa? Quanto gasta com alimentação, lazer, vestuário? Questões como essas, que parecem interessar apenas a você e a sua família, podem ser muito úteis para órgãos e profissionais que atuam na elaboração de políticas públicas. Com esse propósito, a Fundação João Pinheiro (FJP) concluiu em agosto deste ano uma pesquisa inédita em Minas Gerais. A “Pesquisa por amostra de domicílios de Minas Gerais” (PAD/ MG), realizada pelo Centro de Estudos em Políticas Públicas (CEPP) e o Centro de Estatística e Informações (CEI) da Fundação, reuniu amostragem detalhada do Estado, apresentando dados de todas as 12 divisões de Minas. A amostra incluiu mais de 18 mil domicílios em todo o Estado, 1.200 setores censitários de áreas urbanas e rurais, em 308 municípios. A pesquisa teve apoio da FAPEMIG, da Secretaria de Estado de Planejamento e do Banco Mundial, que após uma operação de empréstimo ao Estado de Minas Gerais sugeriu a execução de uma pesquisa que coletasse informações e criasse indicadores que permitissem o acompanhamento das políticas públicas desenvolvidas no Estado. O trabalho teve início em 2007. Desde então, seguiram-se as etapas de planejamento, concepção e programação do questionário, concepção do plano amostral, pré-testes e ajustes, pesquisa de campo e organização dos dados. A divulgação dos resultados aconteceu em agosto deste ano e o estudo encontra-se disponível no site da Fundação João Pinheiro (www.fjp.mg.gov.br). A pesquisa foi a campo entre junho e novembro de 2009, com uma inovação: o uso de um Ultra Mobile Personal Computer (UMPC), um computador portátil que permitiu que o trabalho fosse executado com mais agilidade e maior número de perguntas. Como conta a coordenadora da pesquisa, a socióloga Nícia Raies, foi a primeira vez que um aparelho do tipo foi utilizado na FJP e, sem ele, a aplicação do questionário esbarraria em questões como tempo, custos e

disponibilidade dos moradores. “Mesmo os grandes institutos de pesquisa começaram a usar esses equipamentos recentemente”, diz. O UMPC é diferente do aparelho que está sendo utilizado no Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Ele é bem maior, com uma tela grande, porém, fácil de segurar. O equipamento permite que o pesquisador aplique o questionário estando em qualquer posição, mesmo em pé. A tela é touch screen, mas, diferentemente de outros equipamentos, ele possui um teclado, o que agiliza a aplicação. Essas três funções foram determinantes para a escolha do modelo”, detalha a pesquisadora. Na pesquisa, foram utilizados 130 aparelhos, manuseados pela equipe de campo que, durante o período de coleta dos dados, variou de 60 a 90 pesquisadores em ação. A equipe de revisão e checagem foi formada por aproximadamente 20 pessoas. “Não considerando a pesquisa de campo e a parte administrativa (porque houve envolvimento de toda a FJP), a equipe que atuou na pesquisa é multidisciplinar. Tivemos demógrafos, sociólogos, economistas, arquitetos, geógrafos e outros profissionais”, enumera a coordenadora.

O questionário foi composto de 11 seções, com número variado de perguntas cada uma. Havia as seções de caracterização do morador e do domicílio, educação, saúde, trabalho, gastos, juventude, assistência social entre outras. O tamanho de cada uma delas dependia do próprio tema. Nícia Raies relata que os pré-testes do questionário ajudaram a definir seu tamanho final. Um dos itens previamente avaliados foi o tempo de aplicação desse questionário. “Foram vários pré-testes. Neles, entrevistávamos pessoas usando apenas papel e usando o equipamento. Em uma etapa inicial, chegamos a entrevistar conhecidos para verificar questões como, por exemplo, a fluência do questionário. Depois, tivemos um pré-teste maior, realizado em várias regiões do Estado, com moradores escolhidos de maneira aleatória.” O questionário final foi aplicado a famílias e municípios selecionados por meio de plano amostral. A amostra é estratificada, ou seja, foi dividida de forma a representar todas as regiões do Estado, com suas 12 meso-regiões. Os domicílios foram selecionados aleatoriamente, sorteados de acordo com os setores do município, a partir de critérios que garantissem a representação de todos os perfis de famílias encontradas em Minas Gerais.

Fotos: Ariadne Lima

A pesquisadora Nícia Raies coordenou a pesquisa que envolveu profissionais de toda a sede administrativa da Fundação João Pinheiro. MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Fotos: Ariadne Lima

Os questionários foram aplicados por meio de um computador portátil que garantiu mais agilidade e segurança ao processo

Entre as perguntas, estavam questões referentes, por exemplo, à caracterização dos domicílios (quantos quartos, quantos banheiros etc.), a caracterização dos moradores (idade, estado civil, raça), grau de escolaridade, trabalho, renda, gastos, benefícios recebidos do governo (como bolsa escola ou bolsa família), entre outras. “Quando, por exemplo, perguntamos o estado civil e a pessoa é casada, perguntamos como ela se casou. É interessante ver as diferenças. Cada região tem características distintas e isso é muito importante na hora de formular uma política pública. Quando não conhecemos essas diferenças fica mais difícil obter sucesso ao investir”, exemplifica a coordenadora da pesquisa.

Resultados Segundo Nícia Raies, os resultados da pesquisa mostram, em números e dados formais, coisas já observadas no senso comum. “O norte mineiro tem muitas diferenças em relação ao sul e ao Triângulo, mas também temos alguns pontos parecidos. Hoje estamos vivendo em uma sociedade

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“Acho que o Estado vai usar bastante esses dados para criar indicadores e monitorar políticas. A pesquisa cobre algumas necessidades de quem trabalha com políticas públicas no Estado, entre as quais estão a apropriação desses resultados com maior tempestividade e a regionalização, já que a amostra da pesquisa é seu grande diferencial.” em que tempo e espaço estão muito comprimidos. Temos tanto diferenças, como proximidades. O computador, por exemplo, já é algo totalmente disseminado”, diz. Para a pesquisadora, tocar na questão do desenvolvimento econômico

é delicado e exigiria diversos fatores para análise. “Eu não me arriscaria a dizer que uma região é mais desenvolvida que outra, mas o que dá para perceber são diferenças entre o Triângulo e o norte mineiro. São vários exemplos. Há uma discrepância”, diz. Um dos exemplos é a taxa de analfabetismo. Na região dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, 21,5% da população acima dos 15 anos não sabe ler nem escrever, enquanto, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a taxa não passa de 5,2% e, no Triângulo, de 7,5%. A pesquisa mostra outros dados interessantes. “O analfabetismo, por exemplo, é muito maior nas faixas etárias mais velhas e, principalmente, mais intenso na região Norte. Os resultados ainda mostram uma melhora no mercado de trabalho depois do período de crise. As rendas menores também estão na região norte do Estado”, relata Raies. A ausência de rede coletora de esgoto é outro item marcante em algumas regiões. Enquanto no Triângulo, 91,9% das casas têm rede de tratamento do esgoto, no norte, isso se verifica em 34,8% dos municípios. Já no que se refere à água canalizada, 97% das famílias mineiras incluídas na


pesquisa são beneficiadas e, quanto à coleta de lixo, 85% dos domicílios são atendidos. As curiosidades ficam por conta das questões relacionadas aos hábitos e costumes da população. O tipo de união conjugal, por exemplo, varia bastante de uma região para outra. Enquanto no noroeste do Estado, 45,1% dos casais uniram-se com cerimônias civil e religiosa, no centro-oeste, este número sobe para 68,2%. A união informal foi a opção de 36,1% dos casais entrevistados na região dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. No sul do Estado, este número é 20,5%. Outro dado interessante refere-se à prática de exercícios físicos. Na população de até 24 anos, 78,5% não praticam atividade alguma e apenas 11,5% fazem exercícios regularmente. Quando o assunto é saúde, 80,4% das mulheres considera a própria saúde “boa” ou “muito boa”. Os homens são mais otimistas. Em relação a eles, este número sobe para 84,6%. Segundo a coordenadora da pesquisa, os dados contemplam várias áreas de interesse e abrangem todo o Estado, o que pode ser de grande utilidade para instituições públicas e empresas. “Acho que o Estado vai usar bastante esses dados para criar indicadores e monitorar políticas. A pesquisa cobre algumas necessidades de quem trabalha com políticas públicas no Estado, entre as quais estão a apropriação desses resultados com maior tempestividade e a regionalização, já que a amostra da pesquisa é seu grande diferencial”, afirma. A PAD-MG será realizada de dois em dois anos, com o objetivo de acompanhar a evolução dos dados. A próxima, prevista para 2011, já está sendo preparada. De acordo com Raies, alguns ajustes serão feitos no primeiro modelo. “Há a possibilidade de rodízio de algumas questões que não precisam entrar sempre e pequenos erros serão corrigidos. Os setores pesquisados devem permanecer para que os dados sejam comparados”, diz. Ariadne Lima Projeto: “Plano amostral da pesquisa mineira por amostra de domicílios (PMAD)” Modalidade: Auxílio Universal Complementar Coordenadora: Nícia Raies Moreira de Souza Valor: R$58.949,00 MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2010

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Mercado Notas

EFEITO BRASILEIRO Brasileiro é agraciado com um dos maiores prêmios científicos internacionais por trabalhos relacionados à Teoria do Caos Quem assistiu ao filme Efeito Borboleta (Europa Filmes, 2004) lembra-se bem o que pequenos episódios aleatórios podem trazer como consequência. A produção cinematográfica foi inspirada em um princípio da chamada Teoria do Caos, segundo o qual o bater de asas de uma borboleta poderia desencadear uma série de eventos, chegando a provocar um tufão do outro lado do mundo.Talvez a história do cientista mineiro Jacob Palis sirva para exemplificar o efeito tão presente em seus trabalhos. Muito provavelmente, quando começou a estudar engenharia, em 1958, o matemático e atual presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) não imaginou que um dia seria agraciado com um dos maiores prêmios científicos internacionais: o Prêmio Balzan, concedido pela Fundação Balzan, com sedes em Milão, na Itália e Zurique, na Alemanha. Até então, apenas seis cientistas da área haviam sido premiados, todos europeus ou norte-americanos. Palis foi indicado pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) por seus estudos relacionados a sistemas dinâmicos, baseados na Teoria do Caos. Parte do prêmio, que ao todo equiva-

le aproximadamente a R$ 1,2 milhão, deve ser direcionada para pesquisas científicas. A premiação foi entregue em 19 de novembro, em Roma, onde recentemente o matemático também ingressou na tradicional Accademia dei Lincei, da qual Galileu Galilei foi o primeiro membro. Além do pesquisador brasileiro, foram agraciados com o Prêmio Balzan o biólogo japonês Shinya Yamanaka, o historiador italiano Carlo Ginzburg e o alemão Manfred Bauneck. A cada ano, o prêmio é concedido a diferentes áreas. Este ano, foram premiados pesquisadores de teatro, história europeia, biologia e matemática. Na próxima edição, serão agraciados estudiosos da história antiga, do iluminismo, da biologia teórica e dos primórdios do universo. Jacob Palis é graduado em Engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado e doutor em Matemática, pela Universidade da Califórnia. É pesquisador e professor titular do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), instituição que dirigiu de 1993 a 2003. Recebeu diversos outros prê-

Divulgação ABJC

mios, nacionais e internacionais. Além de presidir a Academia Brasileira de Ciências, faz parte de Academias de Ciências do Chile, México, Índia, Estados Unidos, França, Noruega, Rússia, Alemanha entre outros. É autor de um programa global sobre comportamento típico dos sistemas dinâmicos em geral, tema que lhe rendeu o prêmio recebido. Foi presidente da International Mathematical Union (IMU), no periodo de 1999 a 2002, e vice-presidente do Intenational Council for Science (ICSU), entre 1996 e 1999. Atualmente, também preside The Academy of Sciences for the Developing World (TWAS).

SEM FRONTEIRAS A Universidade Alberta, do Canadá, é a mais nova parceira da FAPEMIG. Em outubro, a universidade e a FAP mineira assinaram um convênio que prevê o financiamento de atividades como projetos de pesquisa desenvolvidos em conjunto por pesquisadores dos dois países; intercâmbio de pesquisadores; realização de seminários e workshops; entre outras ligadas à ciência, tecnologia e inovação. Entre as áreas em que essa cooperação pode se efetivar estão meio ambiente e ecossistemas tropicais, estratégicas para os dois países.

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O convênio é parte da política de internacionalização da FAPEMIG. Para o presidente da Fundação, Mario Neto Borges, parcerias deste tipo são importantes porque permitem aos pesquisadores mineiros trocar experiências com outros grupos e desenvolver projetos de cooperação em áreas de interesse para o Estado e o país. “A FAPEMIG reúne, hoje, condições que atraem esses parceiros internacionais. Temos recursos para investir como contrapartida, uma legislação apropriada (Lei Mineira de Inovação) e vontade política, pois é consenso no Estado de que pesquisa e inovação são molas

para o desenvolvimento econômico e social”, resume. Atualmente, a FAPEMIG possui convênios com países como Alemanha, França, Itália e Austrália. A Fundação oferece bolsas, hospedagem e passagens aéreas, de acordo com as características de cada convênio. Podem concorrer estudantes de graduação, pós-graduação e pesquisadores que tenham vínculo com instituições de ensino e/ou pesquisa de Minas Gerais. As condições específicas de cada convênio podem ser consultadas com a Central de Informações da FAPEMIG, pelo endereço ci@fapemig.br


CNPq PREMIA PESQUISADOR MINEIRO Com um projeto que une economia e sustentabilidade no setor de biocombustíveis, o doutorando Francisco Guilherme Esteves Nogueira, do programa de pós-graduação em Agroquímica da Universidade Federal de Lavras (Ufla), ficou entre os primeiros colocados no Prêmio Jovem Cientista 2010. Ele tirou o segundo lugar na categoria Graduado e recebeu sua premiação das mãos do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Arquivo pessoal

O Jovem Cientista é uma iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Neste ano, o tema foi “Energia e Meio Ambiente: soluções para o futuro”. Entregue anualmente, ele é divido nas categorias graduado, estudante de ensino superior e estudante de ensino médio e tem como objetivo reconhecer o trabalho de pesquisadores de todo o Brasil nas áreas contempladas. Em seu projeto, Francisco Nogueira conseguiu reaproveitar as sobras da produção de biodiesel, um combustível ecológico, mas que deixa resíduos. Ele utilizou a glicerina, resíduo resultante da fabricação de biocombustíveis, para obter produtos de interesse industrial. A tecnologia, pioneira no país, utilizou como catalisador compostos a base do elemento químico nióbio. Da mistura deste produto com o resíduo do biodiesel, o pesquisador obteve dois resultados:

Arquivo pessoal

Prêmio Young Scientists A qualidade da apresentação e a importante contribuição científica garantiram ao trabalho de David Augusto Lopes destaque entre centenas de projetos de jovens cientistas em todo o mundo. Ele recebeu o prêmio para jovens cientistas “Young Scientists Awards” durante a International Conference on Lighting Protection, em português, Conferência Internacional sobre Proteção à Relâmpagos. O encontro foi realizado em Cagliari, na Itália, entre 13 a 17 de setembro. “Estou muito feliz. Esta conquista indica que estamos no caminho certo”, comemora. Lopes é formado em física pela Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) e doutorando de engenharia elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O trabalho premiado, seu mestrado, investiga os efeitos das descargas elétricas provocada por relâmpagos. O diferencial do trabalho é simulação da descarga em escala reduzida, ou seja, em laboratório. “O principal causador de quedas de energia são os relâmpagos que caem próximos à rede elétrica. O estudo da descarga real é complicado, pois o relâmpago é um fenômeno aleatório. Com o modelo reduzido conseguimos analisar o mesmo efeito da descarga real, e propor melhorias para proteção das redes elétricas”, esclarece.

a produção do ácido acrílico, utilizado na produção de tintas, tecidos, adesivos, couro, fibras, detergentes, e no tratamento de papel, e um aditivo químico que melhora o rendimento dos combustíveis e diminui a poluição. Ele explica que um dos fatores que o motivou no desenvolvimento do projeto foi a produção cada vez mais crescente de biodiesel no Brasil. Uma das consequências disso é a enorme quantidade de glicerina residual gerada na sua produção, grande parte sem destinação correta. “Foi emocionante ser agraciado por um dos maiores prêmios da ciência brasileira e também um grande incentivo para a continuidade ao meu trabalho”, orgulha-se. Além disto, o pesquisador explica que o prêmio proporcionou visibilidade ao projeto e várias empresas demonstraram interesse por ele. “Espero que, em breve, o trabalho esteja na indústria”, planeja.

ORIGEM RECONHECIDA O artesanato de estanho é tradicional em São João del Rei, cidade localizada na região dos Campos das Vertentes. A fim de reconhecer esse patrimônio, a Associação dos Artesãos de Peças em Estanho da cidade e a Comissão de Propriedade Intelectual (Copin) da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) entraram com um pedido de Indicação Geográfica junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). A indicação de um produto ou serviço como originário de um local é como uma garantia quanto a sua origem e suas qualidades e características regionais. Em São João del Rei, as peças de estanho conservam o método tradicional de produção. Segundo Antônio Henrique Polastri, membro do Copin, a previsão é que a resposta saia em seis meses. “A Copin está fazendo um grande estudo da região dos Campos das Vertentes e já identificamos cinco cidades cujos produtos podem ter indicação geográfica reconhecida. Nosso próximo trabalho será com os biscoitos artesanais de São Thiago”, adianta.

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Cientistas brasileiros O médico, pesquisador e professor Robson Augusto Souza dos Santos foi o vencedor do prêmio de pesquisa básica Marcos Luiz dos Mares Guia – edição 2010. Iniciativa da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes-MG) e da FAPEMIG, o prêmio reconhece o trabalho daqueles que se distinguem na condução de estudos e pesquisas básicas, contribuindo para o avanço da ciência. Professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Santos também é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Nano-biofarmacêutica (N-Biofar). Nesta entrevista, ele fala sobre o prêmio e os trabalhos desenvolvidos por sua equipe. O que a conquista do prêmio significa para o senhor? Para qualquer pessoa, um reconhecimento desses, concedido pelos pares, é extremamente importante e motivador. Destaco que o apoio da FAPEMIG e da Sectes-MG com prêmios desse tipo, que reconhecem trabalhos desenvolvidos por cientistas mineiros, é muito importante. Gostaria de citar os professores Rubén Sinisterra e Frederic Frezard. Ambos são colaboradores de longa data e com certeza contribuíram para eu ganhar esse prêmio. Além dos alunos, claro. O prêmio Marco Mares Guia foi criado para reconhecer trabalhos na área da pesquisa básica. Por que isso é importante, em sua opinião? É importantíssimo. No meu caso, no caso do nosso grupo, já estamos fazendo a ponte para o mercado, ou seja, nossa pesquisa básica transbordou para outras áreas. Nosso grupo tem cerca de 45 patentes depositadas na área. Mas isso não se constrói de um dia para o outro: foram 20 anos de trabalho até chegar nesse ponto. Nosso caso ilustra a importância de se prestigiar a ciência básica.

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Seu trabalho tem como tema a hipertensão, correto? Sim. Na área de hipertensão, temos desenvolvido e testado alguns medicamentos baseados em nanotecnologia. Uma das linhas é a que chamamos de inovação incremental, que é pegar algo já conhecido, uma molécula, por exemplo, e introduzir uma transformação que a torna mais eficaz. Temos um produto assim que está na fase de testes clínicos em uma empresa farmacêutica. A outra vertente envolve o estudo da angiotensina-(1-7), um peptídeo ou pedaço de proteína com o qual desenvolvemos uma série de trabalhos. Em um deles, descobrimos um receptor, que é uma proteína que fica na membrana das células dos vasos sanguíneos. Esse receptor se liga à angiotensina-(1-7), que tem atividade anti-hipertensiva. Nós descobrimos uma forma de ministrar esse peptídeo por via oral. Estamos aguardando a aprovação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para testar essa formulação em humanos. Nos testes com animais, já coletamos vários dados comprovando sua eficácia. O senhor também é coordenador do INCT em Nano-biofarmacêutica. Qual é o objetivo e o que tem sido desenvolvido nesse Instituto? O objetivo desse INCT é gerar produtos na área farmacêutica, medicamentos propriamente ditos, com base em nanotecnologia e, em menor escala, com base em biotecnologia. Por isso, o nome: nano-biofarmacêutica. Nosso INCT já tem um portfólio grande de patentes. No último ano, depositamos dez patentes internacionais e dez no Brasil. Já temos patentes concedidas nos EUA, Japão, Canadá, Índia e China. Isso é importante porque significa que não estamos trabalhando com possibilidades, já existe algo real, produtos que podem ser comercialmente explorados. Além disso, temos atividades de formação. Dentro do Instituto, existe o curso de Inovação Biofarmacêutica, um mestrado profissional para fazer a ponte universidade-empresa. Esse curso foi aprovado pela Capes com conceito máximo de mestrado, nota 5. Essa nota foi confirmada na última avaliação da agência. Temos

também realizado eventos importantes. Em 2009, promovemos um congresso interamericano de hipertensão. Em abril de 2011, teremos um simpósio internacional sobre peptídeos vaso-ativos, esses pedaços de proteína capazes de aumentar ou reduzir a pressão arterial. No fim de 2010, todos os INCTs serão avaliados. Qual é a sua percepção sobre o programa? Acho que o programa dos INCTs fez um mapeamento de excelência no Brasil e em Minas Gerais que tem que ser aproveitado. Ainda é cedo para julgar a produção, pois é o primeiro ano de funcionamento desses Institutos. Mas veja o nosso caso: já temos dez patentes depositadas e estudos na fase clínica, ou seja, a fase do ratinho ficou para trás, estamos próximos de gerar produtos. No nosso caso, e em outros que conheço, a experiência tem sido extremamente válida. Acho que o programa deve ser mantido, inclusive com ampliação dos recursos porque frente ao investimento de outros países o nosso ainda é tímido. As pessoas pensam “ah, investiram seis milhões em três anos em cada INCT”. É um ótimo investimento, o maior que já foi feito, mas alguns INCTs gastaram todo esse valor só com equipamentos. A infraestrutura ainda é um gargalo muito forte, a importação de insumos ainda é difícil. Deve haver uma reavaliação do arcabouço jurídico para pesquisas no Brasil, ainda existem muitas barreiras. Mas independentemente disso, esse investimento veio na hora certa e tenho certeza de que vai gerar produtos, desenvolvimento e proporcionar um salto de qualidade importante da ciência e tecnologia brasileiras.

Lucas Costa



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