Minas Faz Ciência 45

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Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br

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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Mario Neto Borges Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de Abreu Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira Conselho Curador Presidente: João Francisco de Abreu Membros: Afonso Henriques Borges, Anna Bárbara de Freitas C. Proietti, Evaldo Ferreira Vilela, Francisco Sales Dias Horta, Giana Marcellini, José Cláudio Junqueira Ribeiro, José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Rodrigo Corrêa de Oliveira

Inovação é a meta No dicionário Aurélio, há dois significados para a palavra inovar: 1) renovar e 2) introduzir novidade. Foi exatamente com base no significado de inovação, tão familiar às atividades da FAPEMIG, que a equipe da Minas faz Ciência decidiu rechear as páginas da revista de novidades. A partir desta edição, o leitor tem uma publicação mais leve, moderna e cheia de boas novas. Você vai conhecer a seção “Cinco perguntas para”, que apresenta entrevistas curtas e diretas com personalidades do meio científico. A última página trará uma novidade a cada edição, revelando que a Ciência pode ser vista sob diversos ângulos, como a arte e a literatura, por exemplo. Neste número, uma foto mostra a harpia, a ave de rapina mais forte do mundo, encontrada nas florestas brasileiras. A página de notas ganha o nome de “Curtas da Ciência”, com novo visual e textos mais breves e diretos, e o leitor passa a acompanhar dicas de livros e filmes relacionados ao mundo científico, na seção “Leituras”. No conteúdo, o leitor continua conferindo o que tem sido produzido de melhor na Ciência, Tecnologia e Inovação em Minas Gerais, que é destaque no âmbito nacional e importante representante do Brasil no cenário internacional. Você poderá conferir, por exemplo, os avanços na pesquisa paleontológica, em Uberaba, com sua mais recente descoberta: o Campinasuchus dinizi, um crocodilo pré-histórico, cujos fósseis foram descobertos por um fazendeiro da região. Na entrevista com o renomado pesquisador e colunista da Folha de S. Paulo, Marcelo Gleiser, o leitor vai acompanhar, entre outros assuntos, o debate sobre a divulgação científica no País, o papel das novas tecnologias na atualidade e a relação entre razão e mito, um dos temas do mais novo livro de Gleiser, lançado em parceria com Frei Betto. A Ciência no cinema, bem como a rica e forte relação entre os dois elementos ao longo da história, são discutidos em uma das reportagens, sob a ótica de profissionais e especialistas da área. O leitor também vai conhecer um projeto multidisciplinar que levantou os hábitos e a cultura de comunidades quilombolas do Norte de Minas e se informar sobre trabalhos desenvolvidos em áreas como segurança pública, mobilidade urbana, recursos hídricos e educação. As novidades também ultrapassam as páginas da revista e chegam ao blog (http://fapemig.wordpress.com) que acaba de ser lançado para ampliar o Programa de Divulgação Científica da FAPEMIG, que tem o mesmo nome da revista: Minas faz Ciência. A partir de agora, o público poderá conferir na internet, informações diversas e dicas do universo científico, além de assistir reportagens do programa Ciência no ar e ouvir as pílulas de rádio do Ondas da Ciência. Tudo isso, com uma identidade visual moderna e desenvolvida especialmente para despertar no leitor a percepção da ciência como elemento do cotidiano. Confira nas próximas páginas todas as novidades que preparamos. Você, leitor, também é fundamental nesta mudança. Diga-nos o que achou, escreva seus comentários no blog, envie suas sugestões. Queremos, mais que fazer ciência, mostrar o quanto ela está próxima de todos e pode ser uma agradável companhia. Ela te espera nas páginas seguintes!

AO LEI TO R

EX P ED I EN T E

MINAS FAZ CIÊNCIA Assessora de Comunicação Social e Editora Geral: Ariadne Lima (MG09211/JP) Editor Executivo: Fabrício Marques Assessora Editorial: Vanessa Fagundes Redação: Ariadne Lima, Fabrício Marques, Vanessa Fagundes, Juliana Saragá, Maurício Guilherme Silva Jr., Ana Flávia de Oliveira, Hely Costa Jr., Kátia Brito (Bolsista de Iniciação Científica). Ilustrações: Beto Paixão Revisão: Glísia Rejane Projeto gráfico: Hely Costa Jr. Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing Montagem e impressão: Lastro Editora Tiragem: 20.000 exemplares Fotos: Marcelo Focado/Gláucia Rodrigues Capa: Hely Costa Jr., sobre ilustração de Rodolfo Nogueira


Í N D I CE

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Engenharia de Trânsito

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Especial

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Educação

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Cinema e Ciência

Núcleo de Transportes da UFMG busca alternativas viáveis para melhoria da mobilidade urbana em BH.

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Paleontólogos descobrem no Triângulo Mineiro fósseis do crocodilo pré-histórico Campinasuchus dinizi.

Tecnologias florestais

Estudos para a preservação das florestas brasileiras rendem prêmio ao cientista José Roberto Scolforo.

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ENGENHARIA DE ALIMENTOS

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Sistema de gestão desenvolvido na UFV permite redução de resíduos na indústria de laticínios

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Violência monitorada

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Produto que higieniza jaleco usado por profissionais da saúde evita contaminações fora dos hospitais.

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Lembra dessa?

Solenidades no Centro Administrativo e Assembléia Legislativa do Estado marcam as comemorações dos 25 anos da FAPEMIG.

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Quilombolas

Entrevista

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Leituras

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5 perguntas Para...

Polícia mineira trabalha em conjunto para diminuir os índices de violência no Estado.

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Saúde

Projeto desenvolvido com estudantes mineiros mostra que os saberes científicos cabem no salão de beleza.

Radiação eletromagnética consegue prever o escurecimento de batatas e auxiliar na reprodução de animais.

História

O físico Marcelo Gleiser discute as dimensões da Ciência e sua capacidade de aproximar o homem do universo.

Retrato de comunidade quilombola do Norte de Minas revela traços importantes da cultura negra.

Minas Faz Ciência indica os livros “Superstições” e “Quântica para iniciantes”.

Carlos Nobre, do Ministério da Ciência e Tecnologia, que fala sobre o clima e os desastres naturais

A intensa relação entre os dois campos ilumina a vida para muito além do aconchegante escurinho das salas de projeção.


Sou aluno de um curso preparatório para vestiulares. Por meio dos professores da escola conheci a revista MINAS FAZ CIÊNCIA e me interessei muito pelos temas abordados. Também considero esta publicação uma fonte confiável. Hailton da Cruz Rocha Estudante Ibirité/MG MINAS FAZ CIÊNCIA é importante, pois traz os avanços científicos de Minas Gerais, o que é de fundamental importância para o Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR) e principalmente por nos deixar em contato direto com as pesquisas que têm sido feitas no Estado. Joicely Centro Mineiro de Referência em Resíduos Belo Horizonte/MG Como mineiro graduado em Engenharia Química na UFMG em 1982, posso dizer com propriedade o “antes tarde do que nunca”, pois só agora descobri a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, já na edição 43, junto à outras publicações na sala de café aqui da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp onde sou docente desde 1995.

Sou professora de Biologia da Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais e gostaria muito de receber a MINAS FAZ CIÊNCIA. Conheci um exemplar através de um amigo e achei muito interessante, as minhas aulas podem ficar muito mais ricas e atualizadas. Priscilla Siqueira Paes Professora Porto Firme/MG Sou aluna do segundo período do curso de Enfermagem da UFVJM. A minha professora de Metodologia Científica falou muito bem a respeito da MINAS FAZ CIÊNCIA com a nossa turma, e eu gostaria de saber se seria possível eu receber os exemplares em minha residência. Muito obrigada desde já. Daiana Aparecida Ribeiro Vieira Estudante Diamantina/MG

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, preencha o cadastro no site http://revista.fapemig. br ou envie seus dados (nome, profissão, instituição/ empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011

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CARTAS

Parabéns pela publicação e gostaria de saber como faço para recebê-la aqui em Campinas-SP. Everson Alves Miranda Professor Campinas/SP Olá, me chamo Ednei e sou aluno do curso de Biologia e Meio Ambiente na Escola Superior de Biologia e Meio Ambiente (Esma) e tive a oportunidade de conhecer a Revista Minas faz Ciência que possui um ótimo conteúdo. Ednei Lopes Camargos Estudante Iguatama/MG


Crédito da ilustração: Rodolfo Nogueira

A incrível aventura do ESPECIAL

crocodilo pré-histórico

Conheça a história do Campinasuchus dinizi, cujos fósseis foram localizados no Triângulo Mineiro, tornando-se a mais nova descoberta da paleontologia no Brasil Fabrício Marques

No Triângulo Mineiro, em um dia do ano de 2009, Amarildo Martins Queiroz andava pela fazenda Três Antas, de sua propriedade, observando o movimento do gado, quando decidiu olhar para o chão onde as vacas pastavam. Percebeu ali alguns ossos diferentes, algo que nunca tinha visto, distinto dos restos mortais dos animais que conhecia. Lembrou-se que, a 300 quilômetros de Campina Verde, no

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distrito de Honorópolis, onde se localizava a fazenda, havia Peirópolis, um bairro de Uberaba, e, lá, o Museu dos Dinossauros. Amarildo resolveu levar sua nova descoberta a alguém que pudesse auxiliá-lo a desvendar o sentido daqueles ossos. Foi então que procurou pelo geólogo Luiz Carlos Ribeiro, pesquisador da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e responsável pelo museu em Peirópolis.


Ao se ver diante de um pedaço do crânio de um animal até então desconhecido, Luiz Carlos exultou. Ele sabia que não é raro que leigos encontrem fósseis, e o fazendeiro Amarildo acabara de encontrar, na superfície do solo de sua fazenda, diversos fósseis que, inocentemente, eram pisados pelo gado. Logo viu tratar-se de um crocodilo, que vivera naquela região há milhões de anos. De acordo com Ribeiro, o sítio paleontológico Três Antas pode ser considerado o mais novo “Lagerstatten” continental brasileiro. Em outras palavras, Três Antas apresenta alta concentração de fósseis em bom estado de preservação, materiais completos, articulados e que nos contam detalhes da história biológica da vida durante o Cretáceo Superior nas áreas continentais do Brasil. A descoberta desse sítio aponta para ambientes denotando uma mortandade em massa provavelmente advinda de momentos de estresse térmico e diminuição extrema ou escassez de água em períodos de extrema aridez da bacia. Quando ocorre uma descoberta como essa, os pesquisadores comparam esses fósseis com todas as espécies do mundo, para ver se já existe alguma classificação do indivíduo pré-histórico. Feito esse trabalho, partem para classificá-lo, batizando-o em gênero e espécie. Foi o que aconteceu em Campina Verde: o indivíduo ali descoberto recebeu o nome científico de Campinasuchus dinizi – o sobrenome teve o intuito de homenagear um filho de Amarildo que morreu ainda criança, Izonel Queiroz Diniz Neto. Em seguida, um artigo é publicado em uma revista que seja referência na área, sendo que a publicação é avalizada por três pareceristas independentes. A descoberta de Campina Verde foi publicada na Zootaxa, em maio de 2011, quase um ano e meio depois que partes do Campinasuchus dinizi foram identificadas. Às vésperas do Natal de 2009, em uma primeira expedição de reconhecimento, uma equipe de pesquisadores da UFTM dirigiu-se à Campina Verde em busca de melhor conhecer as ocorrências da Fazenda Três Antas. Acompanhados pelo proprietário Amarildo Queiroz, os cientistas ficaram

surpresos face à riqueza e significância desse novo Sítio Paleontológico. Mais tarde, o proprietário construiria uma cerca para proteger a área do pisoteio do gado, evitando assim a destruição dos fósseis. Mas somente em maio de 2010 é que se realizou a primeira escavação sistemática para efetivamente se conhecer o potencial fossilífero daquela localidade. O paleontólogo Ismar de Souza Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integrou esta equipe de campo, se mostrando muito impressionado com o novo jazigo fossilífero datado de 90 milhões de anos, do qual provém alguns dos mais impressionantes fósseis terrestres do Brasil. Desde então, Ismar Carvalho e o geólogo Luiz Carlos iniciaram os estudos destes materiais. Não é por acaso que geólogo e paleontólogo trabalham juntos nessas expedições. “Mais do que um diálogo, eles são complementares”, explica Ismar. E completa: “Muitos de nossos paleontólogos têm uma formação inicial como graduados em geologia, o que possibilita uma plena integração no processo de estudo dos fósseis. O trabalho geológico mostra-se fundamental para a contextualização das ocorrências dos fósseis, possibilitando assim a reconstituição dos cenários de vida e o entendimento da temporalidade representada pelos registros paleobiológicos”.

O trabalho geológico mostra-se fundamental para a contextualização das ocorrências dos fósseis, possibilitando assim a reconstituição dos cenários de vida e o entendimento da temporalidade representada pelos registros paleobiológicos”. Ismar de Souza Carvalho, paleontólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Foto: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM

Amarildo Queiroz, na fazenda Três Antas, local da descoberta do fóssil MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011

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Fotos: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM

Na sequência de fotos: primeiro, equipe do Complexo de Peirópolis escava em buca de fóssil; fóssil é examinado; equipe transporta esqueleto articulado protegido pelo gesso

Para Ismar Carvalho, a descoberta de Campinasuchus encontra-se no contexto de uma “assembleia de morte”, na qual muitos crocodilos foram preservados com o esqueleto articulado e praticamente completos, possibilitando assim o entendimento detalhado de aspectos fisiológicos e da dinâmica de vida dos crocodilos terrestres que habitaram o interior de Minas Gerais no passado geológico de nosso planeta. É possivelmente o mais importante jazigo fossilífero encontrado no Brasil nos últimos 10 anos, e que representa uma verdadeira janela para o entendimento dos ecossistemas terrestres há 90 milhões de anos. “Os fósseis que têm sido descobertos em Minas Gerais demonstram uma fauna peculiar e distinta da encontrada no hemisfério norte, reforçando a concepção de uma territorialidade da vida no decurso do tempo e uma identidade para a Paleontologia brasileira”, observa o cientista da UFRJ. Muito embora os fósseis de Campina Verde tenham sido descobertos pelo fazendeiro, não se pode dizer que a maioria das descobertas de fósseis se dá por populares, como alerta Ismar: “Muitos fósseis resultam de um trabalho sistemático de pesquisa, que geralmente se inicia com o trabalho de mapeamento geológico. Devemos ressaltar que a paleontologia também tem um vertente de estudo voltada para a atividade industrial, como é o caso de sua aplicação na prospecção de hidrocarbonetos. Neste caso muitos novos fósseis são descobertos - os microfósseis - e o mérito

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é exclusivo dos geocientistas envolvidos em tais estudos”. Em novembro de 2010 novas escavações foram realizadas. Esqueletos articulados foram recuperados e engessados, a fim de serem transportados até Peirópolis para se dar início à próxima etapa que compõe a pesquisa paleontológica, a preparação dos fósseis. Esse trabalho acontece no laboratório, e em síntese constitui-se da retirada do fóssil da rocha matriz que o contém. A técnicas e os cuidados necessários para essa tarefa estão a cargo do técnico João Ismael da Silva, com 20 anos de experiência. João Ismael observou o bloco sustentado pela fôrma de gesso e viu, em sua superfície, tal qual um iceberg, pedaços de um fóssil. Até aquele momento, nem ele, nem nenhum dos pesquisadores ainda sabia que a descoberta remetia ao Campinasuchus dinizi, da família Baurusuchidae, família esta reconhecida pelo renomado Llewellyn Ivor Price em 1945, o patriarca dos paleontólogos de Uberaba. Os baurusuquídeos são Crocodyliformes terrestres predadores, situados geologicamente na Bacia Bauru (Grupo Bauru - Formação Adamantina), com idade de 90 milhões de anos. Também até aquele momento, só se conheciam os seguintes baurusuquídeos do Brasil: Baurusuchus (B. pachecoi; B. salgadoensis; B. albertoi) e Stratiotosuchus maxhechti, sendo que todos provêm do Grupo Bauru, Formação Adamantina, Cretáceo Superior de São Paulo. Na Argentina, merecem registro

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os baurusuquídeos Cynodontosuchus rothi e Wargosuchus australis. João Ismael divide Peirópolis em A.M. e D.M., ou seja, Antes do Museu e Depois do Museu do Dinossauro. O marco que colocou o bairro de 250 moradores no mapa da paleontologia nacional é hoje conhecido como Complexo Cultural e Científico de Peirópolis da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), instituição que encampou os esforços do professor Luiz Carlos à fim de dar visibilidade ao patrimônio da região e incluir os moradores da comunidade nos trabalhos do Complexo. Luiz Carlos atribui a dois eventos o fato de ter sua história pessoal ligada a Peirópolis: é que o primeiro dinossauro foi encontrado na Fazenda Mangabeira, de seu bisavô, em 1945. E, em segundo lugar, sendo filho de fazendeiros dedicados ao agronegócio, preferiu seguir a sugestão de seu tio, um dos mais importantes jornalistas brasileiros, José Hamilton Ribeiro, que abriu os olhos do sobrinho para a geologia. Luiz Carlos fez o curso na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e voltou para sua terra natal, em 1988. São, portanto, mais de duas décadas dedicadas a pesquisas e descobertas de fósseis. Tanta dedicação foi recompensada: o maior dinossauro brasileiro leva seu sobrenome, o Uberabatitan ribeiroi. Ele foi um dos últimos do planeta, viveu até cerca de 65 milhões de anos atrás, momento em que uma grande extinção em massa dizimou 70% de toda vida existente na Terra.


“Neste caso em especial, o fóssil transcende sua própria importância científica”, diz Ribeiro, numa manhã de 16 de junho deste ano. Enquanto dirige seu carro a caminho do Complexo de Peirópolis, ele explica seu ponto de vista. “Em Peirópolis os fósseis têm-se mostrado como eficazes ferramentas de revitalização sócio-econômico-cultural. Através do geoturismo, os moradores transformaram suas realidades de vida. A Ciência deve servir à sociedade e dentro do possível ter a máxima aplicação para o bem estar das pessoas”. Por conta disso, há todo um empenho para que o potencial turístico seja cada vez mais potencializado a partir da divulgação de cada nova descoberta. Uma busca no Google revela que a pequena Peirópolis tem mais citações no âmbito da paleontologia do que a cidade que a abriga, Uberaba. Em Peirópolis, juntou-se a nós o médico patologista Vicente de Paula Antunes Teixeira, coordenador do Complexo desde 2009. Dali, nosso destino era a Caieira, também denominado Ponto 1 do Price, distante 2 km ao norte do bairro, localizado em uma fazenda particular, onde uma equipe de escavação, composta de cinco funcionários – todos da comunidade – se via às voltas com marretas, ponteiros, pincéis e um martelete com gerador (uma recente aquisição para acelerar a procura dos fósseis). Por volta de 11 horas da manhã, o guia turístico Plínio Lopes dos Anjos conduzia 20 crianças de Patrocínio (município que dista 200 quilômetros de Uberaba), em

excursão para conhecer as escavações. Ali, eles podiam perceber os cinco trabalhadores na encosta, que há milhões de anos constitui paisagem muito distinta de hoje, o que os geólogos chamam de bacias sedimentares. Em um contexto do passado representa ambientes geológicos formados por sucessões de depósitos de rios que drenavam a região e juntamente com os sedimentos também eram arrastados os restos dos animais pré-históricos que ali viviam. Agora, o que se vê são rochas sedimentares onde a areia dos rios está cimentada com carbonato de cálcio que por vezes constituem verdadeiros pacotes de calcário, sedimentos estes formados de substâncias químicas fundamentais para o processo de fossilização. Todo este pacote de rochas recebe o nome de Formação Marília, com fósseis de 65 a 72 milhões de anos. “Por que em Uberaba se acha mais fóssil?”. Se algum desavisado pergunta, Luiz Carlos já tem a resposta pronta: “Porque se escava mais”. E aponta para a encosta, brilhando no céu claro de junho: “daqui saíram três dinossauros, três crocodilos e em breve uma nova rã deverá ser descrita. Desses, um pequeno dinossauro carnívoro pertencente ao grupo dos Maniraptoriformes, dois dinossauros herbívoros titanossauros: Baurutitan britoi, Trigonosaurus pricei, os crocodyliformes: Peirosaurus tormini, Itasuchus jesuinoi e Uberabasuchusus terrificus. Uma nova espécie de ovo de titanossauro também deverá ser apresentada em breve, proveniente deste ponto: é muita relevância científica para uma única localidade”.

“Em Peirópolis os fósseis têm-se mostrado como eficazes ferramentas de revitalização sócioeconômico-cultural. Através do geoturismo os moradores transformaram suas realidades de vida. A Ciência deve servir à sociedade e dentro do possível ter a máxima aplicação para o bem estar das pessoas”. Luiz Carlos Ribeiro, pesquisador da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e responsável pelo museu em Peirópolis.

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Fotos: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM

Além da FAPEMIG, também apoiam a pesquisa a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Henkel do Brasil.

Reconstituição Em poucos meses, uma animação em 3D será apresentada no Rio de Janeiro para divulgar como era e como vivia o Campinasuchus dinizi. Com os recursos dessa tecnologia, os espectadores poderão conhecer melhor esse animal essencialmente terrestre comprovado pelos membros longos e retos, olhos laterais, narinas frontais, cauda cilíndrica e poucos osteodermos, o que o tornava mais leve e ágil e cauda mais curta. O fóssil de Campinasuchus foi encontrado com fragmentos de rochas em sua porção abdominal, ou seja, gastrólitos que ajudariam na trituração e digestão de alimentos. Os membros anteriores e posteriores eram muito compridos, possivelmente adaptados para ter uma postura ereta, diferente aos jacarés atuais que apoiam o peito no chão durante seu deslocamento. Possivelmente foi muito ágil e sua principal fonte de alimento eram peixes, tartarugas, assim como também pequenos crocodyliformes e dinossauros herbívoros de pequeno tamanho. Quem trabalha nessa reconstituição é o paleoartista Rodolfo Nogueira, de 24 anos, contratado pela multinacional Henkel do Brasil, que há 15 anos é parceira do Museu dos Dinossauros. Ele é formado em desenho industrial pela Unesp, de Bauru, e tinha 6 anos quando o Museu em Peirópolis foi inaugurado. Com 12 anos, fez sua primeira paleoarte, e não parou mais. Na reconstrução, ele trabalha com espuma floral, que é o material usado para construir a réplica. A exibição do minidocumentário em 3D é uma estratégia pensada também para atrair novas gerações ao poder da paleontologia – do grego palaios = antigo –, a ciência que estuda os fósseis. É a mesma motivação que reúne um grupo de bolsistas de iniciação científica em torno do Complexo de Peirópolis, todos – com exceção de Lívia – graduandos na UFTM: a estudante de Engenharia Ambiental Patrícia

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Acima, reconstituição do Campinasuchus, feita por Rodolfo Nogueira; abaixo, o pesquisador Luiz Carlos examina peça do crocodilo

Fonseca Ferraz, 20 anos e a estudante de Biologia Isabella Cardoso Cunha, 21 participam das pesquisas há quatro anos. O estudante de Geografia Gabriel Cardoso Cunha, 23, e a enfermeira Lívia Ferreira Oliveira, 26, chegaram há um ano. A doutora em Patologia Mara Lúcia da Fonseca Ferraz, que chegou a Peirópolis na mesma época que o professor Vicente, reconhece neles um grupo curioso e empolgado, com muito trabalho pela frente: “Ainda há 80 mil anos de pesquisa”, comemora. Gabriel, Isabella e Patrícia também assinam o artigo na revista Zootaxa, e todos eles, de uma forma ou de outra, têm boas

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lembranças do dia da descoberta do Campinasuchus. Gabriel participou das escavações dos fosséis do crocodilo e da preparação para exposição. “Foi meu primeiro trabalho de campo, já resultando em uma grande descoberta. Foram dias cansativos de trabalho braçal, porém tudo foi muito recompensador, pelo grupo em que estávamos, pelo local de escavação (cheio de fósseis) e pelo motivo de estarmos ali (uma nova espécie)”, afirma. Isabella conta que conheceu o campo de Campina Verde em 2010, na segunda expedição ao local. “Conosco estava o professor Ismar de Souza Carvalho e alguns da


nossa equipe de Peirópolis, juntamente com o argentino que nos auxilia na pesquisa, Agustín Martinelli. O local é de extrema beleza, visto que, a cada passo encontrávamos fósseis em todos os lados. Frágeis, tomávamos bastante cuidado, utilizando apenas um pincel para separarmos a rocha do fóssil”. Ela se recorda que, enquanto isso, outros profissionais desbravavam um crocodilo encontrado. “A imprensa também estava presente e todos ficaram muito empolgados com tudo o que poderíamos estudar daquele local. Apesar da viagem ter sido cansativa, voltamos com muitos planos em mente para vários anos seguintes”. O contato com a paleontologia modificou a visão de mundo de Isabella: “Hoje posso dizer que levo comigo outra visão sobre várias coisas no mundo. Uma rocha deixou de se tornar uma pedra e um osso se tornou uma expectativa para uma descoberta muito maior, o nosso passado. Uma tartaruga simboliza pra mim, hoje, algo de extrema beleza e de fundamental importância para compreendermos a nossa frágil Cambaremys langertoni, dentre outros”.

EQUOTERAPIA EM PEIRÓPOLIS

Com a estruturação do Polo de Pesquisas e Centro de Equoterapia do CCCP/UFTM de Peirópolis, a fisioterapeuta Ana Paula Espíndula pretende beneficiar, através das pesquisas desenvolvidas, um número maior de crianças, além de adultos. Atualmente, o trabalho financiado pela FAPEMIG beneficia, de forma indireta, em média 200 crianças com paralisia cerebral, síndrome de Down e com atraso no desenvolvimento intelectual, atendidas na Equoterapia da Apae de Uberaba. O trabalho teve início em novembro de 2009 e os dados coletados até junho deste ano, por meio do eletromiógrafo - um equipamento que mensura a contração muscular – permitiram verificar se a prática da Equoterapia é eficaz para o grupo de crianças estudadas e qual o melhor tipo de material de montaria para as sessões dessas crianças.

Para a estudante, a paleontologia não é simplesmente uma cultura de sua cidade, ela complementa a história perdida na Terra. Ela diz que tem muito orgulho de fazer parte de um estudo tão importante e de estar em uma equipe tão preparada e amiga como a de Peirópolis. “Espero não só continuar com a minha bolsa de iniciação científica sobre paleontologia, como também me preparar para meu campo de trabalho que tanto admiro”. Tudo somado, o contato com a paleontologia parece criar um laço invisível com a Infância da Terra. Talvez por isso,

o paleoartista Rodolfo Nogueira diga, enquanto trabalha na reconstrução do crocodilo pré-histórico: “ainda não saí da fase de gostar de dinossauros”. Um pensamento que o coordenador do Complexo de Peirópolis, o professor Vicente, reconheceria, observando a equipe de escavação procurando fósseis na Caeira, e as crianças de Patrocínio se deliciando com suas descobertas, numa manhã de junho - ao lembrar de uma frase do romancista Tom Robbins: “Nunca é tarde para ter uma infância feliz”.

Foto: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM

O paleoartista Rodolfo Nogueira examina o crânio do crocodilo pré-histórico

PROJETOS DA FAPEMIG Projeto: Museu dos dinossauros: Popularização e divulgação da Paleontologia na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia Coordenador: Vicente de Paula Antunes Teixeira Modalidade: Popularização da Ciência e Tecnologia Valor: R$ 43.890 Projeto: Museu dos dinossauros – Ampliação e revitalização do Complexo Científico-Cultural de Peirópolis Coordenador: Vicente de Paula Antunes Teixeira Modalidade: Popularização da Ciência e Tecnologia Valor: R$ 169.404 Projeto: Museu dos dinossauros: Paleontologia ao alcance de todos Coordenador: Mara Lúcia da Fonseca Ferraz Modalidade: Popularização da Ciência e Tecnologia Valor: R$ 178.710 Projeto: Efeitos da Equoterapia em pessoas com paralisia cerebral espástica Coordenador: Vicente de Paula Antunes Teixeira Modalidade: Edital Universal Valor: R$ 31.083

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ENGENHARIA DE TRÂNSITO

Contra as buzinas do apocalipse Estudos do Núcleo de Transportes da Escola de Engenharia da UFMG buscam discutir a mobilidade urbana e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos Maurício Guilherme Silva Jr.

Em Socráticas, seu livro póstumo, o escritor, pensador e crítico literário José Paulo Paes (1926-1998) publicou um poema que, à luz dos atuais acontecimentos, poderia ser chamado de “premonitório”. Para explicar o (novo) fim dos tempos, o autor paulista vaticina, de modo irônico, nos breves – mas profundos – versos de Apocalipse: “O dia em que cada habitante da China tiver o seu Volkswagen”. Para além de sua intensidade estética, o chiste

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poético de Paes acaba por “fotografar” o cenário que, dia a dia, parece estar mais próximo das megalópoles e suas vastas populações: caso não se invista na redução do número de veículos em vias públicas, assim como na instauração de produtos, princípios e projetos inovadores de mobilidade urbana, o crepúsculo dos tempos parece não demorar. Afora necessárias mudanças comportamentais, o antídoto à tenebrosa

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predição realizada já na abertura desta reportagem parece estar, com ênfase, no investimento em pesquisas científicas e tecnológicas. Trata-se, em suma, de estudos capazes de não só diagnosticar os problemas viários das gigantescas cidades, como de apresentar criativas e solidárias soluções para melhoria dos fluxos de veículos e pedestres, o que, de diversos modos, resultará em melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. “O


que se busca é a gerência de mobilidade, por meio da redução da necessidade do uso do automóvel. Para tal, é imprescindível que se invista em veículos como a bicicleta e em melhoria do transporte público”, ressalta Heloisa Maria Barbosa, professora do Departamento de Engenharia de Transporte e Geotecnia (ETG) da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O comentário da pesquisadora vai ao encontro dos princípios e metas dos muitos projetos desenvolvidos há décadas no ETG, por meio de seu Núcleo de Transportes (Nucletrans), com vistas à melhoria das condições de mobilidade urbana em diversas cidades brasileiras. Criado em 1995, o órgão é responsável por estudos em torno de temáticas como acessibilidade, segurança e logística. Trata-se de investigações concebidas, muitas vezes, por meio de convênios de cooperação técnica, firmados com organismos governamentais e empresas privadas, ou a partir de recursos provenientes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da FAPEMIG. Ao longo dos anos, os pesquisadores do Nucletrans investiram em pesquisas para execução de importantes projetos relacionados ao transporte público e ao tráfego da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a exemplo do estudo de viabilidade da extensão do trem metropolitano até a região de Venda Nova. Outra proposta do Núcleo resultou na inovadora iniciativa Pesquisa BH, que busca identificar a opinião de moradores acerca da qualidade de vida urbana nas diversas regiões da capital mineira, além de realizar o raio-X das condições de acesso a locais de interesse.

Bicicletas e bicicletários Tais projetos ressaltam, aliás, um dos focos mais importantes das pesquisas, na UFMG e outras instituições do País, que pretendem diagnosticar e apresentar soluções aos atuais problemas de mobilidade urbana: compreender os modos e razões de uso do espaço público para, então, agir de modo eficiente. Como exemplo da importância de cumprir tais etapas para implantação de propostas eficazes, pense o leitor

numa das mais discutidas alternativas ao uso do carro nos grandes centros: a lúdica e polêmica bicicleta. Para que tal veículo – barato e nada poluente – torne-se realidade no dia a dia das metrópoles, seria necessária apenas, a construção, por exemplo, de ciclovias e bicicletários? Não há, claramente, como responder de forma simples a tão complexa questão. Afinal, bem antes de se concretizarem os “produtos”, há que se investir, em primeiro lugar, na compreensão das reais demandas da população. Indícios interessantes sobre o quê pensar acerca da questão foram apresentados em pesquisa desenvolvida no ETG como Trabalho de Conclusão de Curso de autoria da aluna Catarina Miranda Sampaio e Castro – sob orientação da professora Heloisa Maria Barbosa. O estudo revelou números e análises qualitativas bastante promissoras com relação ao uso de bicicletas por frequentadores da Estação BHBus de Integração Metrô-Ônibus Vilarinho, em Belo Horizonte. “Buscava-se compreender os porquês de as pessoas usarem, ou não, as bicicletas no cotidiano. Neste sentido, o que faltaria para que passassem a usufruir do veículo? Vias apropriadas? Bicicletários?”, questiona a professora. A partir de entrevistas realizadas com os passageiros da Estação – feitas com base em questionários de metodologia especial –, percebeu-se que a temática da segurança, em diversos sentidos, revelava-se como elemento fundamental à discussão: 31% dos cidadãos abordados pelo estudo não usariam bicicletas, de suas casas à unidade do BHBus, em função, justamente, dos problemas de insegurança pública e – outro lado da mesma moeda – por conta dos perigos inerentes ao circular no trânsito da capital mineira: “Foi possível perceber, a partir daí, que ações aparentemente paralelas, como a melhoria do policiamento nas ruas ou a instalação de bicicletários controlados, na Estação, seriam capazes de estimular as pessoas ao uso da bicicleta”, comenta a professora. Os outros números da pesquisa, no que tange às possíveis ações necessárias à efetivação das bicicletas como meio de transporte diário das pessoas, disseram respeito a exigências como instalação de

“Foi possível perceber, a partir daí, que ações aparentemente paralelas, como a melhoria do policiamento nas ruas ou a instalação de bicicletários controlados, na Estação, seriam capazes de estimular as pessoas ao uso da bicicleta” Heloisa Maria Barbosa, professora do Departamento de Engenharia de Transporte e Geotecnia (ETG) da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

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Foto: Marcelo Focado

ciclovias (28%) ou de bicicletários (26%) e, por último, à possibilidade de os passageiros carregarem suas bikes no interior dos ônibus ou trens (15%). Por mais que pareçam satisfatórias, contudo, tais conclusões revelam apenas parte do que buscam os pesquisadores, centrados no objetivo de oferecer soluções de mobilidade urbana aos cidadãos. Nesta mesma investigação do Nucletrans, descobriu-se, por exemplo, que questões inocentemente óbvias precisam ser levadas em conta, como fatores seminais aos fenômenos observados no tráfego diário das cidades: no caso específico da Estação Vilarinho, 30% dos entrevistados disseram não ter bicicleta, enquanto 29% revelaram morar longe demais do BHBus. Por fim, 19% dos entrevistados pela pesquisa confessaram não ter preparo físico necessário à atividade, pois que, na atualidade, definem-se como “sedentários”.

Barreiras

São múltiplos os desafios em busca de soluções para problemas de mobilidade urbana. Tal complexidade, inerente ao tema, faz com os pesquisadores da área diversifiquem suas vertentes de estudo – da experimentação de dispositivos físicos para moderação do tráfego (redutores de velocidade, semáforos, radares etc.) a investigações sobre “origem e destino” dos transeuntes e cidadãos motorizados. “Precisamos lidar com inúmeras variáveis, que, no cotidiano, afetam o comportamento de

pedestres e motoristas”, explica a professora Heloisa Maria Barbosa. Imagine, por exemplo, a proposta de reestruturação de uma grande avenida de Belo Horizonte, com o intuito de estimular os automóveis a diminuir a velocidade e, consequentemente, reduzir os riscos de acidentes. Tal tarefa de moderação do tráfego acaba por exigir diversas ações de investigação comportamental. Neste exemplo fictício, há de se considerar tanto os detalhes, quanto o que aqui será chamado de “macro-intervenções”. Em outras palavras, é preciso estar atento, por exemplo, ao formato das calçadas e ao modo como as pessoas caminham por elas: “É necessário compreender o quê, exatamente, os pedestres acham importante nas calçadas públicas”, ressalta Heloísa, ao comentar a necessidade de estudos sobre a qualidade da travessia dos transeuntes por uma via urbana. Sob outro foco, também as pesquisas de “origem e destino” – já realizadas pelo Nucletrans em Belo Horizonte (1992) e Teresina (1997) – são importantes por revelar dados importantes a estudiosos e gestores públicos: o que, afinal, pretendem os cidadãos ao transitar pela cidade? De que modo o fazem? E com que expectativa? As respostas a tais questões levam os pesquisadores a gerar subsídios para implantação, por exemplo, de modelos eficientes, mais baratos e menos poluentes de transporte público.

Tais estudos de “origem e destino” são realizados com periodicidade de dez anos e se revelam importantes para o planejamento de transportes. As referidas pesquisas realizadas em Belo Horizonte e Teresina já tiveram seus desdobramentos. Neste primeiro semestre de 2011, iniciaram-se os trabalhos da segunda investigação dessa natureza na capital mineira e em sua Região Metropolitana.

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Ações e equipamentos O Nucletrans já realizou importantes projetos de moderação do tráfego e reestruturação da circulação viária e do transporte público em diversas cidades mineiras e de outros estados do País. Uma das investigações em andamento, atualmente, trata dos modelos de previsão de acidentes. A iniciativa reúne a UFMG e outras seis universidades públicas do País e uma instituição de ensino superior portuguesa. “Buscamos analisar os números e a natureza dos acidentes e correlacioná-los, por exemplo, ao volume do tráfego. Tais modelos estatísticos são importantes para que avaliemos o que tem acontecido nas vias públicas e possamos direcionar ações de segurança viária”, explica Heloisa Maria Barbosa. Como forma de compreender os fatores que podem levar a acidentes, os pesquisadores estudam elementos diversos, da sinalização ao formato da via, do posicionamento e estrutura dos canteiros aos números de faixas de tráfego. “Neste projeto, cada universidade tem procurado compreender tais correlações nas ruas de sua cidade”, explica Heloísa, ao lembrar, contudo, que os principais desafios dos estudiosos têm sido os bancos de dados governamentais, que apresentam muitas falhas e nem sempre estão no formato adequado ao estudo. “Em Belo Horizonte, por exemplo, começamos pela área central. Lá, os aparelhos contadores de volume de tráfego, muitas vezes, param de funcionar. E nós precisamos das informações de todos os 365 dias do ano”, completa. Interessante ressaltar, por fim, a natureza dos equipamentos hoje disponíveis aos pesquisadores de mobilidade urbana e outras questões de tráfego. Há uma série de aparelhos capazes de auxiliá-los no dia a dia das investigações. Com financiamento de instituições como CNPq e FAPEMIG, os estudiosos da UFMG adquiriram, por exemplo, radares de mão aptos a medir, nas vias públicas, a velocidade dos carros que por ali passam. Outro “brinquedinho” bastante ágil e importante, uma espécie de “GPS rastreador

passivo” permite que dados diversos do carro – não só velocidade, mas também deslocamento e tempo de viagem – sejam registrados com eficiência. Ao analisar tais números e índices, é possível inferir uma série de prerrogativas acerca do comportamento dos motoristas. Atualmente, os pesquisadores do Nucletrans têm buscado compreender – com o auxílio de tais equipamentos e, obviamente, apoiados no vasto know how adquirido ao longo dos anos por professores e alunos – a rede de fluxos de carros e pedestres no próprio campus Pampulha da UFMG. “Afinal, podemos observá-lo como se estivéssemos numa mini-cidade. Percorremos as vias internas e registramos, em softwares de simulação de tráfego, uma série de dados reais importantes”, explica a professora, ao lembrar que, a partir de tal “leitura de cenário”, decisões importantes podem ser tomadas para melhoria do tráfego na Instituição. Assim como há de ser feito nas maiores cidades brasileiras.

“Em Belo Horizonte, por exemplo, começamos pela área central. Lá, os aparelhos contadores de volume de tráfego, muitas vezes, param de funcionar. E nós precisamos das informações de todos os 365 dias do ano”

UFMG SEDIARÁ CONGRESSO SOBRE TRANSPORTES A professora Heloisa Maria Barbosa é presidente do comitê local responsável por organizar, de 7 a 11 de novembro de 2011, o XXV Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes (www. xxvanpet.com.br) da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (Anpet). Nesta edição comemorativa dos 25 anos de existência da entidade, a UFMG sediará o evento, realizado em parceria com o Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia (ETG) da Escola de Engenharia da UFMG e a Secretaria de Transportes e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais. Ao longo do Congresso, serão discutidos temas de grande interesse para os profissionais do setor, de modo a possibilitar que todas as esferas ligadas às atividades dos transportes – sejam acadêmicas, científicas, profissionais, privadas ou governamentais – possam debater e apresentar problemas e soluções, além de refletir sobre possíveis linhas de ação em ambiente cooperativo e instrutivo. O Encontro deve reunir cerca de 400 participantes para apresentação e discussão de mais de 250 artigos técnicos e científicos relativos a transportes. O evento abrigará também seminários, conferências e mini-cursos, assim como feira para empresas e instituições interessadas em divulgar os avanços científicos e tecnológicos do setor.

Heloisa Maria Barbosa

projeto: Transporte urbano sustentável através da moderação de

projeto: Efeitos da moderação de tráfego para o transporte não

tráfego e desenvolvimento tecnológico

motorizado e o desenvolvimento sustentável

Coordenador: Heloisa Maria Barbosa Modalidade: Programa Pesquisador Mineiro - PPM III Valor: R$ 48.000

Coordenador: Heloisa Maria Barbosa Modalidade: Programa de infra-estrutura para jovens pesquisadores Valor: R$ 11.022

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Foto: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal

MEIO AMBIENTE

O senhor das árvores Anos de pesquisa dedicados às tecnologias florestais rendem frutos ao professor José Roberto Scolforo, da Ufla, e sua equipe Fabrício Marques

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Foto: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal

A Ciência Florestal ergueu cedo suas raízes na vida do vice-reitor e pesquisador da Universidade Federal de Lavras (Ufla), José Roberto Soares Scolforo, o vencedor da edição 2001 do prêmio Frederico de Menezes Veiga, promovido pela Embrapa. Ele passou muito de sua infância na propriedade de seu avô paterno. Esse período, somado ao contato com pessoas de sua cidade natal, Castelo, no Espírito Santo, que se graduaram em Engenharia Florestal, o instigaram a conhecer mais a fundo esse curso. Scolforo percebeu, desde essa época, que parecia bom aprender sobre sistemas de produção, sobre a ecologia das espécies e dos fragmentos nativos, como regular a produção florestal de plantações, ou da vegetação nativa, como inventariar os recursos florestais, como desenvolver modelos matemáticos para prever o crescimento das florestas e das espécies nela contidas e também como fazer o processamento da madeira, como utilizá-la de forma sustentável, ora conservando-as, ora preservando-as. Assim, seguiu o mesmo caminho de seus conterrâneos. No entanto, o despertar de fato para a Ciência Florestal se deu à medida que adquiria mais conhecimentos, o que ocorreu durante a realização do curso de Engenharia e, posteriormente, com as oportunidades profissionais que teve, nas Universidades Federais da Paraíba e de Lavras em especial, com empresas florestais e com as Agências de Amparo a Pesquisa. “Nesse contexto, a FAPEMIG foi muito especial, uma vez que, além de ter sido membro da Câmara de Ciências Agrárias, tive também o prazer de ser seu coordenador, além de, ao longo da carreira, aprovar vários projetos nessa instituição”. O prêmio da Embrapa foi conferido pelo conjunto das pesquisas coordenadas pelo professor na área de Tecnologias Florestais para Sustentabilidade dos Biomas. Scolforo é um dos precursores, em florestas nativas, da pesquisa em manejo para usos múltiplos da vegetação do cerrado, nas pesquisas com candeia, além de atuar fortemente no manejo e modelagem de plantações. Juntamente com a equipe de pesquisadores do Laboratório de Estudos e Projetos em Manejo Florestal (Lemaf), e do ZEE, da Ufla, ele desenvolveu, ao longo da carreira, diversos projetos na área de manejo florestal. Dessa

experiência, Scolforo pode transmitir algumas lições importantes para novos pesquisadores. De acordo com ele, é fundamental ter a mente aberta a novos conhecimentos. “Muito há que se aprender sobre o potencial para produção de madeira de várias espécies nativas, assim como para fins medicinais, para cosméticos, para licores, para doces, sorvetes e muitos outros usos”. Outro ponto importante, em sua opinião, é aprofundar os conhecimentos científicos, para que o “achismo” ou a intuição passem a ser componentes secundários na apropriação dessas espécies para fins comerciais ou de preservação. “É necessária a realização de estudos objetivos a respeito de crescimento, produção, manejo, ecologia, melhoramento genético, nutrição, sistemas silviculturais, Química, Física, Engenharia de Alimentos, entre outros, que possibilitem que as muitas centenas de espécies nativas possam vir a ter seu papel e potencial compreendido, de maneira que a população possa vir se apropriar delas”, diz. E completa: “É também fundamental que se tenha compromisso com a continuidade dos estudos, com a prática da multidisciplinaridade dentro da academia, o compromisso das equipes de pesquisadores com a geração de produtos, que incluam desde novos conhecimentos até contribuições mais pragmáticas que promovam o bem estar e as expectativas da sociedade. Igualmente fundamental é o financiamento de longo prazo de pesquisas dessa natureza para que a continuidade dos estudos possa ser viabilizada financeiramente”. Ao refletir sobre a premiação da Embrapa, Scolforo faz questão de lembrar que, embora os prêmios sejam conferidos individualmente, mas de fato são mais da família, que se sacrifica, se doa e também lhe dá apoio em todos os sentidos. “Todavia não há como deixar de compartilhá-lo também com a equipe de trabalho, que tenho o prazer de liderar, em especial os professores, os técnicos e estudantes envolvidos nas pesquisas desenvolvidas Lemaf. É de fato um trabalho de grupo feito por muitas mãos, muitos cérebros e muita dedicação”. Dos diversos projetos conduzidos pelo pesquisador, três são mais especiais: o “Zoneamento Ecológico Econômico do Estado de Minas Gerais (ZEE)”, de 2005 a

2008; o “Mapeamento e Inventário da Flora Nativa e dos Reflorestamentos de Minas Gerais”, de 2003 a 2010; e o “Projeto Candeia”, de 2000 a 2010. Sobre o Mapeamento e Inventário, Scolforo observa: “Nesta pesquisa, tivemos a oportunidade de desenvolver uma série de ações integradas com o Estado de Minas Gerais que propiciaram a geração de novos conhecimentos e processos tecnológicos Informações completas no Portal do Inventário Florestal, de domínio público, contidas em aproximadamente 3.800 páginas de oito livros disponíveis em PDF: http://inventarioflorestal. meioambiente.mg.gov.br/

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que credenciam o Estado a ter as mais modernas ferramentas de gestão do ambiente, dentre todos estados da Federação”. O foco do programa de geração de conhecimentos ambientais em consonância com a produção resultante dos reflorestamentos foi centrada na geração da informação com qualidade, precisão e prioridade, e se tornou, cada vez mais, uma importante ferramenta para a definição de políticas públicas e de estratégias para a aplicação dos instrumentos de comando e controle no que concerne aos remanescentes florestais. Por esse motivo, o Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), em conjunto com instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil, vem, desde 2003, implantando um dos mais modernos sistemas de informações georeferenciadas do país. A elaboração do Inventário das Florestas de Minas, executado pela Ufla e publicado em 2005, em 2008, e com novas publicações sendo preparadas, propiciou uma série de informações em relação à qualidade dos remanescentes florestais de Minas, inclusive relacionadas à determinação do estoque de carbono e ao acompanhamento contínuo do desenvolvimento das florestas, por meio de medições em mais de 4.400 parcelas permanentes de 1.000 metros quadrados de área nas quais são avaliadas 780 mil árvores. Dentre os oito volumes publicados até então, contidos em mais de 3.800 páginas, encontram-se informações taxonômicas e sobre o hábito, a distribuição e o estado de

conservação de aproximadamente 2.500 espécies florestais. O trabalho ainda referencia nomes regionais, aborda novas espécies que foram descobertas e considera mais de 60 espécies cuja ocorrência ainda não havia sido identificada pela comunidade científica, em Minas. “Com mais esse importante instrumento, está sendo possível identificar e determinar os principais atores e as principais causas que levam a alteração do uso do solo mineiro e ao empobrecimento de sua diversidade biológica”, ressalta. Permitiu ainda a geração de informações ultra detalhadas sobre a estrutura dos Biomas Cerrado, Caatinga e Floresta Atlântica em Minas Gerais. A respeito do Projeto Candeia, Scolforo destaca o uso da candeia na indústria de cosméticos, dos desenvolvimentos feitos na academia, do benefício para os agricultores de áreas pouco férteis das áreas da Mantiqueira e do Espinhaço e do seu uso em programas de pagamento por serviços ambientais. “Poderia ainda citar os projetos com florestas plantadas, que incluem o desenvolvimento de modelos biométricos e o seu manejo, sobre o desenvolvimento de um modelo fitogeográfico para a revitalização dos rios da Bacia do São Francisco, o projeto Manejo da Paisagem, para estabelecer o equilíbrio entre as plantações florestais e os fragmentos nativos, promovendo, assim a busca do desenvolvimento sustentável.

Situação atual das florestas

Depois de todas as pesquisas até agora, Scolforo afirma que a situação florestal

Foto: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal

O professor Scolforo e sua equipe do Lemaf, da Universidade Federal de Lavras

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de Minas, hoje, inspira cuidados permanentes e a necessidade de aprimoramento das Políticas Públicas por parte do Estado. Na questão dos reflorestamentos, comenta o pesquisador, é preciso ampliar a área com plantações florestais, diversificar o manejo a fim de que se possa produzir, por exemplo, de biomassa para atender as demandas integrais do parque siderúrgico, e as demandas por energia, até madeira grossa para fins de processamento mecânico com consequente uso na indústria moveleira, dentre outras. Também é preciso implantar povoamentos dentro do contexto do manejo da paisagem, acentuar o programa de extensão florestal para o pequeno produtor e estimular o empreendedorismo no aproveitamento da madeira, através de sua industrialização que permita agregação de renda ao pequeno produtor. “Porém, não há como deixar de destacar a evolução fantástica na silvicultura, no manejo e no cuidado ambiental que as empresas consolidadas e organizadas implementam atualmente”. No caso da vegetação nativa, diz o pesquisador, há um contingente de área acima de 34% do território mineiro, o que, em sua opinião, é muito bom. Porém, a distribuição dessa vegetação nativa é desigual no Estado. “Há áreas com proporcionalmente menos cobertura da flora nativa, como o caso do Triângulo Mineiro, Leste de Minas e mesmo o Sul do Estado. Há ainda uma certa heterogeneidade no estágio de conservação dessa vegetação, bem como muitas áreas em ótimo estado de conservação, além de outras muito sujeitas à antropização, ou seja, à ação do homem. Contudo, Minas tem criado um grande número de unidades de conservação de proteção integral e no controle ao desmatamento, há ações que nenhum outro Estado da Federação possui, como o monitoramento mensal de toda cobertura com vegetação nativa e também o mapa da cobertura a cada dois anos para fins de planejamento estratégico, com uma ação fantástica de campo onde monitora o desenvolvimento de mais de 780 mil árvores das diferentes fito-fisionomias existentes em Minas. Ainda nesse tema desenvolve um arrojado programa de revegetação da Mata Atlântica e de outros biomas através de diferentes opções de recuperação de área.


Zoneamento Ecológico Econômico

O Zoneamento Ecológico Econômico do Estado de Minas Gerais (ZEE-MG) consiste na elaboração de um diagnóstico dos meios geobiofísico e sócio-econômico-jurídico-institucional. Esse diagnóstico gerou respectivamente dois documentos, a carta de Vulnerabilidade Ambiental e a Carta de Potencialidade Social, que sobrepostas irão conceber áreas com características próprias, determinando o Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado. “O ZEE é a busca de uma regra clara para que a sociedade civil e os empreendedores conheçam as vulnerabilidades e potencialidades de cada local ou região, as quais, ao serem fundidas, possibilitam o estabelecimento de zonas de desenvolvimento que tenham como base a homogeneidades dos atributos naturais e sociais. Neste contexto é uma regra clara para que os empreendedores saibam de antemão as peculiaridades e as exigências ambientais para se instalarem num dado local. Por outro lado, o ZEE possibilita que o Estado se aparelhe, utilizando critérios essencialmente técnicos ao estabelecer novos e impessoais procedimentos para análise de projetos. O estabelecimento de novas e claras regras de como os processos serão avaliados permitirá aos empreendedores, pequeninos ou grandes, não serem surpreendidos por exigências de última hora, assim como lhes cobrará o estabelecimento de estratégias para instalação de seus empreendimentos, comprometidas com o desenvolvimento sustentável. Portanto, o ZEE, além de procurar fornecer bases para o desenvolvimento sustentável de cada local, município ou região, também é um estímulo para que os empreendedores busquem Minas para ampliar seus negócios, gerando renda, emprego e bem estar social, associados ao uso sensato dos recursos naturais. Na prática, o ZEE funciona da seguinte forma: todos os empreendimentos que necessitam de licenciamento ambiental para se instalar num dado local, precisam considerar o aspecto locacional para sua instalação. Desse modo, uma rodovia que se pretenda construir deve considerar as

fragilidades do ambiente ali existente, observadas no ZEE. A partir disso, explica Scolforo, o estudo de impacto ambiental e o relatório de impacto ambiental devem buscar entender como evitar que a área que é frágil ambientalmente sofra qualquer tipo de degradação, por exemplo, com melhores práticas de controle de erosão. O pesquisador dá outro exemplo: “O gestor de um município pode identificar, a partir do ZEE, quais são as precariedades socioeconômicas do seu município, e então desenvolver ações para corrigi-las, ou mesmo reivindicar ao poder público, no caso o governo estadual, ajuda para solucioná-las”. Outra situação de uso claro do ZEE é estabelecer políticas públicas para uma zona situada em locais pouco frágeis e com aspectos sociais favoráveis, diferente daquela a ser estabelecida para zonas situadas em locais frágeis ambientalmente e com muita precariedade social. Scolforo afirma que o ZEE-MG consegue orientar a identificação temática das fragilidades ambientais em frações de área com 270 x 270 metros. Salienta que na nova versão do ZEE avanços na redução dessa área mínima para tomadas de decisão estão sendo buscados. São pelo menos 70 mapas temáticos para identificação dessas fragilidades. Para entender melhor: quando consideramos o tema fauna há uma carta síntese de vulnerabilidade. Entretanto, esse tema pode ser subdividido em vários outros, como carta síntese de vulnerabilidade para mamíferos, outra para aves, outra para peixes, outra para répteis e anfíbios e outra para insetos. “Veja que uma coisa é conhecer a vulnerabilidade da fauna. A outra é conhecer a vulnerabilidade dos temas que geram a vulnerabilidade da fauna. Assim, cada empreendimento, segundo suas peculiaridades, deverá observar todas as cartas, mas colocando o foco naquelas que mais afetam a sua atividade para efetuar os estudos de impactos ambientais”, ressalta. Na concepção do pesquisador da Ufla, muitas vezes serão tantos os temas que apresentarão fragilidade ambiental que a adoção de medidas que não gerem danos ao ambiente será tão dispendioso que inviabilizará a instalação do empreen-

dimento naquele local. “O ZEE não proíbe, porém indica as fragilidades do ambiente naquele local nos mais diferentes temas. A partir desse contexto, efetuados os estudos de impacto ambiental, as medidas propostas para corrigir os danos ambientais que poderão advir do empreendimento podem ficar tão caras, que talvez valha a pena mudar o local onde se deseja empreender. O mesmo ocorre com as questões sociais, onde são observadas 244 diferentes variáveis e indicadores. Fotos: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal

Com estudantes de graduação, mestrado e doutorado, em Baependi, dentro de uma candeal

O ZEE-MG tem a coordenação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, participação de todas as Secretarias de Estado de Minas, de outras entidades e da sociedade civil. Saiba mais no site http://www.zee.mg.gov.br

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ENGENHARIA DE ALIMENTOS

Salvando o leite derramado Sistema de gestão ambiental da UFV permite construção de indústria de laticínios mais competitiva e sustentável Fabrício Marques

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Em todo o mundo, a preocupação com o consumo de água e a geração de efluentes tem sido cada vez mais constante. Grandes e pequenas empresas tentam se adaptar a esse cenário. Essas questões levaram o engenheiro de alimentos Danilo José Pereira da Silva, da Universidade Federal de Viçosa, a desenvolver uma pesquisa na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos. Recentemente, Danilo defendeu sua tese de doutorado intitulada “Sistema de Gestão Ambiental para a Indústria de Laticínios”, sob a orientação do professor Frederico José Vieira Passos. De acordo com o engenheiro, um dos principais objetivos e desafios da pesquisa era mostrar para o empresário que o caminho mais viável e sustentável para fazer o controle ambiental é a prevenção da geração dos resíduos. E para que isso ocorra com eficiência é necessário focar no processo produtivo. Só uma gestão adequada do processo permite evitar a geração dos

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resíduos, e quando isso não for possível, é necessário buscar alternativas viáveis para reutilizar ou reciclar os resíduos gerados reduzindo os custos do tratamento e disposição final desses resíduos. “Dessa forma decidimos trabalhar com os princípios de um sistema de gestão ambiental que incluem a seguinte hierarquia: Prevenção, Reciclagem, Reuso, Tratamento e Disposição Final e Ações Corretivas, sendo que os dois primeiros estão fundamentados na gestão do processo”. No entanto, o grande desafio que ainda existe é conscientizar o empresário e os colaboradores da indústria a aplicar os princípios da prevenção e da reciclagem e reuso. “Para isso, decidimos elaborar duas ferramentas: um sistema multimídia com cinco módulos instrucionais de treinamento e conscientização direcionado a dois públicos diferentes, o empresário e os colaboradores; e um software de diagnóstico ambiental do processo e si-


mulação de diferentes cenários de controle ambiental com análise de custo”, explica. Quando se fala em um sistema de gestão ambiental, Danilo considera que cinco expressões são capazes de resumir tudo: Conscientização, Mudança de Comportamento, Responsabilidade Coletiva, Prevenção e Soluções Sustentáveis. “O nosso desafio era desenvolver um sistema que levasse essa cultura para os micro, pequenos e médios laticínios, e é isso que o sistema desenvolvido propõe. Uma das maiores conquistas é que conseguimos desenvolver um software capaz de quantificar o custo da geração dos resíduos e os ganhos financeiros que se pode obter com o controle preventivo”, diz. Com o software o empresário pode quantificar o custo ambiental do seu processo e consegue identificar a soluções para redução desse custo. Isso sem considerar os benefícios indiretos que a empresa pode obter, como a abertura de novos mercados nacionais e até mesmo no exterior. Com a implantação do modelo de gestão ambiental proposto e orientado pelas duas ferramentas (o sistema multimídia e o software), Danilo considera que a indústria de laticínios irá obter ganhos de competitividade que serão provenientes de três resultados alcançados: aumento da eficiência dos processos pela redução de falhas, redução de perdas de matéria-prima, insumos, subprodutos e produtos acabados, o que promove uma redução dos custos de produção; redução do consumo de água, produtos químicos e da geração de resíduos, com consequente redução dos custos de tratamento e disposição final dos resíduos; e preparação das empresas para certificação ambiental e conquista de novos mercados. As duas ferramentas (sistema multimídia e o software) foram avaliadas por dois grupos, um formado por profissionais e professores da UFV, que atuam na área ambiental ou no setor lácteo, e outro, representado o público-alvo, composto de proprietários, gerentes e colaboradores da indústria de laticínios. “A avaliação das duas ferramentas pelos dois públicos foi excelente, sendo identificado um grande potencial para aplicá-las como suporte de apoio na implantação de um sistema de gestão ambiental na indústria de laticínios. A próxima etapa da pesquisa é escolher um grupo de empresas para aplicar as ferramen-

tas e avaliar os resultados obtidos”, ressalta. A ideia de desenvolver um sistema de gestão ambiental para a indústria de laticínios nasceu há sete anos, quando foi feito um diagnóstico ambiental em alguns laticínios de pequeno porte. “Identificamos uma grande dificuldade dessas empresas para fazer o controle ambiental, agravado, principalmente, pela ausência de informações sobre o assunto e uma mão de obra pouco qualificada. Mas ao mesmo tempo identificamos uma grande potencial, uma vez que procedimentos simples seriam suficientes para obter bons resultados e construir uma indústria mais sustentável”, afirma Danilo, que também é sócio diretor da empresa Gestão Láctea e atua como consultor na área de gestão ambiental. Durante seu mestrado, participou de um estudo detalhado dos processos de um pequeno laticínio, que identificou os principais aspectos ambientais de sete linhas de processamento, chegando ao surpreendente resultado que conduzia a um cenário de redução de até 70% no consumo de água e na geração de águas residuárias, mais conhecidas como efluentes industriais. “Diante do desafio de contribuir para o desenvolvimento de uma indústria de laticínios mais sustentável, e considerando que só no Estado de Minas Gerais são cerca de mil laticínios

formalmente constituídos e que 90% são micro, pequenas e médias empresas, não faltaram motivos para levar a ideia em frente”, observa o pesquisador.

Sistema integrado

Atualmente, as empresas têm buscado um sistema de gestão integrado. De acordo com Danilo, o princípio de um sistema dessa natureza é a gestão do processo com uma visão sistêmica, o que permite uma redução dos esforços comparada quando se faz uma gestão isolada por áreas. Ou seja, a gestão da qualidade, a gestão ambiental, a gestão da saúde e segurança ocupacional e a responsabilidade social compartilham os mesmos princípios. Sendo assim, a integração desses sistemas produz resultados satisfatórios em menor tempo. “O grande diferencial do sistema proposto é a gestão integrada dos processos, com soluções que envolvem mudanças de tecnologias, aproveitamento de subprodutos e reuso de água. O controle ambiental deixa de ser tratado como um sistema isolado da indústria e passa a receber soluções integradas, construídas a partir de uma visão sistêmica dos processos”, afirma. Outra novidade que a pesquisa conduzida por Danilo apresenta é mostrar que o foco do controle ambiental tem se deslocado do controle final para o controle do proFoto: Arquivo pessoal/Danilo Silva

Parte da equipe que participou da elaboração das imagens e edição dos vídeos: da esquerda para a direita, jornalista José Timóteo Júnior e o responsável pelas imagens e edição, Márcio de Souza Veríssimo (ambos da Cead/UFV), o idealizador do projeto, Danilo Silva, e o graduando em Engenharia de Alimentos e estagiário Breno Regis MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011

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subprodutos e aspectos de higienização. Ao processar essas informações o usuário pode acessar o módulo “relatório” e obter as informações sobre os aspectos ambientais de cada linha. Esse módulo, além de fornecer o relatório completo de cada linha e uma avaliação global dos aspectos ambientais da indústria, fornece também sugestões de ações corretivas, que podem ser aplicadas em cada linha de processamento, visando à redução dos impactos ambientais. O módulo “dimensionamento” permite ao usuário simular as dimensões e o custo para implantação de diferentes sistemas de tratamento de efluentes, considerando a situação atual da indústria ou diferentes cenários. Nesse módulo o usuário pode adotar as sugestões de ações corretivas geradas no relatório, como alternativas de alterações no processo, e simular um novo cenário, com a avaliação dos impactos dessas mudanças nos aspectos ambientais relacionados à carga de poluição de cada linha de processamento. Além disso, com as simulações o usuário pode avaliar os impactos que as mudanças no processo irão proporcionar. O grande benefício do software para o empresário é a possibilidade de identificar as melhores práticas de gestão ambiental para o seu processo, e também a possibilidade de quantificar os ganhos ambientais e financeiros que se pode obter com a implantação dessas práticas. É uma oportunidade inédita do empresário conhecer o custo ambiental do seu processo e aplicar soluções sustentáveis que irão reduzir o seu custo de produção.

de resíduo das 11 linhas avaliadas e compõem o banco de dados do software. Danilo também afirma que é fundamental que a indústria de equipamentos incorpore as preocupações com os aspectos ambientais no layout dos equipamentos, de forma a facilitar a coleta e o aproveitamento dos subprodutos e os procedimentos de higienização, reduzindo, assim, o consumo de água e energia e a geração de resíduos. “Essa conscientização pode ser efetivada a começar por uma mudança cultural, uma mudança de comportamento e, na minha opinião, deve partir dos dois lados, do empresário da indústria de laticínios e do empresário da indústria de equipamentos. No entanto, basta o proprietário da indústria de laticínios se conscientizar dessa importância que automaticamente a indústria de equipamentos terá que se adequar. Vejo isso como uma grande oportunidade de diferenciação para os dois elos da cadeia produtiva. É importante ressaltar que para isso é necessário conhecer bem as reais necessidades da indústria”.

Procedimento de gestão ambiental adotado no laticínio Cocatrel, em Três Pontas (MG), em que 100% do soro é coletado e vendido para a indústria de secagem Foto: Arquivo pessoal/Danilo Silva

cesso. Isso acontece porque, durante algum tempo, as indústrias se concentraram no controle final de tubo, ou seja, após a geração dos resíduos, com o objetivo único de tratar e fazer a disposição dos resíduos gerados de acordo com as normas da legislação vigente. No entanto, esse processo é muito oneroso. Sendo assim, a solução mais viável é a prevenção e o reuso e reciclagem dos resíduos gerados. Essa mudança deve iniciar com a definição de uma política de gestão ambiental onde se prioriza a gestão do processo. “É fundamental”, frisa o engenheiro da UFV, “que a alta gerência forneça os subsídios necessários para as mudanças que envolvem adequações no setor produtivo e capacitação dos recursos humanos”. A pesquisa também permite a seguinte pergunta: de que forma pode ser útil para a agroindústria o software, proposto por Danilo e sua equipe, para diagnóstico ambiental e simulação de alterações no processo com avaliação dos impactos ambientais e financeiros? O engenheiro responde: o software tem como finalidade auxiliar os proprietários, técnicos e gerentes na avaliação dos aspectos ambientais e na identificação e aplicação das alternativas de melhoria, constituindo-se numa ferramenta de suporte na tomada de decisão em relação à gestão ambiental da indústria de laticínios. Para a facilidade do usuário, o software apresenta quatro módulos: empresa, produto, relatório e dimensionamento, além da página inicial, onde o usuário deve fazer o cadastro para ter acesso aos demais módulos e do módulo tutorial, que auxilia no uso do programa. No módulo “empresa” o usuário deve cadastrar os dados característicos da empresa, que incluem razão social, volume de leite processado, dias e horas de funcionamento, produtos processados, volume de água consumido, volume e carga do efluente gerado. Após processar esses dados, o programa permite o acesso ao módulo produto, em que o usuário pode fazer um diagnóstico ambiental da sua empresa, fornecendo as informações solicitadas sobre cada linha de processamento. Para realização do diagnóstico são consideradas informações relacionadas ao volume de leite destinado a cada produto, tecnologia empregada no processo, alternativas adotadas para recuperação e aproveitamento dos

Conscientização da indústria

Para o diagnóstico ambiental foram avaliados sete laticínios de Minas e um da Bahia. São laticínios de diferentes portes, desde micro empresas até empresas de médio porte, que produzem leite pasteurizado, queijo mussarela, queijo Minas Frescal, queijo Minas Padrão, queijo Prato, requeijão, ricota, manteiga, iogurte, bebida láctea e doce. Segundo Danilo, essa escolha se baseou na necessidade de conhecer diferentes realidades em relação à escala de produção e tecnologias empregadas no processo. Os dados levantados em cada linha de processamento desses laticínios foram utilizados para definição dos coeficientes de geração

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Projeto: Desenvolvimento de sistema multimídia como suporte na tomada de decisão para gerenciamento de resíduos e redução do consumo de água na indústria de laticínios Coordenador: Frederico José Vieira Passos Modalidade: Programa Pesquisador Mineiro Valor: R$ 48.000


SEGURANÇA PÚBLICA

Violência sob vigilância Integração das polícias e implantação de programas sociais ajudam a reduzir índices de criminalidade em Belo Horizonte

Foto: arquivo Ascom Seds

Ana Flávia de Oliveira

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violência Jovens do Centro de Prevenção à Criminalidade do Cabana apresentando oficina de capoeira em evento na Praça Raul Soares

Alguns locais onde existem unidades do Fica Vivo Belo Horizonte (Morro das Pedras, Pedreira Prado Lopes e Santa Lúcia) Região Metropolitana (Betim, Contagem e Ribeirão das Neves) Interior (Ipatinga, Governador Valadares, Uberaba, Uberlândia e Montes Claros)

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Dados da Fundação João Pinheiro revelam que, em 2004, Belo Horizonte registrou 42.134 crimes violentos. Em 2009, foram 25.000, uma redução de 45%. O mesmo aconteceu no Estado. Há sete anos, foram constatados 102.562 crimes violentos em Minas. Já em 2009, 59.478, uma queda de 58% nas ocorrências. Segundo o coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais, Cláudio Beato, a melhora nos números se deve a dois fatores. “A integração das polícias e a introdução de programas sociais, como o Fica Vivo, contribuíram para a redução dessas ocorrências”, explica. Quanto aos crimes contra o patrimônio também houve diminuição. Em 2004, Belo Horizonte registrava 1.600 ocorrências anuais. Em 2010, no mesmo período, o índice passou para 650. Uma redução de mais de 50%. Para Beato, que desenvolveu um estudo sobre o tema, com o financiamento da FAPEMIG, a integração das polícias Civil e Militar, por exemplo, proporciona um incremento da qualidade do controle da violência na cidade, sobretudo em locais mais vulneráveis. De acordo com o pesquisador, para esse tipo de trabalho ser bem sucedido é importante que haja uma compreensão sobre os tipos de ocorrências que predominam em cada localidade. “Por exemplo, crimes contra a pessoa demonstram uma deterioração socioeconômica, a ausência institucional da Justiça ou da polícia. Já os roubos a transeuntes querem dizer que é necessário melhorar os mecanismos de vigilância nas ruas, como o Fica Vivo”, esclarece. O sociólogo explica que em cidades pequenas, por exemplo, a quantidade de crimes é menor porque todos se conhecem e, se acontece alguma irregularidade, fica mais fácil identificar quem foi o autor, principalmente se o ato for cometido por alguém que não pertence àquele grupo. Já nas sociedades mais complexas, há um enfraquecimento nos laços de vigilância. Um caminho para se conseguir a queda nos índices de criminalidade pode ser a adoção de projetos sociais com crianças e adolescentes de comunidades carentes.

Fica Vivo Criado pelo Crisp em 2003, o Fica Vivo tem como objetivo fazer o controle de

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homicídios em regiões carentes. Dois anos depois, o projeto foi aprovado pelo Estado como Política Pública e, hoje, está instalado nos locais considerados áreas de risco, tanto na capital quanto no interior. Desde que as atividades começaram, 13.379 jovens já participaram do Fica Vivo. Minas Gerais adotou o programa, que tem como público-alvo jovens de 12 a 24 anos em situação de risco social e residentes nas áreas com maior índice de criminalidade, reduzindo as taxas de homicídios. O primeiro local a receber o projeto, ainda na sua versão piloto, foi a região do Morro das Pedras, na época, uma das áreas mais violentas de Belo Horizonte. Nos primeiros cinco meses de atuação, apresentou uma redução de 50% na taxa de homicídios, tentativas de homicídios, roubos e assaltos a padarias e supermercados. Atualmente, são 27 núcleos no Estado – onze na capital, dez na região metropolitana e seis no interior. Os critérios que determinam a instalação do Fica Vivo são o conhecimento do número de jovens na comunidade, os números sobre criminalidade na área e quais os principais problemas do local. Essa análise é feita a partir de dados da Fundação João Pinheiro. Em seguida, a sociedade é convidada a participar de um colegiado, que define onde deverá ser implantado o projeto, em busca de uma solução que mude aquela realidade. “Durante a avaliação do local, procuramos conhecer o que já estava sendo feito na região. Se já existia uma oficina bem sucedida, damos continuidade a esse trabalho, mas com o novo foco de público, capacitando o oficineiro”, explica Naiara Nápoli, coordenadora do programa. Além das oficinas, acontecem outras atividades, como reuniões e grupos de discussões sobre assuntos de interesses dos participantes do projeto. “Falamos sobre o prejuízo que o uso de drogas provoca, temas relativos à sexualidade, como gravidez na adolescência, entre outros assuntos que estão presentes nas vidas deles naquele momento”, esclarece a coordenadora. Muitas vezes os assistidos são encaminhados para trabalhar ou fazer cursos em instituições, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL).


As equipes realizam ações em parceria com a Polícia Militar. De acordo com Naiara Nápoli, o policial passa a ser visto como parceiro e não como um inimigo. “Os moradores relatam que nas áreas onde o projeto foi implantado, elas têm maior liberdade para circular nas ruas, principalmente os jovens e idosos”, conta. Segundo a coordenação do Fica Vivo, existe uma integração entre as unidades participantes do programa com o objetivo de promover a circulação em vários espaços. Todos os núcleos se encontram quando são realizadas as olimpíadas, mostras culturais e exposições de grafite. Essas exposições acontecem em espaços tradicionais de Belo Horizonte, como o Palácio das Artes e o Museu de Artes e Ofícios.

Integração das polícias

Em meados dos anos 1990, o Estado de Minas Gerais viveu uma alta expressiva nas taxas de criminalidade. Os índices de crimes violentos, por exemplo, aumentaram 400% entre o início dos anos 1990 e início dos anos 2000. A integração das polícias faz parte de um conjunto de ações de Políticas Públicas aplicadas em Minas desde 2003. Hoje, cobre mais de 600 municípios, com previsão de atingir todo o Estado até o final do ano. Também em 2003 foi criada a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), em substituição às Secretarias de Estado de Segurança Pública e de Justiça. O objetivo era reduzir a

criminalidade e devolver ao cidadão a sensação de segurança. Após a criação da nova secretaria, algumas medidas foram adotadas, dentre elas se destacando o Plano Emergencial de Segurança Pública, o Plano Prisional de Minas Gerais, a integração das ações policiais e a divulgação das estatísticas criminais do Estado. “Com a integração das polícias foram estabelecidos objetivos comuns e desenvolvidas maneiras de elas trabalharem em harmonia”, explica a sub-secretária de Promoção da Qualidade e Integração do Sistema de Defesa Social, Geórgia Ribeiro Rocha. Esse novo modelo de gestão criou um Colegiado de Integração de Defesa Social, formado pela direção de cada corporação que compõe o sistema de defesa social (Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiro, Defensoria Pública e SEDS). O objetivo era discutir, planejar e deliberar sobre as Políticas Públicas de prevenção e combate à criminalidade e à violência. “São eleitos focos de atuação, e, em seguida, as áreas são estudadas para se entender o que acontece. Com esse diagnóstico nós atuamos sobre as causas dos problemas. Quando chega a acontecer alguma ação, podemos reprimir com mais qualidade,” afirma Geórgia Ribeiro Rocha. O Sistema Integração em Gestão de Segurança Pública (Igesp) foi inspirado numa experiência bem sucedida realizada em New York (Estados Unidos) e em Bogotá (Colômbia). O sistema baseia-se em modernas metodologias de policiamento

orientado para a solução de problemas. O modelo se pauta pela centralidade da gestão de informações na análise da dinâmica criminal e na definição e avaliação de estratégias de prevenção e combate à criminalidade pelas organizações policiais. O programa foi implantado inicialmente em 2005 como um projeto piloto em Belo Horizonte e cresceu. Segundo estimativas da SEDS, após a implantação do Igesp houve uma redução entre 24% e 53% na taxa de crimes violentos contra o patrimônio; entre 13% e 21% na taxa de crimes violentos contra a pessoa; e queda entre 9% a 22% na taxa de homicídios no período de um ano. A implantação da integração está associada a uma maior eficiência na ação policial, levando, nos primeiros anos de implantação do programa, a um aumento proporcional no número de prisões e no número de apreensões de armas por crime registrado. “A segurança pública passa a ser vista dentro de uma nova lógica. Ela está voltada para os resultados e a solução de problemas. Por isso, age preventivamente”, comenta a sub-secretária. Projeto: Padrões espaciais e temporais da criminalidade e seus deteminantes sócioeconômicos em Belo Horizonte Modalidade: Edital de Demanda Universal Coordenador: Cláudio Chaves Beato Filho Valor: R$ 50.659 Fotos: Marcelo Focado

Policiamento na capital leva segurança às ruas e aproxima PMs da população MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011

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HISTÓRIA

Dedicação à inovação e à Ciência Solenidades na Cidade Administrativa e na Assembleia Legislativa de Minas Gerais marcam início das comemorações pelos 25 anos da FAPEMIG Maurício Guilherme Silva Jr. “O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade”. Eternizada no início dos anos 1980, a célebre frase do ex-presidente Tancredo de Almeida Neves ganhou novos e intensos contornos na manhã do dia 30 de maio de 2011. Na ocasião, décadas depois de seu uso original, a máxima do político mineiro foi responsável por sintetizar os múltiplos significados da efeméride que então se comemorava, em cerimônia realizada na Cidade Administrativa e presidida pelo governador Antonio Anastasia: o Jubileu de Prata da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), hoje uma das mais importantes FAPs do País. Dessa vez pronunciada por Mario Neto Borges, presidente da FAPEMIG, a expressão de Tancredo moldou-se à descrição do maior compromisso da Instituição nestes 25 anos de trajetória. Afinal, como bem destacou Borges: “Liberdade só se conquista com prioridade política em Educação, Ciência e Tecnologia”. Em seu pronunciamento durante a solenidade, Antonio Anastasia destacou, em primeiro lugar, o relevante papel desempenhado pela FAPEMIG: “Esta é uma comemoração muito feliz, pois são 25 anos de uma instituição que deu certo, por apostar em Ciência e Tecnologia, desenvolvimento e inclusão, o que é fundamental neste século 21, o chamado ‘século do conhecimento’”. O governador ressaltou, ainda, a consolidação das obrigações do Estado com a Fundação. “Desde o

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Governo Aécio Neves, conseguimos honrar com 1% do ICMS líquido repassado à FAPEMIG. É um compromisso fundamental, que se iniciou em 2007 e que vamos manter. Isso gera, a médio e longo prazo, um retorno muito importante para o Estado, pois passamos a ter empresas de alta tecnologia”.

Parcerias

Ao longo do evento de celebração de seus 25 anos, a FAPEMIG também firmou parcerias para realização de uma série de novas pesquisas científicas no Estado. Trata-se de convênios com três instituições – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e

Polícia Militar –, que, juntos, ultrapassarão o montante de R$ 130 milhões. “Tais convênios são exemplos de uma integração governamental que se torna visceral para todos nós”, ressaltou Anastasia. A partir do convênio assinado entre a FAPEMIG e o BDMG, R$ 100 milhões serão destinados ao Programa de Apoio às Empresas em Parques Tecnológicos (Propitec) e ao Programa de Apoio à Inovação nas Empresas (Pró-inovação). Já a parceria com a Polícia Militar, cuja viabilização requer cerca de R$ 250 mil, pretende investir na qualificação de profissionais na área de Tecnologia, para que possam atuar no policiamento preventivo durante a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014. Fotos: Netun Lima

O governador Antonio Anastasia e o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges

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Por fim, FAPEMIG e Cemig lançaram edital, no valor de R$ 30 milhões, para financiar pesquisas em áreas como meio ambiente, fontes alternativas de energia, planejamento elétrico e energético, operação e manutenção de sistemas elétricos. O edital é parte de uma parceria, anunciada em janeiro, que prevê investimentos de R$ 150 milhões em pesquisas ao longo de cinco anos.

Dedicação à Ciência é condecorada

Os 25 anos de dedicação da FAPEMIG ao desenvolvimento da Ciência, da Tecnologia e da Inovação no Estado também foram comemorados, no dia 16 de maio, durante Reunião Especial no Plenário da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, presidida pelo 1º secretário da Casa, deputado Dilzon Melo (PTB). Durante a condecoração, fruto de requerimento do deputado Rômulo Viegas (PSDB), o presidente da Fundação, Mario Neto Borges, recebeu placa comemorativa em alusão ao Jubileu de Prata. Primeiro a se pronunciar, o deputado Rômulo Viegas ressaltou sua satisfação em comemorar as Bodas de Prata da “jovem e eficiente” FAPEMIG, instituição que, ao longo de tão breve existência, foi responsável, em Minas Gerais, pelo apoio a mais de dez mil importantes projetos de Pesquisa, Tecnologia e Inovação, além do financiamento de aproximadamente seis mil bolsas de estudo. “Isso é fruto do trabalho de 180 funcionários competentes e muito bem gerenciados”, ressaltou Viegas. Um dos ícones da luta contra o preconceito racial nos Estados Unidos foi a inspiração de Mario Neto Borges para o início de seu pronunciamento: “Martin Luther King dizia: ‘I have a dream’. Pois Há quatro anos, o Governo de Minas repassa, à FAPEMIG, 1% da receita orçamentária corrente do Estado, em atendimento à Constituição Estadual. Entre 2007 e 2010, a Fundação trabalhou com orçamento de R$ 932 milhões, destinados a projetos de pesquisa nas áreas de ciência e tecnologia. Só no ano passado, a entidade recebeu R$ 284 milhões, sendo R$ 233 milhões em recursos do Tesouro do Estado.

eu digo que também a FAPEMIG tem um sonho: transformar Ciência, Tecnologia e Inovação em desenvolvimento socioeconômico sustentável”, afirmou, ao ressaltar que, ao longo de 25 anos, a Instituição converteu desafios e obstáculos em estímulo para o crescimento: “Superadas as dificuldades, a Fundação transformou-se em modelo de desenvolvimento. Hoje, trata-se de uma das mais importantes FAPs do País”. Por fim, em seu depoimento, o primeiro secretário da Assembléia Legislativa, deputado Dilzon Melo, recorreu a Monteiro Lobato para comentar a relevância do financiamento à Pesquisa: “O escritor dizia que um país se constrói com homens e livros. Digo que hoje, além de homens e livros, um país se constrói com Ciência e Pesquisa de ponta. O Brasil precisa de educação mais ampla e de melhor qualidade”. Segundo Melo, a Instituição tem se destacado, entre outras coisas, por aproximar tecnologia do setor industrial. “Ao confiar na FAPEMIG, apostamos no desenvolvimento sustentável e com tecnologia limpa. Que os próximos 25 anos sejam ainda mais férteis e promissores”.

E o que vem por aí?

As homenagens à FAPEMIG na Cidade Administrativa e na Assembleia Legislativa foram algumas das ações comemorativas previstas para o ano do Jubileu de Prata da Instituição. Ao longo de 2011, além de solenidade comemorativa oficial dos 25 anos, estão previstas diversas atividades de divulgação científica. Há, ainda, novidades importantes, como o início das construções da nova sede da Fundação em Belo Horizonte, numa região que, por reunir instituições representativas da CT&I no Estado, tem sido chamada de “Cidade da Ciência”, e a implantação dos novos estatuto e estrutura administrativa da entidade.

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ENTREVISTA

O conhecimento que nos define Em entrevista, o físico Marcelo Gleiser discute algumas das mil facetas da Ciência, esta fascinante “ponte entre o homem e o universo” Maurício Guilherme Silva Jr. Físico, astrônomo, professor, escritor, colunista semanal, apresentador de TV e roteirista. Além de confirmar a múltipla capacidade de Marcelo Gleiser em desempenhar papéis os mais diversos, tais ofícios – por ele exercidos simultaneamente – são reveladores do modo como este (também) renomado pesquisador carioca compreende e traduz a intensa paixão do homem pelo saber: “Na busca pelo conhecimento, nos definimos e, ao nos definir, definimos também nossa visão de mundo e nossa busca por significado”. Duas vezes vencedor do prêmio Jabuti – em 1998, por A dança do universo, e em 2002, por O fim da Terra e do Céu –, Gleiser é professor do Dartmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos, e há décadas dedica-se à divulgação científica, prática importantíssima que, segundo ele, foi realizada, ao longo dos séculos, por gênios como Galileu, Einstein, Linus Pauling e Carl Sagan. Nesta entrevista, o físico fala sobre novas tecnologias, percepção pública da Ciência e desenvolvimento da Pesquisa no Brasil, entre outros assuntos. Como o senhor analisa, hoje, o mito social em torno da Ciência? Nesta primeira década do novo milênio, mudou a percepção das pessoas em relação às “belezas e mazelas” da prática científica? Acho que “mazelas” é a palavra errada. Na verdade, não há dúvida de que jorna-

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listas científicos são vítimas de pressões corporativas, que, às vezes, os forçam a criar notícia onde não existe notícia alguma. Como exemplo, cito os tais dos “agroglifos”, que chegaram até a inspirar o filme “Sinais” (em inglês, Signs): misteriosas figuras aparecem em plantações de trigo, com imagens estranhas e até o rosto de alienígenas. Milhões de pessoas acreditaram nisso, documentários sensacionalistas foram feitos, e mesmo após a confissão dos dois responsáveis, a coisa ainda continua. Portanto, diria que um jornalismo científico eticamente correto seria o que retratasse de forma mais concreta e adequada as descobertas científicas sem tecer mitos duvidáveis. Falar em Ciência é falar em “crise permanente”, visto que a Pesquisa se alimenta da eterna dúvida sobre tudo. Hoje, a seu ver, vivemos em que estágio deste status crítico? A crise existe sempre e, como você disse, é muito positiva. Quanto mais aprendemos sobre o mundo, mais temos o que aprender. O conhecimento não é um círculo que se fecha, mas, ao contrário, que está sempre se abrindo. Se, hoje, parecem existir mais questões e dúvidas é porque existem também mais descobertas e respostas. Em texto sobre a relação dos indivíduos com a Ciência, Jacob Bronowski chama a atenção para o fato de a Tecnologia transformar-se “na nova magia


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29 Foto: Claudia Kamergorodski/Divulgação


do homem moderno”. Neste sentido, e também tendo como base as discussões do livro Conversa sobre fé e a Ciência, no qual o senhor debate com Frei Betto as relações entre razão e mito, não poderíamos pensar na internet – e suas múltiplas possibilidades – como uma das “novas magias” de culto da civilização? Não vejo a internet dessa forma. Vejo-a como um novo instrumento de descoberta e exploração social e cultural. Toda nova tecnologia parece ter um lado mágico, especialmente quando comparada ao que havia antes. Quem hoje pode viver sem um celular? Mas quem imaginava, há, digamos, 15 anos, que todo mundo ia ter um telefone privado que carrega no bolso e que pode se comunicar com qualquer pessoa no mundo? Quando foi descoberto, o rádio era “mágico” também, ondas se transportando no vazio... Acho que as novas tecnologias deveriam ser celebradas pelo que são, um grande feito da mente humana, e não transformadas em mitos pseudo-científicos.

“As coisas melhoraram muito no Brasil, especialmente após a implantação de fomentos estaduais como FAPESP, FAPEMG etc. Mas falta muito ainda, especialmente no acoplamento da iniciativa privada com o amparo à Pesquisa. É necessária a criação de fomentos fiscais para que isso ocorra. As universidades não podem depender de fomento federal e estadual apenas.” 30

Novamente em relação às novas tecnologias, como o senhor analisa os nichos de sociabilidade resultantes do uso, cotidiano, de recursos como as mídias sociais? E o que dizer da relação dos cientistas com tais ferramentas? Vale dizer que a WWW foi inventada por físicos no CERN, o laboratório europeu de física de altas energias. Seu propósito inicial era justamente facilitar a comunicação entre milhares de físicos trabalhando em projetos coletivos. As mídias sociais, que tanta gente critica mas que todo mundo usa, são, a meu ver, uma força social revolucionária. Claro, como tudo o que existe, elas têm também o seu lado sombra. Mas vejo jovens engajados, trocando ideias, se comunicando, criando formatos e imagens, crescendo através delas e até se mobilizando politicamente e socialmente. Acho isso fantástico. Como ferramenta de divulgação científica, a internet é imbatível; mas a coisa tem que ser feita direito, pois existe muita besteira também. Para saber discernir, a educação é fundamental.

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Como o senhor analisa as atuais fontes de financiamento à Pesquisa no Brasil do século XXI? Estamos no caminho certo? As coisas melhoraram muito no Brasil, especialmente após a implantação de fomentos estaduais como FAPESP, FAPEMIG etc. Mas falta muito ainda, especialmente no acoplamento da iniciativa privada com o amparo à Pesquisa. É necessária a criação de fomentos fiscais para que isso ocorra. As universidades não podem depender de fomento federal e estadual apenas. Nas últimas décadas, cresceu significativamente o número de citações a pesquisas e pesquisadores brasileiros no exterior. Além disso, temos ampliado os índices de registros oficiais de patentes, principalmente em áreas de ponta, como genética e nanotecnologia. Neste cenário de desenvolvimento, o que significaria, para o Brasil, a possibilidade de receber um Prêmio Nobel? Estamos progredindo, mas ainda temos muito pela frente. Das entidades listadas nas 1000 com maior número de patentes do mundo, apenas duas são brasileiras: a Whirlpool (em SP) e a UFMG (858º lugar). O Brasil fica em 24º lugar no mundo, com 480 patentes em 2009. Só a Toyota registrou mais de mil. Seria, claro, maravilhoso se um ou uma cientista brasileira recebesse um prêmio mundial como o Nobel. A pessoa se transformaria imediatamente em símbolo nacional, inspirando milhares de jovens a seguir a carreira científica. No meio tempo, fazemos o possível para isso, mesmo sem o Nobel. Como o senhor analisa o atual estágio da divulgação científica no País? Os jornais, revistas, sites e meios audiovisuais realizam bons trabalhos na área? Diria que o número de veículos impressos, especialmente as revistas e jornais, estão aumentando. Os blogs dedicados à Ciência também. Mas falta ainda espaço maior na mídia, especialmente na TV. Temos canais como Discovery e NatGeo, mas esses são canais internacio-


Foto: Claudia Kamergorodski/Divulgação

nais, mesmo que se esforcem para criar conteúdo nacional ou com pessoas daí. Eu mesmo fiz já vários trabalhos com a Discovery e tenho um saindo ainda esse ano com a NatGeo. Mas falta ainda muito, especialmente na TV aberta. Por exemplo, as pessoas gostaram muito das séries que fiz para o Fantástico, mas não vemos nada parecido sendo feito depois delas. Infelizmente, muito da mídia dedicada à Ciência acaba se distorcendo para o lado da pseudo-ciência, do esoterismo e do sensacionalismo. E não há necessidade disso, pois o universo é mágico o suficiente. Basta contar a história direito. Também com relação à divulgação científica, o que dizer de tal trabalho realizado em nossas universidades? Tomando-se como pressuposto a importância de aproximar os jovens da Ciência, com vistas à construção de vocações, as instituições de ensino superior não vivem, ainda, numa espécie de “redoma de vidro”? Pois é, existe sim esta visão “dinossáurica” da divulgação científica, de que cientista sério não “perde tempo” com essas coisas. Grande besteira. Mesmo historicamente, grandes cientistas, a começar por Galileu, foram divulgadores de Ciência. Pense em Einstein, Richard Feynman, Linus Pauling, no Carl Sagan e, mais recentemente, Stephen Hawking e Steven Weinberg! Uma coisa não exclui a outra: pelo contrário, diria que meu trabalho como divulgador informa minha pesquisa em Ciência e vice-versa. Dividir as descobertas da Ciência com o público deveria ser um mandato para todos os cientistas; afinal, o dinheiro que fomenta as suas pesquisas vêm do público, que tem o direito de saber porque devem pagar pesquisas em Microbiologia, Geologia ou Astrofísica. Fora isso, a Ciência faz parte da nossa cultura, definindo, em grande parte, quem somos. Portanto, negar a Ciência ao público é querer mantê-lo na ignorância, exatamente o oposto do que um educador deveria fazer. Educar não se restringe apenas à sala de aula!

O senhor mantém coluna semanal em jornais e há bastante tempo conversa “diretamente” com um público leigo. O que dizer dessa experiência? Diria que o que me surpreende mais é a enorme curiosidade que as pessoas têm com relação à Ciência. Especialmente quando se trata de questões mais fundamentais, relacionadas com origens, ou questões de impacto ambiental ou político, existe um grande interesse por parte das pessoas. Vejo como um privilégio poder trocar ideias com o público, ter esse papel no Brasil atual. Claro, nem todo o mundo concorda com o que tenho a dizer. Mas sei respeitar opiniões opostas e críticas, e tento aprender com elas. Com base em sua própria vivência, o que dizer do significado da Ciência para o homem? A Ciência é uma ponte entre o homem e o universo, uma grande narrativa que construímos para compreender quem somos, quais as nossas origens, como podemos melhorar nossa qualidade de vida. Vejo nela um caminho não só concreto, levando a descobertas e tecnologias, mas também um caminho espiritual, aproximando o homem da Natureza. Na busca pelo conhecimento, nos definimos e, ao nos definir, definimos também nossa visão de mundo e nossa busca por significado. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011

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g i r e P

SAÚDE

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Foto: Marcelo Focado

o t l u c o


O jaleco é uma peça de proteção individual usado por profissionais que trabalham com materiais contaminantes, tóxicos ou nocivos. Porém, quem atua na área da saúde tem dificuldades para transportá-lo de casa para o trabalho em segurança. Isso acontece porque o transporte inadequado provoca a contaminação cruzada, ou seja, agentes contaminantes da área hospitalar vão para fora desse ambiente, como restaurantes, ônibus, carros, residências e vice-versa. Por isso, até uma visita, aparentemente inofensiva, a um amigo ou parente que está internado, pode colocar a saúde de várias pessoas em risco. Isso acontece porque o ambiente hospitalar está repleto de bactérias, vírus e protozoários nocivos aos seres humanos. Um estudo realizado pelo professor Marco Antônio Miguel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou que alguns tipos de bactérias conservam-se vivas nas roupas por dois meses. E cerca de 90% delas resistem no tecido por até 12 horas. Em Minas, a vereadora Maria Lúcia Scarpelli (PCdoB) criou a Lei do Jaleco, que entrou em vigor no dia 19 de julho deste ano. Para ela, é uma obrigação do poder público cuidar da saúde da população. “Antes da lei, era comum ver médicos e outros profissionais da área da saúde vestidos com os jalecos e até roupas de centros cirúrgicos em restaurantes e lanchonetes. E isso provocava um mal-estar e a reclamação dos clientes. Mas os donos dos estabelecimentos tinham receio de comentar com os médicos e perder essa clientela”, argumenta. A lei não seria necessária, já que no código de ética dos médicos existe a orientação de não se usar a roupa de trabalho em outros ambientes, porém, a regra não é cumprida, de acordo com a vereadora. Profissionais de outras áreas, como dentistas, por exemplo, não têm esse hábito. A vereadora lembra que isso é uma questão cultural e que a lei também tem a função de quebrar esse paradigma. “Nós não vemos as professoras, que também usam jaleco, ou o juiz de toga na rua, por que médico é diferente?”, questiona.

O texto original da lei previa multa de R$ 500. Porém, o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), vetou a punição financeira sob o argumento de que seria difícil fiscalizar e a Câmara manteve a decisão. Mas a vereadora enfatiza que, independentemente do efeito da lei no bolso dos infratores, o assunto virou tema de debates na sociedade. “Nós percebemos que, mesmo sem a aplicação da multa, reduziu sensivelmente o número de pessoas com os jalecos nas ruas. O assunto foi amplamente discutido e a opinião pública nos apoiou. A lei educou a população”, destaca Scarpelli. O técnico em radiologia médica e ex-secretário do Conselho Regional de Radiologia, Tarcísio Pereira, questiona a lei. Ele acredita que a intenção foi boa, entretanto, a aplicabilidade é contestável porque pune o funcionário, enquanto a instituição fica isenta de responsabilidades. “O ideal é que o hospital forneça um uniforme para os funcionários. Uma vez que ele oferece, pode exigir que os funcionários trabalhem vestidos assim e só saiam às ruas com roupa comum”, ressalta. Outra preocupação que o técnico levanta é em relação à transmissão de bactérias: “A lei está restrita ao jaleco, mas e quem usa uniforme branco, pode entrar nos estabelecimentos? E quem trabalha sem o uniforme, com roupa comum? Está carregando bactérias do hospital para a rua e vice-versa, colocando todos em risco da mesma forma”. Para ele, uma opção, além do fornecimento da roupa específica, seria a esterilização adequada das vestimentas usadas pelos funcionários dentro do ambiente hospitalar. “O mais correto, do meu ponto de vista, é que as instituições de saúde lavem os uniformes porque eles têm estrutura para isso. É usada água em alta temperatura e produtos químicos específicos para fazer a esterilização”, sugere. O advogado Antônio Carlos Teodoro tem opinião semelhante à do técnico. Jurista especializado em causas relacionadas a erros e omissões médicas e presidente da organização não-governamental, SOS Vida, Antônio Carlos considera a lei sem valor. “O que faltou nesse caso foi chamar as entidades

“Nós percebemos que, mesmo sem a aplicação da multa, reduziu sensivelmente o número de pessoas com os jalecos nas ruas. O assunto foi amplamente discutido e a opinião pública nos apoiou. A lei educou a população”. Maria Lúcia Scarpelli Vereadora em Minas criadora da Lei do Jaleco

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Foto: Marcelo Focado

responsáveis, profissionais da área e pessoas que entendam do assunto para debater o tema e só depois criar uma lei”, comenta. Ele acredita que a lei deveria falar sobre as normas de transporte para as roupas usadas em hospitais, que saem contaminadas e materiais que façam essa esterilização de modo adequado. “É uma lei sem valor, assim como a lei seca, que dá ao cidadão a opção de escolher se quer soprar o bafômetro ou não”, dispara.

Descontaminando roupas e uniformes Com o objetivo de acabar, ou pelo menos, reduzir a contaminação das roupas e equipamentos usados em clínicas e hospitais, um grupo formado por quatro pesquisadores da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), desenvolveu um produto. O Clean Coat, como foi batizado pelos cientistas, é uma bolsa com um agente microbicida na parte interna que gera um microambiente para a descontaminação de materiais durante seu transporte. Porém a equipe alerta que essa bolsa não substitui a lavagem e a descontaminação regular que esses materiais devem ter. Segundo um dos integrantes da equipe, o mestrando do curso de pós-graduação em Bioquímica, Thiago Salem, apesar de o foco primário ser materiais médicos como jalecos, estetoscópio e termômetro, por exemplo, a bolsa também pode ser usada para o transporte de materiais de higiene pessoal, roupas em geral e objetos pessoais como celulares e canetas. “O principal agente contaminante identificado nos jalecos são os Staphylococcus aureus, responsáveis por infecções do tipo foliculite, gastroenterite e choque anafilático. Há relatos científicos de jalecos de médicos estarem contaminados por bactérias da espécie Acinetobacter que podem causar infecções da pele, meningite, infecções nasocomiais (infecção hospitalar) e pneumonia”, explica. Os pesquisadores encontraram maior índice de contaminação nas bordas das mangas e os bolsos dos jalecos. Nas mangas o problema não se deve apenas pela proximidade da mão, mas também pelo contato que acaba tendo com superfícies

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contaminadas. Os bolsos, além de abrigar as mãos, também abrigam materiais contaminados como canetas, papéis e materiais médicos como estetoscópio e termômetro. De acordo com a equipe, todo material, por menor tempo que fique em contato com outro material contaminado, acaba se infectando: “A contaminação se dá, principalmente, pelo contato direto com o paciente e materiais contaminados como roupas de cama, cadeiras, maçanetas etc. Mas também pode ocorrer pelo ar, já que algumas bactérias podem estar em suspensão”. Tanto o visitante quanto os funcionários de clínicas e hospitais devem tomar cuidado especial com o transporte e limpeza das roupas. “Essas peças devem ser lavadas separadamente das não-contaminadas. Se possível, usar solução com água sanitária na lavagem. O ato de passar as roupas usando altas temperaturas auxilia na descontaminação”, observa Salem. O grupo acredita que o ideal seria que os hospitais fornecessem um vestiário no local de trabalho e que, ao chegar, o funcionário trocasse a roupa em uso por uma específica, como o avental ou jaleco. Ao fim do expediente, trocasse novamente a roupa e que a utilizada durante o trabalho fosse lavada no próprio local. “Como poucos hospitais oferecem essa possibilidade, o ideal é transportar jalecos e aventais em ambiente isolado (bolsas ou sacolas) e lavá-los separadamente das demais roupas”, comenta.

Inovatec Em outubro de 2010, a equipe participou da Inovatec, Feira de Inovação Tecnológica, realizada em Belo Horizonte, que tem o objetivo de mostrar e premiar Planos de Inovação. “Foi, ao mesmo tempo, desafiador e inovador. Pudemos perceber a opinião de diversas pessoas a respeito do nosso produto e recebemos sugestões e críticas, que contribuíram para o crescimento do grupo e para o aumento da nossa crença na nossa inovação. Acreditamos que todos os cursos (graduação ou pós-graduação) deveriam ter disciplinas para trabalhar e desenvolver o conceito de inovação”, opina.


EDUCAÇÃO

Ciência no salão de beleza Projeto mostra o quanto o saber científico está presente no cotidiano das pessoas, especificamente nos cuidados estéticos com o cabelo, a pele e as unhas Juliana Saragá

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Você já se perguntou por que os cabelos ficam brancos? Ou por que ficam com pontas duplas? O que causa estria e celulite? Como se formam os cravos e espinhas? O que faz a unha crescer? Será que tirar a cutícula faz mal? Talvez não tenha pensado nessas questões de uma forma científica, mas aprender mais sobre Ciência através da estética parece bem atrativo. E é. Pelo menos é o que demonstra a professora e pesquisadora Mônica Meyer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenadora do projeto “A Ciência no Salão de Beleza”, cuja intenção é divulgar a Ciência e apresentar um material educativo sobre o corpo humano, com “pé e cabeça”. “Tivemos a ideia de montar um salão de beleza e lançar um almanaque sobre o tema durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Em dois meses mergulhamos até a raiz do cabelo para realizar o projeto” conta a pesquisadora. O Almanaque “Cabelo, Pele, Unha” foi lançado durante a Semana Nacional de C&T em 2009, junto com o vagão “A Ciência no Salão de Beleza”, uma exposição que ocupou uma plataforma da Estação de Metrô Vilarinho, em Belo Horizonte, simulando um vagão de trem, onde foi montado o salão de beleza temático, oferecendo gratuitamente os serviços de manicure, cabeleireiro, massagista e maquiagem. Os visitantes puderam observar cortes reais de cabelo, pele e unha ao microscópio ótico e diversas imagens de microscopia eletrônica mostradas em uma TV de plasma, além de modelos tridimensionais das camadas da pele. Havia também quebra-cabeças com ilustrações ampliadas de cabelo, pele e unha e espaço

“Meu cabelo é tudo na minha vida” (Caroline, 16 anos)

“Unha é a beleza da mão” (Caroline, 16 anos)

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para desenhar. Uma seleção de imagens e músicas relacionadas ao tema, como “Cabelo”, de Jorge Ben Jor, e ainda revistas-álbuns especialmente confeccionadas com os desenhos e textos dos alunos integrantes do projeto compunham o ambiente desse salão de beleza “científico”.

Ciência na sala de aula O Almanaque “Cabelo, Pele, Unha”, produzido com o apoio da FAPEMIG, é o desdobramento da participação de alunos de graduação em Ciências Biológicas da UFMG no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) da Capes, cujo objetivo principal é incentivar estudantes universitários à docência e integrar universidade e escola. “É um contato precoce que estimula o compromisso com a Educação vivenciando situações do cotidiano escolar”, explica Mônica Meyer, supervisora dos alunos no Programa. O projeto foi realizado em duas escolas da capital mineira. A primeira etapa foi resgatar a trajetória escolar do ensino de Biologia para os alunos de graduação, escutando, integrando e relatando as experiências que tiveram em relação ao ensino da Ciência. Isso fez com que percebessem o quanto é importante relacioná-la ao cotidiano. Depois, os graduandos caracterizaram o perfil da instituição registrando os relatos dos alunos em um diário de campo. O resultado apontou uma desmotivação geral do aprendizado escolar. A partir dessa aproximação, os alunos integrantes do Programa identificaram uma demanda por um ensino que abordasse temas mais ligados ao cotidiano das crianças e adolescentes. O projeto “A Ciência no Salão de Beleza” surgiu dessa necessidade de aproximação entre o saber científico e o dia a dia dos jovens de forma mais atrativa e dinâmica. O tema foi escolhido por se tratar de um assunto importante na rotina dos estudantes - e da população em geral - mas que recebe pouca atenção nos livros didáticos e nas salas de aula. Assim, o projeto buscou mostrar o quanto a Ciência está presente no cotidiano das pessoas, especificamente nos cuidados com o cabelo, a pele e as unhas. “A experiência em sala de aula mostrou que o cuidado com a aparência é um assunto recorrente


“A cutícula, na hora de uma briga, é uma proteção da unha” (Gabriela, 16 anos)

De cima para baixo: no salão de beleza temático os visitantes podem observar cortes reais de cabelo, pele e unha ao microscópio; o salão oferece gratuitamente serviços de cabeleireiro, massagista, manicure e maquiagem; no espaço há quebra-cabeças com ilustrações ampliadas de cabelo, pele e unha e espaço para desenhar

entre os jovens e, mais do que isso, é uma forma de expressar a própria identidade. Os diferentes cortes e cores de cabelo, as unhas multicoloridas, o uso da maquiagem e a preocupação com acne são típicos da adolescência, porém esse assunto tão significativo

para os jovens é tratado nos currículos e nos livros didáticos de Biologia de forma bem distante”, relata a pesquisadora. Primeiro, foi realizada uma pesquisa com os estudantes do ensino médio das escolas estaduais Governador Milton Campos (Estadual Central) e Instituto de Educação de Minas Gerais (Iemg) sobre suas dúvidas e curiosidades sobre o tema. “Pedimos aos alunos que montassem um questionário com perguntas sobre cabelo, pele e unha, o que resultou em um total de quatrocentas questões. Também pedimos que eles entrevistassem seus familiares e amigos e que desenhassem suas fisionomias, destacando os cabelos, pele e unhas no passado, presente e futuro. Recebemos cerca de cem desenhos e entrevistas. Muitos nos chamaram muita atenção, como uma aluna que disse “Meu cabelo é tudo na minha vida!”, reforçando a importância do tema para esses jovens”, relata. Após a análise do material, as perguntas mais frequentes foram selecionadas e a equipe se envolveu em uma extensa pesquisa sobre os aspectos biológicos e culturais acerca do assunto. Nessa etapa do trabalho surgiu a ideia de produzir um almanaque para divulgar os resultados da pesquisa. O almanaque foi escolhido por permitir a apresentação do tema sob diferentes olhares - cultural, científico, histórico - de forma lúdica e interativa. O Almanaque “Cabelo, Pele, Unha” foi elaborado com base no material produzido pelos alunos do ensino médio e nas pesquisas realizadas pela equipe do projeto. Cerca de oitenta questões colocadas pelos alunos foram respondidas, das quais vinte foram selecionadas. Além de responder às perguntas, o Almanaque focaliza aspectos sociais, étnicos, lúdicos e culturais. Assim, traduz uma dimensão humana na compreensão do corpo através de músicas, brincadeiras, histórias, textos, provérbios,

piadas, desenhos e depoimentos de professores, alunos, artistas e autores. “A realização do projeto também foi extremamente positiva e construtiva para a equipe, pois estimulou a reflexão e o desenvolvimento de estratégias alternativas para a divulgação científica, além do diálogo entre alunos do ensino médio, alunos da graduação e professores das escolas estaduais e da UFMG”, conta a pesquisadora. Mais de dez mil exemplares foram distribuídos em eventos diversos, contribuindo para transformar a prática pedagógica em um exercício de aprendizagem prazeroso. “A Ciência no Salão de Beleza é uma oportunidade para sentirmos na própria pele a importância da educação”, orgulha-se.

“O cabelo liso fica mais bonito, por isso eu faço escova” (Ana Caroline, 12 anos)

“Lembro do meu cabelo quando as meninas passavam a mão nele e gostavam” (Guilherme,13 anos)

Projeto: A Ciência no Salão de Beleza Coordenadora: Mônica Meyer Modalidade: Popularização da Ciência Valor: R$ 49.087

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Bom Exemplo 2011

A FAPEMIG participou de 11 a 15 de julho da ExpoT&C, feira de Ciência, Tecnologia e Inovação que compõe a programação da 63ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. É o terceiro ano consecutivo que a Fundação participa do evento, que é um dos maiores do País na área. A cada ano, a Reunião acontece em uma cidade diferente. Em 2011, foi a vez de Goiânia receber pesquisadores, acadêmicos e estudantes de todo o País.

Prêmio

CURTAS DA CIÊNCIA

FAPEMIG na SBPC 2011 Foram cinco dias de evento, com o tema central “Cerrado: água, alimento e energia”. O estande da FAPEMIG recebeu diariamente centenas de pessoas interessadas nos programas da Fundação. Durante o evento, foram distribuídos mais de 2 mil exemplares da revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Paralelamente, aconteceram a SBPC Jovem, com programação voltada para estudantes do ensino básico e a SBPC Cultural, com atividades artísticas regionais.

A FAPEMIG recebeu no último dia 20 de junho o Prêmio Bom Exemplo 2011, na categoria Ciência. O Prêmio, promovido pela Rede Globo e a Fundação Dom Cabral, tem o objetivo de valorizar o esforço, a pesquisa, o trabalho e a realização de pessoas e organizações. O presidente da FAPEMIG recebeu o prêmio das mãos do Reitor da UFMG, Clélio Campolina, autor da indicação. Em seu discurso, Borges agradeceu o reconhecimento do Governador Antonio Anastasia e do Senador Aécio Neves, quando Governador do Estado, pelo apoio constante e fundamental para o presente sucesso da Fundação. O presidente também dedicou o prêmio a todos os funcionários da FAPEMIG, pelo trabalho e empenho. Os agraciados foram escolhidos pelo júri entre 49 indicados. Na categoria Cidadania, o vencedor, Jorge de Morais Júnior, foi escolhido por voto popular. Morais Júnior é fotógrafo e foi escolhido por ensinar fotografia a crianças carentes e pelo trabalho no projeto “Olhar Coletivo”, que ensina a crianças do Aglomerado Santa Lúcia, em Belo Horizonte, técnicas de desenho e pintura.

Marco legal O presidente da FAPEMIG e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Mario Neto Borges, esteve no estande da Fundação na SBPC e, durante a Reunião, foi um dos debatedores da mesa redonda “Marco Legal para C&T&I”, na qual foram apresentadas propostas de mudanças para o marco legal de Ciência, Tecnologia e Inovação. Além de Borges, participaram da mesa o deputado federal Sibá Machado (PT-AC) e o secretário estadual de Ciência e Tecnologia do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti), Odenildo Sena. O Confap e o Consecti defendem a criação de um arcabouço legal específico para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação. Para Borges, a simplificação da legislação vigente é essencial para que ela se adeque às necessidades da Ciência e Tecnologia. Um Grupo de Trabalho formado por juristas de instituições ligadas ao Consecti e ao Confap vai elaborar uma proposta para apresentar ao Congresso, com sugestões de mudanças nas Leis que regem CT&I no País, com base nas principais reivindicações dos pesquisadores.

Blog Minas Faz Ciência Já está no ar, no endereço www.fapemig.wordpress.com, o blog Minas Faz Ciência, lançado para ampliar o Programa de Divulgação Científica da FAPEMIG. A proposta do blog é divulgar informações, incentivar o debate e mostrar que falar de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) não é apenas importante, mas também prazeroso. O blog é o mais novo componente de um projeto de divulgação científica que já tem mais de dez anos. Mantido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), o projeto MINAS FAZ CIÊNCIA também conta com uma revista de mesmo nome, trimestral e gratuita; com os podcasts Ondas da Ciência; e com as pílulas de TV Ciência no Ar. Todo esse material pode ser encontrado no blog, um espaço aberto para todos os internautas. Leia, participe, comente!

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LEMBRA DESSA?

À luz do laser Radiação eletromagnética consegue prever o escurecimento de batatas e auxiliar na reprodução de animais computador, como elemento de aquisição de dados, que puderam ser utilizados por nós em testes de movimentos do mouse, na tela do computador, por simulação de pessoas, com apenas movimentos dos olhos. Esta mesma tecnologia pode ser usada para o monitoramento da variação da artéria radial, um dos ramos da principal artéria do braço humano”, afirma. Novas frentes de Pesquisa estão em aprimoramento e em fase de testes com busca de aplicações bem como desenvolvimento da técnica. Uma nova área que já tem estudos em andamento é a Medicina (Medicina Veterinária), entretanto não é possível divulgar resultados por causa do processo de proteção intelectual. “Algumas patentes desenvolvidas pelo grupo já estão em processo avançado e prontas para uma transferência, como é o caso do medidor de motilidade em sêmen animal ou o do medidor de atividade de água em folha de cafeeiro. Outras proteções, porém, ainda estão em aperfeiçoamento, o que obrigaria um processo de transferência que envolvesse desenvolvimento conjunto”, acrescenta Braga.

“Temos resultados de aplicações publicados em raízes, frutos, biofilmes, folhas de café, além daqueles que estão em desenvolvimento e proteção, como na área de Medicina Veterinária. Já em fertilidade animal temos um protótipo funcionando na Ufla a fim de ser transferido para a iniciativa privada” Roberto Braga, coordenador do Centro de Desenvolvimento de Instrumentação aplicada à Agropecuária Foto: Arquivo / Cedia

Uma luz monocromática, coerente e altamente direcional é capaz de mostrar mais que os olhos apurados de um cientista podem ver: a predição de danos mecânicos em batatas antes de seu escurecimento (bruising). Essa facilidade, que só é possível com o laser, se aplicada na agropecuária pode evitar gastos extras e prejuízos para o bolso dos agricultores. A observação do material biológico, denominada biospeckle laser, foi tema de reportagem publicada na edição nº 16 da MINAS FAZ CIÊNCIA. Na ocasião, a pesquisa avaliava a aplicação da tecnologia em sementes e reprodução bovinas, equinas e ovinas e a Universidade Federal de Lavras (Ufla) havia conquistado a patente de co-titularidade do estudo em parceria com a FAPEMIG. Oito anos se passaram, novas aplicabilidades foram descobertas e a Universidade conseguiu por meio de financiamento público construir o Centro de Desenvolvimento de Instrumentação aplicada à Agropecuária (Cedia). Segundo Roberto Braga, coordenador do Centro, o grupo do Cedia (que conta com a participação direta e indireta de mais de 50 pessoas entre estudantes, pesquisadores da Ufla e do exterior) tem se empenhado em aprimorar o uso do laser e realizar testes em outros materiais orgânicos, e agora também em materiais não biológicos. “Temos resultados de aplicações publicados em raízes, frutos, biofilmes, folhas de café, além daqueles que estão em desenvolvimento e proteção, como na área de Medicina Veterinária. Já em fertilidade animal temos um protótipo funcionando na Ufla a fim de ser transferido para a iniciativa privada”, explica. Outros avanços obtidos por meio do laser e que estão prontos para uso de empresas é o mouse óptico que faz parte de um conjunto de métodos chamado de portabilidade. “Apresentamos recentemente uma proposta portátil de uso de mouse óptico de

Centro de Desenvolvimento de Instrumentação Aplicada à Agropecuária MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011

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CULTURA

Uma câmera na mão e o

Universo na cabeça A intensa relação entre Ciência e cinema ilumina a vida para muito além do aconchegante escurinho das salas de projeção Fabrício Marques e Maurício Guilherme Silva Jr.

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Criado em 1999, o Grupo de Teoria e História da Ciência (Scientia) funciona na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É composto por professores e alunos da UFMG e busca desenvolver e estimular atividades transdisciplinares de ensino, pesquisa e extensão em História e Filosofia da Ciência e da Tecnologia. Em 2005, foi criado o selo Scientia/ UFMG para as publicações do grupo.

No ano de 1874, o astrônomo parisiense Pierre Jules César Janssen (18241907) conseguiu capturar imagens sequenciais da passagem de Vênus em torno do Sol. Para tal, utilizou-se de revólver fotográfico que – de modo automático e sem a necessidade de intervenção humana – captava uma série de retratos seguidos. Além de ter contribuído para o avanço das pesquisas acerca dos astros, as experiências do pesquisador francês revelam hoje que, antes mesmo da clássica cena de trabalhadores a deixar a fábrica, imortalizadas pelas lentes dos irmãos Lumière em 1895, a possibilidade de captação da vida em movimento unia, numa mesma e instigante seara, as maravilhas da chamada “sétima arte” e os pressupostos do saber científico e tecnológico. Em outras palavras, o surgimento e a consolidação dos laços entre Ciência e cinema, duas das mais importantes criações do homem sobre a Terra, remonta ao próprio desenvolvimento – técnico e experimental – de ambas as atividades. Segundo o professor Bernardo Jefferson de Oliveira, pós-doutor em História da Ciência pelo MIT e um dos integrantes, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do grupo Scientia, tal profícua “vinculação” é bastante antiga. O pesquisador conta que, inspirado nas experiências de Pierre Jansen – e também antes dos Lumière –, o fotógrafo inglês Edward Muybridge montou uma “incrível sequência de fotografias da corrida de um cavalo, reproduzindo seu movimento em detalhes. Isso foi logo percebido como grande recurso para o estudo da fisiologia do movimento”, afirma. Em formato de arma, a câmara usada por Muybridge seria aprimorada pelo fisiólogo francês Etienne-Jules Marey, de modo a permitir, sem dificuldade, a mira e o acompanhamento de diversos movimentos, como o de uma ave em pleno voo. “Étude de la locomotion animale par la chrono-photographie, de Marey, foi publicado em 1887, a partir das análises propiciadas por este novo instrumento de pesquisa. Cientistas de outras áreas não tardaram a perceber as vantagens desse recurso e utilizá-lo. Algumas dessas experiências com ‘rolos de cronofotografias’ foram mostradas na

Academia de Ciências da França, no final da década de 1880”, completa. O professor Gabriel Cid de Garcia, coordenador do projeto Ciência em foco – ciclo permanente de palestras promovida pela Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais fascinantes temas para discussão diz respeito, justamente, aos limites e às tensões entre o cinema como técnica e como arte, ou espetáculo. “De que modo essa continuidade se insinua, e que descontinuidades ela pressupõe? O aparato do cinematógrafo é uma invenção que sintetizou, de fato, diversas ideias que já traziam em si um certo pensamento em torno do que era o cinema”, comenta. Muitos estudiosos, segundo ressalta o pesquisador, situam como célebre – anteriormente à ação dos cientistas – a passagem da República de Platão em que é desenvolvida a “alegoria da caverna”. Para Gabriel Cid, “o cinema nada mais é que uma espécie de caverna onde se projetam sombras que se confundem com o mundo. Precisaríamos supor uma realidade para além da caverna? Gosto desta imagem, pois nos remete, de saída, à relação do cinema com o pensamento. Os princípios da ótica que possibilitaram a câmera obscura, aliados à química da impressão fotográfica, permitiram aos cientistas um meio de captar o movimento de modo objetivo, como na técnica da cronofotografia, que impulsionava experimentos de Marey e Muybridge em torno da decomposição e análise do movimento de animais ou o estudo das fotografias que registravam as crises histéricas, de Albert Lande e Charcot”.

Arte do espetáculo

Afora as questões científicas, importante ressaltar que, ao longo do século XX, o cinema desenvolveu-se como grande ferramenta de entretenimento e, conforme ressalta Bernardo Oliveira, ganhou status de gênero artístico próprio, ao receber a alcunha de sétima arte. “Apesar disso, o registro cinematográfico continuou a servir como instrumento científico. Afinal, possibilitava vários tipos de experimentos e o registro de ocorrências em condições inóspitas ou não discerníveis a olho nu, permitindo observa-

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Imagens: divulgação

ções repetidas e análises detalhadas, com a separação de instantes”, ressalta. Na opinião de Gabriel Cid, apesar de muitos cientistas terem atuado ativamente, em suas áreas específicas, com pesquisas que colaboraram para a invenção do cinematógrafo, o interessante é pensar que o cinema não se configura como mero produto de laboratório. “Sua gênese deve-se, sobretudo, à contribuição determinante de outras camadas da sociedade, que desde muito se dedicaram às técnicas da ilusão do movimento, como os mágicos ilusionistas, artesãos e pessoas ligadas ao mundo do espetáculo”, afirma. Como exemplo, o coordenador do projeto Ciência em foco comenta a apropriação do invento de homens de ciência, como Kirchner e Huygens – a lanterna mágica – para os truques envolvendo a projeção de imagens, a fantasmagoria. “Do mesmo modo, o cineasta francês Georges Méliès inventou diversos truques e efeitos especiais que apelavam para o imaginário, distanciando-se da objetividade almejada pela Ciência”, completa.

Do laboratório à telona

Logo da Mostra de La Coruña e imagem de “Três semanas depois”, de José Luis Torres Leiva, ganhador edição do ano passado; o filme é uma meditação visual sobre a paisagem depois do abalo sísmico de fevereiro de 2010, no Chile, e faz parte do projeto 8,8, do artista chileno Fernando Prats

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Além do uso de técnicas e equipamentos cinematográficos como suporte à incansável busca dos pesquisadores pelo saber, é imprescindível considerar outra importante faceta da relação entre as duas áreas: há mais de um século, os cientistas – e suas dúvidas, desafios e descobertas – transmutaram-se em protagonistas de milhares de películas, da ficção científica ao drama, do documentarismo à comédia, do suspense ao terror. De 2001 – Uma odisséia no espaço a Blade runner, de O ponto de mutação a O óleo de Lorenzo, muitas foram as histórias que emocionaram milhões de cinéfilos, assim como lhes proporcionaram novas reflexões quanto ao papel e às responsabilidades da Ciência. Nas telonas, aliás, as peripécias do homem em busca do conhecimento e do domínio da natureza já apresentaram contornos os mais diversos. Apesar disso, tais filmes não ganharam o que se pode chamar de um gênero próprio: “Em geral pensamos em ‘ficções científicas’ porque ali a perspectiva científica é diretamente tematizada. Como na ópera os acontecimen-


tos são pretextos para o canto, nas ficções científicas quase tudo remete a uma explicação ou hipótese científica. Mas não creio que haja um gênero de filme mais adequado para se tratar da ciência”, comenta o professor Bernardo Oliveira. “As ciências sempre movimentaram a criação cinematográfica e, certamente, continuarão movimentando, constituindo-se numa verdadeira matéria-prima para os cineastas - entendendo matéria-prima como aquilo que permite a entrada num certo sistema, que cria uma brecha para experimentação, neste caso, uma abertura em sistemas de pensamento, funcionamento, produção e criação científicos”, observa Susana Dias, coordenadora do Mestrado em Divulgação Científica do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Susana ressalta que, pensado como obra de arte, o cinema não tem propriamente a intenção de divulgação/comunicação científica. Talvez tenha forte intenção de divagação científica e daí decorre sua potência para a divulgação, a comunicação e educação de/em ciências. “Exatamente porque o cinema propõe um levar as ciências para além dos seus limites, de suas determinações históricas, sociais, econômicas, culturais, para além dos clichês e das representações”, afirma a coordenadora. E completa: “Trata-se, para o cinema, de potencializar a criação junto às ciências, com elas, a partir delas, nelas. Não para criar novas ciências, mas para recolocar em jogo o que é Ciência, o que é conhecimento, o que é o humano, o que é a vida”. Nesse contexto, pode-se perguntar: afinal, de que forma a Ciência é, digamos assim, retratada nos filmes? “De muitos modos distintos, mas há sempre algo inquietante e perturbador nesse retrato, porque a Ciência retratada no cinema não apresenta uma correspondência direta com as ciências de laboratórios, as ciências das universidades, dos papers, dos projetos de pesquisa, dos produtos tecnológicos”, comenta Susana. Em seu ponto de vista, é importante pensar que quando se trata de Ciência e cinema não se trata de um olhar-se ao espe-

lho, mas um adentrar o espelho. “Como em Alice no País das Maravilhas. O cinema expõe a Ciência como Cultura, mergulhada numa trama de relações em que estão sempre em jogo as oposições entre real-ficção, humano-não-humano, natureza-cultura, espaço-tempo, passado-futuro etc.” Nesse sentido, a pesquisadora entende que vale a pena destacar que, quando se fala em ciência e cinema em geral, excluem-se as ciências humanas, dando ênfase às ciências exatas e naturais. “Mas uma das potencialidades do cinema é expor situações, problemas, acontecimentos cujas arestas tocam em diferentes áreas do conhecimento. Vemos explodir na tela questões híbridas e mutantes, conhecimentos cujos corpos são monstruosos”, frisa. Para o professor Gabriel Cid, a Ciência revela-se, assim como a Arte, uma forma de pensamento. “E quando a arte dialoga mais diretamente com ela, temos um momento importante, no qual ambas se pensam a partir deste diálogo. Por motivos culturais que dizem respeito à própria lógica da atividade científica, determinados filmes sempre trouxeram a imagem do cientista associada aos anseios e ideias que se projetavam sobre ele, normalmente como uma figura que exerce um domínio sobre a natureza e uma autoridade sobre outros discursos, geralmente deslocada, estranha, alheia aos assuntos cotidianos”, comenta. Apesar disso, como fruto das mudanças e revoluções culturais, tal imagem sofreu modificações importantes. Para Cid, é comum a realização de filmes que retratam os cientistas como pessoas que alcançaram um “domínio divino e interditado aos homens, e por isso precisam pagar o preço”. O pesquisador ressalta que, a partir da segunda metade do século XX, e na produção dos últimos anos, é possível perceber maior problematização do “lugar hegemônico dos discursos de autoridade e, dentre eles, o do discurso científico, com questionamentos envolvendo suas práticas em relação com os indivíduos e a sociedade. Discussões éticas envolvendo o corpo e a tecnologia, assim como tensões econômicas embutidas nas práticas científicas, são maneiras pelas quais se pode relativizar a ideia de

Imagens: reprodução

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Imagens: reprodução

progresso e balançar certos pilares até então tidos como sólidos ou naturais. Por isso, a importância das ciências humanas e das perspectivas que integrem olhares críticos em suas abordagens”, completa.

No Brasil e no mundo

“Deste modo, as Mostras de Ciência e Cinema querem propiciar um contato diferenciado com os filmes, em que a experiência do batepapo, do debate, da palestra, torna-se parte da experiência de assistir ao filme. Cria-se uma oportunidade de se pensar, além do que já mencionei, a linguagem cinematográfica, as imagens, sons e palavras que desfilam nas telas e seus efeitos junto ao público” Susana Dias, coordenadora do Mestrado em Divulgação Científica do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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Muitas são as iniciativas que buscam discutir cinema e Ciência. Para início de conversa, deve-se destacar “a enorme produção do Instituto Nacional do Cinema Educativo nos anos 1930 e 1940, com centenas de filmes produzidos por Roquete-Pinto e Humberto Mauro”, como chama a atenção Bernardo de Oliveira. Na opinião dele, esse interesse e o reconhecimento da importância de utilização desse veículo para a formação e discussão sobre a Ciência tem crescido nos últimos anos. A Casa da Ciência/UFRJ organiza um cineclube mensal em que exibe um filme que dialoga com Ciência, seguido de um debate com um pesquisador. A mostra Ver Ciência reúne filmes sobre esse tema. O Labjor da Unicamp também já organizou mostras sobre o assunto. “Exatamente porque no cinema a ciência aparece em meio à vida, à cultura, ao mundo, penso que os filmes se constituem em artefatos de divulgação-divagação científica que permitem ter acesso às ciências de modo contaminado, impuro”, diz Susana, do Labjor. Para ela, as mostras de ciência e cinema se constituem em espaços de experimentação desse afetar-se com a ciência quando ela vira cinema e torna-se outra coisa. Nas Mostras de Ciência e Cinema, em geral, não apenas é feita a exibição de filmes, mas costuma existir uma proposta de um bate-papo, de conversas com cientistas, com cineastas, debates com profissionais da mídia, palestras com estudiosos do cinema etc. “Deste modo, as Mostras de Ciência e Cinema querem propiciar um contato diferenciado com os filmes, em que a experiência do bate-papo, do debate, da palestra, torna-se parte da experiência de assistir ao filme. Cria-se uma oportunidade de se pensar, além do que já mencionei, a linguagem cinematográfica, as imagens, sons e palavras que desfilam nas telas e


seus efeitos junto ao público”, avalia a coordenadora. Mas as mostras, claro, não se restringem ao Brasil. Em La Coruña, na Espanha, por exemplo, acontece em outubro a 4ª Mostra Internacional de Cinema e Ciência. O programador do evento, Óscar Sánchez, conta que a Mostra quer ser um ponto de encontro para todas as pessoas que estejam interessadas pela divulgação da ciência. “De maneira singular, a Mostra esforça-se em abolir a fronteira arbitrária das ‘duas culturas’, a das artes e a das ciências, e estabelece contatos entre criadores e pesquisadores dos dois campos com a intenção de explorar as relações entre ambos os mundos. “Nestes três primeiros anos fomos definindo linhas de trabalho na Mostra”, explica Óscar. Elas podem ser assim resumidas: a revisão de clássicos do cinema para encontrar as “origens” do documentário científico; a celebração de atos que procuram conexões entre a Ciência e outros âmbitos da criação, como a Poesia e a Música; finalmente, a aposta clara pelos valores cinematográficos. “Nesse sentido, fugimos das produções ‘televisivas’ e procuramos cada vez mais obras com qualidade fílmica, que assumem riscos artísticos. De fato, boa parte dos filmes que programamos passaram antes por festivais de cinema de enorme prestígio mundial, como os de Veneza e Berlim”. Esses espaços, afinal, parecem apontar para o seguinte fato, lembrado por Susana Dias: “o cinema se apresenta como possibilidade potente para a divulgação científica quando não está ajustado e em perfeita conformidade com as ciências, quando não se propõe a expor ‘ideias justas, mas, justo, ideias’, como diz um filósofo que gosto muito, Gilles Deleuze ao pensar junto com o cineasta Godard”.

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Leia no blog

entrevistas na íntegra com os especialistas citados na reportagem. http://fapemig.wordpress.com

A ciência vai ao cinema

A pedido da reportagem, Bernardo de Oliveira, Susana Dias, Gabriel Cid de Garcia e Óscar Sánchez listaram, sem uma ordem hierárquica, filmes fundamentais, quando o assunto é Ciência. Olhos atentos e bom filme! A LISTA DE BERNARDO DE OLIVEIRA A vida continua (1993), de Roger Spottiswoode Dr. Fantástico ou como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba (1964), de Stanley Kubrick O ponto de mutação (1990), de Bernt Capra Galileu (1974), de Joseph Losey Freud além da alma (1962), de John Huston Gattaca (1997), de Andrew Niccol As palmas do Mr. Schultz Mauvais sang (1986), de Leos Carax O óleo de Lorenzo (1992), de George Miller Kaspar Hauser, de Werner Herzog A LISTA DE SUSANA DIAS “Posso citar alguns filmes, não necessariamente SOBRE ciência, mas que fazem proliferar possibilidades de pensar, sentir, ser afetado pelas ciências e pelo que se cria quando a ciência VIRA cinema”: O homem-elefante (1980), de David Lynch Blade Runner- o caçador de androides (1982), de Ridley Scott A mosca (1986), de David Cronenberg PI (1998), de Darren Aronofsky Matrix (1999), de Andy Wachowski e Lana Wachowski Tudo sobre minha mãe (1999), de Pedro Almodóvar X-Men (o primeiro, lançado em 2000), de Bryan Singer Shrek, de Andrew Adamson e Vicky Jenson (2001) A origem, de Christopher Nolan (2010) Wallace & Gromit - A Batalha dos Vegetais, de Nick Park e Steve Box (2005) A LISTA DE GABRIEL CID DE GARCIA Gattaca (1997), de Andrew Niccol Frankenstein (1931), de James Whale A mosca (1986), de David Cronenberg Contato (1997), de Robert Zemeckis Blade Runner- o caçador de androides, de Ridley Scott (1982), PI (1998), de Darren Aronofsky Síndrome da China (1979) de James Bridges Kenoma (1998), de Eliane Caffé O homem-elefante (1980), de David Lynch Os doze macacos (1995), de Terry Gilliam A LISTA DE ÓSCAR SÁNCHEZ Metrópolis (1926) e Uma mulher na lua (1929), de Fritz Lang O dia em que a terra parou (1951), de Robert Wise O enigma de Andrômeda (1970) e Sem rumo no espaço (Marooned, 1969), de John Sturges Gattaca (1997), de Andrew Niccol Microcosmos (1996) e Genesis (2004), de Marie Perennou e Claude Nuridsany The cave of forgotten dreams (2010), Encounters at the end of the world (2007), The wild blue yonder (2005), O homem urso (Grizzly man, 2005), The white diamond (2004), La soufriere (1977), de Werner Herzog L’hippocampe (1934) e Le vampire (1945), de Jean Painlevé Rivers of sand (1974) e Forest of bliss (1985), de Robert Gardner Nostalgia de la luz (2010), de Patricio Guzmán

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SOCIEDADE

A cultura negra no Norte de Minas Grupo de pesquisa faz o raio-x de uma comunidade quilombola na região Norte do Estado e descobre as particularidades de um povo Ana Flávia de Oliveira Em 2006, 28 integrantes do Grupo de Pesquisa em Cultura dos Processos Sociais do Sertão chegaram à comunidade quilombola de Agreste, que fica entre os municípios de Montes Claros e Janaúba, no Norte de Minas. O estudo é um dos que fazem parte do Grupo, criado há sete anos. “Foi um trabalho multidisciplinar com pessoas das áreas de Antropologia, Sociologia, Pedagogia, História e Artes Cênicas que trabalharam com aqueles moradores e a partir daí, 12 estão no mestrado desenvolvendo dissertações dentro desse tema, inspirado nesse trabalho”, conta. Foram pesquisados os hábitos e as percepções sociais de 113 famílias ao longo de três anos. As avaliações realizadas foram nos campos da cultura, identidade e educação étnica. O que

chamou a atenção dos pesquisadores foi a unicidade daquele povo. Nossas pesquisas foram baseadas nos princípios antropológicos de Geertz, que acredita que a sociedade não funciona sem uma cultura. “É como se a sociedade fosse um hardware e a cultura, um software. Sozinhos não funcionam”, revela o coordenador. Os trabalhos apontaram que todas as ações da comunidade têm o objetivo de manter o grupo coeso. Há alguns anos, a comunidade passou por expropriação territorial. Após a expulsão de suas terras, se reuniram no entorno da Igreja de Santo Antônio, o padroeiro local. Quem antes vivia em uma área de 20 alqueires, depois do acontecido teve que se contentar com um espaço de apenas dois alqueires, 90% menor. Economicamente,

todos passaram a depender de trabalho nas fazendas da região para sobreviver. “As áreas são tão pequenas, que não tem jardim e nem quintal nas casas, porém como são todos unidos e organizados, mesmo com a miséria de algumas famílias, é possível ver a organização estética na fachada das casas”, comenta o coordenador. A comunidade é reconhecida como quilombola pelo Governo Federal e por isso recebem ajuda financeira da União. Como resultado dessa parceria, os pesquisadores notaram ainda a qualidade do ensino oferecido na escola e no posto de saúde da comunidade. Outra característica do grupo é manter as relações sociais existentes e criar novos vínculos. Eles não deixam as tradições de lado, mas se adéquam as noFotos: Arquivo pessoal

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vas realidades. “Depois que perderam a independência financeira, a festa de Santo Antônio passou de 13 dias para dois porque atualmente são patrocinadas pelos fazendeiros e/ou políticos”, esclarece João Batista Costa.

História e cultura em Agreste A comunidade foi fundada por três irmãos. Eles casaram-se fora, voltaram com as mulheres para a região e lá formaram uma vila. Hoje, todos os moradores pertencem a esse tronco familiar. Em Agreste, a cultura também guarda particularidades. O batuque é diferente das outras comunidades porque o som (feito por tambores de lata e não de madeira) tem por finalidade estabelecer uma ligação com os antepassados. A identidade dos moradores também tem traços interessantes. Segundo os pesquisadores, eles buscam a autoafirmação e os contrastes frente a outros grupos locais. Se consideram negros “domesticados” (civilizados) ao contrário dos seus antepassados. “Se percebem como trabalhadores em contraste a comunidade vizinha de Vereda Viana, distante dez quilômetros, onde os moradores só plantam o que precisam para viver já que não dependem de patrão. Eles se consideram ainda um povo pacífico porque em outra comunidade (Quem Quem, em Janaúba) o índice de violência é alto por causa do uso de drogas”, explica Costa.

Porém, depois que o grupo de pesquisa passou a atuar na região, algumas coisas mudaram. Antes, os estudiosos constataram uma dominação simbólica do branco sobre o negro. A intenção, de acordo com o professor, não é negar a raça, mas sim, demonstrar a dominação simbólica e viver em harmonia. “Quando chegamos à escola, os cartazes todos tinham fotografias de pessoas brancas. As crianças não se reconheciam como negras. Ser negro era um xingamento. Trabalhamos isso com eles e tivemos bons resultados”, afirma. Ainda na área de educação, o grupo treinou os professores e criou um novo Projeto Político Pedagógico para que a escola tivesse a cara da comunidade.

ficha técnica Projeto: “Negros do Norte de Minas: cultura, identidade e educação étnica” Coordenador: João Batista Almeida Costa Edital: Valor: R$

A união dos grupos se confirma nos encontros periódicos em que discutem as rotinas das comunidades. Os moradores de Agreste pertencem ao mesmo núcleo familiar composto por três irmãos que fundaram a comunidade MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011

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“Superstição LEITURAS

Crenças na Era da Ciência”

As crenças supersticiosas também podem ser consideradas um distúrbio natural da infância. Como a aprendizagem é tão importante para a sobrevivência, o cérebro da criança é extremamente receptivo. O cérebro é, em grande medida, uma tábula rasa, uma folha em branco, particularmente receptivo à linguagem, porém também vulnerável a explicações supersticiosas acerca do mundo. Mas por que algumas pessoas conseguem livrar-se das superstições após a puberdade de uma maneira bem mais fácil do que outras? Será que a resposta se encontra no genoma humano?

O professor de física na Universidade de Maryland, Robert L. Park quase morreu ao ser atingido por um imenso carvalho-vermelho, em uma floresta dos Estados Unidos. Tempos depois, aos 70 anos, ele se encontrou no mesmo local com dois padres católicos, que se tornaram seus amigos. As conversas de Park, ateu, com os religiosos deram início ao processo intelectual que levou à produção de “Superstição – Crenças na Era da Ciência”. O ponto central do livro é tentar entender que as crenças supersticiosas dos seres humanos com frequência estão enraizadas em nossos primeiros anos de existência, ao período em que estamos aprendendo nossa primeira língua. Como cientista que é, Park passeia por diversos temas, sempre tentando encontrar fatos, evidências e nexo entre causa e efeito para sustentar qualquer tese. Assim, aborda a contradição entre termos da existência de cientistas de fé, a força da teoria da evolução por seleção natural de Darwin em contraponto ao mito da criação, fé em milagres e na oração, a procura pela alma, vida após a morte, o Deus

vingador que não impede que tsunamis façam inocentes sofrerem, seitas como a Nova Era, o misticismo quântico, corpos que curam a si próprios, o efeito placebo, e, finalmente, o fato de que a diferença entre o certo e o errado se dá por instinto. Park mostra, com muitos exemplos, como se dá, pelos que misturam poder, política e religião, a caçada ideológica para conquistar corações e mentes, e demonstra passear com segurança em diversos campos do saber. A seu modo, faz a sua profissão de fé na Ciência, “o único modo de conhecimento – todo o resto é meramente superstição”. Livro: “Superstição – Crenças na Era da Ciência” Autor: Robert L. Park Tradução: Beth Honorato Editora: Unicamp Título original: Superstition: Belief in the Age of Science Páginas: 312 Ano: 2011

“Quântica para iniciantes”

Um marco na história da iluminação é a invenção da lâmpada elétrica incandescente, que converte energia elétrica em duas outras formas de energia – a térmica e a luminosa. Essa invenção ocorreu na década de 1840, quando se descobriu que um filamento de algodão carbonizado, percorrido por uma corrente elétrica, se aquecia até o ponto de emitir luz. A lâmpada incandescente só foi difundida a partir de 1879. Nesse ano, Thomas Edson aperfeiçoou a lâmpada, ao retirar o gás oxigênio do interior do bulbo de vidro da lâmpada, a fim de evitar que o filamento se queimasse na presença de ar.

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A proposta deste livro é investigar a luz emitida por diversas fontes, além de explorar, na prática, materiais semicondutores e suas aplicações. Nesse contexto, procura responder questões como, por exemplo: como funciona uma lâmpada fluorescente? Como é possível que materiais brilhem no escuro sem estar conectados a uma fonte de energia aparente? A estrutura do livro permite que possa ser usado por professores e alunos de Ciências, em sala de aula, como material paradidático e fonte de referência para projetos de Feiras de Ciência, entre outros usos. Ricamente ilustrado, é um bom instrumento para o ensino da Física Quântica e da Química Quântica na Educação Básica. A proximidade entre essas duas Ciências é destacada no livro, que oferece ainda atividades do tipo “mão na massa”. “Quântica para iniciantes” nasceu de um trabalho iniciado em 2007, com a produção de uma série de atividades a fim de que estudantes da Educação Básica pudessem conhecer dispositivos que compõem aparelhos eletrônicos

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utilizados em seu dia a dia, cujo funcionamento envolve a compreensão de conceitos e teorias da Física Quântica. Atualmente, integra o projeto responsável pelo portal Pontociência, voltado para a produção e à divulgação de atividades práticas de Química, Física e Biologia para os Ensinos Fundamental e Médio. O leitor encontrará, no livro, diversas atividades de investigação relacionadas a semicondutores, textos e ilustrações que explicam fenômenos observados nessas investigações e, ainda, a proposta de seis projetos que utilizam materiais amplamente disponíveis e de baixo custo. Livro: “Quântica para iniciantes: investigação e projetos” Autor: Helder F. Paula, Esdras Garcia Alves e Alfredo Luis Mateus Editora: UFMG Páginas: 204 Ano: 2011


Carlos Afonso Nobre é secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). A participação de Nobre é um dos destaques da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, que acontecerá de 17 a 23 de outubro de 2011, com o tema “Mudanças climáticas, desastres naturais e prevenção de riscos”.

Qual o desastre natural mais preocupante do Brasil atualmente? O que pode ser feito para contê-lo? O tipo de desastre natural que provoca o maior número de vítimas fatais no Brasil são os deslizamentos de massa em encostas. Representam cerca de 11% do total de desastres naturais com vítimas, mas respondem por mais de 70% das mortes. Diminuir o número de vítimas dos deslizamentos requer ações de várias naturezas. Em primeiro lugar, impedindo a expansão urbana em áreas de encosta com risco de deslizamentos. Em segundo lugar, removendo populações de áreas com risco acentuado, e, onde possível, realizar obras de contenção de encostas e urbanização. Por último e não menos importante, implantar um sistema eficiente de alertas de risco iminente de deslizamentos de modo a permitir que as pessoas deixem as áreas de risco e se dirijam a locais seguros, prevenindo mortes.

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Em desastres como o ocorrido na Região Serrana do Rio de Janeiros, em 11 e 12 de janeiro de 2010, qual a parcela de “culpa” da natureza - se podemos colocar assim? Eventos extremos de chuvas, como esse, fazem parte da variabilidade natural do clima. O aquecimento global de origem antropogênica de modo geral pode causar a intensificação das chuvas pelo fato de que atmosfera mais aquecida consegue carregar mais vapor d›água, que é o “combustível” das chuvas. Entretanto, não é possível debitar ao aquecimento global a severidade de eventos individuais de chuvas intensas. A longo prazo, devemos esperar um número maior de tais

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eventos. É importante notar que, de modo geral, deslizamentos em encostas fazem parte de processos naturais geodinâmicos. Porém, ações humanas - como desmatamentos de encostas, ocupação de topos de morros, estradas e mudanças das rotas naturais de escoamento das águas -tornam tais fenômenos muito mais frequentes e devastadores. Em relação à meteorologia, quais os principais avanços nessa área que se podem constatar no Brasil? A meteorologia brasileira avançou muito nas últimas duas décadas, principalmente na sua capacidade de previsões de tempo com índices de acerto não muito diferentes daqueles observados em países desenvolvidos para previsões com alguns dias de antecedência. O elemento estrutural da modernização da meteorologia brasileira foi a criação do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), no âmbito do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Este centro introduziu a moderna ciência meteorológica no país. Avançamos algo menos na modernização dos sistemas de observação das variáveis meteorológicas, que são importante elemento para boas previsões de tempo. Há muito a ser feito neste aspecto, onde os investimentos são vultosos para dotar o país de redes de observação adequadas.

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O que é modelagem climática? O senhor pode dar um exemplo prático de uma pesquisa nesta área da qual tenha participado? Modelagem climática é a capacidade de desenvolver modelos computacionais que

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representem o funcionamento do sistema climático global ou regional. O Brasil vem desenvolvendo um grande esforço para desenvolver um modelo climático global que represente o estado-da-arte mundial no assunto. Trata-se do Modelo Brasileiro do Sistema Climático Global (MBSCG), projeto coordenado pelo Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Inpe. Em 2012, este modelo estará à disposição da comunidade científica brasileira e internacional para realizar estudos sobre cenários futuros de mudanças climáticas de interesse nacional. Por exemplo, será possível estabelecer como os fatores deflagradores de desastres naturais, como chuvas intensas ou secas severas, irão se modificar em resposta ao aquecimento global. É possível fazer alguma previsão sobre as mudanças climáticas que devem ocorrer no país mais significativas, que tenham relação antropófica (ou seja, com a ação do homem)? Projeções de mudanças climáticas ainda encerram incerteza quando aplicadas em escala regional. Outra fonte intrínseca de incerteza advém de não sabermos como serão as trajetórias futuras de emissões de gases de efeito estufa, que são a principal causa do aquecimento global antropogênico. Feitas tais ressalvas, podemos dizer que os cenários climáticos futuros para o território brasileiro indicam um aumento acentuado das temperaturas entre 2,5 a 5 Co até o final do século, sendo o aumento maior no interior do continente, especialmente na Amazônia.

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5 perguntas para...

Carlos Nobre


oferecem forquilhas com tamanho suficiente para sustentar estruturas que podem chegar a 3m de diâmetro. Floresta Nacional de Carajás, Pará

A harpia constrói seus ninhos em árvores emergentes, com alturas entre 35 e 50 m. As maiores árvores

varal

O fotógrafo mineiro João Marcos Rosa lançou em 2010 o livro de arte “Harpia” (Vale/Nitro). Esta foto, inédita, foi cedida especialmente para a MINAS FAZ CIÊNCIA.

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