MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br
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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Mario Neto Borges Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de Abreu Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira Conselho Curador Presidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos, Marilena Chaves, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli
Em 2011, durante palestra sobre seu (então) recém-lançado livro, o neurocientista Miguel Nicolelis, pesquisador da Universidade de Duke, na Carolina do Norte (EUA), onde é diretor do laboratório de Neuroengenharia, fez uma previsão ambiciosa: o pontapé inicial do jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014 será dado por um adolescente tetraplégico, usando um exoesqueleto (veste robótica controlada por pensamentos). A um ano do campeonato esportivo, a cena ainda é uma promessa, aguardada com expectativa. Mas a imagem nos ajuda a dimensionar o quanto a ciência, a tecnologia e a inovação podem contribuir para a superação dos limites do corpo humano na prática esportiva. Próteses e dispositivos, como esse imaginado por Nicolelis, são, talvez, a maneira mais direta de enxergar a ciência nos esportes. Pesquisas voltadas para esportes paraolímpicos envolvem o estudo de protocolos de treinamento, equipamentos para melhorar o condicionamento físico e desenvolvimento de novos produtos para as modalidades disputadas. Mas os avanços científicos e tecnológicos estão presentes também no maior entendimento do corpo humano, no uso de modelos e simulações para alcançar melhores resultados e nos aparelhos que ajudam a melhorar a perfomance – desde um par de tênis até um “supertraje”. A reportagem especial desta edição explora esse universo. E propõe uma discussão não apenas sobre os efeitos benéficos da associação entre ciência e esportes, mas, também, sobre o aspecto ético da busca pela superação. Afinal, essa questão passa pelo consumo de substâncias ilegais – elas próprias aperfeiçoadas pela ciência – e pela oferta das tecnologias de forma democrática. Outro destaque é um estudo desenvolvido pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um grupo de pesquisadores visitou bairros degradados de várias cidades mineiras e analisou aspectos como ocupação do bairro, questões históricas e culturais, realidade local, entre outros. A partir dessas informações, elaborou propostas de recuperação que respeitam as características de cada comunidade. Por meio de parcerias com os setores público e privado, alguns projetos já saíram do papel, gerando oportunidades para o espaço físico dos bairros e para as pessoas que nele habitam. Na área da saúde, vale a pena conferir o trabalho de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa, que aprimoram o tratamento para recuperação de lesões na córnea de animais. Eles desenvolveram um biomaterial que substitui a tradicional sutura, eliminando efeitos colaterais e garantindo a melhor recuperação. Já no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), os avanços beneficiam animais e humanos. Um grupo de pesquisadores testa uma vacina de uso veterinário contra a esporotricose, infecção fúngica que pode ser transmitida por gatos. Produzida a partir da atenuação do patógeno por doses de radiação, a vacina irá imunizar os animais e, com isso, interromper o ciclo de transmissão da doença. Na seção de cartas, uma novidade. Nas próximas edições, publicaremos fotos de leitores da MINAS FAZ CIÊNCIA e um pequeno relato de sua experiência com a publicação. Queremos, com isso, conhecer um pouco mais nossos leitores e compartilhar experiências dentro dessa comunidade que se interessa por e que valoriza a ciência, tecnologia e inovação. As fotos podem ser enviadas para revista@ fapemig.br. As que não forem publicadas na revista estarão em nossa fanpage no Facebook. Participe você também! Vanessa Fagundes Diretora de redação MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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AO LEI TO R
EX P ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA Diretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr. Redação: Ana Flávia de Oliveira, Ana Luiza Gonçalves, Marcus Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva Jr., Vanessa Fagundes, Virgínia Fonseca e William Ferraz Diagramação: Fazenda Comunicação Revisão: Sílvia Brina Projeto gráfico: Hely Costa Jr. Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing Montagem e impressão: Rona Editora Tiragem: 20.000 exemplares Capa: Hely Costa Jr.
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Um dos principais nomes da pesquisa sobre narrativas transmedia, Carlos Scolari fala à MINAS FAZ CIÊNCIA
Saúde
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Saneamento
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Ecologia
Especialistas da Universidade Federal de Viçosa criam método para tratar lesões na córnea de animais
Química
Espectroscopia Raman é o nome da técnica capaz de múltiplas aplicações, da análise de superfícies à identificação de componentes líquidos
Arquitetura
Por meio do Programa de Arquitetura Pública, estudiosos da UFMG auxiliam cotidiano de moradores mineiros
A ciência e a tecnologia ajudam atletas a superar obstáculos e a vencer os limites do corpo
Professores da Ufop e da UFMG avaliam processo de eliminação de resíduos sanitários do esgoto
Na Zona da Mata mineira, refinaria ecológica de carvão libera resíduos gasosos sem componentes tóxicos
LEMBRA DESSA?
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5 PERGUNTAS PARA...
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Pesquisa do CDTN revela idade, níveis de pureza e direção de deslocamento de mananciais subterrâneos
Poeta e pesquisadora Ana Elisa Ribeiro comenta o uso de novas tecnologias em sala de aula
Engenharia ambiental
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ESPECIAL
Pesquisadores estudam vacinas radioatenuadas para o combate de infecções fúngicas de importância médica
45 Engenharia biomédica
Diagnóstico detalha incidência de microcontaminantes e bactérias nas águas da bacia do Rio Doce
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33 Veterinária
Cidadãos com deficiência são beneficiados por tecnologias assistivas desenvolvidas no Sul de Minas
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ENTREVISTA
Confira artigo do professor Sérgio Braga sobre as manifestações populares no Brasil e novidades do blog Minas faz Ciência
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Comunicação
Por que é difícil a consolidação da grande imprensa em Minas Gerais, apesar da relevância do estado no contexto nacional?
em design institucional. Além disso, fico sempre instigada a lê-la até o fim. Maíra dos Anjos
CARTAS
Soube de MINAS FAZ CIÊNCIA por meio de meu professor de Química. Achei bem interessante a edição que ele levou para que conhecêssemos. Gostaria muito de assinar a revista, que poderia melhorar meus conhecimentos, além de me ajudar nos trabalhos de escola. Izabella Brandão de Souza Estudante Juiz de Fora/MG
Super esclarecedora e interessante a reportagem [“Lama depois do banho. Por que seu cão faz isso?”, publicada em 8 de maio de 2013]. Adorei! Ainda temos muito a aprender. Parabéns! Luzinete, por meio blog Minas Faz Ciência
arquivo pessoal
Venho comunicá-los minha satisfação quanto à revista MINAS FAZ CIÊNCIA, publicação sempre muito bem diagramada, com matérias interessantes e relevantes ao universo do jovem universitário. O projeto gráfico muito me satisfaz. Como estudante de design gráfico, considero-a referência
Kelly da Silva Dias, de Carmo do Cajuru, no Centro-Oeste mineiro, acompanha cada edição de MINAS FAZ CIÊNCIA. Professora de biologia, ela transmite ao filho, André, o gosto pela leitura e pela ciência. “Depois que meu marido e eu lemos, levo a revista para a casa da minha mãe e a família toda lê”, conta. Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/ empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080
MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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ESPECIAL
Quando o saber entra em campo Além de colaborar com a evolução do esporte, ciência instaura dilemas éticos por questionar os limites do homem – dos atletas de fim de semana aos campeões olímpicos Maurício Guilherme Silva Jr.* Vanessa Fagundes
*Colaborou Virgínia Fonseca
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Precisamente às 6h15, com o soar dos acordes de sua canção predileta, ela abre os olhos ao novo dia. De bom humor, e já com o smartphone em mãos, cancela a melodia que lhe despertara, põe a roupa de ginástica – feita com tecido especial, capaz de amenizar a temperatura corporal – e calça o tênis, cuja estrutura foi arquitetada para não lhe agredir os pés. Já na academia, com a garrafinha térmica em mãos, sobe na esteira eletrônica, equipamento que, além de impedir impactos nos joelhos do usuário, revela tudo em detalhes: distância percorrida, frequência cardíaca, calorias eliminadas e ritmo de passadas. Findo o exercício aeróbico, chega a vez da musculação, atividade realizada em aparelhos inteiramente cambiáveis, aptos a se adequar às especificidades físicas dos indivíduos. Por fim, sob a ducha de alto impacto, aprecia os músculos massageados e imagina – satisfeita – os anos de vida que acabara de conceder ao próprio corpo. A protagonista da historieta acima, caro leitor, é fictícia. Cenários, exercícios e objetos, porém, fazem parte da rotina de milhões de atletas – profissionais ou amadores – em todo o mundo. Trata-se de pessoas acostumadas a buscar, nos progressos da ciência e da tecnologia, os estímulos para que a prática de esportes se torne cada vez mais simples, eficaz e prazerosa. “As pesquisas têm proporcionado avanços em intervenções mais efetivas para prevenção e reabilitação de lesões, recuperação de atletas e melhoria das performances. De forma positiva, a ciência proporciona ferramentas e informações que auxiliam os profissionais do esporte na tomada de decisões”, ressalta a fisioterapeuta Natalia Franco Netto Bittencourt, pesquisadora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (EEFFTO/UFMG). A ênfase na ideia de que a adequação de métodos e ferramentas relaciona-se, diretamente, às escolhas pessoais de atletas e técnicos faz com que o depoimento da especialista defina, com propriedade, a atual relação entre desenvolvimento científico e prática esportiva. Tal princípio, compartilhado pelo professor Emerson Silami
Na edição nº 53 de MINAS FAZ CIÊNCIA, confira reportagem sobre a estudante mineira, vencedora do Prêmio Jovem Cientista 2012, que desenvolveu tal tecido inteligente. Garcia, diretor da EEFFTO/UFMG, também se traduz no fato de que o auxílio da ciência ao esporte já se apresenta, como prática cotidiana, nos treinamentos da maioria das modalidades olímpicas – principalmente, entre profissionais das chamadas “potências”, os países que mais ganham medalhas em competições mundiais. “Grandes resultados esportivos resultam de um conjunto de fatores, que dizem respeito ao perfil genético dos atletas, à qualidade dos treinos, da nutrição e da recuperação, aos estímulos e à motivação, ao reconhecimento social e ao material utilizado”, destaca. Por trás das investigações em torno de tantos detalhes, a dúvida permanece como “mola propulsora” dos trabalhos a serem realizados. “Toda pesquisa é motivada por incertezas e pela busca de respostas a uma série de questões. Muitas vezes, contudo, encontram-se diferentes alternativas para o mesmo problema”, ressalta Emerson Silami, ao destacar que isso ocorre em função de um mesmo desafio estimular soluções as mais diversas. “Pode ser, ainda, que a metodologia usada não seja a mais adequada ou que nenhuma das respostas sirvam de solução correta para o problema”. No caso dos esportes, além da conversão de dúvidas em hipóteses científicas, a procura de solução aos desafios leva a outras inúmeras incertezas – que, por sua vez, acabam por exigir novos estudos. “Como exemplo, lembro que os resultados de pesquisa em torno dos efeitos de diferentes tipos de treinamento físico sobre a força muscular masculina podem se distinguir bastante das respostas colhidas em análise similar, mas feita apenas com mulheres”, comenta o professor da UFMG, instituição, aliás, onde as investigações multifacetadas iniciaram-se na década de 1970. Também no ver do sociólogo e jornalista Juca Kfouri – um dos mais aclamados comentaristas esportivos do país –, as cer-
tezas, em regra, costumam conduzir ao insucesso, não apenas no que diz respeito às pesquisas científicas, mas, principalmente, à trajetória dos atletas. “Que os digam as incontáveis histórias em que o vencedor antecipado foi fragorosamente derrotado. A dúvida, ao contrário, estimula a competição, a começar pela vontade de superar a si mesmo”, completa.
Treinos e reabilitação
O que dizer, porém, das perspectivas do desenvolvimento científico ligado ao esporte? Na UFMG, segundo Emerson Silami, os horizontes são bastante promissores. “Por meio de financiamento entre a Universidade, a Secretaria de Estado do Esporte e da Juventude de Minas Gerais e o Ministério do Esporte, estamos construindo o Centro de Treinamento Esportivo (CTE), um núcleo de ciências aplicadas ao esporte que reunirá docentes-pesquisadores de vários cursos e permitirá, além de vasta produção científica, a formação de recursos humanos”, explica o professor, ao afirmar, ainda, que o CTE Na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, as pesquisas aplicadas ao esporte iniciaram-se como fruto do trabalho pioneiro dos professores Sílvio Raso e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues. À época, já se realizavam estudos, com atletas de múltiplas modalidades, no Laboratório de Fisiologia do Exercício (Lafise). A partir dos anos 1980, com a criação do programa de Pós-Graduação em Ciências do Esporte, e, especificamente em 1996, com a fundação do Centro de Excelência Esportiva (Cenesp), as investigações acadêmicas avançaram de modo significativo. Tempos depois, surgiria o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, por meio do qual foram implantados laboratórios e linhas de pesquisa, hoje responsáveis pela produção de vasto volume de artigos, apresentados em periódicos e eventos nacionais e internacionais. Destaque, ainda, para o atendimento à comunidade externa, com ênfase no trabalho com atletas de alto desempenho.
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oferecerá orientação multidisciplinar aos atletas brasileiros, para que melhorem a composição de seus treinamentos. Ligada ao Laboratório de Prevenção e Reabilitação de Lesões Esportivas da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, Natalia Franco atenta para outra importante vertente do relacionamento entre esporte e ciência: a recuperação de indivíduos que passaram por graves problemas de saúde. “Baseado em evidências científicas, e de forma segura, um fisioterapeuta é capaz de acelerar a reabilitação de um atleta, assim como de diminuir seu tempo de afastamento e, consequentemente, reduzir os prejuízos físicos, psicológicos, técnicos e financeiros resultantes da lesão”. Outra efetiva vantagem dos avanços do conhecimento está, segundo a pesquisadora, na transformação da natureza das decisões relativas à prática esportiva dos indivíduos, que, agora, são observados por equipes multidisciplinares. Natalia explica que, atualmente, nas modalidades de alto rendimento, a troca de informações entre áreas – Preparação física, Fisiologia, Medicina, Fisioterapia etc. – revela-se imprescindível à prevenção de lesões ou à melhoria de performances. Iniciativa exemplar do uso da ciência em prol do esporte (veja box com outros casos na página 9), conforme lembra Juca Kfouri, ocorreu com o time de futebol do São Paulo, que, na Taça Libertadores de 1992, jogaria na cidade boliviana de Oruro, localizada a cerca de 4 mil metros acima do nível do mar. “O fisiologista do time resolveu levar o time para fazer testes na Escola Paulista de Medicina, numa câmara que simulava os efeitos da altitude”, conta. Após a atividade, diagnosticou-se que, no país vizinho, certos jogadores brasileiros não suportariam mais do que meio tempo em campo. “Por outro lado, constatou-se que um único atleta, o Palhinha, poderia jogar os 90 minutos – ou até um pouco mais – sem sentir nada. Resultado? O São Paulo ganhou por 3 a 0, com três gols do jogador”, recorda-se Juca.
Quem quer dinheiro?
A Copa do Mundo de Futebol será realizada, em 2014, no Brasil. Para os jogadores das seleções participantes, o evento terá uma
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novidade: a Fifa passou a adotar o passaporte biológico como forma de combater o doping. O “documento” é um perfil genético dos atletas produzido a partir de amostras de sangue e de urina, que permitem montar um banco de dados com informações como nível de hormônios, de esteroides e características hematológicas. As informações são armazenadas e servirão como referência, podendo ser comparadas a testes antidoping realizados no futuro. Ou seja, se houver variação de substâncias em coletas posteriores, o esportista será investigado para justificar a alteração. Caso contrário, pode ser julgado como usuário de doping. Ao contrário dos exames convencionais, no qual se detecta a substância proibida no sangue ou na urina de um atleta, o passaporte biológico ajuda a descobrir os efeitos do doping no organismo. Ele já é usado por outras entidades esportivas, como a União Ciclista Internacional, a Federação Internacional de Atletismo e a Federação Internacional de Tênis. Um teste foi realizado com as equipes participantes da Copa das Confederações, ocorrida em junho de 2013, com o objetivo de começar a desenvolver os perfis dos atletas. O uso de substâncias proibidas para melhorar a performance – e o desenvolvimento de técnicas para identificar e combater essa prática – também estão ligados à aplicação dos avanços científicos e tecnológicos no campo dos esportes. Natalia Franco aponta, por exemplo, a existência de profissionais acostumados a usas as tecnologias para ampliar os limites do corpo. “Nestes casos, em nome de bons resultados e de mais recursos financeiros, essas pessoas acabam por se distanciar da ética esportiva”, denuncia.“Muitas vezes, pergunto-me se não seria o caso de liberar tudo, já que parece claro não existir atleta de alto rendimento que, um dia, sabendo ou não, não tenha sido dopado para melhorar sua performance”, opina Juca Kfouri, ao destacar, ainda, o perigoso “jogo” do dinheiro: “Infelizmente, a ética é esmurrada pela ganância promovida pelo esporte e seus recordes e medalhas e troféus. O esporte de competição, além de não fazer bem à saúde, só foi exemplar mesmo na frase hoje ridicularizada do Barão de Coubertin”, ironiza, em referência ao “pai” dos jogos olímpicos modernos.
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Na visão de Emerson Silami, os principais dilemas não se referem, necessariamente, às atividades científicas ou ao campo da ética. “Alguns pesquisadores podem não seguir preceitos éticos, como já ocorreu muitas vezes na história, mas isto não diminui a importância da ciência”, esclarece. Com relação ao uso de drogas para melhoria do desempenho esportivo, o professor acredita que as autoridades do esporte já fizeram sua parte, ao tomar uma decisão há várias décadas. “Atletas pegos usando drogas são punidos exemplarmente, com penas de suspensão que podem chegar a quatro anos ou, mesmo, à eliminação do esporte. Isto tem acontecido com frequência”, completa Emerson Silami. Com relação ao consumo de suplementos alimentares – o que inclui bebidas esportivas –, o pesquisador diz não existirem evidências científicas de que elas sejam eficazes. “As ‘pesquisas’ usadas como fundamentação para estes produtos são de qualidade duvidosa”.
Alta performance Nos esportes paraolímpicos, as contribuições da ciência e da tecnologia são variadas. Elas estão presentes nos sistemas de treinamento que ajudam o atleta a atingir seu potencial; na adaptação dos equipamentos usados em cada modalidade, garantindo melhor desempenho e resultados; e nos modernos dispositivos e próteses, como aquelas que permitiram ao brasileiro Alan Fonteles conquistar quatro medalhas – três ouros e uma prata - no A origem dos esportes paraolímpicos relaciona-se ao fim da Segunda Guerra Mundial. O término do conflito deixou como herança um grande número de ex-combatentes com lesões corporais. Isso influenciou o início de um trabalho de reabilitação médica e social, como forma de restabelecer a saúde física e mental dos veteranos de guerra. As primeiras competições esportivas ocorreram na década de 1960 e, em 1989, foi criado o Comitê Paralímpico Internacional. Hoje, 28 modalidades compõem o programa dos Jogos Paralímpicos.
mundial de atletismo paraolímpico disputado em Lyon (França), no mês de julho, e bater o recorde mundial dos 200 metros da categoria T43 (biamputado das pernas). “A pesquisa em esportes paraolímpicos é muito importante. Apesar de os atletas brasileiros conseguirem excelentes resultados, a área ainda é carente de bons equipamentos e locais de treinamento”, aponta Cleudmar Amaral Araújo, pesquisador da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Na Universidade, um grupo multidisciplinar está envolvido com o projeto que promete ser um dos mais importantes centros de pesquisa sobre esportes paralímpicos do Brasil, o Núcleo de Reabilitação/Reabilitação de Esportes Paralímpicos (NH/Resp). O NH/Resp é um dos núcleos de tecnologia assistiva aprovado em edital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação como parte do programa “Viver sem Limites”, do governo federal. Ele envolve pesquisadores não só da UFU, mas também de outras universidades, empresas e associações. “São mais de 30 profissionais de áreas como educação física, medicina, odontologia, fisioterapia e engenharias mecânica, de produção e mecatrônica”, conta Araújo. O objetivo é desenvolver atividades de pesquisa com foco em pessoas com deficiência na área de esportes paraolímpicos, melhorando a performance e a inclusão. Um dos projetos é o ergômetro para cadeirantes, que avalia a condição física e pode ser utilizado em treinamentos para melhorar a eficiência muscular, para exercícios de fisioterapia e avaliações cardiológicas. Sua vantagem é simular a condição real de funcionamento de uma cadeira de rodas, como o movimento que um atleta paraolímpico faz. O produto, que possui patente, pode ser utilizado em esportes como basquete, tênis e rúgbi, cujos atletas utilizam a cadeira de rodas para locomoção. Outro trabalho se dedica a aprimorar os apetrechos utilizados na bocha. Na modalidade paraolímpica, competem paralisados cerebrais severos que utilizem cadeira de rodas. O objetivo é lançar bolas coloridas o mais perto possível de uma bola branca chamada de jack (ou bolim, no MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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Brasil). Para o lançamento, é permitido o uso de uma calha, que direciona a bola. O grupo do NH/Resp está projetando novos modelos do aparato, de forma a incrementar o desempenho e oferecer uma opção ao produto disponível no mercado, que é importado. Para isso, eles contam com a ajuda dos treinadores, que relatam as dificuldades e apresentam as demandas. “Hoje, as pesquisas relacionadas a esportes paraolímpicos são feitas de forma isolada. O NH/Resp vai agregar essas pessoas e conhecimentos”, acredita Amaral.
Esporte para todos? Apesar de importantes à evolução do esporte no mundo, a verdade é que, nem sempre, descobertas científicas ou inovações tecnológicas são disseminadas de modo equânime. “Quando um equipamento está disponível apenas a poucos, principalmente à elite, há grande desigualdade
de oportunidades. Ao contrário, se todos tiverem a possibilidade de usar novos recursos, capazes de auxiliar a performance de forma ética, as disputas ficarão mais interessantes”, acredita Natalia Franco. No que diz respeito aos ideais de democratização do acesso à inovação científica no esporte, nada mais interessante do que assistir aos jogos paraolímpicos. Em tais eventos, é possível perceber o modo como a ciência se dissemina entre aqueles que, por motivos diversos, passariam a colecionar limites e obstáculos em vida. “O esporte paraolímpico talvez seja o futuro. Para certos especialistas da área de reabilitação, em alguns anos, ele será mais visto no mundo do que os olímpicos. Isso se deve, justamente, à surpreendente interação entre superação humana e tecnologia”, comenta a pesquisadora. Com relação ao cotidiano dos cidadãos comuns, que praticam esportes por lazer, ou
em busca de melhores condições de saúde, inúmeras tecnologias – móveis, principalmente – têm-se revelado grandes aliadas. “Elas realmente facilitam o dia a dia das pessoas. Trata-se de programas que podem proporcionar agilidade e controle durante as atividades. Além disso, é possível fazer exercício em qualquer lugar, sem depender de academias”, opina Natalia Franco. Apesar dos benefícios, o público-alvo de tais equipamentos ou softwares deve possuir experiência em atividade física, pois há de necessidade de que se conheça, previamente, o tipo de estímulo que está sendo realizado. “Na clínica, já atendi a pacientes com dor e lesão no tendão, após várias horas jogando tênis no X-Box. Portanto, antes de iniciar qualquer atividade, mesmo que em videogames ou aplicativos, é preciso procurar um médico e um fisioterapeuta para identificar riscos”, conclui.
Em nome da vitória Em vários momentos, ciência e esporte são aliados. Em outros, essa associação suscita debates sobre até que ponto a ciência deve interferir em uma prática que, por definição, está associada ao físico e à destreza humanos.
Cria de Hipócrates?
Matemática em campo
Supermaiôs
Simulações e cálculos também ajudam os atletas. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o professor da Faculdade de Educação Física Sérgio Augusto Cunha criou uma análise que possibilita enxergar a evolução do salto dos goleiros de futebol com o uso de uma plataforma de força e do computador. Foram estudados o impulso e a força-pico, particularidades do salto do goleiro, procurando aumentá-los para melhorar esse movimento. A técnica já pode ser utilizada em campo. A plataforma de testes é móvel e, nos treinamentos, permite ao técnico analisar a curva de força no tempo e a potência do atleta. A expectativa é a de que os testes, até então feitos com voluntários amadores, envolvam agora goleiros profissionais.
Para o sociólogo e jornalista Juca Kfouri, um exemplo da importância dos avanços científicos e tecnológicos para o sucesso de atletas é o caso do jogador Ronaldo Nazário. “O maior fenômeno, em Ronaldo, foi a Medicina quem causou, ao reconstruí-lo, por quatro vezes, e permitir que voltasse aos gramados”. Ele lembra, também, da Copa de 1970. “Em 1970, a ciência preparou de tal forma a seleção brasileira para jogar nas alturas da Cidade do México que, mesmo quase ao nível do mar, em Guadalajara, o time praticamente ganhou aquela Copa – a do tricampeonato – nos segundos tempos dos seis jogos”.
Os anos de 2008 e 2009 ficaram conhecidos como a época dos supermaiôs. Os trajes foram desenvolvidos para ajudar os atletas a melhorar seu desempenho, aumentando a hidrodinâmica e diminuindo a resistência entre o corpo e a água. Para isso, os supermaiôs são feitos com um material muito leve, sem nenhuma rugosidade e que repele a água. Uma solda ultrassônica une os pedaços de tecido sem precisar de costura e o material de sua composição comprime certos grupos musculares, diminuindo o esforço do atleta. Pela possível influência nas sucessivas quebras de recordes, a Federação Internacional de Natação (Fina) baniu os trajes em 2010.
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Pátria de chuteiras, tênis, maiôs...
Já entre os profissionais...
Virgínia Fonseca
Quando o assunto é esporte, difícil desassociar a imagem de “Brasil, o país do futebol”. Mas, afora a paixão pelos gramados, quais são, afinal, as preferências esportivas da população brasileira? • Trinta por cento dos respondentes de pesquisa realizada pelo Ibope Media, em 2011, afirmam praticar algum esporte, enquanto a maioria, 61%, limita-se a assistir a jogos, pessoalmente ou pela TV. Por sua vez, outros 25% dizem assistir e praticar. • De acordo com a sondagem, a atividade mais praticada é a caminhada (47%), que, na média geral, fica à frente até do futebol. O esporte do rei Pelé, no entanto, ainda predomina no gosto masculino. Já na preferência feminina, em segundo lugar, vem a ginástica e... o futebol!
• Os esportes favoritos são: caminhada, futebol, vôlei, ginástica, natação, corrida (cooper), ciclismo, aeróbica, pesca, basquete, handebol, atletismo e luta. • Os meios mais utilizados pelos brasileiros para se informar sobre seus esportes prediletos são: televisão (72%), rádio (21%), internet (16%), jornais e revistas. O futebol ainda domina como esporte mais acompanhado, independentemente da plataforma, seguido pelo vôlei. • Entre as 18 personalidades do mundo esportivo mais citadas na pesquisa de TV, os cinco primeiros em preferência são: Ronaldo Fenômeno (15%), Neymar (12%), Pelé (11%), Ronaldinho Gaúcho (8%) e Ayrton Senna (3%). Os praticantes de esportes, porém, destacam, também, outros nomes: Giba (lembrado pelo público feminino), Messi (público masculino), Kaká (adolescentes), Robinho (jovens) e Zico (adultos).
O Brasil irá sediar, em 2014 e 2016, dois dos maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas. Você já parou para pensar como anda o desempenho dos atletas profissionais brasileiros? Desde sua primeira participação nos Jogos Olímpicos, em 1920, o país conquistou 108 medalhas, sendo 23 de ouro, 30 de prata e 55 de bronze. Com esses resultados, o país ocupa, até o momento, a 37º colocação no quadro geral de medalhas olímpicas. Já no futebol, os resultados são mais animadores: a seleção brasileira tem cadeira cativa entre as favoritas. Detém o maior número de títulos de Copas do Mundo – cinco –, além de outros recordes, como o de artilharia – Ronaldo Fenômeno, com 15 gols –, que ajudam a entender o percentual de envolvimento entre homem e esporte (não explicado pela ciência).
A genética como protagonista bem dotado geneticamente”, esclarece o anos, especialmente no atendimento de O professor Emerson Silami explica que a fadiga é responsável pela redução da capacidade de rendimento dos atletas durante uma competição – o que, aliás, pode ser um dos motivos que levam à derrota de indivíduos ou, mesmo, de equipes esportivas. “Entretanto, não se pode atribuir todas as derrotas à fadiga e à nutrição inadequada. O grande atleta não vence apenas por se cansar menos, mas, também, porque está qualificado, possui talento e é mais
professor, ao destacar, ainda, a relevância de treinamento adequado, de experiência e do uso de acessórios modernos. Mesmo que recebam as mesmas oportunidades, porém, os indivíduos continuarão a desenvolver performances distintas. “Os grandes atletas têm acesso à mesma tecnologia e aos mesmos métodos de treinamento, mas existe um fator que não pode ser alterado: a genética”, afirma Emerson, para quem as pesquisas na área ocuparão lugar de destaque nos próximos
questões relacionadas à seleção de talentos para os diferentes esportes. Conforme se pode facilmente perceber, a importância da herança genética manifesta-se com clareza, por exemplo, na seleção de jogadores de basquete e vôlei, quase todos com estatura elevada. “Convém lembrar que as pesquisas genéticas já eram desenvolvidas com outros fins, principalmente na Medicina. Os cientistas do esporte apenas passaram a usar tais conhecimentos em sua área”, finaliza.
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ENTREVISTA
(Trans) notícias da era colaborativa Renomado especialista em narrativas transmedia, Carlos Scolari, da Universitat Pompeu Fabra, fala sobre novas tecnologias, educação, ciência, ficção e jornalismo Maurício Guilherme Silva Jr.
Muitos foram os fãs da série norte-americana Lost que, inconformados com o desfecho oficial da atração, ousaram criar versões próprias para o fim das aventuras de Jack, Hurley etc. Resultado? Milhares de vídeos, HQs, jogos interativos e outras tantas produções capazes não apenas de recontar os últimos momentos dos personagens, mas, principalmente, de gerar relatos complexos, em função de sua natureza compartilhada e colaborativa. Eis, de modo sucinto, um exemplo de como nascem – neste caso, no “território” da ficção – as chamadas narrativas transmedia (ou NTs). “Lost expandiu seu universo narrativo em muitos meios e, ao mesmo tempo, gerou um fenômeno mundial impossível de se pensar sem as redes sociais”, esclarece Carlos A. Scolari, professor da Universitat Pompeu Fabra, de Barcelona, e um dos mais importantes pesquisadores do tema no mundo. Doutor em Linguística Aplicada e Linguagens da Comunicação, o pesquisador comenta, nesta entrevista, as potencialidades das redes transmidiáticas, os novos processos de ensino-aprendizagem e os futuros desafios do jornalismo.
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Como o senhor definiria o termo transmedia? O que o distingue de outras designações contemporâneas, como multimedia e hipermedia? Por narrativa transmedia (NT) se entende um tipo de relato que, em primeiro lugar, se expande por meio de muitos meios. Uma NT pode nascer numa História em Quadrinhos e expandir-se a um videojogo, ao cinema, a um romance (ou vice-versa). Por sua vez, participa ativamente dessa expansão parte importante dos consumidores, os quais terminam por converter-se em “prosumidores”: consumidores e produtores textuais ao mesmo tempo. Multimedia é conceito típico dos anos 1990, que fazia referência à confluência, ou convergência, de linguagens num mesmo meio. Como exemplo, cito o CD-ROM. Já Hipermedia é uma extensão do velho conceito de hipertexto: trata-se de uma rede de textos unidos por enlaces. No caso de hipermedia, os textos que formam a rede podem ser escritos, sonoros, audiovisuais etc. Todos estes são conceitos pró-
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ximos, mas nomeiam experiências textuais diferentes entre si. Como nasceu seu interesse pela investigação do fenômeno transmedia? Qual seu histórico – acadêmico e pessoal – com o tema? Desde 1992, dedico-me a estudar os novos meios digitais e interativos. Há cerca de oito anos, contudo, descobri que não podemos compreender os new media se não os relacionarmos com os old media (rádio, cinema, televisão etc.). Dessa maneira, fui-me cercando da chamada Media Ecology, enfoque holístico que abarca todas as experiências e tecnologias midiáticas. Neste contexto, as narrativas transmedia são os fenômenos mais interessantes a emergir de tal ecologia: nelas, os velhos e novos meios convivem e se articulam ao redor de um relato. No que diz respeito à construção de narrativas, uma questão se afirma: para certos pesquisadores, a chamada transmedia storytelling diria respeito, tão somente,
Foto: Marcus Pontes/UNI-BH
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“Uma narrativa transmedia pode nascer numa História em Quadrinhos e expandirse a um videojogo, ao cinema, a um romance (ou vice-versa). Por sua vez, participa ativamente dessa expansão parte importante dos consumidores, os quais terminam por converterse em “prosumidores”: consumidores e produtores textuais ao mesmo tempo”
às atuais possibilidades de “alongamento” das “histórias” que contamos, a partir, principalmente, de um cânone, mas – sempre – por meio das novas tecnologias. Em suas aulas, porém, o senhor cita o caso da Bíblia, documento que, ao longo do tempo, transmutou-se numa série (infinita, ao que parece) de narrativas. Neste sentido, pergunto-lhe: seria realmente possível dizer que o livro sagrado dos cristãos seja uma espécie de experiência milenar de narrativa transmedia? A tecnologia – e, principalmente, a presença da internet – não seria vital à definição de tal processo? O relato cristão cumpre os critérios
ção transmedia deveria abarcar diferentes meios e linguagens. Não é à-toa que muitos intelectuais defendam os chamados polialfabetismos: não basta saber ler e escrever! É preciso aprender a expressar-se em outras linguagens como a audiovisual! Ademais, uma educação transmedia deveria recuperar os conteúdos gerados pelos estudantes e utilizá-los nos processos de ensino-aprendizagem. A educação transmedia deveria ser mais polifônica e participativa.
para ser considerado uma narrativa transmedia: é uma história que se contou por meio de diferentes meios ao longo da história (livro, iconografia popular, vitrais das igrejas etc). Além disso, aparecerão novos personagens (santos, mártires etc.) e os usuários darão suas contribuições (ex-votos, relatos de milagres e aparições etc.). Agora, as redes digitais permitem que as narrativas transmedia se expandam a muitos outros espaços de comunicação, como páginas web, redes sociais, mas, sobretudo, são um lugar privilegiado para que os usuários compartilhem e distribuam seus conteúdos. Sites como YouTube ou Fanfiction.net são espaços fundamentais para que os usuários se expressem e expandam seus relatos preferidos. O senhor também investiga o uso de recursos transmedia como iniciativa auxiliar aos processos pedagógicos e educacionais. Neste sentido, poderia, por favor, comentar resultados de suas pesquisas na área? Arrisco-me, inclusive, a lhe perguntar de modo direto: de que modo enxerga o futuro da educação no mundo? A educação segue sendo, em grande parte, monomidiática. A escola, em muitos lugares, segue girando em torno do livro: é uma educação livro-cêntrica. Por outro
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lado, as produções textuais dos alunos servem apenas para avaliá-los, e não se reutilizam dentro do sistema. Uma educa-
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Ainda em relação aos processos educacionais, seria possível afirmar que as novas tecnologias tendem a facilitar o processo de aprendizado e/ou de aprimoramento linguístico e intelectual de crianças e adolescentes? De que modo, hoje, tais recursos (plataformas, dispositivos, serviços etc.) influenciam – do ponto de vista cognitivo, principalmente – a forma como estudantes “consomem” e/ou “absorvem” conteúdo simbólico? Cada momento da história da humanidade tem sua própria tecnologia educativa: a tabuleta de cera, a ardósia, o livro. Hoje, estamos na era das telas interativas e das redes digitais. Isto, evidentemente, muda os atores que participam do processo de ensino-aprendizagem (não é o mesmo numa geração que cresceu lendo livros e outra que cresceu com a Wikipedia e The Sims) e afeta as dinâmicas educativas. As instituições educativas, como sempre, tardam em adaptar-se a estas transformações. A atitude natural da escola é rechaçar as novas tecnologias. Até que consiga domesticá-las e incorporá-las ao dispositivo educativo. Nisso estamos. Que dados quantitativos, acerca do uso de novas tecnologias, o senhor ressal-
taria? Tais números estariam diretamente relacionados ao progresso da narrativas transmedia no mundo? Eu creio que o dado demolidor é que, em maio de 2013, existiam no planeta 6,8 bilhões de contratos de comunicação com dispositivos móveis. Isto é, uma penetração de 96,2%. Cerca de 2 bilhões desses contratos são de banda larga. Ou seja, por meio deles, as pessoas terão acesso rápido aos conteúdos audiovisuais da rede. Em poucos anos, a maioria dos contratos será de banda larga. As consequências sociais, políticas, econômicas e culturais desta difusão capilar da tecnologia móvel – que permite ingressar a qualquer momento, e quase de qualquer lugar, às redes digitais – são difíceis de prever. É uma combinação tecnológica potencialmente disruptiva.
“A ciência é, em grande parte, monomidiática. E os investigadores publicam papers e livros para mostrar e compartilhar seus estudos. Todavia, ainda há um vasto caminho a percorrer. Por que o conhecimento científico deve ser assim? Por que não difundir e compartilhar as investigações por meio de formatos audiovisuais ou interativos?”
O senhor escreveu inúmeros artigos e livros sobre o fenômeno Lost, série de TV ampliada pela ação das NTs. Para comentar a evolução transmedia dos produtos de ficção, seria possível comparar a trajetória do programa ao desenvolvimento de séries de televisão em outros períodos? De que modo a construção da narrativa é hoje potencializada? Seria interessante comparar Lost com The Prisoner, série inglesa dos anos 1960 que tinha elementos fantásticos, muito parecidos à produção de J.J. Abrams. Mas, para além das similitudes narrativas – em The Prisoner, o personagem estava numa ilha onde se passavam coisas extraordinárias –, Lost expandiu seu universo narrativo em muitos meios (livros, videojogos, jogos de realidade alternativa, páginas web etc.) e, ao mesmo tempo, gerou um fenômeno mundial impossível de se pensar sem as redes sociais. O debate interpretativo de cada capítulo de Lost nas redes, em escala planetária é um fenômeno que não deixa de fascinar-me! No que tange à não-ficção, de que maneira, a seu ver, o jornalismo poderia
se alimentar dos recursos das narrativas transmedia? O jornalismo já é uma narrativa transmedia. As informações são um relato, uma forma de storytelling que se conta por meio de muitos meios e plataformas. Uma notícia pode começar no Twitter, continuar em um portal informativo na web, seguir na rádio ou na televisão e terminar em um jornal impresso, no dia seguinte. De outro lado, os usuários participam, cada vez mais, do relato informativo. Ou seja, o discurso jornalístico cumpre com os requisitos para ser considerado uma narrativa transmedia. De que modo o próprio discurso da ciência – atividade humana marcada por criteriosos procedimentos metodológicos e paradigmáticos – poderá se transformar a partir das possibilidades das NTs? Assim como a educação, a ciência é, em grande parte, monomidiática. Os investigadores devemos publicar papers e livros para poder mostrar e compartilhar nossos estudos. Todavia, ainda há um vasto caminho a percorrer. Por que o conhecimento científico deve ser monomidiático? Por que não difundir e compartilhar nossas investigações por meio de formatos audiovisuais ou interativos? Por outro lado, fala-se cada vez mais da Ciência 2.0, um espaço democrático de produção científica, aberto à participação dos cidadãos. Já nos anos 1960-70, investigadores, como Marshall McLuhan, assumiram que o conhecimento científico deveria ser transmedia. McLuhan editou seus livros junto a designers gráficos, registrou um disco com sua obra, The Medium is the Massage, e não perdia a ocasião de ser entrevistado na televisão. Apareceu, inclusive, num filme de Woody Allen: Annie Hall. Sem lugar para dúvidas, podemos dizer que McLuhan era um intelectual que se expressou de maneira transmedia.
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Veterinária
Pela lu z dos olhos t eus A partir de materiais biológicos, pesquisadores da UFV desenvolvem tratamento pioneiro para recuperação de lesões na córnea de animais William Ferraz
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“Ora, não percebeis que com os olhos alcançais toda a beleza do mundo?”. Os fragmentos da poética descrição de Leonardo di Ser Piero da Vinci, em um de seus artigos, demonstram o valor, para o ser humano, do sentido da visão. E não é para menos. Em um olhar de relance, pode-se detectar tantas informações que a descrição não caberia no papel: cores, padrões de luz, contornos, texturas, profundidades... A visão, enfim, revela-se ferramenta a influenciar, incisivamente, a maneira como grande parte dos seres se insere no ambiente. Entre os vertebrados terrestres, é um sentido muito pronunciado. Os primatas – ordem na qual enquadram-se os humanos – possuem grande acuidade visual. Daí nossa paixão por contemplar coisas. Apesar disso, mesmo em espécies que contam com outros aguçados aparatos sensoriais – os focinhos e ouvidos de felídeos e canídeos, por exemplo –, a visão ainda tem função muito bem definida. Que o digam os cães e gatos, com seu fascínio por tudo aquilo que se move e seus cristalinos refletores, que os tornam excelentes observadores noturnos. Nisso tudo, contudo, há um paradoxo. Nos vertebrados, o escudo responsável por resguardar essa ferramenta – os olhos – resume-se a uma sensível camada de poucos milímetros de espessura, a córnea. Situada à frente da íris, a delicada membrana é bastante suscetível a ferimentos. “Lesões na córnea são muito frequentes e podem se originar a partir de qualquer tipo de trauma: queimaduras, irritações constantes, conjuntivites, arranhões. Em animais domésticos, são comumente causadas durante brigas ou exposição à poeira”, explica Andrea Pacheco Batista Borges, doutora em Ciência Animal e professora da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Como os animais não manifestam incômodo causado pelo ferimento, o proprietário, geralmente, só percebe enfermidades quando a lesão já se encontra em
estado avançado, agravado por irritações ou infecções. “O resultado é dor abundante, fotofobia, secreção excessiva, campo de visão comprometido, dentre outros sintomas”, completa a pesquisadora, ao lembrar que, em muitos casos, apenas a intervenção cirúrgica pode reparar o problema. Em situações convencionais, o procedimento tomado em casos de doenças e feridas no globo ocular consiste na aplicação de gaze ou curativo sobre o local atingido. Segundo Andrea Pacheco, não se trata do método recomendável para quadros de lesões na córnea. “O uso de curativo sobre as ulcerações provoca atrito constante, que pode exacerbar a irritação, vindo a causar inflamações no local. Além disso, a falta de oxigenação por abafamento prejudica a recuperação do tecido”, esclarece.
Novas pesquisas A alta incidência de lesões de córnea diagnosticadas em animais domésticos e a baixa disponibilidade de recursos para o tratamento adequado desse tipo de quadro levaram a pesquisadora a iniciar, na UFV, a linha de estudos intitulada “Tratamento de Úlcera de Córnea Penetrante com a Utilização de N-Butil Cianoacrilato e Membrana Amniótica Canina”. A proposta surgiu quando a pesquisadora, que já possuía experiência no trabalho com biomateriais, desde 1988, decidiu incorporar o uso desse recurso na intervenção para casos de úlceras de córnea. O objetivo das pesquisas era elaborar um modelo de tratamento que protegesse a área lesionada por meio de materiais livres de aspereza, visando à plena recuperação do tecido. Aprovados pelo conselho de ética da Universidade, os estudos tiveram início em 2005. Ainda em fase experimental, o proSubstâncias isoladas ou associadas que são aplicadas parcial ou totalmente em organismos vivos com finalidades médicas, como próteses e implantes.
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cedimento, inicialmente testado em cães, consistiu na aplicação de uma membrana de bolsa amniótica, extraída de cadelas parturientes, sobre a área afetada no globo ocular do paciente. “O método de aplicação de sutura nos olhos não apresentou resultados satisfatórios, uma vez que a presença do fio provocou reação inflamatória indesejável. Todavia, a membrana amniótica, como revestimento para a área lesionada, demonstrou boa adaptação. Restava desenvolver um método para unir o biotecido ao corpo do paciente sem provocar reações adversas”, explica a pesquisadora. Em 2007, os estudos abandonaram o caráter experimental. Com aporte financeiro da FAPEMIG, novos equipamentos foram adquiridos e laboratórios expandiram-se para atender às necessidades das pesquisas. Os financiamentos partiram de duas diferentes modalidades: Demanda Universal e Programa Pesquisador Mineiro (PPM). Como substituto para as suturas, associou-se, à membrana amniótica, o polímero adesivo de cianoacrilato (N-Butil 2-Cianoacrilato). Os testes passaram a ser realizados em coelhos da raça Nova Zelândia: “Apesar de o tratamento ter sido desenvolvido principalmente para cães e gatos, os coelhos foram escolhidos tanto pela docilidade do animal quanto pela melhor resposta biológica”. Desenvolvidos com 60 animais, os testes se dividiram em quatro diferentes grupos, nos quais que se buscava analisar se a composição química do biomaterial se mostraria mais eficiente para o tratamento em questão. As lesões foram induzidas nos animais com o uso de trépano, instrumento cirúrgico em forma de broca usado para perfurações. No decorrer dos testes, integrantes do grupo classificado como G1 receberam aplicação apenas do Cianoacrilato, enquanto os do G2 foram tratados com N-Butil Cianoacrilato como agente aderente, associado à membrana amniótica de dimensões superiores ao diâmetro da ulceração, posicionada na câmara anterior.
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Já aqueles do G3 estavam sujeitos a método de tratamento semelhante ao aplicado no G2, porém, receberam mais uma membrana, posicionada na porção externa da córnea e fixada com a aplicação de sutura. Por fim, o grupo G4 recebeu aplicação de membrana de proporções equivalentes à extensão da lesão na porção externa da córnea, fixada por sutura. Ao final dos testes, estabeleceu-se um comparativo dos resultados alcançados em cada um dos métodos conduzidos. O grupo G2 apresentou recuperação da lesão em menor tempo e com melhor acomodação do biomaterial.
Resultados A linha de pesquisas que visava ao teste da eficácia da aplicação da membrana amniótica canina associada ao N-Butil Cianoacrilato, como método para tratamento
de ulcera de córnea penetrante, foi finalizada em 2011, destacando-se no campo da veterinária como o método mais eficaz e seguro para recuperação desse tipo de trauma e se tornando tema para dissertações de mestrado e doutorado na área da oftalmologia veterinária. “O método é usado, com sucesso, por profissionais de todas as áreas da veterinária, como a rural, além de já ter sido empregado, por certos oftalmologistas, no tratamento de pacientes humanos”, conta Andrea Borges. Atualmente, uma nova tese, em fase de análise laboratorial, consiste no desenvolvimento in vitro de membranas sintéticas à base de celulose bacteriana. “Ao substituir a extração da membrana amniótica de cães por uma alternativa produzida em laboratório, tem-se matéria prima em maior abundância”, explica a pesquisadora.
Úlcera de córnea penetrante? Membrana fibrosa e transparente, situada sobre a íris, na parte frontal dos olhos, a córnea é também conhecida como a região polar anterior do globo ocular. Nos humanos, possui seis camadas principais – epitélio, membrana de Bowman, estroma, camada de dua, membrana de Descemet e endotélio –, e se associa à esclera (o “branco do olho”), que constitui o revestimento protetor dos olhos nos seres vertebrados. A estrutura da membrana varia de acordo com a espécie. Em cães, animais estudados na pesquisa, a córnea ocupa um sexto da porção anterior do globo ocular, seu raio de curvatura é maior do que o restante do globo e conta com espessura aproximada de 0,08 mm e de 7 a 15 camadas celulares. Além disso, compõe-se, histologicamente, por quatro camadas: epitélio, estroma ou substância própria, membrana de Descemet e endotélio. A úlcera de córnea é a condição patológica em que o paciente sofre de uma erosão sobre a córnea, que resulta em perda da camada de revestimento exterior da membrana, o epitélio. As lesões podem se originar em consequência de diversas circunstâncias, tais como traumatismos, arranhões, pruridos, exposição à poeira, produtos químicos ou seivas vegetais, queimaduras, irritações constantes, conjuntivite, infecções causadas por bactérias, protozoários, fungos ou vírus, dentre outros. Considerada um grave problema ocular, a enfermidade apresenta pouca tendência à cicatrização natural, avançando, desse modo, a camadas interiores da córnea – o que, em último caso, pode resultar em perfuração total da membrana. A ulceração da córnea é passível de provocar, ainda, turbidez ou obstrução da visão, fortes dores oculares, contrações involuntárias da pálpebra, lacrimejamento excessivo, inflamações e fotofobia (incapacidade de suportar luminosidade). Sem tratamento, além de perda da visão, favorece infecções e hemorragias nas estruturas internas dos olhos.
Projeto: Avaliação clínica de úlcera de córnea penetrante tratada com membrana amniótica xenógena e n-butil cianoacrilato – Estudo experimental em coelhos Modalidade: Demanda Universal / Programa pesquisador Mineiro Coordenadora: Andréa Pacheco Batista Borges Valor do projeto: R$ 48.000,00
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QUÍMICA
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O leitor poderia imaginar uma mesma técnica capaz de, ao mesmo tempo, identificar materiais usados em quadros a serem restaurados, verificar o tempo máximo de perecibilidade de um alimento ou ajudar na identificação da autenticidade de documentos? O Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata mineira, é referência nas análises produzidas por meio da chamada espectroscopia Raman. Coordenado pelo professor Luiz Fernando Cappa de Oliveira, o Núcleo de Espectroscopia e Estrutura Molecular (Neem) pesquisa o método desenvolvido, no início do século XX, pelo cientista indiano Chandrasekhara Venkata Raman, ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1930. O procedimento está ligado à radiação espalhada pela matéria. Para que tudo fique mais claro, imagine-se, por exemplo, que radiações sejam refletidas por um espelho. “Neste caso, vemos, no espelho, o reflexo da cor vermelha, caso a matéria tenha tal tonalidade. No caso do efeito Raman, a radiação espalhada pela matéria não possui a mesma energia da radiação incidente. A diferença entre as duas (incidente e espalhada) apresenta informações sobre a composição química e o estado físico da matéria”, explica Luiz Fernando Cappa. Desde que foi descoberta, a técnica tornou-se ferramenta ao estudo da geometria molecular, isto é, ao modo como os átomos se arranjam de forma a determinar uma estrutura específica para a molécula. A de água, por exemplo, conta com estrutura angular – átomos de Hidrogênio ligados ao átomo central de Oxigênio – e suas propriedades físicas e químicas estão diretamente relacionadas a essa geometria. A aplicação da espectroscopia Raman no Brasil começou na década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo. Por todo esse tempo, o principal foco da técnica, no país, foi o uso como ferramenta para o estudo das propriedades espectroscópicas de vários sistemas. Além disso, desenvolveu-se a aplicação de efeitos especiais, como os de intensificação do sinal Raman por su-
perfícies (efeito SERS) e por ressonância eletrônica (Raman ressonante). Em 1995, o Departamento de Química da UFJF passou a utilizar a técnica como ferramenta analítica, seguindo tendência mundial. Um dos estudos determinou a composição de pigmentos usados em uma pintura de Candido Portinari, óleo sobre tela em que o artista retrata o poeta Murilo Mendes, datada da década de 1930, época em que os dois moravam, juntos, em Paris. “O quadro, hoje pertencente ao acervo do Museu de Arte Murilo Mendes, da UFJF, foi analisado pela técnica de espectroscopia Raman e possibilitou não apenas determinar a composição da paleta do autor, mas também auxiliar no processo de restauração da obra”, explica Luiz Fernando.
Desde então, o Núcleo desenvolve diversos trabalhos nos quais a técnica de espectroscopia Raman é aplicada como ferramenta analítica para o estudo de diferentes áreas do conhecimento e tipos de sistemas. “De nosso conhecimento, são pouquíssimos os grupos de pesquisa no mundo que trabalham com tal abordagem para a técnica. Este é um fator muito importante para o Neem, que possibilita sua diferenciação das demais equipes a usar a espectroscopia Raman como ferramenta para caracterização de sistemas químicos”, destaca. No laboratório, uma infinidade de produtos é pesquisada. Há estudos, por exemplo, que envolvem derivados do
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leite e estimulam a investigação de diferentes tipos de amidos – frequentemente usados como materiais para fraudar leite em pó. Tais trabalhos, bem como aqueles desenvolvidos para a análise de corantes alimentares – como o azo corante vermelho –, foram caracterizados em projeto que envolveu uma indústria de alimentos de Juiz de Fora. Segundo os pesquisadores, do ponto de vista técnico, não existem restrições para uso da espectrometria Raman. No geral, os limites são instrumentais. Entretanto, com o advento de espectrômetros que usam microscópios para aquisição de dados, o leque de possibilidades do método tem aumentado muito nos últimos anos. Prova disso é o portfólio de situações investigadas pelo Neem. Os sistemas reais, como são chamados, vão desde alimentos – leite e derivados (queijos, requeijão e outros), bebidas, frutas, produtos naturais dos mais diversos (entre os quais, corantes e outros biocomponentes) –, fármacos, liquens, fungos, amostras de arte, arqueologia e o que mais for necessário e/ou possível. Orgulhoso com a infinidade de materiais passíveis de análise, Luiz Fernando Cappa assegura: “Se pudermos pôr a amostra no compartimento do equipamento, e prender na frente do laser de excitação, conseguiremos, de alguma maneira, obter o espectro Raman e, assim, estudar a composição do material”, comemora.
Amostra intacta
Um dos diferenciais que torna a espectrometria Raman mais avançada, em comparação com outras técnicas, é o fato de a amostra se manter preservada. Tal feito, de acordo com os pesquisadores, tem implicações fantásticas, sobretudo no mundo das artes e da arqueologia, em que a análise de obras ou de antiguidades requer estratégias que devem levar em conta a preservação e a integridade do objeto. Um dos campos que mais tem se beneficiado da técnica tem sido a área forense. As análises de drogas, de solventes orgânicos, de superfícies, de tipos diferentes de tintas e pigmentos e de fibras naturais e sintéticas podem ser feitas com rapidez e segurança, por meio do uso de microscópios acoplados a instrumentos Raman. “Em nosso laboratório, desenvolvemos
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convênio com a Polícia Civil de Juiz de Fora para análise de algumas drogas”, esclarece Luiz Fernando. Os trabalhos são realizados em parceria com um pós-graduando do grupo, que também é perito criminal da Polícia. “Esse trabalho tem se revelado muito importante, sobretudo no que se refere à análise de drogas, de líquidos inflamáveis e de explosivos, em aeroportos de todo o mundo, porque os materiais podem ser analisados dentro dos recipientes que os contêm, sem necessidade de manipulação direta”, afirma o professor. Além dos diversos sistemas químicos estudados pelo Neem, seu coordenador ressalta o uso da técnica em um grande projeto, apoiado pela Petrobras, no qual a espectroscopia Raman é a ferramenta para análise de inclusões fluidas em rochas obtidas durante processos de perfuração de poços. “As rochas são trazidas ao laboratório e a análise da superfície de tais materiais, que contém inclusões fluidas, pode indicar a existência de gases. Se for metano, ou sulfeto de Hidrogênio, há grande chance de a perfuração atingir bolsões contendo combustíveis fósseis ou petróleo”, comenta. O projeto agrega, ainda, um estudo para determinação das curvas de pressão-temperatura em diferentes sistemas que contenham inclusões fluidas – pois, a partir do conhecimento dessas condições, pode-se entender a gênese de tais materiais. O coordenador do Neem destaca que a Química Supramolecular também tem sido bastante beneficiada pela espectroscopia Raman, especialmente nas atividades desenvolvidas pelo Núcleo. Uma delas foi a execução do projeto “Síntese, caracterização e modelagem molecular de supramoléculas e nanossistemasauto-organizados com potencial para o desenvolvimento de materiais avançados”, aprovado pela FAPEMIG, dentro do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex). Na iniciativa, adquiriu-se um equipamento Raman com várias linhas laser para excitação na região visível dos espectros eletromagnéticos, que tornam viáveis todos os estudos descritos anteriormente.
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Mil e uma utilidades Confira projetos desenvolvidos, pelo Núcleo de Espectroscopia e Estrutura Molecular, por meio da técnica Raman:
Caracterização de superfícies de catalisadores baseados em óxidos de molidêdnio, vanádio e tungstênio, muito usados em processos de oxidação.
Caracterização de pigmentos em corais, conchas e outras espécies marinhas brasileiras.
Quimiometria e avaliação da qualidade de produtos lácteos e chocolates.
Caracterização de polímeros e blendas, usados como veículos para medicamentos de bovinos, com auxílio da espectroscopia vibracional. A iniciativa é desenvolvida em conjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a UFJF.
Medição da concentração de metano em inclusões fluidas aquosas de rochas de sistemas petrolíferos. O projeto é apoiado pela Agência Nacional do Petróleo, sob coordenação do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), do Rio de Janeiro.
Síntese, caracterização e modelagem molecular de supramoléculas e nanossistemas auto-organizados com potencial para o desenvolvimento de materiais avançados, a exemplo de Oxocarbonos e polímeros de coordenação.
Caracterização de diferentes tipos de corantes e pigmentos, principalmente os existentes em produtos naturais, como o pau brasil e similares. O projeto conta com a colaboração do professor Howell Edwards, da Universidade de Bradford, na Inglaterra.
Caracterização em Ciência Forense, de modo a aplicar as ferramentas vibracionais (Raman e infravermelho) na identificação de drogas ilícitas apreendidas pela Polícia Civil de Minas Gerais.
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ARQUITETURA
Cidadania, tijolo a tijolo
Para além da frieza dos cálculos e técnicas, projeto da Escola de Arquitetura da UFMG auxilia comunidades mineiras a morar e a viver melhor Ana Luiza Gonçalves
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No universo milimetricamente calculado dos projetos para organização de espaços arquitetônicos, em que uma série de funções se traduz em papéis repletos de mapas, desenhos e números, também há possibilidade para algo muito além da fria matemática. Isso porque a arquitetura, afora a exatidão dos cálculos, transita por conhecimentos relacionados às Ciências Humanas – e, por vezes, mais especificamente, ao campo das Políticas Públicas. Programas, ações e atividades podem, assim, assegurar direitos – sociais, culturais, econômicos, étnicos etc. – da população. Geralmente, tais projetos investem em possibilidades múltiplas, sempre em busca de beneficiar as comunidades. Trata-se de ações ligadas à socialização do conhecimento, à ampliação dos processos de cidadania, ao desenvolvimento urbano, patrimonial e social – capaz de envolver os indivíduos em trabalhos conjuntos com governo, entidades e empresas privadas – ou à difusão de pesquisas, como forma de criar, por exemplo, metodologias para melhoria das condições de vida. Com o intuito de investir em todos estes aspectos, a Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) criou, em 2004, o Programa de Arquitetura Pública, na tentativa de aproximar estudantes da realidade brasileira, assim como de fomentar a relação entre teoria e prática, abrindo portas aos novos profissionais no mercado de trabalho. Ao conjugar ensino, pesquisa e extensão, com foco na inclusão social e na responsabilidade ambiental, a iniciativa oferece ao aluno diferentes formas de visão, relacionadas à atuação do arquiteto, principalmente, no que tange à assistência à moradia de interesse social e aos planejamentos ambiental, urbano e de patrimônio cultural. Além de complementar a experiência acadêmica dos alunos, o programa busca conceder auxílio aos municípios, por meio da oferta de serviços de arquitetura e urbanismo – como projetos de habitação social – para famílias de baixa renda. Contribui-se, assim, com o desenvolvimento sustentável, o aumento da qualidade de vida das pessoas
nas cidades e a consolidação das identidades locais, via preservação do patrimônio. A partir das experiências vivenciadas pelos alunos, percebeu-se a necessidade de implementar ações focadas na reabilitação de áreas urbanas legadas ao descaso. Assim nasceu, em 2007, o projeto “Arquitetura Pública: reabilitação de bairros populares degradados”, coordenado pelo professor Leonardo Barci Castriota, ex-diretor da Escola de Arquitetura da UFMG. Além de reunir grupo multidisciplinar, formado por estudantes de diferentes cursos da Universidade – como Engenharia, Economia e Filosofia –, a iniciativa contou com parceria e apoio político e financeiro de agentes ligados ao Estado e às empresas privadas. Ao todo, 15 cidades – entre as quais, Cataguases, Barbacena, Ouro Preto, Muriaé, Leopoldina e Serro – tiveram seus bairros incluídos no projeto. Com duração de dois anos e meio, a reabilitação consistiu em manutenção e revitalização de espaços públicos, além de adequação de infraestrutura, requalificação social, relocação de moradias e calçamento nas ruas. O programa buscou, ainda, o desenvolvimento de métodos a serem empregados nos bairros, de acordo com as diferentes realidades locais. Para Leonardo Castriota, há descuido nesses lugares, que não recebem atenção necessária. Daí a importância de estudos. “Foi preciso desenvolver metodologias para diagnosticar a demanda e, assim, fazer análises para verificar o terreno, a inadequação das ocupações ou a existência de projetos mal elaborados, que não respeitam curvas de riscos, por exemplo. Nossos métodos tentaram aproveitar ao máximo o estado natural do terreno, agredindo-o o mínimo possível. Em seguida, buscamos maneiras mais econômicas de urbanização”.
Tríade revitalizadora Bolsista do projeto em Barbacena (MG), Luis Otávio Campos Faustino Vieira explica que muitos bairros do município crescem de forma irregular e necessitam de demanda de requalificação fundiária e de regularização. Para que a análise seja
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realizada, é preciso identificar as áreas e propor diretrizes. Afinal, problemas não faltam: “Os bairros são invadidos, as ruas não têm calçada e, às vezes, não possuem tamanho correto. Além disso, há problemas de estrutura, esgoto e asfaltamento irregular, o que acelera o processo de degradação da área”. No município mineiro, em primeiro lugar, analisou-se a cidade como habitat humano, o que possibilitou um estudo sobre a evolução das formas urbanas dos bairros e suas transformações. Desse modo, foi possível, ainda, verificar a relação entre os espaços livres (ruas e praças) e construídos (edificações etc.). Essa parte do estudo contemplou elementos como loteamento e desmembramento, tipologias do solo e de sua ocupação, assim como categorias das edificações e padrões e normas urbanísticas. A segunda metodologia usada diz respeito à dimensão antrópica, quando se busca verificar os dados contextuais, que se subdividem em três níveis: o primeiro trata dos processos histórico-culturais e urbanísticos de produção do espaço no contexto da urbanização brasileira. O segundo reflete os levantamentos dos usos e da ocupação do bairro. Neste ponto, questões como atividades de produção, consumo, troca e gestão estabelecidas na região foram criteriosamente avaliadas. Identificaram-se, assim, os espaços apropriados por grupos e o conhecimento de suas experiências. Após tal estudo, a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) sobre densidade demográfica, número de domicílios por setor censitário e condição de ocupação, foi possível compreender características dos bairros e obter informações sobre infraestrutura, saneamento básico, serviços públicos e equipamentos urbanos. A terceira e última metodologia aplicada foi a prática de leituras comunitárias, com foco nas desigualdades e na realidade do lugar. Nesse processo, tornou-se possível identificar questões como marcas de degradação ambiental, precariedades habitacionais, espaços vazios, áreas de ocupa-
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ção e demandas não atendidas, além de dificuldades de acesso e de mobilidade, por exemplo. Essa, talvez, seja uma das partes de maior importância do projeto, pois que, a partir dessa leitura, o estudo acaba por se tornar participativo e colaborativo. Leonardo Castriota revela que a análise fez com que a comunidade de Barbacena se inteirasse de sua própria realidade. Criou-se, afinal, um diagnóstico junto aos técnicos envolvidos. “As pessoas passaram a se apropriar dos cursos. Participavam das obras e viam a modificação física em andamento. Eis a principal transformação resultante da prática do projeto”, conta, ao se recordar de um fato simbólico da união das pessoas. “A comunidade organizou um mutirão para dar início à construção da igreja da cidade. Além disso, as pessoas realizaram a limpeza dos bairros, com ajuda mútua nas áreas de riscos e readequação das casas”, conta.
a população. Foi o suficiente para gerar capacitação de recursos e de empregos ou demanda de concursos públicos para arquitetos e engenheiros”, conta. De modo a garantir a preservação das obras, o professor discute dois pontos, em si, discrepantes: o envolvimento da população e a forte dependência política de tais projetos. “Deveria existir uma lei que proibisse os governantes de interromper as obras. A gente gasta com a implementação dos projetos, eles gastam com obras e, quando ocorre a mudança de governo, perdem o interesse em continuar. A pressão popular é nosso único modo de enfrentar isso”, conclui.
Obstáculos e desafios Dentre as dificuldades encontradas para implementação do projeto, destaque para a base cadastral. É que os bairros não têm estudo de mapa muito bem feito. Outra questão abordada por Leonardo Castriota é a descontinuidade administrativa das cidades. “Inicia-se o projeto em uma gestão e, se há mudança de governo, ainda quando o projeto está em andamento, não existe interesse em dar continuidade. A iniciativa fica paralisada e nós, de mãos atadas”, conta. Quanto aos pontos positivos, é preciso ressaltar as demandas estimuladas pelo projeto. A partir dos estudos, novas atividades foram executadas e os bairros passaram a ter oportunidades de evolução, principalmente, em termos de estrutura. Além disso, o projeto deixou um legado de dados que antes não existia. “A prefeitura de Barbacena, por exemplo, não conhecia o projeto na prática e, quando tomou conhecimento, percebeu o investimento que estava fazendo para
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Projeto: Arquitetura pública: reabilitação de bairros populares degradados Coordenador: Leonardo Barci Castriota Modalidade: Apoio a projetos de extensão em interface com a pesquisa Valor: R$ 29.332,00
ilustração: Gilson Ribeiro
No Sul de Minas, especialistas empregam a tecnologia como recurso para proporcionar novas possibilidades de tratamento a pessoas com deficiência Virgínia Fonseca
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INOVAÇÃO
Direito de ir, vir, ouvir, ver...
Intocáveis, película francesa lançada em 2012, conta a história de um milionário que fica tetraplégico após acidente com parapente. O aristocrata mora em luxuosa mansão, provida de diversos aparatos tecnológicos para atendê-lo, e afeiçoa-se ao assistente contratado para ajudá-lo nas tarefas diárias – um jovem da periferia, que se recusa a tratar o patrão como incapaz. Do mesmo ano, o brasileiro Colegas narra as aventuras de três amigos com síndrome de Down que decidem fugir da instituição na qual vivem para realizar seus sonhos. Se, no cinema, nas telenovelas e em outros meios da cultura de massa, o tema tem sido recorrente, fora das telas, atores da vida real enfrentam o desafio de promover a qualidade de vida e a inclusão das pessoas com deficiência. Números do último Censo, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que 23,9% da população nacional declara possuir algum tipo de deficiência. Em Minas Gerais, o percentual reflete a média nacional: 22,62%. “O índice é elevado e nos faz pensar nas ações necessárias frente a essa demanda”, analisa a fisioterapeuta Cláudia Garcez. Mestre em Saúde Coletiva, a profissional integra equipe multidisciplinar de uma iniciativa que desenvolve métodos e
equipamentos voltados à oferta de novas possibilidades para essas pessoas, o Centro de Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia Assistiva (CDTTA). Inaugurado em agosto de 2012, o CDTTA destina-se ao estudo e ao desenvolvimento de soluções tecnológicas, acessíveis a todas as camadas da população, que facilitem a vida das pessoas com deficiência. O Centro localiza-se no campus do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Santa Rita do Sapucaí, e dispõe de laboratório de pesquisas, além de ambiente para as sessões de treinamento com os pacientes voluntários. Os projetos ali conduzidos estão ligados à área de Engenharia Biomédica, mas abrangem alunos de todos os cursos de graduação da instituição – Engenharias da Computação, de Controle e Automação, de Telecomunicações e a própria Biomédica. “Neste primeiro ano, tivemos quatro protótipos concluídos, sendo que dois já estão em fase de transferência para a indústria”, contabiliza o engenheiro eletricista Rinaldo Duarte Teixeira de Carvalho, coordenador do CDTTA. Ele menciona, também, a conquista do 3º lugar no Prêmio 3M de Inovação para Estudantes Universitários, por parte de dois bolsistas que propuseram a
Foto: Ascom Inatel
Fruto de parceria entre o Inatel e o governo mineiro, por meio da Secretaria de Estado Ciência Tecnologia e Ensino Superior (Sectes), o espaço recebe financiamento da FAPEMIG para bolsas de investigação científica. criação do kit para motorização de cadeira de rodas (veja quadro). “Trata-se de resultado bastante significativo para o primeiro ano de atividades”, avalia o coordenador. No momento, existem sete empreendimentos em execução: elevador ortostático dinâmico, cadeira de rodas motorizada de baixo custo, andador microcontrolado, sistema de deambulação para deficientes visuais, bengala eletrônica para deficientes visuais, aro magnético e telefone emergencial para surdos. Os dois primeiros são aqueles que se encontram em fase de transferência para a indústria. O trabalho com voluntários mostra-se essencial para o desenvolvimento dos projetos. Durante a fase de pesquisas, são feitas entrevistas com pessoas que possuem diferentes tipos de deficiência, a fim de conhecer suas necessidades e desenvolver soluções que atendam às suas expectativas. No caso do elevador, por exemplo, voluntários com paraplegia e tetraplegia participam, duas vezes por semana, de sessões de treinamento no aparelho.
Mais qualidade de vida
Elevador ortostático dinâmico possibilita evolução aos pacientes e está em vias de ser comercializado
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Cláudia Garcez, especialista da área de Saúde do CDTTA, é a idealizadora do elevador ortostático dinâmico. Atualmente instalado no próprio Centro, o equipamento, motorizado, possui colete para erguer pessoas com deficiência de mobilidade, colocando-as de pé (posição ortostática). Nesta postura, os pacientes realizam treinamentos de marcha por meio de um trilho de três metros de comprimento. Estudos demonstraram evolução na força física – motora – dos pacientes, com resultado na movimentação ativa dos membros inferiores de alguns deles e no aumento da funcionalidade para os afazeres do dia a dia. Técnico em Eletrônica, Tia-
go Rodrigues Gregório, de 25 anos, comprovou os progressos possibilitados pelo aparelho. Paraplégico devido a acidente motociclístico, ele começou a participar dos testes com o elevador em setembro de 2011. “Passei por vários avanços e obtive mais independência”, comemora. Dentre as benesses do tratamento, que o fizeram sentir-se mais seguro, destacam-se o melhor controle de tronco – o que lhe facilitou o ato de sentar-se –, a habilidade de transferência da cadeira de rodas para outros locais, como a cama, o carro, e o ganho de massa muscular. “Resolvi, inclusive, tirar carteira de habilitação novamente. Sei que eventuais dificuldades podem surgir, porém, me sinto mais preparado para enfrentá-las”, declara. Tiago Gregório complementa o tratamento com sessões de fisioterapia convencional, realizadas em sua casa. Apesar disso, ele assegura que os treinos coletivos, com outros cadeirantes, sob acompanhamento de Cláudia Garcez e de alunos de Engenharia Biomédica, proporcionam evoluções com reflexos na qualidade de vida dos participantes. “A esfera social também é importante, pois muito do que aprendi foi trocando experiências com os outros cadeirantes”, ressalta o jovem, que, em longo prazo, espera voltar a caminhar. O projeto do elevador ortostático dinâmico teve início quando Cláudia Garcez residia em Curitiba (PR), a partir de protótipo mecânico. “Por meio daquele equipamento ‘rústico’, percebi que esta nova abordagem de tratamento funcional poderia trazer avanços, principalmente, à terapia para pacientes com lesão medular”, relata a fisioterapeuta. Quando se mudou para Santa Rita do Sapucaí (MG), em 2007, Cláudia procurou o Inatel e obteve o suporte necessário para dar continuidade ao projeto, com o auxílio, ainda, de duas empresas da cidade – Usivale e Prodmec. As investigações científicas começaram em 2009 e já envolveram cerca de 25 pessoas. A equipe de pesquisa é formada por médica neurologista, educador físico, engenheiro e fisioterapeuta. O equipamento passa, agora, por
processo de transferência à indústria, a fim de que possa ser comercializado. Os pesquisadores, entretanto, pretendem dar continuidade às experiências, atrelando novos conhecimentos e abordagens de tratamento. Trabalhos já foram apresentados em vários eventos nacionais e internacionais, e, em setembro, o elevador será tema de palestra durante o Congresso Internacional de Engenharia Biomédica, realizado nos Estados Unidos.
Para ir além De acordo com o coordenador do CDTTA, nos últimos anos, os impactos da inovação chegaram, enfim, ao “território” do atendimento às necessidades de pessoas com deficiência, por meio da tecnologia assistiva. “Difícil entender como o investimento nesta área possa ter sido negligenciado, mas agora é o momento”, afirma, ao citar o empenho dos governos federal e estadual no desenvolvimento da área. O especialista em Engenharia Biomédica reitera que se pode encontrar, Brasil afora, centros já estruturados, com propostas em andamento. “Com relação às tecnologias, ainda temos muito a melhorar. Ou
seja, a inovar. Mas nosso país tem competência para estar entre os melhores e, além de atender à demanda interna, por que não pensar em exportar?”, aposta. Neste sentido, um passo importante seria, na opinião do engenheiro, o incentivo, por parte dos governos, quanto à desburocratização dos processos de registro e certificação. No CDTTA, a interface entre as áreas de Saúde e Engenharia leva os envolvidos a pensarem na melhor forma de fazer com que os equipamentos e procedimentos projetados atendam às reais necessidades dos usuários. “Isto induz alunos e engenheiros a conhecer a demanda, no caso das pessoas com deficiência, o mercado e o desenvolvimento de novos produtos, além de estimular nova filosofia de humanização para a Engenharia”, arremata Cláudia Garcez, enquanto Tiago Gregório reafirma: “Esses estudos são de extrema importância para a humanidade, não somente para aqueles que adquirem ou nascem com algum tipo de deficiência, já que possibilitam à crescente população com essa característica alcançar uma expectativa de vida melhor”.
Ideia premiada
O kit de motorização agraciado com o Prêmio 3M de Inovação para Estudantes Universitários integra o projeto da cadeira de rodas bifuncional® de baixo custo, que propõe nova concepção de equipamento, passível de ser utilizado em dois modos de operação: manual ou motorizado. Para tal, são utilizados motores sem escovas – BLDC de cubo de roda (do inglês, Brushless DC eletric). A tecnologia proposta contempla, ainda, os quesitos preço e facilidade de transporte, de forma a colaborar com a qualidade de vida e a inclusão das pessoas com deficiência física, dependentes desse mecanismo de locomoção, em qualquer faixa etária. Com menor peso (31 Kg) e com tamanho convencional de cadeira manual, o aparato pode ser fechado e transportado, por exemplo, em porta-malas de carros de passeio. Segundo os pesquisadores, tais diferenciais trarão, à pessoa com deficiência, o conforto de possuir uma cadeira motorizada, mas que também pode ser usada no formato manual, colaborando, inclusive, com a reabilitação dos indivíduos. De autoria do engenheiro Fábio Rodrigues da Silva, o projeto, desenvolvido sob coordenação do professor José Maria Souza Silva, está em fase de transferência para a indústria e, para ser comercializado, passará por todos os trâmites da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
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INOVAÇÃO
“H2Omem”, a fórmula da contaminação Estudiosos da Ufop realizam detalhado diagnóstico dos microcontaminantes lançados, por ação humana, nas águas da bacia do Rio Doce Ana Luiza Gonçalves Da nuvem até o chão. Do chão até o bueiro. Do bueiro até o cano. Do cano até o rio Do rio até a cachoeira. Da cachoeira até a represa. Da represa até a caixa d’água. Da caixa d’água até a torneira. Da torneira até o filtro. Do filtro até o copo. Do copo até a boca. Da boca até a bexiga. Da bexiga até a privada. Da privada até o cano. Do cano até o rio. Do rio até outro rio. Do outro rio até o mar. Do mar até outra nuvem. Nos versos compostos para música do disco Canções de Brincar (1996), do grupo Palavra Cantada, Arnaldo Antunes e Paulo Tatit revelam ao universo infantil, com poeticidade e delicadeza, o percurso realizado pelo “líquido vital”. Embora a água cantada por eles, voltada à linguagem das crianças, mostre a substância em sua forma mais cristalina, nem tudo no universo hídrico mostra-se, de fato, sem cheiro e sem cor. Afinal, apesar de já tida como fonte inesgotável, a água sofre, há séculos, uma série de ações nocivas por parte do homem. Os resultados de tais agressões são graves problemas de saúde para milhões de pessoas no mundo, carentes de recursos hídricos para sobrevivência. Em 2013, no Dia Internacional da Diversidade Biológica, realizado em 22 de maio, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou a população sobre a forte tendência à escas-
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Em 2005, a 22 de março, o Dia Mundial da Água, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou a resolução A/RES/58/217, segundo a qual, a partir daquela data, iniciava-se a Década Internacional para Ação “Água, fonte de vida”. Até 2015, questões relacionadas à água e à implementação de programas direcionados ao tema estarão em foco nas discussões levantadas pela ONU, com o objetivo de atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas.
A partir da proposta, criou-se a Rede de Monitoramento e Pesquisa das Águas do Rio Doce, que conta com intercâmbio entre a Ufop e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Já concluído, o projeto integra uma série de investigações, iniciada em meados da década de 1990, que conta com financiamento de diversos órgãos de pesquisas, entre os quais, a FAPEMIG.
sez da água doce, devido à alta demanda da população em crescimento. Some-se a esse fato a falta de qualidade do líquido em grande parte do globo terrestre. Junto ao aumento da demanda hídrica, também a degradação ambiental, a redução de matas ciliares e a ocupação desordenada do solo, resultantes de intervenções humanas, como obras civis, mineração e atividades agrícolas, ampliam a poluição ambiental. Por meio do desenvolvimento sustentável e de leis capazes de proteger o meio ambiente, esse quadro tem sido revertido. Ao adotar medidas para a avaliação de recursos hídricos, o professor Hubert Mathias Peter, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) investiu cerca de três anos na coordenação do projeto “Avaliação da contaminação por microcontaminantes orgânicos e a inter-relação entre diversidade geoquímica/geológica e qualidades das águas da bacia do Rio Doce”. A falta de informações sobre a presença de microcontaminantes orgânicos, substâncias húmicas aquáticas e pesticidas na região despertou o interesse das equipes da Ufop e da Ufes por examinar a área, de modo a diagnosticar a inter-relação entre a diversidade geoquímica/ geológica e a qualidade das águas da bacia do Rio Doce. “Existem muitos trabalhos isolados sobre problemas ambientais na região. É a primeira vez, contudo, que se realizam investigações com uma rede de amostragem bem mais densa”, afirma. A bacia hidrográfica do Rio Doce tem cerca de 83.400km² – sendo 86% da área em Minas Gerais –, abrange 228 municípios e conta com população total de 3,1 milhões de habitantes. A região tem o maior complexo siderúrgico da América Latina, que abriga as sedes de três das cinco maiores empresas mineiras. Além disso, também a Vale, maior mineradora a céu aberto do mundo, desenvolve seus trabalhos por lá.
Seleção de áreas Para que o projeto se desenvolvesse dentro das perspectivas propostas, determinou-se, em primeiro lugar, a localização dos pontos. Os critérios
foram estabelecidos por meio de dados coletados nas análises feitas pelo projeto “Águas de Minas”, coordenado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), com auxílio das ferramentas de Análise de Componentes Principais (PCA) e de Análise Hieráquica de Cluster (HCA). A partir dessas informações, tornou-se possível selecionar os pontos de coleta, para obter amostragem que abarcasse as interferências das principais atividades regionais na calha do Rio Doce e no baixo curso dos principais afluentes. No total, 24 pontos foram escolhidos para representar as diferentes características das águas da bacia. Em seguida – e a cada trimestre –, realizaram-se amostragens de campo, para, depois, determinar, in situ, uma série de parâmetros químico-físicos. Por fim, para identificar e remover os micropoluentes, adotaram-se diversas técnicas, já usadas por cientistas de todo o mundo. Dentre elas, está o uso de cromatografia acoplada e de espectrometria de massas.
Conceitos
Mas o que são, exatamente, os microcontaminantes encontrados na bacia e que tanto interferem na qualidade das águas? O termo é usado em referência a contaminantes orgânicos em concentrações de micro a nanogramas por litro. Em sua maioria, trata-se de compostos farmacêuticos, presentes nas formulações de remédios – incluídos os de uso veterinário, excretados pelo organismo. Além desses, há, na lista, fármacos e produtos de higiene pessoal, hormônios naturais e Pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo comprovaram que compostos encontrados em águas de rios e lagos podem decorrer de ações ligadas ao homem. No Brasil, a situação se agrava pelas atividades antropogênicas ligadas à agricultura, à indústria e à ocupação urbana, ações que se marcam pela ausência de tratamento de esgoto, o que aumenta as chances de poluição e contaminação das águas.
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sintéticos, produtos de limpeza, subprodutos industriais e drogas ilícitas. O professor Robson José de Cássia Franco Afonso, responsável, no projeto, pela parte de microcontaminantes, explica que essas substâncias são indicadores de atividade antrópica e estão associados a um conjunto diversificado de compostos orgânicos, geralmente usados em grandes quantidades pela sociedade. “O interesse crescente por essas substâncias ocorre, principalmente, porque elas podem apresentar atividade biológica em concentrações muito baixas, o que lhes confere grande relevância”. Os microcontaminantes capazes de interferir no sistema endócrino na vida animal e de seres humanos denominam-se perturbadores endócrinos. Eles são classificados numa série de grupos de compostos orgânicos, com grande potencial tóxico, podendo ser naturais – produzido por plantas – ou sintéticos, como aditivos alimentares, agrotóxicos, cosméticos e pílulas anticoncepcionais. Segundo Robson Afonso, tais substâncias causam efeitos adversos em um organismo saudável ou em seus descendentes e subpopulações. “Essa classe tem despertado grande interesse, pois, em função dela, já se constatou efeitos cancerígenos, alterações crônicas no desenvolvimento e na reprodução de várias espécies, perturbação nos sistemas cardiovascular e o neuroendócrino. Além disso, os perturbadores endócrinos são associados à incidência de obesidade”.
Raio-x da contaminação A análise da presença de microcontaminantes na bacia do Rio Doce ainda está em andamento. No entanto, Robson Afonso ressalta que, numa pré-avaliação, foram detectados, na água, pertubadores endócrinos e de medicamentos de uso amplo, como atenolol, azitromicina, bezafibrato, cimetidina, ciprofoxacino, ondansetrona, diltiazem, prometazina e miconazol – o que, segundo os pesquisadores, indica contaminação por esgotos domésticos. Quanto às questões geológicas do projeto, Hubert Roeser explica que a composição de sedimentos, na parte superior
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do Rio Doce, sofre muita influência de resíduos de mineração, especialmente de ouro e ferro. “No caso dos sedimentos, as condições dos leitos dos rios e eventuais barragens podem interferir. Os sedimentos da cabeceira do rio Conceição, por exemplo, são altamente influenciados pelas atividades de mineração”, explica. Segundo o professor, em certas sub-bacias – onde o Igam, por diversas razões infraestruturais e financeiras, pode amostrar apenas um ponto –, foram tirados mais de 100 amostras, a exemplo de áreas próximas aos rios Casca, Oratórios e Conceição. “Apresentamos, pela primeira vez, dados quantitativos de centenas de pontos, antes nunca amostrados. Tais informações sobre a composição e a qualidade das águas do Alto Rio Doce incluem os teores de metais pesados, as concentrações de elementos calcófilos, litófilos e siderófilos, além de elementos sobre contaminação por bactérias”.
Soluções Para mitigar a presença de microcontaminantes, Robson Afonso aponta que o mínimo a ser feito diz respeito à melhoria dos sistemas de saneamento básico. “É de fundamental importância o tratamento efetivo dos efluentes domésticos, agropecuários e industriais antes de seu lançamento em corpos d’água”. Segundo o pesquisador, os dados também mostraram que os tratamentos convencionais de esgotos e de águas, para abastecimento, não são 100% efetivos quanto à remoção de microcontaminantes orgânicos. Daí a importância do investimento em estudos capazes de minimizar o impacto dessas substâncias à biota e à saúde humana. Hubert Roeser destaca, entre os resultados da pesquisa, que os recursos hídricos e os sedimentos refletem, geralmente, as condições geológicas das bacias investigadas. Como as águas do Alto Rio Doce sofrem grandes influências litológicas regionais, obtiveram-se indícios para a influência antropogênica, como no caso da mineração de ouro. O professor chama a atenção, por fim, para os altos índices de contaminação por bactérias.
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Projeto: Avaliação da contaminação por microcontaminantes orgânicos e a inter-relação entre diversidade geoquímica/geológica e qualidade das águas da bacia do Rio Doce Coordenador: Hubert Mathias Peter Roeser Modalidade: Programa Ciência, Tecnologia & Inovação na bacia do Rio Doce Valor: 17.254,04
SAÚDE
Vacinas atenuadas
Pesquisadores do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear usam radiação para combater infecções fúngicas de importância médica Vanessa Fagundes
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Em maio de 2013, o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgou um alerta: nos últimos 15 anos, quatro mil pessoas haviam contraído, no Estado do Rio de Janeiro, a esporotricose. A doença, transmitida pelo fungo Sporothrix schenckii, costumava ser associada a jardineiros, agricultores e outros profissionais que trabalhavam manipulando flores e terra. Hoje, o perfil é diferente. A ocorrência da enfermidade em animais, especialmente gatos, e sua transmissão para humanos por meio de arranhões e mordidas assumiram proporções endêmicas. O problema não se restringe ao Rio. Na verdade, essa é a micose subcutânea mais comum na América Latina. Nos gatos doentes, as manifestações clínicas da esporotricose revelam-se variadas: lesões na pele, que costumam evoluir rapidamente, e espirros frequentes são os sinais mais comuns. Nos humanos, as lesões costumam ser restritas à pele, tecido subcutâneo e vasos linfáticos adjacentes, mas, em algumas ocasiões, podem disseminar-se a outros órgãos. As lesões na pele começam como um pequeno caroço avermelhado que, com o tempo, transforma-se em ferida. A doença tem tratamento que dura, em média, três meses, mas as feridas aparentes costumam provocar danos à autoestima dos pacientes. Em Minas Gerais, um grupo de pesquisadores do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), órgão da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM), está estudando formas de combater a doença. O foco dos trabalhos é o desenvolvimento de vacina capaz de imunizar cães e gatos contra a esporotricose, interrompendo, assim, a transmissão para humanos. O coordenador da pesquisa, Antero Silva Ribeiro de Andrade, enfatiza: até o momento, não existe vacina em uso para a doença ou para qualquer infecção fúngica de importância médica. Ele explica que a resposta imune a um organismo complexo como o fungo exige a ação coordenada de várias partes do sistema de defesa do organismo e uma vacina viva seria capaz de produzir este efeito. “Estamos explorando
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Caso o gato esteja com suspeita da doença, recomenda-se isolá-lo de outros animais, usar luvas e lavar as mãos com água e sabão após tocá-lo, desinfetar o ambiente com água sanitária ou cloro e evitar que ele tenha acesso à rua. É importante procurar um médico veterinário, pois a doença tem tratamento. Ele é prolongado e exige cuidados especiais pelo dono, para não contrair a enfermidade. um campo com grande potencial. Nossa abordagem é usar a radiação para atenuar os fungos e conseguir produzir uma vacina eficaz”, disse. Normalmente associada a efeitos negativos ao organismo e ao meio ambiente, a radiação, nesse caso, é uma aliada. Para produzir a vacina, os pesquisadores utilizam doses controladas de radiação gama, que produzem o efeito de fragmentar o DNA das células do fungo. Após ter seu DNA fragmentado, a célula não consegue mais se reproduzir. “Ela perde a capacidade reprodutiva e a virulência, mas continua metabolicamente ativa e capaz de induzir uma resposta imune. A gente considera, então, que o fungo está atenuado”, detalha Andrade. Sem a virulência, o fungo, ao infectar o organismo, estimula o sistema imunológico, mas não consegue mais provocar uma infecção progressiva.
Vacinas
De acordo com o pesquisador, o primeiro passo é a realização de testes para definir a dose de radiação ideal. Cultivadas em placas, as colônias do fungo eram bombardeadas com radiação gama. Após cada dose, realizavam-se testes para checar se os fungos conseguiam se multiplicar, continuavam a sintetizar proteínas, se conservavam a respiração celular, se a membrana permanecia íntegra, enfim, se estavam vivos, apesar da incapacidade de crescimento. A síntese de proteínas era verificada com o fornecimento de um aminoácido radioativo às células. Após 24 horas, os pesquisadores conferiam se as proteínas produzidas continham elementos radioativos, já que os aminoácidos são a base dessas moléculas orgânicas. O trabalho teve resultado positivo e originou uma dissertação de mestrado, de autoria de Camila Maria de Sousa Lacerda, que demonstrou a dose ideal de radiação para comprometer a capacidade de reprodução e a virulência do agente infeccioso, mantendo sua viabilidade. Segundo Andrade, o próximo passo é o desenvolvimento da vacina radioatenuada, com testes em animais para comprovar sua viabilidade. A princípio, a vacina é destinada a uso veterinário, mas nada impede que, no futuro, sejam realizados estudos destinados à profilaxia em humanos. “Para isso, dependemos do interesse de uma empresa, já que o volume de recursos envolvido é maior”, lembra o coordenador.
A produção de vacinas é um processo longo e demorado: envolve o estudo da doença e do patógeno que a provoca, testes em animais e humanos, aprovação de agências reguladoras e produção em grande escala, para só então chegar à população. Existem vários caminhos para se chegar a uma vacina, mas o princípio por trás deles é o mesmo: uma pessoa contaminada por uma doença fica imune a ela. As vacinas contêm, assim, traços do agente causador da doença, que não conseguem provocar a infecção, mas estimulam o sistema imunológico a produzir anticorpos. Assim, quando exposto novamente ao patógeno, o corpo reconhece a doença e a combate. No caso da vacina proposta pelo grupo do CDTN, as células do fungo que provocam as infecções ainda estão vivas, mas perderam a capacidade de reproduzir e prejudicar o organismo (ela foi atenuada pela radiação). Outra vacina famosa, a BCG, que imuniza contra a tuberculose, também utiliza a forma atenuada da bactéria Mycobacterium bovis. A atenuação, porém, não é resultado de doses de radiação, e sim da manipulação em laboratório. Existem, ainda, vacinas de vírus ou bactérias inativados, como a da hepatite A e B.
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Primeiros trabalhos
O pesquisador Antero Andrade atua em uma linha de pesquisa do CDTN que investiga as aplicações da radiação na área da saúde. O trabalho com infecções fúngicas de importância médica teve início há mais tempo, com outra micose de grande prevalência no Brasil: a paracoccidioidomicose, ou PCM, provocada pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis. O país é responsável por cerca de 80% dos casos da doença já reportados mundialmente e essa é a oitava endemia mais frequente no país. Similar à esporotricose, os mais suscetíveis à PCM são profissionais que trabalham com a manipulação de terra, como agricultores, pois o fungo vive no solo das plantações. Ao trabalhar na lavoura, o homem pode aspirar o fungo junto à poeira. Assim, durante algum tempo, a infecção estava praticamente restrita a áreas rurais. No entanto, as zonas urbanas vêm sendo cada vez mais atingidas. Entre os sintomas da doença estão lesões na pele, nas mucosas, emagrecimento e fraqueza, tosse e comprometimento pulmonar. Na ausência de tratamento, a PCM é geralmente mortal.
A metodologia para obtenção de fungos atenuados foi a mesma usada no estudo da esporotricose: doses de radiação até encontrar a quantidade ideal que impede o crescimento, mas preserva o metabolismo e permitindo ativar o sistema imunológico do organismo. No caso da PCM, os estudos foram além. Produziu-se uma vacina a partir dos fungos atenuados e essa foi testada em camundongos, comprovando sua eficácia. Com isso, o grupo conseguiu atestar o potencial da atenuação por radiação gama para o desenvolvimento de vacinas vivas contra doenças provocadas por fungos. “Vacinas baseadas em patógenos atenuados por radiação têm sido estudadas desde 1950. Porém, a utilização de fungos radioatenuados nunca havia sido explorada para este propósito”, destaca Andrade. Esse trabalho contou com a parceria do professor Alfredo Miranda Góes, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que já estudava a paracoccidioidomicose, e da então estudante de doutorado Estefânia Mara do Nascimento Martins. Além de
Para saber mais
Atenuação de Leveduras Viabilidade Síntese de proteínas Secreção de proteínas Metabolismo oxidativo Perfil antigênico Morfologia
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Antero Andrade, o grupo possui dois estudantes de mestrado e um de doutorado. O estudo, que rendeu uma patente ao grupo, foi desenvolvido até a fase de testes com camundongos – a produção de uma vacina para uso humano também depende de parceria com empresa interessada em investir no projeto. Segundo o coordenador, o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da instituição cuida dessa parte, buscando a transferência da tecnologia para a indústria. Enquanto isso, novos estudos são feitos. O grupo avaliou, por exemplo, o efeito terapêutico da vacina para a PCM em grupos de camundongos. Como aponta Andrade, a vacina é um instrumento profilático, ou seja, imuniza o organismo contra infecção futura. Mas os pesquisadores perceberam que, quando a pessoa já está infectada e toma a vacina junto ao medicamento, o resultado é muito melhor. Os mais recentes artigos da equipe mostram que a associação da vacina com as drogas antifúngicas provocam recuperação mais rápida do que as drogas ou a vacina isoladamente. Ou seja, mais uma possibilidade a ser explorada no combate à enfermidade.
Levedura
BARROS, M. et al. “Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia”. Revista Panamericana de Salud Publica 27(6), 2010. LACERDA, C. “Efeitos da radiação gama em leveduras de Sporothrix schenckii”. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, 2010. Cartilha “Paracoccidioidomicose não é palavrão e tem cura!”, desenvolvida pelo Ipec/Fiocruz, disponível em: http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/txt_331040956.pdf.
Imunização
PROTEÇÃO
Capacidade reprodutiva Virulência
Pesquisa: Desenvolvimento de vacinas radioatenuadas para doenças fúngicas Coordenador: Antero Silva Ribeiro de Andrade Modalidade: Edital Universal Valor: R$ 31.513,65 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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Saneamento
Sem trégua para a sujeira Estudos avaliam eficiência dos sistemas de tratamento de esgoto na remoção de contaminantes provenientes de medicamentos e produtos de limpeza Virgínia Fonseca
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Em 2011, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou gastos da ordem de R$ 140 milhões com internações por doenças diarreicas no Brasil. Tais distúrbios figuram como segunda maior causa de morte entre crianças menores de cinco anos de idade no mundo, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e constituem grave problema de saúde pública, especialmente nos países de baixa renda. A ocorrência dessas enfermidades, por sua vez, relaciona-se, grandemente, à falta de saneamento básico adequado. Pesquisa realizada entre as 100 maiores cidades brasileiras, no período de 2008 a 2011, atesta: nos 10 municípios com piores índices, havia 2,7 vezes menos pessoas atendidas por coleta de esgotos e 29 vezes mais casos de internação por diarreias do que nas 10 melhores localidades. Esse tipo de contaminação, embora mais evidente, não é a única ameaça do saneamento inadequado. Em Minas, equipe de pesquisadores das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (Ufop) dedica-se a investigar tema mais incipiente e não menos relevante: o contágio do esgoto sanitário por medicamentos e perturbadores endócrinos – compostos capazes de desestabilizar o sistema hormonal humano e de levar à diminuição da contagem de espermas, ao câncer de mama, de próstata, dentre outros males. Com vistas a avaliar a eficiência de sistemas simplificados de tratamento na remoção dessas substâncias, os cientistas conduzem, com o suporte da FAPEMIG e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), diversas investigações relacionadas ao tema. De acordo com os estudiosos, sistemas usuais de tratamento mostram-se eficientes na eliminação de matéria orgânica e, em alguns casos, de nutrientes (nitrogênio, fósforo) e organismos patogênicos como coliformes, ovos de helmintos etc. “Entretanto, até a realização da pesquisa, pouco se sabia sobre a eficiência desses mecanismos na remoção de microcontaminantes orgânicos, originários de fármacos e produtos de limpeza”, esclarece o professor Sérgio Francisco de Aquino, chefe do Departamento de Química (Dequi) da Ufop, que conduz os trabalhos ao lado de Robson Afonso, da mesma instituição, Carlos Chernicharo e Cláudio Leite
Enquanto nos 20 municípios com menores taxas de internação (média de 17,9 casos por 100 mil habitantes) tem-se aproximadamente 78% da população atendidos por coleta de esgotos, nas 10 localidades com piores índices de internação (média de 516 casos por 100 mil habitantes), em média, apenas 29% das famílias possuem atendimento sanitário. Os dados são do estudo “Esgotamento Sanitário Inadequado e Impactos na Saúde da População 2008-2011”, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que conduz ações com foco na universalização do acesso à coleta e ao tratamento de esgoto no país. de Souza, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (Desa) da UFMG.
Simples, mas eficaz
Os sistemas simplificados constituem o padrão predominante em Minas, embora, alerta o professor, o número de estações de tratamento, como um todo, seja ainda restrito no estado. Esse modelo apresenta baixo grau de mecanização e de sofisticação e, consequentemente, menores custos de implantação e de operação. Como exemplo do mecanismo, há as lagoas de estabilização, os sistemas alagados construídos (wetlands) e os reatores tipo UASB (do inglês Upflow anaerobic sludge blanket reactor: reator anaeróbio de manta de lodo), seguidos de filtros biológicos percoladores (FBP). Na pesquisa, fez-se monitoramento nos sistemas de tratamento simplificado do Centro de Pesquisa e Treinamento em Saneamento (CePTS) da UFMG/Copasa, localizado junto à Estação de Tratamento de Esgotos do Ribeirão Arrudas (ETE Arrudas). Tal posto recebe e trata, aproximadamente, 200 milhões de litros de esgoto por dia – atendimento correspondente a quase metade da população de Belo Horizonte. Ao longo de vários meses, em 2010 e 2011, a equipe mensurou a concentração de nove fármacos e desreguladores endócrinos (vide quadro).
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Dessa forma, os sistemas simplificados de tratamento logram proteger as comunidades aquáticas – peixes e anfíbios – dos efeitos adversos levados a cabo pelos microcontaminantes em questão no estudo. Ademais, a remoção de tais compostos na ETE protege os corpos d’água utilizados como mananciais de abastecimento e reduz o risco da exposição humana a tais substâncias, uma vez que minimiza a possibilidade de que entrem na estação de tratamento de água (ETA). Para tanto, coletaram-se amostras de esgoto bruto e tratado nas diversas unidades dos sistemas de tratamento. O material seguia, então, para o Departamento de Química da Ufop, onde se efetuava o procedimento laboratorial de extração e concentração das substâncias de interesse, para sua quantificação – que se deu em equipamento de cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC-MS).
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Os resultados indicaram, de forma geral, que os sistemas de tratamento simplificado têm sido eficientes na remoção da maioria dos compostos monitorados. Segundo Sérgio Aquino, o mecanismo apresenta eficiência comparável ao clássico processo de lodos ativados, comum em países de clima frio e que, por utilizar aeração, resulta em maior gasto operacional. “Ou seja, os sistemas simplificados, com menor custo de implantação e de operação, conseguem remover satisfatoriamente os fármacos e perturbadores estudados, presentes no esgoto bruto – embora, para alguns compostos, seja necessário processo complementar, envolvendo, por exemplo, oxidação com lâmpadas de UV”, conclui o professor, ao reiterar a importância da economia nos investimentos, haja vista a limitação orçamentária da maioria dos municípios brasileiros.
Desdobramentos Além de originarem dissertações e artigos científicos, os resultados foram divulgados em congressos nacionais e internacionais, perante gestores e operadores de ETEs. Em continuidade aos estudos, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) também autorizou o monitoramento do esgoto bruto e tratado, em outras estações, sob sua responsabilidade – a exemplo de ETE/ Onça, ETE/Betim, ETE/Nova Contagem, dentre outras. Esta fase acaba de começar e a primeira coleta será feita neste mês de agosto. Como alguns fármacos não foram completamente removidos nos sistemas simplificados estudados, os trabalhos prosseguem, com a avaliação do uso de fotorreatores com lâmpada ultravioleta (UV), de modo a complementar a remoção dos com-
postos do esgoto tratado biologicamente no sistema de reatores anaeróbios com filtros biológicos (UASB-FBP). A pesquisa mostrou que a utilização de fotorreatores é efetiva para a remoção complementar de microrganismos patogênicos (bactérias e vírus) e se revela capaz de remover microcontaminantes orgânicos. “Contudo, ainda é necessário aperfeiçoar os fotorreatores e fazer análise econômica da configuração mais adequada, antes de propor recomendação às companhias que prestam serviço de tratamento de esgoto”, esclarece o professor. Investigações sobre a eficiência de diferentes sistemas de tratamento de água para abastecimento são, aliás, outra linha de atuação do grupo, que trabalha com o monitoramento de fármacos e desreguladores endócrinos desde 2006. A equipe examina a presença dessas substâncias em águas
Nove fármacos e desreguladores endócrinos
superficiais, bem como a eficiência dos processos convencionais de potabilização na extirpação de contaminantes. “Estudamos, ainda, tecnologias complementares, como processos avançados de oxidação e de adsorção em carvão ativado”, complementa Sérgio de Aquino. Os pesquisadores já realizaram monitoramento nos principais mananciais de abastecimento de Belo Horizonte – Rio das Velhas, Morro Redondo, Vargem das Flores –, ao longo do Rio das Velhas – desde a nascente, em Ouro Preto, até o ponto de captação desta ETA –, e no Rio Doce. Nesse momento, projeto conduzido pelo professor Valter Pádua, da UFMG, em parceria com os acadêmicos da Ufop, avalia a contaminação dos principais mananciais das cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo por fármacos e desreguladores endócrinos.
Diclofenaco (anti-inflamatório) Bezafibrato (anti-lipêmico)
Estradiol (hormônio natural)
Etinilestradiol (hormônio sintético presente na pílula anticoncepcional)
Miconazol (fungicida)
Bisfenol A (utilizado na fabricação de plásticos)
Trimetoprima (antibiótico)
Sulfametoxazol (antibiótico) Nonilfenol (surfactante presente em produtos de limpeza)
Projeto: Avaliação da remoção de fármacos e perturbadores endócrinos por processos de adsorção e fotocatálise heterogênea acoplados ao tratamento convencional de água Coordenador: Sérgio Francisco de Aquino Modalidade: Programa Pesquisador Mineiro Valor: R$ 48.000,00 Projeto: Avaliação da eficiência de sistemas de tratamento de esgotos na remoção de microcontaminantes Coordenador: Robson Afonso Modalidade: Demanda Universal Valor: R$ 45.125,00 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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JORNALISMO
Por que não Minas?
Pesquisa desvela fatores que dificultam a consolidação da grande imprensa em terras mineiras, a despeito da relevância do estado no cenário nacional Virgínia Fonseca
Da Inconfidência Mineira aos dias atuais, passando pela política do Café com Leite e por outros momentos marcantes da história do Brasil, Minas Gerais sempre foi presença forte no cenário nacional. Tal participação diz respeito aos campos econômico, político e cultural: na literatura, emergem iniciativas e sujeitos de vanguarda – entre os quais pontificam nomes como Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. Esse celeiro propiciou uma safra de jornalistas-escritores que destilaram sua criatividade em jornais de Minas, até se projetarem, definitiva-
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mente, em outros centros nacionais e internacionais. Desvendar por que, não obstante todas as condições favoráveis, dezenas de adeptos das letras e do jornalismo tiveram que sair de Minas Gerais em busca de melhores perspectivas profissionais: eis a empreitada a que se lançaram professores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), ao desenvolver o projeto “Os impasses no processo de consolidação de uma Grande Imprensa em Minas Gerais”. Sob coordenação de Guilherme Jorge de Rezende, professor aposentado
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do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSJ, o trabalho contou com a atuação de três docentes do curso de Jornalismo da instituição: Jairo Faria Mendes, Luiz Ademir de Oliveira e Paulo Henrique Caetano. “O projeto concretizou trabalhos do grupo de pesquisa em Jornalismo e Estudos Culturais da Universidade”, conta o coordenador.
Panorama
Como universo da pesquisa, o grupo delimitou o campo do jornalismo impresso. Inicialmente, os estudiosos determinaram o conceito objetivo de “Grande Imprensa”,
contribuição que se pretende perene para os estudos da área (veja quadro). De 31 jornais diários identificados pela pesquisa, de acordo com os critérios propostos, o Estado de Minas alinhou-se parcialmente à definição. O periódico deteve o monopólio do mercado do jornalismo impresso mineiro entre 1960 e 1990. Posteriormente, surge a concorrência de Hoje em Dia e O Tempo, além do fenômeno do jornalismo popular. “Os tabloides Super Notícia, campeão de tiragem no país, e Aqui resgatam o valor de uso do jornal por abordar fatos de interesse popular, numa comunicação direta, rápida e fácil”, comenta o professor. As perspectivas para a imprensa oscilam entre previsões do fim do jornalismo impresso e o crescimento do formato popular. Essa última mostra reflexos em pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), que aponta a Região Metropolitana de Belo Horizonte como aquela com maior média de leitura de jornais no país.
Enigma solucionado
Após ampla pesquisa documental, histórica e conceitual, além de entrevistas com profissionais do jornalismo mineiro, o grupo identificou três fatores passíveis de explicar por que a imprensa do estado demora a se consolidar: excessiva vinculação com o poder político, inexistência de condições para manter um jornalismo
independente e concorrência com jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo. A primeira “categoria”, adverte o pesquisador, afeta, em maior ou menor grau, a imprensa nacional, sempre atrelada ao governo, em razão da excessiva necessidade de verbas publicitárias estatais. Em Minas, notavam-se, paralelamente, jornalistas e intelectuais que dependiam de emprego público. Durante muito tempo, na capital, profissionais da notícia acumulavam cargos em jornais e em órgãos de governo. “Nessas circunstâncias, era comum o profissional sair da repartição já com um release para publicar no veículo onde trabalhava”, conta. O estudo também retoma o panorama nacional com o objetivo de compreender a inexistência de condições mercadológicas para a manutenção do jornalismo independente, já que a organização da imprensa, em sistema capitalista como o brasileiro, segue lógica essencialmente comercial. A economia mineira sustenta-se na indústria de base, intimamente relacionada a uma prática extrativista: a produção de minério. “Não dispomos de indústria de bens de consumo capaz de financiar a imprensa com investimento publicitário”, infere Guilherme. A hegemonia das imprensas paulista e carioca se explicita na penetração de jornais como Folha de S. Paulo e O Globo, oferecendo cobertura nacional mais detalhada. Esses veículos disputam, ainda, a verba publicitária com os jornais locais.
A consequência é que, além da grande dificuldade de encontrar periódicos mineiros nas bancas de outras capitais, a imprensa local raramente consegue pautar o debate nacional, observam os pesquisadores. “Os veículos da grande imprensa já não possuem sucursais aqui, o que contribui com a redução das oportunidades de trabalho para os jornalistas no estado”, explica o coordenador. No entanto, a estagnação frente à grande imprensa nacional decorreu, também, de condições que caracterizaram o jornalismo impresso mineiro. O monopólio exercido, ao longo de três décadas, pelo jornal Estado de Minas interferiu, decisivamente, no processo de formação da opinião pública – situação que se alterou apenas após a década de 1990, com o surgimento do Hoje em Dia, de O Tempo e dos tabloides populares. Os resultados detalhados da pesquisa – que contou, também, com a colaboração de alunos de jornalismo da UFSJ –, além de serem apresentados em eventos nacionais de comunicação, resultaram em um vídeo e no livro Impasses e perspectivas da imprensa em Minas Gerais. Os pesquisadores planejam, como próxima etapa, estender os estudos às mesorregiões do estado. Afinal, destaca Guilherme Rezende, o conhecimento mais detalhado da realidade do jornalismo impresso do interior é imprescindível ao entendimento da complexidade da imprensa mineira.
Para ser Grande Imprensa Como metodologia inovadora proposta pelo projeto, destaca-se a definição do conceito objetivo de Grande Imprensa, até então inexistente nas Teorias do Jornalismo. Para enquadrar-se nessa concepção, um jornal impresso precisa atender a oito critérios: 1) Periodicidade diária 2) Vínculo com o Índice Verificador de Circulação (IVC) 3) Editorias bem consolidadas 4) Estrutura noticiosa de cobertura em âmbito nacional 5) Poder de agendamento 6) Anunciantes de abrangência nacional 7) Circulação nacional 8) Posicionamento empresarial.
Projeto: Os impasses no processo de consolidação de uma Grande Imprensa em Minas Gerais Coordenador: Guilherme Jorge de Rezende Modalidade: Grupos Emergentes de Pesquisa Valor: R$ 61.380,40
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engenharia
Resíduo gasoso livre de componentes tóxicos comunica o êxito da refinaria ecológica de carvão, na Zona da Mata mineira Virgínia Fonseca
Fotos: André Berlinck
Sinais (promissores) de fumaça
“Local (indústria, usina, etc.) onde se faz o refino de (açúcar, petróleo, etc.)”. A definição do termo refinaria forneceu a base de que os pesquisadores precisavam para denominar seu invento, uma alternativa capaz de produzir carvão vegetal sem gerar resíduos poluentes. A tecnologia desenvolvida baseia-se na combustão dos gases provenientes da carbonização da madeira, de forma a lançar, na atmosfera, componentes quase inofensivos: dióxido de carbono e vapor de água. “Decidimos usar ‘refinaria’ para diferenciar de ‘carvoaria’, que, hoje, tem conotação negativa, ligada, geralmente, às ideias de poluição e de trabalho escravo, o que acaba por denegrir a imagem de um produto extremamente importante para as indústrias nacional e mineira”, detalha o engenheiro florestal Daniel Camara Barcellos, autor do projeto da refinaria ecológica de carvão. Principal produtor de carvão vegetal do planeta, o Brasil destina grande parte do material ao processamento de ferro gusa, para fabricação de aço. Minas Gerais destaca-se por possui o maior parque siderúrgico a carvão vegetal do mundo. Apesar de as terras mineiras abrigarem extensa área plantada de eucalipto certificado, em sistema de manejo sustentável, tal realidade não se sobrepõe ao fato de o país ainda importar insumo de vizinhos como Paraguai, Colômbia, Argentina e Uruguai e consumir carvão de florestas nativas – proveniente, muitas vezes, de desmatamentos ilegais. “A expressividade da produção e do consumo desse produto vegetal em nosso país conduz a demandas tecnológicas que, atualmente, concentram-se no contexto da origem e da qualidade da madeira, no controle da carbonização e no destino a ser dado aos gases deste processo”, analisa a professora Angélica de Cássia Carneiro, do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Tecnologia “quente”
A inauguração de uma das primeiras refinarias em escala industrial ocorreu em maio, na Fazenda Guaxupé, município de Ubá (MG), na Zona da Mata. Doutor em Ciência Florestal pela UFV, Daniel Barcellos, que desde 1999 estuda o tema – em 2005, pesquisador e universidade registraram pedido de patente referente ao conceito do uso de sistemas integrados de carbonização – acompanhou o processo à frente da Barcellos & Camara Bioenergia, responsável pelo projeto.
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Segundo o engenheiro florestal, a carbonização da madeira, com vistas a convertê-la em carvão vegetal, é um processo termoquímico complexo, pois varia ao longo do tempo e gera subprodutos gasosos em composição e quantidades diferentes. O balanço da produção do insumo aponta que 40% a 50% da energia perdem-se na atmosfera, expelidos na fumaça dos fornos. Para se ter ideia, durante 96 horas de carbonização, uma mescla de mais de 200 compostos químicos com massa e concentração diferentes é eliminada na fumaça (veja quadro). “Tendo em vista toda esta variabilidade gasosa, buscou-se como solução um procedimento físico-temporal simples: concentrar e incinerar, em queimador único, o mix da fumaça de vários fornos, em diferentes estágios, com o objetivo de obter uma fumaça mais homogênea”, revela. A medida proporcionou controle sobre a poluição e manutenção da geração de energia térmica constante. “A partir desse conceito, nasceu a refinaria ecológica de carvão, um produto simples, ecologicamente viável e repleto de novas oportunidades a serem exploradas”, conclui Daniel. Dos mais de 200 compostos presentes na fumaça de carbonização, quase a totalidade é destruída termicamente. O controle de poluição resulta apenas, ao final, em dióxido de carbono, vapor de água e muito calor. Para além do progresso ambiental do novo modelo, tal técnica apresenta uma série de vantagens econômicas e sociais.
Mudança de conceito
Atualmente, os custos de investimento e de produção da refinaria ecológica de carvão superam os de carvoarias tradicionais. Há, também, amortização do investimento no queimador de fumaça de carbonização e de sua operação. Tais fatores, porém, encontram compensação quanto ao custo de pessoal – já que a insalubridade deixa de existir – e no diferencial de mercado representado pela oferta de produtos ecologicamente viáveis. Muitos dos compostos presentes na fumaça de carbonização podem causar danos à saúde humana. Essas substâncias deixam de existir após a incineração, o que torna o ambiente mais saudável para o trabalhador e a população do entorno, além de beneficiar fauna e flora da região. O engenheiro vislumbra, ainda, a obtenção de créditos de carbono, já que a destruição
A refinaria da Fazenda Guaxupé possui dois módulos produtivos com 24 fornos ligados a dois queimadores centrais
térmica da fumaça de carbonização permite eliminação do metano. Segundo Daniel, a implantação do mecanismo é viável a qualquer escala produtiva de carvão vegetal e, geralmente, exige incremento de 15% a 25% nos investimentos de instalação da refinaria. O empresário Sebastião Fernandes, dono da Fazenda Guaxupé, afirma ser preciso buscar resultados de médio e longo prazos. “Como passei a produzir em alta escala, procurei algo que me possibilitasse trabalhar da melhor forma, sem problemas ambientais. Se mantivesse a produção pelo método usual, poluiria quatro cidades ao redor de minha carvoaria”, relata.
Precursores de possibilidades
Há quase uma década no setor, Sebastião Fernandes dedicou cerca de dois anos à instalação da refinaria ecológica de carvão. Economicamente, ainda não foi possível medir os resultados do sistema, mas existem custos adicionais, por exemplo, com a lenha para combustão dos gases. O empresário acredita, porém, que o modelo anterior está com os dias contatos. Por isso, trabalha com vistas ao futuro. “Para manter a atividade carvoeira, precisaremos provar que ela é sustentável e tecnicamente viável. Temos de buscar tecnologia”, aconselha, ao conjecturar: “Com o tempo, as empresas que adquirem o carvão também devem se sensibilizar e ter consciência dos benefícios do uso de um insumo com maior valor agregado”. A implantação do projeto inclui a mecanização de processos. Na Fazenda Guaxupé, o carregamento e a descarga dos fornos são feitos com auxílio de equipamento específico. Não existe mais o contato direto dos trabalhadores com o carvão e os gases poluentes no dia a dia. “Mão de obra escrava, uso de matas nativas e poluição não têm relação com esse sistema”, arremata
Sebastião, que planta as próprias florestas de eucalipto (veja ao lado). Apesar de o projeto se encontrar em fase de comercialização e aplicação industrial, Daniel Camara visualiza grande margem para melhorias e desenvolvimento. Dentre as possibilidades, estariam a redução de custos e a ampliação da eficiência dos equipamentos de controle de poluição, a integração com complementos tecnológicos e o aproveitamento do potencial térmico para usos nobres, como geração de energia elétrica, secagem de lenha e outros produtos de maior valor agregado. O objetivo, segundo Daniel, é difundir o sistema em outros estados e, até mesmo, fora do país. Afinal, apesar de existirem tecnologias internacionais eficientes, capazes de controlar até 100% da poluição, os custos de investimento e de operação fogem à realidade brasileira e se revelam economicamente inviáveis. Os estudos seguem, também, na UFV. O Laboratório de Painéis e Energia da Madeira, do Departamento de Engenharia Florestal, desenvolve pesquisas na área desde a década de 1980 e intensificou trabalhos nos últimos anos, a partir do projeto “Desenvolvimento tecnológico da produção de carvão vegetal em Minas Gerais” – que tem a FAPEMIG entre seus apoiadores. A proposta evidencia pesquisas sobre qualidade do eucalipto, resfriamento artificial de fornos, queimadores de gases, secagem natural e artificial, monitoramento e controle dos fornos de carvão vegetal. “A fim de viabilizar o processo e abranger toda a cadeia produtiva, o foco atual está no desenvolvimento de queimadores de gases da carbonização, já que existem barreiras tecnológicas quanto aos materiais constitutivos e à não homogeneidade dos gases, além dos estudos de aproveitamento dos vapores resultantes para secagem da madeira”, especifica Angélica de Cássia.
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Plantio de clones multiplica resultados “A grama do vizinho é sempre mais verde”, reza o dito popular. Pois a experiência do fazendeiro Sebastião Fernandes, na Zona da Mata, mostra que não se deve menosprezar a possibilidade de isso ser uma percepção real. Há cerca de 10 anos, quando ele iniciou a plantação de eucaliptos na região, passou por uma situação curiosa: os demais produtores locais começaram a perceber que as florestas da Fazenda Guaxupé superavam as demais em crescimento e uniformidade das árvores. E não era ilusão de ótica, nem “mágica”, a resposta era simples: ciência. Sebastião implantou, com suporte de pesquisadores da UFV, a técnica de cultivo de clones de eucaliptos. Com o intuito de proporcionar rentabilidade à sua propriedade, o agricultor havia buscado auxílio junto ao professor Acelino Couto Alfenas, do Centro de Ciências Agrárias da Universidade, que lhe explicou as possibilidades do plantio de mudas clonadas de eucalipto. As recomendações do acadêmico, complementadas com as do engenheiro Sebastião Fonseca, especialista no cultivo, seguidas à risca, levaram a pro-
priedade a obter resultados diferenciados. Como a notícia se espalhou, logo os profissionais se viram elaborando material de apoio e realizando palestras sobre o tema para outros produtores da região. A partir da experiência, Acelino Alfenas partiu para outra iniciativa: implantou um teste clonal, a fim de embasar a seleção de mudas para plantio na Zona da Mata mineira e tornar a tecnologia mais acessível aos produtores locais. “Nosso objetivo é sempre minimizar os riscos do negócio, com foco, especialmente, no pequeno agricultor”, explica. Para selecionar os clones mais adequados a determinada região, os pesquisadores analisam a interação do clone com o ambiente. No caso da Fazenda Guaxupé, em meio a 32 clones testados, o grupo escolheu quatro que apresentaram maior crescimento e maior densidade da madeira. O incremento médio anual dos clones testados aos seis anos de idade variou de 44 a 82 m³/ha/ano, comprovando alto potencial de crescimento na região, já que a média nacional gira em torno de 38 a 40 m³/ha/ano. Adicionalmente ao crescimento
volumétrico, os pesquisadores examinam a resistência a doenças e conduzem estudo, em parceria com o Departamento de Engenharia Florestal, para avaliar as características tecnológicas da madeira quanto ao rendimento em carvão vegetal e às propriedades físicas para serraria. A proposta já se ramificou para além das terras da Zona da Mata mineira. A técnica encontrou adeptos em outras regiões do estado e fora dele: Alagoas, Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul são alguns exemplos. Acelino Alfenas destaca que a Universidade mantém papel ativo no processo, pois alunos de graduação e pós-graduação também atuam na pesquisa, o que permite, ao mesmo tempo, a formação de recursos humanos para a área florestal. Todos os dados obtidos são compilados na forma de relatórios técnico-científicos, posteriormente publicados como cartilhas, artigos, dissertações e teses. Além da participação da FAPEMIG, o projeto conta com empresas florestais parceiras e com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em condições normais, o processo de carbonização nos fornos tradicionais dura cerca de 96 horas. Para melhor entendimento, no que se refere ao tempo, esse processo pode ser dividido em quatro grandes etapas:
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FASE 1
FASE 2
FASE 3
FASE 4
do início às primeiras 24 horas,
entre 24 e 48 horas,
entre 48 e 72 horas,
entre 72 e 96 horas,
tem-se fumaça rica em vapor de água e com pouca presença de compostos quimicamente energéticos.
reduz-se, consideravelmente, o acúmulo de água nos gases e aumenta a concentração de compostos químicos energéticos.
os compostos quimicamente energéticos atingem o máximo de massa.
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ocorre a presença dos compostos energeticamente mais ricos, mas em menor massa.
Projeto: Avaliação de clones-elite de Eucalyptus spp. potencialmente aptos para a Zona da Mata mineira Coordenador: Acelino Couto Alfenas Modalidade: Edital Uso Múltiplo de Florestas Renováveis Valor: R$ 106.047,00
Análises dos componentes presentes em aquíferos revelam idade, níveis de pureza e direção de deslocamento de mananciais subterrâneos William Ferraz A América Latina, em especial a região da América do Sul, possui uma das maiores e mais abundantes redes de aquíferos e reservatórios de água do globo terrestre. A porção sul do continente resguarda dois dos maiores reservatórios naturais já catalogados no planeta: os aquíferos Alter do Chão, localizado sob o Amazonas, o Amapá e o Pará – com reserva de, aproximadamente, 85 mil km³ de água – e Guarani, que abrange partes dos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além do Nordeste da Argentina, o Noroeste do Uruguai e o Sudeste do Paraguai – com cerca de 45 mil km³. O monitoramento de todo esse patrimônio latino-americano fica a cargo dos hidrogeólogos do laboratório de trítio do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), sediado em Belo Horizonte (MG).
O conhecimento convida
Compreender o trabalho desenvolvido pela equipe do CDTN é uma oportunidade que pode ser experimentada pela comunidade. Durante o “Programa Portas Abertas”, realizado uma vez ao ano, o Centro abre seus laboratórios para visitação pública. Nele, são apresentados os projetos desenvolvidos e as tecnologias empregadas.
Primeiro da América Latina e, atualmente, o único em atividade, o núcleo, que é ligado à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), criada pelas Nações Unidas, foi tema da revista MINAS FAZ CIÊNCIA nº 24, em 2006. Hoje, o laboratório reúne expertise de mais de 45 anos no monitoramento de águas subterrâneas. “O laboratório atende a demandas da Agência Nacional das Águas, de grandes mineradoras e de agricultores, empresas de geologia, centros de pesquisas e universidades, além de prestar apoio a países que não possuem recursos para realizar as próprias análises”, conta o pesquisador Zildete Rocha, responsável pelo Laboratório. “Diversas análises são frequentemente realizadas para países como Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Peru, Uruguai e Venezuela”, completa. Os trabalhos são os mais variados. De acordo com o pesquisador, realizam-se análises de conexão entre aquíferos e fluxo de movimento das águas, avaliações das taxas de reposição dos reservatórios por meio das águas pluviais e do potencial de exploração de tais depósitos. “A taxa de reposição é determinada pela ‘idade’ das águas, que é indicada pela presença de um isótopo do hidrogênio, o trítio, cujo volume, formado nas altas atmosferas, determina se aquela água chegou há pouco ou
se está ali há muito tempo. Águas antigas indicam um reservatório com pouca ou nenhuma taxa de reposição, não recomendável para exploração, salvo em situações emergenciais”, explica Rocha. Um novo trabalho desenvolvido pelo laboratório é o de avaliação de pureza das águas, com a finalidade de determinar se há contaminação dos aquíferos por infiltrações de redes fluviais poluídas, por exploração ou perfuração inadequada do solo.
Trabalhos de destaque Dentre os projetos desenvolvidos pelo laboratório, Zildete Rocha dá ênfase às inúmeras análises de controle realizadas na região mineira do Quadrilátero Ferrífero e à consolidação, em 2011, do projeto aquífero Guarani. Segundo o pesquisador, a iniciativa, financiada pelo Banco Mundial, reuniu 72 pesquisadores de instituições do Brasil, do Paraguai e da Argentina. As avaliações foram feitas por meio do Laboratório de Trítio do CDTN. “Realizamos trabalhos de mapeamento e todos os módulos de análise das águas foram conduzidos. Havia grande preocupação quanto ao risco de contaminação, visto que, em alguns pontos, o reservatório apresentava grande proximidade com as águas do rio Tietê. Felizmente, os resultados demonstraram que o aquífero permanece intacto”, relata.
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LEMBRA DESSA?
Águas que contam história
5 PERGUNTAS PARA...
Ana Elisa Ribeiro Pós-doutora em Comunicação e Linguística Aplicada, a professora e pesquisadora Ana Elisa Ribeiro coordena, no Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), o programa de pós-graduação em Estudos de Linguagens. Também poeta (leia seção Varal, na página 50) e cronista, a autora é líder do grupo de pesquisa “Escritas Profissionais e Processos de Edição”, pelo qual organizou, em parceria com a professora Ana Elisa Costa Novais, da área de Língua Portuguesa do Instituto Federal de Minas Gerais – campus Ouro Preto –, o livro Letramento Digital em 15 cliques (2012). Na obra, são apresentadas formas diversas de uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) em sala de aula. Marcus Vinicius dos Santos O que, exatamente, é letramento digital? O letramento digital está ligado ao que a gente aprende a fazer e usa nas práticas sociais de leitura e escrita em que o computador – e outros dispositivos digitais – está implicado. Por isso, podemos ampliar nosso letramento digital dentro e fora da escola, por meio de aulas ou aprendendo com as pessoas. Há conexões do letramento digital com outros aspectos importantes, como a cultura digital, as agências de letramento etc. É importante pesquisar de que modo esses novos jeitos de aprender vêm sendo tratados, na era das tecnologias digitais, sem descartar o que aprendemos antes do computador e das redes.
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Ainda faz sentido pensar nas tecnologias digitais de informação e de comunicação como boas ou más, alienantes ou salvadoras da educação? Como vivemos tempos de transição, ainda há o ímpeto de uns para “defender” um campo mais tradicional das tecnologias e das aprendizagens, enquanto outros defendem novos modos de fazer as coisas. É natural, mas não vejo sentido em tratar as tecnologias dessa forma. É bastante claro, se olharmos a história das mídias, por exemplo, que os dispositivos “aprendem” uns com os outros, mais do que se excluem. Toda tecnologia é boa quando serve para fazermos coisas positivas e interessantes, quando nos ajudam, nos poupam tempo, potenciam a qualidade do que queremos fazer. E toda tecnologia é má quando serve para a destruição, para o embaraço. Parece óbvio, então, que o que interessa são os usos que dela fazemos. A educação se resolve quando há pessoas dispostas a isso, seja lá com que tecnologia for.
tivos e negativos das tecnologias digitais na educação. Nem gosto de chamá-las de “novas tecnologias” porque não são novas faz tempo! Mas isso depende do contexto, não é? Há escolas que só estão recebendo computadores e internet hoje. O fato é que as pesquisas sobre leitura, escrita, alfabetização e outros assuntos relacionados a isso são variadíssimas. Nosso grupo de pesquisadores, na UFMG e no Cefet-MG, tem resultados que nos levam a crer que há formas interessantes de usar tecnologias digitais na escola, em aulas de redação ou de leitura, mas que as habilidades que as pessoas vão desenvolver são bastante semelhantes ao que um bom leitor de impresso precisa saber. Não é fácil a distinção entre o que seja realmente novo ou velho.
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De que modo as novas tecnologias de comunicação podem influenciar o processo de ensino-aprendizagem? Citarei exemplos para facilitar a visualização do que podemos empregar na educação: o desenvolvimento de habilidades importantes para a produção de textos pode ser incrementado se o professor e os alunos usarem, por exemplo, um editor de textos em nuvem (como o do Google Drive, antigo Docs) ou uma wiki. Pode ser muito legal trabalhar questões de oralidade e escrita na observação de ambientes como chats. Pode ser bem interessante fazer pesquisa na web e aprender a filtrar o que se procura. Escrever usando editor de textos é, claramente, mais econômico em termos de tempo e de trabalho de citações e tal. Isso tudo influencia “como” e “o que” podemos fazer. Isso é aprendizagem.
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Com base em pesquisas desenvolvidas na área, já se conhecem as principais qualidades do uso do computador no ensino? Temos pesquisado muito, há pelo menos 20 anos, no Brasil, os usos posi-
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Alguma orientação para os professores que ainda não se motivaram a fazer uso dessas tecnologias? Penso que o professor precisa ser, antes de qualquer coisa, um cidadão que usa tecnologias para se comunicar, para conviver. Não dá para usar TICs no tra-
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balho da escola sem conhecer os programas, os ambientes, as possibilidades. Também não dá para saber tudo, ou para obrigar as pessoas a algo, embora o mundo vá nos induzindo, nos empurrando. Se o professor não entende como funciona o Facebook, certamente não poderá empregar isso em suas aulas. E há maneiras de fazê-lo, como mostram alguns autores em nosso livro. O professor que sabe usar acaba pensando modos de se apropriar, pedagogicamente, da ferramenta. Quem ainda não se motivou, precisa fazer um esforço, engajar-se e ver se o emprego de tecnologias digitais pode ajudar no ensino e na aprendizagem da disciplina que ministra. Há coisas muito interessantes, para muitas matérias e séries escolares. Certamente, a falta de computadores, de laboratórios adequados, internet etc. faz uma diferença enorme. Se a escola não tem essa infraestrutura, fica tudo mais difícil. No entanto, isso não é impedimento para quem quer trazer as tecnologias digitais a seu plano de trabalho. Os alunos e o professor podem ter celulares espertos, computadores em casa, internet no trabalho. Assim, o computador pode ficar entranhado nas atividades, sem, necessariamente, estar dentro da escola. O mundo tem funcionado assim. No entanto, não estou dizendo que as autoridades estejam dispensadas de equipar as escolas. De forma alguma! Elas precisam ser equipadas. Mas o “salto”, mesmo, está na cabeça do professor.
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! O LIVRO
Letramento digital em 15 cliques. Ana Elisa Ribeiro e Ana Elisa Costa Novais (orgs.). Belo Horizonte: Editora RJH, 2012.
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fapemig.wordpress.com
Durante a mesma época em que Tamara estava saindo com Greg, Amir estava trabalhando durante meio-período na clínica de terapia infantil da Universidade de Columbia. Lá, ele usava terapia baseada no apego para ajudar mães a criar laços mais seguros com seus filhos. O efeito poderoso que o tratamento guiado pelo apego tinha no relacionamento entre mãe e filho encorajou Amir a aprofundar seus estudos sobre a ‘teoria do apego’. Isso acabou conduzindo-o a leituras fascinantes: resultados de pesquisas feitas inicialmente por Cindy Hazan e Phillip Shaver indicavam que adultos mostravam padrões de apego com seus parceiros românticos similares aos padrões de apego das crianças com os pais
A ciência nos auxilia em diversos aspectos, mas, quando se trata de questões afetivas, as publicações voltadas ao assunto recebem olhares desconfiados. Exceção à regra, o livro Apegados, de autoria do psiquiatra e neurocientista Amir Levinee e da psicóloga Rachel S. F. Heller – ambos pesquisadores da Universidade de Columbia –, apresenta teorias que facilitam a compreensão do sucesso e do fracasso das relações amorosas. A obra mostra que o perfil emocional das pessoas é construído desde a infância. Testes realizados com bebês ajudaram os pesquisadores a perceber as semelhanças entre crianças e adultos. Ao desenvolver novos exames, concluíram que os adultos nutrem três tipos de “apego”: 1) seguro (pessoas amorosas e à vontade numa relação íntima); 2) ansioso (indivíduos desejam intimidade, mas duvidam da própria capacidade de despertar amor no outro) e evitante (sujeitos consideram intimidade sinônimo de perda de independência).
Passeio pela
Explorando as grutas ao redor, Carlos e sua equipe, além de ossos humanos, encontraram adornos e vestígios de fogueiras em diferentes camadas de terra. Os ossos e objetos encontrados nas grutas foram levados ao laboratório do Museu, onde foram preparados, identificados e calculadas as suas idades, entre 12 e 10 mil anos. Depois de estudados, alguns dos fósseis foram expostos no Museu para que todas as pessoas possam conhecer e aprender sobre nossos antepassados e as formas de vida que já existiram.
seu apego “Evitantes” preferem pessoas de apego ansioso, pois um alimenta as necessidades do outro. Apesar de não se envolver na relação, o primeiro dá indícios contrários ao parceiro e gera insegurança. O ansioso, por sua vez, não sabe lidar com a situação, fica inseguro e insiste na relação, pensando tratar-se de mera crise. Quanto aos seguros, trata-se de indivíduos que preferem os ansiosos ou aqueles com o mesmo estilo de apego. Neste caso, tendem a “acalmar” o parceiro com sua estabilidade. Mais de 50% das pessoas são de apego seguro, enquanto 20% são ansiosos, 25%, evitantes, e 5% combinam os estilos ansioso e evitante. Livro: Apegados – um guia prático e agradável para estabelecer relacionamentos românticos recompensadores Autor: Amir Levine e Rachel S. F. Heller Tradução: Marcos Maffei Ilustrações: LOR Editora: Novo Conceito Páginas: 192 Ano: 2013
pré-história
Escrever para crianças não é tarefa fácil. Afinal, é necessário trabalhar a linguagem, pensar em imagens capazes de complementar o texto e criar histórias interessantes, que prendam a atenção dos pequenos. Imagine, então, escrever um livro para crianças sobre Paleontologia! Professor da PUC Minas, Cástor Cartelle aceitou o desafio. O resultado é A história de Aur e Nia, obra definida pelo autor como “ficção repleta de conhecimento”. Trata-se do terceiro livro infantil de Cartelle, que também é curador da coleção de Paleontologia do Museu de Ciências Naturais da Universidade. Para dar vida às duas crianças que protagonizam a história, o primeiro passo do autor foi encontrar o cartunista LOR, alcunha do médico e também professor Luiz Oswaldo Rodrigues, cujos desenhos deram forma e cor aos conceitos básicos desse campo do conhecimento. No livro, acompanhamos a vida de Aur e Nia há
milhares de anos, das brincadeiras à vida em família, das caçadas ao olhar sobre a morte. Após um salto no tempo, a obra apresenta o trabalho de paleontólogos na recuperação e catalogação de fósseis. Completam a publicação exercícios e brincadeiras, que podem ser usados em sala de aula pelos professores. De forma lúdica, as crianças conhecem os primeiros habitantes do Brasil e aprendem como chegaram aqui. Além disso, aprendem sobre formação de fósseis e sobre Luzia, o mais antigo fóssil humano brasileiro. A primeira edição do livro, de 20 mil exemplares, é distribuída gratuitamente às crianças que visitam o Museu da PUC Minas. Livro: A história de Aur e Nia Autor: Cástor Cartelle Ilustrações: LOR Editora: PUC Minas Páginas: 40 Ano: 2012
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LEITURAS
Cada qual com
O TEMA É: MANIFESTAÇÕES
HI P ER LI N K
Do clique às ruas: e depois? Sérgio Braga Professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Com as jornadas de junho de 2013, o Brasil entra por fim no rol de países que, nos últimos anos, passaram por grandes manifestações em que a internet e as tecnologias digitais foram ingredientes fundamentais para sua eclosão inicial e posterior difusão. Na esteira desses acontecimentos, esvai-se, também, o ceticismo de certos observadores da cena política em relação às possibilidades de que o “ativismo de sofá”, de alguns segmentos da população, especialmente dos mais jovens, ganhasse maiores proporções e transbordasse suas ações para o mundo off-line. Apesar da grande variedade de contextos, demandas, atores emergentes e objetivos políticos, todas estas mani-
festações tiveram características comuns. Dentre estas, podemos destacar, além do uso maciço da redes digitais: a) foram, em maior ou menor grau, críticas às formas tradicionais e institucionalizadas de fazer política, inclusive por aqueles partidos de esquerda que chegaram ao poder e implementaram bem sucedidas políticas distributivas e de crescimento econômico; b) agruparam forças sociais heterogêneas e difusas, sem um núcleo organizacional sólido que pudesse canalizar as manifestações para objetivos pré-fixados por tal ou qual segmento das elites políticas tradicionais. No caso específico do Brasil, a rápida difusão dos protestos deveu-se a vários fatores, que também explicam algumas de
suas características até aqui. Destaco alguns deles: a) tocaram num ponto crítico para a grande maioria da população urbana das grandes cidades brasileiras, que é o da qualidade dos serviços públicos ofertados à população, especialmente o transporte, mas também educação e saúde; b) ocorreram simultaneamente a um torneio de futebol para o qual foram transferidos, de maneira concentrada, vultosos investimentos públicos, que beneficiaram atores do meio político e empresarial suspeitos de envolvimento em irregularidades administrativas; c) não terem, num primeiro momento, recebido respostas imediatas por parte das instituições tradicionais, fossem os governos municipais, estadu-
CIÊNCIA NO AR
Modernização da ciência
O Código da Ciência e a desburocratização das atividades de pesquisa foram temas bastante debatidos ao longo da 65ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Recife (PE), no mês passado. Durante a abertura do encontro – assim como numa série de eventos paralelos –, pesquisadores e representantes da comunidade científica abordaram
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tais questões. Presidente da FAPEMIG, o professor Mario Neto Borges também participou de mesa-redonda sobre o assunto, ao analisar a relevância da adoção de nova legislação para CT&I, com o objetivo de estimular o país a alcançar autonomia tecnológica e desenvolvimento industrial. Quer saber mais? Assista ao programa Ciência no Ar.
ais, ou mesmo federal, que se limitaram, inicialmente, a qualificar como “vândalos” ou “fascistas” os manifestantes e aplicar a eles as medidas repressivas de costume. Todo esse conjunto de tensões e eventos fez com que se intensificasse o sentimento de privação relativa de parcelas significativas da população brasileira (desde a alta classe média conservadora, que queria aproveitar a oportunidade para protestar contra a titular do governo federal, até jovens motoboys de periferia, que faziam seu debut em manifestações políticas, passando por militantes de partidos de extrema esquerda, que viam nos protestos uma oportunidade de fortalecer suas respectivas legendas partidárias às custas do desgaste do PT), o qual foi catalisado pelo grande potencial de mobilização das redes digitais, provocando a fortíssima reação psicosocial que todos observamos pelo noticiário da TV e pela internet nas últimas semanas. Para quem julgava que a democracia brasileira voava em céu de brigadeiro, ao conjugar crescimento econômico, distribuição de renda e estabilidade política, como era insistentemente afirmado por setores ligados à propaganda oficial, inclusive nas
universidades, e, portanto, poderia passar imune ao ciclo de manifestações e ao sentimento de mal-estar que pouco a pouco se espraia pelo capitalismo global, tais manifestações foram uma surpresa. Entretanto, para os observadores menos desavisados, os protestos nada mais foram do que a culminância de um amplo descontentamento contra inúmeros aspectos da gestão pública brasileira, que já se disseminara e se expressara amplamente de maneira difusa, inclusive pelas redes sociais. Bem ou mal, e de forma algo atropelada, nos dias subsequentes às manifestações, os gestores estaduais e municipais, em grande parte pressionados pelo governo federal e por lideranças políticas nacionais, tomaram uma série de medidas que responderam positivamente às demandas mais imediatas do movimento, tais como a anulação dos preços das passagens de ônibus e de outros serviços públicos, como pedágios. O Congresso também deu respostas, rejeitando a PEC 37, prometendo mais gastos em educação e saúde vinculados aos royalties do petróleo, e mais participação e transparência nos processos de elaboração de políticas públicas em nível local.
Neste sentido, o sistema político brasileiro tem reagido, até agora, de maneira satisfatória aos protestos, sinalizando uma agenda de políticas que busca canalizar a energia das ruas, no sentido de tornar mais responsivas e participativas as políticas governamentais, aumentando, no fim das contas, a qualidade da democracia e da gestão pública brasileiras. Outro efeito colateral positivo dos protestos foi o de recolocar a atividade política no local nobre onde ela deve estar, ou seja, nas ruas e perto das demandas da população, e não somente nos conchavos de gabinete e nos cálculos eleitoreiros, conforme ela, infelizmente, esteve nos últimos anos no Brasil. Desse modo, menos do que a primavera que anuncia o sol radiante de uma democracia sem problemas e assentada no consenso latente das maiorias silenciosas, as históricas manifestações dos últimos meses podem ter anunciado o outono de velhas formas de fazer política e sinalizado para um futuro promissor, que, embora incerto, abre um novo campo, onde serão plantadas novas sementes, que permitirão a renovação de nossa democracia.
ONDAS DA CIÊNCIA
Prêmio José Reis
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com sólida e destacada trajetória na área da popularização da ciência, o físico Ildeu de Castro Moreira foi condecorado com o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica de 2013. Escolhido, entre 139 concorrentes, pelo “conjunto de sua obra”, o pesqui-
sador se destaca pelo impacto nacional – e multiplicador – de seu trabalho na área. A solenidade de entrega da premiação ocorreu no dia 21 de julho, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), durante a abertura da 65ª reunião da SBPC. Ouça entrevista com Ildeu de Castro no Ondas da ciência. MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e poeta, Ana Elisa Ribeiro criou os versos ao lado a convite de MINAS FAZ CIÊNCIA.
VARAL
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