Minas Faz Ciência 65

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Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br

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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Fernando Pimentel SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Miguel Corrêa Jr.

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Evaldo Ferreira Vilela Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda Beirão Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha Conselho Curador Presidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Esther Margarida Alves Ferreira Bastos, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos, Michele Abreu Arroyou, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli, Virmondes Rodrigues Júnior Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

Para andar, conversar, brincar, comer, ler a revista Minas Faz Ciência, enfim, para todas as atividades realizadas pelo corpo, o cérebro é indispensável. Mesmo que relativamente pequeno – ele pesa, em média, 1,5 quilo nos seres humanos –, o órgão consome cerca de 20% de toda a energia do organismo. Pesquisadores comprovaram que o utilizamos o tempo todo, inclusive enquanto dormimos. São cerca de 100 bilhões de neurônios, um número ainda maior de conexões e perguntas que a ciência ainda não conseguiu responder. Apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos, é possível dizer que há muito para se conhecer sobre o cérebro humano. As Neurociências buscam compreender o funcionamento desse órgão, especialmente aqueles ligados ao comportamento humano. Para isso, congregam várias áreas, passando pela Psicologia e pela Neurologia, que investigam o funcionamento do sistema nervoso e suas interações com o corpo. São muitos e diversificados os estudos realizados dentro desse campo do conhecimento. A reportagem especial desta edição traz um panorama das linhas de investigação em curso e as contribuições dessa ciência para a melhor compreensão do nosso corpo. Dengue, zika vírus e chikungunya são assuntos do momento. O País vive uma epidemia grave, com números que não param de crescer, especialmente no caso da dengue. O problema é também um desafio para a ciência nacional. Em todos os estados, pesquisadores se dedicam a estudar a doença sob vários aspectos: tratamentos mais adequados, hábitos do mosquito transmissor e até mesmo as atitudes da população no que se refere ao cuidado contra a propagação das larvas do inseto. Minas Gerais conta com um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – Dengue, um centro de excelência que realiza pesquisas de ponta sobre o tema, muitas em parceria com outras instituições. Esses estudos têm contribuído para combater a doença e fornecer respostas. O repórter Téo Scalioni apresenta esses trabalhos e soluciona algumas dúvidas comuns, como a viabilidade, em curto prazo, de uma vacina eficaz para a dengue. Outro destaque é o trabalho da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) com as microrredes energéticas inteligentes. Tais sistemas elétricos, que combinam fontes de energia consideradas limpas, como o sol e o vento, ainda são raros no Brasil. O campus da Unifei é um dos candidatos a receber esse sistema. Lá, já são realizados estudos sobre geração e transmissão de energia, especialmente dentro do Centro de Excelência em Redes Elétricas Inteligentes. Os resultados contribuem para gerar dados sobre a qualidade do fornecimento e o consumo de energia, além de pensar alternativas para o modelo energético adotado no País. Temos, também, uma novidade. A seção Vida de Cientista apresentará, a cada edição, o perfil de um pesquisador de renome, buscando retratar não apenas suas conquistas profissionais, mas também seu dia a dia fora do laboratório, suas fontes de inspiração e seus hobbies. A ideia é mostrar que o cientista é uma pessoa como qualquer outra, com problemas, alegrias e dilemas. Para a “estreia”, a repórter Marina Mendes conversou com o físico Ado Jório Vasconcelos, do Instituto de Ciências Exatas da UFMG. Recentemente, o professor, que estuda a aplicação de nanoestruturas em novos materiais e Biomedicina, teve seu nome incluído na lista dos cientistas mais influentes do mundo, segundo a editora norte-americana Thomson Reuters. Conheça um pouco mais sobre sua trajetória a partir da página 45. Aproveito esse espaço para dar uma dica aos nossos leitores. Recebemos, com frequência, pedidos para envio das edições anteriores da Minas Faz Ciência. Com exceção dos números recentes, não temos esse material para distribuição. Mas todas as edições estão disponíveis, na íntegra, em nosso blog (http://blog.fapemig.br) e no portal da FAPEMIG (www.fapemig.br), que, por sinal, está de cara nova. Que tal conhecer um pouco da história da revista e da ciência no Estado? Boa leitura! Vanessa Fagundes Diretora de redação

AO LEI TO R

EX P ED I EN T E

MINAS FAZ CIÊNCIA Diretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr. Redação: Alessandra Ribeiro, Camila Alves Mantovani, Marina Mendes, Maurício Guilherme Silva Jr., Roberta Nunes, Tatiana Pires Nepomuceno, Téo Scalioni, Thiago Malta,Vanessa Fagundes, Verônica Soares e Vivian Teixeira Diagramação: Fazenda Comunicação Revisão: Sílvia Brina Direção de arte: Felipe Bueno Editoração: Unika Editora, Fatine Oliveira Montagem e impressão: Rona Editora Tiragem: 25.000 exemplares Capa: Felipe Bueno


Í N D I CE

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Entrevista

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Engenharia Elétrica

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Ligado ao Instituto de Astrofísica de Andaluzia (IAA), na Espanha, Antônio Claret dos Santos fala de ciência e ondas gravitacionais

Unifei baseia-se em projetos estrangeiros para instalação futura de microrrede inteligente de energia elétrica

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Meio ambiente

Em investigação sobre alternativas sustentáveis para produção de materiais, cogumelos nascem de sacolinhas plásticas

Química

Estudo da Universidade Federal de Juiz de fora revela uso de metais pesados em bijuterias de baixo custo

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Especial

Reportagem discute objetivos, desafios, limites e bases teóricas das Neurociências

Farmácia

Na UFMG, especialistas analisam efeitos do uso do fármaco Ritalina por estudantes que buscam neuroaprimoramento

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Energia

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Vida de cientista

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hiperlink

Pesquisadores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) avaliam potencial brasileiro para desenvolvimento de energia eólica

biocombustível

Em Lavras, especialistas investigam características da produção de biocombustível a partir da batata-doce

Conheça a trajetória de Ado Jorio Vasconcelos, que integrou a lista de pesquisadores mais produtivos em 2015

Geologia

Estações controladas por pesquisadores da Unimontes monitoram tremores de terra na região de Montes Claros (MG)

Computação

Projeto auxilia desenvolvedores a criar sites com maior acessibilidade a pessoas com deficiência

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Conversas com o universo, dengue, Sci-Hub e livros para pequenos cientistas

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Combate à dengue

Combate à dengue, à chikungunya e ao zika vírus é alvo de inúmeras vertentes de pesquisas no Estado


para o

meditação

relaxamento,

a concentração, o autoconhecimento ou

o autocontrole

“A maioria das pessoas que recorre à prática de meditação tem, como objetivo principal, a busca de pelo menos um dos itens citados na pergunta. Na verdade, não podemos achar que o resultado virá instantaneamente. É um processo contínuo. Acredito, sim, ter eficácia não somente em um dos itens citados, mas em todos. A prática deve ser constante, independentemente do tempo”. Eduardo Quintella Machado de Carvalho Via Facebook

“Acredito totalmente! Acho que meditar é um dos caminhos mais lindos para entrar em contato com quem a gente é de verdade. Não é fácil, mas dá para sentir na pele os benefícios. Vale muito a pena”. Thainá Cunha Via Facebook

“Meditar nos torna mais concentrados e leves. Libera e capta energia, simultaneamente. Faz bem para o corpo e a mente. Mas é, de preferência, um processo contínuo, ininterrupto. Não é um remédio que se toma somente em momentos de crise”. Sônia Pessoa Via Facebook

“Não acho que ‘acreditar’ seja uma palavra boa, porque meditação não precisa de fé ou de opinião para funcionar... É uma técnica que, se usada corretamente, apresenta benefícios a qualquer praticante (exceto, talvez, pessoas com psicopatologias

?

severas). Estudo comprovando os benefícios em vários contextos é o que não falta”. André Moura Via Facebook

“Eu acredito e acho que a meditação deveria ser mais incentivada e divulgada. Em tempos como os que vivemos hoje, a tão falada ‘mindfullness’ nos mostra o quanto a cabeça da gente não para um só instante. E o quanto é importante nos desligarmos um pouco para contemplarmos a vida”.

Luiz Flávio Lima Via Facebook

“Meditar é de grande poder! A ciência tem comprovado os inúmeros benefícios da meditação. Os desafios do dia a dia podem levar uma pessoa a inibir o seu progresso pessoal. Tensões no corpo e na mente, falta de perspectiva, cansaço tristeza, dentre outros fatores, podem levar ao afastamento da rotina diária e, até mesmo, do convívio pessoal. A meditação tem se revelado grande aliada, trazendo, às pessoas, mais concentração, energia vital, além de corpo e mente mais relaxados. Por meio da prática meditativa, uma pessoa se torna mais confiante, sua estima melhora, as respostas para suas dúvidas clareiam na mente, há um aumento do bem-estar e, como consequência, até mesmo doenças poderão ser sanadas ou minimizadas. A atividade da meditação é muito antiga, porém, vem sendo resgatada e o número de praticantes aumenta a cada dia. Teremos um mundo melhor se a meditação fizer parte de nossa rotina diária! Então, vamos meditar?”. Esther Magalhães Via Facebook

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

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Ci ên ci a Ab erta

Você acredita

na eficácia da


especial

Das infinitudes do cérebro A compreensão do comportamento humano é o foco das Neurociências, campo que se destaca pela multidisciplinaridade Alessandra Ribeiro e Camila Alves Mantovani

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O estudo do corpo humano é algo que fascina e desafia os homens desde remotas eras. Os avanços das tecnologias ampliaram muito as possibilidades de compreender um pouco mais tal funcionamento, tendo em vista, principalmente, o uso de técnicas não invasivas in vivo. Dentre os vários sistemas e órgãos que se dão a conhecer, o cérebro tem concentrado grande esforço de pesquisa – e com foco inicial não apenas na Biologia e nas áreas de saúde. Nesse contexto, destaca-se o surgimento e a consolidação das chamadas Neurociências (Sim, no plural!). Apesar de o estudo do cérebro remontar há séculos e séculos, no que tange a efeitos disciplinares e acadêmicos, considera-se a década de 1970 como marco do surgimento de tal campo do conhecimento. A datação deve-se, em grande medida, aos já mencionados avanços tecnológicos do século XX, que permitiram a criação, por exemplo, da primeira máquina de tomografia, cujo uso ampliado, para além dos ambientes de pesquisa, deu-se somente na década de 1990, devido aos altos custos. De acordo com Ângela Maria Ribeiro, professora e idealizadora do programa de Pós-graduação em Neurociências da Universidade Federal de Minas Gerais, os avanços nos métodos e técnicas são importantes não apenas pela ampliação da capacidade de compreensão do cérebro e suas interações, mas, também, por ressaltarem a primeira dimensão interdisciplinar da área. Segundo a pesquisadora, a linha divisória entre as disciplinas acaba por se dissolver, inicialmente, no próprio método. “Tomemos, por exemplo, a morfologia, que, em essência, estuda a forma. É possível traçar uma história, desde Leonardo da Vinci, com seus desenhos macro, até as imagens geradas por microscópios, tomografias, ressonâncias. Isso foi um marco, pois, com a evolução tecnológica, ao mesmo tempo em que observamos a forma, vemos, também, a atividade”, explica. Neste cenário, se o paciente ingere uma substância “marcada”, é possível acompanhar, simultaneamente, a forma e a atividade de circuitos e regiões específi-

cas no cérebro. “A ressonância magnética funcional é uma técnica que exemplifica a interdisciplinaridade entre a morfologia, a bioquímica e a fisiologia. Trata-se de método desenvolvido por meio do conhecimento da Engenharia Eletrônica, da bioquímica, da morfologia e da fisiologia, e, hoje, empregado em várias áreas, e não só nas Neurociências”, conclui. Para além da dimensão técnica, no entanto, as Neurociências revelam-se um campo de conhecimento que busca compreender o comportamento humano, a partir do funcionamento do sistema nervoso e de suas interações com o corpo – a mediação principal para relacionamento dos indivíduos com o mundo à sua volta. Com base em tal pressuposto, Ângela Ribeiro destaca a abrangência do tema, ao apontar para as diversas subáreas que a compõem, como os “territórios” molecular, sistêmico, cognitivo e computacional. “No cerne das Neurociências, há interações com a Psicologia, a psiquiatria, a neurologia, a neurobiologia e a neurofisiologia. Você pode usar modelos animais ou diversos tipos de estudos, em vários níveis, mas o objetivo central é a compreensão do comportamento humano”, esclarece. Pode-se perceber, portanto, que a premissa – e, por conseguinte, o diferencial – dos estudos em Neurociências está no fato de que qualquer aspecto do comportamento (motor, emocional, cognitivo) tem bases biológicas ou físicas e que, para os especialistas da área, isso não envolve apenas o sistema nervoso. Há, também, questões relativas aos sistemas endócrino e imunológico. Outro ponto fundamental é o fato de as Neurociências adotarem o paradigma darwiniano. Isso significa que, ao analisar fenômenos e/ou estudos teóricos, neurocientistas buscam interpretar e compreender seus objetivos empíricos aos olhos da teoria da evolução. “Até agora, é esse o paradigma que usamos, mas pode surgir, no horizonte, algo que modifique isso”, pondera Angêla Ribeiro. A partir de tal perspectiva, o indivíduo é visto como um ser “em relação com os outros”. Daí o interesse pelo uso desse conhecimento na busca por compreender

Referência aos princípios da chamada teoria da evolução, desenvolvida pelo naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1882).

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as interações de comportamentos – as quais, em suma, envolvem “intercâmbios com o outro” e, de forma mais abrangente, têm importância social.

Estímulos sociais Nos últimos anos, ampliou-se, significativamente, a interface das Neurociências com outros campos disciplinares, especialmente, no que diz respeito às Ciências Sociais e humanas. Exemplo de como tais áreas têm lançado luz sob fenômenos similares refere-se aos estudos em torno da chamada “tomada de decisão”. Segundo Ângela Ribeiro, ao longo das descobertas das Neurociências, percebeu-se que os estímulos do meio ambiente alteram a rede neural e, assim, modificam o organismo. Consequentemente, isso provoca mudanças nos processos decisórios, bem como nas atitudes e nas emoções dos indivíduos. Para a pesquisadora, tudo isso aponta para o fato de que há um processo em construção, contrapondo-se à visão anterior, que considerava o sistema como algo pronto, fechado.

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O termo se refere a mudanças hereditárias na expressão gênica (genes ativos e inativos), que não envolvem alterações na sequência (base) de DNA. Há mudanças no fenótipo, sem que algo ocorra no genótipo. Isso afeta a forma como as células leem os genes. A epigenética é uma ocorrência regular e natural, mas também pode ser influenciada por fatores como idade, ambiente, estilo de vida e doenças. A especialista ressalta, ainda, que a evolução de outras áreas da Biologia, como a epigenética, tem auxiliado as Neurociências a revelar que os estímulos do meio social são capazes de mudar o organismo do indivíduo, a rede neural, e, assim, alterar seu comportamento. O mais interessante, porém, está no fato de que isso pode ser transmitido a outras gerações. “Além de variados, os estímulos sociais são detectados consciente ou inconscientemente pelo organismo. Estudos de Neurociências já apontam que as alterações provocadas pelos meios, na rede neural, ocorrem desde a gestação”, enfatiza. Uma série de estímulos, portanto, é registrada e codificada no cérebro sem que os indivíduos tenham consciência disso. “O interessante é perceber que muitas decisões que tomamos, na verdade, já tinham sido ‘tomadas’ por nossa rede neural, de forma inconsciente. Esse conhecimento revela-se bastante importante, por exemplo, para as Ciências Sociais”, explica. Exemplos simples de estímulos do meio, detectados pelo corpo a partir de uma mesma estrutura físico-biológica – e interpretados de modo diferente por indivíduos ou grupos de indivíduos –, referem-se à percepção sensorial. “Um perfume é captado pela mesma via sensitiva por mim e por você. Porém, na hora em que ele chega ao cérebro, passa a ter significados distintos para nós. Isso porque a informação vai interagir com outras já codificadas na rede neural. Portanto, posso dar uma resposta diferente da sua, a partir de um mesmo estímulo”, exemplifica.


Para Ângela Ribeiro, as contribuições das Neurociências para as Ciências Sociais e humanas vão além de métodos. Envolvem, na verdade, um conhecimento adquirido em torno das questões relativas ao comportamento. Isso diz respeito, especialmente, à compreensão de que as experiências adquiridas durante o desenvolvimento do indivíduo – não só de ordem biológica, mas, também, relativas ao meio em que cada um viveu – geram similaridades e diferenças individuais importantes, devido aos contextos nos quais os indivíduos (ou grupos) estão inseridos.

Respeito e crítica O conhecimento das relações entre as atividades dos sistemas neural, endócrino e imunológico com o comportamento humano tem colaborado para estudos os mais diversos. “A própria empatia, conceito extremamente subjetivo, tem sido estudada pelas Neurociências. Com a evolução da área, conseguimos compreender aspectos do comportamento humano que, anteriormente, nem pensávamos ser consequência, por exemplo, de interações químicas na rede neural”, comenta Ângela Ribeiro. As interfaces entre Ciências Sociais e Neurociências abrem um leque de possibilidades de entendimento sobre fenômenos relacionados ao comportamento humano. Isso pode ter impactos positivos em relação à melhoria da qualidade de vida das pessoas, em pesquisas, por exemplo, sobre os hábitos nutricionais de certas comunidades. “A aproximação entre os campos do conhecimento, porém, precisa se dar de maneira respeitosa e crítica, pois, ao olhar para um fenômeno cultural, com as lentes de um neurocientista, corre-se o risco de operar certo reducionismo”, comenta, ao frisar que as Neurociências surgiram “para somar”. Isso significa que não se pode abrir mão dos métodos e das teorias desenvolvidos pelas Ciências Sociais e humanas. “As Neurociências devem ser vistas como nova perspectiva – ou instrumento – para o entendimento do comportamento humano, e, portanto, social”, conclui.

Construção de saber

No ver de Ângela Ribeiro, há poucas iniciativas, nas universidades brasileiras, para a formação de recursos humanos capazes de atuar em pesquisas situadas nas interfaces entre as Ciências Sociais e as Neurociências. “Na Europa e na América do Norte, muitos países interessam-se em produzir conhecimento nessa área. No Brasil, percebemos movimentos pontuais, de pessoas que saíram da academia, formaram empresas e vendem esse know-how. Antes disso, porém, precisamos produzir tais saberes”, pondera. Em 2010, quando coordenava o Programa de Pós-graduação em Neurociências, a pesquisadora viu a oportunidade de criar uma linha de pesquisa que buscasse consolidar as relações interdisciplinares com as Ciências Sociais e humanas. Para tal, estabeleceram-se interações, na UFMG, com professores das faculdades de Ciências Econômicas (Face), de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) e de Educação (FaE). Como resultado inicial, Ângela destaca a oferta de uma disciplina em colaboração com o programa de pós-graduação em Administração, já na quinta edição. Para além disso, a pesquisadora destaca a grande demanda por formação na área, expressa pela procura de alunos dos mais diversos campos do conhecimento. Apesar de já em curso um conjunto de pesquisas com características interdisciplinares, verificou-se a necessidade de formalizar a iniciativa na UFMG, pois ainda há carências ligadas a infraestrutura, fundamental às propostas interdisciplinares. Hoje, a formação em Neurociências está vinculada, pelo menos, a sete unidades da UFMG: Escola de Engenharia, Faculdade de Medicina, Escola de Música, Fafich, FALE, ICEx e ICB. Apesar disso, a estrutura de funcionamento da UFMG, baseada em departamentos, dificulta os objetivos centrais das investigações neurocientíficas. Com base em tal panorama, Ângela Ribeiro destaca o esforço, junto a outros pesquisadores, para formalização, em 2016, da linha de pesquisa “Interfaces entre Neurociências e Ciências Sociais”, inédita no País. “Isso será muito interessante, pois fugiremos das colaborações MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

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voltadas, quase que exclusivamente, para aplicações pontuais, como mecanismos e métodos. Partiremos, então, para a efetiva construção de conhecimento em bases interdisciplinares”, completa.

Razão X Emoção

Nas Ciências Sociais – e, principalmente, no que diz respeito às análises orientadas pela Teoria da Ação Racional –, a razão tem papel central no processo decisório, interpretado, de forma objetiva, por meio de metodologias de pesquisa ligadas, por exemplo, às Ciências Políticas e Econômicas. Na última década, com os avanços das Neurociências, diversos especialistas passaram a explorar o componente emocional inerente às tomadas de decisão. “O desenvolvimento de tecnologias apropriadas, o conhecimento das manifestações comportamentais e dos respectivos processos neurobiológicos envolvidos nestes estados emocionais permitiraram que pesquisadores de áreas diversas se associassem a neurocientistas para compreender melhor o papel das emoções nos processos decisórios”, relata o cientista social Carlos Magno Machado Dias, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG. Com base em fundamentos do Neuromarketing e da Neuroeconomia, o pesquisador investiga as emoções associadas à imagem de eleitores em relação a candidatos a cargos políticos – e como elas interferem em suas preferências e escolhas. Uma das ferramentas usadas para “medir” tais emoções é um programa de computador capaz de identificar a intensidade das expressões faciais dos participantes (supostos eleitores), ao assistirem a vídeos de um candidato fictício. A ideia é que o político faça um mesmo discurso, mas com quatro cenários diferentes de fundo. Enquanto isso, os espectadores têm as imagens faciais registradas. As expressões são registradas e classificadas pelo software de acordo com imagens reunidas em uma base de dados. Um novo estado facial é identificado se a expressão persistir por mais de cinco segundos. As análises são feitas por meio de um conjunto de algoritmos que permite

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a identificação de marcas faciais básicas, como felicidade, surpresa, medo, raiva, nojo e tristeza. “A imagem facial capturada pelo software é, essencialmente, um método biométrico cujas manifestações biológicas estão ligadas ao sistema límbico do cérebro e são difíceis de medir, mas podem ser inferidas por meio de avaliações indiretas”, descreve Carlos Magno. Os dados são cruzados com um questionário respondido pelos espectadores, antes de assistirem ao vídeo, repleto de perguntas sobre gênero, etnia e preferências políticas gerais, além da autoidentificação de alinhamento ideológico, segundo escala de esquerda à direita. Em um segundo momento, repete-se o método durante a propaganda eleitoral gratuita, com candidatos reais. Gradativamente, novas técnicas têm sido empregadas para medir o papel das emoções no processo de tomada de decisão política emoções, a exemplo da técnica de eye tracking e dos eletrocardiogramas.

Mindfulness

Um tipo de meditação, focada na atenção ao momento presente, na consciência corporal e no autocontrole das emoções, ganha espaço no ambiente corporativo, com o objetivo de aumentar a capacidade de tomada de decisões objetivas e reduzir o estresse. Trata-se da Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR) – ou “atenção plena”, segundo expressão usada no Brasil –, técnica criada pelo médico norte-americano Jon Kabat-Zinn, na Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, em 1979. Nas palavras do próprio Kabat-Zinn, o método consiste em “aprender a parar, pausar e observar o que acontece no corpo e na mente”. O programa é desenvolvido ao longo de oito semanas, em encontros semanais com duração de três horas. A meditação é praticada, há séculos, por religiões como o budismo e o hinduísmo. Embora tenha sido inspirada em tal tradição, a técnica é “laica, orientada para a promoção da saúde, acessível e inserida no contexto ocidental contemporâneo”, conforme define o Núcleo Mineiro de Mindfulness (Numi). Atualmente, o méto-

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O conceito refere-se a um conjunto de tecnologias que permite medir e registrar os movimentos oculares de um indivíduo diante de estímulos em ambientes reais ou controlados. Desse modo, determina-se em que áreas ele fixa a atenção, por quanto tempo e em que ordem se dá a exploração visual.


do é empregado em mais de 200 hospitais e centros de saúde do mundo, para tratar problemas como ansiedade, depressão e dor crônica. Estudioso da mindfulness, o médico Ramon Cosenza, coordenador do curso de Neuropsicologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, cita experiências bem-sucedidas também nas escolas, onde a técnica tem sido associada à melhoria da aprendizagem e do relacionamento interpessoal entre os alunos, com redução nos casos de violência e nos níveis de estresse dos professores. “A partir da década de 1980, começou a publicação de pesquisas científicas que demonstram efeitos da mindfulness na atenção, na memória, na regulação emocional e na resposta imunológica do organismo, dentre outros benefícios, como a sensação de bem-estar”, afirma Cosenza, ao apontar estudo publicado nos anais da Academia de Ciências de Nova Iorque, em 2014, segundo o qual o acompanhamento de praticantes do método revelou reduções significativas do

cortisol e de imunoglobulinas circulantes – elementos associados, respectivamente, a menores níveis de estresse e à melhoria da resposta imunológica. Noutro artigo, publicado pela revista Nature Reviews Neuroscience, em março de 2015, são descritos estudos de neuroimagem que demonstram mudanças na estrutura cerebral, com efeitos positivos, associadas à prática da mindfulness. “Há evidências de que ela modifica o processamento da cognição, e, particularmente, a função executiva, bem como o processamento emocional”, relata o médico. No entanto, admite-se, na mesma publicação, que “os mecanismos neurais subjacentes permanecem obscuros”, o que revela a necessidade de novas pesquisas para compreensão completa das bases neuronais e moleculares de tais mudanças. No Brasil, uma das referências no estudo do tema é o Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto atende a usuários do Sis-

tema Único de Saúde (SUS), desde 2011, no Ambulatório de Mindfulness. As principais queixas tratadas são estresse e dor crônica. Em Minas Gerais, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) investigam a eficácia do método para o fim do consumo do tabaco e de benzodiazepínicos. Um dos trabalhos buscou instrumentos confiáveis para medir os efeitos desse tipo de meditação no tratamento dos dependentes. A versão brasileira da Escala de Atenção e Consciência Plenas (Maas) foi analisada e considerada um recurso válido. Para chegar a tal resultado, realizou-se um estudo transversal, que envolveu 395 participantes, divididos entre pacientes de uma Unidade de Atenção Primária à Saúde municipal, pacientes em tratamento para dependência de tabaco, estudantes universitários e meditadores. A iniciativa, do Centro de Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Drogas (Crepeia), coordenado pelo professor Telmo Mota Ronzani, do Departamento de Psicologia da UFJF, teve apoio financeiro da FAPEMIG.

Mindfulness em 3 minutos O exercício a seguir é proposto pelo Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde da Unifesp e usa, como âncora, a própria respiração:

# Traga sua atenção para o ambiente: a temperatura, os sons… e apenas observe. _ Agora, preste atenção em seu corpo: como está se sentindo neste momento? Quais sensações corporais estão presentes? # Note, também, seus pensamentos e sentimentos. _ Atente-se para a respiração e não se procure em controlá-la. # Deixe que ela encontre seu próprio ritmo. Sinta o ar entrando e saindo. _ Se sua mente for a outro lugar, tudo bem! Apenas observe onde ela estava e volte a sentir a respiração. # Busque, agora, expandir a atenção, como se seu corpo inteiro estivesse a respirar e a te observar neste momento. _ Entre em contato, então, com a temperatura e o som do ambiente, por meio da “lente” de sua respiração, mas de modo consciente.

Participação da FAPEMIG Projeto: Estudo sobre desenvolvimento, avaliação e implementação de inovações em intervenções para usuários de tabaco e outras drogas Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora Coordenador: Telmo Mota Ronzani Chamada: Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (Pronem) Valor: R$ 119.568,06

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entrevista

Triunfos da mente humana Pesquisador do Instituto de Astrofísica de Andaluzia, na Espanha, o brasileiro Antonio Claret dos Santos fala de seu trabalho com as ondas gravitacionais, fenômeno previsto pela teoria da relatividade geral e recentemente comprovado Maurício Guilherme Silva Jr.

Formado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também concluiu mestrado, Antonio Claret dos Santos viajou à Espanha para desenvolver o doutorado junto ao Instituto de Astrofísica de Andaluzia (IAA) e ao Departamento de Física Teórica da Universidade de Granada. No IAA, o pesquisador integra, atualmente, o grupo de Astrofísica Robótica e de Altas Energias (Arae), responsável, dentre outros estudos, por investigações sobre as ondas gravitacionais, preconizadas por Albert Einstein (1879-1955). Trata-se de perturbações no tecido espaço-tempo, resultantes do movimento e/ou da deformação de um campo gravitacional, que se propagam à velocidade da luz. No que tange ao trabalho de Claret com Astrofísica teórica, destacam-se os projetos “Evolução estelar”, que investiga estrelas de nêutrons/quarks e buracos negros, e “Plato”, que pretende a busca de exoplanetas a partir de satélite homônimo da Agência Espacial Europeia (ESA). O pes-

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quisador dedica-se, ainda, ao “Carmenes”, que procura exoplanetas similares à Terra, e ao “Bootes”, iniciativa ligada à Física de altas energias, aos telescópios robóticos e às explosões de raios gama (GRB). Para além de sua área de origem, o físico dedica-se à Paleoantropologia. “Interessam-me a Astronomia no medievo espanhol e as causas da extinção dos dinossauros. Dedico-me ao estudo das pegadas fósseis de tais animais no norte da Espanha, analisando-as físico-anatomicamente, para determinar suas velocidades”, conta. Nesta entrevista, Claret esclarece a importância das ondas gravitacionais, e discute aspectos da produção científica no Brasil e no mundo. O que, exatamente, são as chamadas ondas gravitacionais, preditas há um século pelo físico Albert Einstein? Trata-se de perturbações no tecido espaço-tempo, devido ao movimento e/ou à deformação de um campo gravitacional,

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que se propagam com a velocidade da luz. As ondas podem induzir oscilações na forma de objetos nelas atravessados. Elas se revelam, porém, de difícil detecção, devido às pequenas amplitudes das deformações resultantes. É como medir variações da mesma ordem de grandeza de um núcleo atômico. Há diferentes configurações astrofísicas capazes de gerar este tipo de ondas, e, em princípio, de detectá-las, como a explosão de uma supernova, a formação de um buraco negro, a fusão de duas estrelas de nêutrons, ou de dois buracos negros, e a rotação de uma estrela de nêutrons não homogênea. Joseph Weber foi pioneiro neste campo. Seu experimento consistia em uma barra de alumínio, de 2,5 metros de comprimento e meio metro de diâmetro, que se deformaria ao ser atravessada por uma onda gravitacional. Infelizmente, a sensibilidade do instrumento era muito baixa. Além disso, havia grande dificuldade de eliminar ruídos. Apesar dos problemas,


Arquivo Pessoal

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É necessário estender o interesse à ciência. Para tal, as crianças são fonte permanente, pois sentem fascínio, por exemplo, pelos dinossauros. Se começamos com esse tema, a criança é levada a se interessar, também, pela Geologia, pela Química, pela Astrofísica.

Weber anunciou, na década de 1960, que havia detectado as ditas ondas, fato não confirmado por experimentos posteriores. Pouco depois, e quase simultaneamente, nos EUA e na antiga União Soviética – que, por vezes, apesar da Guerra Fria, trabalharam em conjunto –, começou-se a idealizar o detector por interferometria. Tal detector também se baseava nas oscilações de um corpo atravessado pelas ondas gravitacionais, mas as correspondentes distorções seriam medidas por lasers. Por outro lado, nos anos 1970, os astrofísicos Hulse e Taylor encontraram evidências indiretas das ondas. Ao medir a variação do período de um sistema binário, constituído por duas estrelas de nêutrons, os pesquisadores verificaram um sistema compatível com uma configuração que perde energia ao emitir ondas gravitacionais, e, portanto, em muito bom acordo com a Relatividade Geral de Einstein. Em 2014, a equipe do Biceps [referência ao Background Imaging of Cosmic Extragalactic Polarisation, radiotelescópio instalado no Pólo Sul] anunciou que havia detectado ondas gravitacionais geradas na etapa de rápida expansão do universo. Porém, estas medidas foram questionadas, e a detecção, descartada. Finalmente, pesquisadores e associados do Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (Ligo) – dois interferômetros, com quatro e dois quilômetros de comprimento, localizados nos Estados Unidos – anunciaram, em fevereiro de 2016, a detecção de ondas gravitacionais provenientes da fusão de dois buracos negros com massas 29 e 36 vezes maiores que a do Sol. Para a ciência e, especificamente, para a Física, o que representa a comprovação das ondas gravitacionais? Quais os próximos desafios? Acho um triunfo da mente humana. Neste caso, de Albert Einstein, cuja descrição da gravitação é bastante exata, até onde somos capazes de medir. Também foi um

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triunfo da habilidade humana em conceber e construir os interferômetros que possibilitaram a detecção das ondas. Lembremo-nos que, há décadas, observávamos o universo apenas por meio da radiação eletromagnética no visível, no ultravioleta e no infravermelho. Logo, construíram-se os radiotelescópios e nossa percepção aumentou de maneira significativa: víamos o exterior através de uma janela maior! Em seguida, tornaram realidade as observações em raios-X e gama. Mais janelas abertas! Agora, aumentaremos nosso poder de visão e de compreensão, com telescópios sensíveis às ondas gravitacionais. Eles são particularmente importantes nos fenômenos relacionados com objetos muito compactos, tais como buracos negros e estrelas de nêutrons. Quanto às metas e aos desafios, há muitos objetivos de vanguarda. O importante, porém, é não esquecer que a própria Física clássica ainda oferece campos de pesquisas muito frutíferos. Ressaltaria como grande desafio teórico a junção entre Física Quântica e Relatividade Geral, tarefa, sem dúvida, muito árdua. No plano acadêmico-experimental, mas de aplicação quase imediata, está a fusão nuclear. Ou seja, a obtenção de energia por meio da emulação das estrelas. Também a Computação Quântica e as aplicações da Nanotecnologia estão na lista de desafios e metas. Quanto aos futuros resultados dos observatórios de ondas gravitacionais, eles nos ajudarão a compreender um pouco melhor a Física dos objetos compactos. Penso, contudo, que o melhor serão as surpresas com que nos brindarão. De fato, está previsto o lançamento da missão espacial Lisa [Laser Interferometer Space Antenna], projeto conjunto entre ESA e Nasa [a agência espacial norte-americana] que terá três naves aptas a detectar e medir, simultaneamente, as mencionadas ondas. Ao comparar Brasil e outros países, quais as principais diferenças quanto à


atenção concedida às ondas gravitacionais? Temos pesquisa de ponta na área? Segundo me consta, duas entidades científicas brasileiras participaram da detecção das ondas gravitacionais: o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Especiais] e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Dado o elevado número de instituições e autores envolvidos, é muito difícil avaliar a contribuição de cada indivíduo e/ ou organização. A meu ver, porém, o fato de as duas instituições brasileiras aparecerem na lista é um indício de que, nesta modalidade, faz-se pesquisa de alta qualidade no País. Como o senhor analisa o interesse dos indivíduos pela Astrofísica? A Astrofísica, como a Paleontologia, tem um atrativo especial sobre o público em geral, por tentar responder a perguntas-chave como “De que está constituído e como se comporta o Universo?”, “Qual a origem da vida?”, Qual a causa da extinção dos dinossauros?”, “Como surgiu o Homo sapiens?” etc. Esse interesse natural deve ser reforçado pelo cientista, responsável por escrever artigos e livros de divulgação, além de realizar conferências e seminários dirigidos ao público. É necessário estender o interesse à ciência. Para tal, as crianças são fonte permanente, pois sentem fascínio, por exemplo, pelos dinossauros. Se começamos com esse tema, a criança é levada a se interessar, também, pela Geologia, pela Química, pela Astrofísica. Estimulamos, assim, o descobrimento do caráter interdisciplinar. Há, obviamente, combinações alternativas, mas com resultantes que sempre apontam na mesma direção. Penso ser uma obrigação do cientista divulgar os seus resultados ao público, dentre outros motivos, porque são essas pessoas que pagam nossos salários. A divulgação da Astrofísica na Espanha é boa. Os institutos têm, em suas fileiras, jornalistas especializados. Permita-me centrar-me em Granada, que

conheço melhor. Esta cidade tem três centros dedicados à Astrofísica: o IAA, o Departamento de Física Teórica da Universidade de Granada e o Instituto de Radioastronomia Milimétrica. O IAA edita uma revista de divulgação; às quintas-feiras, há conferências públicas; existem, ainda, jornadas de portas abertas e visitas ao Observatório de Sierra Nevada e ao Radiotelescópio. O Parque das Ciências de Granada, por outro lado, tem um moderno planetário, com produção própria e um telescópio de 75 cm de diâmetro, que, antes, funcionava em nosso observatório. Não conheço em detalhes a divulgação da Astrofísica no Brasil, mas sei que algumas pessoas se dedicam a essa tarefa com seriedade e ótimos resultados. Creio, porém, que se deveria potencializar ainda mais a divulgação científica em ambos os países. Por quê? Porque ciência também é cultura. Infelizmente, é frequente a separação entre ciências e letras. Uma pessoa, às vezes, é considerada culta por ler os clássicos e/ou por frequentar teatros. Contudo, se essa pessoa não tem os conhecimentos mínimos de ciência, não deve, a meu ver, ser considerada culta. É como habitar uma casa muito bonita e confortável, sem saber como foi construída ou onde se localiza. Por outro lado, se a pessoa tem sólidos conhecimentos científicos, mas ignora as artes e as letras, sabe muito sobre a tal casa, mas é incapaz de interpretar a beleza que a rodeia ou a concepção artística envolvida em sua construção. Penso que uma pessoa culta é aquela que, além de possuir conhecimentos literários, artísticos e humanísticos, tenha um mínimo de cultura científica, ou vice-versa. De que modo as mídias digitais interferem, hoje, na produção científica? O IAA mantém conexões internacionais favorecidas pelas novas tecnologias? Sem a tecnologia disponível nos dias de hoje, muitas descobertas no mundo da Astrofísica seriam quase impossíveis. Centrarei no caso dos Gamma-Ray Bursts (GRB) como exemplo. Esse fenômeno

pode ter diferentes origens: a) um choque de duas estrelas de nêutrons; b) a explosão de uma hipernova (mais potente que uma supernova normal). Ambos os fenômenos são altamente energéticos e rápidos. Curiosamente, terminei há pouco um artigo, a ser publicado em breve, sobre estrelas com altas taxas de rotação que, segundo meus cálculos, podem dar lugar ao segundo tipo de GRB porque, entre outros detalhes, a perda de momento angular é anisotrópica. Voltando à questão, desde o momento em que o satélite de raios gama detecta a explosão, é necessária uma coordenação exemplar para dirigir os telescópios óticos à região do céu onde ocorreu o tal evento, para identificar a fonte e iniciar as observações espectrofotométricas. Até os telefones celulares entram em ação. O IAA conta com tais meios por meio da rede Bootes, que é, em si, uma teia de aranha, que se torna o fio de uma teia ainda maior, em certas ocasiões, como no caso das ondas gravitacionais. A colaboração é imprescindível. O elevado número de autores dos vários artigos sobre a detecção das ondas, ou sobre a detecção do Bóson de Higgs, respaldam a sentença anterior. Por outro lado, o intercâmbio de informações também se acelerou com as novas tecnologias. Os processos de arbitragem dos artigos científicos são muito mais rápidos, dado que, antes, se faziam por correio comum e podia tardar muito até que um artigo fosse publicado, sem contar as esperadas discussões autor-referee. As consultas bibliográficas também se beneficiaram das novas tecnologias. Dou um exemplo local muito importante para mim: a bibliotecária do Departamento de Física da UFMG, Shirley Maciel, localizou rapidamente uma dissertação sobre P. Lund (Lagoa Santa) a meu pedido, estabelecendo uma equação muito simples e clara: gentileza + tecnologia = eficiência.

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ENGENHARIA ELÉTRICA

Energia (inteligente) para todos Pesquisadores da Unifei inspiram-se em centros mundiais de referência para criar modelo avançado de rede elétrica

Vivian Teixeira

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Em 2012, o furacão Sandy atingiu a Costa Leste dos EUA e causou bilhões de dólares em danos ao governo. Inúmeras linhas de energia acabaram destruídas e o fornecimento de eletricidade, para 3,5 milhões de residências e empresas, foi interrompido. Graças às microrredes energéticas inteligentes, (redes de menor dimensão concebidas dentro dos conceitos das smart grids), lugares como o Food and Drug Administration, órgão americano responsável pelo controle dos alimentos, suplementos alimentares, medicamentos, cosméticos, equipamentos médicos, materiais biológicos e produtos derivados do sangue humano, manteve-se em funcionamento. Isso aconteceu porque, no momento da interrupção, as microrredes – que agem como pequenos sistemas elétricos convencionais, capazes de extrair energia a partir de fontes limpas, como o vento e o sol – se desligaram do mecanismo comum de energia e continuaram a funcionar, mas de forma independente. Instituições que trabalham com equipamentos caros e dependem da eletricidade para manter a segurança e a continuidade de suas operações encontram solução em tais mecanismos, justamente, para atividades contínuas e seguras. Na Universidade da Califórnia, em San Diego, as microrredes inteligentes são responsáveis por 92% da eletricidade usada no campus – o que, também, gera economia anual de mais de US$ 8 milhões. O sistema inclui três fontes principais de geração de energia: célula de combustível, que transforma gás metano em eletricidade, sem combustão; captação solar, com uso de painéis fotovoltaicos; e cogeração a gás natural, empregada para ligar luzes e equipamentos, além de produzir vapor para aquecimento, ventilação e refrigeração. Embora a ocorrência de furacões não seja comum no Brasil, uma série de problemas é capaz de deixar em risco o fornecimento de energia, a exemplo da variação no padrão da corrente elétrica, das interrupções inesperadas no fornecimento e, até mesmo, de outros tipos de catástrofes naturais. O modelo usado na Califórnia ainda não existe em terras brasileiras, mas o campus da Universidade Federal de Itajubá

(Unifei) é um dos candidatos a receber um sistema semelhante no futuro. A necessidade foi percebida após a divulgação de estudos prévios, que relacionaram a grande quantidade de quedas de energia na instituição a outras duas necessidades: redução do consumo de energia elétrica e premência por um laboratório especializado para aulas e experiências práticas sobre o assunto. Pesquisador do Instituto de Sistemas Elétricos e Energia da Unifei, Paulo Márcio da Silveira trabalha com o tema desde 2008, com investigações, dentre outros temas, sobre modelagens e análises que podem ser aplicadas à tecnologia de redes elétricas inteligentes. Em 2011, com apoio da FAPEMIG e da Japan International Cooperation Agency (Jica), ele viajou ao Japão, onde se surpreendeu com o alto nível das pesquisas e do desenvolvimento na área. “Os japoneses têm muitas instalações de projetos-piloto sobre smart grids e microgrids”. Já no ano de 2012, teve a oportunidade de conhecer a Universidade de Shanghai, “onde até mesmo uma planta nuclear faz parte de sua geração própria, funcionando ‘inclusive’ como laboratório de ensino e pesquisa”, conta. A preocupação com a produção energética levou a Unifei a fundar, em 2005, o Laboratório de Qualidade, Medição e Proteção de Sistemas Elétricos (LQMP), e, em 2012, o Centro de Excelência em Redes Elétricas Inteligentes (CERIn). De acordo com Paulo Silveira, a importância do CERIn, bem como de outros grupos de pesquisa, está na atenção concedida à temática por profissionais dos meios acadêmico e empresarial. O Centro se dispõe a trabalhar na tríade ensino, pesquisa e extensão, em uma busca permanente por inovações tecnológicas e científicas.

Solução alternativa

Na prática, a microrrede inteligente da Unifei pretende oferecer aos usuários, além da geração própria de energia – que diminui os custos de consumo –, uma instalação elétrica mais flexível e confiável, que apresente pouquíssimos desligamentos e possa trabalhar no “modo ilhado” quando houver problemas externos com a

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concessionária local, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Nestes casos, a microrrede continuará a suprir cargas prioritárias. Salas de aula, laboratórios de ensino e pesquisa e outros serviços do campus não teriam atividades interrompidas por falta temporária de energia vinda da concessionária. A eletricidade sairia dos geradores alternativos, como os fotovoltaicos, e, também, de sistemas armazenadores. A microrrede da Unifei também pretende estimular o uso de alternativas de transporte mais sustentáveis, começando pelos pequenos veículos (scooters, bicicletas etc.), além de realizar experiências e pesquisas próprias. “No futuro, a depender do avanço das pesquisas e dos investimentos, há possibilidade de ampliar a oferta deste tipo de tecnologia, incluindo postos de recarga de veículos elétricos, algo ainda incipiente no Brasil”, acrescenta o pesquisador. Além de ampliar as possibilidades de geração de energia, uma microrrede inteligente é reconhecida por gerar inúmeros dados relativos ao consumo – e que podem ser acessados de computadores ou dispositivos móveis. Ao invés de os usuários conhecerem o que consumiram apenas uma vez por mês, por meio do trabalho do leiturista, poderão acessar informações a qualquer hora, por meio de robusta plataforma de dados. Isso facilita o gerenciamento dos dados e pode acarretar em mais economia de energia. Segundo Paulo Silveira, uma rede elétrica inteligente é, sobretudo, um assunto multidisciplinar. Primeiro, porque há necessidade de duas grandes áreas de conhecimento: a Engenharia Elétrica – e seus sistemas elétricos de potência, controle e automação, além da eletrônica de potência –, e a Engenharia de Telecomunicação. Também é preciso incluir, em projetos de microrredes, profissionais de Engenharia da Energia, Engenharia Mecânica e Engenharias de Recursos Naturais, além de experts, por exemplo, em Física e Química, áreas importantes para o desenvolvimento de pesquisas sobre novos materiais para

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geração, transmissão e armazenamento de energia. É fundamental, ainda, a participação da comunidade acadêmica e da população do entorno, para que as microrredes atendam às expectativas da sociedade, que deve se envolver na busca de soluções.

Cenário brasileiro

Antes de vislumbrar um cenário avançado como o da futura microrrede inteligente da Unifei, importante perceber o atual cenário brasileiro. O formato padrão de onda usado nas transmissões de energia é o senoidal. Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), mais de 70% da produção energética consumida no Brasil provêm de hidrelétricas, mas, em grandes períodos de seca, a eficiência da geração torna-se ameaçada. Em tais casos, as termelétricas entram em ação e complementam a geração de energia em mais de 20%. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), autarquia em regime especial, vinculada ao MME, foi criada para regular o setor elétrico brasileiro, e, entre suas atribuições, constam a regulação da geração (produção), transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, além da fiscalização – direta ou mediante convênios com órgãos estaduais – de concessões, permissões e serviços na área. A Aneel produz indicadores para acompanhar diversos aspectos do fornecimento de energia elétrica. Entre eles, está a qualidade do serviço, o que inclui avaliação das interrupções no fornecimento, e do produto oferecido aos consumidores – com a avaliação da conformidade de tensão em regime permanente e das perturbações na forma de onda de tensão. Segundo Gilson Paulillo, presidente da Sociedade Brasileira de Qualidade da Energia Elétrica (SBQEE), os indicadores produzidos pela Aneel precisam nortear os esforços de pesquisa e desenvolvimento feitos no País, para que ocorra desenvolvimento científico e tecnológico na área de energia elétrica e eles estejam de acordo com os interesses da sociedade brasileira. “É necessário pensar em soluções de geração baseadas em smart grids para que se consiga melhorar o fornecimento e reduzir

os impactos da geração de energia. Para isso, é fundamental melhorar a qualidade dos medidores”, avalia. Em 2010, foi debatida uma proposta de regulamentação dos requisitos mínimos para os medidores eletrônicos de energia, por meio da Audiência Pública 43/2010, que colheu contribuições da sociedade. Segundo informações da Aneel, a regulamentação resultante da Audiência Pública (Resolução Normativa nº 502/2012) está com a aplicação suspensa devido ao fato de o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) ainda não ter aprovado sistemas de medição com as funcionalidades previstas. Além da lentidão relacionada à legislação vigente, certos entraves podem postergar a instalação da microrrede inteligente na Unifei. Segundo Paulo Silveira, um grande desafio do momento é o período de recessão enfrentado pelo País. Apostar em incentivos governamentais e na ampliação das ofertas de tecnologia de baixo custo para os consumidores – principalmente, para os de menor renda – seria um

ótimo incentivo. “Precisamos, também, de um novo modelo de mercado de energia, que coopere com esta política. Atualmente, as próprias companhias distribuidoras enxergam dificuldades de incentivar o uso de fontes renováveis para o público em geral, considerando a perda de receita que isso pode gerar para elas próprias”, critica o pesquisador. A Aneel identifica como principais dificuldades para a implantação de modelos de smart grids os altos investimentos necessários e potencializados pelo aumento do dólar, o processo de aprovação de medidores no Inmetro e as altas cargas tributárias. Embora o cenário não seja o mais positivo, no documento com as considerações do Fórum de Inovação Sustentável, a COP 21, ocorrido em Paris, ao final de 2015, um dos tópicos de debate direcionou-se a essa temática, “reconhecendo a necessidade de promover o acesso universal à energia sustentável nos países em desenvolvimento, particularmente na África, por meio de uma maior implantação das energias renováveis”.

Participação da FAPEMIG Projeto: Tecnologia de redes elétricas inteligentes - Modelagens e análises Coordenador: Paulo Márcio da Silveira Instituição: Universidade Federal de Itajubá Chamada: Programa Pesquisador Mineiro Valor: R$ 48.000,00

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microbiologia

Cogumelos a brotar do plástico Sem aditivos químicos, processo biológico reduz tempo de decomposição das sacolinhas distribuídas nos supermercados

Alessandra Ribeiro

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O que leva mais tempo: a decomposição de uma sacola plástica ou a aprovação de um pedido de patente no Brasil? Em primeiro lugar, você precisa saber que a sacolinha pode demorar de 100 a 400 anos para se desfazer. Se ela for do tipo oxibiodegrável, contudo, o prazo, supostamente, é de 18 meses, segundo os fabricantes. Pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) descobriram um processo que dá início à degradação do plástico em apenas 45 dias, sem presença da luz solar. (Com o sol, aliás, tudo fica ainda mais rápido!) O pedido de patente do método tramita no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi) há mais de quatro anos. Aplicado apenas às sacolas oxibiodegradáveis, o processo de biodegradação descoberto pelos cientistas é desencadeado pelo fungo de podridão branca Pleurotus ostreatus. Na natureza, ele participa da decomposição de resíduos vegetais e produz o cogumelo ostra ou hiratake, também usado na culinária. O fungo foi colocado em frascos de vidro esterilizados, misturado a sacolas cortadas em pedaços pequenos e a papel toalha umedecido em água. Em seguida, armazenou-se o material em temperatura ambiente por 90 dias. “Durante o período de incubação, foi observada a colonização da superfície dos plásticos pelo fungo, a formação de cogumelos e as alterações na estrutura do material, como rachaduras e pequenos orifícios”, descrevem os pesquisadores. A toalha de papel exerce função estratégica, já que o fungo a ataca primeiro. Por fim, as enzimas geradas no processo, chamadas de lignocelulíticas, também começam a degradar o plástico. “Nosso principal objetivo, com o pedido de patente, é demonstrar a possibilidade de degradação das sacolas plásticas por um processo biológico”, afirma Maria Catarina Megumi Kasuya, coordenadora do projeto e professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biotecno-

logia Aplicada à Agropecuária (Bioagro) da UFV. Ela orientou a tese de doutorado do bioquímico José Maria Rodrigues da Luz, desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Microbiologia Agrícola, base de toda a investigação. Enquanto aguardam a resposta do Inpi, os pesquisadores buscam parceiros para viabilizar o projeto. “Procuramos empresas ou instituições para licenciamento da tecnologia ou estabelecimento de parceria, de modo a continuar a pesquisa, a fim de obter um processo em escala industrial”, revela Maria Catarina. Prefeituras, fabricantes de sacolas oxibiodegradáveis e empresas que trabalham com o descarte de resíduos sólidos são possíveis mercados. Além da degradação do plástico, a tecnologia tem potencial para a produção de enzimas, a exemplo das lacases e celulases, com aplicação na indústria de papel e celulose, higiene e limpeza. Também existe a possibilidade de aproveitamento em processos de biorremediação, uso de organismos vivos para limpeza ou descontaminação de áreas ambientais afetadas por poluentes diversos. Outro resultado, inusitado, é a produção de cogumelos comestíveis. Neste caso, é preciso avançar na detecção de eventuais resíduos químicos, antes da liberação para consumo humano. A escolha do Pleurotus ostreatus não foi aleatória. “Nossa experiência com fungos lignocelulolíticos, ou causadores da podridão branca, está na base da proposta de meu projeto de doutorado”, conta José Maria Rodrigues, ao explicar que o estudo privilegiou uma espécie de fungo em função de sua alta capacidade de produzir enzimas extracelulares, além do já conhecido potencial de produção de cogumelos comestíveis e do emprego em processos de biorremediação. “Acredito que outros fungos lignocelulolíticos possam ser usados na degradação das sacolas oxibiodegradáveis, mas isso requer estudos. Na MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

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UFV, temos uma micoteca com mais de 100 isolados fúngicos aptos a serem submetidos a testes”, afirma. As sacolas oxibiodegradáveis contêm o aditivo D2W, acelerador do processo de oxidação do plástico. Segundo os fabricantes, o prazo de degradação total do material é de 18 meses. Há controvérsias sobre a adoção das sacolas. Um dos argumentos levantados pelos críticos de seu uso é a toxicidade das substâncias catalisadoras empregadas e sua permanência no meio ambiente, mesmo após a fragmentação em partículas menores. A pesquisa realizada na UFV demonstrou que a exposição das sacolas à luz solar, durante 120 dias, não foi suficiente para desencadear a desintegração física, o que os leva a inferir que elas podem se acumular na natureza, assim como os objetos convencionais.

Polêmica infinita Durante a conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada em 2012, a

Associação Brasileira de Supermercados (Abras) apresentou ao Ministério do Meio Ambiente um relatório para redução do uso de sacolas plásticas, que apontava queda de 6,4%, equivalente a 953 milhões de “sacolinhas” no período de um ano (2010-2011). Apesar de expressivo, o número ganha outras dimensões se pensarmos que fica abaixo do total de sacolas consumidas em apenas um mês no Brasil: 1,25 bilhão. Por dia, são 41 milhões. O resultado apresentado pela Abras refletiu uma série de iniciativas isoladas no País, a exemplo da proibição das sacolas convencionais nos supermercados de Belo Horizonte, primeira capital a aplicar a medida, em 2011. A iniciativa, porém, não foi adiante. Depois da polêmica cobrança pela distribuição, e, até mesmo, da falsificação de sacolas, uma lei estadual se sobrepôs à municipal, ao determinar que apenas cidades com coleta seletiva e usina de compostagem poderiam exigir o plástico biodegradável adotado por BH, que não dispunha da infraestrutura.

Para saber mais! ▶ “Orientações sobre consumo consciente e propostas para redução de sacolas plásticas pelos consumidores” (Cartilha elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente, 2011). Disponível em www.mma.gov.br/estruturas/234/_arquivos/cartilha_3___consumidores_234.pdf ▶ Grupo de Trabalho Sacolas Plásticas: Disponível em: www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/gt-sacolas-plásticas ▶ Sacolas plásticas: aspectos controversos de seu uso e iniciativas legislativas (Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, elaborada por Maurício Boratto Viana) Disponível em www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/areas-da-conle/tema14/2011_4475.pdf

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No ano passado, em meio a uma série de questionamentos, a Prefeitura de São Paulo proibiu a distribuição, pelos estabelecimentos, de sacolas brancas, substituídas pelas de bioplástico, predominantemente constituídas de material renovável. Na esfera federal, vários projetos de lei sobre o uso das sacolas foram apresentados no Congresso Nacional e propõem desde o banimento do produto até a adoção de diferentes materiais. A falta de padronização sobre a matéria-prima a ser usada nas sacolinhas levou a Abras a romper o pacto, firmado com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), de reduzir em 40%, até 2015, o consumo das embalagens nos supermercados. No mesmo ano, o MMA publicou o relatório de um grupo de trabalho sobre uso do material, que reuniu representantes de todas as esferas envolvidas, dos consumidores à indústria fabricante de plásticos. As atividades terminaram sem o estabelecimento de um consenso. Neste cenário, portanto, soluções como a proposta pelos pesquisadores da UFV são muito bem-vindas.

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biocombustíveis

Inusitada alternativa Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras avaliam produção de biocombustível a partir da batata-doce

Roberta Nunes

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Trata-se de planta reproduzida, capaz de garantir as mesmas características da muda mãe.

A produção de biocombustíveis é impulsionada, mundialmente, por fatores ambientais e econômicos. Apesar de o petróleo permanecer como principal matriz energética, há muito, o etanol transformou-se em grande oportunidade de negócios. No Brasil, a produção a partir de biomassa centraliza-se no setor sucroalcooleiro, com ênfase na cana-de-açúcar. Estudos recentes, porém, apresentam a batata-doce como importante alternativa para fabricação de álcool biocombustível. Em tal cenário, um projeto do Departamento de Agricultura, da Universidade Federal de Lavras (UFLA) tem buscado obter e oferecer novos clones de batata-doce que permitam seu efetivo uso como alternativa à produção de etanol combustível, e, ao mesmo tempo, contribuam com o desenvolvimento de alimentos para nutrição humana e animal. Uma equipe multidisciplinar tem se dedicado ao tema. O grupo é coordenado pelo professor Wilson Magela Gonçalves, responsável pelo desempenho econômico e energético da cultura de batata-doce, e conta com o auxílio do professor Wilson Roberto Maluf, melhorista que se encarrega da obtenção dos clones. Para avaliar o potencial do cultivo, os pesquisadores usaram uma série de critérios de seleção (Veja box à página 26) para definir quais eram as aptidões dos clones de batata-doce. “Isso inclui ao menos cinco clones com tripla aptidão: alimentação, produção de etanol e nutrição animal. Dentre eles, destacam-se os clones UFLA-0712 e UFLA-07-49, que apresentam altíssimas produtividade para as três funções”, aponta Wilson Magela.

Vantagens Segundo a pesquisa, a batata-doce pode produzir de 40 a 100 toneladas de raízes em cada ciclo, o que equivale a um volume entre 6.400 e 16.000 litros de etanol por hectare – que, por sua vez, possui,

aproximadamente, o tamanho de um campo de futebol. Em comparação, a cana-de-açúcar apresenta rendimento de cerca de 8.100 litros por hectare. Além disso, a batata-doce pode ser plantada em todo o território nacional, inclusive em regiões onde, por força do regime hídrico, a cana-de-açúcar não se adapta. Wilson Magela acredita que, por meio de clones selecionados para a produção de biocombustível, é possível que, ao longo de um ano, o rendimento de álcool da nova cultura torne-se quatro vezes maior que o verificado nos canaviais. Os benefícios socioeconômicos e ambientais do cultivo para a produção de álcool etílico também se revelam diferenciais. “Em geral, a batata-doce é explorada pela agricultura familiar. Além disso, conta com baixa emissão líquida de CO2 na atmosfera e os resíduos sólidos gerados no processo de obtenção de álcool, misturados à folhagem, podem ser usados como ração destinada à pecuária”, acrescenta o pesquisador.

Miniusina Pioneiras na área, as pesquisas com batata-doce, para produção de etanol, iniciaram-se em 1996, por meio de um projeto de pesquisa elaborado por Márcio Antônio da Silveira, atual reitor da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Desde 2014, o campus da UFT conta com uma miniusina piloto para produção do álcool alternativo. A implantação foi realizada a partir de Termo de Cooperação firmado entre a instituição e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). A miniusina destina-se à realização de demonstrações, para que produtores, empresários e agricultores possam aprender as técnicas e aplicá-las em seus contextos. “A batata-doce é uma matéria-prima que se adequa aos objetivos de forma social, econômica e ambiental. Em pequenas áreas, há altas produções. Desse modo,

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garante-se oportunidade para pequenos e médios agricultores”, afirma Márcio da Silveira, ao também ressaltar que o desafio da produção é imenso, pois trata-se de cultura de subsistência, de pouco valor. “Muitos olham a batata in natura e não a valorizam. Assim que processada, porém, ela se transforma em mercadoria”, conclui.

Desafios Diante do potencial da nova matéria-prima, fica clara a necessidade de outras tantas pesquisas na área. “Ao ano, centenas de estudos com a cana-de-açúcar são realizados, em diferentes regiões brasileiras. Com relação à batata-doce, não há uma dezena de propostas”, enfatiza Wilson Magela. Outro problema diz respeito ao atual cenário econômico: com a grande queda nos preços do petróleo, os combustíveis alternativos, o que incluir o etanol proveniente da cana-de-açúcar, deixaram

de ser economicamente interessantes em curto prazo. “A recuperação de preços de petróleo, aliada às demandas ambientais, pode reacender o interesse por combustíveis alternativos em geral”, explica. Os desafios para que o uso da nova matéria-prima seja otimizado passam pela necessidade de melhoramento genético, com o intuito de que se obtenham novos clones de batata-doce, aptas para consumo in natura e resistentes a doenças e a pragas de solo. São necessárias, também, a melhoria da eficiência dos sistemas de produção de mudas, a mecanização do transplante, a colheita da batata e o aproveitamento de resíduos da destilação do etanol na produção animal. Outro ponto relevante refere-se à importância de identificar a viabilidade energética e econômica do que se produz, da maneira a analisar se compensam os custos e benefícios.

Hora de escolher! Confira os critérios de seleção para que se “garimpem”, com objetivos distintos, as melhores batatas-doces.

Consumo humano

Raízes alongadas e com as extremidades mais estreitas do que o centro. Peso médio em torno de 250 a 330 gramas por raiz.

Produção de etanol

Rendimentos de produção de etanol igual ou superior aos da cana-de-açúcar, sendo, no mínimo, 6 mil litros de etanol por hectare.

Nutrição animal

Quantidade de proteína bruta nas ramas e folha semelhante ou superior à da soja, tendo como referência 1.2 mil quilos de proteína bruta por hectare.

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Participação da FAPEMIG Projeto: Batata-doce, a biomassa para etanol biocombustível que contribui para o aumento da produção de alimentos Coordenadores: Wilson Magela Gonçalves Instituição: Universidade Federal de Lavras (Ufla) Chamada: Programa Mineiro de Desenvolvimento Tecnológico e Produção de Biocombustíveis Valor: R$ 164.078,71


geologia

Todo cuidado é pouco

Instaladas por pesquisadores da Unimontes, estações de averiguação sísmica monitoram tremores de terra na região de Montes Claros (MG) Alessandra Ribeiro

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Com menos de 20 mil habitantes, Itacarambi, no Norte de Minas Gerais, ganhou destaque no noticiário brasileiro em 9 de dezembro de 2007. Na ocasião, foi registrada, ali, a primeira morte atribuída a um tremor de terra no País, que atingiu 4,9 graus na escala Richter. O município fica a cerca de 200 quilômetros de Montes Claros, cidade pólo da região, onde também têm sido percebidos terremotos de baixa magnitude, mas que assustam a população, como o ocorrido em 19 de maio de 2012 – que ultrapassou 4,0 graus na escala Richter. Em tal caso, felizmente, sem vítimas. Desde 2013, a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) registra a atividade sísmica da região, a partir de duas estações: uma definitiva, dentro do Parque Estadual da Lapa Grande, nas imediações do Bairro Vila Atlântida, epicentro de tremores ocorridos no município; e uma provisória, na fazenda Chico do Haras, a 11 quilômetros do campus universitário. “Os registros serão realizados, ainda, por um período de seis a 12 meses nesta estação. Após a análise do comportamento sísmico no período, avaliaremos se ela será instalada definitivamente no local, ou, provisoriamente, em outro ponto, para novas observações”, explica o professor Expedito José Ferreira, coordenador do Núcleo de Estudos Sismológicos da Unimontes. “Os dados provenientes das estações transcendem a perspectiva de simples fornecedora de dados, pois, além de garantir o registro dos eventos, permitem o monitoramento, constante e preciso, dos tremores”, destaca o geógrafo Maykon Fredson Ferreira, ao apresentar os resultados do projeto em vídeo veiculado na mostra “Inova Minas FAPEMIG”, realizada em novembro de 2015. “As informações registradas nas estações subsidiarão a conduta e o gerenciamento dos elementos transformadores do espaço geográfico, além de garantir tomadas de decisões seguras, por parte dos gestores, com base em dados técnicos e científicos”, completa. Mais do que fornecer subsídios para ações no âmbito da defesa civil, por exemplo, a instalação das estações sis-

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mográficas, pela Unimontes, abriu novo campo de pesquisas na universidade, que se aproximou de instituições tidas como referências nacionais na área. Os registros são transmitidos em tempo real, pela internet, ao Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB) e ao Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), parceiros do projeto. A iniciativa conta, ainda, com a colaboração do Instituto Estadual de Florestas (IEF), que cedeu o espaço ocupado no Parque da Lapa Grande. A compra dos equipamentos das duas estações, da ordem de R$ 142 mil, foi viabilizada pela FAPEMIG e pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais..

Origem Segundo Expedito Ferreira, logo após o tremor ocorrido em maio de 2012, em Montes Claros, pesquisadores do Observatório Sismológico da UnB e do Centro de Sismologia da USP se deslocaram para a região e instalaram, na cidade, uma rede provisória com nove sismômetros,

Como se medem os terremotos? O tamanho relativo dos sismos é chamado de magnitude, que, por sua vez, é medida por meio da chamada escala Richter, criada, em 1935, por Charles Richter. O modelo é logarítmico – ou seja, de um grau a outro, há diferença de dez vezes na amplitude das vibrações. Ao mesmo tempo, a distinção da quantidade de energia liberada é de 30 vezes. Outra maneira de medir os terremotos é avaliar os efeitos que causam em determinado lugar. Para isso, usa-se a escala Mercalli Modificada, que não se baseia em medições realizadas com instrumentos, mas na avaliação visual do resultado provocado pelo tremor sobre objetos, construções e pessoas. Este procedimento é menos preciso que do que a escala Richter. Por outro lado, é importante para a avaliação de terremotos ocorridos há bastante tempo, em épocas nas quais não havia estações sismográficas.

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para investigar a origem do fenômeno. A conclusão preliminar mostrou que os tremores mais fortes estavam associados a uma falha geológica no sentido norte-noroeste/ sul-sudoeste, com dimensão de 1 a 2 quilômetros, cuja movimentação se dá por compressão da crosta. “Estas tensões geológicas compressivas são as mesmas que causaram os tremores de Manga (1990) e Caraíbas/Itacarambi (2007). [Elas] são também compatíveis com as que causaram o sismo de Brasília (2000)”, descrevem os especialistas. “Os tremores de Montes Claros devem ser resultado de ‘pressões’ geológicas que atuam em ampla região do Brasil”, infere o professor da Unimontes, para quem há possibilidade de reincidência: “Nos últimos cinco anos, as ocorrências têm sido intensificadas. Na primeira semana de abril de 2014, por exemplo, ocorreram vários tremores”, lembra. Expedito Ferreira cita o relatório elaborado pelo professor Lucas Barros, do Observatório Sismológico da UnB, que revela a ativação de um novo segmento de falha sismogênica na cidade, com dimensão maior do que aquela determinada a partir dos eventos de 2011 a 2013.

Terror no Brasil O maior terremoto registrado no País ocorreu em 1955 e atingiu 6,2 graus na escala Richter, com epicentro a 370 quilômetros de Cuiabá (MT). Em 1980, houve outro tremor, com magnitude 5,2, sentido em praticamente todo o Nordeste, que provocou o desabamento parcial de casas em Pacajus (CE). Em 8 de junho de 1994, a cidade de Porto Alegre (RS) foi atingida pelas ondas sísmicas de um terremoto ocorrido na Bolívia, a 2.200 km de distância. O abalo atingiu 7,8 graus na escala Richter. Fonte: Serviço Geológico do Brasil

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computação

Web realmente universal Destinado a desenvolvedores de sites, manual apresenta recomendações de acessibilidade para pessoas com deficiência

Roberta Nunes

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Tais indivíduos têm deficiências visuais (18,6%), motoras (7%), auditivas (5,1%) e mentais ou intelectuais (1,4%).

Todos os dias, milhões de pessoas acessam a internet em busca de um universo de informações e atividades on-line. Na era da informação, caso surja uma dúvida, a resposta é encontrada após rápida busca no Google. Por outro lado, se o intuito é a comunicação, basta acionar o WhatsApp, o Facebook e outras redes sociais, pois, em alguns segundos, diversas mensagens são enviadas. A web tornou-se meio para expressar opiniões, trocar conhecimento, realizar negócios, aprender, ensinar e outras tantas ações. Apesar disso, a maioria dos sites ainda não contempla 45,6 milhões de pessoas com deficiência no País, segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por meio de pesquisa realizada em 2010, na qual analisaram-se 6 milhões de portais governamentais, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) relata que apenas 5% dos sites eram acessíveis a pessoas com deficiência. Para compreender esses obstáculos, ponha-se no lugar de indivíduos daltônicos, fotossensíveis ou com problemas auditivos, visuais, motores ou intelectuais. De que modo, afinal, acessar as milhões de informações disponíveis nos sites on-line? Da busca de respostas para tal indagação, surgiu o projeto “Web semântica e acessibilidade”, desenvolvido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (campus de São João del-Rei), para auxiliar os desenvolvedores iniciantes a deixar seus sites semanticamente corretos e acessíveis a usuários com deficiências diversas. Com apoio da FAPEMIG, a coordenadora do projeto, Teresinha Magalhães, e estudantes de Gestão da Tecnologia e Informação desenvolveram um manual com orientações para que os desenvolvedores tornem os portais acessíveis e facilmente localizáveis pelos motores de busca on-line. “Hoje, muitos sites não são lidos pelos softwares de deficiência. O intuito é não só dar a forma, mas fazer com que os recursos possam garantir consistência a um portal, de forma que ele apareça nas primeiras linhas da busca”, esclarece. As dificuldades de navegação ficam claras pelo relato de Alex Garcia, primeiro surdo-cego a se graduar no Brasil – e,

hoje, pós-graduado em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Natural do Rio Grande do Sul, ele ainda possui 0,05% da visão no olho direito, o que lhe permite usar o ampliador de telas e de alto contraste como recurso assistivo. Apesar disso, os obstáculos permanecem enormes: “O maior desafio é ter paciência para encontrar o que desejo quando os sites mudam seu desenho. Alguns se alteram a cada semana, enquanto outros apresentam excesso de imagens e de movimento. Há, ainda, aqueles que, devido a uma pirotecnia danada, são terríveis para as pessoas com deficiência”, comenta.

Diretrizes

Mestranda em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Janicy Rocha esboçou um panorama dos processos, nacionais e internacionais, para padronização do desenvolvimento de sites. Tais diretrizes são abordadas no “E-acessibilidade e usuários da informação com deficiência”, no qual a pesquisadora destaca que os parâmetros começaram em 1994, quando Tim Berners Lee fundou o World Wide Web Consortium (W3C), com o intuito de regulamentar os assuntos ligados à web, por meio da elaboração de padrões para construção de conteúdos. Segundo Janicy Rocha, os registros dos primeiros trabalhos em prol da acessibilidade na web datam de 1997, a partir de iniciativas realizadas no Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália. Em 1999, a W3C cria um grupo de trabalho para desenvolver diretrizes capazes de auxiliar a construção e a implementação da acessibilidade na web – o Web Accessibility Initiative (WAI). No mesmo ano, a equipe publica a primeira versão das “Diretrizes para a Acessibilidade do Conteúdo da Web (WCAG 1.0)”. Diante dos avanços das tecnologias, foi necessário atualizá-la, em 2008, quando surge o WCAG 2.0. Em 1999, o governo de Portugal define diretrizes de acessibilidade e a iniciativa é ampliada a 15 países da União Europeia. Desde então, diversas outras nações desenvolvem leis e modelos próprios às suas realidades.

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No cenário brasileiro, a primeira iniciativa legal para promoção da acessibilidade web surgiu com o Decreto 5.296/04, de 2004. O documento determina procedimentos, em páginas governamentais, para facilitação do acesso de usuários com deficiência visual e estabelece o prazo de 12 meses, prorrogável por igual período, para a adequação. Como o Decreto não apresenta orientações para implementação, a segunda iniciativa brasileira foi a criação do Modelo de Acessibilidade do Governo Eletrônico (e-MAG). A primeira e a segunda versões da proposta remontam a 2005. Para avaliar a acessibilidade, o e-MAG recomenda a verificação do website com as diretrizes, por meio do uso de validadores automáticos e de testes realizados por usuários com deficiência. Em maio de 2007, assim institucionalizado o e-MAG, determinou-se a adoção do Modelo em todos os websites da administração pública federal direta, indireta, autárquica e fundacional. Em 2011, saiu a terceira versão do mecanismo, com significativas diferenças.

Semânticas

Com base nas referidas diretrizes, a equipe do projeto “Web semântica e acessibilidade” percebeu que, com a rapidez das novidades tecnológicas, seria necessário criar um manual semanticamente correto para a internet, capaz de contemplar outros tipos de deficiências, já que a legislação brasileira determina a acessibilidade de websites apenas para pessoas com problemas visuais. Teresinha Magalhães ressalta que se costuma pensar em acessibilidade como uma via de mão única, como se as pessoas fossem apenas receptoras. Segundo a coordenadora das pesquisas, porém, isso está longe da verdade, especialmente no caso da web. Quanto mais pessoas puderem acessar, mais contribuições haverá, tanto para a internet quanto para a sociedade. “Não significa que se deva gastar mais dinheiro. Basta ter maior cuidado na criação, pois os sistemas web precisam ser construídos com base nos diversos tipos de usuários”, acrescenta. Para compreender como isso funciona, o estudante Igor Campos Moraes,

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bolsista do projeto, explica que o conteúdo de um site é escrito a partir do uso de tags, os comandos da linguagem HTML, que têm funções gerais ou específicas: a tag semântica chamada <header>, por exemplo, cria um bloco de conteúdo para cabeçalhos; já a <div>, sem valor semântico, é responsável por blocos de conteúdo ligados a qualquer coisa. É muito mais fácil fazer um site sem semântica, pois o desenvolvedor web não precisaria conhecer várias tags. Porém, ressalta o estudante: “Isso dificultaria o acesso à informação on-line para usuários, pois os motores de busca, como o Google, trabalham com um algoritmo que identifica, na web, quais sites possuem as palavras-chaves desejadas dentro das tags com valor semântico”. A semântica possibilita, ainda, a adaptação do site a usuários com algum tipo de necessidade específica, como as pessoas com deficiência visual, que recorrem aos softwares leitores de tela para traduzir as informações ao meio auditivo. Por meio das tags semânticas, os softwares identificam se uma frase é um título ou um novo parágrafo, facilitando o acesso ao conteúdo. Além disso, conforme explica Igor Campos, o Google usa o algoritmo PageRank para medir a importância de um site em meio a todos os outros. Para isso, o buscador analisa quantos links externos apontam para a página e decide, assim, a posição de cada site na revelação de resultados. “A ‘web semântica’ garante que o Google apresente a página no resultado de buscas referentes ao assunto e a ‘acessibilidade web’ possibilita o acesso ao site de maneira universal”, afirma Igor Moraes.

Para desenvolvimento de um site acessível, destinado aos diferentes tipos de deficiências, o investimento fica em torno R$ 8 mil. Diante do orçamento, muitos interessados revelam, à consultora, uma visão estigmatizada do trabalho. “Por se tratar de acessibilidade, as empresas costumam pensar em assistencialismo e esperam que o serviço que prestamos seja gratuito”, diz. Quanto às leis que buscam regulamentar a acessibilidade na web, Lêda Spelta revela-se cética e objetiva: “A questão só será levada a sério quando houver criminalização. A sociedade ainda não tem consciência da agressão aos direitos da pessoa com deficiência, que, apesar de ser um cidadão que paga os mesmos impostos, não tem direitos assegurados”. O verbo-chave para a questão da acessibilidade na web parece ser horizontalizar. “O Brasil ainda está imerso na hierarquização do ser humano, segundo a qual algumas pessoas valem e podem mais do que outras”, reforça Alex Garcia. Justamente por isso, segundo Teresinha Magalhães, um dos principais desafios do Brasil está na capacitação de pessoas, de desenvolvedores de sistemas a usuários. Afinal, conforme preconizava Tim Berners-Lee: “O poder da web está em sua universalidade. O acesso por todas as pessoas, não obstante a sua deficiência, é um aspecto essencial”.

Serviço especializado

Há empresas especializadas em criar sites acessíveis a pessoas com deficiência. Uma das vencedoras da segunda edição do Prêmio Nacional de Acessibilidade, produzido pela W3C, em 2013, foi Lêda Spelta, consultora da Digital Acesso, que presta serviços de desenvolvimento, capacitação e consultoria sobre acessibilidade na web. Além disso, ela é psicóloga, analista de sistemas e uma das primeiras programadoras cegas a trabalhar no Rio de Janeiro.

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Participação da FAPEMIG Projeto: Web semântica e acessibilidade Coordenadora: Teresinha Magalhães Instituição: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (campus São João del-Rei) Chamada: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Probic) Valor: R$ 4.400,00


Análise revela alta concentração de metais pesados em bijuterias de baixo custo Alessandra Ribeiro

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Química

Bonitinhas, mas ordinárias


Quando se compra uma joia, a matéria-prima pode ter, literalmente, peso de ouro, seja pela beleza, pelo preço ou por outros fatores subjetivos. Mas, e se o objeto de aquisição for uma bijuteria? Você costuma se preocupar com o material de que ela é feita? Apesar de parecer inofensivo, aqueles acessórios bonitos e baratos podem, muito bem, oferecer sérios riscos à saúde. A análise de 16 amostras de bijuterias, realizada pelo Núcleo de Pesquisas em Instrumentação e Separações Analíticas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), revelou que 33% apresentavam concentrações de cádmio e chumbo acima dos limites permitidos pela legislação brasileira. Os dois metais são tóxicos e a exposição a eles pode causar problemas neurológicos, danos aos rins e, até mesmo, surgimento de câncer. “Consideramos esse resultado preocupante, até porque as quantidades observadas foram muito acima do permitido, o que pode colocar em risco as pessoas que usam essas peças diariamente”, alerta Taimara Polidoro Ferreira, autora do estudo, descrito em sua dissertação de mestrado. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o trabalho foi orientado e coorientado, respectivamente, pelos professores Denise Lowinsohn e Rafael Arromba de Sousa, ambos do Departamento de Química da UFJF. Parte das amostras foi adquirida no comércio de Juiz de Fora, de forma aleatória, em diferentes estabelecimentos, ao preço máximo de R$ 5. A pesquisadora também analisou bijuterias apreendidas na cidade pela Polícia Civil, que cedeu peças para a pesquisa. “Os materiais geralmente usados como matérias-primas provêm de sucata, de lixo eletrônico (placas de circuitos etc.), soldas e baterias, que contêm, naturalmente, os metais pesados avaliados no projeto”, descreve Taimara. Afora os riscos para a saúde, o uso de substâncias tóxicas na confecção de bijuterias acarreta a contaminação do meio ambiente: ainda não existe preocupação com o descarte adequado de tais objetos,

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a exemplo do que já é feito com os remédios, em várias farmácias. “Peças recolhidas poderiam ser encaminhadas a aterros apropriados ou a processos de reciclagem, em que parte dos metais seria aproveitada com outros fins”, sugere.

Metodologia Na fase inicial da pesquisa, análises por Fluorescência de Raios-X (FRX) mostraram informações preliminares da composição das amostras, como a presença de metais pesados. Posteriormente, utilizou-se a Voltametria de Pulso Diferencial (VPD), apontada como um dos diferenciais do trabalho. Segundo a pesquisadora, não há registro, na literatura, de uso da técnica para materiais semelhantes. Os resultados foram confirmados por meio da Espectrometria de Absorção Atômica com Chama (FAAS), amplamente empregada em tal tipo de análise. “As técnicas eletroanalíticas [a exemplo da VPD] apresentam as vantagens de determinar baixas concentrações de metais, além de permitir sua determinação simultânea e, ainda, ter baixo custo, se comparadas a técnicas espectrométricas”, compara Taimara Polidoro. Além disso, testaram-se dois tipos de “digestão” das amostras: o modelo em chapa de aquecimento e o equipamento de micro-ondas, que se mostrou mais adequado.

Novas regras Em janeiro de 2016, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecno-

Certas pessoas também podem apresentar alergias na pele, as chamadas dermatites de contato ou eczemas. Trata-se de processos inflamatórios induzidos pela exposição a um agente sensibilizante externo. Os principais causadores do problema, devido ao contato frequente com o organismo, são metais como alumínio, ouro, cobalto, cromo, cobre e níquel.


logia (Inmetro) publicou, no Diário Oficial da União, a portaria que estabelece limites para o cádmio e o chumbo na fabricação de bijuterias e joias comercializadas no Brasil. No mercado nacional, a concentração dos metais em produtos não pode ser igual ou superior, em peso, a 0,01% e a 0,03%, respectivamente. Nas amostras analisadas na UFJF, identificaram-se concentrações de até 4% para o cádmio e de 7,55% para o chumbo. “Um ponto importante da pesquisa é o fato de o método eletroquímico empregado revelar-se sensível o suficiente para identificação das bijuterias fora da especificação do Inmetro”, destaca o professor Rafael Arromba. As regras abrangem bijuterias e joias de uso adulto ou infantil, contas e componentes metálicos para fabricação de peças de joalheria, acessórios para o

cabelo, piercings, relógios de pulso e outros adornos. Fabricantes, comerciantes e importadores têm 36 meses, a partir da publicação da portaria, para se adequar às exigências. Após tal prazo, estarão sujeitos às penalidades previstas na lei, com multas que podem chegar a R$ 500 mil. As normas foram elaboradas a partir de consulta pública, e, também, com a participação da Receita Federal e de representantes da indústria do setor. O Inmetro será o responsável pela fiscalização – sobretudo, nos portos e aeroportos –, para evitar a entrada de produtos irregulares no País. Segundo o órgão, pretende-se, assim, proteger o meio ambiente contra metais pesados, resguardar a saúde do consumidor e incentivar o mercado nacional, prejudicado com a concorrência desleal dos produtos de baixa qualidade.

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farm ácia

Pílula mágica? Uso da Ritalina por estudantes, com o objetivo de ampliar a capacidade do cérebro, é tema de estudos na UFMG

Roberta Nunes

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Existe uma solução para potencializar o desempenho cerebral? Na ficção, o filme americano Sem limite, dirigido por Neil Burger, mostra o personagem Eddie Morra, encenado por Bradley Cooper, recorrendo a uma nova droga, capaz de aumentar a inteligência e melhorar a concentração. Eddie percebe que o cérebro – usado, normalmente, em apenas 20% de seu limite – passa a ser 100% aproveitado. Além disso, todos os sentidos parecem ficar mais aguçados. Na vida real, o cloridato de metilfenidato, conhecido, comercialmente, como Ritalina, é um medicamento prescrito para crianças e adolescentes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) – apesar de algumas pessoas utilizarem-no, de forma indiscriminada, para neuroaprimoramento. Na internet, a procura pela “pílula mágica” e as trocas de informações sobre o medicamento são discutidas abertamente. Dhonatan Queiroz é concurseiro e mantém um blog pessoal sobre as experiências com a Ritalina. “Achei que poderia ser a solução dos meus problemas, já que, na escalada para aprovação em concurso público, eu ainda estava no início. Fantasiava que a Ritalina iria me tornar um supergênio, além de ultrapassar meus limites com facilidade e absorver o máximo de conteúdo possível. Não foi bem isso o que ocorreu”, afirma. Ao perceber a prática do uso de estimulantes cognitivos como estratégia para elevar o desempenho em diferentes tarefas, a estudante de Farmácia Raissa Cândido, orientada pelos pesquisadores Edson Perini e Daniela Junqueira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolveu o projeto “Práticas de neuroaprimoramento farmacológico entre estudantes universitários – o uso do metilfenidato para a melhoria do desempenho cerebral”, com apoio da FAPEMIG. A equipe optou por analisar os estudantes universitários da UFMG devido ao contexto estudantil no qual estão inseridos. A partir dos dados recebidos por meio de um questionário respondido voluntariamente pelos alunos, percebeu-se que, dos 378 que responderam, 6% afirmaram

já ter consumido Ritalina para aprimorar o desempenho. Desses, 60% fizeram uso há apenas um mês. “Isso mostra que não se trata de consumo esporádico. A pesquisa foi realizada em diferentes momentos do semestre e demonstra indícios de que o uso da medicação, pelos estudantes, pode ser frequente”, comenta Daniela. Além disso, observou-se que não se limita a um único perfil de estudante, mas há maior prevalência de consumo e do medicamento para neuroaprimoramento entre estudantes com renda familiar mensal superior a 5,1 salários mínimos. Outro trabalho sobre o tema que contribui para a compreensão de tal cenário é um estudo transversal, realizado em Belo Horizonte, sob coordenação dos professores Edson e Daniela. Trata-se do projeto “Padrões de prescrição, dispensação e comercialização de metilfenidato”, publicado pela Revista de Saúde Pública. Os pesquisadores analisaram dados de notificações de receitas de metilfenidato e determinaram a dose diária definida e a prescrita, o período médio de prescrição e de dispensação, bem como a distribuição regional das vendas do medicamento. Concluiu-se que o consumo aumentou, na capital mineira, em áreas mais favorecidas economicamente. As informações demonstram, ainda, que tanto a prescrição quanto a dispensação apresentam características não compatíveis com as recomendações farmacoterapêuticas e as determinações legais. O estudo indica, por fim, que o controle de venda do fármaco deve ser monitorado e as alterações comportamentais, amplamente rediscutidas, em concordância com os conceitos do uso de medicamentos com boa qualidade. Na pesquisa sobre o neuroaprimoramento, observou-se que 27% dos estudantes da amostra adquiriram o medicamento sem prescrição. A venda é controlada e há exigência de que a farmácia retenha a receita médica. Muitos estudantes, no entanto, adquirem a Ritalina na internet ou por meio do auxílio de colegas. Outro dado preocupante diz respeito ao desconhecimento e à despreocupação dos usuários

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quanto aos riscos a que estão expostos. “É preciso considerar que o metilfenidato apresenta potencial de abuso. Por isso, merece ainda mais atenção, uma vez que seu uso indiscriminado pode se transformar em grave problema de saúde pública”, acrescenta Raissa.

Efeitos

Dhonatan conseguiu o remédio com uma amiga, que com ele dividiu caixas de Ritalina de 10 miligramas. “Notei grande aumento em minha capacidade de concentração e, também, de aprendizado. Percebi maior disposição e ausência de sono. No início, como efeito colateral, tive dor de cabeça, agitação fora do comum e leve fadiga. Nos primeiros dias, também senti mal-estar”, conclui. O jovem iniciou o uso em fevereiro de 2016. Por isso, ainda não há como mencionar os efeitos do medicamento em longo prazo. Além disso, não existem pesquisas que, hoje, mensurem os efeitos do medicamento para o neuroaprimoramento. “Sabe-se que o uso do metilfenidato para as indicações aprovadas, como o tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), está associado a efeitos prejudiciais, ou danosos, como infarto, morte súbita, insônia e nervosismo, principalmente. A ingestão contínua, descontrolada e sem justificativa terapêutica pode estar associada a efeitos prejudiciais adicionais e desconhecidos atualmente”, afirma Daniela Junqueira. Na literatura científica, encontram-se evidências de que as implicações da Ritalina envolvem as mesmas regiões do cérebro relacionadas aos mecanismos de dependência química. Há indução de níveis de dopamina no sistema límbico semelhantes àqueles observados em consequência do uso de drogas de abuso.

Outro olhar

O metilfenidato é um psicoestimulante aprovado para o tratamento do TDAH, sendo avaliado como a primeira escolha terapêutica. Ainda assim, há divergência quanto ao uso do medicamento. O professor e psiquiatra Arthur Kummer, da UFMG, é um dos que acreditam na eficácia e no benefício do medicamento. Para ele,

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o metilfenidato é um fármaco de primeira linha contra o TDAH, sendo que a maioria dos pacientes tolera bem a medicação, que altera o organismo para ampliação da eficiência do cérebro. “Trata-se de remédio seguro, que apresenta até 80% de eficácia”, destaca. Na visão de pesquisador, perguntar se o metilfenidato contribui ou prejudica quem não está doente, mas quer usá-lo com o objetivo de neuroaprimoramento, seria o mesmo que questionar sobre a eficiência de um antidepressivo para quem não está deprimido. “Quanto maior o quadro do TDAH, maior a margem de melhoria com o medicamento. Para quem tem quadros mais leves, a eficácia será menor. Para aqueles sem o transtorno, evidências demostram melhoramento cognitivo, mas pequeno e não milagroso”, conclui. Na perspectiva da pesquisadora Daniela Junqueira, é preciso ter atenção com os efeitos nos pacientes com o transtorno. “Crianças e adolescentes usando metilfenidato para tratar TDAH têm 60% mais chances de apresentar insônia e 266% de haver diminuição no apetite. São efeitos adversos do medicamento que podem prejudicar a qualidade de vida e, até mesmo, a capacidade de aprendizado do indivíduo”, enfatiza. Para ela, em cada caso a ser tratado, é preciso avaliar se os potenciais benefícios realmente irão superar os danos. A pesquisadora enfatiza que revisões sistemáticas recentes não demonstram resultados tão acentuados no aprendizado. “Alguns efeitos adversos concorrem com os benéficos, pois uma criança ou adolescente com dificuldades para dormir, e sem se alimentar adequadamente, terá dificuldades na escola e nos relacionamentos”, diz. Desse modo, o aumento da concentração perde sentido, se comparado aos efeitos prejudiciais – como nervosismo, insônia, dor de cabeça, agitação fora do comum e fadiga. Em relação ao uso para neuroaprimoramento, a pesquisadora pergunta: “Como aumentar a capacidade cognitiva convivendo com tantos efeitos adversos?”.

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG Projeto: Práticas de neuroaprimoramento farmacológico entre estudantes universitários – o uso do metilfenidato para a melhoria do desempenho cerebral Coordenadores: Edson Perini e Daniela Rezende Garcia Junqueira Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Chamada: Demanda Universal Valor: R$ 14.028,00


Combate à dengue

Uma doença sobre os brasileiros

Pesquisas agem em diversas frentes para compreender e evitar a proliferação da dengue – e, mais recentemente, da chikungunya e do zika vírus

Téo Scalioni

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Com origem no grego clássico, a palavra “epidemia” provém da conjunção entre os termos “epi” (sobre) e “demos” (povo). Atualmente, no Brasil, não se pode negar que a dengue e outras doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, como chikungunya e zika vírus, estejam literalmente “sobre o povo”, em uma das piores epidemias já vivenciadas no País. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil fechou 2015 com cerca de 1,5 milhão de casos de dengue. Em 2016, os números são ainda piores, se comparados ao mesmo período do ano anterior, com aumento de 48%. Em Minas Gerais, balanço divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde, no dia 22 de março, mostrou que os casos prováveis da doença, neste ano, já chegaram a 217 mil – contra 196 mil em 2015. Diante de tais números, o “problema dengue” se apresenta como desafio aos pesquisadores, que se dedicam ao estudo das doenças sob vários aspectos: procura de vacina, investigação dos hábitos do mosquito transmissor, ou, até mesmo, análise da educação das pessoas, no que se refere a hábitos contra a propagação das larvas do Aedes aegypti. Trata-se de pesquisas, realizadas em todo o Brasil, que interagem na busca pela minimização do problema. Em Minas, uma das pesquisas mais relevantes tem sido realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – Dengue, sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenado pelo professor Mauro Martins Teixeira. Iniciado em 2009, e cofinanciado pela FAPEMIG e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), o projeto busca estudar a doença por meio de diversas frentes de trabalho. Além disso, expandiu-se, recentemente, aos estudos da chikungunya e da zika. Na pesquisa, há cinco linhas de estudo. A primeira diz respeito ao mosquito. Pretende-se saber, em suma, o que pode ser feito para controlar a proliferação do Aedes aegypti. A segunda se refere ao próprio vírus: que tipos têm circulado? Quais as características de cada um e como inte-

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ragem? Quanto à terceira frente de trabalho, investiga-se a patogênese. Busca-se conhecer, pois, os motivos do adoecimento e os porquês de, em algumas pessoas, a doença revelar-se branda e, em outras, mais grave. A quarta linha está ligada a um estudo educacional, que investiga, por exemplo, as melhores maneiras de comunicar questões sobre a enfermidade. Finalmente, por meio do projeto “Observatório da dengue”, almeja-se compreender o que tem acontecido na web, de maneira a usar esse conhecimento para tentar monitorar a doença. De acordo com Mauro Teixeira, desde a década de 1990, o Brasil enfrenta uma epidemia cíclica de dengue, com picos em determinadas épocas. Nos últimos quatro anos, porém, os números têm se mantido altos. “Hoje, a doença atinge mais de um milhão de pessoas. O mosquito está aqui todos os anos, mas, dessa vez, há, também, a chikungunya e o zika”, ressalta o pesquisador, ao salientar que já se sabia da chegada do primeiro ao Brasil, pois há tempos está presente na América Central. Quanto ao zika vírus, talvez tenha entrado no País à época da Copa do Mundo. “Onde há mosquito e gente, a infecção aparece. O que não se esperava, principalmente em relação ao zika, é o efeito colateral, principalmente, ligado à microcefalia”, afirma.

Vacina próxima? O que muito tem se divulgado em relação à dengue é que uma possível vacina está próxima de ser desenvolvida. De acordo com Mauro Teixeira, há, realmente, pesquisas realizadas nesse caminho – inclusive, no Brasil. Contudo, segundo o pesquisador, está cedo para falar de solução para o problema. “Já existe uma vacina com efeito protetor. Há outra sendo testada pelo Instituto Butantan. Trata-se, porém, de testes”, esclarece. Quanto à ansiedade das pessoas em relação à pesquisa, desejosas por resultados finais, Teixeira explica que se trata de um processo com avanços lentos, principalmente, na área biológica. “Medicamentos chegam às prateleiras em torno de 15 a 20 anos, e a custos de bilhões de dólares. É irreal achar que, com poucos milhões

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de reais, será possível conseguir algo”, lamenta, ao reforçar a importância da vacina como opção, à maneira do que ocorreu com a febre amarela. Em relação às pesquisas relacionadas à prevenção, há projetos que visam atingir diretamente o vetor, ou seja, o mosquito. Na própria UFMG, existem pesquisas que procuram desenvolver moléculas ou substâncias por meio de cores e odores que atraiam o inseto, para que, assim, ele possa ser atraído a uma armadilha. “Trata-se de formas de monitorá-lo, pois, ao entender melhor o mosquito, podemos buscar soluções”, reforça. Teixeira acredita ser necessária a criação de novas alternativas para minimizar o aumento das doenças relacionadas ao Aedes aegypti. “Não vai adiantar o exército ir para a rua. O ‘fumacê’, da forma como hoje é aplicado, ao atingir apenas 20% das residências, não adianta. É preciso investir em novas tecnologias e pesquisas, pois o que existe não funciona”, garante. Núcleos de INCT em todo o Brasil – e fora dele – têm trabalhado, conjuntamente, para combater a dengue. Segundo Teixeira, não há pesquisa que não seja colaborativa, e que chegue a um resultado sem interação entre pesquisadores. “Pode haver divergência, o que é saudável, mas existe colaboração mútua”, orgulha-se. Para o pesquisador, é preciso mudar completamente o direcionamento das campanhas atuais, que visam a “acabar com o mosquito”. Segundo ele, trata-se de um discurso “absurdo”, pois não parece nada razoável acabar com um inseto tão bem adaptado à vida urbana e que consegue se multiplicar em pequenas quantidades de água, em um mundo com muito lixo e pobreza. “Em Cingapura, local com alto índice de desenvolvimento, caso sejam encontrados focos da doença, o responsável pelo imóvel pode ser até preso. Mesmo assim, não se conseguiu acabar com o mosquito”, conta Mauro Teixeira O desafio é saber como lidar com o mosquito. Hoje, sabe-se avaliar o problema de forma bem mais clara – até mesmo no que diz respeito à chikungunya e ao zika.

“No entanto, falta investimento em pesquisa no Brasil. Os recursos são pequenos e os estudos se desenvolvem em curto espaço de tempo. Não temos capacidade de planejar em longo prazo”, desabafa.

Alta tecnologia A empresa mineira Communitor apresentou sua contribuição ao combate do Aedes aegypti. Trata-se de plataforma baseada em sistemas de informação, que busca a automação de todo o processo de monitoramento das populações dos mosquitos por meio de armadilhas denominadas ovitrampas. O equipamento permite o cadastro e o gerenciamento dos dados geográficos de posicionamento das ovitrampas, para contagem dos ovos recolhidos, o que é feito por meio de algoritmos de visão computacional, e para a geração de mapas e relatórios sobre a situação populacional do inseto. A solução garante precisão e rapidez de informações sobre os níveis de infestação do vetor, em razão do georreferenciamento das armadilhas, da contagem automática dos ovos por visão computacional e do cruzamento e da apresentação dos resultados de modo gráfico. “A plataforma permite melhor embasamento da tomada de decisão dos gestores públicos e privados acerca das ações de combate e controle do vetor. Visa, em conjunto aos esforços tradicionalmente encarregadosde vigilância, a aumentar a efetividade da ação”, garante Helena Gomes, diretora executiva da empresa. A partir de resultados georreferenciados e análises numéricas, os gestores públicos e privados serão capazes de avaliar as ações de combate ao vetor, o desempenho das equipes de vigilância sanitária e epidemiológica e a eficácia do uso de controles químicos e biológicos. Além disso, poderão melhorar o planejamento do tipo de ação ou campanha a ser empreendida, tais como mutirões de limpeza, fornecimento de materiais para proteção ou vedação de depósitos e direcionamento das equipes de saúde comunitária e de assistência básica.

Participação da FAPEMIG Projeto: Instituto Nacional de Pesquisa em Dengue Coordenador: Mauro Martins Teixeira Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Chamada: Apoio para projetos de pesquisa Valor: R$ 2.289.972,12

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Energia

Bons ventos virão Com simulações e modelos atmosféricos, pesquisa da UFSJ avalia potencial brasileiro e orienta instalação de parques eólicos

Verônica Soares

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Segundo o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, a região mais propícia à geração eólica, no Brasil, é o Nordeste, com potencial de 75 GW. Em seguida, estão o Sudeste, com potencial da ordem de 29,7 GW, e o Sul (22,8 GW).

Em 2015, o Brasil atingiu produção recorde de energia eólica, ao gerar, em apenas um dia, 2.989,2 megawatts médios pela força dos ventos – o suficiente para abastecer 13 milhões de pessoas. Prevê-se que as fontes renováveis, na matriz energética brasileira, possam chegar a 84% até 2023. Tais dados, reveladores de um cenário favorável aos estudos das fontes de energia eólica no País, mobilizaram pesquisadores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) a avaliar tal potencialidade em diversas regiões. À frente do projeto “Reavaliação de potenciais eólicos regionais do Brasil” está o professor Cláudio de Castro Pellegrini, do Departamento de Ciências Térmicas e dos Fluídos da UFSJ. Seus objetivos concentram-se na investigação da capacidade eólica regional, por meio da simulação em microcomputadores de alto desempenho. “Inicialmente, as simulações restringiam-se a Minas Gerais, mas, com o tempo, foram expandidas a estados como Alagoas e Ceará”, explica. O projeto também prevê a identificação dos locais mais propícios à instalação de parques eólicos na região estudada, a fim de otimizar a geração de energia. Outro objetivo é estabelecer uma metodologia livre para a realização das simulações, uma vez que diversos Atlas Eólicos, hoje disponíveis, apresentam procedimentos fechados. “Existem duas maneiras de avaliar o potencial eólico de uma região: por observação direta ou via simulação”, detalha o pesquisador. A observação direta consiste na instalação de torres anemométricas, para coleta e posterior análise dos dados. Recomendam-se, ao menos, três anos de duração para tais séries de dados, apesar de autores mais conservadores sugerirem séries de 30 anos. “Levantar o potencial de um país de dimensões continentais como o Brasil por meio de dados anemométricos é inviável no curto prazo, devido aos custos das torres, da instrumentação, da manutenção e, claro, do tempo necessário para medições mais representativas”, pondera. Devido às dificuldades apontadas, as simulações numéricas apresentam-se como importante ferramenta para o levantamento do potencial eólico. Durante o

processo de estudo, são usados programas de computador, denominados modelos atmosféricos, para simular a dinâmica da atmosfera, já que as máquinas reproduzem, de forma confiável, o seu comportamento. Cláudio Pellegrini relembra que, há pouco mais de uma década, os programas só podiam ser implementados em computadores de grande porte. Com o recente aumento da capacidade de processamento e armazenamento, tornou-se possível empregar microcomputadores de alto desempenho – em geral, produzidos para o mercado dos games –, na simulação de problemas regionais e/ou específicos. Hoje, existem Atlas do Potencial Eólico feitos por simulação para vários estados brasileiros, além de um Atlas do Potencial Eólico Brasileiro.

Expansão

Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2015, o Brasil tinha 269 usinas com capacidade instalada de 6,6 GW (4,5 % do total), mas o valor tem crescido rapidamente com novas instalações. A Associação Brasileira de Energia Eólica conta, em 2016, com 360 centrais e 8,98 GW, caracterizando a eólica como a energia que mais se expande no País, em termos proporcionais. Foram os resultados obtidos por simulação nos últimos anos que colaboraram para guiar a implantação dos parques eólicos em estados do Nordeste e do Sul. Cláudio Pellegrini, aliás, vê outros espaços aptos à expansão. “Atualmente, a maior parte dos parques instalados encontram-se no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Ceará e no Rio Grande do Norte. As simulações indicam outras regiões com bom potencial, mas ainda não exploradas, como o oeste do Paraná, o interior de São Paulo, a Região dos Lagos Fluminense, o Triângulo Mineiro e o interior da Bahia. Outros locais, como o oeste do Mato Grosso do Sul, mostram

Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte.

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bom potencial, mas se encontram distantes dos grandes centros consumidores”, avalia o pesquisador. Embora os dados da pesquisa pareçam demonstrar que o cenário brasileiro é promissor, Cláudio Pellegrini pondera que o País está engatinhando no que tange à energia eólica. No ver do pesquisador, melhorar a situação depende de uma série de ações encadeadas, a começar por decisões governamentais ligadas ao investimento em pesquisa e ao incentivo à indústria nacional de fabricação de equipamentos do setor. O processo teria continuidade com a adoção de políticas públicas de incentivo à incorporação da energia eólica na matriz nacional de geração e terminaria com a fiscalização da quantidade e da qualidade da energia produzida e entregue ao consumidor. “Em resumo, a cadeia produtiva depende de um estímulo governamental, com ênfase na geração de conhecimento para evitar a dependência científico-tecnológica em relação a outros países”, observa.

O Brasil, portanto, está em franco desenvolvimento no setor, mas ainda atrasado em relação aos demais. “Penso que o elo fraco na cadeia seja a falta quase total de fabricantes nacionais de equipamentos. Pouco nos adianta saber identificar o potencial eólico e especificar turbinas, mas continuarmos dependentes de fornecedores estrangeiros para compra e manutenção”, diz Pellegrini, ao ressaltar, ainda, que, nos últimos anos, há “um triste distanciamento entre os geradores de conhecimento e os tomadores de decisão, resultando, geralmente, em desperdício de recursos financeiros e materiais”. No cenário mineiro, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) foi a primeira concessionária brasileira a instalar uma usina eólica conectada ao sistema elétrico nacional, em 1994, na cidade de Gouveia, com 4 turbinas e potência total de 1 MW. O pioneirismo, no entanto, parou por aí. Hoje, a central se encontra fora de linha e nenhuma outra foi instalada. “Não

vejo, contudo, maiores desafios. Parece apenas falta de disposição para investir nesse tipo de energia no Estado”, avalia Pellegrini, ao reforçar a existência de enorme espaço para o desenvolvimento científico na área também em solo mineiro. No que tange à continuidade da pesquisa, o professor argumenta que o investimento mais importante no momento refere-se à coleta e à disponibilização de dados de boa qualidade para a comunidade científica. “Acredito, também, que o desenvolvimento dos modelos atmosféricos precisa de impulso, mas essa atividade depende da anterior”, comenta, ao ressaltar projetos pessoais: “Devo permanecer mais alguns anos no estudo de potenciais regionais. Recentemente, comecei a trabalhar com o acoplamento eólico-hidroelétrico e resultados interessantes foram obtidos e publicados. Além de colaborar com colegas da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), tenho buscado soluções analíticas em turbinas eólicas”, conclui.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG Projeto: Reavaliação do potencial eólico do Estado de Minas Gerais Fase II Coordenador: Claudio de Castro Pellegrini Instituição: Universidade Federal de São João del-Rei Chamada: Programa Institucional de bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) / FAPEMIG Valor: R$ 3.600,00 projeto: Influência da resolução horizontal na simulação do potencial eólico de Minas Gerais usando o WRF Coordenador: Claudio de Castro Pellegrini Instituição: Universidade Federal de São João del-Rei Chamada: Programa Institucional de bolsas de Iniciação Científica - PIBIC / FAPEMIG / UFSJ Valor: R$ 4.320,00

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Professor titular do Departamento de Física da UFMG, Ado Jorio Vasconcelos foi considerado, em 2015, um dos pesquisadores mais influentes do mundo Marina Mendes

Vida de cientista

Das pecinhas de sucata à nanociência Se fosse possível voltar a “fita” do tempo, encontraríamos o menino Ado Jorio Vasconcelos a desmanchar aparelhos antigos e a derreter as peças nas panelas de sua casa. O interesse pelos materiais, afinal, já se revelava em experiências cotidianas da infância. Apesar disso, na formação do hoje físico – e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) –, a influência familiar se deu mais pelo estímulo à busca de conhecimento do que, propriamente, pela trajetória dos pais. “Meu pai era economista e minha mãe se formou em História. Como os dois estavam ligados às Ciências Sociais, lá em casa havia muita, muita leitura”, conta. Por meio do histórico escolar, é possível identificar um bom aluno nas disciplinas gerais, mas o gosto pelas “exatas” conduziu o estudante à Engenharia Elétrica. O primeiro vestibular foi na UFMG, onde fez os seis primeiros períodos do curso. “O ciclo básico da Engenharia era muito parecido com o da Física. Além disso, o trabalho de iniciação científica do qual participei colaborou para que eu fizesse a transferência de graduação”, lembra. Nascido na capital mineira, o físico passou o início da infância em Sabará (MG); já na adolescência, estava em Itabirito, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ado Jorio também morou na França – enquanto fazia a especialização e o doutorado sanduíche – e nos Estados Unidos, no início dos anos 2000, para realização do pós-doutorado no famoso Massachusetts Institute of Technology (MIT). Em tal período, começou as pesquisas com nanociência e nanotecnologia. “Hoje, trabalho com espectroscopia Raman usando óptica, a luz para estudar

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Diogo Brito/FAPEMIG

propriedade de matérias e desenvolver métodos de diagnósticos que poderão ser usados em nano, de modo a possibilitar aplicações em áreas variadas, dos novos materiais à Medicina”, resume.

Reconhecimento

O trabalho de Ado foi reconhecido internacionalmente. Ele está, por exemplo, entre os cientistas mais influentes do mundo, segundo a editora norte-americana Thomson Reuters, que monitora a produtividade mundial de pesquisadores nas áreas de ciência e inovação. O mineiro faz parte de um ranking composto pelos 3.126 pesquisadores cujas produções científicas mais causaram impacto entre 2003 e 2013. Os nomes foram escolhidos após levantamento dos artigos mais citados em 21 áreas do conhecimento. No processo de análise, cerca de nove milhões de pesquisadores passaram pela peneira dos especialistas em Bibliometria, que avaliaram mais de 120 mil papers em cada área do estudo, de modo a formar a lista, também composta por outros três cientistas que atuam no Brasil: Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), Álvaro Avezum, do Instituto de Cardiologia Dante Pazzanese, e Adriano Nunes-Nesi, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Sobre a lista, duas coisas chamam a atenção do pesquisador: “A primeira diz respeito à importância de integrá-la, pois ela não se liga a questões políticas ou de relacionamento, mas, sim, às métricas da produção científica, que mostram o impacto real de nosso trabalho. A segunda questão é a responsabilidade, transferida ao pesquisador, de dizer algo sobre a importância da ciência e seu valor. Seguimos trabalhando: ontem, eram dois; agora, são quatro; depois, serão 40”, comemora.

Caminhos da ciência

Pesquisas ligadas à Biomedicina e à física de materiais são as mais citadas na lista da Thomson Reuters. Ado Jorio atua em ambas. Para aprimorar conhecimento, foi necessário, segundo o pesquisador, buscar suporte fora do Brasil. Afinal, nos centros de excelência, ocorre a internacionalização da ciência, pois o corpo técnico é selecionado por uma “competição” mundial. Já no Brasil, poucos são os pesquisa-

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dores estrangeiros que chegam, e muitos os que saem. “Isso sem falar dos equipamentos e insumos oferecidos lá fora. Aqui, se uma peça quebra, é preciso esperar meses pela manutenção ou pela reposição, assim como quando ocorre a necessidade de uma compra”, ressalta. Nada, portanto, é tão simples quanto desmontar um rádio e desmanchar suas peças no fogão de casa. Ainda assim, o professor demonstra otimismo com a situação da pesquisa no Brasil. “Vivemos um momento financeiro difícil, mas avançamos muito nos últimos 20 anos. A ciência precisa ser estruturada dentro do País, e isso acontece em décadas. Antes, todos eram estimulados a fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior. Meus professores estudaram em outros países. Já a minha geração não precisou disso, pois havia instituições que conseguiam oferecer bons doutorados”, esclarece. E o que Ado Jorio espera, hoje, da vida? Dedicar-se ao fortalecimento das

Quem é

instituições brasileiras. “Elas estão fortes, mas ainda há resquícios de uma ciência, digamos, importada. Trabalhei no Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia], no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, e tenho mesclado desenvolvimento científico e ensino. A administração científica está nisso tudo. Espero colaborar para que o País e suas instituições continuem caminhando”, completa. De certo modo, pode-se dizer que o pesquisador já se encontra no futuro – ao menos, da ciência. Se corrêssemos a tal “fita do tempo”, é bem provável que nos surpreendêssemos com o resultado prático dos estudos em que está envolvido. Atualmente, ele integra um grupo de cientistas que atua em pesquisas de ponta – ou “quentes”, como tais estudos têm sido chamados. Termino a entrevista e lhe agradeço. Ado Jorio retribui, um pouco apressado, pois já era hora de organizar o jantar das filhas, de 11 e 13 anos. Mais uma vez, lá estava ele... de volta às panelas!

ele?

Professor titular do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas da UFMG Doutor em Física pela UFMG (1999) Pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge (EUA) (2000-2001) Especialista em óptica para o estudo de nanoestruturas com aplicações em novos materiais e em Biomedicina

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Temos uma situação que classifico de impasses da democracia no Brasil. Por impasse, entendo uma crise de crescimento e de evolução da cultura democrática no país. Se, de um lado, todos os indicadores da prática democrática são positivos, de outro parece existir um incômodo em relação à democracia, que não chega a ser um mal-estar e está relacionado a diversos indicadores: aumento das expectativas da população em relação ao governo que não se traduziram em melhor performance ou em piora de indicadores de mídia em relação ao governo, como ocorre em todas as democracias do mundo.

Em tempos de tensão política – e de acalorados confrontos sobre os rumos da nação –, esta obra de Leonardo Avritzer, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pode se revelar bastante elucidativa. Com base em extensas investigações, o pesquisador busca mostrar “como o país chegou ao atual momento de crise de desenvolvimento e de retrocesso da cultura democrática”, por meio da elucidação de fatores como “a forma de fazer política; os limites da participação popular; os paradoxos do combate à corrupção; as consequências de status e de reordenamento social provocadas pela queda da desigualdade” e “o novo papel do Poder Judiciário”. Em cinco capítulos, Avritzer analisa questões como “A democracia e os custos

Viagem às

A estrutura da internet tornou possível a Web como meio. A tecnologia digital, associada a novos equipamentos, como smartphones, e novos conceitos, como o do Facebook, vem mudando nosso modo de vida. As noções de privacidade e equilíbrio editorial encontram-se em xeque. Quanto à internet, é difícil prever que tipo de cenário teremos quando atingir a maturidade. Embora tenha levado várias décadas para que o impacto de inovações como a nova imprensa tipográfica, o telégrafo e a radiodifusão se tornasse plenamente visível, temos a possibilidade, agora, de estudar as lições dessas eras anteriores da mídia para construir um guia para o futuro provável.

pauta

do presidencialismo de coalização” e “Os limites e a segmentação da participação social (1990-2013)”. Além disso, apresenta pesquisa específica sobre as manifestações de junho de 2013 e problematiza a relação entre a democracia, a corrupção e a classe média. No texto de conclusão, o professor discute saídas para o tumultuado impasse político nacional.

Livro: Impasses da democracia no

Brasil Autor: Leonardo Avritzer Editora: Civilização Brasileira Páginas: 155 Ano: 2016

origens da mídia

O título deste livro de Roger Parry, hoje presidente do Conselho do Shakespare’s Globe Trust e Visiting Fellow da Universidade de Oxford, remete ao complexo mecanismo evolutivo dos processos humanos de comunicação midiática – das eras gráfica (“desenhos, pinturas, placas”) e oral (“sermões, discursos, teatro”) aos tempos digitais (“web = multimídia”). Ao abordar cerca de 3 mil anos de história, o autor revela o modo como os meios “foram moldados pela interação entre política, economia e tecnologia”. Dividido em três partes, Ascensão da mídia discute “Os elementos básicos da comunicação”, “A jornada da mídia” e “Tudo o que veio antes... e mais”. Nesta fascinante viagem, os leitores têm a

oportunidade não apenas de ampliar seu repertório conceitual acerca das estratégias comunicativas humanas, mas, também, de conhecer nuances ligadas ao desenvolvimento, por exemplo, do teatro, dos livros, dos cartazes, dos sistemas postais, dos jornais e revistas, dos quadrinhos, do cinema, da TV, dos videogames e, claro, da web.

Livro: A ascensão da mídia – A história dos meios de comunicação de Gilgamesh ao Google Autor: Roger Parry Editora: Campus Páginas: 398 Ano: 2012

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LEITURAS

Democracia em


HI P ER LI N K

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As imagens ao lado retratam tipos de madeira da Gráfica Ouro Preto e as gavetas para guardá-los, objetos pertencentes ao acervo do tipoeta Guilherme Mansur. As fotografias integram a pesquisa de Cláudio Santos Rodrigues, que, em sua dissertação de mestrado – orientada pelo professor Sérgio Antônio Silva, junto ao programa de Pós-Graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) –, investiga o modo como o design, aplicado às tecnologias de rede colaborativa, pode contribuir para a difusão da memória coletiva da tipografia em território mineiro.

VARAL


Aproximando você das fontes de financiamento O Sistema Financiar disponibiliza, para acesso via web, informações sobre fontes financiadoras para projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I). Nossa equipe trabalha na busca e tratamento das informações dos mais diversos tipos de oportunidades de financiamento para aproximar pesquisadores e gestores das fontes de recursos para seus projetos, gerando economia de tempo e estímulo ao aumento das pesquisas. ESTÍMULO À PESQUISA

ECONOMIA DE TEMPO Informações de editais concentradas em um só lugar disponibilizadas de forma prática e de fácil análise

DIVERSIDADE Mais de 22 mil oportunidades de financiamento já divulgadas, em todas as áreas do conhecimento

As informações contidas no Sistema Financiar levam ao fortalecimento, estímulo e diversificação da pesquisa na instituição

INTERATIVIDADE

Divulgação seletiva e automática de editais nacionais e internacionais de acordo com as áreas de interesse dos usuários

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DE CA R A

N OVA www. fapemig.br

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