Minas Faz Ciência 68

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Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br

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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Fernando Pimentel SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Miguel Corrêa Jr.

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Evaldo Ferreira Vilela Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda Beirão Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha Conselho Curador Presidente: João Francisco de Abreu Membros: Esther Margarida Alves Ferreira Bastos, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Michele Abreu Arroyo, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli, Virmondes Rodrigues Júnior Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

A carta ao leitor da última edição do ano tem significado especial. Normalmente, uso este espaço para falar sobre a produção das reportagens, a escolha dos temas que aparecem nas páginas seguintes, novidades a caminho e iniciativas da equipe de jornalistas ou da própria FAPEMIG. O fim do ano, porém, funciona como um convite para ir além, para pensar sobre o período que passou e sobre os desafios que já conseguimos enxergar em um futuro próximo. E que ano! Crise financeira grave, turbulências políticas, perda de ídolos, sentimentos de insatisfação e incerteza para todos os lados. A área de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) sofreu diversos baques, alguns mais fortes que outros, que nos fizeram cambalear atordoados. Não, não foi fácil. Ainda bem que, no copo meio vazio, sempre existe a metade cheia. Para a divulgação científica em Minas Gerais, por exemplo, 2016 foi um ano positivo. A FAPEMIG realizou dois grandes eventos, o Pint of Science, em maio, e o Inova Minas FAPEMIG, em agosto. No primeiro, levamos pesquisadores para conversar sobre ciência a bares da capital mineira; no segundo, apresentamos projetos e experimentos em uma grande feira a céu aberto, que atraiu mais de 15 mil pessoas. Tivemos, também, o resultado de dois editais para a área, que possibilitarão atividades de divulgação e o fortalecimento das estruturas de comunicação das instituições de CT&I sediadas no Estado. Além disso, vimos a consolidação da Rede Mineira de Comunicação Científica, que reúne profissionais (jornalistas e cientistas) que trabalham com o tema em Minas Gerais. Por meio da Rede, realizamos duas edições do Fala Ciência, curso de capacitação que busca, em última instância, aprimorar o diálogo entre ciência e sociedade. É esse o espírito desta Minas Faz Ciência: pensar nas conquistas e encarar de forma otimista o novo ano que se aproxima. Na área da CT&I, boas novas vêm de todos os campos do conhecimento. Escolhemos cinco áreas, todas bastante promissoras, e fomos atrás de pesquisadores para descobrir os estudos que prometem trazer avanços e benefícios para a população nos próximos anos. Novas tecnologias para combate ao câncer, vacinas veterinárias e alimentos mais saudáveis são exemplos do que podemos esperar – notícias que, sem dúvida, merecem ser brindadas. As outras reportagens acompanham a matéria principal no sentido de apresentarem projetos e resultados que visam a um futuro melhor. Entre os destaques, estão os trabalhos que buscam a recuperação do rio Doce e a definição de parâmetros para uma “nova mineração”, tema explorado pela jornalista Roberta Nunes; e a inclusão de novo exame no rol de especialidades da Rede de Teleassistência de Minas Gerais, o que, conforme apurou a jornalista Alessandra Ribeiro, resultou em economia significativa para os cofres públicos e atendimento a uma parcela da população que, de outra forma, não teria acesso ao exame. No espírito das boas novas, é preciso mencionar, ainda, a parceria com o Portal Uai, que passará a hospedar o blog do projeto Minas Faz Ciência (veja a novidade na seção Hiperlink). Anote aí o novo endereço e faça uma visita: www.minasfazciencia.com. br. A todos que acompanham o projeto Minas Faz Ciência – pela revista, via internet, TV ou rádio –, os votos de nossa equipe são de um Natal repleto de paz e um ano novo melhor do que o que passou, sempre, em todos os sentidos. Vanessa Fagundes Diretora de redação

ao lEI To r

EX P ED I EN T E

MINAS FAZ CIÊNCIA Diretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr. Redação: Alessandra Ribeiro, Amanda Jurno, Camila Alves Mantovani, Lorena Tárcia, Marina Mendes, Maurício Guilherme Silva Jr., Tatiana Pires Nepomuceno, Téo Scalioni, Vanessa Fagundes, Verônica Soares e Vivian Teixeira Diagramação: Fazenda Comunicação Revisão: Sílvia Brina Direção de arte: Felipe Bueno Editoração: Unika Editora, Fatine Oliveira Montagem e impressão: Rona Editora Tiragem: 25.000 exemplares Capa: Felipe Bueno


Í N D I cE

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ENTrEvIsTa

Presidente da Academia Brasileira de Ciências, professor e físico Luiz Davidovich discute a produção de saber no Brasil

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TElEssaúDE

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PsIcologIa

Avaliação oftalmológica a distância ajuda a prevenir cegueira em diabéticos e reduz custos de tratamentos

Pesquisadores da PUC Minas analisam processos de socialização de crianças após se separarem das mães em detenção

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mINEração

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boTâNIca

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INTErNacIoNal

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Com uso de energias solar e elétrica, secador híbrido aprimora mecanismo de desidratação de materiais

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rEcIclagEm

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saúDE

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De que modo a ciência pode auxiliar a recuperação do rio Doce e evitar novas tragédias?

Na Universidade Federal de Viçosa (UFV), especialistas avaliam propriedades antitumorais de plantas da Mata Atlântica

ENgENHarIa TérmIca

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A partir de lixo reciclado, inventores desenvolvem compensado de borracha que pode substituir chapas de madeira nas construções

Estudo apresenta dados preocupantes no que se refere à atenção primária e à saúde materno-infantil de comunidades quilombolas de Minas Gerais

vIDa DE cIENTIsTa

Conheça a trajetória da pesquisadora Elizabeth Pacheco Batista Fontes, vencedora do prêmio Marcos Luiz dos Mares Guia

HIPErlINK

Novo portal do projeto Minas Faz Ciência, podcasts com boas notícias e temáticas científicas no cinema e na TV

Uma das diretoras do John A. Moran Eye Center, nos EUA, médica mineira Liliana Werner desenvolve estudos inovadores na área oftalmológica

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EsPEcIal

Confira – e celebre! – cinco boas novas da produção científica em diversas áreas do conhecimento

INovação

Startup mineira desenvolve método eficaz para facilitar retorno de satisfação dos clientes


ciência

faça

pela

humanidade

?

nos próximos anos

“Eu seria muito egoísta ao dizer que espero muito a cura do câncer?”.

prevenção de doenças, com uso de menos drogas e mais remédios fitoterápicos”.

Bruno Menezes Via Facebook

Maíra Duarte Silva Via Facebook

“Espero que se descubra uma forma de produzir objetos indestrutíveis, apesar de, na minha opinião, isso já ser possível. Falo de objetos em geral, para diminuir o consumismo. O sistema capitalista, contudo, seria muito afetado”.

“Adoro perguntas assim. Essa me fez refletir sobre o modo como nossas respostas estão vinculadas a questões que envolvem histórias de afeto e sofrimento. Minha reposta é: cura do câncer e de doenças degenerativas”.

Marlon Castilho Via Facebook

leilane Stauffer Via Facebook

“A meu ver, a ciência, em seu papel de vanguarda, pode e deve direcionar a humanidade a questões ligadas a um comportamento ético. Um exemplo seria o consumo consciente, ao cuidar de conter (ou acabar de vez com) a obsolescência programada (vi, aliás, que um colega citou a criação de ‘materiais indestrutíveis’. Talvez, ele tenha ideia parecida com a minha). Junto de avanços em produção de alimentos e medicinais, a ciência deveria se ocupar com amplas questões de *reciclagem*”.

“Gostaria de ver uma contribuição da ciência ao combate à fome e o fim de doenças como Alzheimer e câncer”.

Fernanda Fabrino Via Facebook

“Espero que a ciência democratize o acesso à saúde e a fármacos, por meio de novas descobertas e pesquisas, sobretudo, a partir de plantas medicinais, a fim de valorizar e de preservar a riqueza da biodiversidade da flora – e como forma de atuar na

Bruno Torquato Via Facebook

“Que a própria ciência possa chegar a mais e mais pessoas, sempre contribuindo para nosso bem-estar – individual e social – e diminuindo tantos preconceitos”. juarez Guimarães Dias Via Facebook

“Os cientistas poderiam criar algum remédio para que as pessoas deixassem de engordar, e que beneficiasse a saúde. Comer sem culpa é um sonho! Afinal, já existe a pílula do dia seguinte, para evitar gravidez indesejada. Penso em algo parecido”. Anytha Matoso Emidianeiro Via Facebook

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2016/JAN/FEV 2017

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espera que a


EsPEcIal

Cinco ótimos motivos (científicos) a comemorar

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Expectativas multifacetadas Téo Scalioni Uma das mais temidas doenças de todos os tempos, o câncer tem sofrido importantes reveses. Devido ao vasto rol de pesquisas, e ao auxílio das tecnologias, inúmeros se revelam, hoje, os avanços na luta contra a enfermidade – da prevenção à realização de diagnósticos mais precisos, além de cirurgias mais assertivas e medicamentos que atacam apenas as células tumorais, ou as impedem de se espalhar e gerar metástases. Em 2016, boas notícias pipocaram em anais de revistas científicas, com a divulgação de promissoras pesquisas: uma delas foi realizada na Alemanha, onde cientistas do Instituto Max Planck e da Universidade Goethe acreditam ter descoberto o mecanismo de migração do câncer – ou o porquê e o modo como os tumores se espalham. Eles pretendem impedir que a metástase – quando células individuais se separam do tumor principal e entram no sistema circulatório – aconteça.

Vacinas Outra novidade, publicada na revista Nature, refere-se a uma vacina universal contra o câncer. A substância estimularia o sistema imunológico a produzir células capazes de atacar os tumores, como se fossem vírus. O que a difere de outras vacinas é que será usada em pessoas já doentes. Testes foram realizados em ratos e em três pacientes humanos. No primeiro homem, o tumor diminuiu de tamanho após a aplicação. Em outro, cuja área fora removida em cirurgia, a cura veio em sete meses. Por fim, o terceiro permaneceu clinicamente estável.

Novos tempos Segundo o professor André Márcio Murad, diretor clínico da Personal (Oncologia de Precisão e Personalizada) e coordenador do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os avanços no combate ao câncer ocorrem em diferentes frentes, “do entendimento das causas da doença a formas mais adequadas de prevenção e rastreamento. Também o diagnóstico e o tratamento passam por extraordinárias mudanças”.

Quanto às cirurgias, o tratamento tem ficado menos agressivo e mais seguro, o que resulta em maior preservação dos órgãos envolvidos. Tudo isso graças às intervenções vídeo-assistidas e/ou robóticas, com caráter minimamente invasivo – e consequente diminuição da dor, do sangramento e da medicação analgésica pós-operatória. “Nos EUA, o câncer de próstata já é tratado, em cerca de 80% dos casos, por via robótica”, observa. Os exames diagnósticos de imagem também avançaram. Além de ressonâncias magnéticas, é essencial, hoje, o aparelho de Tomografia por Emissão de Pósitrons, acoplado ao de Tomografia Computadorizada (PET/CT). Diferentemente das radiografias ou tomografias convencionais, que buscam a visualização da estrutura do corpo e a identificação de lesões, trata-se de exame funcional, realizado em nível molecular. “Tal método permite um estadiamento mais correto dos tumores, para precisar a extensão e evitar cirurgias”, explica Murad. “A introdução de novas tecnologias de imagem da Medicina Nuclear no Sistema Único de Saúde (SUS) foi outra grande conquista”, reforça o professor Marcelo Mamede, subchefe do Departamento de Anatomia e Imagem da Faculdade de Medicina da UFMG, que lamenta o fato de o SUS não cobrir todos os métodos. Coordenador de pesquisa centrada no uso de radiofármacos (agentes radioativos) PET para o diagnóstico, ele acredita no uso do método de imagem da Medicina Nuclear em larga escala. “Temos testado a metodologia em pacientes com câncer de próstata. Os dados mostram-se positivos, no que tange ao estadiamento e ao acompanhamento dos pacientes”, acredita, ao reforçar que os exames visam ao diagnóstico precoce do câncer. Também a radioterapia tem se tornado mais precisa, eficiente e menos sujeita a riscos, como queimaduras a órgãos vizinhos à área tratada. Isso é possível, hoje, devido às tecnologias de 3D, 4D e de Intensidade Modulada de Feixes (IMRT). A radioterapia estereotáxica, por exemplo, permite irradiar, precisamente, um tumor no pulmão e no fígado, mesmo com os movimentos respiratórios do paciente. Já a radiocirurgia é empregada para administrar altas doses de irradiação, por exemplo, em tumores cerebrais.

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Novos tempos para a pecuária Alessandra Ribeiro Na área de Medicina Veterinária, Minas Gerais responde por uma das três pesquisas brasileiras vencedoras do Prêmio Capes de Tese 2016, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação. Realizado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo procurou desvendar a resposta imunológica dos bovinos à vacina contra a brucelose. A zoonose causa prejuízos à pecuária, ao ocasionar problemas reprodutivos como aborto, infertilidade e nascimento de bezerros fracos. A doença também atinge o homem, no qual se manifesta por meio de febre, dor de cabeça, sudorese, calafrios e perda de peso. A pesquisa analisou duas das vacinas veterinárias mais empregadas no mundo, a B19 (ou S19) e a RB51. “Compreender como protegem os bovinos é importante para orientar novos métodos diagnósticos e pesquisas mais eficazes e seguras”, comenta a autora do trabalho, Elaine Maria Seles Dorneles, atual professora da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Apesar de usadas há mais de 70 anos, as duas vacinas têm inconvenientes, pois podem causar doença no ser humano e aborto em vacas vacinadas durante a gestação. Bezerras bovinas foram acompanhadas ao longo de um ano e sete meses após a vacinação. Os resultados mostram que, após a primeira aplicação, ambas as vacinas induzem resposta imunológica similar. Após a revacinação com a RB51, porém, as diferenças se ampliam. “Os resultados são os primeiros a mostrar como as principais vacinas atuam nos bovinos e estabelecem critérios imunológicos para avaliação de outras substâncias, talvez melhores”, afirma Elaine Dorneles.

Nutrição e produtividade

Outra pesquisa, vencedora do Prêmio UFMG de Teses 2016, oriunda do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, traça perfil da necessidade nutricional de bovinos leiteiros no Brasil. A formulação de dietas para tais animais, no País, ainda é baseada em tabelas internacionais, principalmente a americana, com a indicação de “volumosos” (pastagens, silagens e fenos) bem diferentes dos brasileiros.

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A médica veterinária Helena Ferreira Lage observou as necessidades nutricionais de animais da raça Gir e mestiços F1 Holandês-Gir, especializados na produção de leite. “Ao usar câmara respirométrica, estimamos a produção de calor do animal em diferentes estados fisiológicos e condições de alimentação, para calcular sua exigência de energia durante a mantença e as diferentes funções produtivas”, explica a pesquisadora, para quem os resultados descrevem a necessidade do animal em energia, assim como o teor energético da dieta, em diferentes condições. Desenvolvido na Escola de Veterinária da UFMG, com vacas Holandês e F1 Holandês-Gir, outro estudo pode aprimorar a pecuária leiteira. Financiada pela FAPEMIG, a pesquisa quantificou nove genes no fígado dos animais, ligados à saúde e à produção do leite, durante o “período de transição”, que compreende o pré e o pós-parto, quando as vacas passam por alterações hormonais e metabólicas. Observou-se aumento da concentração de glicose sanguínea e maior expressão do gene envolvido no metabolismo energético em vacas F1 Holandês-Gir, se comparadas com as Holandesas. As primeiras, portanto, são energeticamente mais eficientes. As informações podem orientar a elaboração de dieta adequada. “A análise do comportamento dos genes dessas raças é inédita no Brasil”, destaca Juliana Guimarães Laguna, autora do estudo. As investigações sobre nutragenômica – que avaliam os efeitos dos nutrientes sobre a expressão dos genes –, em animais de produção, intensificaram-se a partir de 2010, nos EUA, devido a avanços na Biotecnologia.

Nano As boas novas também vêm da Nanotecnologia, que, aplicada em rebanhos leiteiros, há de minimizar a mastite bovina. A inflamação da glândula mamária pode resultar em queda na produção, perda da qualidade do leite, descarte prematuro, ou, até mesmo, em morte do animal. Com apoio da FAPEMIG, pesquisadores da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) e da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) desenvolveram nanoestruturas para tornar mais eficiente a ação dos antibióticos contra a mastite.


biotecnalternativas! Marina Mendes, Tatiana Pires Nepomuceno e Vivian Teixeira Parece ontem o início das novidades sobre a Biotecnologia, área da ciência que prometeu e vem cumprindo importante papel e pequenas revoluções em diversos campos, em especial na saúde pública, com desenvolvimento de uma infinidade de fármacos ou vacinas. Uma pequena amostra desse universo repleto de possibilidades está sendo estudado na Universidade Federal de Lavras (Ufla) por Raimundo Vicente de Sousa. O estudo aponta alternativas factíveis de uso do extrato de Dianthus caryophyllus (mais conhecido como cravo de defunto) no tratamento e no controle da hipertensão arterial e das urolitíases (desordens do trato urinário). Segundo o pesquisador, o trabalho já está na fase de testes clínicos e de avaliações toxicológicas, e o próximo passo é o desenvolvimento de um fármaco para uso humano e também veterinário. “A previsão é que, até o final de 2017, tenhamos um produto comercial a ser lançado, a um custo baixo, com bons resultados e baixa toxidade”, complementa. Questionado sobre os principais benefícios, o coordenador destaca a alta afinidade pelos tecidos da via urinária, o que permite a expulsão de cálculos e nenhuma toxidade. Ele também acredita que o fitoterápico pode ser uma alternativa eficaz, e economicamente viável, para aplicação futura no Sistema Único de Saúde (SUS). Outra importante contribuição da Biotecnologia está no desenvolvimento de vacinas. Recentemente, o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia

de Vacinas (INCTV), Ricardo Gazzinelli, recebeu o prêmio Cientistas e Empreendedor do Ano do Instituto Nanocell, na categoria Biotecnologia aplicada à saúde, pelos trabalhos conduzidos por ele e por sua equipe no INCTV. Ele destaca o trabalho com a Leisch-Tec, vacina contra a leishmaniose registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em 2008 e que, desde então, tem sido comercializada no País. As perspectivas são boas. “A ideia é desenvolver uma vacina semelhante para uso humano”, comenta.

Nanopossibilidades E quando a biotecnologia alcança a escala nanométrica? Nesse caso, a ciência vai buscar soluções em uma medida que equivale à bilionésima parte de um metro, ou seja, algo impossível de ser percebido a olho nu, mas que pode fazer toda a diferença. O coordenador do Laboratório de Nanoespectroscopia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ado Jorio Vasconcelos, é reconhecido mundialmente A Leisch-Tec foi premiada, em 2014, pela Fundação Péter Murányi, em saúde, e também recebeu o prêmio Bom Exemplo em Ciência, oferecido pela Fundação Dom Cabral, pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e pela Globo Minas.

por estudar as propriedades de nanoestruturas – materiais extremamente pequenos, que podem ser usados em Nanotecnologia ou em aplicação médica. Ele cita o exemplo de algo corriqueiro: o protetor solar. “As pessoas usam, mas não têm consciência de quanta tecnologia existe nesse produto”, diz. Há alguns anos, o fator de proteção era de apenas 5 ou 10. Essa proteção aumentou muito com o uso de materiais nanoestruturados, que oferecem bloqueio muito mais eficiente. Em processo avançado de pesquisa, estão também diversos fármacos que usam a Nanobiotecnologia. Eles oferecem maior controle das modificações moleculares se comparados aos medicamentos convencionais. O trabalho do pesquisador Flávio Guimarães, microbiologista do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e recém-chegado à Rede Mineira de Nanobiotecnologia, segue por esse caminho. Compreender e explorar as possibilidades do uso do nanobastão de ouro é um de seus objetivos: “Ao compreender melhor os potenciais dos nanomateriais, veremos, por exemplo, como se comportam como agentes de entrega de um fármaco”. Ado Jório prevê que, daqui a algum tempo, será possível trabalhar a Nanobiotecnologia associada à Engenharia Genética. Nesse cenário, seria possível introduzir material genético em células infectadas com dengue, por exemplo, fazendo com que, ao picar o doente, o mosquito transmissor se torne inócuo.

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Plantas anticontaminação Roberta Nunes O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, dentre os quais os herbicidas, produtos químicos usados na agricultura, para controle de ervas daninhas, respondem por mais de 50% da aplicação – ou seja: metade de todo o material aplicado no ambiente nacional. Muitos resíduos dessas moléculas acabam em rios e lagos. Pesquisador de Agronomia na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFJM), José Barbosa dos Santos desenvolve pesquisas, justamente, com foco na sustentabilidade ambiental relacionada ao uso dos herbicidas. Para tal, dedica-se a três eixos principais: impactos do uso dos agrotóxicos em organismos geneticamente modificados; efeitos em organismos não alvo; e descontaminação ambiental. O trabalho relacionado aos temas recebeu menção honrosa na edição 2016 do Prêmio Marcos Luiz dos Mares Guias. Relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta o Brasil como principal exportador mundial de alimentos na próxima década. Para José Barbosa, ao se tornar líder na produção de bens alimentícios, o País também aumentará o consumo de agrotóxicos, e será necessário o uso de tecnologia eficiente para conter tal problema. “Precisamos, portanto, adotar práticas de descontaminação, para que haja menos resíduos de herbicidas, e, ao mesmo tempo, maior produção de alimentos, fibras e energia, além de menor impacto negativo ambiental”, explica. Na prática, usa-se herbicida para controlar plantas daninhas, por exemplo, na cultura do feijão. Se ele mata gramíneas no meio dos grãos, e deixa resíduos prejudiciais no solo, não se pode, então, plantar milho, cana, trigo ou arroz na sequência. A preocupação em impedir ou remediar tais efeitos negativos da presença de herbicidas, nos diversos compartimentos ambientais, tem aumentado ao longo dos anos, e se relaciona à nova visão de produção, em que o aumento na produtividade não é mais a única meta. Busca-se, também, manter o nível produtivo ao longo dos anos, com enfoque preservacionista. “A sustentabilidade passou a ser umas das palavras mais importantes para designar a modificação do enfoque dos sistemas agrícolas brasileiros”, destaca José Barbosa.

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Heroínas vegetais A pesquisa desenvolvida na UFJM avalia o impacto, em laboratório, de diversos herbicidas sobre “organismos não alvo”, como insetos, peixes, anfíbios e comunidade vegetal nativa. Busca-se analisar, no campo, métodos de descontaminação que preconizem a fitorremediação – técnica baseada em plantas para diminuir resíduos de contaminantes como os herbicidas. Dos resultados já encontrados, José enumera um elenco de plantas aptas a remediar sítios contaminados. Algumas delas podem ser cultivadas no local onde os produtos foram inicialmente aplicados; outras são semeadas na recuperação de nascentes ou nas matas ciliares. Nesse caso, trata-se, normalmente, de espécies arbóreas, pois deseja-se interceptar o resíduo de herbicidas móveis antes que cheguem aos cursos hídricos. O principal benefício das pesquisas está na diminuição do impacto, silencioso e negativo, dos resíduos dos herbicidas nos rios. Com efetividade na descontaminação, a qualidade da água captada para uso nas cidades, e no campo, será melhor. José Barbosa comenta, ainda, que a primeira comunidade a sofrer com resíduos de agrotóxicos são os seres fotossintetizantes, responsáveis pela produção de oxigênio em meio fluvial. “Com menor quantidade de oxigênio, outros organismos aeróbicos, e os peixes, não sobrevivem. Portanto, esse problema ajuda a explicar porque vários rios têm menos cardumes”, resume. O pesquisador ressalta que olhar para o futuro, nessa área, significa enxergar recomendação sistematizada, em livros, acerca dos benefícios de adquirir mudas com capacidade de reduzir a contaminação. Em relação às políticas públicas, José Barbosa acredita que se pode pensar em legislação apta a reforçar a adoção de plantas ecologicamente voltadas às áreas de recuperação: “Desse modo, além de todos os benefícios de uma espécie vegetal replantada, seria possível descontaminar áreas com resíduos de herbicidas. Nesse campo, no Brasil, a pesquisa é inédita e tem se destacado”.


Pelo bem do outro

Vivian Teixeira

O que uma ferramenta para detecção de feridas, a partir de imagens feitas por câmera de celular, uma mão robótica e um aplicativo de análise biomecânica, destinada à prática esportiva aquática, podem ter em comum? Todos são projetos baseados em tecnologias sociais desenvolvidos no Brasil – e que prometem ganhar ainda mais relevância nos próximos anos. Embora ainda pouco conhecido, o referido conceito de “tecnologia social” envolve quatro dimensões, comuns a diversas áreas: conhecimento, ciência, tecnologia; participação, cidadania e democracia; educação; e relevância para a sociedade. As tecnologias assistivas apresentam-se como importante braço das preocupações sociais. A partir de janeiro de 2016, elas ganharam novo fôlego, com a entrada em vigor da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). A lei promete mudar o olhar da sociedade acerca das 45 milhões de pessoas que vivem com algum grau de deficiência no Brasil. Em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais, fica o Centro de Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia Assistiva (CDTTA) do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). Segundo a engenheira biomédica do CDTTA, Rani de Souza Alves, a legislação impulsionou muitos projetos na área, com destaque para aplicativos que auxiliam pessoas com deficiência, ou com algum tipo de limitação causada por doenças. “A Lei foi importante porque deu visibilidade a essa parcela da população, assim como as Paraolimpíadas também cumpriram tal papel. Agora, eles também se sentem parte do processo e participam da construção de soluções que podem facilitar suas vidas”, afirma.

Até o momento, já foram transferidas, a empresas da região, tecnologias como um elevador ortostático e cadeiras de rodas especiais, idealizadas pelo Centro. Estão em desenvolvimento outros 13 projetos, em parceria com outras instituições de ensino e empresas. Rani acredita que a tecnologia seja fundamental para o aprimoramento da área, e cita a realidade virtual como ferramenta-destaque para a criação de novas tecnologias sociais. “Existem muitos aplicativos que simulam a sensação de uma pessoa com deficiência. Essa é importante etapa do processo de conscientização. Óculos virtuais, por exemplo, oferecem a sensação de ter Alzheimer; outro aplicativo busca auxiliar os deficientes visuais a usar o transporte público”, exemplifica. A en-

genheira acredita que os aplicativos continuarão a melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência, principalmente, por serem de fácil acesso: afinal, muitos têm smartphone, e, em geral, as ferramentas são simples e têm baixo custo de desenvolvimento. Desde 2001, também funciona no Brasil o Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil), associação de direito privado, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). A missão da entidade é “promover a geração, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias voltadas para o interesse social e reunir as condições de mobilização do conhecimento, a fim de que se atendam as demandas da população”. Divulgação Inatel

Pesquisadores do Inatel, em Santa Rita do Sapucaí (MG), desenvolvem uma série de tecnologias sociais, a exemplo da mão robótica MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2016/JAN/FEV 2017

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entrevista

A chave do desenvolvimento Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich enxerga a produção do conhecimento como vital ao País e defende a pluralização da pesquisa Vivian Teixeira

Acostumado a comentar questões de óptica quântica e outros tantos temas relacionados à Física, Luiz Davidovich tirou as vestes de cientista para falar como gestor da Academia Brasileira de Ciências (ABC), instituição que completou 100 anos em 2016. O pesquisador – que recebeu a missão de suceder o matemático Jacob Palis – assumiu o cargo de presidente da Academia em um momento delicado para a ciência, a tecnologia e a inovação no Brasil. Nesta conversa com a equipe de MINAS FAZ CIÊNCIA, Davidovich destaca a importância de a produção do conhecimento ser percebida, pelos governos, como primordial ao desenvolvimento do País, defende iniciativas voltadas à divulgação científica e apresenta os planos da ABC para aproximar a ciência da população, e, ainda, para torná-la cada vez mais plural. A Academia Brasileira de Ciências completou 100 anos em 2016. Que balanço o senhor faz da atuação da instituição no período? A ABC foi fundada por um grupo de engenheiros da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e nasceu com a missão de apoiar

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o desenvolvimento científico e tecnológico do País, o que tem feito desde então. Desde o primeiro presidente da ABC, um dos fundadores, Henrique [Charles] Morize [1860-1930], já falava na importância da chamada ciência básica para a sociedade. Ele também defendia a importância de uma educação de alta qualidade. É curioso que tais temas ainda sejam tão atuais. Hoje, essa é a pauta da ABC. Consideramos que apoiar a CT&I é parte fundamental de uma política de desenvolvimento econômico e social para o País e defendemos uma educação de boa qualidade para todos. São dois pontos fundamentais. Nesses 100 anos, houve muitas transformações na Academia, que aumentou muito o número de membros e ampliou sua capilaridade no País. Nesse sentido, foram criadas, por meu antecessor, o professor Jacob Palis, as vice-presidências regionais. Essas vice-presidências são responsáveis por realizar simpósios regionais e coordenar a eleição de membros afiliados. Essa foi outra inovação da gestão anterior. Trata-se de jovens pesquisadores de até 40 anos, que se tornam membros da Academia por um período de cinco anos.

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Depois, eles deixam de ser membros, mas podem retornar como titulares. É uma medida muito importante para integrar jovens pesquisadores à Academia, e uma forma de rejuvenescer a instituição. A ABC tem realizado, ainda, vários simpósios para promover uma interação entre o mundo acadêmico e empresas e indústrias. Isso tem sido muito interessante para estabelecer uma ponte entre as universidades e as indústrias. Nesses 100 anos, também aumentou o protagonismo internacional da Academia. Hoje, ela colabora com diversas instituições internacionais, nas quais o Brasil tem participado de forma ativa. A ABC representa a ciência nacional fora do Brasil. A Academia também tem papel relevante na institucionalização do apoio à ciência no País. É bom lembrar que foi um ex-presidente da Academia, o Almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva, quem fundou o Conselho Nacional de Pesquisas (ue viria a se tornar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq), em 1951. Membros da academia também participaram do processo de estruturação da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível


Diogo Brito

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Superior]. Partiu da Academia, junto ao CNPq, a campanha para que houvesse um ministério de Ciência e Tecnologia no Brasil, ainda no começo dos anos 1960. Também partiu da ABC, junto à SBPC, a ideia de um Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Temos assistido, nos últimos três anos, a uma degradação do financiamento à pesquisa no Brasil. Basta lembrar que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação era, em 2013, de R$ 10 bilhões, em valores corrigidos pela inflação, e, agora, é de cerca de R$ 4,6 bilhões, o que inclui os recursos referentes à área de comunicação, que foi anexada ao Ministério. É papel da Academia criticar esse descaso com o desenvolvimento científico do país. A impressão é de que a ABC ainda é vista de forma sisuda, e envolvida por uma espécie de toga. Como mudar tal percepção e aproximar a instituição da realidade das pessoas? Ao fazer um documento sobre Ciência, Tecnologia e Inovação, nós, da Academia, não podemos sentar em cima dele. Na verdade, nós o levamos ao conhecimento das instituições e da sociedade. É preciso debater, dialogar e fazer as pessoas discutirem seu conteúdo. É bom mostrar que a Academia não é um lugar onde apenas se discutem teorias científicas – o que também é importante. No entanto, não é só isso. A elaboração de documentos que podem ser usados para orientar a decisão de governantes é, também, um papel fundamental. A 4ª Conferência de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2010, foi um bom exemplo da atuação da ABC, com participação de representantes de vários segmentos da sociedade (pesquisadores, ONGs, empresários, sindicatos, população indígena e outros representantes da sociedade civil). Como resultado, o encontro teve a produção do Livro azul, que reúne diversas propostas para a política de ciência, tecnologia e inovação. Temos que mostrar às pessoas que o que fazemos interfere na forma como elas vivem, beneficia a sociedade brasileira e permite ao país ter um desenvolvimento mais sustentável e menos suscetível a crises.

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Durante as comemorações de seu centenário, a Academia divulgou uma foto, do início do século XX, sobre a vinda de Einstein ao Brasil. Na imagem, há vários cientistas, todos homens. Como a ABC pretende contribuir para que a ciência se torne mais plural, a ponto de qualquer pessoa almejar ser cientista? A diversidade e a representação de mulheres na Academia me preocupam muito. Atualmente, o percentual de mulheres, como membros titulares, gira em torno de 13,65%, de um total de 530 membros. Isso é muito pouco. Se fôssemos olhar idealmente, o índice deveria ser de, pelo menos, 50%. Penso que isso se deve a questões culturais, que estão em todo lugar, e não só no Brasil. Há várias formas de começar a mudar isso. Educação em ciências tem um papel muito importante. Quem tem bolsa na Faperj [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro], por exemplo, precisa desenvolver atividades científicas com estudantes de escolas públicas do Estado. A participação de pesquisadoras nessas atividades é muito importante, pois elas servem de exemplo para as estudantes, motivando-as a seguir carreiras científicas. Recentemente, dei uma palestra em um colégio e os estudantes se mostraram muito gratos por eu estar ali. É fundamental mostrar a importância da ciência para diversos grupos da sociedade. Por isso, quando um documento oficial, como o “Ponte para o Futuro” [programa de ações lançado pelo PMDB, em 2015, para enfrentar a crise econômica], não contém a palavra “ciência”, ficamos preocupados. As pesquisas de percepção pública da ciência mostram que os brasileiros têm interesse pelo assunto, mas, contraditoriamente, não o consomem. Como a ABC pode contribuir para que o interesse das pessoas se concretize, por meio do acesso a produtos científicos? Essa é uma questão que deixa o Brasil distante de outros países. Alguns programas de bolsas já tratam como exigência as atividades voltadas à divulgação científica para estudantes da rede pública, como mencionei antes. É preciso atuar junto a escolas de en-


sino fundamental e médio, mas essa é uma espécie de paliativo. Além disso, o ensino de ciências é muito ruim no Brasil. A ciência experimental é pouco explorada e os alunos, frequentemente, apenas copiam conteúdo. Projetos como o “Mão na massa” têm esse objetivo. Inspirada em um movimento francês, a inciativa propõe que as crianças sejam estimuladas a aprender ciência, no ambiente delas, por meio de experimentos feitos com objetos. Para que iniciativas como essa tenham maior alcance, é preciso investir na formação de professores. O MEC [Ministério da Educação] já procurou a ABC, há alguns anos, para trocar experiências sobre a formação de professores, de modo a incorporar, nessa formação, métodos como o “Mão na Massa”, mas isso não foi adiante. O foco na formação de professores é algo fundamental. Mas os acadêmicos da ABC têm consciência da importância? Vários membros da ABC participam de ações de difusão e educação em ciências, seja espontaneamente, seja porque essa é uma exigência de alguns programas de apoio à pesquisa, como é o caso da Faperj. Em São Paulo, existem os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), financiados pela Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], e que também devem ter atividades de difusão e educação em ciências. Visitei dois centros em São Carlos (SP), um dos quais sobre cerâmica. Nele, é mostrada a ciência por trás desse material. Todos os envolvidos estavam empolgadíssimos! Há, também, pesquisadores que se envolvem na produção de vídeos, e disponibilizam o material nas videotecas da cidade, onde podem ser retirados gratuitamente pela população. Outra iniciativa, ligada à área de óptica, foi um ônibus cheio de microscópios, que circulava em vários lugares da cidade. Os estudantes podiam observar, por exemplo, a qualidade da água do rio Tietê, da nascente à foz. A atividade reúne conteúdos relacionados à Física e à sustentabilidade. É muito gratificante ver os olhinhos dos alunos brilharem ao ver tal conteúdo, que é motivador para os pesquisadores que participam dessas atividades.

Os números da produção científica cresceram no Brasil – inclusive, aqueles relacionados à formação de mestres e doutores. Entretanto, os índices não se traduzem em boas políticas públicas relacionadas à CT&I. O que explica isso? São vários os fatores, mas o principal parece estar ligado à ignorância de nossos governantes, e não falo apenas do governo atual. Além disso, o Brasil se acomodou ao ciclo das commodities (extração do ferro, ouro e tantos outros bens), que garantem mais dinheiro, mas não um desenvolvimento sustentável. Enquanto os investimentos em CT&I crescem exponencialmente em países como os Estados Unidos, os nossos minguam. Também nações da União Europeia, e países como Israel, Coreia do Sul e China, já entenderam a importância desses investimentos. Já tivemos iniciativas positivas, como a Lei da Inovação, a Lei do Bem, mas não podemos dizer que fizeram, efetivamente, as empresas inovarem, porque não se tem muito controle se os recursos de fato produziram um diferencial na inovação das empresas contempladas com recursos do governo. É preciso incentivar as inovações disruptivas, aquelas que mudam o cenário produtivo, que agregam valores consideráveis à produção e à exportação. Infelizmente, o Brasil está, hoje, em relação à ciência, em posição de retranca. Queremos apenas aquilo que já tivemos: INCTs [Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia], outros projetos de longo prazo, bolsas e editais do CNPq, incentivo à inovação. Não podemos perder o bonde da nanotecnologia e da biotecnologia, as tecnologias do futuro, e o Brasil pode ter uma posição privilegiada, em virtude da fantástica biodiversidade ainda a explorar, mas o País não está buscando isso. Quem fala de ciência nos EUA é o Obama. Na China, na França, também é o presidente. Aqui, precisamos que as mais altas autoridades do País compreendam que CT&I é essencial para desenvolvimento. Precisamos que o Presidente da República seja porta-voz da CT&I, motivando os jovens e comprometendo-se com um apoio duradouro à pesquisa, chave para que o País possa sair, de forma sustentável, da crise atual.

Temos assistido, nos últimos três anos, a uma degradação do financiamento à pesquisa no Brasil. Basta lembrar que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação era, em 2013, de R$ 10 bilhões, em valores corrigidos pela inflação, e, agora, é de cerca de R$ 4,6 bilhões, o que inclui os recursos referentes à área de comunicação, que foi anexada ao Ministério. É papel da Academia criticar esse descaso com o desenvolvimento científico do país.

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telessaúde

Tele-esperança!

Médicos avaliam exame oftalmológico a distância, evitam deslocamentos inúteis de pacientes e ampliam prevenção à cegueira em diabéticos Alessandra Ribeiro

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Pacientes diabéticos, especialmente acima de 60 anos, devem ser submetidos, ao menos, a um exame oftalmológico anual. A razão é o risco de desenvolvimento da retinopatia diabética: os altos índices de glicose no sangue podem causar lesões microvasculares na retina e desencadear problemas como glaucoma, hemorragia, isquemia e, até mesmo, cegueira. A ocorrência é tão comum em pessoas com diabetes que, às vezes, trata-se do primeiro sintoma do distúrbio metabólico, que acaba conhecido na cadeira do oftalmologista. A doença, contudo, é tratável – daí a importância da detecção precoce, por meio do exame de retinografia, que é, basicamente, uma fotografia colorida da retina. Eis a questão: a oftalmologia é uma das especialidades com maiores filas de espera para pacientes idosos na rede pública. É preciso aguardar meses, ou anos, para conseguir uma consulta. “Às vezes, a pessoa nem tem o pedido porque sabe que não conseguirá, e recorre à rede particular. O problema é que são pacientes carentes”, observa Maria Beatriz Alckmim, uma das coordenadoras do Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). “Muitos municípios do interior têm que pôr esses pacientes em ambulâncias e levá-los a Belo Horizonte, com altíssimos custos de transporte e de encaminhamento. Além do custo da avaliação oftalmológica, há o tempo perdido: a pessoa precisa sair de casa e se deslocar até um grande centro”, relata Daniel Vitor Vasconcelos Santos, coordenador do serviço de teleoftalmologia do Centro de Telessaúde do HC-UFMG, para quem essa é uma das razões para a baixa adesão ao exame com a regularidade necessária. Daniel Vitor é autor de um estudo que avalia a viabilidade econômica da aplicação de ferramentas de telessaúde na triagem da retinopatia diabética. Funciona assim: o paciente vai a um centro de referência, onde faz a retinografia, posteriormente transmitida, via internet, a

um especialista da Rede de Teleassistência de Minas Gerais, que faz a avaliação a distância, em até 72 horas. Isso é possível porque o retinógrafo, aparelho usado no exame, não precisa ser operado por um médico. Qualquer profissional de saúde, previamente capacitado, pode fazê-lo. Um projeto-piloto foi implantado em dois centros especializados no atendimento de pacientes com diabetes e hipertensão – conhecidos como Hiperdia –, que funcionam, nas cidades de Viçosa e Santo Antônio do Monte, como polos de atendimento regionais. Com apenas dois profissionais treinados a fazer a retinografia em cada unidade, emitiram-se mais de 1,8 mil laudos de exames em menos de um ano, até setembro de 2016. Os primeiros resultados parciais do projeto foram apresentados durante o Congresso Internacional de Telemedicina (Med-e-tel), realizado em abril de 2016, em Luxemburgo, na Europa. A avaliação mostrou que o telediagnóstico pode gerar uma economia de até 95%, especialmente por dispensar os gastos com o transporte do paciente até um grande centro (normalmente, a capital). Em média, o custo da consulta presencial fica em torno de R$ 80, ao passo que o laudo remoto é estimado em R$ 5. A grande surpresa dos pesquisadores, no entanto, não foi o suposto impacto econômico, mas o fato de a teleassistência ser a única alternativa para pacientes que, de outra forma, não teriam acesso ao exame. “Ao implantar o projeto, vimos que não seria possível nem comparar, pois quase não existia esse encaminhamento, e a telemedicina seria a única opção do município. Acreditávamos que existia um fluxo e que iríamos substituí-lo, mas percebemos apenas uma fatia muito pequena sendo assistida”, conta Maria Beatriz Alkmim. Outra constatação foi a de que não faltavam retinógrafos nos centros de referência. Em alguns casos, o aparelho estava disponível, mas inutilizado, sob a alegação de que não havia oftalmologistas nos municípios.

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Para a coordenadora do Centro de Telessaúde do HC-UFMG, mesmo quando a instituição de saúde conta com o especialista, o telediagnóstico ajuda a otimizar o atendimento. “Naquele tempo precioso, o médico precisa fazer a consulta, e não o exame, que já deve chegar com o paciente. Isso dá agilidade à atividade do especialista”.

Política pública Daniel Vitor também atenta para a grande demanda do oftalmologista. “Estima-se que 8% a 10% da população acima dos 60 anos terão diabetes mellitus. É muita gente! Mesmo em municípios pequenos, de fato, um ou dois profissionais não conseguem atender”, diz, ao ressaltar, ainda, que, naturalmente, o indivíduo que

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consegue fazer essa avaliação pode sair da fila oftalmológica. “Isso, se ele não tiver um sintoma ocular. Ou seja: nada que motive aquela consulta”, completa. O pesquisador considera que o estudo aponta para outras questões econômicas “menos tangíveis”, que se destacam, embora não tenham sido diretamente avaliadas. Uma delas é o fato de o diagnóstico precoce possibilitar menores gastos para o sistema de saúde. Na fase inicial, o tratamento pode ser feito com laser, a baixo custo. Em estágios mais avançados, aumenta a complexidade das intervenções médicas, que se tornam mais onerosas. Além disso, Daniel Vitor destaca o custo social da doença: “O indivíduo economicamente inativo, por ficar cego numa faixa etária produtiva, tem um custo para a sociedade”.

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Uma vez ratificada a viabilidade econômica do uso da telessaúde para a triagem da retinopatia diabética, o próximo passo é implantar o projeto em grande escala. “Com os resultados, pretendemos que isso se transforme numa política pública”, afirma Maria Beatriz Alckmim.

Trabalhar em rede O Centro de Telessaúde do HC-UFMG foi oficialmente inaugurado em 2005, com apoio da FAPEMIG. No mesmo ano, foi criada a Rede de Teleassistência de Minas Gerais, registrada como uma das redes de pesquisa do Estado, que presta atendimento a mais de 700 municípios mineiros. Atualmente, ela reúne as universidades federais de Minas Gerais (UFMG), Uber-

lândia (UFU), Juiz de Fora (UFJF), São João Del Rei (UFSJ), do Triângulo Mineiro (UFTM) e dos Vales do Jequitinhonha Mucuri (UFVJM), além da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Desde sua criação, a Rede emitiu mais de 2,8 milhões de laudos de exames, o que representa uma economia de mais de R$ 149 milhões, gerada pela redução de encaminhamentos. O primeiro a ser implantado foi o eletrocardiograma, que representa quase a totalidade desse número. Até setembro de 2016, realizaram-se 1,8 mil retinografias, 1,6 mil exames de Holter e 276 laudos de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (M.A.P.A), na área da Cardiologia.

PROjETO: Análise Econômica da aplicação da Telessaúde na triagem da retinopatia diabética nos Centros Hiperdia do Estado de Minas Gerais (Telerretinografia) COORDENADOR: Daniel Vitor Vasconcelos Santos INSTITuIÇÃO: Hospital das Clínicas da UFMG EDITAl: Programa Hiperdia Minas VAlOR: R$ 78.093,41

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psicologia

O quarto e o cárcere

Pesquisa acompanha socialização de crianças após separadas de suas mães encarceradas Alessandra Ribeiro

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Indicado ao Oscar de melhor filme e baseado no romance Room (2010), de Emma Donoghue, O quarto de Jack (2015) retrata a descoberta do mundo por uma criança que nasceu e viveu isolada, até os cinco anos, em um cativeiro. É possível traçar paralelos entre o enredo literário-cinematográfico e a pesquisa “Laços sociais das crianças após o cárcere”, apresentada durante a Mostra Inova Minas FAPEMIG 2016. Conduzido pela psicanalista Ilka Franco Ferrari, professora de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), o trabalho consiste no acompanhamento de filhos e filhas de detentas que passaram pelo Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, situado em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Desde a inauguração, em 2009, a unidade é considerada modelo na América Latina, por abrigar mulheres condenadas, a partir do sétimo mês de gravidez, em instalações sem grades ou celas, para a permanência com os filhos até o primeiro ano de vida. A proposta do projeto é “promover o contato pele a pele”, e, assim, resgatar a cidadania e a responsabilidade das internas, com o fortalecimento do vínculo entre mães e bebês. Mas, ao contrário das expectativas, a observação das detentas revelou que muitas mães tinham dificuldade de ficar com seus filhos, desejavam estar em outro cárcere e, para a maioria, o período vivido com as crianças era “mais um castigo”. Dentre elas, foram identificadas mulheres com quadros de psicose, a exemplo de esquizofrenia e melancolia. Eis algumas das constatações de uma primeira pesquisa, concluída em 2014, intitulada “Mulheres encarceradas: laços com o crime, desenlace familiar”, que deu origem à atual. Os resultados foram encaminhados às instâncias governamentais diretamente envolvidas. Primeiramente, traçou-se um perfil das detentas, a partir de informações como estado civil, família de origem e dados registrados em seus prontuários jurídico e de saúde. Em seguida, as mulheres foram convidadas a participar de “conversações” orientadas pelo método clínico psicanalítico. “Elas não suportavam ser ‘mães 24

horas por dia’, com as crianças nelas ‘grudadas’ o dia inteiro”, conta Ilka Ferrari, nos termos usados por algumas detentas. Não se trata de negação da maternidade, como explica a pesquisadora, mas da dificuldade, expressa pelas mulheres, de se responsabilizarem por absolutamente tudo o que acontece com as crianças. “Quem está aqui fora tem um alívio. A avó, uma babá, seja lá quem for. No caso delas, a criança precisa estar junto em tudo, até mesmo para ir ao banheiro”, compara. A psicanalista ressalta a necessidade de um espaço na relação entre mãe e filho. Além disso, importante ressaltar que os estímulos do mundo funcionam como elementos dessa “separação”, principalmente, quando não há quem ocupe tal função, a exemplo do pai. “A relação muito estreita também pode ser prejudicial”, alerta. Outra queixa recorrente era a de que as crianças choravam muito quando estavam doentes. Apesar de haver um clínico geral e uma enfermaria para os primeiros socorros na instituição, a unidade não tinha pediatra. E, se a criança precisasse ser encaminhada a um hospital em Belo Horizonte, por exemplo, a mãe não podia acompanhá-la. “Era uma das agentes penitenciárias que levava a criança. A mãe sentia, pois nem podia contar a história. Precisava relatar à agente, que, por sua vez, contava ao médico”, detalha. Em suma: as detentas sentem o peso da responsabilidade por qualquer coisa que acontece à criança; mas, justamente em um dos momentos mais delicados para qualquer mãe, dentro ou fora do cárcere, são impedidas de exercer seu protagonismo. Há, no entanto, aquelas que gostam da situação, pois, enquanto as crianças estão fora para o tratamento, podem, finalmente, descansar e ter “um pouco de liberdade”. Diante das circunstâncias, o momento da saída definitiva das crianças da unidade prisional é considerado um alívio para muitas mães, especialmente, por acreditarem que seus rebentos estariam melhores do lado de fora. A separação, é claro, não se revela indolor. “Há sofrimento para os dois. E certas crianças ainda estavam em processo de amamentação. Não

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se trata, pois, só do corte com o corpo da mãe, mas, especialmente, com o peito. É a perda de um ambiente mais reduzido, para entrar em um mundo de muitos estímulos”, analisa a pesquisadora. Segundo Ilka, os recursos para o desenvolvimento das crianças no Centro de Referência são limitados. A brinquedoteca, por exemplo, resumia-se a uma caixa de papelão com poucos objetos. “À época, o desenho animado que elas viam era, única e exclusivamente, a Galinha Pintadinha. Elas não conheciam um cachorro, um gato. Quando viam o mundo lá fora, era ao lado das agentes, apenas para ir ao médico, quando doentes”, descreve. As crianças crescem fortes, em função da boa alimentação, mas começam a falar tardiamente e têm medo de tudo que chega de fora – inclusive, de homens. Quase todas as mulheres ouvidas reivindicam o direito de querer, ou não, ter os filhos no cárcere. No entendimento delas, isso não pode ser uma decisão governamental. Várias também afirmam que as crianças não poderiam pagar por um crime cometido pela mãe.

bem-sucedido, na avaliação da pesquisadora. “Tem muito a ver, também, com o guardião [que detém a guarda dos menores]. Algumas crianças têm contato e gostam da mãe, pois quem a acolheu não cortou os vínculos”, ressalta. Por outro lado, foram identificadas situações de “corte radical”, nos quais a família acolhedora não permite que a criança visite a progenitora. “Estudamos cada caso, e não temos a ideia de fazer generalizações. Depois, damos retorno e a família é orientada. Se for o caso, a criança é encaminhada a algum atendimento psicológico”, explica a psicanalista. Ilka Ferrari observa que é mais comum a família abandonar as mulheres do que os homens presos. Em geral, quem cuida da criança é a avó materna. Na maior parte das vezes, o pai é uma figura ausente. “Quase todas as entrevistadas foram presas por tráfico de drogas, junto ao parceiro. No entanto, ou ele também está preso ou nem visita, pois sabe que está sendo vigiado”.

O depois

Direitos

Na segunda fase do trabalho, ainda em andamento, Ilka se interessou em acompanhar o processo de socialização das crianças após a saída do centro de referência. A professora considerava “ensurdecedor” o silêncio sobre o assunto, já que não havia estudo sobre o tema. “Uma pesquisa sempre leva a outra. Agora, procuro saber como a criança reagiu à separação, a implicação da mãe no processo, sua vida fora do cárcere, se ela visita a mãe ou não. As histórias são variadíssimas”, revela. No momento, a pesquisadora acompanha dez egressos da unidade, bem como suas mães, guardiões e professores. Ao menos três juízes que acompanham casos semelhantes também serão ouvidos. As crianças são observadas no ambiente familiar, na escola – caso estejam estudando – e, por último, na Clínica de Psicologia da PUC Minas, numa sala de jogos, também chamada de ludoterapia. Um dos casos que já passaram por análise em todas as etapas está sendo

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A Lei 11.942, de 2009, assegura às mães presas, e aos recém-nascidos, condições mínimas de assistência, além de determinar que os estabelecimentos penais destinados a mulheres sejam dotados de berçário, para que as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, por, no mínimo, seis meses. A idade máxima se estende a sete anos, desde que as instituições tenham creches. Em 2014, o Ministério da Justiça instituiu a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, que prevê a identificação da mulher em processo de gestação ou maternidade e sua inserção em local específico e adequado. Durante o parto, e no pós-parto imediato, o texto autoriza a presença de acompanhante, mediante cadastramento junto ao estabelecimento prisional, e proíbe o uso de algemas ou outros meios de contenção.

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vozes maternas

Veja depoimentos de mães detentas, reunidos no relatório “Mulheres encarceradas: laços com o crime, desenlace familiar”.

“Eu acho assim, igual falei da primeira vez, e vou continuar repetindo: ‘tô’ pagando pelo meu erro, como todo mundo paga pelo seu, mas as crianças não fizeram nada, nem as que estão na barriga da gente! Esses meninos sofrem aqui!” “Eu acho, senhora, que a gente poderia escolher. Uma mãe poderia escolher se realmente quer ganhar o filho e ficar com filho aqui, por mais que é um ano só, seis meses! [...] Eu não quero ficar com meu filho num lugar desse aqui, porque meu filho não vai ter utilidade nenhuma nesse lugar, não vai ter médico decente, sempre vou ter que me humilhar pros outros ajudar meu filho.” “Igual, guarda de criança; igual, se eu for condenada, meu filho, no hospital, eu já vou dar ele. Eles já vão pegar, e é mais fácil [...] Eles, querendo ou não, eu vou entregar ou vou doar ‘pro’ hospital, porque meu filho, sofrendo aqui comigo, não dá, não!” “Não deveria depender do juiz se o menino pode ir embora ou não. Eu acho que tinha que depender da mãe.” “Acho que as pessoas que ganham neném tinham que ter direito de escolher se querem ficar com o filho ou não. Se não quer, a família vinha buscar e ia ‘pra’ uma cadeia fechada.” “E aqui eles falam que a criança não ‘tá’ presa! Mas ‘tá’, sim! ‘Pra’ criança sair, precisa de o juiz autorizar. Então, se fosse assim, se eles não tivessem presos, era só a gente ganhar, e, por decisão da gente, mandar eles ‘pra’ casa! Mas não é assim!” “Igual, veio uma menina ‘pra’ cá, de cabelo curtinho, igual menino. A ‘X’ via ela e chorava. Achava uma pessoa diferente [...], assustava, não entendia! Eu fico imaginado... Imagina uma criança daquela ali, gente, ir ‘pra’ rua, como que vai ser? Ela vê um cachorro, ela vê um gato, como vai ser?” “Se for lavar cabeça, leva junto; se for lavar roupa, leva junto; vai tomar banho, leva junto. É 24 horas, mesmo; 24 horas grudado!” “Isso é o que é pior, porque eles não deixam a gente mandar embora pequenininho. Aí, aqui, a gente é obrigada a ficar grudada na criança, o dia inteiro. Aí vai chegar um dia que eles vão, simplesmente, tirar do braço da gente e levar embora.” “Minha filha é prematura. Nasceu cansada, tem problema de respiração, e aqui não é bom lugar. Prefiro mil vezes minha filha lá na casa de minha mãe.”. “Se tiver 100 pessoas aqui, 90 pessoas aqui dentro preferem ir ‘pra’ uma cadeia fechada, eu acho, pelo que a gente conversa aqui.” “As crianças aqui não sabem brincar de outra coisa, a não ser puxar cabelo, morder as pessoas, porque não tem outro divertimento [...]. A gente fica querendo dar os brinquedos para as crianças brincarem, mas aí não tem, e elas começam a chorar, morder e bater nas outras crianças, porque não tem outro divertimento.” “Igual, minha filha estava internada. Ela estava no CTI. Graças a Deus, ela saiu, mas minha filha é muito pequenininha. Eu ‘tô’ com medo de cuidar dela, entendeu? Ela não veio para mim ainda, não, mas eu ‘tô’ com medo.”

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROjETO: Laços sociais das crianças após o cárcere COORDENADORA: Ilka Franco Ferrari INSTITuIÇÃO: Sociedade Mineira de Cultura/Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais ChAMADA: Universal VAlOR: R$ 31.829,00

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mINEração

Por uma nova mineração A ciência se mobiliza para auxiliar a recuperação da bacia do rio Doce e fomentar mecanismos mais sustentáveis de extração de riquezas minerais Roberta Nunes

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Desde o dia 5 de novembro de 2015, devido ao rompimento da barragem do Fundão, da Samarco – empresa gerida pela Vale e pela BHP-Billiton –, em Mariana (MG), intensificou-se o questionamento sobre a possibilidade de “uma nova mineração”. Aliás, de que maneira combater os riscos da atividade se a economia de Minas Gerais está diretamente ligada a ela? Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) mineiro vêm da indústria extrativa mineral, também presente na história, na paisagem e, até mesmo, no nome do Estado. Após um ano de enfrentamento da tragédia, questiona-se como a ciência pode responder à demanda de Mariana e contribuir para a construção de um novo olhar sobre a mineração. Sabe-se, portanto, que há elementos irreparáveis. A tragédia deixou 19 vítimas fatais. Entre elas, Samuel Vieira Albino, 34 anos, que trabalhava na barragem no momento do rompimento. Após um ano do ocorrido, a viúva, Alinne Ferreira Ribeiro, comenta o que gostaria que fosse feito: “Espero que as pessoas responsáveis sejam presas, pois elas sabiam. Espero, ainda, que a lei da mineração mude e que seja feita com mais segurança. Há, por exemplo, a lavagem a seco. Ela é mais cara, mas, para a mineração, que arrecada bilhões, isso não é tanto. De todo modo, a mineradora prefere matar do que investir em segurança, né?”, ressalta. O professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPEMIG, comenta que a tragédia de Mariana serve de alerta à necessidade de pensar a atividade mineradora sob o viés científico. “A dimensão do problema revela-se grande, mas é preciso buscar respostas econômica e ecologicamente sustentáveis para a questão dos rejeitos. Certamente, a cooperação e o diálogo entre as partes gerarão soluções e levarão à mineração do século 21 que buscamos”, afirma.

bacia do rio Doce

A recuperação da bacia hidrográfica do rio Doce é, claro, uma das grandes preocupações do momento. Em busca de

propostas ao vasto desafio, a FAPEMIG publicou, em 2016, duas chamadas para seleção de pesquisadores e projetos que pudessem promover resposta rápida à tragédia, por meio de pesquisas científicas. A primeira – “Tecnologias para a recuperação da bacia do rio Doce” – investiu R$ 4 milhões na contratação de 29 projetos relacionados à recuperação do solo, da água, e da biodiversidade, além do desenvolvimento de tecnologias sociais. Entre os projetos, há aqueles que se dedicam à remoção de arsênio e manganês da água; a um sistema de monitoramento da qualidade das águas contaminadas, por meio de sensoriamento remoto; e a análises ecofisiológicas e bioquímicas dos efeitos da lama da barragem. Na área de solos, destaque para pesquisas sobre regeneração natural das áreas afetadas; estratégias para restauração das matas ciliares da bacia; e desenvolvimento de tecnologias sociais para produção coletiva do espaço na reconstrução de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Ponte do Gama. Além disso, há pesquisadores que se dedicam a dar outro uso aos resíduos, seja na produção de tijolo maciço ou de compósitos a base de cimento. O segundo edital da FAPEMIG – “Apoio a Redes de pesquisa para recuperação da bacia do rio Doce” – prevê o investimento de R$ 11 milhões para criar e fortalecer grupos que possam contribuir com a recuperação de forma mais ampla e integrada. As propostas estão direcionadas de acordo com 11 linhas temáticas prioritárias: estudos socioeconômicos, uso do solo, qualidade de vida, áreas degradadas, qualidade da água, biota, mata atlântica, ecossistemas de estuário, redução de resíduos, saneamento básico e governança.

Novos olhares

O diálogo tem sido ferramenta vital para a construção de formas de exploração mineral mais sustentáveis, assim como um dos principais motes do projeto “Nova Mineração”, outra iniciativa da FAPEMIG. Uma das linhas de ações é a Plataforma R3, formada por pesquisadores, entidades de classe, mineradoras e empresas, com o intuito de reutilizar os rejeitos em larga MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2016/JAN/FEV 2017

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escala e em diferentes atividades com bom potencial de aplicação, como a agricultura, a pavimentação e a construção civil. Segundo o assessor especial da iniciativa, Renato Ciminelli, pretende-se a criação de um núcleo para induzir, facilitar e estruturar propostas e ações concretas. Pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), Fernando Lameiras acredita que a maior mudança, em busca de uma nova mineração, seja, justamente, a relação com os rejeitos. Devido à sensibilização do tema após a tragédia, ele já enxerga alterações no cenário. “Tudo mudou completamente, e estou envolvido com isso há 10 anos. Os rejeitos eram vistos como questão secundária, mas é preciso ter uma visão mais integrada e enxergá-los como matéria-prima”, destaca. Já para Ciminelli, “futuramente, não vamos ter a palavra resíduos e nem rejeitos, pois espera-se mudar o comportamento da mineração e de seus profissionais”, frisa, ao confessar que espera, de forma conjunta, por meio da Plataforma R3, a criação, a indução e o fortalecimento da transformação do setor, para que as gerações futuras sejam contempladas.

Quando questionada sobre a perspectiva de “uma nova mineração”, Letícia Oliveira, da coordenação nacional do Movimento Atingidos pelas Barragens (MAB), pergunta “para quem?”. “A gente precisa rever o modelo de mineração. Mas que sirva para as pessoas e para a comunidade, e não para conseguir mais lucro e reestruturação produtiva. Se for uma ciência comprometida, tem que haver diálogo, o que é complicado com partes e interesses diferentes. É possível. Porém, entendemos que essa construção terá problemas, pois as mineradoras têm muito mais poder do que as organizações e a sociedade civil”, conclui. No ver de Ciminelli, o desastre foi tão grande que se cria um ambiente de aceitação a propostas inovadoras. “O modelo clássico fracassou. Então, cria-se a possibilidade de ousar. Sozinha, a mineração não tem como ser sustentável. Isso só é possível quando ela dividir o valor com a sociedade, à medida que aceitar trabalhar cooperativamente. Daí vem a inclusão, o engajamento territorial, a segurança, o funcionário, a qualidade de vida, o valor da mineração e a corresponsabilidade com o futuro do território”, completa.

Movimento popular que busca organizar os atingidos pela construção de barragens para a defesa de seus direitos.

mineração em marte A mineração é possível na superfície terrestre e no fundo do mar. Além disso, estuda-se a possibilidade de desenvolvimento da atividade para além dos limites da Terra. Carlos Tapia Cortez, da Escola de Engenharia de Minas da UNSW Austrália, está envolvido em projeto da Nasa, a agência especial norte-americana, que busca explorar Marte. Segundo o pesquisador, a ação pretende replicar a colonização brasileira ocorrida há 500 anos. “A Nasa quer analisar se há viabilidade econômica e tecnológica para tal. Isso a motivou a desenvolver modelos mais inovadores e a olhar sob outros pontos de vista. Eles [pesquisadores da Nasa] nos convidaram a ajudar em uma missão real e a procurar o melhor ponto para pousar, procurar água e manter a vida por lá”, explica. Cortez acredita que um dos benefícios do processo será a transferência de conhecimento, pois o intuito é que toda a tecnologia enviada a Marte seja testada na Terra. Para isso, não há espaço para falhas, pois, com os custos de missão e viagem tão longas, é necessário ser preciso. “A mineração não tem mudado nos últimos 100 anos. Será necessário o uso de novas tecnologias e de novos tipos de exploração de lavras em ambientes cada vez mais agressivos, com minerais mais escassos e incerteza geológica”, esclarece. Na Terra, muitos depósitos são inexplorados, seja por tamanho, teor, contaminantes ou condições extremas. “Se, sob essas condições, obtivermos sucesso em Marte, será, com certeza, uma mudança radical, para que nos tornemos mais eficientes na extração de recursos por aqui”, argumenta. Para que tudo se torne realidade, porém, ainda falta muito. “Estamos apenas começando. Somos os primeiros no mundo, e, provavelmente, não estarei vivo quando tudo acontecer. Acredito, porém, que presenciarei essa transferência tecnológica”, conclui.

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botânica

Esperança que vem da floresta Grupo de pesquisadores da UFV investiga propriedades antitumorais de plantas da Mata Atlântica Téo Scalioni

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Embora tenha sido altamente devastada, sobrando-lhe apenas 7% de área original, a Mata Atlântica permanece com exuberante biodiversidade. Para que se tenha ideia, apenas em relação à flora, são cerca de 20 mil espécies vegetais de grande porte, muitas das quais desconhecidas pela ciência no que se refere às suas propriedades medicinais. Com o intuito de transformar tal riqueza natural em conhecimento, o grupo Bioprospecção Molecular no Uso Sustentável da Biodiversidade (Biopros), vinculado à Universidade Federal de Viçosa (UFV), tem realizado pesquisas, na região, para observar o potencial farmacêutico das plantas. Na atualidade, um dos estudos desenvolvidos pelo Biopros busca produtos naturais antitumorais em espécies vegetais da Mata Atlântica. A iniciativa visa ampliar o conhecimento acerca do potencial biofármaco de plantas da região, de forma a contribuir para seu aproveitamento sustentável. Financiada pela FAPEMIG, a pesquisa se desenvolve por meio da realização de investigações de mestrado e doutorado, dentro do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da UFV. Na prática, o estudo busca produtos naturais com ação antitumoral, a partir de

análises fitoquímicas biomonitoradas, com testes in vitro, diante de linhagens de células tumorais. A partir dos testes, observam-se as reais possibilidades de as plantas terem, ou não, serventia para possíveis produtos farmacêuticos. Tal prática é muito pouco comum para árvores nativas da Mata Atlântica brasileira, pois, embora o País possua grande biodiversidade de organismos vivos, apenas 1% dessas espécies foi alvo de estudo no campo farmacológico. O projeto se divide em quatro etapas. Na primeira delas, prosseguiu-se à identificação taxonômica das espécies de árvores presentes na Estação de Pesquisas, Treinamento e Educação Ambiental (Eptea) Mata do Paraíso, iniciativa desenvolvida em parceria com o Departamento de Engenharia Florestal da UFV. Na ocasião, o estudante de iniciação científica Marcos Simião realizou um levantamento florístico, por meio do qual identificaram-se 230 espécies arbóreas, distribuídas em um total de 57 famílias botânicas. A segunda etapa diz respeito ao plaqueamento e à coleta dos pontos de GPS de cada uma das árvores. Tal etapa permite a rastreabilidade das plantas em campo – ou seja, os pesquisadores conseguem retornar a

Uma biblioteca de extratos

A partir de expedições na Mata Atlântica, os pesquisadores coletam material vegetal (folhas e galhos) de espécies arbóreas de diferentes famílias botânicas. No laboratório, segue-se à secagem, à trituração e à produção dos extratos, por meio de maceração. Depois, o material é posto em frascos de vidro e armazenado em freezer, para preservar as propriedades químicas das moléculas. Os extratos produzidos serão avaliados quanto ao potencial antitumoral, em ensaios biológicos, com uso de células de tumores malignos (in vitro). “A atividade antitumoral diz respeito à capacidade de o extrato reduzir a proliferação das células”, explica o bioquímico Alisson Almeida, bolsista do projeto e mestre em Bioquímica Aplicada. Doutorando na mesma linha de estudos, o pesquisador explica a atividade: em poços de placas apropriadas, semeia-se certa quantidade de células de algum tipo de tumor – tanto de seres humanos quanto de animais –, em condições ideais de crescimento e proliferação. Após 24 horas, adiciona-se uma concentração conhecida dos extratos em cada poço, que atuam, nas células, por 48 horas. Ao término do tratamento, com o auxílio de corante específico, consegue-se contar a quantidade de células vivas expostas em cada um dos extratos. “Os que apresentaram atividade antitumoral conseguem reduzir a viabilidade celular acima de 75%. Ou seja, da quantidade inicial e conhecida de células que pusemos no poço, 75%, ou mais, morreram”, destaca. Cerca de 230 espécies arbóreas, representantes de 57 famílias botânicas, foram identificadas na Mata do Paraíso. Os pesquisadores já testaram a atividade antitumoral de quase 200 extratos vegetais, de 50 árvores nativas da Mata Atlântica – algumas das quais são bastante conhecidas da população, a exemplo da guaçatonga (Casearia sylvestris), da aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolius), da angico (Anadenathera peregrina) e da gameleira (Ficus eximia).

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Imagens: divulgação

Extratoteca permite acesso a material vegetal de 49 espécies

cada uma das árvores por meio de um aparelho de GPS, o que facilita a coleta de mais material e amplia a quantidade do extrato. A terceira fase consiste na construção da “extratoteca”, a coleção de extratos (veja box à página 28), que permitirá acesso ao material vegetal de 49 espécies. De cada árvore, foram coletados galhos e folhas. No laboratório, o material passa por secagem, trituração e maceração com solventes de diferentes polaridades, a fim de que se extraiam moléculas com distintas propriedades químicas. De cada árvore, são produzidos quatro extratos. Atualmente, a extratoteca do grupo Biopros conta com 196 amostras. Para finalizar, realiza-se a triagem antitumoral dos extratos, quando se avalia o potencial de cada um, em ensaios biológicos in vitro. Das 49 espécies avaliadas, três mostraram-se bastante promissoras, sendo duas já conhecidas pela ciência, no que diz respeito às propriedades antitumorais. Além disso, há uma espécie inédita, ainda sem relatos na literatura científica. “No momento, a pesquisa se concentra no estudo mais aprofundado de espécies vegetais que apresentam substâncias com potencial atividade antitumoral”, observa o coordenador da pesquisa, professor João Paulo Viana Leite. Segunde ele, após tal etapa, a pesquisa buscará essas substâncias, para que sejam identificadas quimicamente e se iniciem as etapas não clínicas. “Dessa forma, trilhamos caminhos similares a outras pesquisas, responsáveis por fornecer, à sociedade, moléculas bioativas que possibilitaram o desenvolvimento de novos medicamentos para o tratamento de doenças tumorais”, acredita.

Na Mata Atlântica, pesquisadores coletam folhas e galhos para análise

Conhecimento popular

A relação do grupo Biopros com a Mata Atlântica iniciou-se em 2007, com pesquisas realizadas no Parque Estadual Serra do Brigadeiro e em seu entorno. Na ocasião, foi feito o levantamento de plantas usadas na medicina popular local. Segundo o professor João Paulo Leite, o conhecimento das populações é de grande importância para a descoberta de novos fármacos. Para o pesquisador, o uso de determinadas substâncias faz parte da cultura dos mais idosos, mas tem se perdido com o passar das gerações. “Um trabalho de resgate do conhecimento tradicional, associado à biodiversidade, e uma investigação de seu uso medicinal são de grande interesse para a etnofarmacologia, que busca comprovar o uso popular”, esclarece Leite, ao reforçar a importância do encontro entre a sabedoria das comunidades e o conhecimento científico. O pesquisador observa que a Mata Atlântica conta com cerca de 20 mil espécies de plantas superiores, das quais apenas cerca de 1% delas foram submetidas a pesquisa farmacológica. “Anda é muito pouco o conhecimento produzido. Afinal, cada espécie armazena milhares de compostos químicos diferentes”, assegura. Daí, pois, a relevância dos atuais estudos em encontrar moléculas com atividade antitumoral desconhecida, ainda mais em um universo gigantesco como o da Mata Atlântica. “Com alguns anos de pesquisa, temos encontrado espécies promissoras, que mostraram atividade frente às células tumorais. Buscamos o isolamento, a purificação e a identificação química dessas moléculas, para compreender melhor o seu mecanismo de ação”, explica.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG Projeto: Busca de produtos naturais antitumorais em espécies vegetais da mata atlântica Instituição: Univesidade Federal de Viçosa (UFV) Coordenador: João Paulo Viana Leite Chamada: Universal Valor: R$ 45.255,00

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inte r nacio nal

Aos olhos do mundo

Nos EUA, a mineira Liliana Werner dirige um dos mais importantes laboratórios de pesquisa em Oftalmologia do planeta

Verônica Soares

Nascida em Manhuaçu (MG), e formada em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Liliana Werner é, hoje, uma das diretoras do Intermountain Ocular Research Center, centro de referência mundial em estudos de lentes para catarata no John A. Moran Eye Center, na Universidade de Utah, em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Filha de pai médico, que inspirou a escolha profissional de três dos quatro filhos, a pesquisadora via no ofício um caminho natural. A residência em Oftalmologia no Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, foi o primeiro passo de uma série de escolhas que a levaram à carreira internacional. No entanto, antes mesmo de ter certeza sobre a especialidade que seguiria no futuro, Liliana já tinha vontade de atuar no exte-

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rior, em busca de enriquecimento pessoal e profissional: “Comecei a estudar inglês e francês antes de entrar na faculdade. Sempre tive interesse particular por Paris, cidade tão linda e rica culturalmente”, conta. Após terminar a residência em Belo Horizonte, Liliana viajou à capital francesa em busca de aperfeiçoamento, com o intuito de passar um ou dois anos, e lá se especializou nas pesquisas em retina. Ao final de seu segundo ano na cidade, um dos professores do hospital Hôtel-Dieu a indicou para projeto em um programa de PhD de Biomateriais. Decidida a abraçar a oportunidade, a pesquisadora se vinculou à Université René Descartes: “Meu projeto de PhD, que durou quatro anos, abordava as modificações de superfície de materiais usados na fabricação de lentes intraoculares para a cirurgia de catarata. Fasci-

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nei-me com o fato de as lentes representarem os implantes artificiais mais utilizados em Medicina e poderem ficar dentro dos olhos dos pacientes por várias décadas, com biocompatibilidade apropriada”, explica. A ida aos Estados Unidos foi sugestão de seu orientador de tese na França. “Ele indicou o laboratório de David Apple, à época, o líder nessa área de pesquisa”. Liliana seguiu de Paris a Charleston, na Carolina do Sul, nos EUA, onde começou a trabalhar no laboratório de Apple. Seis meses após sua chegada, contudo, o professor foi diagnosticado com câncer, ficou afastado por vários meses, e ela acumulou mais e mais responsabilidades. “Um ano depois, eu já ocupava a posição de Professor Assistente Visitante, e, ao receber o Green Card, fui promovida a Professora Assistente”.


Divulgação

O laboratório acabaria por se transferir para o John A. Moran Eye Center, dirigido por Randall Olson e ligado à Universidade de Utah, em Salt Lake City. Liliana foi, então, promovida a “Professora Associada”. E, com a aposentadoria de Apple, falecido em 2011, assumiu a direção do laboratório, juntamente ao oftalmologista e pesquisador Nick Mamalis. Em 2016, a médica receberia sua última “promoção”, ao assumir cargo similar, no Brasil, ao de “Professor Titular” – e, para além da carreira nos Estados Unidos, desenvolveu atividades em Berlim, na Alemanha, entre 2006 e 2008, onde ajudou a desenvolver o Berlin Eye Research Institute.

Parcerias internacionais

O laboratório dirigido por Liliana Werner, nos EUA, desenvolve diferentes projetos em parceria com fabricantes de lentes de todo o mundo, por meio de estudos in vitro, investigações experimentais em olhos de cadáver e modelos animais, dentre outras técnicas. Busca-se, assim, colaborar com a criação de protótipos de lentes – e outros implantes oculares – que só serão conhecidos pela comunidade oftalmológica após vários anos de pesquisas. Outra linha de análise se desenvolve a partir de parceria com bancos de olhos nos Estados Unidos, que enviam, ao laboratório, órgãos de doadores, já falecidos, operados de catarata com implante de lente intraocular. “É uma oportunidade única, na Medicina, analisar, diretamente, olhos inteiros, nos quais foram feitos implantes em épocas diferentes. São inestimáveis as informações que podemos obter”, declara. Grande parte da produção do laboratório relaciona-se à análise de lentes intraoculares “explantadas” devido a diferentes problemas, conforme explica Liliana: “Este trabalho é um dos meus preferidos, já que recebemos lentes enviadas por cirurgiões do mundo inteiro, e, assim, temos a oportunidade de colaborar com os colegas, inclusive vários brasileiros”. O laboratório já avaliou mais de 7 mil lentes de diversos pacientes de todo o mundo. As investigações frequentemente resultam na publicação de artigos em colaboração. As redes criadas a partir da parceria internacional contribuem para aproximar a pesquisadora do cenário brasileiro. Lilia-

Liliana Werner em seu laboratório na Universidade de Utah

na foi a primeira integrante honorária da Brazilian Society of Cataract and Refractive Surgery (BRASCRS), título recebido no “XIII International Congress on Cataract and Refractive Surgery”, realizado no Rio de Janeiro, em 2014. Apesar disso, não existem projetos específicos de parceria entre a Universidade de Utah e universidades brasileiras. “Em nosso laboratório, temos um programa de pre-residency fellowship, que recebe três pesquisadores por ano. Em geral, americanos que terminaram o curso de Medicina nos EUA e querem passar um ano conosco, fazendo pesquisa e publicando em jornais científicos, para melhorar o currículo”. Já os oftalmologistas estrangeiros passam um tempo mais limitado no laboratório: em média, de dois a três meses, para desenvolver projetos de pesquisa específicos. “Recebemos oftalmologistas de vários países, como Brasil, Índia, Grécia e Alemanha. O Moran Eye Center tem uma divisão internacional, que também recebe oftalmologistas estrangeiros no papel de observadores das diferentes atividades de pesquisa, cirurgias e exames clínicos”.

Financiamento privado

Grande parte do suporte financeiro do laboratório é obtido por meio de estudos realizados para fabricantes de lentes intraoculares e outros implantes, em modelo de financiamento privado ainda pouco comum em todas as áreas de pesquisa no

Brasil. “Fazemos vários estudos pré-clínicos, in vitro e in vivo, em modelos animais, que os fabricantes usam para aperfeiçoar seus protótipos durante diferentes fases do desenvolvimento”. Assim como acontece no Brasil, a legislação americana prevê que os fabricantes tenham seus produtos e implantes aprovados por agências reguladoras, como o Food and Drug Administration (FDA), para poderem, então, ser comercializados. “Vários estudos de biocompatibilidade são necessários e nosso laboratório é a entidade que executa os estudos pré-clínicos necessários, de maneira independente do fabricante, mas com seu suporte ”, explica Liliana. Os fundos levantados com estudos financiados pela indústria permitem que os pesquisadores do John A. Moran Eye Center realizem pesquisas sobre áreas de interesse próprio, que são independentes do interesse da indústria, acerca de temas, por exemplo, como complicações de implantes intraoculares: “Assim, temos condições de avaliar as lentes intraoculares explantadas por colegas oftalmologistas no mundo inteiro, e sem custo para eles”.

Biomateriais

As lentes intraoculares estudadas no John A. Moran Eye Center podem ser descritas como afácicas/pseudofácicas – implantadas após cirurgia de catarata – ou fácicas, inseridas sem cirurgia de catarata

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prévia. Neste caso, trata-se de lentes usadas para correção de erros refrativos relativamente elevados, como miopia alta. A maioria dos estudos desenvolvidos no laboratório relaciona-se a lentes implantadas após cirurgia de catarata, mas os pesquisadores também trabalham com implantes em outras áreas da Oftalmologia, como glaucoma. Para a fabricação das lentes, recorre-se a biomateriais (polímeros) que podem ser divididos em dois grupos gerais: acrílicos e silicones. “Lentes acrílicas podem ser divididas em dois tipos: rígidas – fabricadas a partir de polimetilmetacrilato (PMMA) – e dobráveis, feitas com materiais acrílicos hidrofóbicos ou hidrofílicos”, detalha Liliana, ao explicar que as lentes de silicone são também dobráveis, e, por isso, podem ser inseridas dentro do olho a partir de incisões muito pequenas, de aproximadamente 2.8 mm, sem necessidade de suturas para o fechamento. “Para que funcionem bem dentro do olho humano, essas lentes devem ter qualidade ótica apropriada, além de serem fabricadas a partir de materiais purificados, em desenhos apropriados para os diferentes sítios de fixação dentro do olho. Assim, apesar de representarem um corpo estranho, elas induzirão apenas reações inflamatórias mínimas no período pós-operatório. E permanecerão transparentes em longo prazo”, explica.

Jovens pesquisadores

Abraçar a carreira internacional é um dos grandes sonhos de pesquisadores em início de carreira. A tarefa, contudo, não se revela fácil. Os caminhos nem sempre são claros, e, como demonstra a trajetória de Liliana, podem ser marcados por coincidências e fatalidades fora do controle e do planejamento dos indivíduos. Para quem almeja uma carreira internacional, a pesquisadora orienta que é preciso estar preparado para as oportunidades, mesmo que não se saiba quando vão aparecer. “Primeiramente, é vital estudar línguas estrangeiras o mais cedo possível. O mundo é globalizado, e falar inglês bem já amplia automaticamente os horizontes. No entanto, em um país como a França, é imperativo aprender a língua local, para fazer um

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curso ou uma tese nas universidades, já que os franceses não se sentem à vontade com outro idioma no dia a dia”, pontua. Outra orientação para quem ainda está na Universidade é começar a pesquisar as instituições em que sua área de estudo mostra-se bem desenvolvida, e, então, entrar em contato diretamente com os programas, de maneira a expressar interesse e a indagar sobre possíveis oportunidades para cursos ou estágios de aperfeiçoamento. “É importante, também, perguntar sobre suporte financeiro, já que, muitas vezes, existem programas de cooperação entre universidades internacionais, bolsas, ou suporte financeiro para projeto especifico, que o estudante pode pleitear”. A participação em congressos e eventos acadêmicos internacionais não deve ser menosprezada. “Se é possível encontrar-se com profissionais internacionais, não perca a oportunidade de falar pessoalmente com alguém que trabalha em sua área de interesse. Quando analiso minha trajetória, nem passava pela minha cabeça, ao estudar Medicina em Belo Horizonte, que um dia eu iria me estabelecer como pesquisadora de implantes oculares nos Estados Unidos. No entanto, isso, hoje, me proporciona uma satisfação e um senso de propósito incomensuráveis”, conclui.

Para todos os casos Múltiplas linhas de pesquisa indicam o caminho dos estudos em biomateriais e lentes intraoculares. Confira!

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Lentes modulares têm duas peças separadas, que se conectam dentro do olho. Se há necessidade de explantar a lente, por qualquer motivo, no pós-operatório, apenas a ótica é removida e a base fica no olho – o que é mais fácil do que remover, inteira, uma lente tradicional.

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Lentes fabricadas a partir de materiais especiais podem ter seu poder refrativo modificado dentro do olho no período pós-operatório sem cirurgia, mas apenas com a aplicação de luz de comprimento de onda específico.

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Lentes que podem ser introduzidas dentro do olho, por meio de incisões de tamanho mínimo.

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Lentes com propriedade de liberação lenta de drogas diferentes dentro do olho, no período pós-operatório, como anti-inflamatórios ou antibióticos. Desse modo, o paciente não precisaria usar colírios após a cirurgia de catarata.

7 Lentes que podem proporcionar vi-

são para perto e longe, como as multifocais. No entanto, sua qualidade ótica, em geral, não é tão boa quanto a das monofocais. Há vários projetos de lentes ditas acomodativas, que proporcionam visão boa de perto e de longe, por meio de mecanismo que simula a acomodação natural do olho humano.


engenharia térmica

Abaixo a umidade! Desenvolvido no Cefet-MG, secador híbrido otimiza processo de desidratação de materiais, ao usar energias solar e elétrica

Camila Alves Mantovani

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Produzir um trabalho científico, com o objetivo de gerar inovações em determinados processos e áreas de conhecimento, é algo que demanda investimentos em capacitação/formação de pessoal e recursos físicos, além de tempo, para que as proposições amadureçam, possam ser aprimoradas, e, depois, apropriadas pela sociedade. Em certos casos, o processo também conta com algo desafiador: a necessidade de o pesquisador criar a própria infraestrutura de base, vital à sustentação de seu trabalho. Por isso, atrair boas parcerias, a exemplo do apoio de agências de fomento – que optam por enxergar “além do que se vê” e investem nas propostas –, é algo fundamental. Eis o caso da pesquisa coordenada por André Guimarães Ferreira, professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). O estudo, intitulado “Projeto, construção e simulação de um secador (adaptável como secador híbrido solar-elétrico)”, teve início em 2009, com apoio da FAPEMIG, e foi o primeiro passo de uma série de iniciativas subsequentes, que geraram inovações e produção de conhecimento, bem como contribuíram para a formação de pesquisadores. A ideia principal estava na criação de um secador para remover a umidade de qualquer tipo de produto a ser desidratado. “O projeto inicial foi aprovado em 2009 e finalizado em 2011, e, com os recursos investidos, compramos todo o material para construir o secador e criar uma estrutura laboratorial para a pesquisa. Como temos, no Cefet-MG, o curso técnico de Mecânica, pudemos usar o laboratório de caldeiraria e de usinagem e fazer toda a construção internamente. Assim, ganhamos know-how para construir secadores segundo esse mesmo princípio, e com instrumentação de medição”, explica o professor. A motivação para a proposição do estudo veio das investigações realizadas durante o doutorado de André Ferreira, em Engenharia Mecânica (2004), pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). À época, o pesquisador trabalhava no desenvolvimento de uma chaminé solar, dispositivo de grande porte, usado para gera-

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ção elétrica. O objetivo da construção era mapear o escoamento, de maneira a pensar em seu funcionamento como o de um secador –, fato que, aliado à coincidência de ele trabalhar em um curso de Engenharia de Alimentos, levou-o ao projeto seguinte.

sol e eletricidade

A primeira aplicação do secador dizia respeito à área de alimentos: bananas foram usadas como “matéria-prima”. Segundo o pesquisador, a secagem é um dos mais importantes processos de conservação da comida. Além disso, por meio da remoção de umidade, reduz-se a massa e o volume, o que impacta, positivamente, nos custos de transporte. De acordo com André Ferreira, para chegar a 7 kg de “banana passa”, capacidade total do secador, eram necessários, ao menos, 15 kg de banana na casca. Somado a isso, havia a questão da preparação (o pré-processamento) do produto para a desidratação, ênfase nas questões de higiene e no manuseio adequado da fruta. Outro ponto importante dizia respeito à ideia de que, inicialmente, o secador funcionava, exclusivamente, por meio de energia elétrica. “Essa questão se tornou a base do trabalho. Caso a geometria se mostrasse viável, ela poderia ser adaptada a um coletor de ar na abertura de entrada do secador, para pré-aquecer o ar de forma solar, e, assim, complementaríamos de maneira elétrica – o que viria a melhorar as condições de custo final do processo de secagem”, pontua. No que tange à forma (geometria) projetada para o produto, André ressalta que, ao mesmo tempo em que ela se mostrou vantajosa, ao permitir a criação do secador híbrido (solar-elétrico), apresentou falhas relativas à realização de secagem homogênea. Ainda que a simulação computacional indicasse a homogeneidade, conforme destaca o pesquisador, certas coisas não funcionaram da forma como previstas numericamente. “Apesar de alcançarmos eficiência térmica – por volta de 80% da conversão do ar quente –, o projeto inicial apresentou limitações relativas à secagem heterogênea”, explica o professor.

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Sendo assim, a partir dos resultados obtidos, nos trabalhos subsequentes, realizaram-se mudanças estruturais internas, com o intuito de promover o escoamento mais igualitário nas seis bandejas que compõem o secador (ver box à página 35), para, então, gerar uma desidratação também mais homogênea. Outras aplicações testadas com o secador foram realizadas, por exemplo, com minério de ferro, para redução do volume; com resíduos, em busca diminuição de volume e de massa para transporte e descarte em aterro; e com bagaço de cana, para cogeração de energia. “O bagaço é interessante de ser trabalhado, pois acaba descartado nas lanchonetes que vendem caldo de cana. Quando retiramos sua umidade, por meio do processo da secagem, aumentamos seu poder de queima, para que seja usado como combustível (biomassa)”, explica o pesquisador.


outros dispositivos

Atualmente, com o secador projetado em 2011, há dois trabalhos em execução: um de secagem de cacau, e outro, de café. O destaque está no fato de os projetos não rodarem apenas nesse secador, mas, também, no solar, desenvolvido, em paralelo, pelo professor, com recursos internos. Ambos caminham para sua finalização, e, de acordo com André Ferreira, a ideia, agora, é partir para o desenvolvimento de outros dispositivos, com princípios um pouco melhores do que os da ideia inicial. “Gostaríamos de poder desenvolver secadores de maior porte, voltados a pequenos e médios produtores rurais, que têm grande interesse nesse tipo de produto. No entanto, temos uma limitação

de lugar para desenvolver tais estudos, pois a pesquisa em energia solar demanda espaço e, dentro do Cefet, não temos áreas com disponibilidade solar. Os ambientes são muito sombreados e restritos, o que compromete nossos ensaios”, explica. O professor pondera, porém, que, cada vez mais, os estudos permitem o aprimoramento dos dispositivos, devido, principalmente, ao desenvolvimento de análises numéricas. Trata-se de resultados da modelagem e da simulação computacional, além da experiência acumulada em outros projetos. A ideia, pois, é continuar a desenvolver secadores com estruturas mais otimizadas, que aumentem sua eficiência energética e exegética, mas ainda de pequeno porte, passíveis de se operar institucionalmente.

Por dentro da inovação

Desenvolvido com paredes isoladas termicamente por lã de vidro, o secador é revestido, interna e externamente, por chapas de aço galvanizado, devidamente pintadas, para blindar a estrutura de madeira, de modo a evitar danos por ação da umidade do processo de secagem; proteger os alimentos, para que não sofram contaminação microbiológica (devido, justamente, ao contato com a madeira); e revestir o isolamento térmico. No secador, o ar penetra, à temperatura ambiente, por um tubo, e é aquecido, por uma resistência elétrica, até atingir uma temperatura fixa, alcançada devido à ação de um sistema de controle térmico. A partir daí, o ar atravessa as bandejas com o produto a ser secado, de maneira a remover a umidade, e deixa o aparelho por meio de um canal retangular telado, sob ação de um exaustor instalado logo na entrada.

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Divulgaçã

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROjETO: Projeto, construção e simulação de um secador (adaptável como secador híbrido solar-elétrico) INSTITuIÇÃO: Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) COORDENADOR: André Guimarães Ferreira ChAMADA: Programa Primeiros Projetos (PPP) VAlOR: R$ 20.454,00 MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2016/JAN/FEV 2017

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inovação

A venda é só o início... Método desenvolvido por startup mineira monitora satisfação dos clientes de empresas de diversos ramos Téo Scalioni

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Em mercado tão competitivo, cativar clientes tem sido um desafio para empresas de todos os portes e segmentos. São diversas as estratégias usadas tanto por grandes corporações quanto pelos pequenos comerciantes, com o intuito de atrair os consumidores e, consequentemente, aumentar receitas e lucros. No Brasil, contudo, fala-se muito nessa primeira abordagem, para que o negócio seja realizado – ou o contrato fechado –, mas as pessoas se esquecem que a venda não termina quando é efetuada. Poucas organizações dão continuidade e usam o pós-venda como política vital de relacionamento. Ao observar tal gap, uma startup mineira desenvolveu técnicas para monitorar a satisfação dos clientes. Trata-se da Tracksale, que iniciou as atividades em maio de 2012 e já atuou junto a mais de 900 empresas, com estudos sobre cerca de 25 milhões de consumidores no Brasil e na América Latina. Por meio de plataforma simples, com tecnologia inovadora, é possível receber o feedback dos consumidores e ajudar a empresa a fidelizar e dar continuidade ao relacionamento com seus públicos. A coleta dos feedbacks dos clientes é realizada por canais os mais diversos, como e-mail, SMS, websites, tablets e smartphones. A partir dos retornos obtidos, realiza-se a investigação dos relatórios analíticos, em tempo real, com cruzamento de dados geográficos, financeiros e demográficos. A empresa mineira percebeu que, para implantar sua ferramenta, não seria necessário que o cliente/consumidor respondesse a enormes questionários. Por isso, adotou a metodologia do Net Promoter Score (NPS), métrica focada no monitoramento da lealdade de usuários, e respondida de forma simples, objetiva. O método é bastante usado por grandes empresas em outros países (confira box à página 38). A Tracksale oferece planos mensais, a serem contratados pelas empresas, com faixas de preços e serviços variados. Alguns cobram apenas uma mensalidade, pelas opiniões de clientes coletadas – exceto para o SMS, cujos custos dizem respeito ao número de disparos. A depender

da demanda, cobra-se apenas um setup, para assessoria e realização de configuração inicial. Outros planos oferecem cursos e consultoria, relatórios avançados e gestão de satisfação dos públicos. De acordo com Tomás Duarte, Chief Executive Office (CEO) e um dos idealizadores da Tracksale, o monitoramento das reações dos clientes vai além da pesquisa propriamente dita. Trata-se, na verdade, apenas do primeiro passo do processo. “Na medida em que se coletam as respostas, relatórios são gerados. Dessa forma, a empresa consegue levantar os pontos fortes e fracos de seus processos, e, também, elaborar um plano de melhoria da qualidade”, observa. Algo importante, segundo o CEO, é o fato de a ferramenta permitir que se interaja diretamente, por mensagem, com o cliente final, o que possibilita a solução de problemas específicos. “A proposta é fornecer informações estratégicas, que auxiliem a tomada de decisão das empresas, tanto online quanto off-line, para potencializar a retenção de clientes de forma simplificada”, afirma.

Influência do Vale

A ideia do negócio da Tracksale, que conta com outros dois sócios – Luiz Carvalho e Tatiana Carvalhais –, surgiu quando Tomás Duarte, após morar no Vale do Silício, na Califórnia, um dos polos da inovação mundial, percebeu que, por lá, as empresas ofereciam ótima experiência de consumo aos clientes. “De volta ao Brasil, percebi que a maioria das empresas não mediam a satisfação de seus clientes, ou o faziam de forma equivocada”, conta. A partir daí, começou a trabalhar em uma tecnologia simples, fácil e inovadora, que conseguisse ajudar as empresas brasileiras a medir a satisfação dos clientes em tempo real. Pode-se dizer que, hoje, a Tracksale é uma startup que já passou pela fase inicial e está em rápido crescimento. Erguida com capital próprio dos três sócios – cerca de R$ 10 mil – em 2015, teve faturamento de R$ 1 milhão. Para 2016, a expectativa é de triplicar o valor. Em 2013, a empresa foi acelerada pelo Seed, programa do GoMINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2016/JAN/FEV 2017

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verno de Minas para startups. À época, os empresários receberam R$ 80 mil, a serem investidos no projeto.

games para fidelizar Outra arma que as empresas têm buscado, na constante luta pela fidelização do cliente, é a gamificação (ou “gameficação”, em tradução livre). Para quem não sabe, o termo designa o uso de mecânicas, percepções e conceitos comuns em jogos – digitais, analógicos ou transmídia – em quaisquer outras atividades humanas. Não há dúvidas, afinal, sobre a capacidade dos games de gerar engajamento. Desse modo, mesmo que não se perceba, muito antes da evidência do termo gamificação, a mecânica dos jogos já era usada para fidelização de clientes. Isso ocorria, porém, de forma fragmentada, isolada, a exemplo das milhas de viagem, ou, até mesmo, do score interno de um correntista de banco. “Apesar de consagradas em passado recente, tais abordagens estão desgastadas e não funcionam mais sozinhas, especialmente se se pensar que o mundo, hoje, é transmídia”, acredita o professor Ronaldo Gazel, especialista, na Tracksale, em gamificação e tecnologias emergentes. Segundo ele, as interações, o engajamento e os processos que levam à intenção de compra – a vida das pessoas, enfim – dizem respeito a locais físicos ou virtuais, a geoposicionamento, a microlocalização e a validação de ações no mundo real. Por isso, a gamificação funciona, com perfeição, como plataforma ideal de fidelização, desde que realizada de forma profissional, e não apenas pontualmente. Como em um jogo, é preciso compreender os diferentes momentos dos participantes e seus diferentes motivadores a cada lance. Como exemplo, Gazel cita o Mova Mais, sistema que se adequa a outros aplicativos e “gamifica” as atividades físicas dos jogadores. Em outros termos: quanto mais as pessoas realizam atividades físicas, mais pontos os participantes ganham. Tais pontos, por sua vez, podem ser trocados por milhas, viagens e outros tipos

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de bonificações. “Não é revolucionário, é gamificação, é sensibilidade para um cenário, para uma comunidade, e por meio de interface adequada, eficiente. Trata-se, enfim, de motivação atraente”, pontua.

simples e direto Conheça o método NPS, que facilita o feedback de clientes O Net Promoter Score, ou NPS, é uma metodologia criada por Fred Reichheld, nos Estados Unidos, com o objetivo de realizar a mensuração dos graus de satisfação e de fidelidade dos consumidores de qualquer tipo de empresa. Seu amplo uso deve-se à simplicidade e à confiabilidade da metodologia. Uma primeira apresentação do mecanismo ocorreu em artigo da Harvard Business Review – revista da Universidade de Harvard –, de 2003. Após a publicação do texto, o autor lançou duas edições do livro A pergunta definitiva, hoje considerado indispensável aos gestores da metodologia A intenção do método é simplificar as pesquisas de satisfação de clientes, as quais, por vezes, não funcionavam. Por serem mais complexas, os resultados não retornavam às empresas no tempo necessário. Reichheld, então, sugeriu a seguinte pergunta: “Em uma escala de 0 a 10, quanto você recomendaria a Empresa X a um amigo ou colega?”. A partir das respostas obtidas, criou-se o cálculo do NPS, por meio do qual os clientes são identificados da seguinte forma:

=Notas de 0 a 6 (Clientes detratores): são aqueles para quem suas vidas pioraram depois da compra do produto ou serviço da empresa mencionada. Criticam a empresa em público e jamais voltariam a fazer negócio com ela, exceto em situações extremas. ?Notas 7 e 8 (Clientes neutros): clientes que compram somente os produtos e serviços realmente necessários. Não se revelam leais, nem entusiastas da empresa. <Notas 9 e 10 (Clientes promotores): passaram a ter vida melhor depois do início do relacionamento com o produto/empresa/serviço/marca. São leais, entusiastas e oferecem feedback.

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rEcIclagEm

borracha para toda obra Compensado feito com lixo reciclado é alternativa às chapas de madeira usadas nas construções Alessandra Ribeiro

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Amplamente usado na marcenaria, o compensado, tal como é mais conhecido, consiste numa chapa formada por lâminas de madeira prensadas. A espessura e a densidade das placas, além do tipo de material empregado em sua composição, são variáveis. O compensado resinado, por sua vez, é aquele cor de rosa, empregado, principalmente, como tapume, na construção civil. Este último pode estar com os dias contados. Em média, 30% mais barato, o compensado de borracha é impermeável, além de mais resistente e isolante que o de madeira. E o melhor: mais sustentável, do ponto de vista da preservação ambiental. Nesse aspecto, não só evita o desmatamento, como reaproveita materiais que levam longo tempo para se decompor no solo. A invenção foi um dos quatro trabalhos selecionados, dentre os 40 apresentados na Mostra Inova Minas FAPEMIG 2016, para participar da Feira Internacional de Negócios, Inovação e Tecnologia (Finit), realizada em novembro, no Expominas. Foram escolhidos os projetos considerados mais conectados ao mercado e com maior potencial para se transformar em produtos. A ideia nasceu na cidade mineira de Timóteo, no Vale do Aço, numa pequena empresa especializada na reciclagem de cabos elétricos, que gera, como resíduo, as capas dos fios, na forma de vários tipos de polímeros. “Esse material era um problema. A gente pagava para depositar em aterro sanitário, punha na natureza um produto que demora muito para se decompor, sendo que poderia dar outra aplicação”, conta João Felipe Valadão, um dos engenheiros envolvidos no projeto. A empresa também trabalha com o reaproveitamento de materiais como pneus, garrafas PET e plásticos oriundos de sacolas plásticas e outras embalagens. A solução encontrada foi comprimir os resíduos triturados numa prensa térmica e aglomerá-los com resina. “Usamos uma máquina simples existente no mercado, e que, na verdade, nem é para essa função. Mas já estamos desenvolvendo um equipamento capaz de fazer a peça por inteiro,

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semelhante ao compensado de madeira, que é de 1,20 m por 2,40 m”, adianta.

multiplicidade Na Inova Minas FAPEMIG, o produto foi apresentado como protótipo. O potencial de aproveitamento é amplo. “Inicialmente, focamos a construção civil, no que se refere à montagem de forros e escoramentos. Mas nada impede de fazermos um estudo para ver outras aplicações. Dá para fazer porta ou substituir blocos de concreto para muros de arrimo, pois ele não deixa passar umidade. Também há como usar como piso, principalmente, para caminhadas, já que ele absorve todo o impacto no chão”, enumera o pesquisador. A lógica da reciclagem parece se multiplicar. “Um dos principais focos da pesquisa é a possibilidade de fazer a logística reversa. As empresas, hoje, não se preocupam em recolher o material que vendem. Eu te vendo o material que você usou na sua obra, acabou? Eu vou lá e reprocesso esse produto, fazendo novos compensados de borracha”, propõe o engenheiro de materiais Lucas Assis, também participante do projeto.

Testes O compensado de borracha foi submetido a vários ensaios, como o de defor-

Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos do Ministério do Meio Ambiente, instituída em 2010, a logística reversa é um “conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”. No Brasil, algumas cadeias de produtos foram escolhidas como prioritárias pelo Comitê Orientador para a Implantação de Sistemas de Logística Reversa: embalagens plásticas de óleos lubrificantes; lâmpadas fluorescentes de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos eletroeletrônicos e seus componentes; embalagens em geral; e resíduos de medicamentos e suas embalagens. Algumas cadeias produtivas já contam com sistemas de logística reversa previstos em lei: pneus, embalagens de agrotóxicos, óleo lubrificante usado ou contaminado, além de pilhas e baterias.

Fotosdivulgação

Capas de fios elétricos são reciclados, na forma de polímeros, para gerar novos compensados

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Novo material passou por testes de resistência à abrasão, tensão, alongamento de ruptura e granulometria

mação permanente por compressão, no qual uma carga compressiva é aplicada, no corpo de prova, numa única direção, e o de dureza Shore, cuja medida se baseia na profundidade da penetração de uma esfera rígida na amostra. O material também passou por testes de resistência à abrasão, de tensão e alongamento de ruptura e de granulometria. Todas as análises foram feitas no laboratório cedido pela Faculdade Pitágoras, na cidade de Ipatinga. O objetivo era analisar as propriedades mecânicas das amostras, tais como a resistência ao risco ou à formação de uma marca permanente, com base na tensão necessária para penetrar o material. Em todos os testes, os resultados obtidos com a borracha foram superiores aos observados nas chapas de madeira. Os pesquisadores afirmam que a resistência do compensado de borracha assemelha-se à do compensado naval, usado na fabricação de embarcações.

Tecnova O projeto do compensado de borracha foi um dos 49 aprovados, em 2014,

pelo Programa de Apoio à Inovação Tecnológica em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Tecnova), parceria da FAPEMIG com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que investiu R$ 15 milhões no desenvolvimento de produtos ou processos inovadores. O programa também promoveu a capacitação das empresas em metodologias de gestão da inovação e outros temas voltados à inserção no mercado.

Em 1.907, Albert F. Shore propôs uma medida de dureza por choque que mede a altura do ressalto (rebote) de um peso que cai livremente, até bater na superfície lisa e plana de um corpo de prova. A medida corresponde à perda da energia cinética do peso, absorvida pelo corpo de prova. O método é conhecido por “dureza escleroscópica” ou “dureza Shore”.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROjETO: Compensado de borracha INSTITuIÇÃO: JCF Soluções em Resíduos Ltda. COORDENADOR: Fernando Baldez Augusto ChAMADA: Tecnova VAlOR: R$ 315.891,77

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Saúde

Pouco assistidos, mas nunca esquecidos Pesquisadores apontam descaso social em relação à saúde das comunidades quilombolas de Minas Gerais e a necessidade de acompanhá-las mais atentamente Tatiana Pires Nepomuceno

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No período de redemocratização do Brasil, o movimento negro e as lideranças das comunidades remanescentes de quilombos intensificaram a busca por direitos de cidadania. Envolvidos no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, asseguraram o direito de propriedade a tais populações, por meio do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que afirmava: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir a eles os títulos respectivos”. Ao longo de quase duas décadas, as conquistas de tais comunidades expandiram-se, e, em novembro de 2003, por meio do Decreto presidencial nº 4.887, foi regulamentado o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas, de que trata o referido artigo 68 da Constituição. Cinco anos mais tarde, o Ministério da Saúde instituiu a portaria nº 90, de 17 de janeiro de 2008, que atualizava o quantitativo populacional de residentes em assentamentos da reforma agrária e de remanescentes de quilombos, por município, para cálculo do teto de “Equipes Saúde da Família – modalidade I”, e de “Equipes de Saúde Bucal da estratégia Saúde da Família”. De lá para cá, muita coisa mudou. Nesse contexto de alterações e progressos sociais, insere-se o município de São Francisco, localizado ao Norte de Minas Gerais. A região conta com mais de 50 mil habitantes e apresenta extensa área rural, onde se localizam diversas comunidades quilombolas, objeto de estudo do professor Antônio Prates Caldeira, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Apoiada pela FAPEMIG, a pesquisa buscou traçar um panorama da situação real de tais grupos, com relação à questão da atenção primária e da saúde materno-infantil. A pesquisa avaliou 411 mulheres, entre 18 e 49 anos, e 234 crianças, com até cinco anos, em amostragem representativa de 33 comunidades quilombolas na região. Os dados coletados indicaram a

necessidade de implantação de políticas públicas futuras, inclusive, na área educacional, além de estratégias de promoção da saúde e melhoria das condições sanitárias. “A maioria das famílias ainda vive em condições precárias. Quase metade das mulheres entrevistadas tinha escolaridade inferior a quatro anos. Além disso, o acesso a água tratada, esgotamento sanitário e coleta de lixo também são bastante limitados”, destaca Antônio Prates. Foi possível apurar, ainda, que a maioria das mulheres (52,1%) teve a primeira gravidez na adolescência e 35% disseram ter passado por quatro ou mais gestações. Para o diretor da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Marco Túlio Vaintraub, o fato de a mulher ter um bebê ainda muito nova põe a mãe em risco, pois ela pode desenvolver, por exemplo, pré-eclâmpsia ou vir a falecer. Já para a criança, o complicador é o nascimento prematuro ou o desenvolvimento de sequelas.

Dados preocupantes

Também segundo dados da pesquisa, a realização de exames preventivos para o câncer de colo uterino, nas comunidades quilombolas, mostrou-se irregular. No total, 15,1% das mulheres nunca haviam feito o teste. Em relação ao ciclo gravídico-puerperal, 23,5% delas revelaram menos de seis consultas de pré-natal; 37,2% relataram início do pré-natal após o primeiro trimestre de gestação; e 44,4% nem sequer fizeram consulta puerperal. “Sem o exame, o risco de morte é enorme. Ele aumenta em 50% em locais com condições precárias, como aquelas relatadas nas comunidades quilombolas”, pontua Marco Túlio. Se tal questão é delicada para os adultos, quando há o risco de morte infantil, é preciso um cuidado ainda maior. O estudo mostrou que 15% das crianças nasceram com baixo peso, e 9,4% tinham problemas crônicos de saúde. Segundo a nutricionista Bruna Amorim Zandoná, o pouco peso é inquietante, quando se pensa em mortalidade infantil. “A instabilidade hermodinâmica e suas propriedades fisiológicas aumentam a vulnerabilidade dos recém-nascidos, podendo levar ao óbito”, explica.

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A investigação também mostrou que 40,6% dos bebês não faziam uso regular de vitamina A, que é extremamente importante nos estágios iniciais de vida, em especial com relação ao sistema imunológico das crianças. “De acordo com o Ministério da Saúde, aproximadamente 23% dos casos de mortalidade infantil por diarreia são atribuídos à deficiência de vitamina A”, destaca.

Equipes de saúde Apesar de os resultados apresentados não serem favoráveis com relação à assistência às comunidades negras, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) informa que os governos federal e estadual têm incentivado a presença de equipes da Estratégia de Saúde da Família junto a grupos de alta vulnerabilidade social, o que inclui os atendimentos às comunidades quilombolas. Além disso, há programas e apoio financeiro aos

Por meio dela, o Estado amplia o cofinanciamento da Atenção Primária à Saúde, complementando os investimentos realizados pelo governo federal na atenção básica.

grupos de Estratégia de Saúde da Família e de Saúde Bucal, que atendem populações residentes em assentamentos dos movimentos agrários ou de remanescentes de quilombos. Segundo critérios definidos pela Resolução SES/MG nº 5.246, de 2016, os 69 municípios mineiros (aqui, incluso o município de São Francisco), elencados na Portaria nº 90/2008, são beneficiados, o que configura aporte financeiro total para 52 equipes de Estratégias de Saúde da Família e 44 de Saúde Bucal. “Tal resolução também apresenta, dentre os objetivos es-

tratégicos, identificar e tratar precocemente lesões sugestivas e/ou precursoras de câncer de colo de útero. Tem-se como indicador a razão de exames citopatológicos do colo do útero em mulheres de 25 a 64 anos”, explica Camila Dornelas, coordenadora de políticas de promoção da equidade em saúde da Secretaria. Entretanto, de acordo com o professor Antônio Prates, coordenador da pesquisa, as ações ainda são incipientes, pois o modelo assistencial continua pontual, e, por vezes, apenas curativista, sem foco na família e na comunidade local. “Particularmente, penso que comunidades quilombolas devam contar com equipes de saúde que desenvolvam modelo mais acessível, mais acolhedor e mais envolvido, culturalmente, com as populações. O histórico de abandono desses gupos é uma grande justificativa”, pontua. Marco Túlio vai além: “A boa medicina é preventiva, em especial, na assistência básica à saúde”, conclui.

as comunidades quilombolas

Grupos étnicos-raciais, segundo critérios de autoatribuição autoatribuição, as comunidades quilombolas têm trajetória própria e são dotadas de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada à resistência à opressão histórica sofrida. Até o momento, foram emitidos 207 títulos, regularizando 1.040.506,7765 hectares em benefício de 148 territórios, 238 comunidades e 15.719 famílias. No município de São Francisco (MG), as comunidades de Buriti do Meio e Bom Jardim da Prata receberam as certificações de “Autoreconhecimento”, concedidas, pela Fundação Cultural Palmares, respectivamente, em 2004 e 2005.

A autoatribuição funciona de acordo com norma internacional de Direitos Humanos, a “Convenção 169”, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que considera a consciência como critério fundamental.

Fonte: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROjETO: Atenção primária e saúde materno-infantil em comunidades quilombolas no Norte de Minas Gerais. COORDENADOR: Antônio Prates Caldeira INSTITuIÇÃO: Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) ChAMADA: Universal VAlOR: R$ 31.090,50

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vIDa DE cIENTIsTa

carinho da raiz às folhas Vencedora do prêmio Marcos Luiz dos Mares Guia, Elizabeth Pacheco Batista Fontes dedicou a vida à melhoria dos processos agrícolas brasileiros Téo Scalioni “Fui criada em ambiente de imaginação, incentivo à criatividade e valorização da ciência”. Eis o modo como Elizabeth Pacheco Batista Fontes define a natureza de seu desenvolvimento pessoal: filha de docente universitário, a futura engenheira de alimentos percebe, desde cedo, que não conseguiria seguir outros oficios senão os da pesquisa e do ensino acadêmicos. Hoje professora titular do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Elizabeth lembra que se interessou por Química ainda na infância. “Na verdade, sempre fui fascinada pelos processos de transformação da natureza”, conta. Como não poderia deixar de ser, tais mudanças do meio ambiente tornaram-se, justamente, a base das linhas de pesquisa às quais dedicou grande parte de sua vida. Os estudos desenvolvidos por Elizabeth dizem respeito à genômica funcional de estresses fisiológicos

em plantas. De modo mais específico, seu interesse está em identificar componentes moleculares de vias de sinalização das células vegetais que ligam as mudanças no meio ambiente a certo crescimento diferencial. Ela também se interessa por variação global da expressão gênica e produtividade agrícola. Tal abordagem científica tem permitido elucidar novos mecanismos de defesa inata das plantas contra a infecção de vírus e fungos, além de outras vias de sinalização celular capazes de protegê-las da seca e das altas temperaturas. O objetivo eventual do estudo seria elucidar os mecanismos moleculares de proteção das células vegetais às agressões do meio ambiente. “Poderemos, então, manipulá-los racionalmente, visando à obtenção de cultivares superiores, que mantenham alta produtividade agrícola, mesmo sob condições restritivas de crescimento e desenvolvimento de plantas”, explica a pesquisadora, que é casada com o

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também professor universitário Renildes Fontes, além de mãe de dois filhos e avó de dois netos. Os resultados das investigações de Elizabeth possibilitam o melhoramento, sustentável e em larga escala, da agricultura brasileira – com ênfase no Norte do Estado e no Triângulo Mineiro, regiões onde o estresse hídrico e as altas temperaturas representam limitações permanentes para a produtividade e a distribuição agrícola. “O panorama tende a piorar com as premissas de mudanças climáticas, que preconizam o aumento de temperatura no globo e das áreas com características de seca”, observa a professora, ao reforçar que o também o crescimento exponencial da população mundial, com previsões acertadas para 2050, desafiam a seguridade alimentar no planeta. Na toada de suas pesquisas, Elizabeth viajou muito, principalmente, para participar de congressos científicos. Além dos Estados Unidos, onde já passou duas temporadas de estudos, apresentou trabalhos em eventos sediados em países como Canadá, México, Chile, Argentina, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Índia, França, Itália, Hungria, China, Tailândia, Singapura e Austrália.

reconhecimento

Em 2016, Elizabeth venceu o prêmio Marcos Luiz dos Mares Guia, realizado pelo Governo de Minas e pela FAPEMIG, com o estudo “Novos mecanismos de imunidade antiviral e respostas adaptativas a estresses fisiológicos em plantas”. A pesquisa abordou dois problemas básicos da agricultura brasileira, relacionados à infecção de plantas por begomovírus e o crescimento de plantas sob condições de seca. “O prêmio representa o reconhecimento máximo ao trabalho dos cientistas em Minas Gerais que contribuíram, efetivamente, para o avanço científico e tecnológico”, orgulha-se a pesquisadora. Até alcançar tal condecoração, foram décadas de estudos e dedicação. Formada em Engenharia de Alimentos pela UFV, Elizabeth obteve o grau de mestre em 1982, pela mesma instituição. O PhD veio em 1991, pela North Carolina State University (NCSU), nos EUA, na área de Biologia Molecular. Ao longo ano seguinte, a pesquisadora continuou na NSCU, no papel de consultora científica em 1992, quando conduziu trabalhos pioneiros para a iden-

tificação de chaperones moleculares em plantas e a elucidação dos mecanismos de replicação de geminivírus. De 2003 a 2004 e de 2011 a 2013, ficou em licença sabática no The Salk Institute for Biological Studies, em La Jolla, na Califórnia (EUA), para explorar as áreas de sinalização celular e genômica funcional. No ver de Elizabeth, a carreira de um professor universitário não se resume à reprodução do conteúdo de livros e textos. O processo de ensino demanda que o professor mantenha-se engajado com a pesquisa, cujo conhecimento adquirido deve ser compartilhado, em primeira mão, com os estudantes. Desse modo, a aprendizagem acaba fundamentada no desenvolvimento de senso crítico, para solução de problemas em diversas áreas. “Não podemos apenas formar o estudante. É preciso capacitá-lo a exercer, racional e criativamente, a profissão escolhida”, destaca.

Dedicação de vó

Quando não está por conta da academia e da pesquisa, além de ir ao cinema, Elizabeth gosta de se dedicar aos netos, Gabriel, de 2 anos, e Maria, de 8 meses. “Eis uma atividade que me proporciona grande satisfação”, garante, ao confessar que também já teve a dança como hobby.

ela?

Quem é

Engenheira de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) Professora Titular da UFV Mestre pela UFV (1982) e doutora (1991), pela North Carolina State University, (NCSU), nos Estados Unidos, na área de Biologia Molecular Pós-doutoura pela North Carolina State University (NCSU), onde também foi consultora Científica em 1992 Explorou áreas de sinalização celular e genômica funcional no The Salk Institute for Biological Studies, em La Jolla, na Califórnia, nos EUA, de 2011 a 2013

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Dados sobre a imagem dos cidadãos a respeito da ciência, do trabalho dos cientistas, da tecnologia e suas implicações, das atitudes da população sobre os riscos e os benefícios da pesquisa e da inovação e dos valores e eficácia dos processos de comunicação são importantes para fundamentar ações de governantes e também novos projetos para a área.

segundo os mineiros

Temas centrais na vida em sociedade, ciência e tecnologia (C&T) afetam aspectos importantes do cotidiano. Por isso, torna-se extremamente importante compreendermos a visão de C&T compartilhada pelas pessoas. No Brasil, a primeira pesquisa com tal intuito foi realizada em 1987 – seguida por edições em 2006, 2010 e 2015. Devido à vasta diversidade do País, porém, os especialistas do projeto “Indicadores de percepção pública da C&T no Estado de Minas Gerais” resolveram compreender as especificidades locais dessa percepção, por meio de estudo financiado pela FAPEMIG. Para tal, aplicaram-se dois mil questionários, com 100 perguntas, entre julho e setembro de 2014, em grupos de pessoas de diferentes regiões do Estado, com diversos níveis de escolaridade e faixas etárias. Os resultados mostraram que os mineiros têm interesse elevado em C&T: depositam grande confiança nos cientistas

Santa

A imaginação, como atividade essencialmente criativa, desenvolve-se com a prática, não por meio de êxitos, que são conclusões e, portanto, becos sem saída, mas por meio de fracassos, por meio de tentativas que se revelem estar erradas, exigindo novas tentativas que, se os astros estiverem a favor, levarão a novos fracassos. As histórias da arte e da literatura, como a da filosofia e da ciência, são as histórias desses fracassos iluminados. ‘Fracasse. Tente outra vez. Fracasse melhor’”, era como resumia Beckett.

e enxergam de forma positiva as instituições de pesquisa. Os dados mostraram, ainda, que o nível de escolaridade não foi critério de grande influência nos resultados. Além de grande curiosidade pela área, com alta demanda por informações, os dados apontam, por fim, a necessidade de desenvolvimento de boas opções de divulgação científica.

Livro: Os mineiros e a ciência: primei-

ra pesquisa do Estado de Minas Gerais sobre percepção pública da ciência e tecnologia Organização: Yurij Castelfranchi e Elaine M. Vilela Editora: Kma Páginas: 166 Ano: 2016

curiosidade!

Nesta bela obra, o argentino (e cosmopolita) Alberto Manguel, atual diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires, revela vasta erudição, ao analisar importante atributo humano: a curiosidade. Tal predicado – que, desde sempre, impulsiona os indivíduos ao conhecimento, mas também é visto como perigosa tentação, segundo as mais diversas tradições e abordagens religiosas – é aqui investigado por meio de saborosas e inteligentes referências à obra-prima A divina comédia, de Dante Alighieri (1265-1321). Em 17 capítulos, com aprofundamento e leveza, Manguel dedica-se aos “sentidos” da curiosidade, e, ao mesmo tempo, revela-se ansioso por problematizar questões categoricamente existenciais: “O que queremos saber?”; “Como podemos ver o que pensamos?”; “O que é lin-

guagem?”; “O que estamos fazendo aqui?”; “Quais são as consequências de nossas ações?”; “O que vem em seguida?”; “O que é verdade?”. Diante de livro tão surpreendente, a sugestão parece óbvia: reúna seu embornal de dúvidas e boa leitura!

Livro: Uma história natural da curio-

sidade Autor: Alberto Manguel Editora: Companhia das Letras Páginas: 488 Ano: 2016

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LEITURAS

A ciência


HI P ERLI N K

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Eis as imagens de dois olhos humanos, obtidos postmortem, de doadores que, vivos, passaram por cirurgia de catarata, com implante de lente intraocular. Conforme explica a professora Liliana Werner (veja reportagem sobre a trajetória da pesquisadora à página 30), uma das diretoras do John A. Moran Eye Center, nos Estados Unidos, os órgãos foram seccionados ao meio, “e as fotos mostram uma visão posterior do segmento anterior”. Ambos contêm intraoculares de silicone: em um deles, pode-se observar o “saco capsular com a lente, assim como o eixo visual”. No outro, há grande proliferação de material celular dentro do saco capsular, que começa a afetar o eixo visual. “Isso corresponde a uma complicação após a cirurgia de catarata, denominada opacificação da cápsula posterior, que é tratada com laser. O material, e, principalmente, o desenho da lente, pode exercer influência sobre tal complicação”, explica.

VARAL

Divulgação


MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2016/JAN/FEV 2017

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