Fronteiras da Auditoria em Saúde Volume 1

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Volume I


“As opiniões expressas nesta obra são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da Novartis”.


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Fronteiras da Auditoria em Saúde / coordenadora Viviane Fialho Gonçalves . -- São Paulo ; Farol do Forte, 2ª edição -- 2009. Vários Autores. Bibliografia.

1. Auditoria Médica 2. Informação - Sistema de Armazenagem e Recuperação 3. Serviços de Saúde Auditoria 4. Tecnologia da Informação I. Gonçalves, Viviane Fialho

08-09257

CDD-362.1068 Índices para catálogo sistemático:

1. Auditoria Médica : Empresas de Saúde : Bem-estar social 362.1068 2. Empresas de Saúde : Auditoria Médica : Bem-estar social 362.1068

Número de ISBN: 978-85-61679-01-9

Este livro é uma iniciativa


Coordenadora: Viviane Fialho Gonçalves

Fronteiras da Auditoria em Saúde Volume I Autores Cecília Maria Guimarães Figueira Débora Soares de Oliveira Fernando Fernandes Goldete Priszkulnik João Paulo dos Reis Neto José Roberto Tebet Luiz Celso Dias Lopes Manoel Antônio Peres Maria Teresa Diniz Velloso Lodi Nelson Teich Otávio Augusto Câmara Clark Patrícia Medina Roberto Issamu Yosida Syllene Nunes Stephen Doral Stefani

FAROL DO FORTE 2ª Edição São Paulo - 2009


Farol do Forte Editora www.faroldoforte.com.br - F: (11) 3013.2083

Este livro pode ser distribuído via Internet, sob licença Creative Commons. http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/ Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas. Referência ao autor conforme ficha catalográfica. O compartilhamento desta obra na Internet, por quaisquer meios ou recursos, deve manter o volume na íntegra, sem alterações ou edições de qualquer forma.

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Sumário

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Prefácio – Yara Carnevalli Baxter ............................................................... 7 Prefácio – Dr. Gonzalo Vecina Neto .......................................................... 9 Agradecimentos ........................................................................................ 11 Introdução ................................................................................................. 12

Capítulos 1. A Auditoria Médica como Instrumento de Responsabilidade Social ............................................................................ 13 Roberto Issamu Yosida 2. Auditoria de Qualidade ............................................................................ 21 Maria Teresa Diniz Velloso Lodi 3. Medicina Baseada em Evidências para Auditores ................................... 27 Otávio Augusto Câmara Clark 4. Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria ............................................................................................. 33 Nelson Teich 5. Incorporação de Tecnologias em Saúde ................................................... 61 Cecília Maria Guimarães Figueira 6. Auditoria de Procedimentos de Alto Custo ............................................. 75 Stephen Doral Stefani 7. A Formação e o Papel do Médico Auditor no Equilíbrio das Operadoras de Planos de Saúde ......................................................... 85 Manoel Antônio Peres 8. Auditoria e Judicialização da Saúde ......................................................... 95 Luiz Celso Dias Lopes 9. Auditoria no Sistema Público de Saúde no Brasil ................................. 125 Goldete Priszkulnik 10. Evolução da Auditoria Médica ............................................................... 133 José Roberto Tebet 11. O Papel do Enfermeiro Auditor no Processo de Auditoria em Saúde ........................................................................... 139 Débora Soares de Oliveira


12. Gestão em Saúde, Auditoria e Medicina Preventiva ............................ 149 Patrícia Medina 13. Gerenciamento de Doenças Crônicas .................................................... 165 Fernando Fernandes 14. Sistemas de Informação na Auditoria em Saúde ................................... 181 João Paulo dos Reis Neto 15. Auditoria Informatizada .......................................................................... 193 Syllene Nunes


Yara Carnevalli Baxter – Diretora Unidade de Negócios Oncologia Brasil

Prefácio Garantir acesso à saúde, combinado com elevados padrões de qualidade da assistência prestada, são grandes desafios! Da mesma forma, garantir a sustentabilidade das fontes pagadoras, públicas e privadas. Consensualmente, a alternativa mais lógica é a de adotar critérios e processos bem definidos, baseados na Ciência, de fácil tradução para a prática, que permita a incorporação racional de novas tecnologias em saúde, coerentes aos binômios custo-efetividade, custobenefício, custo-utilidade. Na prática, a teoria não se apresenta exatamente assim, com margens a vários debates e especulações sobre este tema que tem despertado tanto interesse e atenção. Este livro, escrito pelos maiores especialistas do setor, vem preencher esta lacuna, num cenário de grandes questionamentos, incertezas diante de riscos de abusos e fraudes, inseridos num ambiente de alta complexidade e competitividade. Numa abordagem profunda, inovadora, isenta e bem sustentada, este livro toca os pontos de maior importância das responsabilidades que envolvem as auditorias em saúde. Nesta jornada destacam-se desde programas preventivos até o gerenciamento de crônicos. Posiciona a “farmacoeconomia” e “medicina baseada em evidência” como importantes instrumentos decisórios na incorporação de tecnologia em saúde e na alocação de seus recursos, muitas vezes escassos. Aborda aspectos de responsabilidade social inerentes a este processo, bem como a legalidade das 7


ações praticadas neste setor, sem deixar de contemplar o direito à saúde e suas diretrizes regulatórias. Na busca de proporcionar melhorias na gestão de saúde do país, a Novartis Oncologia sente-se orgulhosa por esta oportunidade. Apoiar um projeto desta magnitude reforça nossos objetivos de parceria e apoio constante a iniciativas que, como esta, fazem a diferença. É um excelente compêndio que imediatamente nos incorpora no ponto central da “Ciência da Auditoria em Saúde”, nos conduzindo para além de suas fronteiras!!!!

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Dr. Gonzalo Vecina Neto

– Professor Assistente da FSP/USP – Superintendente Corporativo do Hospital Sírio-Libanês

Prefácio A vida nos reserva certas surpresas que às vezes são realmente estonteantes. Na minha vida de professor de gestão de serviços de saúde e de gestor hospitalar, nunca imaginei que iria parar na vigilância sanitária. Mas a vida me levou para lá e tive a grata surpresa de descobrir uma área nova para mim e que tinha profundas responsabilidades com a saúde da população. Afinal, garantir a segurança sanitária de produtos e serviços de interesse sanitário é promover a saúde da população. Agora tenho a honra de ser convidado para prefaciar este esforço de colocar um conjunto de conhecimentos sobre essa vasta área da auditoria em saúde. Confesso que a princípio pensei em não aceitar, porém minha curiosidade foi maior, em particular pelo título - Fronteiras... Nada me provoca mais que uma fronteira. E estou muito satisfeito de ter aceito. Tive a oportunidade de ler o livro e entrar em contato com um conjunto de conhecimentos e opiniões que certamente me enriqueceram e o farão também com o leitor. Primeiramente quero anunciar que o leitor poderá ler os capítulos na ordem de seu interesse. Todos trazem o estado da arte e compõem um todo bastante harmonioso, porém não são necessariamente concatenados. Basicamente o livro oferece um maior conjunto de capítulos voltados para a área de auditoria propriamente dita, embora sempre pensando na fronteira – auditoria na área pública, auditoria e responsabilidade social, auditoria na 9


enfermagem, a formação de auditores e sua importância na sustentabilidade das operadoras de planos de saúde. O dilema do auditor generalista frente as especialidades, particularmente quando se analisam os procedimentos de alto custo. O grande debate sobre o papel do auditor frente a tendência à judicialização da assistência à saúde. A contribuição da auditoria para melhorar a qualidade do processo de atenção à saúde. Também temos alguns capítulos que se dedicam a discutir a questão dos instrumentos da auditoria, em particular as questões relativas à informação e à informatização. Pelo menos dois capítulos abordam com muita propriedade a questão da farmacoeconomia e da análise do processo de incorporação de tecnologia. Nos dois casos a abordagem é fortemente voltada para demonstrar a utilidade da farmacoeconomia e de seus instrumentos como ferramentas poderosas para auxiliar a auditoria. Medicina baseada em evidências é um dos capítulos que não poderiam deixar de estar presente e aí é debatida sua utilidade como ferramenta básica da auditoria moderna. Temos também dois excelentes capítulos que discutem a importância da utilização de novas formas de atuar na área da saúde, como é o caso do gerenciamento de doentes e doenças. A abordagem moderna de enfrentar o problema das enfermidades crônicas, bem como incorporar o conceito de atenção integral à saúde, em particular incorporando e gerenciando o processo de promoção e proteção da saúde – a prevenção primária. Bem, o desafio de apresentar este livro e interessar o leitor em seus conteúdos ainda exige um último realce e este se volta para a área da auditoria propriamente dita. Nós da saúde incorporamos a idéia de auditoria, a partir da área contábil, porém na área da saúde suas conseqüências são muito mais amplas – não se constatam apenas fraudes e ou desvios, constatam-se dor e morte. Com certeza a introdução da auditoria médica no processo de atenção é mandatório na moderna medicina e é responsabilidade de todos nós garantirmos que ela seja exercida com a liberdade e obrigatoriedade necessárias. Por uma saúde melhor – estão de parabéns os autores desta obra, por suas importantes contribuições, e também a Novartis, por sua decisão de apoiar a publicação deste livro, que certamente irá nos ajudar a aprimorar o nosso sistema de saúde.

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Viviane Fialho Gonçalves Coordenadora do Projeto

– Membro do Conselho Regional de Administração de Empresas – MBA em Marketing – FGV-SP – MBA em Economia da Saúde – UNIFESP – CPES – SP – Gerente de Acesso Privado – Novartis Oncologia

Agradecimentos À cada um dos autores, meu sincero e profundo agradecimento, pela dedicação e concessão de horas em suas ocupadas agendas e principalmente pela confiança na seriedade e isenção deste projeto. Agradeço à Novartis Oncologia, que agindo alinhada com a missão que traz em seu nome, em latim “novae artes” (Nova Arte), inovou apoiando a realização desta obra, que representa a expansão de fronteiras no conceito de parceria com os auditores em saúde de forma ética e transparente. À Alessandra Calabró, meu obrigado por acreditar nesta idéia desde o início, proporcionando todo suporte e incentivo essenciais para que ela se transformasse neste livro.

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Introdução Se perguntarmos a qualquer pessoa, com noção mínima do papel de um auditor na sociedade, sobre o foco de ação deste profissional, observaremos na grande maioria das respostas conceitos ligados à padronização de normas, controle de processos e principalmente de custos. Poucos relacionam o nome “auditoria” à área da saúde. Confesso que eu, por observar a atuação do meu pai como Gestor do Departamento de Auditoria Operacional de grandes corporações, tinha a mesma percepção, imaginando ser inconcebível “auditar” um dos direitos essenciais do ser humano: a Saúde. Com este e outros questionamentos ainda latentes, em 2004 iniciei o trabalho de visitação a Operadoras de saúde e seus auditores em todo o território nacional, com o objetivo de oferecer suporte técnico-científico para apoio à liberação de tratamentos oncológicos de alta complexidade. Para minha grata surpresa, mais recebi do que transmiti conhecimento. A cada dia me surpreendia e me maravilhava com a amplitude do campo de ação e influência do profissional de auditoria dentro de uma instituição de saúde. Concluí também, por observação pessoal e da literatura médica disponível, que o trabalho do auditor, na padronização de condutas baseadas em evidências científicas, gerenciamento de doentes, entre outros, além do controle e manutenção do equilíbrio atuarial, proporciona melhores resultados em saúde aos pacientes do que um cenário com inexistência de auditoria, que pressupõe o fornecimento de todo e qualquer insumo de saúde a todos que o solicitem, sem critérios objetivos, levando ao desequilíbrio e conseqüente inviabilização do Sistema de Saúde, público ou privado, como um todo. Desejo ao leitor um melhor conhecimento e compreensão de alguns dos temas mais relevantes da auditoria em saúde citados nesta obra, cuja principal característica é ser dinâmica e sem a pretensão de esgotar o assunto, desafiando os auditores para que nos próximos anos expandam ainda mais suas fronteiras. 12


Dr. Roberto Issamu Yosida – – – – – –

Médico graduado pela UFPR Título de especialista pela Febrasgo Coordenador de Auditoria em Saúde da Unimed Curitiba Membro da Câmara Técnica de Materiais e Medicamentos da AMB Membro da Câmara Técnica de Saúde Complementar do CRM-PR Auditor Médico da CAPESAÚDE: Conselheiro eleito do CRM/PR gestão 2008/2013 – Ex-presidente da SOMAP - Sociedade dos médicos auditores do PR – Ex-diretor administrativo-financeiro da UNIDAS/ASSEPAS – Ex-membro da Câmara Técnica de Perícia e Auditoria do CRM-PR

Capítulo 1

A Auditoria Médica como Instrumento de Responsabilidade Social A auditoria médica é um instrumento de cidadania que viabiliza a assistência médica de qualidade, a um valor justo, baseado na melhor evidência científica disponível na Medicina. Esta é uma definição que permite vislumbrar a vasta gama de ações do médico auditor. Permite que a população tenha segurança de que há uma chancela ao atendimento em saúde, por parte de médicos gabaritados e especialistas. Também assegura que todos recebam o mesmo tipo de referendo, desta forma permite equilíbrio. Menciona qualidade estruturada em ciência. O valor justo e benefícios agregados ao caráter curativo. Engloba todas as ações de promoção e prevenção. Refere atualização e conhecimento integrado. Os pilares de nossa atividade são: moral, ética, legislação, regulamentação, ciência e bom senso. A moral é um ato consciente e livre. É uma escolha. Todos os atos de nossa vida pressupõem escolhas. Todas as escolhas têm conotação moral. Se há censura, não há moral. Se há controles, não há moral. Neste quesito, a auditoria é o olhar vigilante sobre os atos assistenciais. Ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. A regulamentação e a legislação são de caráter impositivo, obrigatório, coercitivo. O respeito às normas legais é condição básica ao exercício da auditoria. Bem como o conhecimento das normas reguladoras da ANS. 13


Fronteiras da Auditoria em Saúde

A atualização do conhecimento específico através de pós-graduações, congressos e outros encontros científicos. Hoje com literatura específica em desenvolvimento. Com autores buscando espaço e difundindo conhecimento. Divulgando as atividades aos diversos públicos que entram em contato com nossa atividade. A ciência com suas evidências e verdades temporais demonstra resultados por vezes contaminados por conflitos de interesse. O bom senso dispensa comentários. A qualidade mais importante do auditor. Diante destas definições deparamo-nos com nossa opção de exercer uma nobre e necessária atividade ao sistema de saúde. Não sem antes, por inúmeras ocasiões, refletir sobre a nossa verdadeira missão. Hoje, não mais uma atividade de segunda categoria no meio médico. Ao contrário, respeitada e reconhecida pelos conselhos de medicina. Agregando profissionais de notoriedade no meio acadêmico-científico. Auditar é um ato médico de muita responsabilidade. Principalmente é responsabilidade social que é intrínseca e inerente ao ato de auditar. Entendemos que as ações sobre a saúde pública iniciam nova fase de intervenção. A saúde suplementar integrante do sistema realiza ações com forte impacto coletivo. Ações conjuntas impedem desperdício e otimizam o uso dos recursos. Eis que vislumbramos a nova fronteira da auditoria em saúde. Finalmente em busca de sua verdadeira função. Reconhecidamente geradora de valor em saúde. Valor cujo anseio faz surgir a inovação e a ousadia. Um mundo melhor. É nossa responsabilidade individual e coletiva. A responsabilidade social está em nossas ações do cotidiano. Em relação a isto é interessante conhecermos o que nos ensina Stephen Kanitz:

Os 10 mandamentos da responsabilidade social 1. Antes de implantar um projeto social pergunte para umas vinte entidades do Terceiro Setor para saber o que elas realmente precisam. A maioria das empresas começa seu projeto social procurando uma “boa idéia” internamente. Contrariando os preceitos da administração, que exige pesquisar primeiro o mercado antes de sair criando novos, na área social estes princípios são jogados fora. A maioria dos projetos começa nos departamentos de marketing das empresas sem consultar as entidades que são do ramo. O espírito do Terceiro Setor é “servir o outro”, e isto significa perguntar primeiro: “O que vocês precisam?” 2. O que as entidades precisam normalmente não é o que sua empresa faz, nem o que a sua empresa quer fazer. O conceito de “sinergia” é muito atraente e poderoso para a maioria dos executivos, mas lembra um pouco aquele escoteiro que atravessa um cego para o outro lado da rua sem perguntar se é isso que o cego queria. 14


A Auditoria Médica como Instrumento de Responsabilidade Social

Dar aula de inglês para moradores de favelas só porque você tem uma cadeia de escolas de inglês não é resolver o problema do Terceiro Setor. Mas é o que uma escola de inglês tende a fazer. Pode ser uma forma de resolver o seu problema na área social, com o menor esforço. Se toda empresa pensar assim, quem vai resolver o problema da prostituição infantil, abuso sexual, violência, dos órfãos? Ninguém. Por isto, muitas entidades estão começando a ver este movimento de empresas “socialmente responsáveis” com maus olhos. “Onde estavam estas empresas nestes últimos 400 anos, quando fizemos tudo sozinhos?”, é a primeira pergunta que fazem. “Por que muitas estão iniciando projetos iguais aos que fazemos, ao invés de nos ajudar?” 3. Toda empresa que assumir uma responsabilidade será mais dia menos dia responsabilizada. Da mesma forma que sua empresa será responsabilizada pelos péssimos produtos que venha a produzir, seu insucesso em reduzir a pobreza ou uma criança que for maltratada no seu projeto social também será responsabilidade da sua empresa. E empresas que têm 10.000 funcionários, 12 dos quais no departamento de responsabilidade social irão fracassar no seu intento. 4. Assumir uma responsabilidade social é coisa séria. Creches não mandam embora órfãos porque a diretoria mudou de idéia. Muitas empresas “socialmente responsáveis” não estão assumindo responsabilidades sociais. Nenhuma empresa está disposta a adotar um órfão, um compromisso de 18 anos. A maioria das empresas “socialmente responsáveis” está no máximo disposta a bancar um projeto por um único ano. E não poderia ser o contrário. Empresas não podem assumir este tipo de responsabilidade, não foram constituídas para tal. As entidades foram instituídas para exatamente prestar serviços sociais, e é triste ver que estão perdendo espaço. Se o projeto não ganhar um destes prêmios de Responsabilidade Social, troca-se de projeto. Hoje, a tendência das empresas é trocar de projeto a cada dois anos se ela não for premiada, por outro que tenha mais chance de vencer no ano seguinte. 5. Todo o dinheiro gasto em anúncios tipo “Minha Empresa É Mais Responsável do que o Concorrente” poderia ser gasto duplicando as doações de sua empresa. Os líderes sociais do país, que cuidam de 28 milhões de pessoas carentes, não têm recursos para comprar anúncios caríssimos na imprensa. Depois desta onda de responsabilidade social, o “Share of Mind” do Terceiro Setor tem caído de 100% para 15%. Cinco anos atrás, o recall espontâneo de 15


Fronteiras da Auditoria em Saúde

instituições responsáveis na mente do público em geral eram a AACD, as APAES e a Abrinq. Hoje, os nomes mais citados são de empresas que no fundo usaram o Terceiro Setor para ficarem conhecidas. Bom para as empresas e seus produtos, péssimo para a AACD e seus deficientes. Lembre-se também que todas as religiões, sem exceção, recomendam não alardear os atos de responsabilidade social, que deveriam ser discretos e anônimos. Quem alardear sua bondade sofrerá a ira do povo, uma sabedoria milenar em todas as crenças do mundo. Algo para se pensar. 6. Entidades têm no social seu “core business”, dedicam 100% do seu tempo, 100% do seu orçamento para o social. Sua empresa pretende ter o mesmo nível de dedicação? Irmã Lina é a nossa Madre Tereza de Calcutá. Ela veio da Itália cuidar de 300 portadores de hanseníase confinados em Guarulhos, e sabia com certeza que iria morrer da doença, o que não a impediu de cumprir a sua missão. Sua empresa estaria disposta a morrer pela sua causa social? A maioria das empresas ao primeiro sinal de recessão corta 30% da propaganda, 50% do treinamento e 90% dos projetos sociais. Justamente quando os problemas sociais tendem a aumentar. As empresas brasileiras estão dedicando em média 1% do lucro ao social, o que corresponde a 0,1% das receitas. As entidades sociais dedicam 100% de suas receitas e 100% do seu tempo. Se sua empresa socialmente responsável acredita que poderá competir com as “Irmãs Linas” do país, e que terá coragem de subir num palco e receber um Prêmio de Cidadania Corporativa, é acreditar que nossos consumidores são um bando de idiotas. Se você é um executivo de marketing, por acaso você esteve presente quando a Irmã Lina recebeu o seu Prêmio Bem Eficiente? Mas ela notou a sua ausência, e viu o anúncio de sua empresa dizendo como ela se preocupa com o social. 7. O consumidor não é bobo. O consumidor sabe que o projeto social alardeado pela empresa está embutido no preço do produto. Ninguém dá nada de graça. Isto, todo consumidor sabe de cor. E quem disse que o consumidor comunga com a mesma causa que sua empresa apadrinhou? Sua empresa pode ser “Amiga das Crianças”, mas seu consumidor pode sentir que os velhos são os verdadeiros excluídos. Afirmar que o projeto social é custeado pelo lucro da empresa, e não entra como despesa, não convence ninguém. O lucro pertence aos acionistas, não aos executivos da empresa. Na maioria dos países, filantropia é feita na pessoa física, não na jurídica. Não existe Fundação Microsoft, e sim Fundação Bill Gates. Da Microsoft queremos bons softwares, não bons projetos sociais. 16


A Auditoria Médica como Instrumento de Responsabilidade Social

8. Antes de querer criar um Instituto com o nome da sua empresa ou da sua marca favorita, lembre-se que a maioria dos problemas sociais é impalatável. Empresas que criaram institutos com a marca da empresa fogem de problemas sociais complicados como o diabo foge da cruz. Nenhuma delas quer ajudar a resolver problemas como hanseníase, abuso sexual, prostituição infantil, deficiência mental, autismo, Aids, discriminação racial, velhice e Alzheimer, doenças terminais, alcoolismo, dependência química, drogados, mães solteiras, pais abusivos, pois são projetos que não se adequam bem à imagem que você quer imprimir para a sua marca. Marcas são penosamente construídas e não dá para discordar desta relutância em apoiar projetos “mercadologicamente incorretos.” Você terá que decidir o que vem em primeiro lugar, se sua marca ou a sua responsabilidade social, decisão ética de primeira importância. Empresas que criaram institutos ou fundações com a marca da empresa preferem projetos como educação, adolescentes, esportes ou ecologia, projetos que “não dão problemas”. 9. Evite usar critérios empresariais ao escolher seus projetos sociais, como “retorno sobre investimento” ou “ensinar a pescar”. Esta área é regida por critérios humanitários, não científicos ou econômicos. Empresários tendem a usar critérios empresariais para definir quais projetos apoiar, embora este seja um setor de critérios humanitários. Um dos “mantras” das empresas socialmente responsáveis é que elas ensinam a pescar em vez de fazer “mero assistencialismo”. Só que quando as entidades fazem “mero assistencialismo”, deficiente visual sai com óculos, crianças com câncer saem curadas, órfãos são cuidados, paraplégicos saem com cadeiras de rodas. Nos projetos que “ensinam a pescar”, 90% dos recursos acabam nas mãos dos professores, e 10% ao consultor social idealizador do projeto. 10. A responsabilidade social é, no final das contas, sempre do indivíduo, do voluntário, do funcionário, do dono, do acionista, do cliente, porque requer amor, afeto e compaixão. Na literatura encontramos duas posições bem claras. Uma que a responsabilidade social é do governo, por isto estamos pagando quase 50% da nossa renda em impostos. Sem muito resultado. A segunda posição é que a responsabilidade social é do indivíduo, da comunidade, da congregação, das ONGs organizadas para tal. No Brasil surgiu uma terceira visão, de extrema direita. Que a responsabilidade social é das empresas e dos empresários, que a agenda social deve ser estabelecida por executivos e empresários, sob critérios empresariais de retorno de investimento. 17


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Empresas, como o governo, são impessoais. E ainda corremos o perigo dos poucos indivíduos que achavam que a responsabilidade é do indivíduo acabem lavando as mãos, achando que a responsabilidade é do governo e das empresas. Por que então se envolver?

E agora, o que fazer? Empresas estão agora ganhando dinheiro vendendo a imagem de bonzinhos na área social. Virou um grande negócio, existem agora interesses a preservar, o lado voluntário e filantrópico se foi para sempre. Portanto, a responsabilidade social é abrangente e envolve seguramente as operadoras de planos de saúde e seus colaboradores, entre os quais destacamos os profissionais da auditoria em saúde. O potencial de ações não se limita apenas ao quesito valor. Mas nas ações integradas que resultam em percepção de uma vida melhor pelos envolvidos na cadeia produtiva da saúde. Concluímos que a responsabilidade social é um ato solitário de amor ao próximo. Em nossas atividades de auditoria, as questões operacionais despersonalizam as decisões. É nosso dever resgatar a humanidade e o afeto nas relações com nossos pacientes/clientes/beneficiários. De alguma forma, todos nós seremos pacientes do sistema. Cumpre-nos assegurar que a letra fria no papel transforme-se em esperança e conforto para quem anseia por saúde. Temos grande compromisso moral e ético com os envolvidos na assistência à saúde. De um lado, o médico buscando remuneração justa, e de outro o paciente, buscando saúde. Interesses divergentes por vezes. Mas convergentes na maioria das ocasiões. Cada ato de auditoria deve revestir-se de humanidade. Nunca esquecer das pessoas. Todos somos auditores quando indagamos sobre assuntos que afetam nossas vidas. O mais trivial ato, como por exemplo pagar uma conta em um restaurante, sofre um processo de auditoria. Quando analisamos o que está sendo cobrado, se foi o que foi contratado e consumido. Desde os exames pré-nupciais, pré-concepcionais e pré-natais. Ao nascimento. Ao desenvolvimento infantil. À vida adulta. À velhice. E à morte. Estamos em vários momentos em contato com os cuidados de saúde. Portanto, faz parte da vida prevenir, promover e cuidar da saúde. Somos responsáveis pelo autocuidado. Pelas ações preventivas. Usar cinto de segurança. Prevenir acidentes domésticos. Manter atividades físicas regulares. Ter dieta saudável. Não fumar. Fazem parte da auditoria em saúde de todos. Em especial os auditores em saúde, cujo trabalho não se esgota somente nos aspectos médicos, mas também contam com a colaboração de uma equipe cada dia mais numerosa. Enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, técnicos, administradores, estatísticos, atuários, epidemiologistas, economistas, advogados, gestores de pessoas integram seus conhecimentos na auditoria. 18


A Auditoria Médica como Instrumento de Responsabilidade Social

É nossa responsabilidade a ética. E a proteção da sociedade de procedimentos experimentais sem o reconhecimento do Conselho Federal de Medicina. A pesquisa, necessária ao progresso e às novas tecnologias, deve ater-se aos ditames das normas internacionais. Somos responsáveis pelos cuidados ao nascer. Neste aspecto tão delicado da vida, cabe-nos o árduo convencimento de todos sobre os benefícios do parto natural. Sem esquecer nunca dos profissionais médicos que prestam este atendimento. E sua digna remuneração, compatível com suas responsabilidades e capacitação técnica. Somos responsáveis em fornecer condições técnicas e teóricas para este profissional. Por vezes, simplesmente ignorado. Também responsáveis por melhorar as condições de trabalho e sua justa remuneração, porque somente com esta mudança atingiremos o respeito e a solidariedade de todos. A saúde coletiva também é nossa responsabilidade. Atuando no município, no Estado e na federação, os auditores são detentores de informações e ações que repercutem nos indicadores nacionais de saúde. Na saúde suplementar, em seus diversos modelos assistenciais, há a percepção de que avançamos muito. Novas fronteiras na saúde estão a exigir ações e a inovação do modelo de auditoria médica. Procedimentos internacionais são realidade. O “turismo” da saúde envolve maior número de pessoas a cada dia. O país mais rico do globo exporta pacientes para Tailândia, China, Índia e Brasil. Com cobertura para viagens com acompanhantes e hotéis de primeira linha para recuperação pósoperatória. As companhias seguradoras há muito perceberam a redução de custos com esta prática. Legislações mais frágeis, profissionais competentes tecnicamente, porém sem compromissos éticos, são o ambiente onde se realizam transplantes e outros tratamentos proibidos nos países de origem desses turistas pacientes. E a que custo social e humano? Infecções hospitalares, Aids, hepatites e todo tipo de riscos. Isto também é nossa responsabilidade social com o mundo. Inclusive com nossos semelhantes mais abastados economicamente. O mundo da imagem e do imediatismo consumista torna nosso país referência em cirurgias plásticas. Como também somos conhecidos por ter a mais alta taxa de partos cirúrgicos do planeta. Pasmem, alcançamos 90% em algumas operadoras de planos de saúde. Obviamente com reflexos em nossos indicadores de saúde. Isto também é responsabilidade social com as gerações futuras, melhorar as condições do nascimento. Finalmente, viveremos mais e com melhor qualidade. Certamente o homem encontrará o caminho certo. As soluções em saúde devem prever e contemplar nossos idosos. No Japão temos hoje mais de 30.000 pessoas com mais de cem anos. Estaremos preparados para absorver o impacto da assistência à saúde? 19


Fronteiras da Auditoria em Saúde

O caminho: • Aumento de honorários e respeito ao profissional de saúde. Pagando mais economizamos indiretamente. Valorizamos a relação médico-paciente, base para tudo. Permitimos melhor anamnese e exame clínico. Ou seja, melhoramos a consulta. O fator humano é reconhecido e produzimos dignidade para a relação. • Amenizamos a medicina defensiva. Economizamos nas solicitações de exames desnecessários e inclusive procedimentos acessórios para mascarar deficiências técnicas ou de formação acadêmica. O custo desta prática é muito alto e não melhora a assistência médica. Apenas há sensação de falsa segurança, quando o exame substitui o talento pessoal. • Relacionamento ético com a indústria farmacêutica e de equipamentos médicos. O conflito de interesses dos profissionais pode ensejar ações que desrespeitam os códigos aplicáveis. O necessário avanço tecnológico que permite fantásticas evoluções é contaminado pelo interesse meramente mercantil. É possível um caminho. • Conscientização da terminalidade da vida. Ortotanásia. Conhecimento e discernimento para orientar, ouvir, consolar. Maturidade para saber o que não podemos mudar. • Aceitar o novo, a mudança, os novos tempos. Os novos comportamentos dos médicos. Ajudar aos mais jovens com a experiência profissional. A medicina sempre será um aprendizado onde haverá ciência mesclada a experiências pessoais. • Jamais esquecer das necessidades do ser humano. Nos momentos de fragilidade e angústia. Objetivo de toda preocupação e esforço. • Ter ciência de que responsabilidade social deve ser uma atitude de vida. Humilde, anônima, altruísta. • Não necessitamos de ações fora de nosso conhecimento e experiência. Dentro de nossas decisões somos socialmente responsáveis. • Valor em saúde da população. Oferecer saúde integral e não apenas saúde curativa. • Cuidados crônicos aos que necessitam. Você também é responsável!

Referência 1. Stephen Kanitz. Os Dez Mandamentos da Responsabilidade Social. Disponível em: <http://www.kanitz.com>. Acesso em: 22/09/08.

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Dra. Maria Teresa Diniz Velloso Lodi – Graduada em Medicina no ano de 1981 – Formação médica nas especialidades de Cirurgia Geral, Ginecologia, Obstetrícia e Medicina Legal – Auditoria Médica há 15 anos atuando em várias empresas de Saúde Suplementar (seguradoras Bradesco e SulAmérica por empresas terceirizadas); Plano Médico Volkswagen (Autogestão) – Gerente de Auditoria Médica na Unimed Paulistana até dez/07 – MBA pela Strong – GV em 2005 – Em curso de MBA de Auditoria Médica pela Fundação Unimed – Premiada em 2º lugar no Conbrass em agosto de 2008 pelo trabalho “Auditoria de Qualidade” – Diretora da empresa de Consultoria Magara Auditoria e Assistência Médica Ltda. Agradecimento: Agradeço à Novartis Oncologia pela oportunidade de compartilhar idéias e dedico este trabalho aos meus amigos, médicos auditores que realmente se preocupam em fazer auditoria focada em qualidade.

Capítulo 2

Auditoria de Qualidade A auditoria médica é o foco do momento. E isso porque concluímos que o atual modelo de saúde não remunera os profissionais da saúde de maneira adequada, nem aos prestadores de serviços médicos, o que resulta em contratos com taxas absurdas para compensar as diferenças de custos pelas diversas crises econômicas brasileiras. Mesmo com a estabilização da economia com o Plano Real, ainda existem as cobranças de taxas na comercialização de materiais e medicamentos muito acima dos índices inflacionários. Será que não é hora de revermos esse relacionamento com prestadores pagando por qualidade e não mais por quantidade? Será que não é hora de qualificarmos nossos prestadores com satisfação do usuário de saúde suplementar, que muito reclama da baixa qualidade do atendimento e dos valores das mensalidades? O controle na avaliação da qualidade da assistência médica não é novidade: surgiu no início do século XX nos Estados Unidos com treinamento médico e aparelhamento de hospitais, e disponibilizando as informações através de bancos de dados. No Brasil, as mudanças ocorreram na década de 60, com o término das Caixas de Previdência e início do INPS, com a Universalização da Assistência à Saúde. O Decreto-Lei criou o seguro-saúde e os planos de saúde privados para serem comercializados, como opção ao serviço público. 21


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Nos últimos dez anos, o cenário da saúde no Brasil também mudou. Houve estabilização econômica, criou-se a Agência Nacional (ANS) como órgão regulador das empresas de saúde suplementar, bem como do relacionamento dessas empresas com seus prestadores. E o grande avanço no direito dos cidadãos na relação de prestação de serviços foi a criação de Código do Consumidor, que definiu regras nos contratos e nos direitos individuais. Porém, também surgiram outros problemas que muitas vezes tornam inviáveis a saúde financeira das empresas de saúde suplementar, bem como a saúde pública: ambas buscam soluções para problemas comuns. A Medicina é a única área onde a implantação de novas tecnologias aumenta custos ao invés de diminuí-los. Um dos problemas de impacto nos custos é a Judicialização da Medicina, onde a prestação de serviços muitas vezes não contratada pelas empresas é por arbitrado e paga por ordem judicial. Também a chegada de novos medicamentos no mercado, principalmente os oncológicos, que nem sempre aumentam a sobrevida do paciente, mas têm um custo muito maior e podem causar desequilíbrio financeiro nas empresas de qualquer porte, porém com mais intensidade nas pequenas. A Saúde Pública sofre as mesmos dificuldades, muitas vezes sendo obrigada por liminares a oferecer a um só paciente o que poderia ser gasto com centenas de pessoas num programa de vacinação ou prevenção de doenças! Como gerenciar tantos problemas? Será que esse modelo de auditoria que analisa contas, glosa agulhas, gazes e seringas, e investe numa auditoria de campo onde os sinistros já ocorreram quando o auditor chega ao prestador sem que nada se possa fazer está adequado? Será que não é o momento de mudar a maneira de remunerar os prestadores por qualidade (Pay for Performance) ao invés de quantidade (Fee for Service). Será que a auditoria não pode ser um avaliador de qualidade dos prestadores, educando e ajudando nos processos, obtendo informações que qualificam ou não um prestador? O modelo atual com certeza está esgotado, o que gera desconfiança por parte das empresas, dos prestadores e dos usuários, que sempre acham que pagam muito por um serviço muitas vezes inadequado. O foco deve ser no valor e não nos custos, como sugere Michael Porter em seu livro Repensando a Saúde. A procura de soluções para melhorar a qualidade sem aumento de custos ou com controle dos mesmos, fidelizando o cliente pela satisfação, é o objetivo de todo gestor da área de saúde. A auditoria deverá ser proativa, evitando que as situações inadequadas ocorram, trabalhando junto ao prestador, saneando e corrigindo falhas que geram descontentamento do usuário. Muda-se a concepção de auditoria punitiva e passamos a ter auditoria de qualidade. E como avaliar cada prestador para remunerá-lo melhor? Através de um questionário de desempenho, que será ferramenta de análise feita pelo auditor que visita o hospital, também pelo auditor de contas. Aliás, o auditor também deverá ser qualificado por critérios de qualidade: experiência médica e remuneração digna para que possa focar seu trabalho em um ou dois hospitais somente, não sendo apenas “um emprego a mais”. 22


Auditoria de Qualidade

Esse questionário deverá analisar prontuários por amostragem num período de pelo menos três meses. Após esse período já é possível traçar o perfil do prestador, tendo ferramentas para negociações comerciais ou gerenciais. Alguns itens analisados: • Identificação do usuário: se esta está correta, constando as informações necessárias para identificação do mesmo junto à empresa. • História clínica: quadro clínico, antecedentes pessoais, medicação, se a internação foi eletiva ou de urgência. • Clareza nas informações, com letras legíveis nas evoluções e prescrições. • Prontuário fácil de ser manuseado com as prescrições médicas, de enfermagem, evoluções, laudos anexados, tudo dentro de uma ordem cronológica. • Assinatura e carimbo do médico assistente, bem como de todos os profissionais envolvidos. • Conduta médica: se dentro da ética e de bom exercício da Medicina. • Indicações de exames: se em quantidade adequada e não dentro de “exames de rotina”. • Permanência de pacientes em UTI ou Semi-Intensiva dentro das reais justificativas e não por falta de acomodação em outro local. • Pertinência de pacientes de longa permanência que podem ser desospitalizados para Home Care ou Hospital de Retaguarda. • Problemas com o Corpo Clínico, seja médico ou de enfermagem. • Uso de antibióticos de última geração de maneira excessiva ou que não sigam as regras da CCIH. • Falta de protocolos para utilização de medicamentos de última geração. • Prematuros e incidência de neonatos que necessitem de UTI e Semi-Intensiva ao nascer. • Procedimento realizado com descrição cirúrgica clara, legível, nome dos participantes e seus CRMs. • Uso de medicamentos genéricos. • Uso de OPME com seus registros da ANVISA e fornecedores previamente cadastrados. • Apresentação da conta, tempo para análise, dificuldades nas negociações. 23


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Com essas informações (e outras que podem ser acrescentadas) podemos ter os dados necessários para monitorar pacientes crônicos como diabéticos, hipertensos e portadores de DPOC, e incluí-los em programas de saúde, com acompanhamento de enfermagem, evitando as internações de repetição. Além disso, temos as informações da qualidade oferecida de cada prestador, o que pode resultar em melhor negociação comercial. Com essas informações sobre os prestadores temos melhoria na qualidade de atendimentos com fidelização dos usuários que, conforme o cenário atual, temos somente migração de um plano para outro quando aumenta a sinistralidade, sem substancial aumento no número de vidas. Como absorver o impacto de novas tecnologias, procedimentos e medicamentos que chegam diariamente nas solicitações médicas? Novamente a auditoria de qualidade deverá ter médicos consultores em todas as especialidades, além daqueles que desenvolvem protocolos, pesquisas dentro da área de Farmacoeconomia e Medicina Baseada em Evidência, dando suporte para todas as áreas da empresa, como por exemplo o Departamento Comercial, que necessita das informações de novas tecnologias para negociação com os prestadores (e não quando o paciente já está no hospital para a realização do exame), o que pode gerar até liminares. Esse mesmo grupo de auditores também dará informação técnica para o Departamento Jurídico, que poderá ser mais bem assistido se houver médicos com formação jurídica. A grande dificuldade dos juízes, que são leigos, é entender a real necessidade de uma solicitação de liminar por negativa ou necessidade de algum procedimento, medicamento ou material que incorra em risco de vida para o paciente. Para isso temos que ter as informações técnicas para respaldar o Departamento Jurídico que o objeto da solicitação pode ser lesivo ao paciente. Não se deve focar o custo e sim o dano, que muitas vezes procedimentos experimentais, medicamentos “off label” ou fora do rol da ANS podem causar. E como fazer com os medicamentos de alto custo, quimioterápicos orais, órteses, próteses? Para esses, são fundamentais os protocolos e novamente nossa monitorização de pacientes crônicos através da auditoria dos prestadores. Temos que analisar o que é melhor para o paciente e ao mesmo tempo é bom para a empresa. Se temos medicamentos com o mesmo resultado na questão de sobrevida, o que é melhor: mantê-lo internado com quimioterapia tradicional e com mais efeitos colaterais, ou medicá-lo com quimioterapia oral, sem internação e com acompanhamento domiciliar? Essa é uma análise de farmacoeconomia, porém só com informações sobre nossos usuários e prestadores pode-se fazer essa avaliação. A Medicina Baseada em Evidência é mais uma ferramenta que pode ser utilizada quando houver uma indicação de material ou medicamentos que possam gerar questionamentos. O difícil equilíbrio entre o usuário dos planos de saúde e as empresas só pode ocorrer com eficiente gestão das operações básicas, desenvolvendo estratégias para manter a qualidade e a saúde financeira das empresas. Os gestores devem 24


Auditoria de Qualidade

pensar nas suas empresas como promotoras da saúde e não custeadoras da doença. É quebrar paradigmas! A auditoria médica é ferramenta fundamental na coleta de informações, análise de liberações, estudo da pertinência de novas tecnologias e seu impacto no custo da empresa, no fornecimento de dados para todos os setores (Comercial, Marketing, Jurídico e outros) e principalmente no controle de qualidade das empresas de saúde suplementar.

Referências 1. Porter ME. 2007 - Repensando a Saúde - Estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. 2. Junqueira WNG. Auditoria médica em perspectiva: presente e futuro de uma nova especialidade. Criciúma: Edição do Autor, 2001. 3. Krohn e Broffman. Utilization management in a mixed payment environment. Health Financial Management 1998;52(2):64-7. 4. Kobus LSG. Dados Essenciais para Auditoria de Contas Médicas Hospitalares: Experiência em Curitiba-PR. Enfermeira Auditora. Mestranda do Programa de PósGraduação em Tecnologia em Saúde da PUC-PR. 5. Lorvedos A. Auditoria e análise de contas médicas-hospitalares. São Paulo: STS,1999.

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Fronteiras da Auditoria em SaĂşde

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Dr. Otávio Augusto Câmara Clark – – – –

Médico Oncologista Especialista em Auditoria Médica e Medicina Baseada em Evidências Autor de vários estudos originais publicados no Brasil e no exterior Coordenador da Evidências Consultoria

Agradecimento:

Agradeço à Dra. Luciana Clark, minha esposa e inspiração, sem a qual este trabalho não teria sido possível. Agradeço a toda a equipe Evidências pelo ambiente criativo, honesto e camarada que desenvolvemos em nosso trabalho. À Viviane Gonçalves, da Novartis Oncologia, pelo pioneirismo em acreditar na importância da Medicina Baseada em Evidências.

Capítulo 3

Medicina Baseada em Evidências para Auditores O problema dos custos crescentes em saúde A preocupação com a elevação de gastos em saúde é um tópico global. Nos Estados Unidos, nos últimos 35 anos, a taxa anual de gastos com a saúde cresceu a um ritmo de 9,8%, cerca de dois e meio pontos percentuais mais rápido do que o crescimento econômico do país, passando de 75 bilhões em 1970 para 2 trilhões de dólares em 2005. A previsão é que estes valores cheguem a 4 trilhões em 2015.(1) Os dados do grupo estatístico do National Health Institute mostram que o gasto per capita deverá passar dos atuais seis mil para 12 mil dólares anuais em 2015. A incorporação acelerada de novas drogas, tecnologias e procedimentos médicos ao rol atual dos planos de saúde vem na contramão das tentativas de racionalização de gastos. O uso freqüente e indiscriminado destas novas tecnologias, estimulado pela mídia e pela indústria, mesmo sem o embasamento científico adequado, tem impacto financeiro cada vez mais importante.(2,3) Uma nova tecnologia pode influenciar os gastos em saúde de várias formas: com o surgimento de novos tratamentos para condições antes consideradas terminais (drogas para Aids), avanço no tratamento de doenças agudas (stents 27


Fronteiras da Auditoria em Saúde

para angioplastia), surgimento de novas descobertas para quadros secundários a outras doenças (fatores de crescimento para neutropenia pós-quimioterapia), ampliação de indicações de um tratamento (anticorpos monoclonais em oncologia), entre outros.(4) Várias questões devem ser examinadas para se determinar se um novo procedimento vai aumentar ou diminuir os gastos. • Qual o custo da sua aplicação para um indivíduo? • Este procedimento complementa outro ou o substitui? • Quantas vezes o indivíduo fará uso dessa tecnologia? • Sua aplicação pode se estender à população em geral?

As dificuldades em avaliar novas tecnologias em saúde Apenas a experiência pessoal do médico, ou mesmo estudos isolados não podem por vezes determinar o grau de benefício conferido por uma nova tecnologia. Muitas vezes é preciso uma visão mais global e somente revisões sistemáticas podem trazer estas respostas, mas é imprescindível separar os tratamentos que realmente trazem benefícios daqueles que apenas aumentam os custos. Um fator complicador e limitante neste quadro é a falta de análises econômicas de custo-efetividade para muitas destas novas tecnologias.(5) A metodologia utilizada pelos gestores e auditores durante o processo de incorporação de novas tecnologias é variável, na maioria das vezes não sistematizada e suscetível a opiniões de experts. Um estudo avaliou este processo e detectou que a opinião de experts era utilizada como fator decisório muito mais vezes do que seria recomendado e 42% dos médicos avaliados consideravam que revisões discursivas eram consideradas as melhores evidências na tomada de decisão.(6) No entanto, estudos já demonstraram que revisões discursivas estão repletas de inconsistências e não devem ser tomadas como base para decisão de condutas médicas.(7) Para resolver essa difícil equação, a aplicação das técnicas de Medicina Baseada em Evidências (MBE) torna-se indispensável para um melhor gerenciamento dos programas de assistência à saúde. O quadro se torna ainda mais sério quando se analisa que grande parte destas novas tecnologias tem um custo mais alto e são menos efetivas do que o tratamento já estabelecido. Atualmente há grandes dificuldades em se diferenciar procedimentos médicos apoiados em informações científicas sólidas daqueles que ainda carecem de maior investigação. 28


Medicina Baseada em Evidências para Auditores

O papel da Medicina Baseada em Evidências (MBE) nestas avaliações Por definição, a Medicina Baseada em Evidências (MBE) é a integração da melhor evidência científica com a experiência clínica e os desejos individuais do paciente. Vamos dissecar cada parte da tríade: • Evidência é a pesquisa clinicamente relevante, especialmente aquelas centradas em pacientes e que prezam pela acurácia e precisão de testes diagnósticos, o poder de marcadores prognósticos e a eficácia e segurança de procedimentos terapêuticos e preventivos. • Experiência clínica é a capacidade de colocar em prática habilidades clínicas e experiências anteriores para identificar rapidamente o estado de saúde de cada paciente, seu diagnóstico, seus riscos individuais e os benefícios de intervenções potenciais. • Desejos do paciente incluem o nosso entendimento e reconhecimento da individualidade de cada ser humano, com as preferências e expectativas únicas que ele traz para a consulta médica e que devem ser integradas e respeitadas numa decisão clínica. A MBE possui ferramentas especializadas que aliadas aos sistemas de informação permitem aos médicos e operadoras de saúde: • • • •

Realizar um diagnóstico preciso da realidade do setor Determinar as prioridades de ação Incorporar racionalmente as novas tecnologias Aprimorar a relação custo-benefício

A MBE auxilia as operadoras a trabalhar nas esferas ética, legal e comercial de modo equilibrado. Legalmente é preciso determinar, com base na lei 9.656/98 e no rol de procedimentos obrigatórios, quais procedimentos devem ou não ter cobertura contratual. Eticamente, o objetivo é oferecer aos pacientes cuidados ótimos em saúde, evitando sua exposição a procedimentos danosos ou de efetividade questionável. Dados de pesquisa mostram que protocolos baseados em evidência têm melhor qualidade do que aqueles baseados em consenso(8) e pacientes submetidos aos cuidados de protocolos baseados em evidências evoluem de maneira mais favorável.(9) Comercialmente, é fundamental que o plano de saúde se mantenha na vanguarda do mercado e ferramentas de qualidade e acreditação podem e devem ser exploradas como estratégia de marketing. Através de mecanismos de MBE e avaliações da qualidade da informação científica já existente é possível separar as práticas médicas que devem ser aplicadas daquelas que devem ser consideradas experimentais. 29


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Estes instrumentos são suficientemente claros para que análises imparciais possam ser elaboradas, sem interferências de interesses pessoais ou econômicos. A metodologia sistemática é capaz, portanto, de garantir tranqüilidade legal e ética, tanto para a operadora como para os pacientes e os médicos.

Como funciona a MBE A MBE constrói suas conclusões através de um processo de múltiplos passos. Primeiro selecionamos a tecnologia a ser avaliada (pode ser um medicamento de alto custo, material cirúrgico, procedimento diagnóstico, exames, órteses, próteses, etc.). Em seguida é realizada uma pesquisa sistemática em bancos de dados nacionais e internacionais, na qual recuperamos estudos científicos da melhor qualidade sobre o tema. Os dados são então analisados, tabelados, compilados e comparados com políticas de saúde de vários órgãos mundialmente. A partir desse trabalho é escrito um parecer que relata se existem ou não bases científicas para o uso daquela nova tecnologia e, se factível, se ela é superior a outras opções já disponíveis no mercado. Sempre que possível, avaliamos também os aspectos de custo-efetividade. Todas as recomendações feitas ao final da pesquisa são claras e precisas, para facilitar o trabalho da equipe de auditoria do cliente. A pesquisa pode também resultar na criação de um filtro inteligente, isto é, um algoritmo que permite a incorporação destas informações no sistema de gerenciamento de guias do cliente, permitindo assim a liberação ou negativa do pedido de forma automática.

Exemplo prático Há algum tempo, o uso de stents farmacológicos intracoronarianos foi uma verdadeira febre em nosso meio, com custos altíssimos. Um stent recoberto custa algumas vezes mais que o não recoberto e deveria oferecer vantagens reais aos pacientes. Os estudos randomizados existentes nunca demonstraram benefício clínico – que é redução de mortalidade, ou no caso específico, diminuição dos índices de reinfarto. Os vários estudos randomizados que diziam haver benefício dos stents farmacológicos sobre os convencionais o diziam com base em uma análise de um end point composto, chamado MACE, que era a ocorrência de “eventos cardíacos importantes”. O grande problema é que entre estes “eventos importantes” se incluiu a análise de reoclusão de coronária vista durante angiografias que foram feitas de forma seriada, coisa distante da prática diária. O uso destas angiografias causa reflexo oculoestenótico, que termina aparecendo como obstrução de coronárias quando não é. 30


Medicina Baseada em Evidências para Auditores

Várias revisões sistemáticas mostram que os stents recobertos e os de metal são equivalentes. Uma delas(10) conclui pela equivalência entre estes e fez diversas análises com os mesmos dados, usando vários subgrupos e características dos estudos. Em apenas uma destas houve alguma diferença e apenas no risco de reinfarto. Mesmo que se aceite este dado (que está longe de ser verdadeiro) teriam que se tratar 100 pacientes para que um se beneficiasse, o que traz um custo de mais de um milhão de reais para se evitar um evento, nível muito acima do aceitável. Tivemos a oportunidade de fazer e atualizar uma avaliação de tecnologia sobre este tema várias vezes. Atualmente estamos na 4ª edição, sendo a primeira de 2002. Sob a ótica da MBE, o benefício dos stents recobertos nunca foi demonstrado. Muito foi gasto de forma desnecessária, o que poderia ser evitado, caso desde o começo tivessem sido utilizadas técnicas como as descritas aqui.

Conclusão As ferramentas de Medicina Baseada em Evidências e todo benefício que advém de sua aplicação ainda são desconhecidas de grande parte dos gestores de saúde do país. Com os custos crescentes, descritos ao início deste capítulo e também o cenário de desperdícios que predomina na saúde nacional, a Medicina Baseada em Evidências é um trunfo a ser empregado e que certamente trará inúmeras vantagens.

Referências 1. National Health Statistics Group. NHE Historical and projections: NHS; 2005 Contract No.: Document Number|. 2. Wallner PE, Konski A. The impact of technology on health care cost and policy development. Semin Radiat Oncol. 2008 Jul;18(3):194-200. 3. Sheingold SH. Technology assessment, coverage decisions, and conflict: the role of guidelines. Am J Manag Care. 1998 Sep 25;4 Spec No:SP117-25. 4. Rettig R. Medical innovation duels cost containment. Health Affairs. 1994(15). 5. Williams I, McIver S, Moore D, Bryan S. The use of economic evaluations in NHS decision-making: a review and empirical investigation. Health Technol Assess. 2008 Apr;12(7):iii, ix-x, 1-175. 6. Steiner CA, Powe NR, Anderson GF, Das A. The review process used by US health care plans to evaluate new medical technology for coverage. J Gen Intern Med. 1996 May;11(5):294-302. 7. McAlister FA, Clark HD, van Walraven C, Straus SE, Lawson FM, Moher D, et al. The medical review article revisited: has the science improved? Ann Intern Med. 1999 Dec 21;131(12):947-51. 8. Cruse H, Winiarek M, Marshburn J, Clark O, Djulbegovic B. Quality and methods of developing practice guidelines. BMC Health Serv Res. 2002;2(1):1.

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Fronteiras da Auditoria em SaĂşde

9. Hebert-Croteau N, Brisson J, Latreille J, Rivard M, Abdelaziz N, Martin G. Compliance with consensus recommendations for systemic therapy is associated with improved survival of women with node-negative breast cancer. J Clin Oncol. 2004 Sep 15;22(18):3685-93. 10. Stettler C, Wandel S, Allemann S, Kastrati A, Morice MC, Schomig A, et al. Outcomes associated with drug-eluting and bare-metal stents: a collaborative network meta-analysis. Lancet. 2007 Sep 15;370(9591):937-48.

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Nelson Teich – – – – –

Residência em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional do Câncer MBA em Gestão de Saúde pelo COPPEAD MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC-RJ Economia da Saúde pela Escola Européia de Economia da Saúde Pós-graduação em Economia da Saúde pela Universidade de York, Reino Unido – Membro do Board Editorial do periódico The American Journal of Medical Quality

Capítulo 4

Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria Economia da Saúde – Entendendo um pouco melhor a saúde Economia da Saúde e Cuidados em Saúde Nas últimas décadas o número de novos métodos de diagnóstico e tratamento cresceu exponencialmente, levando a um aumento dos custos muito acima do crescimento das economias mundiais. A percepção pela maioria das pessoas de que o aumento dos cuidados em saúde está diretamente e proporcionalmente relacionado com os ganhos em saúde, faz com que exista uma enorme demanda por cuidados em saúde. Essa relação infelizmente não é real, e existem inúmeros outros fatores que podem estar relacionados com o nível de saúde de uma pessoa e de uma população, como educação, hábitos de vida, fatores genéticos, fatores ambientais, saneamento e nível de remuneração. Estudos na década de 80 sugerem que os ganhos em saúde decorrentes dos cuidados em saúde foram pequenos. Esses estudos não são recentes e avaliaram principalmente doenças infecciosas como tuberculose, sarampo e diarréias. Talvez com a mudança do perfil das doenças, com uma prevalência cada vez maior das doenças crônicas, os cuidados em saúde possam assumir um papel mais significativo na geração de saúde. Estudos realizados na última década, já abordando as doenças crônicas, continuam não evidenciando um papel significativo dos cuidados em saúde na geração de saúde das populações. 33


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Vamos tentar fazer uma correlação entre a saúde e uma outra atividade do dia a dia em que a segurança e a performance de alta qualidade técnica são essenciais: a aviação. Em 2007, tivemos dois acidentes graves no Brasil, um envolvendo a Gol e outro a TAM. Esses acidentes geraram uma crise na aviação, com enormes manifestações e reavaliações do sistema de controle aéreo. Para podermos tentar traçar um paralelo entre as duas atividades, vamos usar os dados que foram publicados em 2000 nos Estados Unidos, em um livro do Instituto de Medicina, que mostrou que o número de mortes em hospitais por erros médicos poderia estar entre 44000 e 98000. Usando o menor número e imaginando que um número similar de mortes por erro médico ocorreria em todo o resto do mundo, teríamos um número de 88000 mortes por ano no mundo, em hospitais, por erros médicos. Se dividirmos o número de mortes em hospitais pelo número de pessoas que morreram no acidente da TAM, 187, chegamos a um número de 470. Esse número seria o número de acidentes em um ano. Isso significa que teríamos pelo menos uma queda de avião por dia, com a morte de todos os passageiros. Certamente a aviação jamais seria a indústria que é se esses números fossem reais. Talvez estejamos correndo esse nível de risco na saúde, sem ter a menor idéia do que acontece. O estudo do Instituto de Medicina foi criticado, pois alguns pacientes já seriam graves e com uma expectativa de vida muito pequena, mas qualquer que seja a correção a ser feita, o número ainda fica totalmente inaceitável. Tabela 1 Comparando Saúde e Aviação Mortes em Hospitais Americanos por erro médico

44000

Mortes em Hospitais em outras partes do mundo por erro médico

44000

Mortes fora dos Hospitais

0

Total de Mortes

88000

Mortes no acidente da TAM

187

Mortes por erros médicos divididas pelo número de mortos no acidente

470

Freqüência de Acidentes Aéreos

1,28 por dia

Apesar de lidar muito com números, a Economia é essencialmente uma ciência social e não uma ciência financeira. Procura-se entender, sem julgamento de valor, a essência dos problemas, do comportamento e dos incentivos que levam as decisões dos players envolvidos nesse sistema. Com essa análise é possível avaliar como dinheiro e tempo estão sendo alocados, os reais motivos das decisões em saúde, e quais os resultados decorrentes dessa alocação para as pessoas e para a sociedade. 34


Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria

Farmacoeconomia versus Economia da Saúde O termo farmacoeconomia, embora comumente usado em documentos de política pública e na literatura médica e científica, talvez não seja o termo mais apropriado para descrever essa ciência que estuda e discute a melhor forma de alocação dos recursos escassos da saúde. O grande crescimento dos estudos econômicos em saúde se deveu a necessidade cada vez maior de avaliar medicamentos que traziam benefícios adicionais muito pequenos com custos incrementais extremamente elevados. Com o grande foco na avaliação dos medicamentos, o termo farmacoeconomia tomou força e acabou se tornando uma referência para estudos econômicos em saúde. Entretanto, por entender que a avaliação da incorporação das novas tecnologias deve ir muito além da avaliação de medicamentos e pelo fato de ser preciso abordar a saúde de uma forma muito mais ampla, levando em consideração questões como eficiência e eqüidade do sistema como um todo, o uso do termo Economia da Saúde traduz de forma adequada o escopo e o contexto dessa ciência e das avaliações tecnológicas. Como anteriormente dito, a Economia é uma ciência que estuda as escolhas sobre a alocação de recursos escassos. Ela pode nos ajudar a entender como e porque os recursos são alocados nas diferentes atividades, quais os racionais que levaram a tais alocações e como elas deveriam ter sido feitas de forma a maximizar os benefícios para as pessoas e para a sociedade com os recursos disponíveis.

Conceitos Importantes em Economia da Saúde Em economia muito se usa o conceito de “Custo de Oportunidade”, que significa a próxima melhor alternativa que somos obrigados a abrir mão pelo fato de estarmos usando os recursos naquela opção que fizemos. Um exemplo seria quantos programas de vacinação estariam sendo deixados de lado quando optamos por investir no tratamento de pacientes com mais de 90 anos, com Doença de Alzheimer, que são internados em um CTI, por insuficiência respiratória secundaria a broncoaspiração. Normalmente o que acontece é que não conseguimos perceber, avaliar ou mensurar o que, e o quanto estamos deixando de fazer, em função de uma decisão inadequada sobre a alocação de recursos em saúde. Em serviços públicos por exemplo, as liminares levam a gastos não programados que consomem recursos que estariam alocados para programas que gerariam muito mais saúde para a população como um todo. Como é muito difícil fazer um planejamento preciso, provavelmente não se consegue nem mesmo decidir ou saber qual programa ou parte da população está sendo sacrificado. É provável que muitas vezes nem se consiga projetar a magnitude da perda para a sociedade, que acontece com o uso não planejado e ineficiente dos recursos. Quando estendemos esse raciocínio para fora da área de saúde, vamos discutir o quanto estamos perdendo como sociedade, ao deixar de investir em educação, por escolher o financiamento de procedimentos em saúde com 35


Fronteiras da Auditoria em Saúde

mínima capacidade de gerar benefícios. Imagina-se que tal tipo de ineficiência aconteça de forma significativa na gestão dos recursos financeiros públicos. Eficiência Técnica é um outro conceito econômico importante, que representa a nossa capacidade de produzir o máximo possível com os recursos disponíveis. A ineficiência técnica pode estar associada a uma série de fatores como o desconhecimento técnico, corrupção, falta de planejamento e falta de informação. O gráfico 1 nos apresenta o conceito da Fronteira da Possibilidade de Produção, um importante modelo em economia:

Gráfico 1

Vamos supor que o governo tem um orçamento fechado para alocar em saúde e educação. Partindo do princípio de que existe eficiência técnica, quanto mais gente for contratada para um setor, maior será o nível de produção nesse setor. O gráfico 1 mostra a quantidade de saúde que pode ser produzida para uma determinada produção em educação. A Fronteira da Possibilidade de Produção mostra, para um recurso limitado (no caso podemos imaginar o orçamento), assumindo a produção máxima possível com o conhecimento tecnológico disponível, a quantidade máxima de saúde que pode ser gerada quando uma quantidade especificada de educação também é produzida. Esse 36


Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria

gráfico mostra o trade-off entre as opções, onde assumindo uma produção eficiente, só podemos aumentar a produção em saúde reduzindo a produção em educação. Essa situação reflete o conceito de custo de oportunidade anteriormente mencionado. Supondo que todo o orçamento do governo é gasto para contratar professores e que não existe qualquer desperdício de recursos, é possível produzir uma quantidade de educação representada pelo ponto B do Gráfico 1. Essa seria a quantidade máxima de educação que poderia ser produzida com o orçamento disponível. Agora vamos assumir que todo o orçamento é empregado na contratação de profissionais de saúde e não existe desperdício de recursos. É possível produzir no ponto A do gráfico 1, que representa a quantidade máxima de saúde que pode ser produzida com o orçamento existente. É improvável que o governo opte por alocar os recursos de forma a produzir apenas educação ou saúde, certamente o que aconteceria seria alocar uma certa proporção dos recursos para cada setor, idealmente com base nas preferências da sociedade. A curva que une os pontos A e B no gráfico 1 representa as produções máximas de saúde e educação que poderiam ser geradas com base na proporção de alocação de recursos. Pontos que repousam na linha AB, como o ponto Z, são ditos como representando uma produção tecnicamente eficiente. Pontos fora da curva, para dentro do gráfico, representam pontos tecnicamente ineficientes, onde o uso inadequado de recursos leva a perdas na produção de um ou ambos os setores. O ponto “w” seria um ponto de produção inalcançável, pois não existiriam recursos financeiros suficientes para tal nível de produção. Ainda no gráfico 1, para exemplificar a ineficiência no uso de recursos, podemos ver que o ponto “x” corresponde a um nível de produção abaixo do que seria possível com os recursos disponíveis (produção máxima representada pelos pontos que constroem a curva AB) e isso seria o mesmo que produzir sobre a curva CD. Trabalhando com essa curva de menor eficiência vemos que para manter a produção de saúde em um nível correspondente ao valor “a” de saúde, em vez de produzirmos uma quantidade “b” de educação, estaríamos produzindo uma quantidade “c”. A diferença entre “b” e “c” seria a perda de geração de educação decorrente do uso ineficaz dos recursos. Outro conceito econômico bastante importante é o do Retorno Decrescente a um Fator de Produção. Trazendo esse conceito para exemplos do dia-a-dia, quanto mais temos de alguma coisa, menor valor atribuímos a um ganho adicional. Se oferecermos mil reais para uma pessoa que ganha salário mínimo, o benefício percebido será muito alto, se oferecermos os mesmos mil reais para o Bill Gates, a utilidade percebida desse valor financeiro adicional será praticamente nenhuma. Transportando esse conceito para o tratamento médico, poderíamos usar como exemplo um paciente com neoplasia avançada. 37


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Partindo do ponto zero, se investíssemos a em cuidados em saúde, obteríamos b em saúde. Isso poderia representar o investimento em uma comunidade com alta incidência de diarréia e conseqüente alta mortalidade infantil. Vamos avaliar agora um cenário partindo do ponto c, que representa uma pessoa com neoplasia metastática, em fase avançada, que já fez vários tratamentos quimioterápicos. Se investirmos no tratamento dessa pessoa uma quantidade de cuidados em saúde representada pela distância c – e, obteríamos um ganho em saúde representado pela distância d – f. Se imaginarmos um gestor público, com orçamento limitado, sem recursos necessários para investir simultaneamente nos dois programas acima mencionados, é difícil aceitar que possamos alocar uma parte significativa dos mesmos no tratamento do paciente oncológico. No setor da saúde suplementar essa situação é teoricamente diferente, pois como o prêmio poderia ser ajustado de acordo com a sinistralidade, estaríamos falando de um orçamento flexível, que seria aumentado através de um reajuste dos prêmios, viabilizando o tratamento de ambas as doenças, com as melhores e mais modernas tecnologias, sem ser necessário fazer uma escolha sobre qual população deveria ser tratada. Na prática sabemos que essa possibilidade de correção dos prêmios não é real, não só pelo controle dos preços pelo governo, mas também pela própria força do mercado, onde reajustes elevados podem levar a transferência para outras operadoras ou a redução do número de segurados. O gráfico 2 representa graficamente esse conceito:

Gráfico 2

38


Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria

O gráfico 3 mostra o que pode estar acontecendo na indústria da saúde, quando a partir de um certo ponto, cuidados adicionais em saúde, mesmo que com crescimento exponencial, não levam a ganhos em saúde. Eqüidade é um conceito extremamente importante para aqueles que tomam decisões em saúde que envolvem populações. Eqüidade e Igualdade são conceitos diferentes. Seguem as descrições: Eqüidade horizontal: representa o tratamento igual para pessoas que são iguais em aspectos relevantes. Exemplo quanto ao financiamento da saúde seria que pessoas com os mesmos salários deveriam pagar o mesmo valor pelos cuidados em saúde. Em relação ao uso de cuidados em saúde, aqueles com as mesmas necessidades de saúde deveriam receber a mesma quantidade de cuidados em saúde. Eqüidade vertical: trata do tratamento desigual de pessoas que são desiguais em aspectos relevantes. Pessoas com salários maiores deveriam pagar mais pelos cuidados em saúde. Pessoas com maiores necessidades de saúde deveriam receber maior quantidade de cuidados em saúde. Uma grande dificuldade para todo gestor em saúde é equilibrar eficiência e eqüidade. Uma pessoa idosa, com Doença de Alzheimer, internada por quadro infeccioso grave, tem uma grande necessidade de cuidados em saúde, mas a alocação proporcional de cuidados em saúde para essa pessoa pode restringir o uso desse recurso para crianças previamente saudáveis, com diarréia bacteriana, que teriam uma necessidade de recursos menor para o tratamento, mas com expectativas futuras completamente diferentes.

Gráfico 3

39


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Torturando os números Um outro importante ponto na interpretação dos estudos é a diferenciação quanto a descrição dos benefícios ser feita de forma relativa ou absoluta. Vamos colocar uma situação hipotética de um medicamento que reduz a mortalidade de uma doença X em 66%. Com esse número dessa magnitude, é praticamente impossível não assumir que esse medicamento deva ser incorporado imediatamente. Mas vamos olhar os números de uma forma mais cuidadosa. Vamos supor uma doença que tem uma mortalidade de três pacientes em cada mil pessoas acometidas. O novo medicamento reduziria essa mortalidade para um paciente a cada mil acometidos, gerando o número previamente descrito, de uma redução na mortalidade em 66%, entretanto, o benefício absoluto é de apenas 0,2%. Estaríamos tratando mil pessoas para beneficiar duas. Seria essa uma forma adequada de usar o recurso financeiro, caso esse recurso tivesse que ser desviado de projetos que gerassem benefícios muito maiores? Certamente não.

Resultados estatisticamente significativos versus clinicamente significativos Uma outra característica dos estudos mais recentes, que incluem um grande número de pacientes, é que cada vez mais vemos resultados que mostram diferenças estatisticamente significativas, porém resultam em benefícios clínicos que não são significativos. É fundamental que o médico atente para essa situação, pois a capacidade de enxergar a verdade por traz dos números é que permitirá que ele seja um intermediário ideal entre o avanço tecnológico e as pessoas que o procuram para orientação e tratamento. Outro ponto a ser realçado é o uso cada vez mais freqüente de desfechos intermediários nos estudos clínicos. Como exemplo podemos citar a oncologia, onde estudos que usam a sobrevida livre de progressão como desfecho primário, muitas vezes são suspensos precocemente após análises interinas, e posteriormente, com o cross over dos pacientes que estavam no braço controle, fica impossível definir o impacto real do tratamento na sobrevida global. Na grande totalidade desses estudos não acontece uma avaliação de qualidade de vida, impedindo também uma conclusão clara sobre o benefício para as pessoas de parâmetros como sobrevida livre de progressão.

Características da saúde que a diferenciam de outros setores da sociedade Em países como o Brasil, com uma atuação significativa da iniciativa privada no mercado da saúde hoje aproximadamente 46% dos gastos com saúde são originários da esfera pública (dados de 2005), muitas vezes a saúde tratada como um negócio, diferente do modelo existente em alguns países europeus, onde a saúde é tratada predominantemente como um direito das pessoas. Muitas vezes as discussões em saúde são conduzidas como se a proposta básica fosse de maximizar o retorno em saúde para as pessoas, mas na hora da tomada de decisão, 40


Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria

as decisões são tomadas com base na maximização do lucro. Quando falamos sobre isso logo imaginamos a indústria de medicamentos ou materiais, mas um exemplo importante de foco no lucro seria traduzido pelo conceito de Demanda Induzida pelo Prestador. Estamos falando de tratamentos clínicos questionáveis, cirurgias desnecessárias, exames solicitados em excesso, tecnologias usadas sem qualquer evidência científica de benefício, planos de saúde que sacrificam a qualidade para maximizar o lucro.

Idéias versus fatos Outro ponto a ser colocado é o uso freqüente na saúde das idéias como se fossem fatos confirmados. É comum assumir que o novo é melhor, sem uma comprovação científica clara da magnitude ou até mesmo da existência de algum benefício. Relações teóricas de causa e efeito são aceitas sem qualquer comprovação de que a idéia por traz do suposto racional é verdadeira. Quanto mais lógica parecer a idéia, mais fácil de ser incorporada sem comprovação científica adequada. Tudo isso fica ainda mais difícil quando reportamos resultados com base em números relativos. Tal forma de conduzir o sistema faz com que a evolução dos cuidados em saúde ocorra de forma desordenada e que necessite revisões regulares após períodos longos de uso de tecnologias que foram usadas baseadas em expectativas de benefício irreais. Cenário tão confuso é bastante propício para a geração de um modelo de negócios em saúde que não prioriza as pessoas, mas sim o lucro. Poderíamos citar a incorporação de exames de imagem sem uma comprovação clara do seu benefício, normalmente com uma expectativa exagerada em relação ao seu poder diagnóstico, o Pet Scan seria um exemplo. Quem vive a oncologia vai lembrar do uso do Transplante de Medula óssea para tratamento do câncer de mama. Uma situação atual, previamente colocada, que muito pode induzir a expectativas inadequadas é o uso dos desfechos intermediários como projeção dos benefícios de sobrevida global e qualidade de vida, sem que tenhamos na grande maioria dos estudos qualquer dado concreto que nos permita conhecer esses números. Um outro ponto a ser realçado é a transposição imediata dos resultados dos estudos prospectivos e randomizados controlados para a população geral. Sabemos que em tais estudos as populações são selecionadas e que nem sempre os resultados serão semelhantes quando o novo medicamento ou tecnologia for incorporado na prática médica. Estudos que envolvem qualidade de vida incorporam valores locais que nem sempre são semelhantes em diferentes países ou regiões.

Fonte pagadora x Prestador x Paciente A estrutura da saúde, seja pública ou privada, é baseada em um modelo onde aquele que paga pelos serviços não é aquele que recebe o benefício, e os que decidem sobre o uso dos recursos em saúde, prestador e usuário, não sofrem 41


Fronteiras da Auditoria em Saúde

perdas financeiras com o uso indevido dos recursos. Esse tipo de relação gera um grave problema na tomada de decisão quanto ao uso dos cuidados em saúde. Existem estratégias que podem minimizar esse efeito em relação aos usuários, como co-pagamento e co-participação, mas sua implementação não é simples por poder restringir o uso de cuidados necessários e por levar a uma piora dos níveis de eqüidade. O gráfico 4 é um modelo que reflete o mercado de saúde e seus pontos de equilíbrio dependendo do modelo adotado. Vamos usar como referência a Curva de Demanda D100*, que representa uma pessoa que tem que pagar 100% do valor do que gasta em saúde. A Curva de Demanda mostra que quanto menor o custo, mais se consome. Como exemplo poderíamos citar a consulta médica em consultório. Quanto mais cara (P2), menor o número de pessoas dispostas a pagar por ela (Q2). Se reduzirmos o preço da consulta para P1, vamos aumentar o número de pessoas dispostas a pagar por ela (Q1). Poderíamos representar graficamente da seguinte forma:

Gráfico 4

Vamos avaliar agora a curva de suprimento representada no gráfico 5. Mantendo o mesmo exemplo anterior, quanto maior o valor da consulta, maior será o incentivo para oferecer as consultas. Vamos imaginar que o valor P1 corresponde a um valor da consulta muito baixo, (região pobre do país ou remuneração baixa pela fonte pagadora), nesse caso o número de médicos dispostos a montar uma estrutura para atendimento seria Q1. Se fosse possível atender o mesmo número de pacientes com um valor da consulta maior (P2), o número de profissionais que se interessaria em prestar consultas em consultórios seria maior (Q2). * 100% do custo da consulta fica a cargo do paciente.

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Gráfico 5

No gráfico 6, juntando as duas curvas, vemos que o mercado tende a buscar um valor de consulta Pe que vai corresponder ao ponto de equilíbrio (e100), onde o número de pessoas dispostas a pagar pela consulta e o número de profissionais dispostos a prestar o serviço se equilibram.

Gráfico 6

Vamos ver agora o que acontece quando as pessoas podem ir a quantas consultas quiserem sem ter que pagar por elas. No gráfico 7 temos uma nova curva, a curva D0, que corresponde a cobertura total pela fonte pagadora (governo, operadora, etc.). Nesse caso, o usuário tende a usar o recurso de forma exagerada (Q0), pois independente do valor real da consulta, pago pela operadora ou governo ao profissional, não existe, quando da 43


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utilização do serviço, qualquer ônus financeiro para o usuário. Tal demanda,em um mercado não regulado, levaria a um ponto de equilíbrio e0 e só seria suprida caso o valor de remuneração para o profissional de saúde fosse muito elevado (P0). Esse valor de remuneração pelo serviço, em um mercado totalmente privado, teria um número muito pequeno de pessoas dispostas a pagar por ele (Q3). O exagero de uso pode ser exemplificado por situações como uma pessoa leva um filho para consulta e resolve fazer uma consulta não programada para os outros filhos, ou quando uma pessoa chega ao consultório e pede para o médico solicitar um check up completo sem que exista uma indicação clínica clara para realização de exames. A esse tipo de comportamento dá-se o nome de Moral Hazard (ex post). Podemos visualizar graficamente a diferença de consumo de cuidados em saúde entre os cenários com e sem cobertura pela operadora ou governo. No cenário em que a pessoa tem que arcar com todos os custos, o gasto em saúde seria representado pela área (0,Pe,e100,Qe) e o cenário com a cobertura de saúde seria representado pela área (0,P0,e0,Q0). Uma forma de controlar os custos em saúde é reduzir o valor da remuneração do prestador. A proposta de cobertura universal gera uma demanda muito grande por cuidados em saúde, mas um valor baixo de remuneração não incentiva o prestador a oferecer o serviço. Um exemplo dessa estratégia seria o baixo valor das APACs para cobertura do tratamento oncológico.

Gráfico 7

Formas de avaliação econômica em saúde Vamos abordar agora o que seria a avaliação econômica em saúde, focando em estudos que discutem a incorporação de novas tecnologias. Um conceito fundamental é que existe obrigatoriamente uma comparação entre duas intervenções, para as quais tanto custos quanto desfechos têm que 44


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ser avaliados. Podemos comparar dois diferentes medicamentos para uma mesma doença, comparar um tratamento cirúrgico com um tratamento com medicamentos, ou um novo tratamento cujo comparador envolve uso de placebo. Tal comentário pode parecer óbvio, mas na prática diária essa consciência da necessidade de abordar simultaneamente custos e desfechos não é clara. É muito comum ver fontes pagadoras discutindo os tratamentos e procedimentos com base apenas em dados de custos, sem qualquer menção aos diferentes desfechos decorrentes das diferentes intervenções. Não me refiro aos desfechos projetados pelos resultados dos estudos clínicos, mas aos desfechos no mundo real da população coberta, que deveriam ser conhecidos. Como saber o impacto real de uma intervenção, tratamento ou serviço se não avaliamos os desfechos? Mesmo quando desfechos clínicos são avaliados, poucas vezes temos uma informação precisa sobre o impacto das novas tecnologias sobre os resultados que são realmente importantes, como anos de vida salvos e/ou qualidade de vida. Cada vez mais vemos a utilização de desfechos intermediários, como sobrevida livre de progressão e índice de resposta, sendo usados como substitutos fiéis dos desfechos que realmente precisamos conhecer. Mesmo quando falamos de estudos de alta qualidade técnica, como os prospectivos, randomizados e triplos-cegos, não sabemos se os dados de uma população selecionada se aplicam a uma população de mundo real. Faltam estudos com a complexidade exigida, falta informação. Como comentamos anteriormente, além de não existir uma coleta e avaliação regular dos dados referentes às populações cobertas pelo SUS e pelas operadoras, os números, as metodologias e as avaliações estatísticas dos estudos realizados são muito confusos, tornando difícil a visualização dos reais benefícios. Tabela 2 Número de Testes Realizados

Número de Tumores achados (TP)

Número de Tumores Não diagnosticados (FN)

Número de Falso Positivos (FP)

Custo Total

0

0

72

0

$0.00

1

65.9469

6.0531

309

$77,511.00

2

71.4424

0.5576

505

$107,690.00

3

71.9004

0.0996

630

$130,199.00

4

71.9385

0.0615

709

$148,116.00

5

71.9417

0.0583

759

$163,141.00

6

71.9420

0.0580

791

$176,331.00

45


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Tabela 3 Número de Número Custo Adicional Custo Médio Testes adicional de casos para realização de para cada tumor Realizados diagnosticados cada série de exames diagnosticado

Custo Marginal (Custo Adicional em relação ao benefício adicional para cada série)

0 1

65.9469

$77,511.00

$1,175.35

$1,175.35

2

5.4955

$30,179.00

$1,507.37

$5,491.58

3

0.4580

$22,509.00

$1,810.82

$49,146.29

4

0.0381

$17,917.00

$2,058.93

$470,262.47

5

0.0032

$15,025.00

$2,267.68

$4,695,312.50

6

0.0003

$13,190.00

$2,451.02

$43,966,666.67

Os estudos econômicos abordam a relação entre o custo marginal e o benefício marginal de uma tecnologia. Por marginal entendemos aquele custo ou benefício que advém de uma unidade adicional a ser produzida, seja ela uma consulta, um exame ou um tratamento. Um exemplo seria quanto estamos gastando a mais para introduzir na prática médica um novo medicamento, que aumenta em 15 dias o tempo médio de vida da população tratada. Para mostrar a importância da análise do ganho marginal, vamos usar o exemplo da pesquisa de sangue oculto nas fezes, com base em um estudo de Neuhauser and Lewicki (Neuhauser D. and Lewicki, A.M., National health insurance and the sixth stool guaiac, Policy Analysis, 1976:24) Em uma população cuja prevalência esperada é de 72 casos por 10.000 pessoas, os números seriam os demonstrados nas Tabelas 2 e 3. Como podemos ver, os números referentes a custo total, custo médio e custo marginal são completamente diferentes e com base nesse estudo foi definido na época que a realização do teste com um total de 6 amostras não seria adequada. A avaliação isolada do custo médio não nos permite enxergar quão dispendioso e pouco efetivo é fazer um número inadequado de testes. Os estudos econômicos provavelmente tomaram a força atual pelo fato de estarmos vendo as novas tecnologias oferecendo benefícios muito pequenos com custos adicionais muito elevados. Medicamentos ou Procedimentos altamente eficazes, que mudam de forma clara e significativa a história natural de uma doença, acabam sendo rapidamente incorporados, independente de qualquer avaliação econômica. Para fazermos as avaliações econômicas precisamos conhecer os custos e os desfechos com e sem a introdução da nova tecnologia. Idealmente estaremos 46


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comparando o novo tratamento ou procedimento com a melhor tecnologia disponível no mercado, e que teoricamente deveria ser a prática médica padrão. Comparando os custos e os desfechos obteríamos a Razão de Custo-Efetividade Incremental, que nos daria um valor que traduziria o custo adicional por benefício adicional. Poderíamos esquematizar da seguinte forma: Tratamento A Custo A Benefício A

Tratamento B Custo B Benefício B

Razão de Custo-Efetividade Incremental =

(Custo B – Custo A) (Benefício B – Benefício A)

Exemplo na área de oncologia: Tabela 4 Cenário: Pacientes com sarcoma de partes moles, no horizonte de tempo de 1 ano. Tratamento A

Tratamento B

Diferença

Custo Total Médio de Medicamentos

R$ 5.000,00

R$ 30.000,00

R$ 25.000,00

Sobrevida Global Média (anos)

0,500 (6 meses) 0,542 (6,5 meses) 0,042 (0,5 meses)

RCEI*

R$ 595.238,10

* Dividindo R$ 25.000,00 por 0,042 teríamos a Razão de Custo-Efetividade Incremental, que significa que teríamos que ter um gasto adicional de R$ 595.238,10 para cada ano de vida salvo, considerando o horizonte da análise de 1 ano.

Custos a serem avaliados No exemplo acima, estamos avaliando apenas os custos com os medicamentos usados nos diferentes tratamentos, mas a avaliação adequada dos custos tem que levar em consideração não só os gastos com os medicamentos, mas também outros tipos de custo. Alguns custos importantes são aqueles decorrentes de eventos adversos dos tratamentos, da morbidade da doença, as perdas financeiras do paciente e da família secundárias a impossibilidade de trabalho do próprio paciente ou do cuidador, os custos necessários para se criar uma infra estrutura domiciliar que permita ao paciente permanecer em sua casa durante o tratamento. 47


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Os custos são divididos nas seguintes categorias: • Custos Diretos. São custos relacionados à utilização de recursos decorrentes de uma condição de saúde ou tratamento. Envolvem gastos com assistência médica como: - Honorários - Tratamentos ambulatoriais - Exames - Serviço Social - Gastos dos pacientes (out of pocket) - Hospitalizações • Perda de Produtividade (também chamados Custos Indiretos). São gastos relacionados com a perda de produção do paciente ou de um cuidador, que recaem sobre a sociedade. Existem hoje dois métodos usados para tentar mensurar a perda de produtividade, o Método de Capital Humano e o Método chamado Friction Approach, mas tal avaliação é sujeita a uma série de dificuldades metodológicas que podem gerar grandes discrepâncias nos números. • Custos Intangíveis. São custos relacionados ao sofrimento e a perda de qualidade de vida. Tais avaliações, que tentam colocar esses valores não materiais em valores monetários, são ainda mais complexas. Tais avaliações, sem uma metodologia que seja reprodutível e precisa, podem dar mais a idéia de manipulação de dados do que de complexidade e abrangência do método.

Exemplo de desfechos a serem avaliados • Indicadores de Doença - Fraturas evitadas em pacientes com osteoporose - Número de pessoas em remissão completa por câncer - Redução da incidência de doenças cardiovasculares como AVC e IAM. • Medidas de Sobrevida - Sobrevida Global - Sobrevida Livre de Progressão • Medidas de Sobrevida ajustadas pela Qualidade - QALY - DALY • Valores Monetários - Willingness to Pay (Disposição para pagar) por um benefício. 48


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Um comentário em relação aos dados usados em estudos econômicos é que a qualidade dos mesmos vai definir quão robusto e útil será o estudo. O estudo econômico tem dois grandes componentes, os dados e a modelagem matemática. É o equilíbrio ideal entre esses dois componentes que permite ao estudo ter a força necessária para ser usado em uma tomada de decisão. É comum vermos estudos econômicos onde os dados de custos e desfechos são de qualidade muito baixa. Por baixa qualidade entendemos aqueles dados que são incompletos ou estimados, normalmente obtidos através de painéis de especialistas ou de prontuários com mínima informação sobre a evolução e tratamento do paciente. Normalmente os prontuários médicos, não atrelados a uma pesquisa clínica, não são desenhados para obtenção de informação com o nível de detalhamento adequado para um estudo clínico / econômico. Essa situação é comum nos estudos retrospectivos. Estudos que avaliam qualidade de vida também têm que deixar claro na descrição da metodologia como os valores de utilidade foram gerados. Esses números é que permitirão os cálculos de QALY. Uma metodologia inadequada inviabiliza o uso dos valores encontrados para entendermos o impacto da tecnologia na qualidade de vida das pessoas e consequentemente restringe o uso do estudo para tomadas de decisão. A parte de modelagem matemática e avaliação estatística deve ser alimentada com dados com complexidade e abrangência apropriadas, pois caso contrário, o estudo terá valor apenas como um gerador de hipóteses, e não como uma fonte de informação robusta para tomada de decisão pelos gestores de saúde.

Avaliando os Benefícios / Resultados / Desfechos Para avaliar os benefícios, poderíamos usar os seguintes parâmetros: Indicadores de doença • Eventos evitados - Fraturas evitadas por um tratamento para osteoporose - IAMs evitados pelo uso de drogas que reduzem o colesterol. - Deformidades evitadas em pacientes com Artrite Reumatóide. - Redução da recidiva em pacientes com câncer • Sobrevida - Sobrevida Global / Anos de Vida Salvos • Sobrevida ajustada pela Qualidade. - QALY – Quality Adjusted Life Years • Valor Monetário - Disposição de Pagar (Williingness to Pay). Nesse caso tenta-se associar um valor financeiro para o desfecho, para que tanto o custo quanto o desfecho sejam avaliados através de um parâmetro monetário. 49


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O problema nessa situação é que temos que explicitamente definir quanto vale por exemplo, um ano adicional de vida. Um ano adicional de vida em uma pessoa de 80 anos vale o mesmo que um ano adicional de vida em uma pessoa de 50 anos? Poderíamos dizer que o valor do ano adicional de vida é o mesmo para uma pessoa que vive em condições sub humanas em uma área pobre da África em relação a uma pessoa de grande peso social que vive na Europa? Não existe uma resposta certa ou errada para essa pergunta, são apenas valores do indivíduo e da sociedade.

Dados de Custo para Avaliação Econômica

Etapas da avaliação dos custos • Identificação dos Custos relevantes, independente de poderem ser usados ou não. • Quantificação dos recursos a serem utilizados em unidades físicas, como: -

Consultas

-

Exames

-

Tratamentos Ambulatoriais

-

Internações

-

Medicamentos

• Valoração dos recursos utilizados -

Bottom-up (ou Microcusto), onde cada item de custo é valorado individualmente e o custo total do estado de saúde é obtido somandose os custos unitários.

-

Top-down, onde bancos de dados gerais, sem especificação de gasto individual, são utilizados. Exemplo seria o DATASUS ou bancos de dados de operadoras de saúde.

• Definição do horizonte de tempo do modelo econômico para definir a necessidade de correção dos valores no tempo (taxas de desconto)

Perspectivas do Estudo Econômico Antes de iniciar o estudo econômico é necessário definir qual a perspectiva do estudo, pois dependendo dela serão definidos os custos relevantes para o estudo. 50


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Alguns exemplos de perspectiva seriam: • Sociedade • Fonte Pagadora - Governo _ Ministério da Saúde - Saúde Suplementar _ Operadoras • Prestador • Paciente Se optarmos pelo Governo ou pela Fonte Pagadora, os custos diretos tipo “out of pocket” não serão levados em consideração, pois eles serão financiados pelo próprio paciente, sem que isso tenha impacto no gasto final da Fonte Pagadora ou do Governo. Perda de Produtividade terá sentido em ser avaliada quando estivermos sob a perspectiva da sociedade, pois nesse caso, esse valor representará o montante financeiro que o paciente deixa de receber e automaticamente deixa de injetar na economia, sob a forma de impostos, poupança e consumo.

Tipos de Análise Econômica Vamos falar sobre os tipos de estudo que mais acontecem nas avaliações econômicas de novas tecnologias. Custo da Doença • Na verdade não é um estudo econômico, pois aborda apenas custos e desfechos sem buscar uma comparação entre intervenções, mas vamos citá-lo aqui por poder ser um ponto de partida quando desejamos criar um programa de avaliação econômica e precisamos definir quais as doenças a serem avaliadas prioritariamente. Representa um método que com base nos dados de prevalência, incidência, morbidade e mortalidade, auxilia na mensuração do impacto para a sociedade decorrente de uma doença específica. • É útil para definir o volume absoluto e percentual de recursos gastos para uma determinada patologia. Quando fazemos isso para várias patologias bastante prevalentes, podemos definir quais as doenças que deverão ser avaliadas inicialmente com base no impacto projetado dos gastos. Qualquer intervenção que reduz custos ou melhora desfechos em doenças muito prevalentes e que consomem grande volume financeiro, pode resultar em um grande ganho de eficiência do sistema.

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Fronteiras da Auditoria em Saúde

Custo Minimização Nesse caso, partimos do princípio que os desfechos são semelhantes e avaliamos apenas os custos para definir qual a diferença total de custos entre uma intervenção e outra e conseqüentemente podemos projetar, com base na prevalência esperada para a patologia, quanto se economizaria com a escolha por uma intervenção mais barata. Compara tratamentos para uma mesma doença. O problema é que a possibilidade de duas intervenções produzirem desfechos realmente iguais é muito pequena e tal metodologia pode estar partindo de uma premissa inadequada. Um exemplo seria o tratamento do Câncer de Pulmão Metastático, onde diferentes protocolos em um mesmo estudo podem produzir resultados que não são estatisticamente diferentes. Um ponto a realçar nessa situação é que normalmente esses estudos não apresentam uma avaliação de qualidade de vida, avaliação essa que poderia diferenciar entre os protocolos no que diz respeito aos desfechos.

Custo-Efetividade Nesse modelo, vamos avaliar dois tratamentos para uma mesma doença, e serão comparados os diferentes custos e desfechos. Com base nessa diferença poderemos calcular a Razão de CustoEfetividade Incremental. Segue um exemplo: População de 100 pacientes com Pneumonia bacteriana. Tratamento A Custo do tratamento por paciente: R$ 2.000,00 Desfecho _ mortalidade: 3 em 100 pessoas acometidas Tratamento B Custo do tratamento por paciente: R$ 30.000,00 Desfecho _ mortalidade: 2 em 100 pessoas acometidas Custo B – Custo A = (R$ 30.000,00 x 100) – (R$ 2.000,00 x 100) Desfecho B – Desfecho A = 3 – 2 mortes em 100 pessoas. RCEI = R$ 2.800.000,00 / 1

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A Razão de Custo-Efetividade Incremental é de Dois milhões e oitocentos mil reais por vida salva. Precisamos gastar esse valor incremental para ter o ganho incremental de salvar 1 vida, em cada grupo de 100 pessoas com a doença, que recebe o tratamento.

Custo-utilidade O estudo de custo-utilidade incorpora a avaliação de Qualidade de Vida. O QALY permite a comparação entre diferentes doenças. Se não usássemos uma ferramenta como o QALY, como poderíamos comparar doenças como Artrite Reumatóide e Câncer? No caso dessa avaliação vamos estar comparando a capacidade de um medicamento em reduzir a morbidade causada pela deformidade articular na Artrite Reumatóide com um outro medicamento que tenta reduzir a mortalidade por câncer. O QALY vai permitir comparar doenças com desfechos muito distintos como melhora de qualidade de vida x ganho de sobrevida. Apesar de todas as limitações do QALY, ele é a melhor metodologia no cenário acima descrito. A definição do QALY é baseada na geração de um valor que representa o grau de utilidade ao longo de um período de tempo. Normalmente esse valor vai de 0 a 1, sendo o valor zero correspondente ao pior cenário possível, normalmente a morte e o valor 1 corresponde à saúde perfeita. Existem metodologias hoje que atribuem valores específicos para diferentes condições clínicas, permitindo assim a comparação qualitativa. Métodos Diretos. Standard Gamble Time Trade Off Questionários Validados Euro QoL HUI Um exemplo hipotético: População de 100 pacientes com doença coronariana, sem indicação de cirurgia. 53


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Tratamento A Custo por paciente por ano: R$ 1.000,00 Tempo de sobrevida: 2 anos QALY - 1º ano: 0,65 2º ano: 0,50 Tratamento B Custo por paciente por ano: R$ 3.000,00 Tempo de Sobrevida: 2,5 anos QALY - 1º ano: 0,90 2º ano: 0,85 3º ano: 0,70 Calculando: Tratamento A

Tratamento B

Ano 1 Ano 1 Total Ano 1

Custo Utilidade QALY

1000 0,65 = 1 x 0,65

3000 0,90 = 1 x 0,90

Ano 2 Ano 2 Total Ano 2

Custo Utilidade QALY

1000 0,50 = 1 x 0,50

3000 0,85 = 1 x 0,85

Ano 3 Ano 3 Total Ano 3

Custo Utilidade QALY

0 0 0

1500 0,85 =0,5 x 0,70

Total Final

Custo QALY Anos de Vida

2000 1,15 2

7500 2,10 2,5

Variação Custo

5500

Variação QALY

0,95

Variação Sobrevida

0,5

Razão de Custo Utilidade Incremental

= 5500/0,95 = 5.789,47 por QALY

Razão de Custo Efetividade Incremental

= 5500/0,5 = 11.000,00 por ano de vida salvo

54


Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria

Podemos ver por esse exemplo, que um estudo baseado em QALY (custoutilidade) pode resultar em uma razão incremental muito mais favorável do que um estudo que usa como parâmetro apenas o ganho de sobrevida (custoefetividade).

Custo-benefício É muito comum que pessoas se refiram aos estudos econômicos de custo-efetividade e custo-utilidade como avaliações de custobenefício. Tecnicamente falando, os estudos de custo-benefício atribuem um valor monetário aos desfechos (Willingness to Pay), sendo a comparação feita através da diferença financeira entre os custos e os benefícios. Tal metodologia permitiria a comparação com investimentos fora da saúde. Poderíamos tentar comparar a alocação de um recurso do governo entre programas que envolvem cuidados em saúde, educação e construção de estradas.

Análise de Impacto Orçamentário Inicialmente nas avaliações econômicas, grande peso foi dado para o valor gerado na Razão de custo-efetividade / Utilidade Incremental. Entretanto, como os grandes compradores de tecnologia hoje trabalham com um orçamento fechado, sendo o governo o maior exemplo, se não projetarmos o gasto total esperado e o impacto financeiro da incorporação da nova tecnologia, com base na expectativa de uso para a população alvo, não estaremos dando ao tomador de decisão a informação mais importante. Para ele não importa o gasto individual incremental médio, mas sim o gasto previsto para toda a população acometida pelo problema no país.

Diretrizes para a avaliação econômica Além do critério de benefício clínico, um número cada vez maior de países utiliza avaliações econômicas para a decisão quanto a incorporação de novos medicamentos nos formulários que dão direito ao uso e pagamento desses medicamentos pelos órgãos públicos. É fundamental que os estudos que avaliam o benefício econômico sejam baseados em uma metodologia padronizada que garanta que os mesmos contemplarão todos os aspectos fundamentais da avaliação econômica e que resulte em total transparência do racional e das premissas usadas. As diretrizes brasileiras para avaliação econômica já existem em uma versão preliminar, e após um período de consulta pública, deverão ter sua versão definitiva liberada em breve. 55


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Um sumário das recomendações das diretrizes brasileiras seria: • Caracterização do Problema • População Alvo • Desenho do Estudo • Tipos de Análise • Descrição das Intervenções a serem Comparadas • Perspectiva do Estudo • Horizonte Temporal • Caracterização e Mensuração dos Resultados. • Eficácia e Efetividade • Medidas Internas e Finalísticas • Obtenção de Evidências • Medidas de Qualidade de Vida em Saúde • Medidas de Benefício • Quantificação e Custeio de Recursos • Modelagem • Taxa de Desconto • Resultados • Análise de Sensibilidade • Generalização dos Resultados • Limitações do Estudo • Considerações sobre Impacto Orçamentário e Eqüidade • Aspectos Éticos e Administrativos • Conclusões e Recomendações do Estudo • Conflitos de Interesses / Fontes de Financiamento No Brasil, a portaria 3323 do Ministério da Saúde, de 27 de Dezembro de 2006, criou a CITEC (Comissão para Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde) e definiu no anexo II as informações obrigatórias para a Solicitação de Incorporação de Tecnologias em Saúde. 56


Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria

São elas: I- Assunto - Descrição sintética das principais características da tecnologia e suas aplicações. II- Identificação do responsável/ instituição pela proposta: a) pessoa jurídica: nome da instituição, CNPJ, endereço de contato telefone e e-mail; b) pessoa física: nome, CPF, endereço de contato, telefone e e-mail. III- Informar o número do registro com 13 dígitos na ANVISA, no caso de medicamentos e produtos para a saúde. IV- Preço aprovado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), no caso de medicamentos. V- Relatório técnico apresentando evidências científicas relativas à eficácia, acurácia, efetividade e segurança, comparativas em relação a tecnologias já incorporadas. VI- Estudos de avaliação econômica (custo-efetividade ou custo-utilidade ou custo-benefício), quando houver alegação pelo demandante de Benefícios Terapêuticos e Custos Adicionais em relação às tecnologias já incorporadas. VII-Estimativas de impacto econômico estimado para tecnologia proposta e correspondente comparação com a tecnologia incorporada.

Comentários finais Talvez a maior contribuição da economia da saúde para os sistemas de saúde e principalmente para as pessoas, seja trazer a discussão dos cuidados em saúde para uma esfera mais técnica. Não se trata de tentar dar valor à vida, mas sim tentar entender através de números e métricas o real benefício para as pessoas do que é oferecido a elas pelo sistema de saúde. Entender a importância da educação, dos níveis de remuneração, dos fatores ambientais e genéticos no nível de saúde das pessoas e da sociedade é fundamental. Com esse tipo de informação vamos poder definir onde e como alocar os recursos, que sempre serão escassos quando comparados ao que gostaríamos de ter para investir simultaneamente em diferentes áreas da sociedade. Uma percepção clara para aqueles que atuam na economia da saúde é a importante falta de informações precisas referentes aos custos, aos desfechos, aos riscos e aos benefícios de novas tecnologias. A falta de informação também existe no lado dos gestores. Hoje se fala em pagamento por performance, mas se perguntamos o que seria performance e 57


Fronteiras da Auditoria em Saúde

como estratificá-la, provavelmente não teremos uma resposta satisfatória. Da mesma forma que os profissionais de saúde não devem incorporar novas tecnologias em saúde sem uma comprovação clara dos benefícios, aqueles que atuam como gestores não deveriam coordenar o sistema sem uma comprovação da eficiência das metodologias. Quanto mais o nome traduz a idéia de eficiência, (pagamento por performance, gerenciamento da doença), mais fácil a aceitação e a incorporação. Em relação aos gestores, temos que tornar mais ampla a discussão sobre como conduzir o sistema de saúde, saindo apenas da esfera dos custos e entendendo que a relação entre custos e benefícios é que deve ser o ponto de partida da discussão. Precisamos entender que incentivos financeiros sempre existirão, e a capacidade de analisar e entender esse mix de relacionamento humano e financeiro, vai permitir definir as estratégias que conduzirão o sistema de saúde de forma a priorizar o ser humano, sem inviabilizar a existência dos players necessários para o funcionamento ideal desse sistema. Antes de pagarmos por performance, temos que pagar por informação. Se fizermos isso já, em um futuro não muito longe vamos poder tomar decisões com um poder muito maior de ajudar as pessoas. Temos que incentivar prontuários que forneçam informações cada vez mais detalhadas. A informação vai permitir que entendamos cada vez melhor, em um mundo extremamente complexo como a saúde, o impacto real das diferentes tecnologias. Vamos conseguir entender porque uma mesma doença evolui de forma tão diferente, mesmo quando as pessoas recebem um mesmo tratamento. Quais as variáveis importantes e como elas se inter-relacionam. Só a informação amplamente compilada e analisada pode nos ajudar a encontrar essas respostas. Um outro ponto que merece ser realçado diz respeito à necessidade dos pagadores, sejam eles do governo ou das operadoras de saúde, de participar no desenho de estudos científicos. Algumas respostas importantes não virão de estudos desenhados pelas indústrias de materiais e medicamentos. Precisamos ter informações que vão além dos estudos prospectivos e randomizados controlados, por maior que seja a qualidade deles, pois eles não refletem na sua grande maioria os números do mundo real. Como será que se comporta na população geral um medicamento, que em um estudo controlado, leva a um ganho estatisticamente significativo na sobrevida de apenas 30 dias e que acaba sendo incorporado? Temos que passar a avaliar mais outras tecnologias como devices, exames de laboratório e exames de imagem. Hoje foca-se muito na avaliação clínica e econômica dos medicamentos, mas outras tecnologias não são discutidas com o mesmo rigor. Exames podem estar sendo solicitados de forma exagerada, levando a grande desperdício dos recursos financeiros. Entender e otimizar esse processo é fundamental, mas esbarramos na complexidade necessária para tal avaliação e por isso podemos incorrer no erro de fazer o que é mais fácil em vez de fazer o que é mais correto. 58


Economia da Saúde como Instrumento Decisório em Auditoria

A Economia da Saúde pode vir a ser uma ferramenta fundamental para ajudar na otimização do sistema de saúde, pois apesar de abordar de forma importante problemas relacionados ao uso do dinheiro, é na verdade uma ciência social, e terá sempre como objetivo maior maximizar a saúde e o bem-estar das pessoas e da sociedade.

Referências 1. Folland S, Goodman AC, Stano M. The Economics of Health and Health Care. Pearson/Prentice Hall Fifth edition. New Jersey. 2007. ISBN 0-13-227942-8. 2. Begg D, Fischer S, Dornbusch R. Economics. Eighth edition. London: McGrawHill 2005. ISBN 0077107756. 3. Drummond M, Sculpher M, Torrance G, O’Brien B, Stoddart G. Methods for the Economic Evaluation of Health Care Programmes. Third edition. 2005. ISBN 978019-852944-6. 4. Kobelt G. Health Economics: An introduction to Economic Evaluation. Second Edition. 2002. ISBN 1-899040-22-6. 5. Palmer S and Raftery J. Opportunity cost. BMJ 1999;318:1551-1552. 6. Torgerson D and Raftery J. Measuring outcomes in economic evaluation. BMJ 1999;318:1413. 7. Dixon S and Green C. Measuring outcomes in economic evaluations. BMJ 1999;319:705. 8. Torgerson D. Author’s reply. BMJ 1999;319:705. 9. Forster M and Jones A. The role of tobacco taxes in starting and quitting smoking: duration analysis of British data. Journal of the Royal Statistical Society Series A 2001;164:517-547. 10. Arrow K. Uncertainty and the welfare economics of medical care. The American Economic Review 1963;LIII:941-973. 11. Gravelle H. How much of the relationship between population mortality and unequal distribution of income is a statistical artefact? British Medical Journal 1998;316:382-385. 12. Mackenbach JP. Income inequality and population health. British Medical Journal 2002;324:1-2. 13. Grossman M. On the concept of health capital and the demand for health. Journal of Political Economy 1972;80:223-225. 14. Wagstaff A. The demand for health: theory and application. Journal of Epidemiology and Community Health 1986;40:1-11. 15. Newhouse JP et al. Free for all? Lessons from the RAND Health Insurance Experiment, 1993 Cambridge MA: Cambridge University Press. 16. Rice T. The impact of changing Medicare reimbursement rates on physician-induced Demand. Medical Care 1983;21:803-815. 17. Labelle R, Stoddart G and Rice T. A re-examination of the meaning and importance of supplier-induced demand. Journal of Health Economics 1994;13:347-368.

59


Fronteiras da Auditoria em Saúde

18. Pauly M. Editorial: a re-examination of the meaning and importance of supplierinduced demand. Journal of Health Economics 1994;13:369-372. 19. Rice T. Can markets give us the health system we want? Journal of Health Politics, Policy and Law 1997;22:383-426. 20. Ellis R and McGuire T. Supply side cost sharing in health care. Journal of Economic Perspectives 1993;7:135-151. 21. Krasnik A et al. Changing remuneration systems: effects on activity in general practice. British Medical Journal 1990;300:1698-1701. 22. Culyer AJ and Wagstaff A. Equity and equality in health and health care. Journal of Health Economics 1993;12:431-458. 23. van Doorslaer E et al. Equity in the delivery of health care in Europe. Journal of Health Economics 2000;19:553-583. 24. Spitzer W, Lewis MA, Heinemann LAJ et al. Third generation oral contraceptives and risk of venous thromboembolic disorders: an international case-control study. BMJ 1996;312: 83-8. 25. Yudkin, Stratton PL. How to deal with regression to the mean in intervention studies. Lancet 1996;347:241-43 26. Newell D. Intention-to-treat analysis: implications for quantitative and qualitative research. Int J Epidemiology 1992;21:837-841. 27. Roland M and Torgerson D. Understanding controlled trials: what are pragmatic trials? BMJ 1998;316:285. 28. National Institute for Clinical Excellence (NICE). Guide to the methods of technology appraisal. London, NICE 2008. Available at ttp://www.nice.org.uk/ media/B52/A7/TAMethodsGuideUpdatedJune2008.pdf 29. Navarro V. Can health care systems be compared using a single measure of performance? American Journal of Public Health 2002;92:31-34. 30. Pedersen KM. The World Health Report 2000: Dialogue of the Deaf? Health Economics 2002;11:93-101. 31. Wagstaff A. Reflections on and alternatives to WHO’s fairness of financial contribution index. Health Economics 2002;11(2):103-115. 32. Williams A. Science or Marketing at WHO? A Commentary on ‘World Health 2000’. Health Economics 2001;10:93-100 and ‘Science or Marketing at WHO? Rejoinder from Alan Williams.’ Health Economics 2001;10:283-285. 32. Richardson J et al. A critique of the World Health Organisation’s evaluation of health system performance. Health Economics 2003;12:355-366. 33. Hollingsworth B and Wildman J. The efficiency of health production: re-estimating the WHO panel data using parametric and non-parametric approaches to provide additional information. Health Economics 2003;12:493-504. 34. Liu L et al. Impact of rural hospital closures in Saskatchewan, Canada. Soc SciMed 2001;52(12):1793-1804. 35. Pearson S. The impact of pay-for-performance on health care quality In Massachusetts, 2001–2003. Health Affairs 2008;27(4):1167-1176.

60


Dra. Cecília Maria Guimarães Figueira – Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Espírito Santo – Doutora em Ciências Médicas pela UNIFESP – Oncologista Pediátrica – Especialista em Auditoria Médica – Membro da International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR)

Capítulo 5

Incorporação de Tecnologias em Saúde O significado da palavra tecnologia em nosso cotidiano é de difícil descrição e mensuração. Segundo o ensaísta Kevin Kelly, a palavra tecnologia, que anteriormente sugeria objetos, coisas complexas e feitas de átomos, hoje se tornou uma ação, uma força. É um verbo e não mais um substantivo e pode ser considerado tecnologia tudo o que a nossa inteligência produz.(1) Os equipamentos, insumos e procedimentos utilizados na prestação, infraestrutura e organização dos serviços de saúde são considerados tecnologias nessa área. A necessidade de avaliação dessas inovações tecnológicas gerou a necessidade de implantação de um processo de investigação de conseqüências clínicas, econômicas e sociais resultantes da utilização das mesmas, conhecida como Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS). No mundo, a ATS surgiu na década de 60 e se tornou um importante sistema para a tomada de decisões de gestores da área da saúde nos mais diferentes níveis, além de importante ferramenta de auxílio para o sistema judiciário e organizações de apoio a pacientes. No Brasil, os estudos sobre avaliação de tecnologia em saúde se iniciaram no final dos anos 70 e se concentravam em instituições de ensino e pesquisa, possibilitando a formação de massa crítica para grupos de pesquisa nessa área. Só em 2003 instituiu-se no Ministério da Saúde o Grupo de Trabalho permanente em ATS com o objetivo de institucionalizar a avaliação de 61


Fronteiras da Auditoria em Saúde

tecnologia de saúde no SUS através da difusão de estudos prioritários, capacitação de gestores, formação de rede de ATS e cooperação internacional. As ações desse grupo são fundamentalmente a promoção de estudos nessa área de interesse para o Sistema Único de Saúde (SUS) e o fortalecimento do apoio nas decisões sobre tecnologias em saúde.(2)

Tecnologia em saúde Qualquer intervenção utilizada para promover saúde, prevenir, diagnosticar ou tratar doença ou para reabilitação ou cuidados de longo prazo. Inclui medicamentos, instrumentos, procedimentos, infra-estrutura e sistemas de organização em saúde.

Avaliação de Tecnologias em Saúde É a avaliação sistemática das propriedades, efeitos e/ou impactos da tecnologia de saúde. Compreende as conseqüências diretas e intencionais da tecnologia, assim como as conseqüências indiretas e não intencionais. A finalidade é disponibilizar todas a informações sobre a nova tecnologia. ATS é conduzida por um grupo interdisciplinar que utiliza métodos analíticos diversos para a conclusão dos estudos.

A avaliação de tecnologias na área da saúde é realizada por agências criadas para essa finalidade, e estão sediadas em diferentes países. A tabela 1 demonstra as agências e órgãos internacionais de maior destaque no estudo de ATS e os países onde estão sediadas. 62


Incorporação de Tecnologias em Saúde

Tabela 1. Agências responsáveis por estudos para avaliação de novas tecnologias e suas respectivas localizações Sigla

Descrição

Endereço

Sede

NICE

National Institute for Health and Clinical Excellence

www.nice.org.uk

Reino Unido

PBAC

Pharmaceutical Benefits Advisory Committee

www.sport.gov.au

Austrália

CCOHTA

Canadian Coordinating Office for Health Technology Assessment

www.capitalhealth.ca

Canadá

NGC

National Guideline Clearinghouse

www.guideline.gov

Estados Unidos da América

INAHTA

International Network of Agencies for Health Technology Assessment

www.inahta.org

Suécia

O INAHTA é órgão internacional fundado em 1993, composto por 46 agências de 24 países da América do Norte e Sul, Europa, Austrália e Nova Zelândia. O Brasil é membro desse órgão através do Departamento de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos. No período de 1972 a 1995, existiu a OTA (Office of Technology Assessment), um gabinete do congresso americano criado para fornecer subsídios técnicos para análise de temas complexos relacionados à tecnologia nas diversas áreas, pois as novas tecnologias eram temas de debate comum no final dos anos 80. A partir do fechamento desse gabinete em setembro de 1995, todas as publicações resultantes de estudos realizados pela OTA foram abrigadas no site da Princeton University. Em julho desse ano a FAS (Federation of American Scientists) organizou esse acervo no site Office of Technology Assessment Archive (http://fas.org/ota), disponível para acesso de todos.

Novas tecnologias em saúde: considerações O aumento anual com os custos em saúde é observado mundialmente. A proporcionalidade desse aumento é variável de acordo com fatores que sabidamente interferem direta ou indiretamente com esses custos. O envelhecimento da população, a aquisição de novas tecnologias, o acesso irrestrito e sem análise crítica da população a informações relacionadas a doenças e seus tratamentos, além do mau gerenciamento de recursos destinados à saúde, são considerados fatores importantes para esse aumento.(3-5) Segundo dados da OECD (Organization for Economic Co-Operation and Development), os custos com saúde cresceram rapidamente em muitos países entre 2000 e 2003, com uma média anual de 6,2% nesse período. Entre 2003 e 2006 esse crescimento se desacelerou, mantendo-se em média em 3,6%. 63


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Esses dados podem ser visualizados na tabela 2, onde o percentual de gasto com saúde está definido por país e por período, no intervalo de 2000 a 2006. É possível notar a diferença nos custos com saúde e na velocidade de crescimento desses custos nos diferentes países de forma bem detalhada.(6)

Tabela 2. Gastos com saúde em países pertencentes a OECD - 2000 a 2006 Taxa anual de aumento (%) 2000-01

2001-02

2002-03

2003-04

2004-05

2005-06

Austrália

5,7

5,5

3,6

5,7

2,2

..

Áustria

1,3

1,6

2,4

3,3

2,2

1,5

Canadá

7,3

6,3

3,9

3,1

3,7

4,1

Finlândia

5,3

7,3

7,2

4,9

5,7

3,3

França

3,2

4,1

10,0b

3,5

3,1

1,6

Alemanha

2,7

1,9

1,3

-1,2

1,8

1,8

Grécia

12,7

2,3

8,8

1,1

12,7

6,0

Irlanda

17,3

9,3

6,6

6,9

16,3

-2,5

Itália

3,7

2,0

0,1

5,3

3,3

2,7

Japão

3,6

0,5

2,9

2,2

3,4

..

Coréia

18,6

4,6

9,3

6,1

13,5

12,8

México

7,3

4,1

4,4

6,1

2,0

7,3

Holanda

6,3

7,0

6,5

3,1

-1,7

4,0

Nova Zelândia

5,1

9,4

1,4

10,8b

7,7

6,3

Portugal

1,7

2,8

7,0

4,4

2,9

1,3

3,8

4,8

4,9

1,8

2,8

4,0

7,3

3,9

5,4

Espanha

b

4,0

2,9

15,9

10,1

6,5

3,1

Reino Unido

5,7

4,5

Estados Unidos

6,1

7,2

5,8

3,9

3,2

3,5

7,2

5,8

5,5

3,3

4,5

3,1

Suécia

Média

† Média de crescimento exclui dados incompletos. 1 Dado referente ao ano anterior. b Séries incompletas. Fonte: OECD Health Data 2008, June 2008.

64

3.7b


Incorporação de Tecnologias em Saúde

No Brasil, a evolução dos custos com a saúde acompanha o panorama mundial. Os dados descritos são relacionados ao Sistema Público de Saúde (SUS), que apesar de ter ampliado a cobertura para procedimentos mais complexos, convive com a situação antagônica de fornecer inovações tecnológicas para poucos pacientes, em detrimento de medidas menos dispendiosas e necessárias para a manutenção da saúde de muitos.(7) O gráfico 1 demonstra a evolução dos custos com a saúde no Brasil, no período de 1995 a 2002. Os valores foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e excluem os gastos com inativos, pensionistas e dívidas. Referem-se apenas a valores empenhados.

Gráfico 1. Evolução dos gastos do Ministério da Saúde (MS) com ações e serviços de saúde de 1995 a 2002 Fonte – Subsecretaria de Planejamento e Orçamento / MS

A incorporação de inovações tecnológicas na área de saúde é inevitável e apresenta características importantes: • é cumulativa – significa que a nova tecnologia se soma, e não substitui a já existente • é assimilada com grande rapidez – decorrente dos intensos meios de divulgação da indústria responsável pela mesma • é incorporada sem avaliação rigorosa – decorrente da pressão da indústria sobre os organismos responsáveis pelos estudos de demanda, efeitos colaterais, custo-efetividade, custo-benefício • a demanda é induzida pela oferta – é incorporada onde a nova tecnologia está presente 65


Fronteiras da Auditoria em Saúde

• dificuldade de informação objetiva e estruturada sobre a mesma – a pressão intensa para liberação da inovação tecnológica impede a análise mais detalhada da mesma. Existe claramente uma dificuldade entre os órgãos e agências responsáveis por estudos de avaliação de tecnologias em saúde de “racionalizar” novos tratamentos, equipamentos, procedimentos e insumos em todos os sistemas de saúde. Essa dificuldade é decorrente dos objetivos ou percepção de saúde de cada sociedade, ou seja, até onde essa sociedade está preparada para “sacrifícios” para que a igualdade de acesso à saúde seja garantida. Racionalizar tratamentos e condutas significa “privar” pacientes de cuidados que eles podem querer ter.(8,9) A resultante de todo esse processo complexo, que envolve a indústria, os profissionais de saúde, a população, as agências de regulação, os meios de comunicação sempre será um aumento do custo dessa área. O nosso desafio é encontrar um caminho para que esses aumentos de custos sejam justificados pelo resultado de aumento da qualidade de vida dos pacientes e da população em geral. O investimento em pesquisas nos EUA aumentou de 37,1 bilhões em 1994 para 94,3 bilhões de dólares em 2003. Os principais responsáveis por esses gastos foram a indústria (57%) e o National Institutes of Health (28%). Os EUA gastam aproximadamente 5,6% do total de custos de saúde com pesquisas na área de biotecnologia, e menos de 0,1% com pesquisas em serviços de saúde. É fundamental que o investimento em pesquisa se mova no sentido da “necessidade clínica” e não apenas da “necessidade comercial” da mesma.(10) Sem uma nova concepção de gastos em pesquisas, a tendência de manutenção de custos maiores sem correlação direta com a melhor qualidade de saúde da população será mantida. O gráfico 2, adaptado do JAMA, vol. 294, demonstra os gastos com as pesquisas nas diversas áreas e as agências de financiamento. Não observamos as pesquisas em serviços de saúde, tão necessárias para o correto direcionamento dos recursos, garantindo a qualidade e aplicabilidade dos resultados encontrados. É importante ressaltar que nenhuma tecnologia ou sua aplicação é inteiramente nova, porque já existe uma idéia ou material inicial no qual o pesquisador se baseia para produzir a inovação. Baseados nessa afirmação, entendemos que as tecnologias inovadoras propostas deveriam ser préselecionadas para avaliação das agências ou órgãos específicos. Isso diminuiria a pressão política sofrida por esses órgãos e permitiria a realização de estudos farmacoeconômicos completos. Essa mudança possibilitaria uma análise mais crítica e cientificamente fundamentada para a incorporação da inovação proposta pelos compradores e prestadores de serviços de saúde.(11) É função do Estado definir parâmetros para uma série de tecnologias que serão ou são utilizadas pelo sistema de saúde. No Brasil, desde 2003, a política 66


Incorporação de Tecnologias em Saúde

JAMA, Vol. 294 No. 11, September 21, 2005 100 90

Tipos de investimentos e financiadores de pesquisas

Equipamentos médicos

80 Biotecnologia

Bilhões de dólares

70 60

Indústria Farmacêutica

50 40 Fundo Privado

30 20

Governo Federal

Governo Local

10 0 1994

NIH 1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

Gráfico 2. Investimento em pesquisa na área de saúde nos EUA. Custo do investimento no período de 1994 a 2003, relacionado ao tipo de investimento e principais financiadores(10)

de grupos ATS está sendo montada, com capacitação cada vez maior de profissionais nessa área. O nosso grande problema é ainda uma baixa produção científica, o que nos obriga a importar resultados de estudos de farmacoeconomia, que podem não estar adequados à nossa população.(12,13) Não há como satisfazer todas as necessidades do ser humano, principalmente na área de saúde. Os recursos são escassos e finitos e as possibilidades de utilização desses são infindáveis. É imprescindível que os recursos disponíveis sejam utilizados da forma mais racional possível. Esse é o grande desafio.

O que é farmacoeconomia? Farmacoeconomia é uma análise econômica (como custo-benefício, custoefetividade, custo-utilidade, custo-minimização) utilizada para avaliação da tecnologia proposta.(14) A International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR) define farmacoeconomia como um campo de estudo que avalia o comportamento de indivíduos, empresas e mercados com relação ao uso de produtos e farmacêuticos, e que freqüentemente enfoca os custos e as conseqüências desta utilização.(15) 67


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Em países como Austrália e Canadá, a autorização de comercialização de novos medicamentos está condicionada à apresentação de estudos farmacoeconômicos. Essa determinação parte do pressuposto de que a comercialização de um novo medicamento deve estar baseada em critérios de segurança, eficácia, qualidade e economia. A farmacoeconomia representa um valioso instrumento de apoio para tomada de decisões que envolvem avaliação e direcionamento de investimentos baseados numa distribuição mais racional de recursos. Essa ciência permite incorporar o critério econômico na escolha de alternativas terapêuticas.(16) As principais aplicações de avaliação econômica são: definição de novos medicamentos, decisão de incorporação de uma nova tecnologia, reavaliação de tecnologias existentes e criação de protocolos clínicos.

Tipos de avaliação econômica Análise de custo-benefício É considerada por muitos economistas o padrão ouro pelo qual outros métodos serão avaliados. É uma comparação da alternativa de intervenção (tecnologia proposta) na qual custo e resultados são quantificados em unidades monetárias. De forma simplificada, podemos dizer que a análise de custo-benefício lista todos os custos e benefícios que podem ser resultado de uma intervenção, em um período de tempo predeterminado. É muito utilizada em três situações: • quando se quer escolher entre duas ou mais intervenções; • quando se quer saber o impacto econômico de uma única intervenção; • quando se quer medir benefícios e custos diretamente relacionados ao desfecho saúde.

Análise de custo-efetividade Essa análise expressa os custos diretos e indiretos e custos incrementais, expressos em unidades monetárias e o desfecho, expresso em unidades não monetárias (ex.: redução de mortalidade ou morbidade). Uma grande limitação dessa análise é não existir uma avaliação numérica para o desfecho saúde. O resultado é dado em $ por morte evitada. A melhor utilização dessa análise é quando se deseja comparar duas ou mais intervenções que têm o mesmo desfecho na mesma população. A figura 1 representa a análise do custo-efetividade. Pode-se observar que a melhor condição a ser encontrada é o de maior efetividade e menor custo. É considerado cenário ideal. 68


Incorporação de Tecnologias em Saúde

Figura 1 - Análise de custo-efetividade

Análise de custo-utilidade É uma forma especial de custo-efetividade, na qual o desfecho saúde no denominador é avaliado em termos de utility ou quality. Essa unidade não monetária de avaliação inclui a qualidade de vida ajustada para ano de vida (QALY).

Análise de custo-minimização É a determinação da alternativa de intervenção de menor custo que resulta em desfecho equivalente. Na análise de custo-benefício, os custos diretos e indiretos da intervenção são mensurados na análise econômica, e a medida do desfecho (benefício) é monetária. Na avaliação de custo-efetividade, os custos diretos da intervenção são medidos e os indiretos são aferidos com freqüência. Nesse caso, a medida do desfecho é a saúde, tempo de vida. Para o cálculo de custo-utilidade, os custos diretos são sempre mensurados, mas os indiretos ocasionalmente. A medida do desfecho é uma medida utilitária, ex.: QALYs (quality adjusted life years).(14) Compreendem-se como custos diretos medicamentos, internação, transporte, armazenamento, exames diagnósticos, consultas ambulatoriais, reabilitações, próteses, e, como custos indiretos, a perda da produtividade, redução do tempo de lazer, tempo de procura do paciente e da família para atendimento àquela determinada doença, por exemplo. A tabela 3 resume as principais características dos estudos econômicos, baseados na pergunta central a ser respondida. 69


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Tabela 3. Tipos de análise econômica e resultados a serem obtidos a partir de uma pergunta central Pergunta Central

Tipo de Análise

Mensuração do Benefício

Qual alternativa de intervenção é mais eficiente quando os recursos são avaliados em termos monetários?

Custo-benefício

Monetário

Qual alternativa é menos dispendiosa para se atingir o objetivo?

Minimização de custo

Benefícios considerados equivalentes

Qual a alternativa de tratamento mais eficiente em relação a um benefício clínico definido?

Custo-efetividade

Unidades naturais (anos de vida ganho)

Qual alternativa de tratamento mais eficiente em relação a um benefício clínico adquirido

Custo-utilidade

Anos com saúde (anos de vida ajustados pela qualidade, equivalência com anos de saúde)

Análise de decisão em saúde A construção de modelos econômicos é necessária para a previsão de gastos futuros, definição de melhor alocação de recursos e identificação de subgrupos de maior impacto orçamentário. Esses modelos são ferramentas usadas para estimar os resultados de acordo com as variáveis de entrada estipuladas, examinar o efeito das mudanças, como por exemplo a introdução de um novo fármaco. Os modelos mais utilizados são: árvore de decisão, modelos de Markov e microssimulações (simulações de eventos discretos). Análise de decisão pode ser definida como uma abordagem sistemática para a tomada de decisões em condições de incerteza. É uma técnica que permite aos tomadores de decisão comparar desfechos em diferentes estratégias.

Árvores de Decisão A Árvore de Decisão incorpora todos os elementos-chave e valores que são importantes para os pacientes e, ao mesmo tempo, simples o suficiente para ser compreensível e operacional. O objetivo de uma análise de decisão é identificar a via preferível entre dois ou mais cenários clínicos. A via preferida pode ser selecionada como o melhor desfecho com base na resposta clínica, utilidade ou custo-benefício. É um diagrama representado por ramos (representam os diferentes cursos de ação) e nós (representam as situações de escolha). A figura 2 representa um exemplo de Árvore de Decisão. 70


Incorporação de Tecnologias em Saúde

Figura 2. Diagrama Árvore de Decisão

Modelos de Markov Os modelos de Markov são classificados como sendo um modelo dinâmico que busca estudar a transição de um estado para o outro. Os modelos markovianos são particularmente úteis para doenças nas quais os eventos podem ocorrer repetidamente ao longo do tempo, tais como para pacientes com câncer recorrente (câncer de mama) ou a progressão de doenças crônicas (esclerose múltipla). A figura 3 representa um modelo de Markov. O campo de pesquisas na área de farmacoeconomia está em evolução. É fundamental que as inovações tecnológicas na área de saúde sejam avaliadas por metodologia cada vez mais apurada. Uma das limitações dos estudos é a transferência dos dados obtidos para outras populações. Goeree e cols. avaliaram 5.029 artigos, sendo 81 específicos para essa questão e encontraram 77 fatores que afetam a transferência de dados obtidos de estudos realizados em uma região geográfica para outra.(17) Por isso é fundamental que os estudos farmacoeconômicos sejam realizados em nossa população.

Figura 3. Modelo de Markov

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Fronteiras da Auditoria em Saúde

Desafio de reformular a gestão da saúde É de fundamental importância que os gestores de saúde incorporem novas ferramentas no processo de gerenciamento, inclusive com mudança dos padrões de relacionamento entre compradores e prestadores de todo o sistema que envolve a saúde. Só com a participação ativa desses segmentos nos processos de decisão de como e onde empregar os recursos é que se pode reduzir a velocidade do aumento dos custos nessa área.

Referências 1. Kelly K. A tecnologia nos faz melhores: Veja Tecnologia - edição especial. Editora Abril 2007, agosto. 2. Avaliação de tecnologias em saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/ saude/>. [cited 20/08/08]. 3. Abegunde DO, Mathers CD, Adam T, Ortegon M, Strong K. The burden and costs of chronic diseases in low-income and middle-income countries. Lancet. 2007 Dec 8;370(9603):1929-38. 4. Bouman A, van Rossum E, Evers S, Ambergen T, Kempen G, Knipschild P. Effects on health care use and associated cost of a home visiting program for older people with poor health status: a randomized clinical trial in the Netherlands. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2008 Mar;63(3):291-7. 5. Van der Zee, BMC K. The drivers of public expenditure on health and long-term care: An integrated approach OECD. 2007(7):94. 6. Health data. Disponível em: <http://www.oecd.org/home>. [cited 2008]. 7. Machado CV. The Brazilian Ministry of Health policy model in the 1990s. Cad Saude Publica. 2007 Sep;23(9):2113-26. 8. Maynard A, Bloor K. Dilemmas in regulation of the market for pharmaceuticals. Health Aff (Millwood). 2003 May-Jun;22(3):31-41. 9. Maynard A, Bloor K, Freemantle N. Challenges for the National Institute for Clinical Excellence. BMJ 2004 Jul 24;329(7459):227-9. 10. Moses H, 3rd, Dorsey ER, Matheson DH, Thier SO. Financial anatomy of biomedical research. Jama. 2005 Sep 21;294(11):1333-42. 11. Riskin DJ, Longaker MT, Gertner M, Krummel TM. Innovation in surgery: a historical perspective. Ann Surg. 2006 Nov;244(5):686-93. 12. Guimaraes R, Santos LM, Angulo-Tuesta A, Serruya SJ. Defining and implementing a national policy for science, technology, and innovation in health: lessons from the Brazilian experience. Cad Saúde Pública. 2006 Sep;22(9):1775-85; discussion 86-94. 13. Guimaraes R. Health research in Brazil: context and challenges. Rev Saúde Pública. 2006 Aug;40 Spec no.:3-10. 14. Meltzer MI. Introduction to health economics for physicians. Lancet. 2001 Sep 22;358(9286):993-8. 15. Pashos CL, Kl ein EG , LA. Wnk. Pharmacoeconomics. ISPOR - Princeton; 1998; 1998.

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Incorporação de Tecnologias em Saúde

16. Secoli SR, Padilha KG, Litivoc J, Mayeda ST. Farmacoeconomia: perspectiva emergente no processo de tomada de decisão. Ciência e Saúde Coletiva. 2005;10:287-96. 17. Goeree R, Burke N, O’Reilly D, Manca A, Blackhouse G, Tarride JE. Transferability of economic evaluations: approaches and factors to consider when using results from one geographic area for another. Curr Med Res Opin. 2007 Apr;23(4):67182.

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Fronteiras da Auditoria em SaĂşde

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Dr. Stephen Doral Stefani – – – – – – – – – – – –

Médico Internista e Oncologista Ex-fellow da University of California / Stanford Especialista em Auditoria Médica Ex-Coordenador da Auditoria Médica da UNIMED Porto Alegre Membro titular da Câmara Técnica de Oncologia da UNIMED Mercosul Coordenador da Câmara Técnica de Oncologia da UNIMED do Brasil Professor da pós Graduação, com foco em Economia da Saúde, da Universidade de Ribeirão Preto (URP) Professor de Oncologia e Farmacoeconomia da Fundação UNIMED Responsável pelo Programa de Medicamentos Oncológicos da CAPESESP Consultor de várias Operadoras de Planos de Saúde Presidente eleito do capítulo Brasil da International Society of Pharmacoeconomics and Outcome Research (ISPOR) Membro do Comitê Executivo da ISPOR América Latina

Capítulo 6

Auditoria de Procedimentos de Alto Custo A auditoria médica se iniciou praticamente junto com a assistência médica. Há algumas décadas, no Brasil, já se fazia necessário que monitorizações de custos tivessem espaço definido no fluxo assistencial. O foco inicial foi conferência de faturas, de forma que se identificavam algumas incongruências e valores cobrados deixavam de ser pagos na sua integralidade, gerando a “glosa”. Era uma forma, que já se permite ser chamada de rústica, de mostrar ao prestador que havia monitorização após os procedimentos e distorções não seriam pagas. Um pouco mais adiante surgiu a auditoria prévia. Procedimentos predefinidos, compreendidos como de alto custo, deveriam ser avaliados e autorizados antes de realização. Foi uma forma de compartilhar decisões de conduta e, principalmente, visualizar as despesas antecipadamente. Algumas operadoras tinham menos agilidade e outras bem mais agilidade, a ponto de oferecer um modelo “concomitante” de análise. Este modelo, também chamado de auditoria concorrente, já era mais proativo, com presença de auditores visitando sistematicamente os pacientes. Com a expansão da complexidade e dos custos envolvidos, surgiu a necessidade de se criar um novo foco gerencial: núcleos de auditoria de alto custo. 75


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Nossa dificuldade começa na definição! O conceito de alto custo varia enormemente na literatura e definitivamente conforme os interlocutores. Felizes éramos quando a conta mais cara era de ressonâncias ou cateterismos cardíacos! Atualmente, a grande maioria das operadoras de saúde nem se dá ao trabalho de fazer restrição muito intensa a estes procedimentos. A adoção de valores predefinidos é um modelo simplificado e normalmente não é prático. O consenso parece estar em torno de áreas de maior complexidade, relacionadas a determinadas especialidades, como oncologia, ortopedia, cirurgia cardiovascular, terapia intensiva e neurocirurgia.

O homem que falava javanês O conto clássico de Lima Barreto apresentava um personagem peculiar, que envergava uma linguagem sofisticada e se autoproclamava um intelectual que, entre outras coisas, falava o javanês e gerava uma sensação de encanto. Para a maioria das pessoas, que não sabiam absolutamente nada de javanês, restava acreditar e render-se ao brilhantismo do professor. A medicina atual não só se tornou um universo gigantesco de informações, como vem crescendo e se modificando com uma velocidade fora do que é possível acompanhar. Somente em medicina, 17 mil livros e mais de 30 mil periódicos são disponibilizados a cada ano. A taxa de crescimento desta “natalidade científica” é de aproximadamente 7%, de forma que um médico deveria ler pelo menos 19 artigos por dia para manter as informações disponíveis em dia. A maioria dos auditores acabava se identificando com os demais personagens do conto de Lima Barreto, que tinham que dar autorização (quase sempre) ou negativas (arriscadas) sobre tecnologias e equipamentos “javaneses”. Não é um defeito! Só é injusto que se espere que um neurocirugião tenha a mesma tranqüilidade e segurança para auditar oncologia que um especialista na área ou vice-versa, por exemplo. Também cabe lembrar que algumas pessoas realmente falam javanês! Nesta perspectiva, algumas áreas foram eleitas para gerenciamento específico e particular.

Um novo tipo de auditor Woody Allen captou, como poucos, a aflição do homem moderno, que tem a imaginação permeada pelo medo da substituição, quando explicou que “... meu pai trabalhou na mesma empresa durante 12 anos. Eles o demitiram e substituíram por uma maquininha deste tamanho, que faz tudo que meu pai fazia, só que muito melhor. O deprimente é que minha mãe também comprou uma igual”. Ao contrário do desafortunado pai do escritor e cineasta, o auditor generalista não deverá ter o mesmo destino, já que o crescimento e a velocidade da informação são tão intensos que não permitem que o auditor focado em subáreas tenha condições de exercer a rotina de auditoria médica geral com toda qualidade que 76


Auditoria de Procedimentos de Alto Custo

se espera para operadoras modernas, e vice-versa. Da mesma forma, a medicina é uma das poucas áreas que acumulam tecnologias, de forma que antigas estratégias de diagnóstico e tratamento são muito lentamente abandonadas (quando são...), enquanto novas tecnologias surgem e são rapidamente incorporadas em velocidade muito maior. Este sentimento de “empilhamento” gera inevitável desconforto, uma vez que a primeira leitura e questionamento é que possa estar havendo incorporações precipitadas e movidas por lógica preponderantemente comercial. O que se observa, entretanto, é que na maioria das vezes a medicina se comporta com resistência inicial, mas acaba se rendendo para muitas das inovações. Este tema é talentosamente abordado em outros capítulos. O auditor especialista deve ter uma ampla visão sobre o tema específico, idealmente com experiência prática, visão técnica crítica e condições de se antecipar nas várias inovações que pode se esperar, de forma que possa anteceder eventuais estratégias gerenciais. Estudar o portifólio das empresas de inovação médica é uma maneira conveniente de avaliar regras de regulação antes da primeira solicitação.

Exemplificando com Oncologia A obtenção de imagem e a precisão de diagnósticos, assim como amplitude de opções terapêuticas, produziram uma medicina quase irreconhecível para quem a visualizava há poucas décadas. A melhora prognóstica gerou um fenômeno de cronificação de enfermidades antes compreendidas como terminais. A oncologia se presta muito para ilustrar este cenário. Com uma incidência brasileira de aproximadamente 230 casos novos por ano para cada 100.000 pessoas e uma população de pacientes que teve sua sobrevida e opções de tratamento ampliadas, assim como exposta a tecnologia e tratamentos sofisticados e muito caros, a conseqüência inevitável é o aumento de custos, que tornou a oncologia um foco de atuação importantíssimo. Associada a um modelo assistencial predominantemente fee for service (ou seja, se cobra o que se usa), a necessidade de gerenciamento mais sofisticado na área passou a ser prioridade em várias operadoras. Novos modelos de pagamento estão sendo debatidos nos últimos anos, priorizando o pagamento do serviço em detrimento dos insumos, e buscando um modelo que premia o desempenho gerencial e a qualidade da prestação em todas as etapas do atendimento, incluindo educação, prevenção, diagnóstico precoce e tratamento adequado. Mesmo que o conceito de Auditoria de Alto Custo deva ser muito mais amplo do que, exclusivamente, o controle prévio das solicitações de materiais e medicamentos, para efeitos práticos, entende-se que este gerenciamento seja a estratégia mais impactante em termos de custos imediatos e deva ser priorizada por todas as operadoras. A figura a seguir ilustra um formulário padrão adotado por várias operadoras para solicitação de tratamento oncológico. Neste capítulo, o importante é nos 77


Fronteiras da Auditoria em Saúde

concentrarmos no conceito e não especificamente no dado. Poderíamos estar utilizando um formulário específico de neurocirurgia, ortopedia ou cirurgia cardíaca. Utilizar o exemplo em oncologia é uma opção mais sensata, já que se trata da área de atuação do autor deste texto. Nota-se que várias informações são solicitadas, como, por exemplo, estadiamento (inclusive com descrição da classificação pelo TNM) da doença. Para um auditor desavisado, pode parecer mais um acúmulo de informações cadastrais. Bem pelo contrário, este dado é visceral para análise mínima em oncologia. São vários os exemplos de tratamentos oncológicos que são absolutamente adequados para determinada doença somente nos estádios I e II. Mesmo 78


Auditoria de Procedimentos de Alto Custo

que seja para a mesma doença, os mesmos medicamentos podem ser cientificamente inconsistentes em estádio III ou estádio IV. O mesmo serve para performance (ou desempenho clínico, para o qual se utilizam escalas padronizadas de mensuração): pacientes com desempenho pobre, na maioria das doenças, não se beneficiam de quimioterapia. Para otimizar e tentar minimizar a inevitável burocratização do sistema, o formulário de radioterapia foi anexado ao de quimioterapia, neste nosso exemplo. O empenho em tentar reduzir o número de formulários novos não é só para contemplar a tendência ecologicamente correta de evitar inclusão de “mais papel”, mas para reduzir a tradicional resistência dos médicos que definitivamente não têm a paciência de preencher laudos como sua maior qualidade. Uma forma moderna é informatizar os formulários. Reduz-se mau preenchimento, erros na leitura, extravio de material, acúmulo de papel e corte de árvores. Vantagens sobre a estratégia de informatização de laudos de solicitação serão ampliadas no próximo parágrafo. Conclui-se, portanto, que cada área de alto custo deva avaliar formulários específicos de solicitação, sempre tendo em mente que deve ser evitado que se criem campos supérfluos, assim como devem constar questionamentos pertinentes ao profissional especialista.

Fluxo do trabalho Durante muito tempo todos os fluxos de pré-autorização incluíam um vetor extremamente dispensável e instável: o paciente! Antes de fecharem o livro e interpretarem o autor desta contribuição como um “pobre louco vítima de excesso de trabalho”, prossigam mais este parágrafo como voto de confiança. Estou me referindo ao vetor da solicitação. O médico assistente atende o paciente e entrega para o fragilizado paciente (que, cabe ser redundante, está doente e está depositando a vida nas mãos do colega especialista) um laudo com solicitação de medicamentos ou materiais que podem contribuir para melhorar a saúde do enfermo. Evidente que este indivíduo somente ficará tranqüilo se a operadora não obstruir este caminho. Todo e qualquer questionamento neste momento é interpretado como estratégia para entrave. Nada é mais sensato, portanto, que retirar o paciente desta equação. O uso de formulários informatizados, enviados diretamente do médico (ou do hospital) para a operadora e retorno com mesma agilidade, permite que todo e qualquer questionamento e ajuste sejam feitos sem gerar intranqüilidade e insegurança ao paciente. Esta pequena medida reduz significativamente o enfrentamento, constrangimentos e demandas judiciais!

Implantação e rotina de auditoria em alto custo Equacionamento da situação Vinculados a limites de informações específicas, a maioria dos planos de saúde ainda carece de dados consistentes para estimar expectativas epidemio79


Fronteiras da Auditoria em Saúde

lógicas ou, até mesmo, despesas imediatas relacionadas aos procedimentos de alto custo. Definir números de cada operadora permite criar parâmetros objetivos de seguimento, assim como identificar pontos de maior tensão, além de permitir comparações entre operadoras no sentido de identificar distorções financeiras. Recomenda-se monitorar, pelo menos, os marcadores básicos, como: custo médio de tratamento por paciente com mesma doença/enfermidade e custo médio de tratamento por prestador.

Estabelecer limites contratuais Os limites de cobertura são previstos (ou deveriam ser) em contrato. O argumento que permite eventual negativa de autorizações é que várias propostas terapêuticas são experimentais e, portanto, não cobertas pela maioria dos contratos (particularmente os regulamentados pela lei 9656/98). Existe impasse, entretanto, na definição de tratamento experimental. Mais recentemente, a RN 167 passou a definir como experimental todo tratamento, independente de existência de estudos de fase I, II ou III, que não tenha seu registro para aquela indicação específica regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Até há alguns anos, algumas empresas de seguros médicos nos EUA recusavam-se a reembolsar fármacos e tratamentos que não tivessem aprovação formal específica (classicamente chamado de uso off-label, ou “fora da bula”). Se determinado medicamento tivesse sua indicação ampliada de uma doença para outra, só deveria ser coberto se a bula fosse atualizada. O problema maior, já discutido há anos, é que pacientes poderiam deixar de receber tratamentos considerados apropriados, pelo fato da não aprovação formal. O registro em bula, no Brasil, pode não haver por alguns motivos, como por exemplo: 1. não houve tempo para atualização; 2. é uma indicação órfã (doença incomum, sem estudos de fase III, mas com subsídio científico coerente); 3. não tem amparo científico adequado. Se o motivo de não haver indicação em bula e do conseqüente indeferimento for pelos dois primeiros motivos, corremos o risco de estar penalizando um paciente. A necessidade de conhecimento técnico específico na especialidade é fundamental neste momento, para que uma análise sofisticada e crítica possa ser feita com segurança. Apesar de parecer simples e forte sustentação ética, a negativa de cobertura de determinado procedimento pelo não registro na ANVISA, se não for feita com amparo contratual, gera dificuldades importantes para eventuais defesas jurídicas. No que diz respeito a materiais, a falta de registro legal no país é definidamente fator que impede sua comercialização. Mesmo quando existe registro apropriado, cabe criteriosa análise sobre fundamentação médica da indicação, que deve, idealmente, trazer ganhos prognósticos bem estabelecidos. Este debate ultrapassa questões essencialmente contratuais, de forma que é muito importante que a ação da auditoria deva se antecipar e elaborar normas de manejo, que serão debatidas no próximo item. 80


Auditoria de Procedimentos de Alto Custo

Definir diretrizes assistenciais Estabelecer formas de atuação que sejam tecnicamente corretas e pré-elaborar linhas de atuação que respeitem regras sustentáveis é uma estratégia importante para funcionamento sereno de gerenciamento em áreas de alto custo. Algumas ferramentas devem ser utilizadas na elaboração das diretrizes: Medicina Baseada em Evidências e Economia da Saúde. Ambos serão ampliados em capítulos específicos. Tomo a liberdade de tecer rápidas considerações sobre estes assuntos e como eles podem ser úteis em auditoria de alto custo. Medicina Baseada em Evidências (MBE), que foi inicialmente compreendida com desconfiança, principalmente por aqueles que acreditavam que a base científica de análises sistemáticas da literatura pudesse ferir a tomada de decisão individualizada sustentada na experiência profissional de cada médico, é ferramenta visceral na Auditoria de Alto Custo. A criação de um modelo sistemático de análise crítica permite, evidentemente, fugir de percepções enviesadas e frágeis. Não são poucos os exemplos de impressões médicas que foram endossadas por estudos bem conduzidos, assim como algumas percepções intuitivas se mostraram equivocadas. Importante, portanto, que o ambiente dos estudos originais seja reproduzido da melhor forma possível. A observância dos critérios de inclusão, assim como a leitura nas entrelinhas, permite que as conclusões sejam muito mais específicas do que as descritas nos resumos dos estudos. A utilização de desfechos intermediários (como nível sérico de determinada substância, tempo para atingir nível terapêutico, taxas de resposta...) que não se traduzem em benefício prognóstico pode levar a um julgamento inadequado do real desempenho de determinado tratamento. Infelizmente, são poucos os verdadeiros grandes avanços prognósticos na prática médica que trouxeram aumento significativo de sobrevida e qualidade de vida. Entre as causas da dificuldade encontrada na confecção de estudos clínicos ideais em medicina está a impossibilidade de cegamento perfeito na randomização, uma vez que a diferença nas terapias é freqüentemente percebida, e a inviabilidade ética de uso de placebos nos braços controles. Mesmo assim, ótimos estudos clínicos foram apresentados nos últimos anos, com importantes avanços prognósticos. As operadoras de saúde, situadas em meio a grande debate sobre a necessidade de suplementar as carências do Sistema Público, utilizam a MBE como uma das poucas estratégias sustentáveis para questionar a demanda desenfreada e nem sempre tão crítica. Tratamentos sem sustentação em literatura consistente, ou com base científica frágil, são considerados experimentais e não são cobertos pelo plano de saúde. Idealmente, deve ser solicitado ensaio clínico randomizado ou metanálises para análise e eventual aprovação de tecnologias de alto custo. A Economia da Saúde é uma nova “barreira crítica” que nos permite avaliar se o valor disponibilizado para determinada estratégia médica é adequado frente ao desfecho que ela modifica. As várias etapas da análise são parte de uma ciência específica. Na prática, ela nos permite, como gestores, tomar decisões sobre alocação de recursos, mas serve, de alguma forma, para discussão com 81


Fronteiras da Auditoria em Saúde

nossos prestadores antes de estabelecermos rotinas e diretrizes. De uma forma global, vários países do mundo tendem a incorporar tecnologias que são consideradas, para aquele país, como custo-efetivas. Chamo a atenção para uma característica importante destas ferramentas: nem a MBE e nem a Economia da Saúde servem para reduzir custos. Provavelmente ambas são úteis e convenientes para qualificar nossa assistência e racionalizarmos nossas despesas, mas não estão necessariamente relacionadas à redução de despesas por parte da operadora. O “provavelmente” que inicia a frase anterior é devido a um fato interessante e provocativo: não temos análise científica consistente que prove que estas ferramentas realmente modifiquem os tão procurados desfechos duros, como aumento do tempo ou qualidade de vida, por exemplo. De qualquer forma, mesmo que intuitivo, o bom senso nos conduz à elaboração de diretrizes assistenciais sempre com subsídio balizado em análises científicas e econômicas, elaboradas em associação com a rede prestadora e antes de existir demanda real de qualquer paciente. Já se identificou que a intervenção educativa aos médicos reduz a prescrição inadequada de medicamentos. Selecionando especificamente os estudos randomizados, em que eram comparados grupos com e sem a visita educativa, foram identificadas reduções de prescrições em proporções elevadas (15% e 68%, nos grupos com e sem intervenção, respectivamente). Há mais de uma década, entretanto, já se identificava o benefício da intervenção, mas também a dificuldade de implementação do método em larga escala. É reconhecida e notória, entretanto, a dificuldade de mobilização e integração para definição sistemática de diretrizes assistenciais aplicáveis.

Controle continuado Recomenda-se monitorização de todas as solicitações de tratamento, com liberação de aplicação somente após análise específica. A tarefa do auditor generalista é verificação do preenchimento correto dos formulários de solicitação, confirmação das informações prestadas confrontando com os principais exames (como anatomopatológico e laudo de imunoistoquímica, laudos de imagem, filmes de cateterismos, etc.) e encaminhamento para análise de auditor familiarizado com a linguagem e literatura específica do especialista. Este, por sua vez, emite parecer sobre cobertura (tratamento consistente com o quadro apresentado), não cobertura (tratamento experimental, à luz da literatura e legislação vigentes) ou solicitar esclarecimentos (como literatura pertinente específica para o caso em questão). A implantação da supervisão, por si só, gera disciplina da rede credenciada e redução em curto prazo de desvios. Atualmente, com a Internet largamente implantada, a emissão de pareceres e auditorias online se tornou prática habitual de várias operadoras. O acompanhamento dos parâmetros preestabelecidos e do perfil epidemiológico da carteira viabiliza possibilidade de gerenciamento mais sofisticado e antecipação de medidas (sejam administrativas ou atuariais) para permitir alocação racional de recursos. 82


Auditoria de Procedimentos de Alto Custo

Referências 1. Bertele V. Efficacy, safety, and cost of new anticancer drugs. BMJ 2002;325:269-7. 2. Desch C. Pharmacoeconomics: A Scientific Approach to Resource Allocation at the Bedside. ASCO Ed Book, 1997;33:180-183. 3. Ethoven A, van der Ven W. Going dutch – Managed Competition Health Insurance in the Netherlands. N Eng J Med 2007;327(24):2421-3. 4. Meltzer MI. Introduction to health economics to physicians. Lancet 2001;358:966. 5. Rawlins M, Culyer A. National Institute for Clinical Excellence and its value judgment. BMJ 2002;329:224-5. 6. Smith M. Health Care Cost, Quality and Outcomes. ISPOR Book of Terms, 2003;264. 7. Soumerai S, Avron J. Principals of education outreach (Academic detailing) to improve clinical decisions making. JAMA 1990;263:549-556. 8. Stefani SD. O tumultuado cenário das relações de prestadores e fontes pagadoras. Rev Bras Oncol Clinica 2005;2:19-24. 9. Steinbrook R. Health Care Reform in Massachusetts – Expanding Coverage Escalating Costs. N Eng J Med 2008;358(26):2757-8. 10. Thompson M et al. Review: Educational outreach visits combined with additional interventions reduce inappropriate prescribing by physicians. Evidence-Based Med, Kobelt G. Health Economics: an introduction to economic evaluation. London: OHE, 2002

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Fronteiras da Auditoria em SaĂşde

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Dr. Manoel Antônio Peres – Médico, pós-graduado em Administração de Serviços de Saúde e Hospitalar, é diretor na Bradesco Saúde e já atuou na administração de Serviços Públicos de Saúde, hospitais privados e em diferentes Empresas e Seguradoras de Saúde.

Capítulo 7

A Formação e o Papel do Médico Auditor no Equilíbrio das Operadoras de Planos de Saúde Na abordagem da atividade de profissionais médicos em operadoras de planos de saúde, não há como deixar de mencionar e analisar a formação do profissional, pois sempre foi necessário que o médico, pela natureza da atividade, tivesse e tenha uma eclética formação, que passa pela sociologia, psicologia, economia, política, estatística e, naturalmente, a adequada formação técnica. Dada a complexidade do relacionamento humano, em particular nos momentos de estresse do processo “saúde-doença”, o profissional com formação mais ampla terá maior chance de ajudar seus pacientes e respectivos familiares. Na atividade desenvolvida por médicos auditores ou incumbidos da gestão, em operadoras de planos de saúde, o relacionamento não é menos importante para o desempenho de suas funções do que os demais elementos que abordaremos daqui para frente, constituindo-se, assim, em um dos principais elementos, junto com a credibilidade técnica adquirida pelo estudo e pela experiência profissional. Da mesma forma, o profissional médico que atua em operadoras de planos de saúde não pode se restringir a atividade de auditoria técnica relativa a pertinência dos eventos em saúde, pois, é necessária uma atuação abrangente, criando assim o que podemos denominar de medicina do seguro, como uma especialidade que alia a formação já mencionada e os conhecimentos médicos a outras especialidades relativas a administração, finanças e gestão de serviços. 85


Fronteiras da Auditoria em Saúde

A auditoria médica para ser sustentável, em operadoras de planos de saúde, requer a capacidade do profissional médico conhecer solidamente os conceitos básicos que transcendem o funcionamento e a operação empresarial das organizações, quais sejam:

A importância social da atividade no seu mais amplo espectro O acesso a medicina moderna e de alta complexidade, em nosso país, salvo nos poucos centros disponíveis no SUS, só se tornou possível a um grande contingente de pessoas devido a existência do financiamento gerado pela existência das operadoras. Garantindo, assim, a segurança do acesso às muitas famílias, sem que isso possa representar uma ameaça de perda de patrimônio ou ausência da reposição financeira, em boa medida, despendida em casos de necessidade de diagnósticos e tratamentos onerosos. Igualmente, esse mecanismo de acesso permite ao mercado de trabalho ampliar a absorção de um grupo maior de profissionais da área de saúde. Dada a transformação da medicina, pelo elevado grau de novos conhecimentos e tecnologia incorporada, o desenvolvimento da atividade médica se torna possível a um grupo maior de especialistas, além da criação de novas especialidades. No que concerne à indústria relacionada com a produção de insumos e componentes voltados para a saúde têm se evidenciado a obtenção de elevado grau de desempenho, evolução e geração de riqueza pelos mecanismos de financiamento e acesso às novas tecnologias. Grande gama de serviços adjacentes e que gravitam no suporte à prestação de serviços de saúde também têm se beneficiado da dinâmica criada em torno do acesso à saúde.

A importância do princípio do mutualismo O financiamento do acesso é dado pelos princípios do Seguro na modalidade de contratos (apólices), pelo qual as Companhias Operadoras se obrigam a indenizar o Segurado pela ocorrência de determinados eventos (sinistros) mediante a cobrança do prêmio (importância mensal fixa paga pelo Segurado à Companhia Operadora). O Seguro baseia-se no princípio do mutualismo, através do qual um grupo de pessoas expostas aos mesmos riscos produzirá um determinado número de eventos, possível de ser esperado e calculado estatisticamente em termos de freqüência. Esta, por sua vez, permite o cálculo do prêmio total necessário e individual do seguro a partir dos preços e custos unitários dos eventos, para o que também se leva em consideração a diluição dos custos globais de assistência do grupo exposto entre todos os segurados. Alterações de freqüência e preços influenciam no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e guardam relação direta com os prêmios pagos pelos segurados. 86


A Formação e o Papel do Médico Auditor no Equilíbrio das Operadoras de Planos de Saúde

A “Lei dos grandes números” prevê que eventos irregulares, aparentemente aleatórios, revelam uma constante estatística no seu comportamento, quando se observa sua ocorrência em grandes conjuntos populacionais, durante longos períodos. Esses princípios são a base de sustentação do seguro moderno a prêmio fixo. É dessa forma que se torna possível conseguir a transformação do risco individual em coletivo, materializando a atividade seguradora. Desta forma, mediante as contribuições antecipadas (prêmios) de muitos expostos a um evento, consegue-se somar os meios financeiros necessários para ressarcir os danos sofridos por alguns dos integrantes do grupo. “População suficientemente grande, prazo de seguro suficientemente longo, valores em risco homogêneos, além de homogeneidade de coberturas, são algumas das condições necessárias para que o sistema funcione de forma equilibrada”. Há, no entanto, no Seguro Saúde, algumas condições que contrariam os princípios básicos e clássicos de seguro, tais como o risco de desnecessária demanda gerada de prestadores de serviços e o valor incerto de muitas das ocorrências ou ausência de limite ou importância segurada para os eventos cobertos. Estes conflitos com as regras clássicas do seguro tornam a atividade de Seguro Saúde mais complexa e difícil.

Os limites e fronteiras da atividade A atividade tem limites regulatórios e técnicos complexos para todos os participantes da cadeia, sejam operadoras, prestadores de serviços médicohospitalares e indústria. Conhecer as bases que regem o funcionamento desses participantes é de extrema importância. A maioria delas pode ser encontrada no conteúdo da regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, na legislação pertinente a cada segmento da indústria e dos serviços médico-hospitalares, além das regulamentações referentes às entidades de fiscalização da atividade profissional. A base ética deve alicerçar o relacionamento entre os participantes além de servir como uma das fronteiras mais importantes e relevantes a ser permanentemente considerada, conhecida e respeitada pelo profissional auditor. É esta base que será responsável pela segurança individual e coletiva na prestação de serviços de qualquer natureza da atividade em saúde, distinguindo os profissionais e os grupos para os quais trabalham.

A evolução dos custos de assistência médico-hospitalar O custo da assistência médico-hospitalar, nas últimas décadas, tem se elevado em velocidade diferente de outros serviços da economia, parte pela elevação de freqüência de consultas, exames e procedimentos, parte pela forte elevação dos preços de materiais e medicamentos que incorporam novas tecnologias a 87


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cada instante. Tornando imperiosa e necessária a elevação dos prêmios dos planos. É neste contexto que o trabalho do médico de seguros deve exercer sua atividade como a arte do possível. É conhecido que, no curto prazo, segundo a observação macroeconômica, os preços e salários são rígidos, sendo esta característica também inerente aos prêmios de seguro. Por esta exata razão, não há uma sintonia entre os valores dos prêmios pagos e o custo da assistência médico-hospitalar, sendo requeridos outros mecanismos de compensação que permitam a subsistência da atividade. Estes mecanismos podem ser representados pelos resultados de reservas financeiras, atividades de contenção de custos que permitam manter o equilíbrio entre qualidade e acesso. Ressaltando que a expectativa individual do cidadão, doente ou não, demanda altos padrões de cuidado. O estilo de vida da população e as alterações demográficas, da mesma forma, têm em muito contribuído para a elevação dos custos da assistência médicohospitalar, destacando-se condições mais relacionadas aos hábitos de vida, a obesidade, ao tabagismo, aos altos níveis de colesterol, à vida sedentária e aos acidentes automobilísticos, que felizmente, parecem segundo várias notícias veiculadas, ter diminuído de freqüência e gravidade, em razão das recentes medidas legais adotadas pelo país no que tange à repressão do consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo. A cada ano a evolução tecnológica tem motivado, de forma concomitante, a utilização de novos materiais, órteses e próteses, além da indicação de novos procedimentos para diagnóstico, sendo o aumento da complexidade dos procedimentos e atendimentos realizados, fator determinante para a constante elevação desses custos.

O controle da seleção adversa Nas situações de contratação de planos de saúde para grandes ou pequenos grupos em que, mesmo com a apresentação de dados retrospectivos de freqüência e custo, seja necessária a avaliação de dados de histórico médico pregresso com o objetivo de fornecer parecer técnico que estabeleça simetria de conhecimento entre o contratante e a operadora, evitando, assim, a seleção adversa e promovendo o equilíbrio entre as partes, dado que o conhecimento do contratante, no ato da contratação pode ser superior ao da operadora.

Os diferentes e divergentes interesses dos participantes do Sistema de Saúde Não há como deixar de reconhecer que muitos dos interesses dos participantes que integram a cadeia de prestação de serviços médico-hospitalares são divergentes. Ao que podemos somar o baixo interesse na vigilância com a evolução do custo da assistência, por parte dos prestadores de serviços médico-hospitalares, 88


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quando remunerados pelo denominado modelo “fee for service”. Interesses estes, que neste caso, se alinham a toda a cadeia de fornecedores de insumos. Essas forças do sistema ganham algum contorno e limitação quando há alguma competitividade entre participantes semelhantes. Contribuem também com essa limitação, os trabalhos de gestão e regulação possíveis, sejam eles realizados por operadoras, empresas que financiam a assistência aos seus funcionários, médicos auditores e, até, pelo próprio usuário, particularmente quando participante de algum modelo de assistência em que parte do financiamento contemple fatores de moderação tais como co-participação e franquia. Atualmente são muitos os participantes da cadeia, adicionalmente há os que não participam diretamente, mas são atores importantes na configuração do cenário da prestação de serviços de saúde e da saúde supletiva no país. Tais agentes podem interferir, influenciar ou intervir em vários aspectos, que vão da regulação e da avaliação da qualidade a capacidade de ditar novos comportamentos e decisões. Não é necessário explicitar a capacidade de atuação e o papel de cada um dos componentes da figura 1 abaixo, mas é importante observar a maior ou menor presença dependendo da região do país e tipo de assistência, reconhecendo o papel que desempenham. Ainda que com divergentes e diferentes interesses entre os participantes do sistema de saúde supletivo, é preciso considerar que nas últimas décadas o acesso e a qualidade se expandiram, mas as discussões sobre contenção de custos também se tornaram mais presentes. Assim, estes três elementos de permanente tensão – o acesso, a qualidade e a contenção de custos –, formam o Triângulo

Figura 1

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de Ferro da Saúde, assim chamado e descrito pelo Dr. William Kissik, especialista em Sistemas de Saúde e professor de saúde pública e medicina preventiva da Universidade da Pennsylvania. Pois, segundo ele, cada um desses vértices tem igual representação e prioridade. No entanto, a expansão de um desses ângulos compromete a um ou ambos dos outros dois. E esta permanente necessidade de busca de equilíbrio é essencial a qualquer profissional que atue no sistema de saúde, em particular o médico auditor. É preciso considerar que o relacionamento entre os agentes pode ser diferente de acordo com o modelo de acesso (livre escolha ou serviço integrado e prestado pela própria operadora, no caso de empresas de medicina de grupo).

Avaliação da qualidade As forças que atuam para o aprimoramento da qualidade dos serviços prestados também devem ser objeto de análise, pois, aqueles que conquistaram a reputação de deterem serviços com avaliação de elevado nível de qualidade, ao longo de anos, farão todos os esforços para mantê-la. Situação válida para o acesso pela livre escolha de pacientes, pois tais prestadores de serviços são dependentes, em boa medida, desta escolha. O mesmo talvez não possa ser dito dos serviços, cujos pacientes são direcionados a eles, pela ausência da liberdade de escolha. Existindo desta forma outros mecanismos para estímulo ao aprimoramento qualidade. Mas, em qualquer uma destas situações é necessário discernimento que permita reconhecer os atributos relativos à qualidade técnica de fato, daqueles que dizem respeito à capacidade de comunicação e convencimento superiores aos resultados relativos à assistência médico-hospitalar prestada. Estas premissas são válidas para instituições e profissionais. Adicionalmente, a qualidade não está necessariamente relacionada a custos mais elevados. Ao contrário, a qualidade de serviços prestados em saúde em muito pode significar a redução ou contenção de custos. No entanto, não raro se ouvem sofismas a respeito do binômio custo e qualidade, particularmente os que se valem da explicação de custo inicial elevado como argumento para obtenção da qualidade da assistência com conseqüente menor custo final. Tornando assim a qualidade um suposto escudo para custos desproporcionais e sem razões que os justifiquem tecnicamente. Dentre os conhecimentos básicos, relativos ao profissional que atua em operadoras de planos de saúde, não podemos negligenciar e não é demasiado citar que não é menos importante conhecer o formato e tipo de conteúdo de diferentes registros médicos, tais como: prontuários, documentação clínica comum à maioria dos hospitais – prescrições, fichas anestésicas, formulários da comissão de infecção hospitalar, requisições de exames, laudos, entre outros –. Adicionalmente, é imprescindível o conhecimento dos formulários próprios para Troca de Informações em Saúde Suplementar – TISS –, tipos e versões de 90


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tabelas de procedimentos médico-hospitalares, a Classificação Internacional de Doenças (CID), composição das contas médico-hospitalares e tabelas de referência para insumos em saúde. Além dos conceitos básicos mencionados anteriormente, embora desnecessário abordar, é importante citar a formação moral e a integridade requerida, como, aliás, em qualquer atividade. Pois o profissional é permanentemente colocado frente a situações de arbitrar em questões que têm como contexto as relações contratuais estabelecidas entre as partes. Para as quais é requerido o conhecimento do panorama e dos conceitos anteriormente abordados. Não podendo o profissional arbitrar ou oferecer pareceres com base em suas crenças individuais ou preferências. Gostar de estudar e de executar as diferentes atividades relacionadas com a medicina de seguro é fundamental para o aprimoramento profissional e melhoria do desempenho das instituições e do segmento. Finalizada a abordagem dos aspectos principais da formação profissional se torna mais fácil discorrer sobre os diferentes papéis e possibilidades do trabalho que o médico de seguro pode e deve desempenhar, integrando equipes multiprofissionais, no suporte à sobrevivência das operadoras e o aprimoramento da atividade. Neste aspecto a atuação em operadoras precisa considerar que o médico na atuação profissional individual tem visão diferente e, não raro, conflitante com a gestão, embora seja requerida intensiva colaboração de ambos. Pois os contrastes entre os universos e responsabilidades de cada um podem propiciar conflitos. O universo da atuação individual refere-se ao contato isolado com o paciente, com o hospital como espaço de trabalho, formas de concluir um diagnóstico, melhor terapêutica e a realização de cada procedimento artesanal. O médico gestor, por sua vez, em uma operadora ou hospital, atua com desafios orçamentários, organização de atividades, planejamento, operação funcional e gestão de pessoas. Exemplificados no quadro abaixo:

• • • • • • • • • • •

Responsabilidade individual Especialista Posse da expertise Baixa preocupação com custos Indivíduos / pacientes Reativa Postura autoritária Padrões profissionais próprios Certificação acadêmica Alvo em resultado Pratica independente

• Delegação • Generalista • Orquestração de expertise • Recursos limitados • Mercado / Consumidores • Antecipação • Postura empreendedora • Percepção do consumidor • Descrição do trabalho / tarefas • Maximizar resultados • Processo em grupo

Adaptado do livro: Dilemas da Medicina – Infinitas necessidades versus finitos recursos – Kissik, William.

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Assim, a chamada auditoria médica em operadoras de planos de saúde pode participar ou atuar em múltiplas atividades, sejam operacionais ou estratégicas, entre as quais: Elaboração de produtos A participação na elaboração de produtos, no que concerne a abrangência, qualidade da rede de prestadores de serviços e hierarquização do acesso. Adicionalmente nos aspectos relativos a adequada comunicação técnica, elaboração das condições gerais de contrato e a pertinência com os preceitos regulatórios. Aceitação de contratos coletivos Avaliação de dados retrospectivos que permitam a possibilidade de simetria entre contratante e operadora contratada. Além de estudos prospectivos baseados em dados epidemiológicos da população avaliada. Elaboração e análise de formulários de declaração pessoal de saúde O estabelecimento de cobertura parcial temporária depende da avaliação médica das declarações preenchidas pelos proponentes de contratos de saúde, conforme preconizado pela regulamentação normativa a respeito, estabelecendo a segurança de todos os agentes envolvidos na prestação da assistência e da transparência de contratação para o consumidor. Orientação no preenchimento de declaração pessoal de saúde Embora prerrogativa do consumidor, a operadora deverá disponibilizar médico que oriente o consumidor no ato do preenchimento da declaração de saúde, assim, esta é uma atividade importante e requerida. Análise técnica de eventos requeridos – pré-autorização Avaliar a pertinência dos procedimentos, frente aos aspectos regulatórios, contratuais, declaração pessoal de saúde e eventual cobertura parcial temporária são algumas das atividades relevantes para o equilíbrio entre as relações, particularmente em razão da assimetria de informações e do moral hazard (risco moral). Análise técnica de eventos faturados A chamada análise de processos e contas médico-hospitalares costuma ser a ponta mais visível da denominada auditoria médica, constituindo-se, assim em relevante atividade que desempenha papel fundamental quanto a: • Coleta de informações que permitam painel estatístico de eventos; • Acompanhamento dos procedimentos frente aos padrões previamente estabelecidos; • Promoção do atendimento humanizado; 92


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• Avaliação do tratamento proposto quanto a adequação e a utilização de recursos de acordo com as melhores práticas e com o tipo de doença que causou a internação do paciente; • Identificação do tratamento proposto de acordo com os eventos contratados pela operadora de saúde e nas condições pactuadas; • Avaliação dos serviços prestados quanto a qualidade pretendida de assistência médica; • Orientação quanto ao correto preenchimento de guias e formulários de cobrança de serviços, baseado nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar; • Estabelecer com o médico assistente o planejamento de alta hospitalar; • Notificação das situações de fraude do segurado ou do prestador de serviços médico-hospitalares; A análise técnica retrospectiva de eventos faturados permite uma importante visão do processo da assistência, obviamente e particularmente quanto aos registros de custos incorridos. Mas não menos importante em termos de tendências, de comparativo de desempenho e de custo-efetividade. Esta análise, em geral é realizada em duas etapas. A primeira no hospital, com a disponibilidade de registros médico-hospitalares mais completos e a presença de profissionais do próprio hospital que permitam a interação. A segunda etapa ocorre na operadora com a disponibilidade de informações mais completas de contratos entre o segurado e a operadora, e, entre a operadora e os prestadores de serviços, quando se trata de pagamentos diretamente à rede referenciada. A análise agregada dos dados de grandes volumes de contas médicohospitalares, por tipo de atendimento, diagnóstico ou procedimento é uma atividade que permite fazer avaliações prospectivas relevantes também executadas por médicos auditores. Além de se constituir em uma tarefa de elevada relevância operacional na liquidação de contas médico-hospitalares, pois, a sua efetivação é que irá, em geral, legitimar os pagamentos realizados à rede de prestadores médicohospitalares referenciados.

Análise estatística e comportamento epidemiológico A prevenção de doenças e a promoção de saúde são atividades de antecipação, portanto, para seu adequado planejamento e efetividade são requeridas avaliações estatísticas retrospectivas para a detecção de tendências, cuja análise, interpretação e planejamento são atividades em que é necessária a participação do médico. Igualmente necessária na elaboração de questionários de avaliação de saúde, elaboração e apresentação de palestras de educação em saúde, realização de campanhas de imunização, entre tantas outras atividades relacionadas a promoção e prevenção de saúde. 93


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Suporte no desenvolvimento de sistemas informatizados de gestão A especificação e desenvolvimento de sistemas informatizados requerem a participação de diferentes profissionais, no setor saúde, sem dúvida a participação do médico tem sido crescente, tanto assim, que já contamos com vários profissionais especializados em informática médica, constituindo-se atualmente em especialidade médica.

Normatização e padronização de procedimentos e avaliação de novas tecnologias A elaboração de normas e a padronização de procedimentos para a adequada e homogênea interpretação pelos diferentes profissionais de saúde ou mesmo médicos que atuam em diferentes áreas de uma determinada organização é outra atividade de extrema relevância nas operadoras de planos de saúde. Da mesma forma, a pesquisa, estudo do uso de novas tecnologias com conseqüente elaboração de diretrizes que permitam a crítica adequada e correta da utilização ou implementação dessas tecnologias. Levantamento das evidências científicas do que é considerada a melhor prática médica. Considerando ainda relevante o suporte na interpretação das decisões regulatórias. Muitas das atividades médicas desenvolvidas em operadoras de planos de saúde são terceirizadas, assim, a elaboração dos contratos, a contratação e gestão destes serviços terceirizados, de forma que sejam prestados conforme a especificidade definida e contemplem a qualidade requerida, são atividades geridas e acompanhadas por médicos. É natural que seja reconhecida a existência de grande correlação entre a qualidade técnica dos serviços oferecidos pelas operadoras de planos de saúde e a qualificação dos profissionais que nela atuam. Assim, finalizamos a abrangência deste capítulo referente à atividade médica em operadoras de planos de saúde, oferecendo um panorama que não esgota a ampla e necessária atividade médica em operadoras de planos de saúde. Sendo certo que mais detalhamento e profundidade poderiam ser empreendidos. Mas, dado o caráter generalista da abordagem, optamos por salientar os pontos mais relevantes.

Referência 1. Kissick, William L. Medicine´s Dilemmas: infinite needs versus finite resources.

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Luiz Celso Dias Lopes – Advogado, formado pela Fundação Instituto de Ensino para Osasco UNIFIEO – MBA em Gestão de Planos de Saúde pelo Centro Universitário São Camilo em convênio com a ABRAMGE – Especialização em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo – PDG – IBMEC-SP – MBA em Gestão Empresarial – FGV-SP – cursando – Superintendente de Relações com Órgãos Reguladores da SulAmérica Seguro Saúde – Ex-Técnico de Proteção e Defesa do Consumidor do Procon/SP – Ex-Chefe do Núcleo Regional de Atendimento e Fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar em São Paulo – Ex-Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Administração de Planos e Seguro-Saúde do SENAC/SP – Docente em Cursos técnicos, de especialização e pós-graduação na disciplina de Regulação e Gestão de Planos de Saúde – Membro da Comissão Técnica e Jurídica da FENASAÚDE - Federação Nacional de Saúde Suplementar – Membro do Comitê Jurídico do IESS - Instituto de Estudos em Saúde Suplementar – Membro da Comissão Editorial da obra “10 de regulação: desafios e história da Saúde Suplementar” – IESS, 2008, Editora Saraiva – Membro da Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA

Agradecimento: Agradeço a Deus, à Allana, pelo carinho, dedicação e companheirismo todos os dias; à minha família, pelo apoio em todas as circunstâncias; aos amigos de serviço público (Procon-SP e ANS), privado (SulAmérica), acadêmico, de militância em prol do equilíbrio na saúde suplementar (FENASAÚDE e IESS) e da vida (da Bahia a São Paulo), por possibilitarem aprendizado constante e compartilharem experiências.

Capítulo 8

Auditoria e Judicialização da Saúde Aprendemos desde cedo que saúde é o bem-estar físico, mental e social. E é esse, em linhas gerais, o conceito de saúde para a Organização Mundial de Saúde. Também sabemos que a saúde está diretamente ligada a uma série de condições ambientais e sociais favoráveis e de estilo de vida. Percebe-se, portanto, que a saúde, por estar intimamente relacionada à vida e à dignidade da pessoa, merece especial atenção do Estado, seja por meio de políticas públicas, seja pela fomentação de instrumentos que assegurem efetivamente essa garantia. 95


Fronteiras da Auditoria em Saúde

O Estado brasileiro, que atualmente tem como pilar a Constituição Federal (CF) de 1988, assegura a todos o direito à saúde de forma expressa e veemente, qualificando-a como um dos Direitos Sociais e, portanto, incluindo-a no rol dos direitos fundamentais. Tal opção ocorre em virtude do ordenamento jurídico brasileiro ter como fundamento, dentre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana. A saúde, dada a sua magnitude, recebe, dentre os direitos sociais, especial tratamento constitucional, posto que é tratada em seção específica (artigos 196 a 200, da Seção II- , do Capítulo II- da seguridade social, do Título VIII – da ordem social, da Constituição Federal). A Constituição, apesar de afirmar que saúde é direito de todos e dever do Estado, assegura a sua oferta pela iniciativa privada, legitimando a atuação das operadoras de planos e seguro de saúde, as quais constituem a chamada saúde suplementar, uma atividade econômica que já existia de forma organizada desde a década de 60 e hoje movimenta 50 bilhões de reais e registra 50 milhões de vínculos contratuais.1 Essa atividade, todavia, só passou a ser regulada especificamente em 1998, com a publicação da Lei n° 9.656/98 e com a criação de uma Agência Reguladora em 1999, a ANS- Agência Nacional de Saúde Suplementar. Mas se a saúde recebe especial atenção do Estado e no campo privado representa quase 25% da população brasileira, o que leva os consumidores a buscar guarida no judiciário? Como podemos explicar a grande quantidade de ações judiciais relacionadas à saúde, especialmente contra o Estado e contra as operadoras de planos e seguro-saúde? Quais os motivos para o comportamento do judiciário em relação ao tema e qual a relação entre a chamada judicialização da saúde e o papel da auditoria médica? É o que pretendemos abordar neste capítulo, além de apontar algumas sugestões para diminuir ou minimizar os impactos destas decisões. No presente capítulo, todavia, não trataremos especificamente da saúde pública, embora teceremos considerações a seu respeito; cuidaremos, em especial, do oferecimento dos serviços de assistência à saúde pelas operadoras de planos e seguros de saúde.

O sistema de saúde brasileiro: o público e o privado Já vimos que o sistema de saúde brasileiro tem suas bases na Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã” e que é resultante do anseio popular por liberdade e democracia, o qual, por sua vez, decorre do período amargo pelo qual passou o país com a triste experiência do regime ditatorial. E “se os direitos civis e políticos mantêm a democracia dentro de parâmetros razoáveis, os direitos econômicos e sociais estabelecem limites adequados aos mercados. Não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco verdadeira igualdade sem liberdade”.2 1 2

Sistema de Informação de Beneficiários – ANS/MS – 09/2008. Jack Donnelly, apud Flávio Piovesan, Revista Consultor Jurídico, junho de 2000.

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Auditoria e Judicialização da Saúde

Logo no primeiro artigo da Constituição Federal3 o Direito à Saúde é assegurado implicitamente por meio dos Princípios da cidadania e dignidade da pessoa humana. Resta claro que, se o Estado Democrático de Direito, tem entre os seus fundamentos a cidadania e dignidade humana, inclui-se aí o direito à saúde, posto que se trata de Direito Universal e de condição indispensável para que se exerça efetivamente a cidadania e, principalmente, para que se alcance e se viva dignamente. Um Estado que nega à sua população o direito à saúde, nega-lhe a condição digna de ser humano. Como conseqüência do artigo 1º, o constituinte incluiu o direito à saúde no rol dos “Dos Direitos e Garantias Fundamentais, especificamente entre os “Direitos Sociais”, previstos no artigo 7º. A dignidade da pessoa humana, individual ou coletivamente considerada, é o fundamento norteador de todo o sistema constitucional, é um valor espiritual e moral inerente a todo ser humano, homem ou mulher e, para respeitá-la, é preciso assegurar, também os direitos sociais (Gregori, 2007, p. 21), Entretanto, é no Título VIII, Da ordem Social, Capítulo II, Da seguridade Social, que o direito à saúde é detalhado em cinco artigos (196 a 200), nos quais são determinados os seus princípios específicos, sua implementação, regulação, fiscalização e o seu exercício pelos cidadãos. Mariângela Sarrubbo4, em comento ao Art. 196 da CF, afirma que ele impõe ao Estado o dever de garantia à saúde da população, assegurando ao cidadão o acesso universal e igualitário às ações e serviços. Já o artigo 197 dá aos serviços de saúde o status de relevância pública, impondo ao Poder Público a sua regulamentação, fiscalização e controle, bem como determinando a forma de como deve ser executado. O Sistema Único de Saúde – SUS, tem suas linhas principiológicas traçadas nos artigos 198 e 200, os quais foram regulamentados pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. O Sistema Público de Saúde, constitucionalmente aberto a todos, no seu conjunto carece ainda de qualidade. E, também, não conseguiu se estruturar de forma estável, embora esforços estejam sendo realizados ao longo desses anos. No entanto, releva salientar que, em função da complexidade do setor, verificase que a saúde enfrenta problemas em todo o mundo, independentemente do percentual que lhe seja destinado nos orçamentos públicos. (Médici, apud Gregori, 2007, p. 27) O artigo 199 da CF permite à iniciativa privada a assistência à saúde em forma suplementar ao Sistema Único de Saúde, segundo suas diretrizes. O constituinte nada mais fez do que constitucionalizar algo que já existia de forma organizada, no caso dos planos e seguro-saúde, desde a década de 60. Importante destacar que ao assegurar a oferta de serviços da saúde à iniciativa privada, a Constituição legitima a atividade das operadoras de planos de saúde e dos prove3

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Artigo 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Saúde e Responsabilidade, 1999, Editora Revista dos Tribunais.

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Fronteiras da Auditoria em Saúde

dores privados de saúde, pessoas físicas ou jurídicas. Para fins deste estudo, saúde suplementar será sinônimo do mercado de planos e seguros de saúde. A Lei que criou o Sistema Único de Saúde estabelece logo nas Disposições gerais, no seu artigo 2º, que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. À frente, o mencionado diploma legal prescreve que “os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país”. “A dignidade humana é um valor já preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato já de ser pessoa”, no entender de Rizzato Nunes, que continua, dizendo: “Se, como se diz, é difícil a fixação semântica do sentido de dignidade, isso não implica que ela possa ser violada. Como dito, ela é a primeira garantia das pessoas e a última instância de guarida dos direitos fundamentais”.5 A existência da Saúde Suplementar é marcada, primordialmente, pela atuação da iniciativa privada na prestação de serviços públicos de saúde, área em que o Estado tem a titularidade da obrigação de oferecê-los à população. Entretanto, em obediência ao Princípio Constitucional da Livre Iniciativa Privada, o próprio Estado permite o oferecimento desses serviços por particulares (artigo 199, da CF/88), desde que haja observância de normas elaboradas por aquele. A Norma que regula especificamente as operadoras de planos e seguros de saúde é a Lei Federal Nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Essa lei é conhecida como a Lei dos Planos de Saúde, tendo sido publicada em 04 de Junho de 1998 e logo alterada pela Medida Provisória (MP) N° 1665. A Lei entrou em vigor de forma compartilhada, ou seja, parte vigorou a partir da data de sua publicação, parte a partir de setembro de 1998 e o resto a partir de 1999. Depois dessa primeira medida provisória, essa Lei foi alterada 44 vezes por outras MPs. Aliás, até hoje a Lei, tem sua atual configuração por força de uma Medida Provisória, a de N° 2177-44. É importante lembrar que a regulamentação do setor de saúde suplementar, exigida pela Constituição de 1988, surge apenas em 1998, quando o SUS já apresentava, no mínimo, cinco importantes marcos em seu processo de construção: a Lei Orgânica da Saúde, lei 8080/90, a extinção do INAMPS, a NOB – Norma Operacional Básica/93, a NOB/96 e a implantação do PAB - Piso da Atenção Básica, em 1998. A Lei 9.656/98 trouxe importantes modificações ao sistema legal, normativo e fiscalizador da assistência privada à saúde. Em primeiro lugar, deu-lhe organicidade, definindo a natureza dos operadores e as modalidades de sua atuação. Em segundo lugar, reconheceu a especificidade do setor, criando órgãos de controle próprios, inicialmente bipartite, mantendo o CNSP- Conselho Nacional de Seguros Privados e a SUSEP- Superintendência de Seguros Privados (Ministério da Fazenda) e SAS/DESAS (Ministério da Saúde).6 5 6

Comentário ao Código de Defesa do Consumidor - Direito Material, p. 17. Saúde e Responsabilidade, p. 41-42.

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Auditoria e Judicialização da Saúde

Essa gestão tornou-se única, alterando-se a Lei 9.656/98, com vistas a retirar qualquer ingerência da SUSEP e do CNSP nas Operadoras de Planos de Saúde, bem como nas seguradoras especializadas em seguro-saúde no que tange à prestação dos serviços previstos na Lei dos Planos de Saúde, após a Lei Federal Nº 10.185/01. Hoje, compete exclusivamente ao Ministério da Saúde normatizar e fiscalizar o setor, por meio do CONSU- Conselho de Saúde Suplementar e da ANS- Agência Nacional de Saúde Suplementar, a qual foi criada pela Lei 9.961/ 2000. Vejamos os principais pontos da Lei 9.656/98: • Especificação da atividade privada de saúde suplementar, com a delimitação do seu raio de alcance (isso fica claro logo nos primeiros artigos da lei,quando se conceitua operadora de planos privados de assistência à saúde, plano de assistência à saúde e carteira de clientes); • permissão da participação do capital estrangeiro na atividade de saúde suplementar; • necessidade de autorização e registro para o funcionamento; • institucionalização de um Plano Referência (de oferta obrigatória) e de suas segmentações; • exigência de cobertura a todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados com a saúde da OMS, de acordo com um rol de procedimentos e eventos em saúde editado pela ANS; • indicação exaustiva das situações passíveis de exclusão de cobertura por parte das operadoras; • definição do conceito de Doenças e Lesões preexistentes, proibição de exclusão7, e imposição do ônus da prova às operadoras; • vedação à interrupção ou suspensão de internações; • previsão dos limites máximos de carência (art. 12, V); • proibição de rescisão ou suspensão unilateral dos contratos individuais, exceto em caso de inadimplência ou fraude; • proibição de recusa de acesso a planos de saúde (artigo 14); • regulação dos reajustes por faixa etária, determinação da quantidade máxima de faixas e o acúmulo entre elas (artigo 15, Res. Consu n° 06 e RN N° 63/04); • exigência de informação clara e prévia nos contratos (artigo 16); • regulação de descredenciamentos de entidades hospitalares (artigo 17); • imposição de obrigações aos prestadores de serviços, bem como proibição de discriminações no atendimento e de unimilitância; • formas fiscalizatórias e previsão de liquidação das operadoras; 7

O assunto é regulador pela Resolução Normativa da ANS N° 162/07, a qual estabelece a Cobertura Parcial Temporária como regra em caso de declaração de doença ou lesão preexistente pelo consumidor.

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Fronteiras da Auditoria em Saúde

• instituição do benefício de permanência nos planos coletivos para aposentados e demitidos a ser observado pelas empresas empregadoras que ofereçam planos coletivos (ART. 30 e 31); e • garantia de adaptação dos contratos antigos (art. 35).

Da judicialização da saúde Em princípio, é importante dizer que um grande marco do recente período democrático brasileiro é a facilitação de acesso à justiça, conforme prevê o artigo 5°, incisos XXXIV e XXXV, da Constituição Federal. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, no artigo 6°, incisos VI, VII e VIII, também prevê o acesso facilitado ao judiciário pelo consumidor, para prevenção e reparação dos seus direitos e violação ou ameaça a estes. Para a obtenção e consecução de tais garantias, surge, em 1995, a Lei dos Juizados Especiais – Lei N° 9.099/95. Essa Lei revolucionou o acesso à justiça no Brasil e foi criada justamente para facilitálo, além de simplificar e acelerar os aspectos processuais, evitando, assim, decisões demoradas e o acúmulo de processos. Essa lei possibilita que qualquer pessoa ingresse com uma ação judicial sem a necessidade de estar representada por um advogado, desde que o valor da causa não ultrapasse 20 (vinte) salários mínimos. Atualmente, os juizados especiais cíveis se espalharam sobremaneira, havendo instalações em faculdades, shoppings centers, juizados itinerantes, etc. Entretanto, observa-se que a demanda foi e é tão grande que, assim como as varas comuns, tais juizados já se encontram abarrotados de processos. Há juizados em que as audiências de conciliação estão sendo marcadas com esperas de dois anos. O próprio CNJ - Conselho Nacional de Justiça, entidade responsável por normatizar e fiscalizar o judiciário, preocupado com a quantidade de processos, inclusive nos juizados especiais, tem orientado os tribunais a priorizarem a conciliação. Sem dúvida alguma essa facilitação motiva as pessoas a ingressar com ações judiciais. No caso da saúde, contra o Estado ou contra as operadoras de planos de saúde. Não é, todavia, a fonte de toda a problemática da chamada “judicialização da saúde”. O assunto passa certamente por uma análise da organização do sistema de saúde no Brasil, pela nova concepção contratual no ordenamento jurídico, valorizando-se a sua função social, pelo objeto em si (saúde), o qual recai direta ou indiretamente na discussão de direitos ainda maiores e absolutos, quais sejam, a vida e a dignidade da pessoa humana e, por fim, pelo viés ideológico do judiciário, incorporando em suas decisões sobre o tema um componente impróprio, que é a politização da justiça ou judicialização da política. Podemos qualificar a politização da justiça ou judicialização da política, como sendo a absorção de idéias de justiça social e distributiva pelo Direito, culminando com a expansão da atividade estatal no sentido promocional, ou seja, pela regulação e intervenção direta nas relações socioeconômicas com o fim de garantir aos cidadãos, ante à escassez de recursos, uma justa parte dos investimentos estatais sob os rótulos de saúde, educação, emprego, entre outros... Dar caráter 100


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normativo a princípios de justiça social faz com que os juízes, enquanto aplicadores das normas, acabem por se manifestar sobre as políticas públicas tidas como meio para efetivação das garantias sociais de nossa Constituição (Ferreira, 2004, p. 6 a 8). Aliada à facilitação, há também a presença de uma cultura judicante na sociedade. Sabemos que os conflitos são inerentes à vida em sociedade, mas os meios utilizados para resolvê-los variam de cultura para cultura. A sociedade brasileira tem privilegiado a resolução dos conflitos por meio de agente externo legalmente reconhecido para tal, qual seja o Judiciário. De questões sociais, familiares, patrimoniais, desportivas, políticas, penais e de relação de consumo, tudo tende, em menor ou maior grau, a desembocar na justiça. Não valorizamos instâncias não governamentais ou judiciárias para dirimir conflitos. O Judiciário deveria ser a última escolha para dirimir os conflitos, mas, infelizmente, a sociedade de hoje acaba por inverter essa ordem. Essa valorização foi enfatizada com a criação de dispositivos legais de facilitação do acesso à justiça, como forma de preservar garantias individuais, especialmente por termos passado por longos anos sob regimes ditatoriais. Segundo Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra8, havia, em dezembro de 2003, na justiça de São Paulo, 4.360.641 processos em andamento, verificando que, mantidas as mesmas condições do passado, o volume dessas ações corresponderá, numa projeção de 10 anos, a 13.128.064 processos em andamento apenas na primeira instância (pág., 32 e 33). Cintra9 propõe a criação e a sistematização do funcionamento de etapas sucessivas e progressivas, nas quais os conflitantes possam encontrar solução amical para sua controvérsia, muito antes da proposição judicial. Chama esse instrumento de “a Pirâmide da Solução dos Conflitos”, que é um mecanismo que organiza sistematicamente instituições da própria sociedade, como os mediadores.

Causas da Judicialização da Saúde Podemos apontar alguns fatores que, de alguma forma, direta ou indiretamente, estimulam o grande número de ações judiciais na saúde: (i) dificuldade de implementação das políticas públicas; (ii) existência de grande quantidade de contratos firmados antes da Lei 9.656/98 ; (iii) existência de lacunas regulatórias e legislativas sobre os planos de saúde; (iv) desconhecimento das normas da ANS e do seu papel pelo Judiciário; (v) excessivo número de concessões de liminares e de antecipação de tutelas (julgamento antecipado); (vi) falta de conhecimento técnico-médico; (vii) objeto em si das ações; e (viii) conduta das operadoras. A seguir detalharemos melhor tais fatores, dando ênfase à judicialização da saúde suplementar.

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A pirâmide da solução dos conflitos Uma contribuição da sociedade civil para a reforma do judiciário. FADUSP, 2005. Idem.

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Dificuldades de implementação das políticas públicas Apesar de sabermos que a saúde é um direito de todos e, por conseguinte, dever do Estado propiciar condições a esse exercício por meio de políticas públicas, tal direito não é garantido nos moldes legais previstos, de forma atender dois dos seus princípios básicos: a universalidade de acesso e a integralidade dos tratamentos. Essa deficiência estatal pode ser considerada uma das causas de tantas demandas judiciais relacionadas ao setor público, o qual também sofre com a proliferação de demandas judiciais, quase sempre relacionadas ao fornecimento de medicamentos que não constam da lista do SUS. Segundo dados da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, já foram gastos com medicamentos cobertos em razão de decisões judiciais, cerca de 400 milhões de reais. A politização das decisões judiciais também é um problema concreto. Há uma forte tendência de os magistrados decidirem em favor da parte mais fraca, o consumidor do plano, para isso passando por cima dos contratos, da regulamentação e, por vezes, da Lei. A principal conseqüência da politização das decisões judiciais é a incerteza que ela acarreta. Ao deparar com o questionamento judicial de seu direito, o agente econômico não sabe se o magistrado irá decidir com base na lei e no contrato ou se atuará buscando produzir justiça social (Cechin e outros, 2008, pág. 190-193). O conceituado jurista Luiz Roberto Barroso, em recente artigo sobre o direito à saúde, resumiu bem essa atuação do Judiciário: “As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres. Inclusive, a exclusão destes se aprofundaria pela circunstância de o Governo transferir os recursos que lhes dispensaria, em programas institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua grande maioria, em benefício da classe média. Por fim, há ainda a crítica técnica, a qual se apóia na percepção de que o Judiciário não domina o conhecimento específico necessário para instituir políticas de saúde. O Poder Judiciário não tem como avaliar se determinado medicamento é efetivamente necessário para se promover a saúde e a vida. Mesmo que instruído por laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria capaz de rivalizar com o da Administração Pública. O juiz é um ator social que observa apenas os casos concretos, a micro-justiça, ao invés da macro-justiça, cujo gerenciamento é mais afeto à Administração Pública.” (2007, p. 27/8) 102


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Camila Duran Ferreira, em trabalho do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, pesquisou 144 decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o fornecimento de medicamentos para AIDS, tendo como réu o Estado. Da análise, constatou-se que o fato dos medicamentos pedidos não fazerem parte da lista e, portanto, não serem disponibilizados pela rede pública de saúde, demonstra que, ao conceder o medicamento, o Judiciário não está propriamente efetivando uma política pública já definida pelo Executivo, mas, sim, realocando recursos públicos. Na classificação do direito à saúde como coletivo ou individual, a pesquisa pode observar que nos casos de concessão, em 93% das decisões os julgadores consideraram o direito à saúde como individual e apenas 5% como coletivo. Já nos casos de não concessão, em 53% das decisões o direito foi definido como coletivo, contra 33% de individuais. Somando-se concedidos e não concedidos, o conflito foi classificado entre individual ou coletivo em 96,5% dos casos. Do total de decisões, em 84,7% os juizes consideram o direito à saúde como individual (Ferreira, 2004, págs. 24 e 25). Essa pesquisa ilustra toda a problemática da judicialização, tanto no setor público, como no privado. Percebe-se uma forte tendência de atuação imprópria do judiciário, especialmente na implementação ou realocação de recursos públicos e uma concepção meramente individual do direito à saúde, o que, indiretamente, acaba por prejudicar toda a coletividade e o próprio beneficiário de decisões individuais, posto que é parte dela. Essa visão, transportando-se para a esfera privada, também é observada, atingindo-se o mutualismo e o equilíbrio contratual dos mutuários de uma carteira. Outra pesquisa que reforça essa idéia foi realizada entre magistrados: “A mais relevante foi feita pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) em 2000, que teve dentre seus objetivos saber como os Juízes, Desembargadores e Ministros de Tribunais Superiores vêem as relações entre o Judiciário e a economia. Pinheiro analisou os resultados da pesquisa e concluiu que há uma forte tendência de, em prol de fazer “justiça social”, as decisões judiciais desrespeitarem os termos dos contratos e, em certos casos, até das leis: “A ‘politização’ também resulta [...] da tentativa de alguns magistrados de proteger certos grupos sociais vistos como a parte mais fraca nas disputas levadas aos tribunais. Os próprios magistrados freqüentemente se referem a esse posicionamento como refletindo um papel de promover a justiça social que cabe aos juízes desempenhar. Para examinar a relevância desse fator perguntou-se aos juízes se, levados a optar entre duas posições extremas, respeitar sempre os contratos, independentemente de suas repercussões sociais (A), ou tomar decisões que violem os contratos na busca da justiça social (B), uma larga maioria dos entrevistados (73,1%) optaria por essa segunda alternativa.” (Pinheiro, 2003, TD 966, p. 25 apud Cechin, 2008, p. 188). 103


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Quantidade de contratos firmados antes da Lei 9.656/98 O segundo motivo apontado refere-se à existência de um grande número de contratos de plano de saúde firmados antes da vigência da Lei n° 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde). Segundo dados da ANS ainda existem quase de 13 milhões de planos antigos.10 E por que esses contratos estimulam a judicialização da saúde? Inicialmente porque foram firmados sem nenhum tipo de exigência legal específica, especialmente quanto à cobertura e às exclusões. Cabia às operadoras legitimamente estabelecer o que cobriam e conseqüentemente o que excluíam11, determinando o prêmio de acordo com essa configuração. Aliás, muitos desses contratos foram firmados antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, não havendo, na maioria dos casos, clareza e transparência, especialmente quanto às exclusões. Essas exclusões contratuais constituem a principal fonte de demandas judiciais. Os consumidores pleiteiam especialmente a cobertura de próteses, órteses e de procedimentos ou tratamentos que não existiam quando tais contratos foram firmados. O judiciário entende, na grande maioria das decisões, que tais cláusulas excludentes ferem dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, revelando-se abusivas. Os órgãos de defesa do consumidor vêem a ação da justiça nessa matéria como necessária e positiva. É o que pensa, por exemplo, Maria Inês Dolci, Coordenadora Institucional de uma importante associação de defesa do consumidor, a PRO TESTE. A intervenção do Judiciário, segundo ela, pacificou muitas questões polêmicas, como o limite de dias de internação hospitalar e a exclusão de portadores de doenças graves, como Aids e Câncer. Ainda segundo Dolci, os principais motivos para recorrer à Justiça, hoje, ainda estão ligados aos planos antigos, que não trazem muita informação sobre a cobertura, além de negarem coberturas de exames que estão citados no rol de procedimentos da ANS. Os contratos atuais, de acordo com a presidente da entidade, são mais claros sobre esta cobertura, enquanto os antigos ainda apresentam assimetria de informações. Para a presidente da entidade, o Judiciário tem conhecimento de causa e se ampara no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para analisar as questões.12 A aplicação do Código de Defesa do Consumidor é, de fato, observada por grande parte das decisões envolvendo os planos de saúde, muitas vezes desprezando-se disposições contratuais e a própria Lei dos planos de saúde, muito embora essa lei preveja a aplicação do Código apenas de forma subsidiária. Há um excesso na utilização e interpretação exagerada do conceito de abusividade do Código de Defesa do Consumidor, interpretando-se como abusivo até o que na Lei está previsto, como no caso dos planos de saúde. Muitas dessas decisões relativizam a força vinculante dos contratos (pacta sunt servanda), valendo-se do referido código e de conceitos novos, como a 10 11

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Caderno de Informação da ANS – 09/08. os contratos firmados a partir de 02/01/99 têm a cobertura e as exclusões definidas pela Lei n° 9.656/98 e pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Política & Poder – 28/07/2008 – Lenir Camimura.

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função social do contrato, recém-introduzido no ordenamento jurídico brasileiro. Maria Stela Gregori, especialista no assunto, afirma que “assim é que a massificação das relações contratuais e a formação de mercados cativos reclamaram a intervenção do Estado para limitar a autonomia da vontade, sem, no entanto, aniquilá-la. O contrato deixa de ser visto como apenas um instrumento jurídico, com fins econômicos, sendo a vontade dos contratantes seu mola propulsora. Seu conteúdo passa a incorporar a concepção de justiça e de utilidade, exigindose responsabilidade social e de seus atores, que devem agir com probabilidade e boa fé. O equilíbrio entre as partes passa a ser o pilar da estabilidade da relação contratual... No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor representa o marco legal de mudança da concepção jurídica contemporânea do contrato, incorporando os princípios programáticos da Constituição Federal... A função social do contrato, muito embora só tenha sido expressamente prescrita recentemente com a promulgação do novo código civil, já constituía princípio implicitamente estatuído no texto constitucional... O CC 2002 não só consagrou a função social do contrato, como contemplou institutos a ela inerentes, como a boa-fé objetiva, a responsabilidade civil objetiva, dentre outras...” (2007, p. 125 a 128). Devemos ressaltar, no entanto, que essas decisões em muitas situações contrariam regras contratuais legitimamente pactuadas. Os produtos comercializados antes da lei foram estruturados e precificados por meio de cálculos atuariais, os quais levaram em consideração, dentre outras coisas, as coberturas e as exclusões existentes. Não há abusividade quando se oferta determinados serviços de assistência à saúde mediante o pagamento de prêmios correspondentes à cobertura contratada. Não havia determinação legal definindo o que deveria ou não ser coberto ou excluído. Quando o Judiciário decide por conceder coberturas que, de forma explícita, estão excluídas dos contratos ou, ainda, nega a aplicação de reajustes por variação de custos ou por variação de faixa etária previstos em contrato ou autorizados pela ANS, atenta contra: • a força vinculante dos contratos (não defendo com isso a aplicação absoluta do “pacta sunt servanda”); • a segurança jurídica e o próprio Estado de Direito, princípios tão elementares à Democracia quanto à dignidade da pessoa humana, constituindo-se, também, um dos fundamentos do Estado brasileiro; e • o princípio basilar dos contratos de planos de saúde, qual seja, o mutualismo. Não se está afirmando que todas as decisões judiciais sobre o assunto são injustas, sem fundamento e que alguns destes contratos e situações não firam, de fato, dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Há abusos, há restrições indevidas e há falta de transparência em algumas cláusulas desses contratos antigos, especialmente as restritivas de direito. O que se condena são as decisões que invertem a lógica contratual, em detrimento de uma coletividade (carteira de planos de saúde), exatamente onde a clareza, a transparência e a relação cobertura e preço justo reinam. 105


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Lacunas regulatórias e legislativas Outra causa da chamada judicialização da saúde é a lacuna regulatória e a existência de falhas normativas e regulatórias. É o que pensa o IESS – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar:13 “quando se trata de planos privados de assistência à saúde, uma das causas da judicialização é deficiência legal ou regulamentar. O juiz, na falta de parâmetros normativos claros que balizem sua decisão, decide com base no caso que lhe é apresentado pelas partes. Ao longo do tempo, com o aumento do número de casos acerca daquele mesmo tema, forma-se uma jurisprudência que acaba por tomar o lugar da regulamentação” (Cechin e outros, 2008, p. 192). Tal argumento é também utilizado pelo Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Antônio César Siqueira. Para ele falta legislação e vontade política na gestão da saúde suplementar. Enquanto estas questões não são resolvidas, os juízes disparam liminares favoráveis aos segurados, sob pressão dos familiares, que alegam ser uma situação de vida ou morte, Todos os conflitos vão parar na justiça que não está preparada para isso. Afirma o magistrado, ainda, que “uma legislação fraca, poder regularizador ainda engatinhando, um executivo omisso geram todos esses conflitos que se formam e deságuam no judiciário. A justiça não está preparada para isso. Não podemos suprir a falta de regulamentação”.14 Siqueira entende, também, que, diante de tais falhas, ocorre o que ele chama de “fulanização”, ao relatar as dificuldades por que passam os juízes no momento de decidir casos relacionados aos seguro-saúde: “o juiz não consegue enxergar que está decidindo só o caso do seu josé, porque entende que todos os seus josés têm direito à prestação da saúde satisfatória. O juiz acaba humanizando os casos. É desumano pretender que o juiz não humanize e diga não a tudo. Assim estamos abdicando do nosso direito de decidir aquilo que nos compete. Quem deve decidir qual prótese um paciente deve usar ou qual medicamento é o médico e não o juiz”. Por falta de regulação, o juiz extrapola sua função, tendo que decidir até liminares a respeito de pessoas que correm risco de vida.15 Quando não se têm normas precisas e adequadas para suprir essas falhas, a regulação é feita impropriamente pelo judiciário, o qual se vê diante do caso concreto e tem que dar uma resposta, suprindo adequada ou inadequadamente a função reguladora. Surge aí a anomalia, pois muitas vezes o magistrado não 13

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Trata-se de Instituto fundado por cinco operadoras para fomentar o estudo, a pesquisa e a produção científica em saúde suplementar. Recentemente publicou “a história e os desafios da saúde suplementar: 10 anos de regulação”, editora Saraiva. Revista Clube de Vida em Grupo, maio de 2008. Idem.

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detém o conhecimento regulatório e técnico adequado para realizar tal função. Dessa atuação imprópria do judiciário, surge o que se chama de “judicialização da política” ou “politização da justiça”.16 O fato é que o marco regulatório virou uma grande “colcha de retalhos”, graças às constantes e intempestivas alterações e à precariedade do próprio comando normativo principal (a Lei n° 9.656/98), que depois de 10 anos ainda vige por força de uma Medida Provisória, gerando, profunda insegurança jurídica e incertezas no mercado de planos de saúde. Há pontos da Lei que ainda precisam ser regulados e a própria regulação existente é falha e precisa ser revista. A norma que garante a continuidade do plano coletivo para aposentados e demitidos, a norma sobre urgência e emergência, as regras de mobilidade com portabilidade de carência, os mecanismos financeiros de regulação, a ampliação de oferta dos tipos de planos, são exemplos de temas que precisam ser enfrentadas, seja pelo órgão regulador (ANS) ou pelo Legislativo. E qual o papel da ANS? A Agência vem atuando para corrigir tais falhas? Não restam dúvidas que a regulação do mercado após 10 anos tem saldo positivo, mas há também a certeza de que há muito por fazer, especialmente para assegurar maior concorrência e ampliação de cobertura. A Pro teste, associação de defesa do consumidor, defende que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deveria interferir com mais veemência na situação. Apesar disso, Dolci, elogia a atuação da agência. Dentre todos os órgãos reguladores, segundo ela, a ANS é a mais nova e ainda precisa ser aprimorada. Contudo, a agência oferece uma abertura para as entidades de defesa do consumidor. Além disso, a ANS mostra, com freqüência, o que tem sido feito e abre discussões com os atores do setor, postura que não se vê nas demais agências reguladoras.17 Sobre a atuação da ANS em relação às falhas de mercados, discorreremos à frente.

A ANS e o desconhecimento do seu papel pelo Judiciário Há decisões sobre a saúde suplementar que ignoram a competência e a legitimidade da ANS para normatizar e fiscalizar o mercado de planos e seguros de saúde. Mas o que parte do judiciário desconhece é que a atuação das ANS se insere em um contexto maior de mudanças pelas quais passou o Brasil e o mundo na última década. O Estado Brasileiro, assim como a maioria dos Estados Modernos, pautava sua ação governamental objetivando o bem-estar social; esse Estado préglobalizado é também chamado de intervencionista. Aos poucos esse Estado da “providência” e do bem estar social, consagrado, inclusive, na nossa Constituição Federal de 1988, vai mudando de perfil, passando a ser mais conciliador ou, melhor dizendo, regulador. 16 17

Revista Clube de Vida em Grupo, maio de 2008. Política & Poder. 28/07/2008- Lenir Camimura.

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Essa mudança é atribuída, principalmente, à globalização da economia, pois no âmbito específico do Estado-Nação, suas instituições jurídicas acabaram sendo progressivamente reduzidas, no que se refere ao número de normas e diplomas legais, e tornadas mais ágeis e flexíveis, em termos processuais. Evidentemente o Estado continua legislando, inclusive em matéria econômica, financeira, monetária, tributária, previdenciária, trabalhista, civil e comercial. Mas passou a fazê-lo agora, diminuindo seu poder de intervenção e, muitas vezes, constrangido a compartilhar sua titularidade de iniciativa legislativa com diferentes forças que transcendem o nível nacional. (Faria, 1997, Malheiros, p. 35). É nesse contexto que surgem no Brasil as Agências Reguladoras. Inicialmente a Lei Nº 9.656/98 previa um sistema regulador bipartite das operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, por meio do Ministério da Saúde (DESAS- Departamento de Saúde Suplementar e o CONSU – Conselho de Saúde Suplementar) e por meio da Ministério da Fazenda (SUSEP- Superintendência de Seguros Privados e o CNSP- Conselho Nacional de Seguros Privados). Em novembro de 1999, todavia, surge, por meio da Medida Provisória N° 1928, posteriormente convertida na Lei Nº 9.961/2000, a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar. Esse órgão regulador passou a ser o responsável pela normatização e fiscalização da Lei 9.656/98. Entretanto, o CONSU não foi extinto, continuando sendo o órgão normativo superior na matéria, mas com atuação quase inexistente após a criação da Agência. A independência que caracteriza uma agência reguladora pode ser identificada em quatro dimensões: decisória, de objetivos, de instrumentos e financeira, a independência consiste na capacidade da agência de resistir a pressões de grupos de interesse no curto prazo. Procedimentos para a nomeação e demissão de dirigentes, associados com a fixação de mandatos longos, escalonados e não coincidentes com o ciclo eleitoral são arranjos que procuram isolar a direção da agência de interferência indesejáveis tanto por parte do Governo quanto da indústria regulada. A independência de objetivos compreende a escolha de objetivos que não conflitem com a busca prioritária do bem-estar do consumidor. Uma agência com um número pequeno de objetivos bem definidos e não conflitantes tende a ser mais eficiente que uma outra com objetivos numerosos, imprecisos e conflitantes. A independência de instrumentos é a capacidade da agência escolher os instrumentos de regulação-tarifas, por exemplo – de modo a alcançar os seus objetivos da forma mais eficiente possível. Finalmente, a independência financeira refere-se à disponibilidade de recursos materiais e humanos suficientes para a execução das atividades de regulação (Wald, 1999, p. 146). A criação da ANS traz para o processo um instrumento potencialmente mais eficaz e efetivo: a figura da agência reguladora. A ANS, tal como a Agência de Vigilância Sanitária e suas congêneres, instituídas para regular monopólios 108


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estatais privatizados, possui autonomia orçamentária e decisória. 18 No âmbito da saúde, as agências reguladoras se assemelham, no que diz respeito à estrutura organizacional, às dos setores de telecomunicações, energia elétrica e petróleo. Diferem, contudo, em relação à natureza das ações regulatórias. As agências dos setores de comunicações e energia voltaram-se à formação e diversificação dos mercados, enquanto que as de saúde surgiram a partir da expectativa de constituição de mecanismos estatais de fiscalização e controle de preços mais potentes (Bahia, 1999, p. 360). A Direção da ANS é exercida por uma Diretoria Colegiada integrada por cinco diretores com mandatos não coincidentes, cada um deles responsável por uma das áreas de atuação definidas em Regimento Interno. Um dos diretores acumula as funções de Diretor-Presidente que, além das atribuições de direção geral, preside o Colegiado, a Câmara de Saúde Suplementar e é o Secretário Executivo do CONSU. A ANS atua no mercado de planos privados de assistência à saúde como órgão regulador e normativo, por meio de decisões da sua Diretoria Colegiada. Essas decisões eram denominadas de RDCs - Resoluções da Diretoria Colegiada. Hoje a principal espécie normativa da Agência é a resolução normativa, cuja abrangência é geral e de cunho técnico. Até a presente data foram publicadas pela ANS, 93 Resoluções de sua Diretoria Colegiada e 174 Resoluções Normativas, além de tantas outras Resoluções Operacionais, Instruções Normativas ou Súmulas Normativas. Além desses instrumentos normativos, a ANS também pode lançar mão do TCAC - Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta e do TC - Termo de Compromisso. Este para implementar medidas regulatórias que representem melhoria para o setor e aquele para ajustar condutas em desacordo com a legislação, cujo fundamento é a Lei n° 9.656/98 e a inspiração é o instituto previsto na Lei de Ação Civil Pública, largamente utilizado pelo Ministério Público. Os objetivos da regulamentação do mercado de planos de saúde por parte da ANS podem ser resumidos em seis pontos: 1. assegurar aos consumidores de planos privados de assistência à saúde cobertura assistencial integral e regular as condições de acesso (ex. Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde – RN N° 167/08); 2. definir e controlar as condições de ingresso, operação e saída das empresas e entidades que operam no setor (ex. RN N° 85/04 RN N° 100/05 – autorização de funcionamento); 3. definir e implantar mecanismos de garantias assistenciais e financeiras que assegurem a continuidade da prestação de serviços de assistência à saúde contratados pelos consumidores (ex. RN 159/07 e 160/07); 18

Tal como previsto pelo Plano Diretor da Reforma do Estado, publicado em 1995, as agências reguladoras são autarquias sob o regime especial. Caracterizam-se por possuírem independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes, autonomia financeira e ausência de subordinação hierárquica.

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4. dar transparência e garantir a integração do setor de saúde suplementar ao SUS e ao ressarcimento dos gastos gerados por usuários de planos privados de assistência à saúde no Sistema Público; 5. estabelecer mecanismos de controle de reajustes dos planos individuais; e 6. definir o sistema de regulamentação, normatização e fiscalização do setor de saúde suplementar (RN N° 48/03 e 124/06). Atualmente a ANS tem focado a sua atuação na proteção do consumidor e na qualidade da assistência, tendo como premissas a mudança do modelo assistencial, o qual tem como característica principal a produção de saúde. A partir dessas premissas a regulação da ANS tem por objetivo induzir as operadoras e os prestadores de saúde a priorizarem a gestão do cuidado e a serem produtores de saúde. Quanto aos consumidores, a ANS vem atuando para diminuir as assimetrias de informações que levem a escolhas sub-ótimas, munindo-os de informações sobre as condições econômico-financeiras e de qualidade das operadoras, mas, por outro lado, incentivando um comportamento sustentável (consciência sanitária). É nessa linha que ela vem aprimorando o Programa de Qualificação das Operadoras, o qual criou o IDSS - Índice de Desenvolvimento da Saúde Suplementar e inicia a discussão sobre regras que assegurem a mobilidade dos consumidores com portabilidade de carências. Percebe, todavia, um grande desconhecimento da atuação da ANS ou, ainda, falta de reconhecimento de sua legitimidade para normatizar as relações entre consumidores e operadoras de planos e seguros de saúde. Se a ANS, por exemplo, edita uma determinada norma, utiliza-se para tanto de critérios técnicos e que busquem alcançar o interesse público. Esse interesse não é apenas do consumidor ou da operadora, mas do equilíbrio do sistema. É com base nessa premissa que a Agência utiliza-se de ferramentas legais, como os Termos de Compromisso de Ajuste de Conduta. Infelizmente ainda há decisões que questionem a legitimidade de tais atos. A legalidade desses instrumentos, obviamente, não pode deixar de ser apreciada, mas, não, a legitimidade e a competência técnica do órgão regulador.

Excessivo número de concessões de liminares e antecipação de tutela e seu caráter satisfativo Outro ponto que incentiva a judicialização na área da saúde é a forma como se tem processado as ações judiciais, qual seja, por meio de liminares ou antecipação de tutelas. Aqui farei uma breve distinção desses institutos e como estão sendo concedidas em excesso. Em se tratando de saúde, seja pública ou privada, o excesso de liminares fez surgir uma verdadeira metonímia processual, pois comumente são confundidas com o próprio processo. Hoje não se diz mais que alguém ingressou com uma ação judicial, mas que ingressou com uma liminar (sic). A liminar é própria do processo cautelar, disciplinado pelos artigos 796 a 812, do Código de Processo Civil. O procedimento cautelar pode ser instaurado 110


Auditoria e Judicialização da Saúde

antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente. A liminar, portanto, não é o julgamento antecipado da ação, mas medida judicial para evitar que antes do final do processo uma das partes cause ao direito da outra lesão de difícil reparação e desde que haja fundado receio para tanto. Esses requisitos são chamados de “periculum in mora” (perigo da demora) e “fumus boni iuris” (fumaça do bom direito), ou seja, a decisão judicial final pode ser inócua e trazer danos irreparáveis a um das partes, mas é preciso que as alegações sejam razoáveis ou, como se diz popularmente, não sejam “sem pé nem cabeça”. Normalmente as liminares são requeridas e concedidas em procedimentos preparatórios para ingresso com ação principal e, neste caso, após a sua concessão, a parte requerente tem 30 dias para ingressar com ação principal, sob pena de cessação da sua eficácia e de extinção do processo sem julgamento do mérito. E é justamente aqui o “xis” da questão. No campo da saúde privada, por exemplo, é comum os consumidores ingressarem com ações judiciais requerendo a declaração de nulidade de cláusulas contratuais à luz do código de defesa do consumidor. Antes, porém, ingressam com medida cautelar, requerendo liminarmente a cobertura de determinado procedimento ou fornecimento de determinado medicamento. Tais liminares são concedidas, mas as partes requerentes, já satisfeitas com o deferimento (posto que já realizaram o procedimento desejado ou já obtiveram o fornecimento do medicamento), não ingressam com as ações principais ou simplesmente não comparecem nas audiências, levando a justiça a extinguir o processo sem julgamento do mérito. Exigir a reparação de coberturas indevidas nesses casos torna-se tarefa de difícil execução. Atualmente, todavia, o instituto processual mais utilizado pelos consumidores de planos de saúde é o da antecipação da tutela, previsto no artigo 273 do Código de Processo Civil. Trata-se de instituto que, na prática, tem o mesmo efeito de uma liminar, mas vale-se de requisitos diversos e conceitualmente diverge da medida cautelar. O mencionado dispositivo legal prescreve que o juiz pode, quando requerido, antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela (resposta judicial) pretendida com a ação (pedido inicial), desde que exista, dentre outros requisitos, prova inequívoca e verossimilhança da alegação (equivale à fumaça do bom direito das medidas liminares) e, ainda, que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Há, porém, vedação expressa à concessão da antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade da decisão antecipada. Observem que esse instituto em muito se assemelha à concessão de liminar do processo cautelar, mas na antecipação da tutela, antecipa-se o próprio julgamento. Isso não quer dizer que a ação termine com a concessão ou não da tutela antecipada, mas, pelo contrário, tem o seu prosseguimento normal. Aí, mais uma vez, reside a problemática, pois, assim como no processo cautelar, os consumidores, também já satisfeitos com o provimento antecipado, esquecem, muitas vezes, dos processos, não comparecendo às audiências, levando, por conseguinte, a extinções dos processos sem julgamento do mérito. Outra hipótese, também possível, ocorre quando a decisão final traz resultado diverso daquele 111


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antecipado, mas a parte beneficiada com a antecipação da decisão, por exemplo, já realizara sua pretensão, satisfazendo-se plenamente. Nessa situação, embora em tese seja possível a reversibilidade da decisão, na prática torna-se inexeqüível. Cechin também comunga dessa tese ao afirmar que “mesmo sendo uma decisão liminar - que visa assegurar o bem em discussão até a decisão final do processo - a ordem judicial acaba por ter, em muitos casos, caráter definitivo. Terminado o processo, o tratamento já terá sido efetuado e não haverá como as partes retornarem à situação anterior. Caso o resultado final seja favorável à operadora, esta poderá buscar indenização junto ao beneficiário; porém muitas vezes isso se mostra impraticável.” (2008, p. 187) As operadoras, por sua vez, também têm a sua parcela de culpa nessa conduta dos consumidores. Observa-se que as operadoras pouco cobram ou executam os valores pagos indevidamente por coberturas indevidas, as quais só foram realizadas por força de decisão provisória de processos posteriormente extintos sem julgamento do mérito ou com decisão de mérito contrária à provisória. Os consumidores que se utilizam desses mecanismos processuais são indiretamente motivados a não ir em frente com o processo, posto que já satisfeitos com a decisão judicial provisória (liminar ou antecipação da tutela). Mesmo que existam ônus, operadoras precisam desestimular essa cultura, simplesmente pelo caráter pedagógico que esta ação possa ter. Esse é a regra que deve ser utilizada com medida de ponderação pela justiça antes da concessão irrestrita de liminares ou de concessão de tutelas, pois essa irreversibilidade das decisões liminarmente ou antecipadamente concedidas acaba se voltando contra os próprios consumidores de planos e seguros de saúde, como os planos se fundam no mutualismo, são estes que “pagarão a conta”, seja por meio de reajustes para corrigir desvios em razão da ampliação dos custos e da sinistralidade. Recente publicação do IESS19 cita o depoimento à CPI dos Planos de Saúde em 2003, do Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, abordando a situação sob o prisma do Juiz que deve decidir a questão: “ ‘A tutela de urgência visa a um provimento imediato. Com relação aos planos de saúde, em inúmeras ocasiões, seus usuários precisam de uma decisão judicial imediata, e o Juiz tem de analisar aquilo que foi contratado e, às vezes — é uma realidade —, superar aquilo que foi contratado, porque está em jogo a vida humana e a saúde, que são bens fundamentais e indisponíveis. Então, evidentemente, e isto é forçoso repetir, nenhum juiz do mundo vai deixar uma vida perecer, nenhum juiz do mundo vai autorizar a desinternação de um paciente. Mas, efetivamente, é preciso encontrar uma regra de equilíbrio”. 19

A história e os desafios da saúde suplementar: 10 anos de regulação. Saraiva, 2008, 302 pags.

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Observa-se, ainda, que os juízes são, na grande maioria das ações, induzidos ao erro em razão dos próprios pedidos médicos, os quais atestam urgência ou emergência quando, de fato, são procedimentos eletivos; ou quando prescrevem materiais, medicamentos e procedimentos sem comprovada eficácia científica ou registro na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária20 e portanto, de caráter experimental. Até SPA as operadoras já foram absurdamente obrigadas a cobrir. Outro aspecto que merece destaque sobre o tema é justamente o grande número de concessões de liminares ou antecipações de tutela para situações em que não há perigo de demora ou risco de morte iminente envolvidos. Isso é observado, por exemplo, das discussões sobre o valor do prêmio, aplicação de reajustes ou questões exclusivamente contratuais não relacionadas à cobertura assistencial.

Falta de conhecimento técnico-médico Em se tratando de saúde, as demandas que são levadas ao judiciário são normalmente relacionadas a informações em que as decisões exigem, muitas vezes, profundo conhecimento médico ou técnico (conhecimento específico das normas infralegais setoriais). E infelizmente isso não se resolve com uma simples consulta a dicionários médicos, mas com a própria opinião médica ou técnica. Esse desconhecimento não revela nenhum demérito em relação ao judiciário, mas tão somente a comprovação de que o magistrado não é um “super-homem” para conhecer profundamente de todos os assuntos que lhes são demandados, ainda mais quando relacionados à medicina. Não pode, também, condicionar a sua jurisdição à prévia consulta a profissional especializado sempre, especialmente em questões caracterizadas como urgência ou emergência. Em momentos ou circunstâncias como essas, não pensam duas vezes e preferindo privilegiar (o que não poderia ser diferente) a vida em detrimentos de questões médicas, técnicas, contratuais ou processuais. Torna-se discutível, todavia, utilizar-se desse argumento em situações em que não haja manifestamente risco de morte ou perigo da demora. É comum, infelizmente, os juízes, baseados em apenas uma única opinião médica, decidir em fornecer medicamentos ou tratamentos experimentais (que em alguns casos podem pôr em risco o próprio paciente). Não menos diferentes são as questões contratuais (como os reajustes aprovados pela ANS e baseados em cálculos atuariais); tais questões exigem conhecimento dos princípios específicos da saúde suplementar e, principalmente, da regulação da ANS. Infelizmente há decisões judiciais que afrontam literalmente o contrato, a Lei 9.656/98 e os atos normativos da ANS. 20

Não estou aqui tratando do conceito legal previsto no artigo 35-C da Lei nº 9.656/98, mas estou considerando urgência e emergência como a mesma coisa.

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Para ilustrar bem a problemática, recorro ao exemplo destacado por Cechin: O Juiz não possui, e nem é razoável exigir que possua, conhecimento técnico médico para avaliar as informações que lhe são apresentadas - as quais podem ou não refletir o entendimento predominante da medicina. Na grande maioria das vezes, nem o próprio paciente que recorre ao Judiciário possui essa capacidade; ele simplesmente confia no médico e deposita nele todas as suas esperanças. Por vezes o próprio médico é levado, consciente ou inconscientemente, a escolher entre um ou outro tratamento por influência da indústria fornecedora (farmacêutica, de equipamentos, de diagnóstico ou de tratamento). Nota-se que é raro o magistrado, antes de julgar a liminar, solicitar maiores esclarecimentos ao médico, consultar o Conselho Regional de Medicina ou outras entidades técnicas a fim de verificar a razoabilidade das informações que lhe são apresentadas, e é também raro que busque alternativas intermediárias para a solução do conflito. Ele, com suas limitações de tempo e de especialidade, é levado a confiar no laudo médico (exceto se existirem indícios de desvio de comportamento), mas deve ficar atento para que, disfarçado sob uma solicitação de urgência no plantão judiciário, ele não seja levado a favorecer interesses impróprios de terceiros. (2008, p. 186). Nas situações, portanto, em que não estejam caracterizadas urgência ou emergência, seria prudente e razoável que o judiciário, em parceria com sociedades médicas, conselhos de medicina e com a própria ANS, instituísse câmaras técnicas setoriais para, analogicamente falando, uma espécie de segunda opinião (perícia), evitando-se, assim, decisões injustas e, às vezes, esdrúxulas, que prejudicam o equilíbrio contratual e a própria coletividade do contrato. Outra medida que mitigaria o problema seria a especialização, ou seja, a criação de varas especializadas em questões relacionadas à saúde e a preparação de conciliadores com profundo conhecimento técnico. A conciliação precisa ser incentivada em todas as instâncias judiciais. Já há orientação do CNJ - Conselho Nacional de Justiça - nesse sentido.

Conduta das operadoras Como já dito anteriormente, seria forçoso não reconhecer que as operadoras e os governantes têm as suas parcelas de culpa na judicialização da saúde, no campo privado e público, respectivamente. No setor público quando deixa de aplicar o que constitucionalmente está previsto no orçamento para a saúde. E, também como já vimos, o judiciário é chamado a implementar a política pública de saúde, caracterizando o que convencionou chamar de judicialização da política ou politização da justiça. Já no setor privado, o que motiva também as demandas judiciais são as condutas, às vezes, pouco transparentes de algumas operadoras, as quais ignoram totalmente os direitos básicos dos consumidores, especialmente os relacionados à boa fé objetiva e à informação clara, precisa e transparente. Tais abusos, 114


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portanto, são e continuaram sendo levados ao judiciário e este, tendo por base o Código de Defesa do Consumidor, tem feito cessar tais condutas. Essa postura acaba por estimular demandas judiciais em razão da ausência de um bom atendimento, de informações necessárias durante todo o processo, da comercialização á prestação do serviço. O dever de informar com transparência, clareza e precisão é o que chamamos de boa fé objetiva. E é justamente esse princípio que deixa de ser observado em algumas situações pelas operadoras, embora em sua grande maioria, sem má fé. O principal fundamento do judiciário para coibir tais abusos é da boa fé objetiva. Esse princípio está estampado no artigo 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 4º, III, do código de Defesa do Consumidor e no artigo 51, IV, como cláusula geral que acaba por nortear o conceito de abusivo. Dessa forma, a boa-fé como princípio é o caminho para o equilíbrio contratual, viabilizando, assim, os ditames constitucionais previstos no artigo 170, tornado compatível interesses aparentemente contraditórios, como a proteção ao consumidor e o desenvolvimento econômico. Aliás, Pesquisa do Brasilcon,21 deixa bem claro o posicionamento do Poder Judiciário no tocante às abusividades dos contratos de planos de saúde. A quase totalidade das decisões judiciais favoráveis ao consumidor teve fulcro no Princípio da boa-fé objetiva, posto que ofendia a cláusula geral da boa-fé prevista no art. 51, inciso IV, do CDC. Eram (posto que foram declaradas nulas) cláusulas que limitavam a assistência à saúde, determinavam recontagem de carência e limite de tempo para internação, excluíam cobertura para algumas doenças e procedimentos considerados necessários e imprescindíveis. O Código de Defesa do Consumidor é, sem dúvidas, um marco fundamental na relação de forças entre consumidores e fornecedores. O CDC surgiu como uma tentativa de barrar os enormes abusos que existiam nas relações de consumo no Brasil, servindo, dessa forma, de forte ferramenta dos Órgãos de Defesas do Consumidor (Procons e associações), do Ministério Público e do Poder Judiciário para coibir as práticas “leoninas” muito freqüentes no mercado de consumo, uma vez que se valiam agora de lei especial, moderna e prática em detrimento de norma geral, ultrapassada no tocante às relações de consumo e, portanto, cheia de lacunas, que era o Código Civil de 1916. Não pode, porém, ser usado como instrumento de manutenção da vulnerabilidade do consumidor como um “status quo”. O consumidor não pode ser a vida inteira tratado como alguém que precisa de defesa e proteção. O CDC é uma norma que visa transformar o consumidor em suficiente e consciente de seus direitos, induzindo-o a comportamentos adequados de consumo, exercendo autonomamente o seu direito de escolha sem ser enganado ou vítima de abusos. Os órgãos de defesa do consumidor (e os próprios fornecedores) devem cumprir o seu papel de educador e fomentador de autonomia e suficiência para o 21

Fonte Revista de Direito do Consumidor, nº 29.

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consumidor. O principal objetivo do CDC é justamente o de preparar as condições e os meios para que este consumidor deixe de ser vulnerável, adquirindo consciência cidadã, ambiental e sanitária. Não resta dúvida que o surgimento do CDC constituiu grande avanço na proteção aos consumidores brasileiros e, por via de conseqüência, na imposição de limites às abusividades das empresas, por meio de mecanismos de facilitação de defesa e de proibições expressas de práticas abusivas. Entretanto, o Código do consumidor, apesar de ser uma norma especial, acabava funcionando como uma norma geral, posto que regula todas as relações jurídicas que envolvem relação de consumo. Já dissemos que a própria Lei 9.656/98 prescreve em seu artigo 35-G que o Código de Defesa do Consumidor é aplicado supletivamente às suas disposições, ou seja, à saúde suplementar. É tido como “lei geral de proteção ao consumidor”, ao passo que a Lei dos Planos de Saúde, como norma especial de relação de consumo em caso de planos privados de assistência à saúde. Dessa forma, todos os dispositivos da norma especial de relação de consumo devem guardar harmonia com O CDC, mas a sua utilização nas questões atinentes aos planos de saúde só pode ocorrer se houver lacunas na Lei 9.656/98 e sua regulamentação, posto que tem aplicação subsidiária. Sobre a postura das operadoras e o uso do CDC como argumentação, pesquisa do Sanitarista Mario Scheffer, no Tribunal de Justiça de São Paulo, ilustra bem isso.22 O estudo consistiu na análise de 735 decisões judiciais relacionadas a exclusões de coberturas e negativas de atendimento por parte dos planos de saúde, julgadas em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entre janeiro de 1999 e dezembro de 2004. As exclusões de coberturas pelos planos de saúde dependem da época da contratação dos planos. O marco divisor é a lei 9656/98. Os principais resultados apresentados no estudo “Os planos de saúde nos tribunais” foram: • A Justiça foi favorável à concessão de cobertura, na segunda instância, em 73,5% das ações julgadas, praticamente confirmando a proporção verificada na primeira instância, na qual 74,5% foram favoráveis aos usuários. Em 3,7% dos acórdãos, o juiz concedeu parte da cobertura solicitada e, em 20,4%, foi negada a cobertura, com decisão favorável ao plano de saúde. • Dentre as decisões avaliadas, 87,6% referem-se a contratos individuais, enquanto 10,9% são contratos coletivos. Os planos coletivos (mais de 70% do mercado) são levados com menos freqüência aos tribunais por serem considerados como benefícios dos empregados. • Dos acórdãos analisados, a maioria (55,2%) não informa a data de contratação dos planos. Dentre aqueles que trazem essa informação, a maior parte é de contratos anteriores à Lei 9.656/98 (44,1% dos acórdãos). Justificativa: o 22

Os planos de saúde nos tribunais; uma análise das ações judiciais movidas por clientes de planos de saúde, relacionadas à negação de coberturas assistenciais no Estado de São Paulo, FMUSP, 2006.

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grande número de contratos antigos no universo pesquisado explica-se, em parte, pela morosidade da Justiça, uma vez que foram estudadas decisões de segunda instância que tiveram início antes da vigência da atual legislação. • O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é a legislação mais citada nas argumentações das decisões judiciais: 62,7% do total de menções a legislações específicas. Em seguida vem o Código Civil (14,6%). A Lei nº 9.656/98 fica em terceiro lugar (10%), seguida da Constituição Federal (7,3%). • Algumas decisões favoráveis à cobertura utilizam argumentos médicos, sendo os dois principais: a intervenção cirúrgica não é para fim estético; os planos devem cobrir os progressos da medicina e a incorporação de novas tecnologias. • Há decisões baseadas unicamente no contrato firmado entre usuário e operadora, em que o juiz decide a partir das disposições contratuais. Nestes casos, o juiz afirma que o contrato não exclui a cobertura. O argumento do contrato é usado também nas decisões favoráveis aos planos de saúde. Nestes casos, as principais argumentações são: as limitações/exclusões estão expressas no contrato; o médico ou hospital não são credenciados pelo plano de saúde e, portanto, o plano não deve conceder a cobertura. Prevalece nestes julgados o princípio de que o contrato faz a lei entre as partes.

O objeto das ações Por fim, um grande motivador para a judicialização nessa área são justamente os objetos em si das questões, quais sejam, bens meritórios: saúde, vida e dignidade da pessoa humana. Esse trinômio está presente tanto nas ações contra o SUS, como naquelas contra as operadoras de planos de saúde. No campo privado existem duas especificidades, as quais são “divisoras de águas” em relação às demais áreas econômicas reguladas: • a natureza do objeto envolvido; e • a natureza da relação jurídica formada. Não resta qualquer dúvida, e isso ficara claramente demonstrado nesse trabalho, que o Direito à Saúde não merece o tratamento constitucional da forma que recebeu por acaso. É a saúde, um direito decorrente da própria condição de ser humano e, portanto, essencial ao perfeito desenvolvimento de sua vida e à sua dignidade. Não se terá dignidade sem condições mínimas para sua existência, dentre elas, a saúde. Aliás, o direito à saúde, por tudo isso, é elevado à categoria de Direito Fundamental, posto que é considerado alicerce para o desenvolvimento político, social e econômico do Estado. Essa é a primeira singularidade que deve ser relevada quando tal direito é, direta ou indiretamente, questionado judicialmente. Também decorrente do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e considerado fundamental ao Estado, a defesa do consumidor é obrigação do 117


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Estado e, ao mesmo tempo, limitadora da atividade econômica em nosso país. Da mesma forma que a saúde, a defesa do consumidor mereceu disposição expressa na Constituição Federal de 1988, daí ser considerada norma de status constitucional. É pacífico, portanto, que a relação entre consumidores e operadoras de planos e seguro de saúde, é de consumo, visto que se enquadra perfeitamente nos conceitos prescritos no Código de Defesa do Consumidor. Essa é a segunda premissa ou especificidade que deve ser observada e respeitada quando se trata de saúde suplementar. Essas características do objeto das ações envolvendo saúde pública e privada tornam a questão mais complexa ainda. Aliado a isso, muitas decisões ainda levam em consideração as partes envolvidas: de um lado o consumidor (tido como parte mais fraca e vulnerável da relação) de outro o Estado ou uma Operadora ou Seguradora de Plano ou Seguro de Saúde (parte mais poderosa e rica, no caso privado). Sendo assim, valores como vida, dignidade e relação teoricamente desigual, são argumentos e temas recorrentes nessas decisões judiciais.

O impacto da judicialização da saúde No campo público, as ações judiciais versam especialmente sobre o fornecimento de medicamentos não constantes da lista do SUS e sobre a cobertura de procedimentos médicos muitas vezes não contemplados pela saúde pública, não realizados no país e em fase experimental. Já na seara privada as ações são também sobre fornecimento de medicamentos e procedimentos de cobertura não obrigatória pelas operadoras de planos de saúde (em razão de claras e legítimas exclusões contratuais ou legais), também muitas vezes experimentais23 vedação a reajustes por variação de custos e por mudança de faixa etária, como previsões contratuais ou legais (necessários ao equilíbrio contratual e fundados em cálculos atuariais) e, algumas vezes, com expressa autorização do órgão regulador (ANS), dentre outros assuntos. Decisões judiciais nesse sentido geram efeitos econômicos prejudiciais a todo o mercado. Como não há segurança jurídica acerca do cumprimento ou não dos contratos, as transações econômicas tornam-se mais arriscadas e seus resultados imprevisíveis, pois os agentes econômicos não têm como prever o teor da decisão sobre seu contrato, se respeitará suas cláusulas ou adotará critérios subjetivos de justiça social (Cechin, 2008, p. 194)”. Os principais impactos da judicialização da saúde são: desestabilização do orçamento público para a saúde, beneficiando poucos em detrimentos de muitos (às vezes todo a municipalidade fica sem assistência); desequilíbrios atuarias; 23

Segundo a ANS, RN N° 162, tratamento clínico ou cirúrgico experimental é aquele que emprega fármacos, vascinas, testes diagnósticos, aparelhos ou técnicas cuja segurança, eficácia e esquema de utilização ainda sejam objeto de pesquisas em fase I, II ou III, ou que utilizem medicamentos ou produtos para a saúde não registrados no país, bem como, aqueles considerados experimentais pelo CFM, ou o tratamento a base de medicamentos com indicações que não constem da bula registrada na ANVISA (uso off label).

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insegurança jurídica; retração do mercado (as operadoras tendem a deixar de comercializar produtos que tenham maior potencialidade de judicialização); desestímulo ao investimento estrangeiro; diminuição de investimentos em processos de melhoria e na cadeia produtiva (p.e., reajuste dos prestadores), ampliação da sinistralidade e dos custos assistenciais e operacionais, dentre outros.

A auditoria e a judicialização da saúde Existe alguma relação entre a auditoria e a judicialização da saúde? A atuação do auditor médico-hospitalar pode, de alguma forma, influenciar ou motivar ações judiciais, especialmente contra operadoras de planos de saúde? Antes, é importante delimitar o papel da auditoria para, só depois, avaliarmos as responsabilidades do auditor. A auditoria médica ou avaliação do trabalho médico é uma decorrência da responsabilidade moral e legal dos hospitais, na promoção da melhor assistência possível aos pacientes. É um processo de avaliação da eficiência médica, mediante um estudo comparativo entre os resultados obtidos no tratamento do paciente com os resultados esperados, a partir do prognóstico. Considera excelente o reflexo dessa prática sobre o padrão da assistência médica. (PERRONE, 2000). “A auditoria é a avaliação sistemática e formal de uma atividade por alguém não envolvido na execução para determinar se essa atividade está de acordo com os seus objetivos” (Kurcgant, apud Innocenzo, 2006, p. 122) Johnson & Schulz conceituam a auditoria médica como administração da qualidade dos serviços médicos. Essa qualidade é definida como o grau de conformidade com padrões de princípios e práticas aceitas. Na prática o auditor zela pela mais adequada prestação dos serviços, do ponto de vista médico e econômico. Avalia se o hospital adotou a melhor técnica entre as possíveis. Deve avaliar se foi observada a boa prática médica, as diretrizes dos conselhos e do Ministério da Saúde, as tabelas referenciais, o rol de eventos e procedimentos em saúde da ANS, o contrato firmado entre as partes, os pacotes eventualmente existentes. A auditoria médica pode, também, ser definida como “análise, à luz das boas práticas de assistência à saúde e do contrato entre as partes: paciente, médico, hospital e patrocinador do evento, dos procedimentos executados, aferindo sua execução e conferindo os valores cobrados, para garantir que o pagamento seja justo e correto. Também é definida como o acompanhamento dos eventos para verificar a qualidade do atendimento prestado ao paciente”. (Loverdos, 1999, p. 13). Observamos que a função do auditor médico requer conhecimentos dos processos da organização para a qual se atua e da relação comercial que essa entidade mantém com as operadoras de planos de saúde ou com provedores de serviços. Além disso, é preciso dominar as tabelas, diretrizes, normas, códigos que, direta ou indiretamente, relacionam-se com suas atividades. Inquestionável, portanto, a responsabilidade potencial do auditor médico na indução ou não de novas demandas judiciais. Sua atuação tem, sim, relação 119


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com o aumento ou a diminuição de certas causas judiciais. Se a sua atuação, por exemplo, fundamenta uma negativa indevida de cobertura de determinado procedimento por uma operadora de plano de saúde, isso pode ser um indutor para que o consumidor lesado busque o seu direito na justiça. O auditor medico deve sempre pautar sua conduta pela Código de Ética Médica, pelas demais resoluções do CFM – Conselho Federal de Medicina, pelo Código Civil, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei n° 9656/98, sob pena de responder administrativa, civil e penalmente. Aqui estamos falando da responsabilização pessoal do auditor médico, a qual pode ser em conjunto com a entidade para a qual atua ou isoladamente. A responsabilidade civil do auditor médico não exime a responsabilidade da entidade para a qual atua, pois prevalece a responsabilidade solidária, conforme prevê o CDC. Não quero dizer que as demandas judiciais só ocorrem em razão da atuação dos auditores. Conforme já dito, entre os principais assuntos das demandas judiciais na área da saúde suplementar estão justamente as exclusões contratuais, onde justamente o auditor e as operadoras não têm nenhuma interferência, mas pelo contrário, são vítimas, como também o são, em última instância, os próprios consumidores, pois acabam arcando indiretamente com a liberação de coberturas expressamente excluídas dos contratos. A auditoria médico-hospitalar, por outro lado, pode ser utilizada como ferramenta para evitar-se a ocorrência de ações judiciais, pois serve para subsidiar e pautar a conduta, tanto do hospital, como da operadora de planos e seguro de saúde. Quando o auditor atua para preservar a qualidade dos serviços e a melhor entre as técnicas e procedimentos médicos utilizados, segundo as diretrizes e a boa técnica médica, na verdade o faz em nome da entidade para a qual atua, respaldando-a técnica e juridicamente. Essa cautela é exigida em todas as situações.

Conclusão Quando me propus a desenvolver este trabalho, tinha em mente que seria tarefa árdua, dada a complexidade do tema, posto que tem como objeto um bem tão relevante e meritório e envolve diversos players. Após discorrer sobre o direito à saúde; o sistema de saúde brasileiro; a judicialização e as suas principais causas e impactos em relação à saúde pública e privada; e, finalmente, a responsabilidade da auditoria médica e sua relação com a judicialização da saúde, construo agora uma conclusão. A saúde é direito do cidadão, consagrado na Constituição Federal, a qual impõe ao Estado a obrigação de assegurar as condições para o seu exercício. Essa mesma Constituição também garante à livre iniciativa privada o oferecimento de serviços de saúde. Muito antes de 1988, data de promulgação da Carta Magna, o setor privado já explorava essa atividade econômica, por meio de prestação direta de serviços ou por meio de planos e seguros de saúde. 120


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O direito à saúde relaciona-se com o direito à vida e com o princípio da dignidade da pessoa humana, constituindo-se fundamento do Estado brasileiro. O direito à saúde, quando posto em questionamento, seja na esfera pública ou privada, sempre recebe análise ou provimento judicial à luz dos princípios aqui citados. A saúde é caracterizada, portanto, como bem meritório. A judicialização dos conflitos públicos ou privados inicialmente pode ser explicada pela existência de uma cultura judicante em nossa sociedade. Somos motivados e buscar a solução para os conflitos sempre por meio de aparelho estatal, via de regra, pelo Poder Judiciário. Some-se a isso, a existência de institutos judiciais e processuais que facilitam o acesso à justiça. Falo do surgimento dos Juizados Especiais Cíveis, o qual foi desacompanhado da priorização da conciliação. O fato é que tais instrumentos já se mostram contrários aos seus fins (celeridade e economia processual), pois tais juizados já estão abarrotados de processos; além dos juizados, o uso indiscriminado de institutos processuais para situações de urgência e risco de dano à parte (liminar e antecipação da tutela) também colabora para a chamada judicialização. Em se tratando da saúde, a judicialização é causada por uma série de fatores, tais como: ineficiência estatal; falta de conhecimento técnico-médico do judiciário; lacunas regulatórias; contratos não regulamentados; o caráter satisfativo das liminares, dentre outros. Vimos que, tanto o setor público, como o setor privado, enfrenta o excesso de demandas judiciais. O SUS, por meio do Ministério da Saúde e dos gestores estaduais e municipais, normalmente é compelido a garantir o acesso a medicamentos que não parte de sua lista ou a tratamentos sofisticados, inclusive no exterior. Vê-se, portanto, obrigado a utilizar o orçamento público, já fruto de rigoroso planejamento e contingenciamento, para situações excepcionais, dificultando, por conseguinte, a execução das políticas públicas nesta área. Essa atuação do judiciário em atendimento às demandas da população no setor público, caracteriza o que aqui chamamos de judicialização da saúde ou politização da justiça. O judiciário, exercendo função atípica, atua como se gestor público fosse, e praticamente executa políticas públicas ou as define. Faz, há de se reconhecer, primeiro porque é demandado e, segundo, porque a saúde, apesar de direito constitucionalmente previsto, deixa, na grande maioria dos casos, de ser priorizada, de forma a suprir as necessidades da população. Deve-se, todavia, agir com prudência, conforme mostramos, pois com o intuito de se assegurar o direito à saúde a alguns, pode estar-se negando minimamente tal garantia à coletividade. Já o setor privado, aqui chamado de saúde suplementar, é comumente chamado a garantir por determinação judicial, o acesso a coberturas (materiais, medicamentos e procedimentos médico-hospitalares) muitas vezes não contempladas nos contratos firmados com os consumidores ou na Lei dos Planos de Saúde. As decisões não se limitam ao aspecto assistencial, mas envolvem também questões relacionadas ao próprio contrato, como o preço e a forma de reajuste; é comum haver decisões que 121


Fronteiras da Auditoria em Saúde

extinguem qualquer forma de reajuste ou limitam-no, desrespeitando o contrato, a Lei e cálculos atuariais fundamentais para o equilíbrio e sobrevivência da mutualidade. Se no SUS a judicialização atinge fortemente as políticas públicas, no campo privado, atinge o próprio bolso do consumidor, desequilibrando os contratos e aumentando os riscos da atividade, os quais são legitimamente repassados aos preços, limitando ainda mais o acesso da população. Outros aspectos, como as lacunas regulatórias, o desconhecimento da atuação e legitimidade da ANS e a falta de preparo técnico-médico do judiciário para lidar com questões relacionadas à saúde, só agravam o problema, conforme restou demonstrado. A judicialização da saúde traz impactos ao mercado, pois gera insegurança jurídica e instabilidade regulatória aos mercados, afugentando investimentos nacionais e estrangeiros e causando retração da oferta. É o caso, por exemplo, dos planos individuais, os quais deixaram de ser comercializados por muitas operadoras. Além da insegurança, a judicialização tende a causar desequilíbrios contratuais sérios, pois afronta cálculos atuariais legitima e legalmente estabelecidos, tornando carteiras equilibradas em deficitárias, onerando, indiretamente a coletividade envolvida na carteira e, em muitos casos, contribuindo para a quebra da operadora. A auditoria médica é uma importante atividade que visa sobretudo a qualidade no atendimento ao cliente. O auditor avalia se a boa prática médica foi exercida. Se a melhor e mais viável (nem sempre a mais cara e avançada) técnica foi aplicada ao caso concreto. Preserva, além da boa conduta médica a eqüidade dos custos, tanto de prestador de serviços, como da operadora ou seguradora de planos e seguros de saúde. Deve, porém, preocupar-se em fundamentar sua atuação no Código de Ética Médica, nas resolução e diretrizes do Conselho Federal de Medicina, das sociedade médicas, do Ministério da Saúde e da ANS (Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde). Sua atuação tem o potencial de direta ou indiretamente influenciar positiva ou negativamente na judicialização da saúde, sem prejuízo de eventuais responsabilidades no campo administrativo, civil ou penal. Deve o auditor estar atento quanto à responsabilização de sua atividade, à luz do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

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Auditoria e Judicialização da Saúde

4. Bahia L. Seguros e planos de saúde uma saída à brasileira: estudo da organização da oferta a partir de noções das teorias de seguros. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: ENSP, Fiocruz, 1999. 5. Barroso LR. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Trabalho desenvolvido por solicitação da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro. 2007. Disponível em http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticiais/ medicamentos.pdf.Acesso em 18/07/08. 6. Boletim Política & Poder. Lenir Camimura. Brasília, julho de 2008. 7. Brasil, Radiografia da Saúde. Organizadores: Barjas Negri, Geraldo Di Giovanni. São Paulo: UNICAMP. I.E, 2001. 8. ______. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Integração do setor de saúde suplementar ao sistema de saúde suplementar/Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar - Rio de Janeiro: ANS, 2001. 9. ______. A regulamentação do setor de saúde suplementar, Agência Nacional de Saúde Suplementar - Rio de Janeiro: ANS, 2000. 10. ______. Duas Faces da Mesma Moeda – Microrregulação e Modelos Assistenciais na Saúde Suplementar. Regulação e Saúde 4, Série A, Normas e Manuais Técnicos. Rio de Janeiro: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2005. 11. ______. Caderno de Informações da Saúde Suplementar. Rio de Janeiro: Agência Nacional de Saúde Suplementar, setembro de 2008. 12. Cechin J e outros. A história e os desafios da saúde suplementar: 10 anos de regulação. São Paulo, Editora Saraiva, 2008. 13. Cintra RFU. A pirâmide da solução dos conflitos: uma contribuição da sociedade civil para a reforma do judiciário. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2005. 14. Coimbra MC. O Direito Regulatório Brasileiro. In: Jus Navigandi, n. 51. [Internet] http//jus.com.br/doutrina/texto.asap?id=2076 [capturado 08.Out.2001]. 15. D’Innocenzo M, Feldman LB, Fazenda NRR, Helito RAB, Ruthes RM. Indicadores, auditorias, certificações: ferramentas de qualidade para gestão em Saúde. São Paulo: Martinari, 2006. 16. Faria JE. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999. 17. Ferreira CD. O Judiciário e as Políticas de Saúde no Brasil: o Caso AIDS. Prêmio IPEA 40 anos. Brasília: IPEA, 2004. Disponível em http://getinternet.ipea.gov.br/ sobre Ipea/40anos/estudantes/monografiacamila.doc. Acesso em 13 de julho de 2008. 18. Grau ER, in “Interpretando o Código de Defesa do Consumidor; algumas notas”. Revista de Direito do Consumidor, nº 5, 1993. 19. Gregori MS. Planos de Saúde: a ótica da proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. 20. Grinberg R. A questão das cláusulas abusivas nos Contratos de Planos de Saúde. Revista de Direito do Consumidor nº 34, 2000. 21. Loverdos A. Auditoria e Análise de Contas Médico-Hospitalares: São Paulo: Editora STS, 1999.

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Fronteiras da Auditoria em Saúde

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Dra. Goldete Priszkulnik – Médica. – MBA em Gestão de Planos de Saúde. – Título de Especialista em Administração em Saúde pela Associação Médica Brasileira – Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Associação Médica Brasileira – Docente convidada do Centro Universitário São Camilo/ São Paulo e São Camilo/ Brasília – Coordenadora dos cursos de Capacitação e Gestão em Auditoria em Saúde na ABRAMGE/SP – Responsável pelos cursos de Capacitação em Auditoria e Faturamento de Convênios na FEHOSP – Coordenadora Médica em Seguro Saúde. – Auditora do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Capítulo 9

Auditoria no Sistema Público de Saúde no Brasil Na área da saúde, referências a auditoria em saúde aparecem pela primeira vez no trabalho realizado pelo médico George Gray Ward nos Estados Unidos em 1918. Ward analisa a qualidade da assistência prestada ao paciente através dos registros hospitalares em prontuário (Pereira e Takahashi, 1991). Auditoria tem por definição o exame e a revisão metódica da situação contábil e financeira de uma empresa, comparada a planos preestabelecidos, que têm como conclusão um relatório completo (Francisco, 1993). É um exame sistemático e oficial de um registro, um processo ou uma contabilidade para avaliação de desempenho. Segundo CALEMAN: O conceito de auditoria (audit) foi proposto por Lambeck em 1956 e tem como premissa a “avaliação da qualidade da atenção com base na observação direta, registro e história clínica do cliente”. As atividades da auditoria concentram-se nos processos e resultados da prestação de serviços e pressupõem o desenvolvimento de um modelo de atenção adequado em relação às normas de acesso, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Consistem em controlar e 125


Fronteiras da Auditoria em Saúde

avaliar o grau de atenção efetivamente prestada pelo sistema, comparando-a a um modelo definido. A auditoria é um conjunto de atividades desenvolvidas tanto para controle – auditoria operacional – quanto para avaliação de aspectos específicos e do sistema – auditoria analítica (CALEMAN, 1998). A auditoria no Sistema Público de Saúde brasileiro aparece como uma necessidade de controle e avaliação das ações em saúde e é inerente a qualquer atividade que precise de controle externo para seu efetivo funcionamento. O tema auditoria em saúde é relativamente recente no Brasil. A partir da década de sessenta, a unificação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) resultou na criação do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). A assistência médica estava garantida para os empregados com carteira assinada. Os serviços médicos do INPS eram divididos em serviços próprios e contratados. Os serviços contratados apresentavam suas contas que eram inteiramente pagas. Não havia nenhum tipo de controle ou avaliação. Distorções não eram percebidas e várias irregularidades passavam incólumes. O crescimento econômico do Brasil, a partir da industrialização promovida no final da década de cinqüenta e sessenta, traz diversas indústrias para o país, principalmente a automobilística. Com o crescimento da população assistida pelo INPS e sem a estrutura adequada para toda a assistência, as indústrias buscam meios de promover a saúde de seus empregados e familiares e passam a contratar grupos médicos para promover a assistência. São os primórdios das medicinas de grupo e do sistema supletivo de saúde. Segundo dados do DENASUS: As atividades de auditoria, antes de 1976, com base no então Instituto Nacional de Previdência Social - INPS eram realizadas pelos supervisores por meio de apurações em prontuários de pacientes e em contas hospitalares. À época, não havia auditorias diretas em hospitais. A partir de 1976, as chamadas contas hospitalares transformaram-se em Guia de Internação Hospitalar - GIH. As atividades de auditoria ficam estabelecidas como Controle Formal e Técnico. Em 1978, é criada a Secretaria de Assistência Médica subordinada ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS. Vê-se a necessidade de aperfeiçoar a GIH. É criada, então, a Coordenadoria de Controle e Avaliação - nas capitais, e o Serviço de Medicina Social - nos municípios. Em 1983, a Autorização de Internação Hospitalar - AIH, vem substituir a GIH, no Sistema de Assistência Médica da Previdência Social - SAMPS. É nesse ano que se reconhece o cargo de médico-auditor e a auditoria passa a ser feita nos próprios hospitais. Em 1990, a Lei 8.080, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, estabelece a necessidade de criação do Sistema Nacional de Auditoria - SNA, como instrumento fiscalizador e atribui a ele a coordenação da avaliação técnica e financeira do SUS, em todo território nacional. Com a extinção do INAMPS, em 1993, a Lei de n.º 8.689, de 27 de julho de 1993, cria o SNA e estabelece como competência o acompanhamento, a fiscalização, o controle e a avaliação 126


Auditoria no Sistema Público de Saúde no Brasil

técnico-científica, contábil, financeira e patrimonial das ações e serviços de saúde (DENASUS, 2008). Ainda, segundo o DENASUS, o Decreto 1.651, de 28 de setembro de 1995, regulamenta o SNA e define suas competências nos três níveis de gestão: federal, estadual e municipal. O sistema é integrado por uma Comissão Corregedora Tripartite, composta pela direção nacional do SUS, representantes do Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Saúde e do Conselho Nacional de Secretários Municipais da Saúde. Segundo CALEMAN, cabem a cada nível de governo as seguintes competências, para as atividades de auditoria: • Nível federal: a) Aplicação dos recursos transferidos aos estados e municípios, mediante análise dos relatórios de gestão; b) As ações e serviços de saúde de abrangência nacional; c) Os serviços de saúde sob sua gestão; d) Os sistemas estaduais de saúde; e) As ações, métodos e instrumentos implementados pelo órgão estadual de controle, avaliação e auditoria. • Nível estadual: a) Aplicação dos recursos estaduais repassados aos municípios; b) As ações e serviços previstos no plano estadual de saúde; c) Os serviços de saúde sob sua gestão; d) Os serviços municipais e os consórcios intermunicipais de saúde; e) As ações, métodos e instrumentos implementados pelos órgãos municipais de controle, avaliação e auditoria. • Nível municipal: a) As ações e serviços estabelecidos no plano municipal de saúde; b) Os serviços de saúde sob sua gestão (públicos e privados); c) As ações e serviços desenvolvidos por consórcio intermunicipal ao qual o município esteja associado. À Comissão Corregedora Tripartite cabe: a) Zelar pelo funcionamento harmônico e ordenado do Sistema Nacional de Auditoria; b) Identificar distorções; c) Resolver impasses; d) Requerer aos órgãos competentes providências para a apuração de denúncias e irregularidades; e) Aprovar a realização de atividades de controle, avaliação e auditoria pelo nível federal ou estadual, em estados e municípios (CALEMAN, 1988). 127


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Seguindo o trajeto histórico traçado pelo DENASUS: Temos a Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, dentre outras disposições, define ainda as áreas de competência, cabendo ao Ministério da Saúde, como função legal a coordenação e fiscalização do Sistema Único de Saúde - SUS. Com a reestruturação do Ministério da Saúde, a Portaria MS 1069 do Gabinete do Ministro, de 19 de agosto de 1999, estabelece nova organização de atividades do SNA: as de Controle e Avaliação ficam com a Secretaria de Assistência à Saúde, SAS, e as atividades de auditoria com o Departamento Nacional de Auditoria do SUS, DENASUS, representado em todos os estados da Federação e no DF. Pela reestruturação regimental do SNA, decreto 3496 de 2000, ao DENASUS compete determinar as responsabilidades dos órgãos de auditoria, controlar e avaliar a correção de irregularidades praticadas no SUS e, ainda, dar assistência direta e imediata ao Gabinete do Ministro (DENASUS, 2008). Como podemos observar no manual de aplicações de glosas do SUS, o Decreto n.º 1.651, de 28/9/1995 que regulamenta o SNA no âmbito do SUS coloca: Art. 2.º O SNA exercerá sobre as ações e serviços desenvolvidos no âmbito do SUS as atividades de: I – controle da execução, para verificar a sua conformidade com os padrões estabelecidos ou detectar situações que exijam maior aprofundamento; II – avaliação da estrutura, dos processos aplicados e dos resultados alcançados, para aferir sua adequação aos critérios e parâmetros exigidos de eficiência, eficácia e efetividade; III – auditoria da regularidade dos procedimentos praticados por pessoas naturais e jurídicas mediante exame analítico e pericial (Ministério da Saúde, 2005). Ressalte-se que a responsabilidade dos técnicos do SNA é de fundamental importância quanto à verificação de pontos de estrangulamento, detecção de desperdícios e correção de procedimentos que prejudiquem as ações e os serviços de saúde, voltados para a melhoria da qualidade de vida da população (Ministério da Saúde, 2005). De acordo com o DENASUS, são essas as descrições das atividades de auditoria: Auditar a regularidade dos procedimentos técnico-científicos, contábeis, financeiros e patrimoniais praticados por pessoas físicas e jurídicas no âmbito do SUS e verificar a adequação, a resolutividade e a qualidade dos procedimentos e serviços de saúde disponibilizados à população. O conjunto dessas atividades inclui a fiscalização da assistência à saúde e dos recursos públicos destinados ao Sistema Único de Saúde, a verificação dos controles e dos procedimentos na assistência médica, das condições físico-funcionais da prestação de serviços de saúde, bem como a fiscalização do controle contábil, financeiro e patrimonial na gestão do Sistema Único de Saúde (DENASUS, 2008). 128


Auditoria no Sistema Público de Saúde no Brasil

Quando pensamos em auditoria no setor público da saúde, a primeira visão que temos é de um setor mal gerido, mal organizado e sem diretrizes. Vã ilusão. Os princípios de auditora, avaliação e regulação da assistência estão mais bem estruturados no nível público do que no setor supletivo de saúde. O setor privado começa a se preocupar em auditar suas contas médicas e hospitalares a partir do Plano Real em 1994, quando há o arrefecimento do processo inflacionário existente na economia brasileira e com isso os ganhos pecuniários oriundos das aplicações financeiras. É nesse momento que empresas começam a questionar seus modelos administrativos e seus processos gerenciais. A possibilidade de economias no processo assistencial passa a ser uma preocupação constante para as operadoras de planos de saúde. Restrições e procrastinações passam a ser a regra. É uma visão tosca das possibilidades da auditoria em saúde. A visão da auditoria no Sistema Público de Saúde difere substancialmente da visão ainda hoje observada no sistema supletivo de saúde. Enquanto no nível público há a preocupação na validação dos processos envolvidos no ato da assistência, sua eficiência, eficácia e efetividade, a auditoria na saúde supletiva está focada no caso a caso, necessitando de autorizações para permanência hospitalar, exames subsidiários e utilização de materiais e medicamentos especiais. O desconhecimento das ações em auditoria na saúde pública é notório. A população em geral e, principalmente, a população dos profissionais de saúde desconhece as principais ferramentas de controle do SUS e seus mecanismos de auditoria. Considerando que vivemos num país continental e com regionalismos, como fazer para gerir e controlar um modelo de assistência à saúde universal e equânime? Somente uma auditoria estruturada, normalizada e focada nos processos poderá responder às demandas. Para diferenciarmos a auditoria médica no SUS da do sistema supletivo quanto à visão de ressarcimento da prestação de serviços, precisamos inicialmente conhecer como funciona o pagamento dos procedimentos assistenciais prestados. Qual a lógica do faturamento de contas hospitalares do SUS e como ele se diferencia do faturamento geralmente observado no setor supletivo da saúde? Pensando numa forma de faturamento que tivesse que abranger esse país continental, contando com as mesmas regras aonde quer que a internação ocorra, foram desenvolvidos mecanismos de controle que permitem que uma mesma internação em qualquer parte do país tenha a mesma característica de cobrança e o mesmo pagamento final. Afinal qual é essa lógica? A Tabela SUS tem características próprias de cobrança a começar com a premissa de procedimentos em pacotes. Para cada procedimento, quer sejam clínico ou cirúrgico, existe uma média de permanência pré-determinada, com possibilidade de permanência “a maior” ou “a menor”, contanto que devidamente explicitadas. Os exames subsidiários estão previamente contemplados bem como o uso de materiais especiais. A Tabela SUS faz, além disso, uma associação entre 129


Fronteiras da Auditoria em Saúde

a codificação de um determinado procedimento e sua correspondência com o Código Internacional de Doenças na versão 10, mais conhecido como CID 10. Essa compatibilização se faz necessária para alimentar os bancos de dados do Ministério da Saúde com dados sobre morbidade e mortalidade. Não podemos perder de vista que o faturamento SUS é uma ferramenta de gestão do Sistema Público de Saúde brasileiro porque agrega indicadores preciosos para o entendimento do sistema e a formulação e organização de políticas públicas de saúde. A visão de auditoria do médico auditor de uma operadora de planos de saúde baseia-se na autorização da internação hospitalar e sua real necessidade, passando pela autorização de procedimentos em diagnose e terapia, órteses, próteses, materiais e medicamentos especiais. Há a preocupação também com o tempo de permanência na instituição hospitalar. Visão diferente do SUS, já que os procedimentos assistenciais têm regras predefinidas. Quando essas visões diferentes de auditoria ficam patentes? Quando há a cobrança via SUS de um atendimento de um beneficiário de plano de saúde. Para fins de ressarcimento ao SUS, via tabela TUNEP, as operadoras de planos de saúde encaminham geralmente um auditor médico não versado em faturamento SUS para verificação de prontuários e validação do atendimento. É, nesse momento, que ocorrem questionamentos que não têm fundamentação na visão SUS de faturamento e auditoria. Partindo dessa visão, fica claro que quando o médico auditor de uma operadora de planos de saúde contesta uma internação via SUS, restringindo exames ou permanência, mostra desconhecimento dos processos que envolvem essas cobranças. Esses questionamentos infundados atrasam os processos de ressarcimento ao SUS, gerando trabalho desnecessário. No SUS, logo no início da era da utilização da informática em saúde, quando a entrega do faturamento dos hospitais contratados passou a ser feito via disquete, dos mais antigos, foram desenvolvidas ferramentas administrativas de controle, que hoje parecem simples, mas na época foram revolucionárias. Temos como exemplo procedimentos relacionados ao gênero e a faixa etária. Era comum a cobrança de cesáreas em homens e crianças e cirurgias de fimose em mulheres. Foram também desenvolvidos parâmetros para mensuração do tempo de permanência hospitalar numa determinada internação com uma determinada patologia. A verificação, via programas de computador, de padrões préestabelecidos para cobrança, diminui consideravelmente a possibilidade das chamadas fraudes escandalosas. Aliando-se dados de epidemiologia com faturamento, o SUS também tem a possibilidade de verificação de ocorrência e prevalência de certas patologias por região do país, identificando distorções e exageros. Esses avanços que o SUS já promove na regulação e controle não são ainda visíveis na saúde suplementar. Poucas operadoras de saúde conhecem o perfil epidemiológico da população assistida. 130


Auditoria no Sistema Público de Saúde no Brasil

A visão de auditoria na operadora de plano de saúde não passa por essa premissa de avaliação e regulação. Podemos dizer que agora com a regulação imposta pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e a mensuração da qualidade da assistência através do índice de desenvolvimento da saúde suplementar, as operadoras de planos de saúde, que desejarem sobreviver no mercado, deverão, além de possuírem mecanismos próprios, normalizados e estruturados de auditoria, preocupar-se com o perfil epidemiológico da sua população, incentivando ações em promoção e prevenção em saúde. Infelizmente, ainda não existe por parte das operadoras de planos de saúde a preocupação na capacitação formal dos seus médicos auditores. Regras de boa conduta, conhecimento explícito do código de deontologia médica, visão da qualidade da assistência, eficiência, eficácia e efetividade, ainda não são privilegiados. Ainda impera no nosso meio a visão policialesca, de procrastinação e de cerceamento à assistência. A profissionalização da gestão da medicina supletiva e a conseqüente profissionalização do profissional auditor trarão no seu escopo condições facilitadoras do exercício da auditoria com foco na qualidade da assistência e na relação custo/eficácia competitiva. A realização de uma auditoria de qualidade requer conhecimentos específicos, experiência comprovada, imparcialidade e postura ética por parte de quem a executa. A visão SUS de auditoria tem esse escopo. Há uma preocupação com qualidade, eficiência, eficácia e efetividade. Há também um direcionamento no uso das ferramentas de controle com ampla possibilidade de defesa do auditado, com regras pré-estabelecidas pautadas em códigos de condutas e de deontologia.

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Fronteiras da Auditoria em Saúde

6. Fonseca AS, Yamanaka NMA, Barison THAS, Luz SF. Auditoria e o uso de indicadores assistenciais: uma relação mais que necessária para a gestão assistencial na atividade hospitalar. O Mundo da Saúde - São Paulo, ano 29, v. 29, n. 2 abr./ jun. 2005. p. 161 a 169. 7. Francisco MTR. Auditoria em enfermagem. São Paulo, SP: Cedas; 1993. 8. Loverdos A. Auditoria e análise de contas médicas e hospitalares. São Paulo: Editora STS, 1997. 9. Maia AC, Bez Jr. A. Sistema de saúde: Resgate histórico, evolução dos compradores de serviços. In: Pereira LL, Galvão CR, Chanes M (orgs.). Administração Hospitalar: instrumentos para a gestão profissional. Centro Universitário São Camilo. São Paulo: Loyola, 2005. 10. Motta ALC. Auditoria de enfermagem nos hospitais e operadoras de planos de saúde. São Paulo: Iátria, 2003. 11. Motta ALC, Leão E, Zagatto JR. Auditoria Médica no Sistema Privado: uma abordagem prática para organizações de saúde. 1ª edição. São Paulo: Iátria, 2005. 12. Portal de pesquisa virtual. [Portaria DENASUS, Ministério da Saúde]. Disponível <http://sna.saude.gov.br>. [Acesso em: 7 de julho 2008]. 13. Portal de pesquisa virtual. [Portarias do Ministério da Saúde]. Disponível em: <http://www. portal.saude.gov.br/saude>. [Acesso em: 7 de julho 2008]. 14. SUS. O que você precisa saber sobre o Sistema Único de Saúde. Volume 1. São Paulo: Atheneu, 2002.

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Dr. José Roberto Tebet – – – – – – – – –

Médico Oncologista Especialista em Auditoria pela Fundação Unimed/Universidade Gama Filho Membro da Câmara Técnica de Perícia e Auditoria do CRM-Pr Membro das Câmaras Técnicas de Oncologia da Unimed do Brasil e da Unimed Mercosul Médico Auditor em Oncologia da Unimed Federação do Paraná Médico Auditor da Unimed Curitiba Médico Auditor em Oncologia do Setor de Alto Custo da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba Presidente da ABAM Ex-Vice-Presidente da SOMAP

Capítulo 10

Evolução da Auditoria Médica Já se passaram mais de 20 anos desde a primeira tentativa de se normalizar a auditoria médica. Naquela época, as atividades do médico auditor se concentravam no INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) e as questões éticas relacionadas aos seus atos eram a tônica do momento. Em 1983, três médicos integrantes do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Osvaldo Malafaia, Duilton de Paola e Ehrenfried O. Wittig produzem um documento chamado: “Auditoria Médica e suas Implicações Legais”, estabelecendo normas de condutas baseadas na ética médica, aos médicos auditores e aos auditados: “A auditoria médica, no sentido de corrigir falhas ou preencher lacunas, deve ter como único objetivo a elevação dos padrões técnico, administrativo e ético dos profissionais da área, bem como a melhoria das condições hospitalares, visando em conjunto um melhor atendimento à população. Assim considerada, é ela uma necessidade reconhecida e reclamada por todos. Deve ficar claro que não se trata de técnica usada para policiamento da atividade dos profissionais da saúde. Ao contrário, justificase como um estímulo à melhoria do padrão do atendimento e um sinal de respeito ao nosso semelhante”. Posteriormente esse documento serviria de base para a resolução 1466 de 13/09/1996, revogada em 08/02/2001 pela resolução 1614, que normalizou o exercício da auditoria médica, ambas do Conselho Federal de Medicina. Ao longo do tempo, as exigências quanto à formação profissional do médico auditor modificaram-se, impulsionadas pelo progresso e evolução da medicina e consolidaram os requisitos básicos deste profissional: conhecimento médico atualizado, experiência, bom senso, reputação ilibada foram e continuam sendo os pilares constituintes de sua base. Em 1956, Lambeck propõe o conceito de 133


Fronteiras da Auditoria em Saúde

auditoria (do latim AUDIT):” avaliação da qualidade da atenção com base na observação direta, registro e história clínica do cliente”. A auditoria médica, no entanto, já existia há muitos anos. Nos Estados Unidos surgiu no início do século XX, impulsionada pela crise de qualidade do ensino médico e pela necessidade de revisão sistemática da assistência médica. No Brasil, o marco histórico relacionado ao início desta atividade, provavelmente, foi a publicação do decreto legislativo número 4682, de 24/01/1923, a chamada Lei Eloy Chaves, relativa à prestação de serviços médicos aos filiados às caixas de aposentadoria e pensões. Até 1974 as atividades da auditoria restringiam-se às revisões de contas e de prontuários. Nesse ano é criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. A partir de 1977 as auditorias passaram a ser instrumentos de controle técnico e formal e eram desencadeadas por denúncias de irregularidades e fraudes. Somente em 1983 é que o cargo de médico auditor foi reconhecido e nessa mesma década estabelecido o controle e a avaliação sobre os serviços privados. Dez anos mais tarde (1993) criava-se o Sistema Nacional de Auditoria do Ministério da Saúde. Por muitos anos, a atividade principal do médico auditor restringia-se ao SUS (Sistema Único de Saúde). A partir do crescimento dos planos privados e de sua regulamentação como saúde suplementar pela lei 9656/1998, esse mercado abriu-se para a auditoria médica, aumentando em muitas vezes a necessidade de médicos devidamente capacitados para esta prática. Surgiram os cursos de especialização “lato sensu” em auditoria em saúde, única possibilidade de formação técnica para o médico que se inicia nesta atividade. Por ser, geralmente, um profissional com anos de experiência, o médico auditor passou a ser requisitado para auxiliar nas ações relacionadas à gestão médica, exigindo-lhe buscar novos conhecimentos em áreas antes nem imaginadas com afinidade à medicina, como a economia, por exemplo. A incorporação de novas tecnologias e de novas técnicas tornou-se muito freqüente e fez com que surgissem auditorias específicas baseadas nas especialidades: auditoria cardiovascular, neurologia/neurocirurgia, hemodinâmica, oncologia, ortopedia, etc. A Medicina Baseada em Evidências, a medicina preventiva, o gerenciamento de casos e de doenças, a negociação com prestadores de serviços e fornecedores de materiais e medicamentos, a análise de incorporação de novas tecnologias, a avaliação de indicadores e da qualidade da atenção, a consultoria especializada são as áreas mais recentes em que a atuação do médico auditor se faz presente. Ao médico auditor não cabe mais tão-somente a análise e liberação de procedimentos, a revisão de contas e menos ainda a sua glosa. Dele, exige-se hoje atuar como auxiliar da gestão médica, fornecendo subsídios para a tomada de decisão gerencial, zelar pelo bom uso dos recursos financeiros, independente se a instituição é pública ou privada, atuar junto ao médico assistente, sem no entanto interferir em sua conduta, buscando como resultado de todas essas ações uma medicina de mais qualidade e mais efetiva, focada no paciente. 134


Evolução da Auditoria Médica

Avaliar a qualidade da atenção médica é hoje, além de uma exigência legal, uma obrigação para qualquer instituição de saúde. Neste contexto, o médico auditor exerce papel fundamental.

Regulamentação da auditoria no Sistema Único de Saúde O Sistema Nacional de Auditoria (SNA) do Ministério da Saúde, atualmente ligado ao DENASUS (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) foi criado em 27 de julho de 1993 pela lei 8689 e regulamentado em 28 de setembro de 1995, pelo decreto número 1651, que definiu suas competências nos três níveis de gestão: federal, estadual e municipal. Leis estaduais e municipais também regulamentam as ações da auditoria médica nestes níveis de governo.

Regulamentação da auditoria no Sistema Privado A auditoria no sistema de saúde privado está regulamentada pela Resolução número 8 do CONSU (Conselho Nacional de Saúde Suplementar) de 03/11/ 1998, alterada pela Resolução número 15 de 23/03/1999, que trata dos mecanismos de regulação no seu artigo primeiro “O gerenciamento das ações de saúde poderá ser realizado pelas operadoras de planos de saúde, através de ações de controle, ou regulamentação, tanto no momento da demanda quanto da utilização dos serviços assistenciais, em compatibilidade com o disposto no Código de Ética Médica, na lei 9656/98 e de acordo...”.

A auditoria médica e o código de ética O atual Código de Ética Médica foi publicado com a resolução CFM nº 1246/88, de 08/01/1988, publicada no Diário Oficial da União em 26/01/1988. O capítulo XI faz referência à auditoria médica: É vedado ao médico: Art. 118 - Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou auditor, assim como ultrapassar os limites das suas atribuições e competência. Art. 121 - Intervir, quando em função de auditor ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório. O capítulo VII (Relações Entre Médicos), no artigo 81, também faz referência direta ao médico auditor. É vedado ao médico: Art. 81 - Alterar prescrição ou tratamento de paciente, determinado por outro médico, mesmo quando investido em função de chefia ou de auditoria, 135


Fronteiras da Auditoria em Saúde

salvo em situação de indiscutível conveniência para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável. A resolução 1614/2001 cita também os seguintes artigos do Código de Ética relacionados à auditoria médica (Capítulo I – Princípios Fundamentais): Art. 8° - O médico não pode, em qualquer circunstância, ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho. Art. 16 - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital, ou instituição pública ou privada poderá limitar a escolha, por parte do médico, dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente. Art. 19 - O médico deve ter, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem, todavia, eximir-se de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à Comissão de Ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina. Este código já completou 20 anos e atualmente encontra-se em revisão pelo Conselho Federal de Medicina.

A auditoria médica e o Conselho Federal de Medicina Conforme mencionamos anteriormente, o exercício da auditoria médica está normatizado pela resolução CFM nº 1614 de 2001, disponível em http:// www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2001/1614_2001.htm . A resolução CFM 1627/2001 disponível em (http://www.portalmedico.org.br/ resolucoes/cfm/2001/1627_2001.htm) define o ato profissional médico e inclui a auditoria médica no: Art. 3º - As atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão e ensino dos procedimentos médicos privativos incluem-se entre os atos médicos e devem ser exercidos unicamente por médico. Esta resolução define também as modalidades de ato médico (anexo à resolução) e dentre elas na letra j: j - planejamento, execução, controle, supervisão e auditoria de serviços médico-sanitários oficiais ou privados; No item Objetivos da Medicina, da mesma resolução, a auditoria médica é novamente citada: À Medicina sempre foram atribuídas cinco funções sociais: a. a assistência aos enfermos; b. a pesquisa sobre as doenças e sobre os doentes; c. o ensino das matérias médicas; d. o exercício da perícia; e, mais recentemente; e. a supervisão das auditorias técnicas médicas 136


Evolução da Auditoria Médica

E no item: Como se implementam os objetivos da Medicina: Considerando-se as opiniões largamente estabelecidas, pode-se dizer que são atividades dos profissionais da Medicina: f. realizar perícia médica, auditoria médica, supervisionar e ensinar Medicina; e g. integrar, dirigir, coordenar, supervisionar e avaliar serviços e procedimentos médicos. Apesar de todos os fundamentos citados, o Conselho Federal de Medicina ainda considera a auditoria médica uma área de atuação especial – Resolução CFM 1845/2008. (http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2008/ 1845_2008.htm).

Sociedades e associações de auditoria médica Era de se esperar que uma atividade tão antiga, devidamente regulamentada, já estivesse organizada em nível estadual e nacional. Assim sendo, existem hoje várias sociedades estaduais que reúnem os médicos auditores: Rio Grande do Sul (Somaergs), Paraná (Somap), São Paulo (Somaesp), Bahia (Somaeb), Minas Gerais, Pernambuco, Ceará e Pará. A UNASUS (União Nacional dos Auditores do SUS) congrega os auditores do Sistema Único de Saúde. Em nível nacional, desde 2005, a ABAM, Associação Brasileira de Auditoria Médica, fundada a partir da maioria das sociedades estaduais citadas anteriormente, vem se firmando como representante nacional dos médicos auditores.

Auditoria médica presente e futuro A auditoria médica tem evoluído no mesmo compasso que a medicina. Esta evolução tem exigido do médico auditor atualização constante. Não há mais espaço para o médico auditor de ocasião. Sua formação está cada vez mais complexa. Além do esperado conhecimento médico geral, informações em diversas outras áreas específicas tornaram-se imprescindíveis, como: economia da saúde, medicina baseada em evidências, legislação, conceitos jurídicos, epidemiologia, medicina preventiva, contabilidade, relacionamento interpessoal, negociação, etc. Estas características transformaram o médico auditor em um profissional único hoje na medicina. Só não mudou a necessidade de bom senso e senso crítico apurados. Existem hoje diversos cursos de especialização em auditoria, a maioria cumprindo as normas do Ministério da Educação. Porém não são específicos para a área médica, pois incluem também outras profissões, como enfermagem, nutrição, fisioterapia, farmácia, etc. Faz-se necessário torná-los específicos, incluindo as diversas especialidades médicas no conteúdo programático, consolidando a figura do médico auditor generalista e instituir o estágio obrigatório, além da monografia, para conclusão do curso. 137


Fronteiras da Auditoria em Saúde

O fortalecimento das sociedades e associações de auditoria médica pelos médicos auditores certamente resultará em uma grande representatividade, legitimando-as a buscar junto ao Conselho Federal de Medicina o reconhecimento da auditoria médica como, no mínimo, área de atuação de todas as especialidades, como ocorreu recentemente com a perícia médica. O estudante de medicina que passa hoje pela Universidade sequer ouve falar da auditoria médica. Na visão de alguns médicos (hoje uma minoria), o médico auditor ainda é aquele que não obteve sucesso em sua especialidade. Este preconceito já passou da hora de terminar. Acrescentar a auditoria médica ao “curriculum” da graduação dos cursos de medicina, tornando-a parte integrante da formação básica do médico, contribuirá, inquestionavelmente, para a melhoria da sua formação e da prática médica, beneficiando todos os pacientes.

Referências 1. Informações, controle e avaliação do atendimento hospitalar SUS, série desenvolvimento de serviços de saúde nº 14, Organização Pan-Americana de Saúde, Organização Mundial da Saúde, Representação do Brasil, Brasília, 1995. 2. Resoluções do Conselho Federal de Medicina, acesso eletrônico (http:// www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2001/1627_2001.htm), em 01/09/2008. 3. Código de Ética Médica, Conselho Federal de Medicina, Resolução CFM nº 1246/ 88, de 08.01.1988, publicada no Diário Oficial da União em 26/01/1988. 4. Auditoria Médica e suas implicações legais, Malafaia O, Paola D, Wittig E O. AMB Rev Assoc Med Bras 1983;29(1/2):26-7.

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Enfa. Débora Soares de Oliveira – – – –

Mestranda do Programa de Tecnologia em Saúde Pós-Graduada em Administração em Saúde Graduada em Enfermagem Enfermeira Auditora Especialista em OPMES da Unimed Federação do Paraná – Coordenadora Comissão Científica SPEA – Sociedade Paranaense de Enfermeiros Auditores Agradecimentos: Agradeço primeiramente a Deus, que me deu vida, saúde e me trouxe até aqui. Que tem ouvido minhas orações, concedido seu divino auxílio e proteção em minha vida e tem sido minha força frente aos novos desafios. A Ti, Senhor, seja toda honra e glória. À minha amada família, pelo mais puro sentimento de amor, que serviu de impulso para a conquista deste objetivo. À SPEA – Sociedade Paranaense de Enfermeiros Auditores e também à ACEA – Associação Cearense de Enfermeiros Auditores, que mantêm viva a chama da Auditoria para muitos enfermeiros no Brasil. Declaração de Isenção de Conflito de Interesses O autor informa que atualmente é colaborador de Cooperativa Médica e declara que não mantém nenhum vínculo empregatício, comercial ou empresarial, ou ainda qualquer outro interesse financeiro com a indústria farmacêutica ou de insumos para a área médica.

Capítulo 11

O Papel do Enfermeiro Auditor no Processo de Auditoria em Saúde Desde que entrei na Enfermagem, mesmo atuando na área assistencial, percebi que a preocupação com os custos crescia a cada ano. Ao ingressar no campo da auditoria me senti parte integrante e responsável na constante luta pela gestão dos custos na área da saúde e principalmente na manutenção da qualidade dos serviços prestados. Tive a oportunidade de atuar nos dois lados, isto é, em âmbito hospitalar e em operadoras de planos de saúde, tendo o nítido entendimento da atuação do profissional enfermeiro nestas duas frentes de trabalho. Para se ter uma idéia do papel do enfermeiro dentro do processo de auditoria em saúde, primeiramente é necessário entender o contexto em que estamos inseridos. 139


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Atualmente, os custos da assistência médica têm aumentado expressivamente devido a vários fatores, que se refletem diretamente no aumento dos custos do Sistema de Saúde Público e Privado no Brasil. Vejamos alguns destes fatores: • Aumento da expectativa de vida da população. Graças a Deus, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o brasileiro está vivendo mais! Porém, uma coisa ainda preocupa muito: a longevidade da população brasileira está associada à saúde? Para fazer a gestão desta área entram em cena os Setores de Medicina Preventiva e Gerenciamento de Casos Crônicos, onde o enfermeiro tem atuação intensa. • Beneficiários mais voltados para a tecnologia, com melhor nível de informação, melhor protegidos como consumidores. A cada dia a informação está mais acessível para todos nós. Na área da saúde não é diferente. A ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, juntamente com o Ministério da Saúde, disponibiliza informações sobre medicamentos, produtos para saúde, avaliação de tecnologias em saúde, etc., com acesso gratuito e atualizado. A mídia também tem tido um papel importante na divulgação de novas soluções em saúde, onde tem estimulado os beneficiários, consumidores do Sistema de Saúde, a buscarem e exigirem melhores atendimentos, que conseqüentemente surgem no mercado com maiores custos agregados. A atuação do enfermeiro neste processo é importantíssima, no sentido de treinar, atualizar, estimular os pacientes na busca do conhecimento para receberem um atendimento de melhor qualidade. • Atuação médica abrangente – Inflação tecnológica. Ainda bem que estamos na era dos procedimentos minimamente invasivos, medicamentos para terapia personalizada, etc.! Falo agora como consumidora que prima pela qualidade de atendimento com recursos tecnológicos atuais. Porém, como Auditora e Gestora em Saúde, não posso me esquecer que todas estas inovações são apresentadas ao mercado de forma muito intensa, levando-nos à necessidade de absorvê-las de forma racional e economicamente sustentável. No Brasil vivemos em constante regime de escassez de recursos na área da saúde. E onde se tem escassez, é necessário fazer escolhas. Estas escolhas devem ser acertadas, adequadas para que estas tecnologias sejam disponibilizadas e direcionadas para quem realmente precisa. A área de pesquisa médica vem crescendo nos últimos anos de forma progressiva, também através do setor de Prática Clínica Baseada em Evidências, onde a atuação do enfermeiro tem sido sobremaneira valiosa. Dentro da área tecnológica, outro segmento onde se destaca o papel do profissional enfermeiro tem sido a gestão de materiais de alto custo – OPMES (Órteses, Próteses, Materiais Especiais e Síntese), onde o conhecimento dos produtos e suas indicações, relacionado à melhor atuação negocial e aliado ao embasamento científico, resulta na disponibilização correta das tecnologias que vêm surgindo. 140


O Papel do Enfermeiro Auditor no Processo de Auditoria em Saúde

A indústria de produtos médicos e medicamentos também tem valorizado o trabalho dos enfermeiros, onde eles têm ampla atuação como responsáveis técnicos, especialistas de produto e agentes de educação continuada. Dentro do que consideramos auditoria convencional, vale destacar a atuação do enfermeiro nas seguintes áreas: -

Auditoria Prospectiva; Auditoria Concorrente; Auditoria Retrospectiva, as quais abordaremos a seguir.

Neste capítulo iremos abordar as principais atividades do Enfermeiro relacionadas a todas estas frentes de trabalho.

Considerações importantes Antes de discorrer sobre cada área de atuação, vale ressaltar que não existe um perfil generalista predefinido para o Enfermeiro Auditor. As áreas de atuação dentro da auditoria em saúde é que determinarão o perfil necessário para o profissional. Por exemplo: a área de gestão de materiais de alto custo exige do profissional enfermeiro, além de outras qualificações, a habilidade de negociação, característica esta que não é fundamental para o enfermeiro que atua no setor de Medicina Preventiva. Em linhas gerais, as características que se esperam do Enfermeiro Auditor são necessidades básicas em qualquer área de atuação profissional: postura ética, discrição, tato, zelo e bom senso, capacidade técnica, atuação em equipe (multidisciplinar), dinamismo e objetividade. Outro assunto muito importante a ser abordado é o amparo legal que o profissional da Enfermagem possui para atuar no processo de auditoria em saúde. Segundo a resolução do COFEN – Conselho Federal de Enfermagem (266/2001) é da competência do Enfermeiro Auditor no exercício de suas atividades: I.

Organizar, dirigir, planejar, coordenar e avaliar, prestar consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre os serviços de auditoria de enfermagem.

II.

Quanto integrante de equipe de auditoria em saúde: f) Atuar na elaboração de contratos e adendos que dizem respeito à assistência de enfermagem e de competência do mesmo; g) Atuar em bancas examinadoras, em matérias específicas de enfermagem, nos concursos para provimentos de cargo ou contratação de enfermeiro ou pessoal técnico de enfermagem, em especial Enfermeiro Auditor, bem como de provas e títulos de especialização de auditoria e enfermagem, devendo possuir o título de especialização em auditoria de enfermagem; k) O Enfermeiro Auditor, em sua função, deverá identificar-se fazendo constar o número de registro no COREN sem, contudo, interferir nos registros do prontuário do paciente; 141


Fronteiras da Auditoria em Saúde

m) O Enfermeiro Auditor tem autonomia em exercer suas atividades sem depender de prévia autorização por parte de outro membro auditor, enfermeiro, ou multiprofissional; n) O Enfermeiro Auditor para desempenhar corretamente seu papel tem direito de acessar os contratos e adendos pertinentes à Instituição a ser auditada; p) O Enfermeiro Auditor, no cumprimento de sua função tem o direito de visitar/entrevistar o paciente, com o objetivo de constatar a satisfação do mesmo com o serviço de enfermagem prestado, bem como a qualidade. Se necessário acompanhar os procedimentos prestados no sentido de dirimir quaisquer dúvidas que possam interferir no seu relatório. III. Considerando a interface do serviço de enfermagem com os diversos serviços, fica livre a conferência da qualidade dos mesmos no sentido de coibir o prejuízo relativo à assistência de enfermagem, devendo o Enfermeiro Auditor registrar em relatório tal fato, e sinalizar aos seus pares auditores, pertinentes à área específica, descaracterizando a sua omissão. IV. O Enfermeiro Auditor, no exercício de sua função, tem o direito de solicitar esclarecimento sobre fato que interfira na clareza e objetividade dos registros, com fim de se coibir interpretação equivocada que possa gerar glosas/ desconformidades, infundadas. VII. Sob o Prisma Ético: a) O Enfermeiro Auditor, no exercício de sua função, deve fazê-lo com clareza, lisura, sempre fundamentado em princípios constitucional, legal, técnico e ético; b) O Enfermeiro Auditor, como educador, deverá participar da interação interdisciplinar e multiprofissional, contribuindo para o bom entendimento e desenvolvimento da auditoria de enfermagem, e auditoria em geral, contudo sem delegar ou repassar o que é privativo do Enfermeiro Auditor.

Sociedades e Associações de Auditoria de Enfermagem Existem atualmente duas associações estaduais ativas no Brasil, que reúnem os Enfermeiros Auditores: • Paraná: SPEA – Associação Paranaense de Enfermeiros Auditores (www.speapr.com), que desde o ano 2000 é a atual representante de classe dos profissionais Auditores no Estado, promovendo encontros científicos regulares e eventos de aperfeiçoamento profissional. • Ceará: ACEA – Associação Cearense de Enfermeiros Auditores (www.aceace.org.br), fundada no ano de 2007, tem estimulado a regularização da função do Enfermeiro Auditor no Estado e também tem promovido eventos para o crescimento do profissional Auditor. 142


O Papel do Enfermeiro Auditor no Processo de Auditoria em Saúde

Em nível nacional, desde o ano 1999, a SOBEAS – Sociedade Brasileira de Enfermeiros Auditores em Saúde ( www.sobeas.org.br ) vem se firmando como representante nacional dos Enfermeiros Auditores.

Papel do Enfermeiro Auditor Vamos começar este capítulo abordando as fases da auditoria e o papel do Enfermeiro Auditor em cada uma delas: • Fase I: Auditoria Preliminar ou Prospectiva (pré-auditoria): auditorias realizadas antes da ocorrência de um evento. Fase muito importante dentro do processo de auditoria, tanto para a instituição de saúde quanto para a instituição financiadora (Sistema de Saúde Público ou Privado). Cabe ao Enfermeiro Auditor, juntamente com a equipe multidisciplinar, a análise das solicitações e as autorizações, desencadeando o processo de emissão das guias ou documentos comprovantes de autorizações. Se esta fase for bem gerenciada, muitos problemas operacionais serão evitados nas fases seguintes. Por exemplo: para o enfermeiro que atua na área de gestão de OPMES, é importante lembrar que 90% dos procedimentos que utilizam materiais de implante são eletivos, e desta forma, o levantamento técnico do material a ser utilizado, suas alternativas de mercado (concorrência) e também os esforços negociais devem ser feitos antes da liberação do procedimento para que não haja surpresas indesejáveis nas fases seguintes. Papel do Enfermeiro Auditor nesta fase: suporte técnico e operacional para a equipe multidisciplinar nas seguintes ações: -

-

Credenciamento e manutenção da rede: o Enfermeiro Auditor, com o seu conhecimento prévio assistencial, tem valor fundamental em reuniões de negociações para acordos de contratos, definição de taxas, pacotes, tabelas de materiais e medicamentos, cadastro de OPMES, sendo sua atuação em instituições hospitalares ou operadoras de planos de saúde. Auditorias de liberação prévia/perícias pré: como já abordado anteriormente, a atuação nesta fase do processo é muito importante e o Enfermeiro Auditor precisa desenvolver uma característica imprescindível. Trata-se do “olho clínico” da auditoria, que detecta possibilidades e oportunidades de novos acordos, buscando sempre o atendimento de qualidade dentro de uma melhor negociação.

• Fase II: Auditoria Concorrente: auditoria médica e de enfermagem durante o evento. Podemos considerar recente esta prática pelos profissionais de Enfermagem. Atualmente poucas operadoras têm se atentado para a importância da visita e gerenciamento dos casos internados. Dúvidas e alterações de conduta muitas vezes são dirimidas durante a própria internação, diminuindo glosas, 143


Fronteiras da Auditoria em Saúde

custos operacionais e muitos desconfortos na prestação de contas. O contato entre a equipe de Controladoria do Hospital e a equipe de auditoria da operadora tem sido mais estreito e os paradigmas relacionados ao profissional auditor como “fiscal” ou “policial” têm diminuído. Outro fator importante é a atuação e interação da equipe multiprofissional (médico e enfermeiro), que tem se completado técnica e operacionalmente a cada ano. -

Controladoria Hospitalar: Trata-se de equipe médica e de enfermagem estruturada internamente no hospital para orientação e acompanhamento dos internamentos, objetivando estruturar a cobrança de forma correta e efetiva, evitando retrabalhos no faturamento hospitalar e glosas indevidas. Dentro do processo de auditoria em saúde, eu diria que estes profissionais são uns dos mais importantes, pois atuam diretamente com a equipe assistencial, treinando-a continuamente, avaliando processos, levantando custos assistenciais, medindo produtividade, isto é, fazendo a engrenagem funcionar dentro de uma instituição hospitalar. Quando a operadora possui hospital próprio e tem o serviço de controladoria, este substitui as demais atividades de auditoria concorrente.

• Fase III: Auditoria Retrospectiva: auditoria médica e de enfermagem após a ocorrência do evento. Realizada através do fechamento da conta após a alta do paciente, diretamente pelo setor de faturamento do hospital, e também através da revisão das cobranças dos procedimentos médicos pela operadora de plano de saúde. A meu ver, esta é a fase mais difícil de todo o processo, porque a cobrança e o pagamento são realizados mediante o que efetivamente foi descrito. Quando ocorre alguma diferença de interpretação por alguma das partes, podem ocorrer as glosas ou cobranças indevidas. Considero a fase mais complexa porque o evento já ocorreu e se as fases I e II não foram bem desenvolvidas, desconfortos operacionais poderão ocorrer. Nesta fase o conhecimento técnico, a habilidade de comunicação e de negociação são fundamentais para a finalização do processo de forma positiva.

Outras atuações do Enfermeiro Auditor Atuação em Medicina Preventiva e Gerenciamento de Casos Crônicos Área de atuação recentemente conquistada pelo profissional enfermeiro. Trata-se de uma iniciativa das operadoras de planos de saúde para gerenciar melhor sua carteira de beneficiários. Este setor atua na análise do perfil epidemiológico da carteira com o objetivo de atuar preventivamente junto àqueles beneficiários que possuem tendência à utilização do plano devido às doenças crônicas. Por exemplo: levantamento do número de diabéticos, hipertensos, cardiopatas e outras patologias que possam levar estes beneficiários 144


O Papel do Enfermeiro Auditor no Processo de Auditoria em Saúde

a desenvolver doenças crônicas futuramente. A intenção atual das operadoras é justamente fazer a gestão destes pacientes de forma qualificada, proporcionando melhora da qualidade de vida e muitas vezes reduzindo até mesmo a progressão da doença. A atuação do profissional enfermeiro vai desde a atuação direta com o beneficiário (palestras sobre qualidade de vida, treinamentos em saúde, etc.) até o auxílio no planejamento e gestão das ações (levantamentos estatísticos sobre a carteira, análise de riscos em saúde, implantação de programas de promoção de saúde e medicina preventiva, etc.). Já no gerenciamento de casos crônicos, o profissional enfermeiro atua diretamente na captação daqueles beneficiários internados por doenças crônicas, tendo como objetivo principal a desospitalização, isto é, proporcionar atendimento domiciliar, trazendo mais conforto ao beneficiário e sua família, bem como redução de custos para a operadora. Nesta área o enfermeiro pode atuar no monitoramento destes beneficiários, no cadastramento e manutenção das empresas de HomeCare, na implantação de programas de gestão das doenças crônicas, definição de estratégias, análise do impacto das doenças crônicas nos custos da operadora, entre outras atividades.

Atuação na Indústria Atualmente a indústria tem aberto portas para a atuação do profissional enfermeiro, que tem participado como um gestor da qualidade nas empresas, atuando em cargos de responsabilidade técnica, direção dos comitês internos de qualidade, validação dos processos internos e externos para certificações da ISO e Boas Práticas, treinamentos técnicos de equipes sobre os produtos comercializados, etc. A abrangência dentro deste segmento é grande, pois há possibilidade de atuação em toda a cadeia industrial, isto é, desde o fabricante, importador, até diretamente no distribuidor dos produtos. Seu conhecimento generalista sobre a área da saúde, aliado ao seu know-how técnico e comercial, permite a ampliação de suas atividades em empresas de qualquer especialidade médica.

Atuação na Gestão de Materiais e Medicamentos de Alto Custo Esta foi uma área conquistada pelo Enfermeiro dentro do processo de auditoria em saúde como um todo. Nos últimos seis anos, tem aumentado progressivamente a participação do enfermeiro na auditoria especializada da área de Materiais de Alto Custo ou OPMES – Órteses, Próteses, Materiais Especiais e Síntese. Sua experiência assistencial, aliada ao conhecimento técnico de materiais e interesse comercial em negociações, possibilitou sua entrada nesta área tão complexa e importante para o Sistema de Saúde Suplementar. Nossa contribuição nesta área só veio somar e reforçar a equipe multidisciplinar de auditoria em saúde. 145


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Além de atuar intensamente no fluxo da auditoria prospectiva, a gestão desta área, trata também: • Do cadastramento, desenvolvimento e qualificação de fornecedores de OPMES e medicamentos de alto custo; • Formatação de tabela de preços dinâmica, onde o conhecimento técnico de produtos e também do cenário de mercado, é fundamental para subsídio das negociações; • Suporte técnico de OPMES aos setores de liberação e pagamento de operadoras e hospitais, apresentando as especificações técnicas dos produtos e também dando subsídio para o setor de auditoria médica com relação a produtos similares ou alternativas de utilização disponíveis no mercado; • Suporte para a implantação de sistemas operacionais inteligentes, capazes de gerar decisão, racionalizar procedimentos e construir indicadores gerenciais que monitorem a curva ABC de utilização destas tecnologias, que conseqüentemente direcionarão o planejamento estratégico da área. Nesta área destaca-se também o Enfermeiro Auditor Negociador, que deve possuir perfil dinâmico, conhecimento técnico especializado de produtos das áreas médicas, atuando diretamente nos processos operacionais e estratégicos de cadastramento de fornecedores e também nas rodadas de negociações junto às Empresas. Sua atuação assistencial somada ao conhecimento técnico de produtos e de mercado, proporciona capacitação diferenciada para atuação neste segmento profissional.

Atuação no Setor de Prática Clínica Baseada em Evidências Área em ascensão para aquele enfermeiro com perfil para aprofundamento em literatura científica. Tanto no contexto da saúde pública como da saúde suplementar, a incorporação de novas tecnologias e avaliação daquelas já em uso tem gerado demanda de trabalho deste setor, no sentido de orientar o uso racional das tecnologias comprovadamente eficazes. Consiste basicamente na análise crítica da literatura científica produzida sobre qualquer tecnologia (medicamentos, equipamentos, procedimentos técnicos, organizacionais, educacionais, de informação e de suporte, programas e protocolos assistenciais). Aos poucos, os enfermeiros no Brasil têm atuado com mais expressividade neste setor. As universidades com direcionamento do processo de aprendizagem para pesquisa propiciam melhor preparo dos profissionais para atuação nesta área; contudo, a crescente oferta de cursos de análise crítica da literatura também figura como oportunidade de qualificação para aqueles que se interessam pelo assunto. 146


O Papel do Enfermeiro Auditor no Processo de Auditoria em Saúde

Considerações finais Em suma, as fronteiras da auditoria em saúde estão se abrindo para a entrada e atuação do profissional enfermeiro. O conhecimento técnico-científico, aliado ao conhecimento administrativo-financeiro, resulta na otimização das atividades operacionais, com manutenção da qualidade do atendimento prestado, redução de custos e satisfação plena do cliente. Como mensagem final, gostaria de ressaltar que além das mencionadas, ainda existem muitas outras fronteiras, que hoje não fazemos idéia com relação à nossa atuação, mas que só serão palpadas, vislumbradas e conquistadas se apenas tivermos iniciativa, boa vontade e coragem para ousar!

Referências 1. ANVISA – www.anvisa.gov.br 2. IBGE – www.ibge.gov.br 3. COFEN – www.portalcofen.gov.br 4. SPEAPR – www.speapr.com 5. ACEA - www.acea-ce.org.br 6. SNA – Sistema Nacional de Auditoria DENASUS – Departamento Nacional de Auditoria do SUS – www.sna.saude.gov.br 7. Câmara Técnica Nacional de Medicina Baseada em Evidências – UNIMED BRASIL – www.unimed.com.br 8. Falk JA. Gestão de Custos para Hospitais. Ed. Atlas, 2001. 9. Paes & Maia. Manual de Auditoria de Contas Médicas, Ministério da Defesa, Exército Brasileiro, Hospital Geral de Juiz de Fora, 2005 – acesso em http:// dsau.dgp.eb.mil.br/arquivos/PDF/qualidade_gestao/manual_Auditoria.pdf 10. Manual de Auditoria Técnico-Científica, Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Departamento de Controle, Avaliação e Auditoria (DCCA), 1999. Acesso em http:/ /www.crt.saude.sp.gov.br/resources/gestor/acesso_rapido/auditoria/ manual_de_auditoria_tecnico_cientifica.pdf 11. Federação das Unimeds de Minas Gerais – Manual de Auditoria Médica. 12. UNIMED São Paulo – Manual de Auditoria Médica. 13. UNIMED São Gonçalo – Manual do Auditor Médico. 14. Associação Paulista de Medicina – Normas Técnicas para Auditoria Médica (vols. 1 e 2). 15. Impacto Médica – www.impactomedica.com.br 16. Manual de Auditoria Médica e Enfermagem da Federação das Unimeds de SP 2004. 17. Glossário Temático – Economia da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

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Fronteiras da Auditoria em SaĂşde

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Dra. Patrícia Medina – Médica Proctologista formada pela Santa Casa de São Paulo – Pós-graduação em Auditoria, Administração Hospitalar e de Serviços de Saúde pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – Professora convidada do Curso de Auditoria em Serviços de Saúde da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – Assessora Médica do Plano de Autogestão da AFRESP – Diretora de Saúde da Athon Group “A vida é curta, a Arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganadora, o julgamento difícil. É preciso fazer não somente o que é conveniente, mas, fazermos com que o doente, os assistentes e as coisas exteriores concorram para isto”. Do livro “Aforismos”, de Hipócrates

Capítulo 12

Gestão em Saúde, Auditoria e Medicina Preventiva Histórico A auditoria e a medicina preventiva têm uma relação muito mais antiga do que a maior parte das pessoas imagina. As bases destas duas ciências remontam ao Antigo Egito. A escrita egípcia, uma das mais antigas da humanidade, era dominada pelos escribas, cuja função principal era a de manter um inventário atualizado sobre a quantidade de víveres, barcos, rebanhos e outros insumos indispensáveis, a fim de que a administração pudesse ter controle e basear sua gestão em dados fidedignos. Estes mesmos escribas podiam fazer uma previsão de quanto seria a arrecadação de impostos para o faraó através de uma ferramenta chamada nilômetro, que era capaz de aferir a intensidade da inundação do rio Nilo. Quanto maior a inundação, maior a fertilização e irrigação das terras e, conseqüentemente, maior seria a colheita e os impostos. Desta forma, acredita-se que os escribas egípcios criaram o primeiro sistema de auditoria organizado da história humana. O berço da medicina também foi no vale do Nilo, muito antes de Hipócrates existir. Os escribas copiavam textos médicos para que o conhecimento fosse divulgado em diversas partes do país. Papiros com algoritmos de diagnóstico e prognóstico, apontamentos anatômicos e farmacêuticos como os de Edwin-Smith, Ebers, Kahum e outros foram escritos há mais de 1850 anos antes de Cristo. 149


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Nestes papiros, a noção da prevenção já era evidente. A percepção de que as doenças podiam ser evitadas com adequada higiene já aparecia desde esta remota época da civilização. O índice de cáries, por exemplo, era baixíssimo entre a população, pois os antigos egípcios realizavam a sua higiene bucal após as refeições mascando um tipo de sal chamado natrão. O uso do mel de abelhas para evitar que as feridas se infectassem também era rotineiro, muito antes de serem descobertas as suas fortes propriedades antiinflamatórias e bactericidas. Nos séculos seguintes, o interesse em identificar estratégias de prevenção bem sucedidas continuou tendo lugar de destaque na medicina. Hipócrates (460-370 A.C.) já reconhecia que adequadas condições de ambiente, água e alimentos eram determinantes de boa saúde, redigindo inclusive um tratado específico sobre este tema. Mais tarde, com a introdução da vaccinia por Jenner no século XVIII, iniciouse uma onda de inovações na área da prevenção, com o descobrimento de vacinas contra uma infinidade doenças infecto-contagiosas. Muito embora a vacinação seja a forma mais conhecida de prevenção, há outras estratégias que podem ser usadas. Na década de 50, os pesquisadores Leavell e Clark criaram o conceito de prevenção primária, secundária e terciária que até hoje é usado para classificar ações preventivas em saúde. A Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada no Canadá em 1986, resultou na redação da chamada “Carta de Ottawa” que define a promoção da saúde como: “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global.” Nas últimas décadas, em função do envelhecimento da população mundial e da transição demográfica pela qual o Brasil está passando, o interesse no estudo das estratégias de prevenção ressurgiu. Ao invés da ênfase na prevenção de doenças infecto-contagiosas, muito em voga no passado, estuda-se atualmente como minimizar o impacto das doenças crônicas transmissíveis e não transmissíveis nos sistemas de saúde. 150


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Esta pode ser uma das maneiras através das quais será possível equacionar a crise do financiamento da saúde, cujos custos são crescentes em praticamente todos os países do mundo. No Brasil, tanto no Sistema Público quanto na saúde suplementar, as atenções antes concentradas nas estratégias convencionais de auditoria de contas médicas, passam a direcionar-se mais intensamente para o planejamento de ações de prevenção, tema que iremos desenvolver neste artigo.

O raciocínio em prevenção O ex-ministro de saúde do Canadá, Marc Lalonde, foi um pensador que influenciou e organizou o raciocínio sobre prevenção ao publicar em 1974 o artigo: A New Perspective on the Health of Canadians (Uma nova perspectiva da saúde dos canadenses, numa tradução livre). Neste documento, Lalonde criou o conceito de campo de saúde e classificou os determinantes da saúde em quatro grandes categorias: Ambiente São fatores externos ao organismo humano que influenciam a saúde, sobre os quais o indivíduo tem pouca ou nenhuma influência, tais como poluição ambiental, nível socioeconômico, etc. Doenças crônicas como o diabetes, por exemplo, são mais prevalentes em indivíduos de baixo poder aquisitivo. Estilo de vida São os hábitos e vícios das pessoas. São fatores sobre os quais o indivíduo tem total controle, pois seu início, continuidade ou cessação dependem de uma decisão pessoal. Incluem-se nesta categoria o tabagismo, o abuso do álcool, o banho diário etc. Biologia humana São fatores biológicos sobre os quais não há controle por parte do indivíduo como a predisposição genética para o câncer de mama devido a alterações cromossômicas. Inclui todos os aspectos físicos e emocionais que constituem o organismo humano tornando-o mais ou menos vulnerável ao adoecimento. Organização do sistema de assistência à saúde Abrange a quantidade, qualidade, acesso, prontidão e distribuição geográfica dos recursos de assistência a saúde, bem como o relacionamento entre pacientes e agentes de saúde dentro do sistema de saúde que atende o indivíduo. Se uma pessoa precisa do sistema de saúde e o atendimento não é satisfatório, há influência no equilíbrio saúde-doença. Com isso em mente, fica claro que as estratégias preventivas podem ser altamente eficientes, mas não são uma panacéia: elas têm limites. 151


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Estes limites dependem do conhecimento médico atual. Não podemos hoje interferir na genética do organismo para evitar que algumas doenças autossômicas dominantes como a coréia de Huntington apareçam. No futuro, técnicas de engenharia genética e nanotecnologia talvez permitam uma maior atuação sobre alguns fatores. A atuação sobre os fatores enquadrados na categoria meio ambiente depende muito de políticas governamentais amplas, saindo da esfera de atuação mais direta da saúde, especialmente da saúde privada. No entanto, ainda que de forma propositiva, os gestores da saúde devem envidar esforços para que as mudanças necessárias se concretizem. A poluição nas grandes cidades causa elevação na prevalência de doenças respiratórias, sobretudo em crianças. As mudanças climáticas causadoras de ondas de calor e frio intensos em algumas regiões do globo também foram responsáveis mortes, especialmente de pessoas nos extremos da vida (muito jovens ou muito idosos). Dentro da categoria estilo de vida encontramos vasto campo de atuação. No entanto, dependemos da decisão individual. Resgatando o aforismo hipocrático usado para abrir esta discussão, não basta apenas que o médico atue bem. É necessário a colaboração e o concurso de outros agentes. Talvez, a colaboração do doente seja a mais difícil de conseguir em alguns momentos. Tomemos como exemplo os fumantes. Praticamente todo fumante conhece os danos que o cigarro pode causar em seu organismo. Porém, nem o mais poderoso raciocínio lógico é capaz de fazer com que a maioria deles deixe o vício. Não estou dizendo para abandonarmos os fumantes. Pelo contrário. O investimento na prevenção do tabaco é um dos que traz maior ROI (Return On Investment - Retorno Sobre o Investimento), ou seja, melhores resultados tanto em saúde quanto em retorno financeiro por unidade monetária investida. Mas o profissional de saúde precisa saber provocar no paciente este desejo de mudar e dar suporte a esta mudança. Infelizmente, observamos que alguns profissionais de saúde não estão capacitados para acompanhar e promover mudanças de estilo de vida em seus pacientes. Este problema pode estar na formação acadêmica ou na sua prática diária, onde o profissional não está usando o tempo que passa com o doente para promover a prevenção. Salvo poucas exceções, acabamos encontrando apenas uma breve e não muito enfática orientação. Porém, a mudança do estilo de vida requer muito mais apoio, perseverança e atitude por parte do profissional de saúde. Deixando um pouco de lado da responsabilidade individual do profissional de saúde, é necessário trazer à tona o contexto no qual ele está inserido, onde há poucos estímulos à atuação preventiva. Refiro-me à organização do sistema de saúde, em especial o privado. Por motivos históricos, o sistema de saúde privado brasileiro apresenta uma série de desvios que são perniciosos à prevenção. O modelo é predominantemente 152


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assistencialista, hospitalocêntrico e baseado na remuneração fee-for-service. O médico é mal remunerado e a qualidade das ações dos serviços de saúde não é adequadamente avaliada pelos gestores. Assim, como freqüentemente se diz em algumas conferências, são “planos de doença” e não “planos de saúde”. O estrategista Michael E. Porter escreveu recentemente sobre o tema em seu livro Repensando a Saúde. Embora baseado em observações do sistema norteamericano, suas teorias podem ser transportadas para o Sistema de Saúde Suplementar brasileiro com poucos ajustes. Porter deixa claro que da forma como o Sistema de Saúde está organizado hoje, nenhum de seus participantes está satisfeito. Os pacientes recebem atendimento de qualidade insatisfatória a alto custo. Os empregadores pagam faturas cada vez mais caras e ainda continuam com funcionários insatisfeitos e litígios judiciais. Os médicos e prestadores de serviço vêm tendo sua remuneração continuamente achatada além de terem que lidar com uma burocracia interminável. O governo e os planos de saúde são sempre criticados embora procurem fazer o possível para organizar e minimizar os problemas assistenciais dentro de um orçamento que nunca é suficiente para atender o crescimento da demanda e a incorporação de novas tecnologias. Os problemas são tantos que a prevenção acaba não tendo muito espaço, embora possa ser a solução para parte deles. Segundo Porter, o sistema baseia-se no tipo errado de competição, pois não privilegia os que realmente agregam valor para os pacientes.

Ações preventivas A definição clássica de Leavell e Clark estratifica as estratégias de prevenção em três níveis: Prevenção primária Seu objetivo é evitar doenças em pessoas consideradas “sadias” e constituise de ações de promoção da saúde e proteção específica. As ações de promoção da saúde envolvem o saneamento ambiental, a educação em saúde, adequação do estilo de vida etc. A proteção específica inclui imunização (vacinação), quimioprofilaxia, proteção contra acidentes e riscos ocupacionais. Prevenção secundária Destina-se a diagnosticar doenças precocemente, para iniciar um tratamento precoce. Sabemos que muitas doenças são silenciosas e se estabelecem em pacientes que passam muitos anos assintomáticos antes de descobrir o que está dentro deles. Nestes casos, a detecção precoce proporciona a possibilidade de um tratamento com mais chances de sucesso. Como exemplos de ações preventivas secundárias, podemos citar: screening com mamografia para câncer de mama, rastreamento com pesquisa de sangue oculto nas fezes para câncer de 153


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cólon, check-ups, campanhas para detecção de câncer de pele, testes para diabetes e colesterol em populações de alto risco etc. Prevenção terciária Aplica-se a indivíduos que já têm uma doença instalada e visa minimizar seus efeitos, evitando incapacidade total, progressão ou crises além de promover a reabilitação. Ações de prevenção terciária destinam-se a uma melhor recuperação do doente dentro do que a gravidade da doença permite, tentando fazer com que tenham bons níveis de qualidade de vida e auto-suficiência. Esta classificação das ações de prevenção baseou-se no modelo das doenças infecto-contagiosas. Quando se transporta esta classificação para as doenças crônicas, o enquadramento pode não ser tão simples. Assim, podemos também utilizar a classificação de Gordon (1983). Para ele, a classificação para medidas preventivas aplicadas pode ser feita em: • Universais São ações recomendadas para todas as pessoas, sem triagem prévia. Algumas podem ser feitas sem a assistência direta de um profissional de saúde. São exemplos de medidas preventivas universais: alimentação adequada, escovação dentária, utilização do cinto de segurança em automóveis, cessação do fumo, etc. • Seletivas Aplicam-se a indivíduos de grupos selecionados, onde há maior risco de desenvolver uma determinada doença. A seleção pode ser para sexo, faixa etária, ocupação, etc. A vacinação contra a gripe para idosos e o uso de equipamentos de proteção auditiva em trabalhadores expostos ao ruído são bons exemplos de medida preventiva seletiva. • Indicadas São as ações indicadas para pessoas onde o alto risco para desenvolvimento da doença é descoberto através de uma anamnese ou exame. A presença de um fator de risco, uma condição de saúde, uma anormalidade que identifique aquele indivíduo particular como de alto risco pode torná-lo elegível para uma ação preventiva indicada. Exemplos: início precoce do screening com mamografia para mulher com diversos parentes de primeiro grau afetados por câncer de mama, screening com colonoscopia anual para portadores de polipose, quimioprofilaxia para contatos próximos de paciente com meningite bacteriana etc. Não há correspondência entre a classificação de Leavell e Clark e a de Gordon. Desta forma, prevenção terciária não é igual a prevenção indicada, prevenção secundária não é igual a seletiva, e assim sucessivamente. 154


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Prevenção e a regulação da saúde suplementar As primeiras operadoras de saúde brasileiras surgiram na década de 70. De forma geral, a tônica de sua atenção sempre foi mais voltada à disponibilização de redes de prestadores credenciados para o atendimento (hospitais, médicos, laboratórios etc.). Boa parte da receita dos planos de saúde baseava-se na especulação financeira: pagava-se ao prestador muito tempo depois do serviço ser prestado. Em um mercado de alta inflação, havia espaço para obtenção de receita investindo no mercado financeiro durante este intervalo de tempo. Com o controle da inflação, os planos de saúde reduziram suas receitas financeiras e tiveram que desenvolver sistemas de controle mais sofisticados. A preocupação passou a ser com a análise minuciosa de contas médicas para geração de glosas e inibição de fraudes, criação de sistemas de autorização prévia etc. Nesta época, cresceu muito a participação do auditor. Tanto profissionais médicos quanto de outras áreas da saúde passaram a desempenhar funções de auditoria, identificando distorções e trazendo retorno expressivo. Sabemos que a própria presença do auditor já inibe a fraude. Porém, algumas vezes houve abusos. Este ambiente acabou gerando efeitos colaterais para todo o sistema, tais como a judicialização, achatamento de honorários médicos, redução das margens de lucro hospitalares, entre outros. Aproveitando a onda de incorporação tecnológica na medicina, a receita dos prestadores progressivamente foi deixando de vir da prática da assistência à saúde e passou a ser obtida através da venda de materiais e medicamentos. Além disso, os prestadores de serviço credenciados também passaram a ter a sua própria área de auditoria, para estruturar melhor as contas e evitar glosas ou problemas futuros com as operadoras. Apesar do avanço na área administrativa, o paciente muitas vezes não se apropriou destas mudanças. A assistência à saúde prestada pelos planos de saúde brasileiros tem méritos, mas ainda apresenta alguns indicadores de saúde bastante desfavoráveis. Por exemplo, a taxa de cesárea elevadíssima na saúde suplementar, acima de 80%, supera em muito os 30% recomendados como máximo pela Organização Mundial da Saúde. Há alguns anos a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vem induzindo as operadoras de planos de saúde a desenvolver ações preventivas. Eventos, pesquisas e publicações já foram feitos para subsidiar, discutir e entender melhor de que forma as operadoras estão tratando o tema. A legislação trouxe inclusive incentivos financeiros para que as operadoras desenvolvessem programas preventivos. O Programa de Qualificação da Saúde Suplementar desenvolvido pela ANS, onde as operadoras recebem notas para diversos quesitos, valoriza bastante os indicadores referentes à atenção a saúde. A maior parte destes indicadores depende da eficiência da estratégia de prevenção da operadora, tais como: taxa de cesárea, taxa de prematuridade, cobertura de mamografia e Papanicolaou, etc. 155


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Em recente pesquisa junto a operadoras (2008), a ANS apurou que 47% das operadoras já desenvolvem algum tipo de programa de prevenção. Dentre as que executam programas para a população de adultos e idosos crônicos, 39% perceberam que esses programas ajudaram a reduzir os custos assistenciais, além da redução do número de consultas, exames, internações e atendimentos de urgência e emergência. Assim, além de uma simples resposta à indução da ANS, as próprias operadoras estão começando a perceber a importância da prevenção.

Planejamento de programas preventivos É possível fazer prevenção sem planejamento, mas o investimento feito talvez não produza os resultados esperados. As fases de planejamento de um programa de prevenção são as seguintes: Diagnosticar • Executar uma estratégia de diagnóstico: avaliação clínico-epidemiológica da população, mapeamento do perfil de risco, etc. • Analisar das condições de saúde e desvios mais importantes Claude Bernard, médico francês do século XIX, dizia que “quem não sabe o que procura, não sabe interpretar o que acha”. Em prevenção, conhecer os problemas que existem na população é o primeiro passo para uma estratégia de sucesso. Dentre os fatores a investigar durante a fase de diagnóstico podemos citar, sem esgotar o assunto: a) Tamanho da população: em pequenos grupos, ações mais diretas podem ser feitas com todos os indivíduos, enquanto que nas grandes populações, será necessário priorizar grupos de alto risco para que a intervenção direta seja mais viável operacionalmente. b) Turn-over: é a rotatividade das pessoas dentro da população que receberá a ação de prevenção (admissões e saídas). Em populações com alto turn-over é habitual que se privilegiem ações de curto prazo e grande impacto. Em populações estáveis, a prevenção básica de médio e longo prazo também pode ser usada. c) Padrão de morbi-mortalidade: o conhecimento das causas de adoecimento e morte pode direcionar as ações preventivas de forma mais eficiente. d) Indicadores demográficos e de saúde e) Distribuição geográfica: as ações preventivas podem diferir quando a população está concentrada ou dispersa. f) Identificação de condições de saúde alvo: são condições para a qual o esforço preventivo se concentrará. Deverá ser uma condição relevante baseado na freqüência, custos, perda de qualidade de vida, características da população etc. 156


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É preciso estar preparado para realizar a fase de diagnóstico. Quando melhor o sistema informatizado, a abrangência da grade de indicadores e o algoritmo de identificação de problemas, mais chance de sucesso terá a estratégia de prevenção. Para quem não tem estrutura ou não domina completamente o assunto, recomenda-se buscar apoio profissional para completar esta etapa. As ações de prevenção algumas vezes têm custos ou riscos envolvidos. Caso contrário, indicaríamos todas as medidas de prevenção possíveis a todas as pessoas. Submeter a população toda a uma colonoscopia preventiva poderia detectar muitos cânceres colorretais em fase inicial. No entanto, traria importante prejuízo financeiro para o Sistema de Saúde, pois é um método diagnóstico caro. Pior do que isso, poderia trazer problemas aos pacientes. Algumas pessoas assintomáticas e sem câncer poderiam sofrer complicação da desidratação causada pelo preparo do cólon, perderiam o dia de trabalho, gastariam tempo e dinheiro para fazer o exame e poderiam ser vítimas de uma complicação que acontece aproximadamente em 1 a cada 1.000 colonoscopias: a perfuração intestinal. Assim, o investimento em prevenção deve ser cuidadosamente estudado antes da implantação das ações, caso contrário pode haver prejuízo financeiro ou para a saúde do paciente. Muitos estudos estão sendo feitos para tentar delinear qual seria a população elegível para uma ação preventiva. É importante basear a estratégia preventiva em evidências científicas. As sociedades médicas estão padronizando estes grupos de risco através de diretrizes específicas que devem ser de conhecimento do gestor de saúde. Identificar os indivíduos de risco que são elegíveis para cada uma das ações de prevenção nem sempre é fácil. Vai muito além de separar pessoas por sexo e faixa etária ou ter uma lista de pessoas que consumiram muitos recursos do plano de saúde. Há métodos de identificação mais sofisticados que o gestor de saúde pode usar e que podem ser divididos em: - diretos - indiretos. Os métodos diretos são os que dependem de um contato direto com os indivíduos ou com evidências do seu estado de saúde, como as entrevistas e questionários de avaliação de risco em saúde, relatórios médicos, indicações da auditoria médica, apontamentos durante a regulação de procedimentos (autorização prévia) etc. São mais facilmente aplicados em populações pequenas, onde praticamente todos os indivíduos podem ser contatados. Como verificamos, o auditor médico poderia usar as informações com as quais tem contato para indicar pacientes que se beneficiariam de medidas de prevenção ao gestor do sistema de saúde. Infelizmente, ao invés de usar esta informação para promover a saúde, os sistemas de saúde limitam-se a utilizá-las para o pagamento de contas médicas ou para liberação de procedimentos de saúde. 157


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Apenas recentemente algumas operadoras de planos de saúde têm utilizado estes dados para criação de estratégias de prevenção e alocação de indivíduos em ações preventivas. O uso de métodos diretos em populações grandes é útil, mas nem sempre permitirá um levantamento amplo. Diversos pacientes com necessidade de ações preventivas podem ficar de fora do rol de identificados. Os métodos indiretos baseiam-se na análise de sinistros, ou seja, do consumo de recursos de saúde de uma determinada população. Aplica-se a populações grandes, onde o contato individual é mais difícil e o banco de dados está disponível. Bons algoritmos de identificação de pacientes têm baixo índice de falsos positivos. A identificação de pacientes pode também esbarrar em outro problema que é a baixa qualidade do cadastro das instituições de saúde. Mesmo após 10 anos de existência da regulação em saúde, dados da ANS nos dão conta de que o cadastro de beneficiários de muitas operadoras continua deficiente. Quando mergulhamos na prevenção, com freqüência precisamos de algo mais além do que o básico exigido pela ANS. Falta de dados, telefones errados, dados desatualizados, data de nascimento incompatível e homônimos são exemplos de problemas encontrados em nossa experiência. Recomendamos que a fase de diagnóstico seja repetida periodicamente. Desta forma, identificam-se oportunamente novos problemas na saúde da população, permitindo atuação imediata.

Estruturar um plano de ação • Traçar uma meta ou objetivo • Eleger das linhas de cuidado ou ações preventivas a serem adotadas e sua respectiva população-alvo e determinar quais serão as ações de prevenção a serem executadas dentro das linhas de cuidado • Dimensionar orçamento e área de abrangência • Definir quem vai executar a ação preventiva (pessoal próprio ou terceiros) É importante notar que quanto mais nos aproximamos das medidas de prevenção terciária ou indicada, alcançamos um número menor de pessoas. Ao contrário, quanto mais nos voltamos para a prevenção primária ou universal, maior o número de pessoas beneficiadas. Demonstramos este fato na figura1. Medidas de prevenção situadas próximo à base da pirâmide têm maior alcance populacional, mas seus resultados costumam ser difíceis de medir, uma vez que se diluem na população e são de longo prazo. Medidas de prevenção próximas do topo da pirâmide costumam trazer impacto maior e mais rápido em termos de redução de custos, pois se restringem a uma pequena parte da população que consome muito os recursos do Sistema de Saúde. 158


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Figura 1

De acordo com o que for encontrado na fase de diagnóstico, o gestor do Sistema de Saúde poderá optar por uma ou mais linhas de trabalho. Utilizando a classificação adotada nos manuais específicos de prevenção da ANS, podemos trabalhar a prevenção dentro destas linhas de cuidado: I• • • • • •

Linhas de cuidado por fases da vida Saúde do recém nascido Saúde da criança Saúde do adolescente Saúde da mulher Saúde do homem Saúde do idoso

II - Linhas de cuidado por agravos Ex: hipertensão, diabetes, AIDS etc. III - Linhas de cuidado por especificidades Ex: saúde bucal, saúde do trabalhador, saúde mental etc. Observe que dentro de cada linha de cuidado poderá haver estratégias de prevenção primária, secundária e terciária. A seguir daremos alguns exemplos de estratégias de prevenção por linha de cuidado, contemplando todas as categorias de prevenção: 159


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Linha de cuidado

Prevenção Primária

Recém-nascido Vacinação conforme calendário vacinal

Prevenção Secundária

Prevenção Terciária

Teste do pezinho e audiometria

Atenção domiciliar para alta precoce de prematuros de baixo peso

Criança

Campanha de Aferição da pressão prevenção de acidentes arterial anualmente a domésticos partir dos 3 anos

Adolescente

Orientação para sexo seguro

Papanicolaou a cada Programa de recuperação 1-3 anos para mulheres para usuários de drogas com vida sexual ativa

Mulher

Educação para alimentação saudável

Mamografia periódica para a faixa etária indicada

Monitoramento de gestações de alto risco

Homem

Direção defensiva para prevenção de acidentes

Antropometria para identificação de obesidade e alto risco cardiovascular

Gerenciamento de portadores de condições crônicas

Idoso

Vacinação contra a gripe e pneumonia

Rastreamento para câncer colorretal

Reabilitação de portadores de seqüelas

• • • •

Gerenciamento de crianças portadoras de doenças respiratórias

Implantar e manter a ação Criar uma estratégia de divulgação da ação preventiva Iniciar e manter a estratégia de prevenção planejada Avaliar resultados periodicamente Reajustar os parâmetros inicialmente estabelecidos, se necessário

Depois de construído o plano de ação para alcançar os objetivos almejados, começa a implantação da estratégia de prevenção. A adequada divulgação entre a população-alvo é fundamental para sensibilizá-la a aderir ao programa de prevenção. A adesão a uma determinada ação de prevenção pode ser medida através de dois pontos de vista: - na população geral: o percentual de pessoas que aceitaram participar da ação de prevenção (ex: percentual de vacinados na campanha contra a rubéola); - na população do programa preventivo: o percentual de pessoas que realmente estão fazendo o que a estratégia de prevenção prevê (ex: percentual de fumantes que deixaram de fumar depois de uma campanha antitabaco). Para alcançar êxito na ação preventiva, é preciso contar com uma equipe capacitada, preparada e comprometida para o seu desenvolvimento, independente se a opção for por serviço próprio ou terceirizado. 160


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Além disso, ações mais específicas exigem um sistema informatizado de suporte para prontuário eletrônico e avaliação de indicadores de saúde. A avaliação de resultados deve ser feita periodicamente, de forma a verificar se os objetivos foram alcançados ou não, conforme veremos no próximo tópico. De acordo com estes resultados, o gestor poderá avaliar se o objetivo da ação preventiva está sendo alcançado, verificar a performance da equipe que está executando a estratégia de prevenção, realinhar o plano de ação com os objetivos estratégicos da organização etc.

Avaliação do resultado dos programas preventivos Verificar o resultado da ação de prevenção não é o mesmo que aferir a adesão. Todas as pessoas de uma determinada população podem ter assistido a uma palestra de educação alimentar (adesão 100%), mas quantos efetivamente mudaram seus hábitos alimentares de forma perene e com isso reduziram seu peso e risco cardiovascular? Descreveremos, de uma forma geral, como as ações de prevenção se comportam no que se refere à avaliação de resultados. Prevenção Primária Seus resultados são difíceis de avaliar, pois são concretizados em longo prazo na maioria das vezes. O próprio turn-over da população dificulta esta avaliação, particularmente quando a população não é fixa e tem muitas entradas e saídas de indivíduos. Muitos fatores acabam influenciando o comportamento da população ao longo do tempo, portanto é difícil afirmar que uma determinada ação preventiva foi a única responsável pela alteração de um indicador de saúde. Se a população é pequena, os resultados são ainda mais difíceis de medir, pois as ações de prevenção primária são geralmente ações de massa. Com baixo número de sujeitos na análise, a avaliação estatística fica comprometida. Nas ações de prevenção onde se espera resultados em longo prazo, o gestor de saúde costuma lançar mão de dados da literatura para justificar sua realização. Em ações cujo resultado é alcançado em curto ou médio prazo, é possível aferir o resultado, como por exemplo: redução do absenteísmo numa empresa que foi vacinada contra a gripe, redução da utilização de pronto socorro e internações para doenças respiratórias após vacinação contra o pneumococo etc. Prevenção Secundária Neste tipo de ação preventiva, os indicadores mais importantes são os resultados alcançados na população onde foi feito o diagnóstico/tratamento precoce. Eles também podem ser de longo prazo e sofrer todas as influências descritas na prevenção primária. Exemplos: economia feita com tratamentos para câncer em mulheres submetidas a screening com mamografia, anos de vida ganhos no grupo de pacientes rastreados para diabetes etc. 161


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Estes resultados devem ser comparativos, ou seja, compara-se a população submetida ao método diagnóstico e a que não se submeteu a ele. Também podemos considerar para fins de análise dos resultados a aferição do percentual de pessoas onde foi possível efetuar o diagnóstico/tratamento precoce. Prevenção Terciária Na prevenção terciária, especialmente quando se trabalha com populações de alto risco e alto consumo de recursos de saúde, os resultados são facilmente aferíveis e de curto-médio prazo. Esta ação de prevenção costuma trazer importante impacto clínico-financeiro, muito embora acabe se restringindo a uma parcela pequena da população. Também é importante efetuar-se a comparação do grupo submetido à ação preventiva com grupos controle, pois a avaliação de resultados de saúde ou financeiros fica superestimada quando isto não é feito. O real resultado é a diferença entre os resultados do controle e da população que recebeu a ação de prevenção.

Considerações finais Desde a mais remota antiguidade se conhece a importância das ações preventivas. Elas não podem estar ausentes na agenda diária do auditor e do gestor de saúde, pois os tempos atuais são difíceis. Sem a prevenção, o desafio de prover uma boa assistência a saúde a custos controlados não será alcançado. Os resultados alcançados com a prevenção em saúde são inegáveis. Já passou o tempo em que as pessoas acreditavam ou não na prevenção. Agora, é uma questão de colocá-la em prática ou ser omisso.

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Gestão em Saúde, Auditoria e Medicina Preventiva

6. World Health Organization (1986). The Ottawa Charter for Health Promotion, Geneva. 7. OMS. Prevenção de Doenças Crônicas: um investimento vital (2005). Disponível em: http://www.who.int/chp/chronic_disease_report/part1_port.pdf 8. Lalonde Marc. A New Perspective on the Health of Canadians: A Working Document. 1981 ed. Ottawa: Minister of Supply and Services Canada, 1974. 9. Groff P, Goldberg S. The health field concept then and now: snapshots of Canada. Health Network, Canadian Policy Research Networks, 2000. 10. Carrada-Bravo T. Prevención de las enfermedades en la práctica clínica. Avances recientes y perspectivas Rev Inst Nal Enf Resp Mex 13 (1) 51-62. 2000. 11. Porter ME, Teisberg EO. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre, Brasil, Bookman, 2007. 12. Gordon Jr RS. An operational classification of disease prevention. Publ Health Rep 98: 107-109. 1983. 13. Agência Nacional de Saúde Suplementar (Brasil). Manual técnico de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças na saúde suplementar Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/Biblioteca/biblioteca.asp

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Fronteiras da Auditoria em SaĂşde

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Dr. Fernando Fernandes – Médico Cirurgião Geral formado e especializado pela Santa Casa de São Paulo – Especialista em Homeopatia pela UNAERP – Pós-graduação em Auditoria, Administração Hospitalar e de Serviços de Saúde pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – Sócio-Diretor da Athon Group

Capítulo 13

Gerenciamento de Doenças Crônicas Doenças Crônicas Doenças ou condições crônicas são problemas de saúde de longa duração e, geralmente, de longa progressão. A maioria do contingente de crônicos atualmente é composta por portadores de doenças não transmissíveis, como diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, doença de Parkinson, artrite reumatóide, câncer, etc. Existem também as doenças crônicas transmissíveis, tais como a Aids, as hepatites virais crônicas B e C e a tuberculose. As principais causas das doenças crônicas são conhecidas. Hipertensão, altos níveis de colesterol, obesidade, sedentarismo, baixo consumo de frutas e vegetais, tabagismo e consumo de álcool em excesso são fatores de risco evitáveis que devem ser o alvo das estratégias preventivas. Se esses fatores de risco fossem eliminados, pelo menos 80% de todas as doenças do coração, dos derrames e do diabetes tipo 2 poderiam ser evitadas e mais de 40% dos cânceres poderiam ser prevenidos. Condições crônicas, em especial as não transmissíveis, costumam ser permanentes, pois são causadas por alterações orgânicas ou funcionais irreversíveis. Dentro do conhecimento médico atual, estas doenças são controláveis, mas não curáveis. Estas doenças têm um caráter progressivo, sobretudo quando não conduzidas adequadamente. O paciente está sujeito a uma piora progressiva de seu estado de saúde, o que muitas vezes leva à incapacidade ou morte precoce. Para manter as condições crônicas compensadas clinicamente é necessário cuidado, supervisão ou assistência de profissionais de saúde por longo prazo. O paciente precisa adaptar-se e ser treinado para superar as limitações impostas pela doença e ter uma vida próxima do normal. 165


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Muitos portadores de doenças crônicas não têm sintomas nas fases iniciais, portanto muitas vezes o diagnóstico é feito tardiamente. A qualidade de vida de uma pessoa pode ser medida pelo grau de independência e desenvoltura nas atividades de vida diária. As doenças crônicas, em última instância, reduzem a qualidade de vida a médio e longo prazo. Em função do progresso em todas as áreas que a civilização está vivendo, as populações passaram a viver mais. Pessoas que antes morriam de doenças infecciosas passaram a envelhecer e desenvolver doenças crônicas. Em recente publicação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) esclarece sobre os principais mal-entendidos e preconceitos errados que as pessoas têm em relação ao assunto. As doenças crônicas não são exclusivas de países ricos. Pelo contrário, quatro de cada cinco mortes por doenças crônicas acontecem em países de baixa e média renda. Elas também não se restringem a pessoas muito idosas, pois quase metade das mortes causadas por doenças crônicas ocorre prematuramente, em pessoas com menos de 70 anos de idade e afeta mulheres e homens de maneira quase igual. Segundo a OMS, mais de 60% das mortes do planeta se devem a doenças crônicas e este número tende a aumentar progressivamente. As doenças crônicas já consomem (ou em breve consumirão) a maior parte dos recursos financeiros destinados à saúde e do ponto de vista individual levarão ao empobrecimento das nações devido a mortes precoces e incapacidade. A maior parte das doenças crônicas está associada ao envelhecimento. Esse panorama preocupa as empresas que atuam na área de saúde no Brasil e também seus governantes, principalmente porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta um crescimento da população idosa cada vez maior para um futuro breve. Este fenômeno é um dos responsáveis pela escalada dos custos em saúde, que tem tornado a administração dos Sistemas de Saúde um grande desafio. Assim sendo, as doenças crônicas serão um dos assuntos de maior relevância na agenda do auditor de saúde e é importante que ele conheça meios eficientes e seguros para mitigar os riscos que elas trazem à saúde das pessoas e ao equilíbrio financeiro dos Sistemas de Saúde.

Problemas relacionados ao atendimento de pacientes crônicos Estudo citado nas atuais Diretrizes Brasileiras para Hipertensão Arterial mostrou que 50,8% dos adultos sabiam ser hipertensos. Destes, apenas 40,5% estavam em tratamento médico e em apenas 10,4% a pressão arterial estava controlada (inferior a 140x90 mmHg). Se a hipertensão arterial, que é doença perfeitamente controlável e com uma enorme gama de medicações para tratá-la tem este perfil tão ruim, o que devemos esperar de outras doenças crônicas mais graves e com menos opções terapêuticas? Significa que pacientes ou o Sistema de Saúde ou ambos estão com problemas. 166


Gerenciamento de Doenças Crônicas

Sabemos que os portadores de doenças crônicas têm dificuldade para fazer o tratamento correto. Trataremos sobre isso no item sobre adesão ao tratamento. Está claro que o Sistema de Saúde, da forma como está organizado atualmente, não está sendo capaz de prover o atendimento necessário para que o paciente crônico fique compensado, seja no Sistema Público quanto na saúde suplementar. Neste capítulo daremos maior ênfase sobre o Sistema de Saúde Suplementar. Dificuldade de acesso à assistência é um problema que já está acontecendo no Sistema de Saúde Suplementar. Demora para a marcação de consultas, burocracia, co-participações, franquias, distribuição geográfica inadequada da rede credenciada e outros fatores podem estar afastando o paciente crônico do ritmo desejado de acompanhamento. Quando este fenômeno acontece, o paciente costuma buscar atendimento em pronto-socorro, o que somente agrava o problema. O atendimento em prontosocorro costuma ser mais custoso e não é adequado ao paciente crônico, pois o foco é na doença aguda e não no autocuidado, orientação e controle. Existe também a questão da descontinuidade do tratamento, pois ele é feito pelo plantonista do dia e não por um profissional que acompanhará a evolução da doença. O paciente tampouco está recebendo o adequado atendimento ambulatorial, pois as consultas geralmente são de curta duração em função da baixa remuneração do profissional praticada por boa parte dos planos de saúde. É natural que o crônico, por sua complexidade, consuma uma parte substancialmente maior dos recursos do Sistema de Saúde. O problema de hoje é que o consumo destes recursos não é feito de forma racional, ficando os gastos concentrados em pronto-socorro e hospitalizações, ao invés de ficarem na atenção básica. Um Sistema de Saúde mal adaptado ao crônico gera diagnósticos tardios, dificuldade de acesso a atendimento de qualidade, tratamento incorreto e a conseqüente agudização da doença. Isso é que está onerando a saúde em demasia. Em suma, o atendimento acaba saindo caro e não é de boa qualidade. Existe também um certo despreparo da maioria dos profissionais de saúde para lidar com as doenças crônicas. O médico de hoje tem uma visão predominantemente assistencialista e muitas vezes baseada em experiência hospitalar. Não há muita preocupação com um plano de tratamento preventivo, educativo e de orientações sobre a rotina diária para manter a doença crônica sob controle. Diversos sistemas de medida da qualidade da assistência demonstram que o problema da assistência é grave. Os pacientes recebem muito menos do que deveriam dos profissionais de saúde. O sistema está estruturado como se a assistência fosse homogênea: como se os prestadores fossem todos iguais e os resultados gerados por eles também e como se todos os pacientes tivessem a mesma preferência. O resultado final disto é uma “comoditização” da saúde e uma falta de valor agregado ao paciente. Os participantes do sistema lutam com o principal objetivo de conseguir a sua parte financeira dentro da cadeia e não para oferecer bons resultados para os pacientes. O fenômeno foi chamado de competição de soma zero pelo estrategista Michael Porter. 167


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Orientar, verificar se as orientações foram seguidas, ensinar o doente sobre seus hábitos, interferir no ciclo vicioso de risco é uma tarefa muito difícil para o médico moderno, que procura no imediatismo do dia-a-dia uma solução rápida para o doente, ou resolve o caso com várias solicitações de exames, que muitas vezes não são sequer procurados ou analisados. Os médicos e profissionais de saúde, de uma forma geral, deveriam demonstrar através de suas ações concretas um maior interesse no seguimento de seus pacientes. Não um seguimento sem compromisso, mas uma atuação como a de um treinador (coach) que estimula, motiva, incentiva e premia a melhora do paciente. Outro responsável pela falta de sucesso no atendimento ao crônico é a falta de integração que acontece entre os diversos prestadores de serviço dentro do Sistema de Saúde. Eles não compartilham informações em prol do doente, tornando ainda mais difícil a solução do problema. A política do encaminhamento para outros profissionais muitas vezes faz com que o paciente tenha muitos médicos, cada qual olhando para uma parte diferente de seu organismo, ao mesmo tempo em que não há ninguém coordenando e acompanhando o tratamento como um todo. Os médicos trabalham como agentes livres e independentes, atuando apenas nas suas especialidades, portanto não assumem uma perspectiva de ciclo de atendimento completo, deixando de incluir medidas para evitar a necessidade de intervenções (prevenção).

Importância da adesão ao tratamento Doenças crônicas geram absenteísmo e podem levar a perda de emprego e renda. Precisam de acompanhamento médico constante, exames de controle, terapêuticas prolongadas, consultas periódicas, etc. Ainda existe um certo preconceito e impacto na família e comunidade, bem como a necessidade de disciplina, alteração de hábitos e muita perseverança por parte do paciente. Todos estes fatores reunidos fazem com que o indivíduo portador de doenças crônicas possa, em algum momento, desistir de se tratar. A descontinuidade do acompanhamento e tratamento adequados é o que chamamos de falta de adesão do paciente. Esta falta de adesão pode ser total ou parcial. A adesão é um fator determinante no sucesso do tratamento do paciente crônico. É um grande desafio fazer o paciente aceitar que é portador de uma doença crônica. Conseguir que ele faça todo o necessário, é mais difícil ainda. Mesmo sendo um fator de fundamental importância, a adesão é muito pouco compreendida e pesquisada. Além disso, o doente por vezes não verbaliza a falta de adesão espontaneamente para o profissional, seja por medo de represálias ou mesmo por vergonha. Portanto, não costuma ser identificada e reconhecida pelos médicos. Muitos pacientes tomam os medicamentos indicados pelo médico por curto período de tempo, pois assim que apresentam melhora de seus sintomas acreditam que estão curados. Ou usam apenas uma caixa, achando que irá resolver o 168


Gerenciamento de Doenças Crônicas

problema. Quando passam a ter novamente os sintomas, muitas vezes em forte crise de agudização, procuram novamente o serviço de saúde, muitas vezes em condições piores do que estavam antes. A mudança no estilo de vida é fundamental para a prevenção das doenças crônicas. Talvez seja a parte do tratamento onde é mais difícil conseguir a adesão. Ações muito simples, como caminhar diariamente, separar algum tempo do dia para diversão, alimentar-se de frutas e verduras, evitar ingesta de gorduras e substâncias tóxicas poderiam ajudar muito. Mas, infelizmente, poucos querem sair da zona de conforto. Sabemos que cerca de 50% dos pacientes portadores de condições crônicas têm mais de uma doença. A associação de doenças torna o problema da adesão ainda mais complexo: ter múltiplas doenças associadas não é somente uma somatória de doenças. Normalmente elas se potencializam com efeitos deletérios maiores sobre a saúde do paciente. Podemos citar como fatores dificultadores da adesão ao tratamento: • desenvolvimento de efeitos colaterais das medicações em uso e conseqüente abandono do tratamento, problema muito freqüente na Aids, por exemplo; • uso de múltiplas medicações ao mesmo tempo, facilitando o esquecimento e encarecendo o custo com o tratamento; • uso de regimes de tratamento complexos, dificultando o controle das tomadas, como por exemplo medicamentos com tomadas noturnas ou que exijam contagem de dias; • dificuldade de financiamento dos componentes da dieta ou remédios; • preconceito em relação ao uso de medicamentos; • depressão, desmotivação e falta de apoio; • déficit de memória e dificuldade de organização, freqüentes entre os idosos; • etc. Outra questão delicada é a da responsabilidade. Durante o processo de aceitação e tratamento, nem sempre o paciente se sente responsável por si mesmo e transfere esta responsabilidade para sua família ou para o Sistema de Saúde. Ele espera do médico, do profissional de saúde e de outros que resolvam o problema por ele, muitas vezes gerando atritos em função disso até a aceitação plena. Na minha opinião, embora a parcela que cabe ao paciente seja grande, o Sistema de Saúde também está falhando muito, pois não está colocando toda a sua capacidade em favor do bem-estar do paciente. Mostrar ao paciente sua responsabilidade, envolvê-lo e apoiá-lo durante o processo de cuidado é fator determinante para o sucesso do tratamento. 169


Fronteiras da Auditoria em Saúde

É necessário entender que a vida do paciente é muito maior do que as quatro paredes do consultório. Família e comunidade também devem ser capacitadas e envolvidas para o adequado suporte ao paciente crônico.

Estratégias de ação com crônicos O gestor do Sistema de Saúde e o auditor devem reconhecer que as doenças crônicas são uma ameaça e precisam desenvolver um plano de ação para superar o desafio que elas impõem. O primeiro passo para o desenvolvimento de um bom plano de ação é fazer um adequado diagnóstico situacional para conhecer quais são os problemas que estão afetando a boa assistência ao paciente crônico. Um bom indicador para avaliar o impacto da doença crônica em uma determinada população é o DALY (Disability Adjusted Life Year, ou anos de vida ajustados pela redução da capacidade), que leva em conta tanto os anos perdidos devido a mortes prematuras causadas por doenças quanto os anos vividos com incapacidade. No entanto, quando estamos falando da população de um plano de saúde, este indicador nem sempre é fácil de medir. Não estamos dentro de uma situação controlada de pesquisa clínica e muitos outros fatores interferem. Uma boa grade de indicadores de saúde deve fazer parte do sistema de administração do Sistema de Saúde de uma determinada população. Os indicadores da atenção à saúde do Programa de Qualificação em Saúde Suplementar (PQSS), implantado há poucos anos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) são bons exemplo disso. Uma vez feito o diagnóstico, a melhoria da assistência ao crônico envolverá: • promoção de saúde e prevenção primária, secundária e terciária; • estratégias assistenciais; • estratégias gerenciais. Dentro da prevenção primária, podemos trabalhar toda a população para tentarmos reduzir os fatores de risco que desencadeiam diversas doenças crônicas, com estratégias contra o tabagismo, educação para uma alimentação saudável, programas de controle do peso, etc. Ações de prevenção secundária visam o diagnóstico precoce, para evitar que os assintomáticos venham a ser diagnosticados na vigência de uma crise de agudização ou numa fase em que lesões definitivas já tenham se estabelecido. Campanhas de rastreamento (screening) são muito úteis, mas também é preciso fazer uma adequada anamnese e exame físico cada vez que o indivíduo entra em contato com o sistema de saúde por uma queixa qualquer. 170


Gerenciamento de Doenças Crônicas

As medidas preventivas gerais devem ser aplicadas também aos doentes crônicos, como a vacinação e o rastreamento para outras doenças. Mas são as ações de prevenção terciária que mais se destacam quando falamos de prevenção em doenças crônicas. Elas se destinam a reduzir as crises de agudização ou progressão acelerada da doença, minimizando seus efeitos no organismo, além de promover a reabilitação. Estratégias assistenciais são aquelas voltadas a prover recursos de assistência à saúde mais bem preparados e de melhor qualidade técnica para o paciente crônico. Promover a capacitação dos profissionais através da educação continuada pode melhorar o nível de qualidade da assistência. O sistema atual de saúde premia o prestador que tem menor preço de sua assistência, não levando em consideração sua qualidade de serviços e seus resultados gerados ao paciente. Esta metodologia nivela os prestadores de serviço por preço e não por valor ao paciente. Esta não é uma prática adequada quando falamos no bom atendimento ao crônico. Estratégias gerenciais envolvem os níveis mais estratégicos do sistema de saúde, através de medidas que modificam a forma de administrá-lo para garantir um melhor atendimento ao paciente crônico. A simples mensuração da qualidade do trabalho prestado pela rede de prestadores é um exemplo de estratégia gerencial. Sabe-se que a simples aferição periódica de alguns indicadores de qualidade desencadeia melhorias duradouras na qualidade da assistência. Melhorar a distribuição e a forma de acesso à rede também pode ser considerada uma estratégia gerencial. A auditoria em saúde também pode contribuir no atendimento ao paciente crônico. Além de apontar pacientes que merecem cuidado personalizado, o auditor pode ser um avaliador da qualidade da assistência prestada na rede credenciada. O auditor de campo também pode evitar a permanência hospitalar prolongada e desnecessária do paciente crônico, otimizando o uso dos recursos de saúde.

Identificação dos crônicos Para o desenvolvimento de ações específicas para pacientes crônicos, muitas vezes é necessário conhecer quantos e quem são eles. Direcionar a ação certa para a população certa evita o desperdício e promove a alocação mais racional do investimento feito em prevenção e assistência. Diversos métodos podem ser utilizados para a identificação de pacientes crônicos. O gestor do plano de saúde tem diversas fontes para pesquisar de forma mais ou menos complexa sobre os pacientes crônicos como, por exemplo, os registros de: • consultas médicas • auditoria hospitalar • contas médicas 171


Fronteiras da Auditoria em Saúde

• relatórios médicos • dados coletados durante a regulação de procedimentos de alto custo • solicitações do paciente ou de familiares • questionários e inquéritos de saúde • resultados de check-ups • exames admissionais, periódicos ou demissionais de medicina ocupacional • campanhas de prevenção • prontuário de saúde de ambulatórios ou hospitais próprios A opção por cada método dependerá de diversos fatores, como a facilidade de obtenção dos dados, tamanho da população, know-how da equipe, etc. Trataremos aqui de dois métodos que são mais amplos, mais estruturados e são bastante usados atualmente. O primeiro método do qual trataremos é a aplicação de questionários de saúde, com questões sobre estilo de vida, a saúde do indivíduo e fatores de risco, normalmente organizados conforme protocolos clínicos e estudos estatísticos já validados para uma melhor performance. Chamamos este método de Mapeamento do Perfil de Saúde ou Mapeamento do Risco Clínico. Este método tem sido bastante utilizado por empresas para conhecer melhor a situação de saúde de seus colaboradores. Associados ao questionário, podem ser medidos dados antropométricos (peso, altura, circunferência abdominal, etc.) para se obter o risco real do indivíduo ou exames simples, como glicemia e colesterol. Quando a empresa tem condições de fornecer dados provenientes da medicina ocupacional, muita informação pode ser agregada no inquérito de saúde e pode nos fornecer mais dados importantes. Tudo isto ajuda a definirmos o perfil da população e encontrar portadores de doenças crônicas ou portadores de risco para desenvolverem futuras doenças. Esta metodologia já se comprovou ser bastante eficaz, mas é importante que este mapeamento esteja atrelado a uma posterior estratégia preventiva. Afinal, as pessoas de alto risco identificadas precisam receber atenção e iniciar assistência médica para que um bom resultado clínico seja alcançado. Outra coisa interessante é atrelar o mapeamento a uma orientação em saúde para todos os participantes, para que todos tomem conhecimento dos hábitos saudáveis de vida que precisam ser desenvolvidos como medida preventiva universal. Estes mapeamentos podem ser feitos em papel impresso ou utilizando-se o computador, especialmente quando os indivíduos a ser mapeados têm acesso à internet. Esta ferramenta permite um retorno mais rápido, a aplicação em um número grande de pessoas com baixo custo operacional e uma área de abrangência virtualmente ilimitada, o que é interessante quando as pessoas estão distribuídas em diversas localidades do país ou mesmo fora dele. 172


Gerenciamento de Doenças Crônicas

Outra forma de identificar crônicos é um método indireto ao qual costuma denominar-se Análise Clínica de Sinistros. É uma análise dos recursos consumidos pela população dentro do Sistema de Saúde para que possamos, por inferência, chegar aos pacientes com alta probabilidade de serem crônicos. A metodologia indireta, quando bem conduzida, é muito fidedigna e se mostra bastante vantajosa para grandes massas de indivíduos. Quanto mais o período de tempo analisado, melhor será a qualidade do resultado, pois períodos longos ajudam a reduzir a possibilidade de viés estatístico e permitem uma melhor análise da sazonalidade. São feitos cruzamentos destas informações, onde estudam-se os desvios da utilização normal do Sistema de Saúde disponibilizado para o indivíduo, como por exemplo consultas, exames, uso de prontos-socorros, internações hospitalares, uso de medicamentos, e outros dados que possam gerar uma matriz de informações. De acordo com o seu perfil, os indivíduos são classificados em grupos para melhor alocação em ações preventivas, assistenciais ou gerenciais. A figura 1 é um exemplo de estratificação que pode ser feita com base em níveis de complexidade clínica e comportamento.

Alta Complexidade Média Complexidade

Comportamento de Crônicos

Baixa Complexidade

Muito baixa Complexidade

Comportamento de Saudáveis

Figura 1

Para uma melhor análise, é necessário incluir tanto elementos financeiros quanto clínicos. Desta forma é possível identificar os indivíduos com comportamento crônico, indivíduos que utilizam os serviços de saúde de forma acima do normal ou desordenada, os indivíduos em fase inicial de tratamento e em investigação diagnóstica, até pessoas que sofreram de doenças agudas já tratadas. 173


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Por inferência, são separados aqueles que nunca utilizaram ou utilizam pouco o plano de saúde, talvez por não serem portadores de doenças ou por não se tratarem corretamente, o que também representa um risco futuro para a carteira de beneficiários estudada. Como toda metodologia de diagnóstico, os métodos de análise de sinistro geram listas de indivíduos bastante precisas, mas sempre haverá os falsosnegativos (pacientes doentes não identificados pelo método de análise) e falsospositivos (pacientes identificados como possíveis crônicos, mas que na verdade não possuem condições crônicas). Com isto feito é possível garantir uma assistência de melhor qualidade e mais eficiente para este grupo especial de pessoas.

Modelos de gerenciamento de crônicos Para lidar com as particularidades dos portadores de doenças crônicas há uma série de modelos de cuidado, os quais foram desenvolvidos para corrigir as deficiências que hoje existem no Sistema de Saúde e que dificultam o adequado tratamento do crônico. A idéia é implementar algum nível de coordenação e organização à assistência promovendo as melhores práticas de cuidado, de forma a garantir um acompanhamento ativo ou gerenciamento das doenças crônicas e fazendo com que o paciente fique mais capacitado para o autocuidado. O disease management, ou gerenciamento de doenças crônicas, é um modelo norte-americano cuja definição, segundo a Disease Management Association of America (DMAA), numa tradução livre, é a seguinte: um sistema coordenado de intervenções e comunicações em saúde para populações com condições onde os esforços para o autocuidado por parte dos pacientes são significativos. O gerenciamento de doenças crônicos dá apoio ao médico ou relacionamento médico-paciente e plano de cuidado, enfatiza a prevenção das exacerbações e complicações usando diretrizes de prática médica baseada em evidências e estratégias de empoderamento dos pacientes, além de avaliar os desfechos econômicos e humanísticos de forma continuada com o objetivo de melhorar a saúde geral. O case management, ou gerenciamento de casos, promove uma assistência à saúde e serviços com qualidade custo-efetivos para pacientes e suas famílias, fazendo assessments, análises de dados, planejamento, gerenciamento de serviços e cuidado para o paciente individual. Nos Estados Unidos, os programas de gerenciamento de doenças são quase exclusivamente telefônicos, feitos por enfermeiros e se voltam predominantemente para cinco tipos de doenças crônicas: insuficiência coronariana, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma e insuficiência cardíaca. Lá, os programas de gerenciamento de caso costumam ser de caráter hospitalar e feitos por assistentes sociais, para promover um fluxo 174


Gerenciamento de Doenças Crônicas

assistencial melhor e mais rápido durante a permanência do paciente dentro do serviço. O gerenciamento de casos (case) costuma ser mais personalizado e individualizado, enquanto o gerenciamento de doenças (disease) tende a ser mais padronizado, voltado para grandes massas. No Brasil, os dois modelos se confundem na assistência ao crônico, pois elementos do disease são aplicados de forma personalizada e o case, embora existente em diversos hospitais, acaba sendo usado para definir casos complexos e específicos que estão sob acompanhamento gerenciado diferenciado. Recentemente um novo modelo foi proposto, chamado The chronic care model. A figura 2 representa uma tradução livre para o português do modelo esquemático que representa as inter-relações no cuidado ao crônico envolvendo comunidade, Sistema de Saúde, prática assistencial e paciente.

Figura 2

Este nos parece ser o modelo ideal para assistir o crônico. Na literatura, é o que tem proporcionado melhores resultados clínicos e financeiros.

Resultados esperados com o gerenciamento de crônicos Para medir a eficiência da ação preventiva, podemos usar o QALY (Quality Adjusted Life Year), que evidencia quantos anos de vida ajustados pela qualidade aquele grupo de pessoas ganhou com uma determinada intervenção. A exemplo 175


Fronteiras da Auditoria em Saúde

do que acontece com o DALY, já explicado anteriormente, a sua aferição correta fora de um ambiente de pesquisa clínica controlado é muito difícil. Assim, podem ser utilizados indicadores clínicos, epidemiológicos, de opinião e financeiros para medir os resultados dos programas de gerenciamento. Os indicadores clínicos são aqueles que pretendem demonstrar alterações no estado de saúde do paciente ou de uma melhor q ualidade da assistência prestada. São exemplos de indicadores usados para verificação do estado clínico do paciente e do controle de doenças crônicas: pressão arterial, hemoglobina glicosilada, peak-flow e/ou outros. Indicadores epidemiológicos medem o nível de saúde daquele determinado grupo de pacientes. A taxa de hospitalizações por diabetes, por exemplo, é um indicador que demonstra em que medida o atendimento ambulatorial ao diabético está falhando em mantê-lo compensado. Estes indicadores epidemiológicos medem também a resposta que cada tipo de doença ou grupo diagnóstico reagiu às orientações feitas aos pacientes destes grupos. Quanto de redução de utilização de recursos de saúde obtiveram em relação a grupos não acompanhados. Indicadores de opinião são importantes, pois o próprio paciente relata o quanto ele percebeu de mudanças em sua vida, em sua saúde e o grau de aprendizado que teve em relação às orientações passadas. No campo financeiro, são utilizados indicadores que medem a performance de redução de custos proporcionada com o gerenciamento dos crônicos ao longo do tempo. Geralmente é medido o custo per capita médio do grupo estudado num período de tempo anterior ao programa versus o custo per capita médio do grupo após um período de gerenciamento, como mostra a figura 3.

Início

3-4 meses

Custo 6-9 meses Resultado 12 meses

Tempo Figura 3

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Gerenciamento de Doenças Crônicas

A grande questão que é feita neste momento é: se não fizermos nada, o que poderia acontecer? Será que o crônico pioraria se deixássemos ao acaso, se tratando apenas como vem fazendo? Será que teria uma melhora e um controle de sua doença sem grandes complicações? Muitos estudiosos debatem este ponto, pois alguns trabalhos mostram que a longo prazo poderia ser equivalente o resultado de pacientes crônicos bem acompanhados em relação a pacientes crônicos que não se tratam adequadamente. Esta medida por si já demonstra o resultado obtido com programas de prevenção. Chamamos este tipo de medida de resultado bruto, pois leva em consideração apenas o resultado obtido na amostra de pacientes gerenciada. Sempre que aplicamos ferramentas de prevenção em amostras de pacientes crônicos, existem aqueles indivíduos que não conseguem ser abordados por diversos motivos, tais como falta de cadastros corretos, falta de acesso ao doente, falta de adesão por parte do indivíduo, etc. Denominamos este grupo de pacientes não assistidos pelo programa de grupo controle. São pacientes que deveriam estar em programa de prevenção, mas pelos motivos acima descritos não participaram das estratégias definidas. Este grupo é acompanhado a distancia, somente através de seus custos prévios e após o programa para os pacientes assistidos, no mesmo período de tempo. Quando analisamos também o resultado desta amostra de pacientes retirada do mesmo grupo de crônicos que não participou de programas preventivos (grupo controle), utilizando-se a mesma metodologia descrita nos parágrafos acima, notamos que este grupo pode também ter crescido ou reduzido custos no mesmo período, demonstrado na figura 4.

1400 1200 1000 800 600 400 200

Previsibilidade

0 mês 1 mês 2 mês 3 mês 4 mês 5 mês 6 mês 7 mês 8 mês 9 mês 10 mês 11 mês 12

Tempo (meses) Grupo GCC Grupo Controle

Figura 4

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Fronteiras da Auditoria em Saúde

Ao compararmos os resultados dos dois grupos e subtrairmos seus resultados, temos o resultado real dos programas de prevenção. Esta metodologia é utilizada por alguns serviços de saúde para se evitar o resultado do acaso e com isto se obter o resultado livre de quaisquer fatores que possam trazer algum viés.

Como os resultados são obtidos nos pacientes crônicos Faz parte da história natural da doença crônica a piora progressiva de alguns sinais e sintomas, lesões de órgãos vão se sucedendo e piorando o quadro geral até eclodirem numa situação crítica, que leva o indivíduo a uma hospitalização, a um procedimento mais invasivo e até mesmo a uma seqüela física, quando não à morte. Esta seqüência previsivelmente terrível ocorre na maioria dos pacientes mal acompanhados clinicamente. Quando estudamos casos crônicos que chegaram a condições seqüelantes e retroativamente, refizemos a história pregressa de sua doença, sintomas e situações clínicas ocorridas, notamos que existem pontos históricos que chamamos de encruzilhadas de saúde, que são pontos onde decisões tiveram que ser tomadas frente o organismo de uma pessoa. Nestas encruzilhadas o destino pode tomar alguns caminhos, o da remissão, o da evolução progressiva da doença e do evento crítico de saúde. Ao interferirmos nestas encruzilhadas podemos fazer com que o indivíduo tenha uma vida mais saudável, mais controlada e com certeza poderá postergar eventos críticos de saúde. Se compararmos dois grupos de pacientes crônicos, eleitos de uma mesma amostra e em um deles executarmos ações de prevenção, educação e mudança de hábitos de vida, além de o deixarmos ter acesso aos serviços de saúde a que têm direito naturalmente (grupo gerenciado) e no outro o mantivermos somente com as condições de acesso aos serviços a que têm direito atualmente (grupo controle), poderemos notar diversas diferenças. Estas diferenças são estudadas em tempos de seguimento do estudo, por exemplo, até 3 (três) meses de acompanhamento os dois grupos ainda são muito parecidos, pois ambos ainda se sentem doentes da mesma forma, gastam recursos de saúde de maneira muito semelhante. Ao estudarmos com 6 (seis) meses de acompanhamento, notamos que o grupo gerenciado sabe o que fazer ao se deparar com pioras clínicas básicas, pois está mais educado sobre autocuidado e ao sentir ameaças de saúde, procura ajuda. O grupo controle na maioria das vezes não procura ajuda correta e tenta melhorar sem intervenção correta de saúde, ficando expectante ou utilizandose de automedicação. Neste momento a piora advém e uma ida ao pronto-socorro é inevitável. Ao chegar lá o paciente é cercado de exames diagnósticos e tratamentos invasivos que poderiam ser evitados no controle da doença. O gasto de saúde desnecessário e evitável costuma surgir neste momento de desequilíbrio. 178


Gerenciamento de Doenças Crônicas

Com 12 (doze) meses a diferença é notável, tanto em autoconhecimento, autocuidado como em indicadores clínicos de controle da doença. A qualidade de vida do grupo gerenciado é muito maior, as descompensações muito menores e mais esparsas e o custo sensivelmente menor que o do grupo controle. Aos 18 (dezoito) meses deste mesmo comparativo, esperamos que o grupo gerenciado esteja levando uma vida muito próxima de uma pessoa saudável, enquanto as pessoas do grupo controle já poderão ter sofrido com complicações clínicas freqüentes decorrentes da evolução da doença. Notamos uma grande incapacidade do grupo controle de se autocuidar e de procurar ajuda especializada e preparada para acompanhá-lo. Logicamente existem indivíduos que acharam seu caminho neste grupo controle. Encontraram bons médicos que o acompanham e o tornaram como se fosse do grupo gerenciado. Entretanto, o grupo como um todo, na média, é muito diferente em termos de resultados clínicos e financeiros. Na evolução do acompanhamento, com 24 (vinte e quatro) meses as diferenças são muito grandes, inclusive poderão ser sentidas até na morbimortalidade dos grupos. O grupo gerenciado pode ser acompanhado mais a distância e seguir sozinho sua vida, pois está educado em saúde e precisará de acompanhamento regular com bons médicos, mas terá uma vida mais saudável. O grupo controle ainda não está equilibrado clinicamente e busca uma solução para suas freqüentes descompensações de saúde. O custo social e financeiro é muito maior. Em última análise devemos sempre pensar na qualidade de vida das pessoas. Quando alteramos a dinâmica de vida dos crônicos, estamos procurando melhorar seu estilo de vida e fazer com eles conheçam melhor suas doenças e saibam lidar com situações de alerta de descompensações, alem de educá-los para o autocuidado. Saber o que pode fazer mal, saber o que lhe traz o bem-estar e ajudá-lo a se relacionar melhor com o seu meio e as pessoas contribui para uma melhor qualidade de vida e de saúde. Por conseqüência, o indivíduo melhorando traz consigo uma utilização racional dos serviços de saúde e redução dos custos hospitalares, principalmente. Quando falamos de grupos de crônicos que estão sendo gerenciados, esta redução de custos pode ser bastante significativa e ser uma saída para a viabilização financeira de carteiras problemáticas que tenham custos elevados.

Considerações finais Frente ao inexorável avanço das doenças crônicas, a viabilidade econômica dos Sistemas de Saúde dependem de uma rápida e eficiente modificação. Para fazer frente a este desafio, é necessário que auditores e gestores dos Sistemas de Saúde sejam os capitães de uma mudança que seja capaz de promover uma assistência ao crônico de melhor qualidade. 179


Fronteiras da Auditoria em Saúde

A redução do custo assistencial não deve ser buscada como um fim em si. No caso do crônico, assistência de qualidade faz a doença controlar-se. É isto que levará como conseqüência à redução de custos. Assim, cabe ao auditor agir como um guardião da qualidade do atendimento. A preocupação com os custos e com a adequada alocação dos recursos que caracterizam a atuação do auditor deve continuar, sem dúvida. Porém, a cobrança por melhores resultados para o doente deve prevalecer. Quanto ao gestor de saúde, seu papel estratégico em reorganizar a assistência é fundamental. Poderá ser o responsável por uma revolução de qualidade ao premiar os prestadores mais eficientes, conseguindo agregação de valor para os pacientes e resultados financeiros para o sistema. O portador de doenças crônicas precisa aceitar que existe um problema, ter disciplina e mudar seus hábitos de vida para ter uma vida mais saudável. Da mesma forma, os auditores e gestores precisam reconhecer o problema e agir de forma eficiente para combatê-lo, para atender ao anseio de seus clientes e realmente serem reconhecidos como planos de saúde.

Referências 1. OMS Prevenção de Doenças Crônicas: um investimento vital (2005). Disponível em: http://www.who.int/chp/chronic_disease_report/part1_port.pdf Preventing chronic disease: a priority for global health 2. Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. V Diretrizes brasileiras de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol 89(3):e24-79. 2007. 3. WHO The World Health Report 2002. Disponível em: http://www.who.int/whr/ 2002/en/whr02_en.pdf 4. Strong K, Mathers C, Epping-Jordan J, Beaglehole R. Preventing chronic disease: a priority for global health. International Journal of Epidemiology 2006;35(2);492494. 5. The Robert Wood Johnson Foundation. The Chronic Care Model. Disponível em: http://www.improvingchroniccare.org. 6. Werner RM, Greenfield S, Fung C, Turner BJ. Measuring quality of care in patients with multiple clinical conditions: summary of a conference conducted by the Society of General Internal Medicine J Gen Intern Med 2007;22(8):1206-1211. 7. Porter ME, Teisberg EO. Repensando a saúde – Estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Bookman, 2007. 8. Fantino B, Fabry J. Guide de Medicine Préventive – Quinze questions à l’usage du généraliste. Ellipses, 2001. 9. Duncan I, Duran S, Jennings S, Fitzner K. Dictionary of Disease Management Terminology – Disease Management Association of America, New York, 2004.

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João Paulo dos Reis Neto – Diretor de Previdência e Assistência da CAPESESP – Diretor da ANALYSIS Auditoria e Consultoria Médica Ltda – Ex-Professor da Disciplina Auditoria Pré e Pós-Hospitalar do Curso de Pós-Graduação em Auditoria de Sistemas de Saúde da Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro-RJ – Membro da Comissão Técnica Nacional/UNIDAS – Cursos de Especialização Médica em Cardiologia e Clínica Médica – Curso de Pós-Graduação em Ecocardiografia – Membro da Câmara Técnica de Diretrizes da Associação Médica Brasileira. – Membro da International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR)

Capítulo 14

Sistemas de Informação na Auditoria em Saúde Os sistemas de informação estão envolvidos em todas as fases da regulação em saúde, desde a programação da atenção até a contratação de serviços, autorização de procedimentos, avaliação dos prestadores e controle da produção de serviços. Entretanto, apesar de avanços observados nos últimos anos, ainda predomina no mercado de saúde brasileiro o baixo uso da tecnologia da informação, freqüentemente associado à utilização insatisfatória dos recursos. Diante de tal constatação, podemos deduzir que há um território ainda vasto a ser explorado pelos agentes do setor, buscando soluções com a sofisticação que o mercado exige, porém a um custo compatível com a realidade que vivenciamos, seja no âmbito da saúde pública quanto privada. Nos dias atuais é fundamental que todas as pessoas envolvidas no processo decisório da saúde, que planejam, financiam, administram, avaliam e acompanham as ações desenvolvidas, estejam bem informadas. A partir do momento em que a tecnologia computacional pode contribuir para o aprimoramento da qualidade da assistência à saúde, facilitando o planejamento, a tomada de decisão, a comunicação, o controle gerencial e as mudanças na estrutura organizacional, a profissionalização daqueles que atuam no mercado de saúde suplementar é condição indispensável para qualquer empresa. 181


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Neste contexto, diversos questionamentos têm sido feitos quanto ao papel do auditor em saúde. Que tipo de perfil deve ser a sua formação? O mesmo está preparado para analisar indicadores econômicos e responder a questões ligadas à qualidade da assistência que está sendo fornecida aos beneficiários? Como os sistemas de informação podem auxiliá-lo em suas tarefas? O que podemos afirmar é que, sem dúvida alguma, os últimos anos provocaram uma grande mudança no papel do auditor. De fiscalizador de processos, ele tornou-se um profissional com participação estratégica no desenvolvimento da competitividade da empresa. Para tanto, precisa ter uma formação adequada, voltada para a compreensão de como funcionam os sistemas de informação e sobre como utilizar as principais ferramentas disponíveis. A abordagem deste capítulo será focada nesses aspectos.

Alguns conceitos importantes Sistema de Informação em Saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde, “é um mecanismo de coleta, processamento, análise e transmissão da informação necessária para se organizar e operar os serviços de saúde e, também, para a investigação e o planejamento com vistas ao controle de doenças”. Na saúde seguem-se os mesmos preceitos de outras áreas da informação no que tange aos componentes básicos de um sistema, os quais se inter-relacionam: dado, informação e conhecimento. Entender a diferença entre esses conceitos é fundamental para a compreensão dos sistemas de informação: • Dado: qualquer indicador bruto, sem capacidade de por si só levar à compreensão de uma situação ou realidade; • Informação: significado do que se observa encontrado a partir do processamento dos dados; • Conhecimento: processamento de informações relevantes. A título de exemplo, suponhamos que fosse solicitado ao auditor um parecer sobre a proporção elevada de partos cesárea de uma operadora, quando comparado ao padrão de mercado. Pouco adiantaria saber apenas o número de partos nesta modalidade (dado). Para entender melhor o problema, no mínimo precisaria ter acesso à distribuição por faixa etária, condição socioeconômica, região, prestador de serviços, etc. (informação). Ainda assim, antes de propor medidas, o auditor teria de filtrar, dentre o que foi observado, aquilo que realmente interessa (conhecimento) para sugerir alguma tomada de decisão. Outro conceito importante diz respeito ao que são os indicadores de saúde. São formas numéricas ou não, obtidas dos sistemas de informação, como saídas a partir dos dados coletados, utilizados para se mensurar as atividades realizadas, ou o grau de risco de um evento ou agravo à saúde, e para atribuir valor a dados 182


Sistemas de Informação na Auditoria em Saúde

ou aspectos da realidade que se deseja conhecer, quantitativa ou qualitativamente, e a partir desse conhecimento intervir para alcançar metas e objetivos. Para que um indicador possa ser utilizado na tomada de decisão, é preciso conhecer o que está por trás dele. Dificilmente um indicador, de forma isolada, será capaz de demonstrar uma realidade; é muito mais provável que um grupo deles, juntos, espelhe uma determinada situação. Sua contextualização adequada no tempo e no espaço deve ser feita para evitar conclusões ou até mesmo ações inadequadas. Seguindo a linha do exemplo sobre partos, o indicador de atenção à saúde “proporção de parto cesárea” por si só não permite um diagnóstico preciso da situação, apenas aponta um possível problema. Mas quando associado a outros indicadores e informações, certamente irá auxiliar os gestores da operadora no sentido de definir algumas ações voltadas para a correção do problema.

Informação no setor público e na saúde suplementar O Ministério da Saúde gerencia, no âmbito da Saúde Pública, diversos sistemas importantes, tais como: Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), nascidos vivos (SINASC), sobre serviços e atendimentos ambulatoriais (SIA) e de internações hospitalares (SIH). Em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) mantém a Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA). Embora enfrentem alguns problemas, principalmente relacionados à subnotificação (SIM e SINASC), estes sistemas possibilitam a tabulação dos dados em diversos níveis, permitindo conhecer a situação e tomar decisões. Infelizmente ainda dispomos de poucas informações no âmbito privado da saúde, especialmente a suplementar. Os gestores muitas vezes atuam sem suporte às decisões, impedindo ações mais efetivas. Os dados são meramente operacionais, administrativos, pouco gerenciais, incapazes de produzir conhecimento e informação. Sem dúvida alguma, o advento da lei que regulamenta os planos e segurossaúde, Lei 9.656, de 03 de junho de 1998, e a criação, dois anos depois, da Agência Nacional de Saúde Suplementar, favoreceram o desenvolvimento e o aperfeiçoamento dos sistemas de informação neste setor. Com o marco regulatório e a sistematização periódica das informações, dados que mostram a dimensão e a dinâmica do setor passaram a ser disponibilizados, através de cadernos de informações em saúde, anuários estatísticos, planilhas e relatórios diversos. Mais recentemente, uma ferramenta de tabulação dos dados (TabNet) e de informações epidemiológicas (SIEPI) foi colocada em uso. Além disso, a ANS realiza o monitoramento sistemático das informações através de índices de desempenho (IDSS), calculados a partir de indicadores de atenção à saúde, econômico-financeiros, de estrutura e operação e de satisfação do beneficiário. Outra iniciativa que merece destaque é o estabelecimento de um padrão de Troca de Informação em Saúde Suplementar - TISS - para registro e intercâmbio de dados entre operadoras e prestadores de serviços. Segundo o próprio órgão regulador, a informação é ferramenta fundamental para o setor de saúde 183


Fronteiras da Auditoria em Saúde

suplementar, uma vez que norteia avaliações clínicas, epidemiológicas e gerenciais, orienta decisões e planejamentos, embasa as estatísticas da ANS e de outros órgãos governamentais. Independentemente das dificuldades enfrentadas com a TISS, comum quando se promove mudanças de paradigma, atende aos anseios de grande parte do mercado. Entidades representativas das operadoras, tais como UNIDAS - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina de Grupo e FENASAÚDE - Federação Nacional de Saúde Suplementar, também disponibilizam informações que ajudam a compreender e conhecer um pouco melhor o sistema. Entretanto, a maior parte, para não dizer a quase totalidade, das informações disponíveis na área da saúde suplementar, reflete dados relativos à produção de serviços ambulatoriais e hospitalares prestados pela rede credenciada das operadoras. Embora importantes, apresentam uma séria limitação à medida que não refletem a situação real da saúde dos beneficiários. Um dos meios que a operadora dispõe para sanar esta questão é a realização de inquéritos epidemiológicos para construção de indicadores associados à saúde e não apenas às doenças, assim como sobre os fatores de risco e os determinantes sociais do processo saúde/doença. Tais instrumentos requerem investimento financeiro e ferramentas adequadas de coleta, porém os resultados são de grande importância para a formulação e avaliação da política de benefícios da operadora. Desse modo, é possível direcionar os recursos disponíveis para prevenção, por exemplo, para aquela parte dos clientes que mais necessitam, evitando desperdícios. Outra fragilidade dos sistemas é a dificuldade, ou até mesmo incapacidade, de analisar, com o devido rigor científico, os chamados desfechos clínicos decorrentes das coberturas previstas na legislação, tornando questionáveis os estudos econômicos que envolvam métodos mais complexos. Em que pesem o exposto e eventuais defasagens de períodos disponíveis de dados para análise, o simples interesse pela coleta e compartilhamento de informações demonstrado pelos órgãos representativos e entidades filiadas já significa um avanço importante para o setor suplementar.

A evolução da auditoria na era da informação A auditoria em saúde não é diferente das auditorias realizadas em outros campos do conhecimento, com relação a processo, objetivos, avaliação e informes, constituindo-se um instrumento de aperfeiçoamento e educação continuada, resguardando a instituição sob os aspectos técnicos, administrativos, éticos e médico-legais em busca da excelência. Visa assessorar a administração de planos de saúde, através de uma relação racional e equilibrada de custo-benefício, que possibilite uma gestão responsável dos recursos disponíveis, garantindo assim a qualidade da assistência médica 184


Sistemas de Informação na Auditoria em Saúde

prestada, promovendo processos educativos, respeitando as normas técnicas, éticas e administrativas. Alguns requisitos têm demonstrado ser fundamentais para o auditor. Destacamos a necessidade de leitura e atualização constante, o acompanhamento da conjuntura universal, o conhecimento dos processos administrativos, a capacidade de lidar com grande pressão por prazos e resultados, o conhecimento da legislação relacionada à saúde, a atuação pautada pela ética, traduzida por discrição absoluta e capacidade de manter sigilo sobre as informações das quais tenha conhecimento. Cada vez mais se espera que o auditor em saúde esteja integrado à esfera administrativa, ao corpo gerencial da empresa, assessorando-a quanto à avaliação da eficiência, efetividade e eficácia dos benefícios assistenciais. Com isso, estará contribuindo para o planejamento das ações de saúde, para o aperfeiçoamento do sistema, ajudando a instituição a melhorar seu desempenho e propiciar a correção das distorções, impropriedades e irregularidades. Importante ressaltar que não é mais aceita a auditoria do tipo “caça às bruxas”, onde se busca redução de custo a qualquer preço. O mercado não comporta mais este tipo de auditoria.

Ferramentas de BI (Business Intelligence) Especialmente no setor saúde, o volume dos dados cresce a cada dia, desafiando a capacidade de armazenamento dos bancos de dados e o acesso a estes. Gerar um real valor aos dados, transformando-os em informação e conhecimento passou a ser uma necessidade. O interesse pelo Business Intelligence (BI) vem crescendo à medida que seu emprego possibilita às empresas realizar uma série de análises e projeções, que possam agilizar os processos relacionados às tomadas de decisão. Embora disponível há vários anos em outras áreas, apenas recentemente as operadoras de planos de saúde passaram a utilizar soluções de BI e de gestão de armazenamento de dados. Estas ferramentas, ditas como de “inteligência do negócio”, possibilitam a extração de dados de diversas fontes, transformando, filtrando e consolidandoos de acordo com a necessidade e armazenando-os em uma base de dados que permite uma análise multidimensional. Através do comportamento de determinadas variáveis no tempo, descobrem-se tendências, e com isso transformam-se os dados em informação estratégica. Caso o auditor julgue importante conhecer um pouco mais sobre o tema, há muito material e literatura especializada disponível sobre o assunto. O nosso objetivo é apenas de, após breve conceituação, demonstrar o quanto essas soluções podem ser úteis na auditoria em saúde. Na década de 90 surgiu um conceito cujo foco é a grande base de dados informacionais, ou seja, um repositório único de dados - Data Warehouse (DW). 185


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Na verdade, trata-se de um local onde são armazenados, de forma integrada, conjuntos de dados históricos provenientes de vários sistemas informatizados. Apenas para ilustrar, no caso de uma operadora, dados advindos, por exemplo, dos sistemas de cadastro, autorização de senhas, auditoria, faturamento, credenciamento, armazenados juntos em um só local, de forma estruturada e integrada. Esta é uma tecnologia que, segundo especialistas do setor, é essencial para a execução de um projeto de BI. Algumas empresas, entretanto, optam por uma solução menos complexa que o DW, um banco de dados desenhado de forma personalizada para assuntos ou áreas específicas - Data Mart (DM). Na verdade, nada mais é que um banco de dados relacional comum, separado do ambiente operacional e dedicado exclusivamente a armazenar as informações usadas como base para a realização de diferentes análises e projeções. De forma bem simplista e leiga, apenas para fins de diferenciação, um DM é um “pedaço” de um DW, ou um Data Warehouse é a reunião de vários Datas Marts. No caso dos planos de saúde, é mais comum encontrarmos Datas Marts, uma vez que estes são de mais rápida implementação e menor custo. Algumas empresas que não podem desenvolver sistemas de maior complexidade como o DW ou DM utilizam simplesmente um banco de dados relacional comum, separado do ambiente transacional (operacional) e dedicado a armazenar as informações usadas como base para a realização de diferentes análises e projeções. Feitas essas considerações, podemos exemplificar como estas ferramentas podem contribuir com o trabalho da auditoria e a gestão da operadora. Utilizandoas da forma correta podem auxiliar, por exemplo, na detecção de eventual evasão de benefícios, na identificação de fraudes e uso indevido, no detalhamento da utilização do plano, no cruzamento de dados comparativos e elaboração de relatórios gerenciais dinâmicos que permitam a execução de medidas no tempo certo. Mais recentemente, uma nova ferramenta foi incorporada ao arsenal de BI. Trata-se do Data Mining – DM, ou seja, da exploração e análise, por meio automático ou semi-automático, de grandes quantidades de dados, a fim de descobrir padrões e regras significativas. Estes padrões e regras são descritos muitas vezes como conhecimento invisível. São assim chamados por estarem envoltos em um grande volume de dados e que se não fossem usadas técnicas inteligentes para procurar esta informação, ou conhecimento, ele não seria descoberto facilmente pela observação humana. Daí o termo “mineração de dados”. Diversas áreas, além do setor saúde, utilizam com sucesso a mineração de dados: vendas, finanças, transportes, entre outras. Talvez o exemplo de mais fácil compreensão do que vem a ser a utilização de um DM seja o de vendas de cervejas por uma das maiores redes de supermercado dos Estados Unidos da América. Através da ferramenta, verificou-se que homens casados, entre 25 e 30 anos, compravam fraldas e/ou cervejas às sextas-feiras à tarde no caminho do trabalho 186


Sistemas de Informação na Auditoria em Saúde

para casa. Bastou revisar o posicionamento das gôndolas nos pontos-de-venda, colocando as fraldas ao lado das cervejas, para se observar crescimento de 30% no consumo. Aplicações na saúde também podem ser desenvolvidas com técnicas de mineração para efetuar a análise do comportamento de pacientes, identificar terapias de sucessos para diferentes tratamentos, bem como no desenho de planos diferenciados por perfil do cliente. O quadro abaixo contém alguns exemplos práticos. Entretanto, uma das áreas que consideramos promissora é a detecção de fraudes, não aquelas do dia-a-dia e que o auditor conhece muito bem, que ocorrem na regulação e auditoria de campo, mas sim aquelas sistêmicas, cuja visibilidade está ofuscada e perdida num emaranhado de dados. Com a ajuda de um DM é possível detectar comportamentos fraudulentos dos usuários do sistema, antecipando-se aos fatos, prevenindo. • Universidade Changhua de Taiwan: DM baseado no conceito de pathways (“Guide Lines”) para elaboração automática de modelos para detecção de casos abusivos ou fraudulentos nos Sistemas de Saúde • Universidade Católica de Pelotas – RS: busca de informações e padrões implícitos em prontuários, laudos, formulários de internações, entrevistas – uso de determinados medicamentos versus o que tinham em comum aqueles que obtiveram alta • Hospital da Flórida – Miami: através do sistema foi indicado, para cada doença, o tratamento que apresentou maior sucesso, padronizando-o, o que reduziu a permanência dos pacientes no hospital e melhorou a qualidade dos serviços oferecidos • Universidade Federal de Santa Catarina: aplicado modelo de DM com o objetivo de diminuir a taxa de erro na classificação de cromossomos, resultando em maior precisão e rapidez nos testes laboratoriais, tornandoos economicamente mais acessíveis • Indústria Farmacêutica (Merck-Medco): utilizou DM, através do método de associação, para descobrir vínculos entre as enfermidades e os tratamentos realizados e definir os remédios mais efetivos para cada paciente, reduzindo, desta forma, o custo de cada tratamento • Hospital Birmingham da Universidade do Alabama: através de regras de associação, foram identificados padrões das infecções e resistência antimicrobiana à bactéria Pseudomonas aeruginosa, o que permitiu traçar um programa efetivo de vigilância e controle As ferramentas de BI aqui citadas constituem a base de etapas fundamentais do desenvolvimento e aprimoramento dos sistemas de informação, desde quando estes foram constituídos. O quadro a seguir destaca as principais características de cada fase. 187


Fronteiras da Auditoria em Saúde

Etapas evolutivas dos sistemas de informação Etapa evolutiva (década)

Questionamentos

Tecnologias envolvidas

Características

Coleta de dados (1960)

“Quanto foi o faturamento da operadora nos últimos 5 anos?”

Computadores, fitas, discos

Retrospectivo, disponibilidade de dados estáticos

Acesso de dados (1980)

“Quanto a operadora faturou no estado do Rio de Janeiro no mês de julho?”

Banco de dados relacional, linguagem padrão de comunicação com base de dados (SQL), sistemas gerenciadores de bancos de dados (ODBC)

Retrospectivo, disponibilidade de dados dinâmicos

Data Warehouse e Suporte à Decisão (1990)

“Quanto a operadora faturou no Rio de Janeiro, somente na capital, por semestre?”

Processamento analítico on-line (OLAP), banco de dados multidimensional, data warehouses

Retrospectivo, disponibilidade de dados dinâmicos em múltiplos níveis

Data Mining (atual)

“Quanto a operadora espera faturar em julho de 2009? Como este objetivo pode ser alcançado?”

Algoritmos avançados, análise da massa de dados, computadores com capacidade de multiprocessamento

Prospectivo, disponibilidade de dados de forma proativa

Sistemas de informação e a Internet A Internet produziu, nos últimos anos, mudanças significativas e positivas na aplicabilidade das ferramentas de BI. Importante destacar que nos primórdios estas pertenciam ao domínio do pessoal de TI e outros especialistas, responsáveis pela extração de dados, implementação de processos e divulgação dos resultados aos altos executivos da empresa. O crescimento da web permitiu a quebra desse paradigma. Se até então a proposta era levar informação a poucos funcionários para orientar as decisões, hoje a grande rede permite disponibilizar soluções de BI para um número maior de pessoas, inclusive, no caso de uma operadora, ao auditor. Hoje quase todos os softwares comerciais de BI possuem módulos que rodam em ambiente web, levando a informação para qualquer local que seja possível o acesso à Internet, inclusive com a manipulação dos dados e produção de relatórios gerenciais específicos. Recentemente foi publicado em um jornal de grande circulação comentário a respeito de uma crônica de Machado de Assis, onde, segundo a opinião do 188


Sistemas de Informação na Auditoria em Saúde

acadêmico Marcos Vilaça, o “Bruxo do Cosme Velho” à época teve um prenúncio do que seria hoje a Internet: “(...) ‘quando se aperfeiçoar o vapor, quando unido ao telégrafo tiver feito desaparecer as distâncias, não hão de ser só as mercadorias que hão de viajar de um lado a outro do globo, com a rapidez do relâmpago; hão de ser também as idéias’ (...)”. Machado de Assis em “O passado, o presente e o futuro da literatura”, 1883. E é exatamente esse poder de disseminação rápida do conhecimento, de idéias, pensamentos, serviços, que o auditor deve explorar em seu benefício e daqueles que utilizam os Sistemas de Saúde.

Mobilidade e o trabalho da auditoria: informação na palma da mão Conceitualmente, mobilidade pode ser definida como a capacidade de acessar informações a partir de qualquer lugar, a qualquer hora. Para isso, é preciso contar com dispositivos móveis como notebooks, laptops, handhelds, entre outros, e com uma conexão sem fio (wireless) eficiente, para o acesso aos sistemas remotos e à Internet. Até poucos anos atrás, devido às limitações da tecnologia, estes recursos eram restritos a determinados profissionais. Hoje, porém, o panorama mudou, sendo possível, por exemplo, no caso do auditor, levar para reuniões com prestadores de serviços, viagens ou para qualquer outro lugar, inclusive sua própria casa, todo o arsenal de informações e recursos que utiliza na sede da operadora. Mais que isso, ele também pode trocar e atualizar dados on-line com os sistemas corporativos. O aperfeiçoamento das redes sem fio e de telefonia celular de terceira geração irá garantir, em curto espaço de tempo, mobilidade ainda maior a esses profissionais.

Qualidade da informação Com a facilidade da pesquisa de informação em saúde proporcionada pela Internet e a avalanche de resultados disponíveis, surge uma preocupação quanto à qualidade daquilo que o auditor obtém para subsidiar sua atuação. O auditor não pode incorrer no risco de emitir pareceres mal fundamentados ou até mesmo equivocados sobre assuntos os quais não domina, principalmente quanto a procedimentos diagnósticos e terapêuticos novos. Isso fragiliza o seu papel junto ao prestador de serviços, que usualmente é um especialista, e também frente ao gestor administrativo da operadora. Normalmente as informações são consideradas mais confiáveis quando divulgadas e publicadas por grupos, instituições, universidades e agências de governo, que, em teoria, fornecem mais garantias quanto à qualidade da informação. Esse pré-requisito torna-se mais relevante à medida que a produção científica na área da saúde atinge níveis de desenvolvimento e agilidade surpreendentes. Portanto, entendemos que também é de responsabilidade das entidades representativas e órgão regulador, a preocupação com as informações que serão 189


Fronteiras da Auditoria em Saúde

utilizadas para pautar a atuação das equipes de auditoria, uma vez que estas poderão afetar diretamente a qualidade da atenção à saúde do consumidor.

Planejamento e metas Outro ponto que gostaríamos de abordar diz respeito à necessidade de que o auditor, enquanto partícipe da gestão do plano de saúde, atue com base em metas estabelecidas e planejamento de ações, independente do fato de que muitas empresas ainda considerem isso como uma tarefa inútil, que consome tempo e não leva a resultados efetivos. A realidade tem comprovado justamente o contrário. Saber planejar é fundamental para evitar desperdício de recursos, tecnologia e tempo dos profissionais da equipe de auditoria. Os sistemas de informação permitem um melhor planejamento e estabelecimento de prioridades, a partir do momento em que fornecem subsídios para um diagnóstico preciso da situação.

Utilização adequada dos sistemas de informação Procuramos demonstrar que com a utilização de algumas ferramentas é possível selecionar e organizar dados, tratando-os de forma que os mesmos sejam disponibilizados como informação consistente no apoio às decisões. Entretanto, nenhum sistema produzirá milagres na gestão da operadora, principalmente se for mal utilizado. Na verdade, as ferramentas de tecnologia de informação, utilizadas em conjunto ou em separado, potencializam a capacidade do gestor no caminho das decisões mais acertadas. O auditor pode e deve contribuir para que isso ocorra. A empresa, por sua vez, deve nortear o seu capital intelectual para que as informações propiciadas pelo BI atendam às expectativas esperadas, evitando desperdício dos recursos, que, de modo geral, são escassos. De nada adiantará à operadora investir milhões em tecnologia se deixar de qualificar o capital humano que irá efetivamente promover medidas adequadas para o seu gerenciamento, produzindo bons resultados e, como resultado final, a prestação de assistência de qualidade aos beneficiários.

Conclusões As informações constantes das bases de dados das operadoras de planos e seguros-saúde, se organizadas de forma estruturada e trabalhadas no sentido de serem transformadas em conhecimento, permitem a gestão adequada dos recursos, agregando valor aos serviços prestados aos beneficiários. O mercado de saúde suplementar, apesar de ainda potencialmente carente da utilização de tecnologia da informação, evoluiu bastante na última década, especialmente após o marco regulatório. No que tange às operadoras, observamos 190


Sistemas de Informação na Auditoria em Saúde

esforços no sentido de profissionalizarem suas equipes, adequando-as às necessidades atuais. O auditor em saúde não pode estar alheio a este processo, uma vez que a utilização adequada dos sistemas de informação contribui de forma fundamental para o seu trabalho, implementando eficiência e racionalidade. A auditoria moderna requer conhecimentos, ainda que básicos, sobre temas relevantes, alguns abordados em capítulos específicos deste livro, tais como informática, farmacoeconomia, epidemiologia, medicina baseada em evidências e direito em saúde, além da atualização na própria especialidade. Com isso, ganha a qualidade da assistência à saúde, que nos últimos anos foi negligenciada em detrimento da preocupação com os custos.

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Fronteiras da Auditoria em SaĂşde

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Dra. Syllene Nunes – Médica formada pela FMUSP, com Mestrado e Doutorado pela UNIFESP-EPM – Pós-Doutorado pela FMUSP – Prestou serviços para empresas como UNIMED, Irmandade da Santa Casa de São Paulo, AMESP Saúde, Blue Life, Porto Seguro, MEDCARD, Saúde Internacional, CABESP, TAM e outras – Ex-Diretora Administrativa do Hospital Santa Isabel – Ex-Diretora Clínica do Plano de Saúde Blue Life – Ex-Gestora de Contas Médicas e Liberação de Procedimentos na AMESP – Ex-Responsável Técnica pela CABESP. – Coordenou o Curso Gestão de Planos de Saúde da FIA/FEA em São Paulo. – Consultora na área de Gestão em Saúde – Colaboradora do Departamento de Auditoria Médica da Fundação Faculdade de Medicina da USP – Professora e Palestrante na área de Parcerias Público Privadas, Padronização e Qualificação na Saúde Suplementar e Auditoria em Saúde

Agradecimentos: A Deus por estar viva e colaborando com a saúde de meu país. Ao meu marido, minha família, por todo o carinho e apoio, e à Novartis, pela qualidade de seus colaboradores, excelência no desenvolvimento de produtos e atitude ética praticada no mercado.

Capítulo 15

Auditoria Informatizada Os últimos dez anos foram marcados por um avanço estupendo na Tecnologia da Informação. Este avanço impactou de forma decisiva a área da saúde, a qual, coincidentemente, demonstrava nítidos sinais de colapso, aparentes tanto em sistemas extremamente estruturados, a exemplo do inglês, como também nos Estados Unidos e no Canadá. Dentre os principais desafios internacionais apareciam a sombra da pandemia HIV/Aids, a possibilidade da ocorrência de uma pandemia por influenza e os constantes e crescentes desequilíbrios do meio ambiente, água e produção de alimentos para uma população cada vez maior e mais longeva. A persistência de altos níveis de mortalidade e incapacidade funcional, considerados preveníveis, passava a preocupar desde as nações mais ricas até as mais pobres. Neste contexto, como outros países em desenvolvimento, o Brasil tentava trabalhar as assimetrias de um Sistema Universal e complexo, cuja evolução chegou ao SUS, até o advento do marco regulatório, com a criação da lei 9656/98. Exercício simples de economia, porém de solução complexa, quando o recurso é finito para custear necessidades quase infinitas e vultosas, torna-se necessário 193


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fazer escolhas para alocação do referido recurso. A correta alocação de recursos denota um grande trabalho para controlar, normatizar, padronizar e simplificar processos, a fim de atender com eficácia a maior parte da demanda inerente àquela população. Mas, de que forma, os avanços da informática poderiam auxiliar na solução desta complexa equação? Como respaldar os vários atores da saúde nas escolhas, na tomada de decisão? São tantas as variáveis que por vezes nos sentimos impelidos a imaginar um teorema matemático complexo, que, se exposto a um supercomputador, pudesse nos fornecer uma solução milagrosa... Porém, mais do que de soluções mágicas, a gestão em saúde requer lucidez, pensamento cartesiano, parcimônia e, acima de tudo, conhecimento. A saúde não é Ciência exata, porém aceita parâmetros de aferição, contempla o uso de indicadores quantificáveis que permitem ao gestor organizar, programar e inovar de forma realista e resolutiva a proposta de soluções. Se temos uma população de indivíduos para atender com recursos finitos, precisamos, antes de tudo, conhecer essa população, saber sobre sexo, idade, incidência e prevalência das principais doenças que a acometem, conhecer os tipos de tratamentos a que vem sendo submetida, seus custos e, especialmente, os desfechos destes tratamentos, destas ações. O estudo minucioso das populações pode revelar, de repente, que tratamentos executados rotineiramente, e de custo muito baixo, pouco agregam à melhoria do padrão de morbimortalidade da mesma, enquanto outros, menos praticados por serem mais onerosos, agregam valor real de saúde pelos desfechos que promovem. Quantas variáveis, quantos dados, dados que precisam ser registrados de forma adequada e verdadeira, dados que serão a base das escolhas. Os Estados Unidos, país que reconhecidamente apresenta um dos maiores investimentos per capita em saúde do planeta, estão, já há vários anos, na árdua tarefa de implantação do ehr (electronic health record) ou prontuário eletrônico de saúde, tentando integrar o país em um único histórico médico de cada cidadão, permitindo a continuidade de tratamentos sem a necessidade de exames repetidos, retorno a tratamentos já realizados e com resultados desfavoráveis e permitindo uma resolubilidade com desfechos e custos mais compatíveis. O prontuário individual do paciente, ou personal health record, encontrase em fase beta, sendo testado pela Microsoft numa comunidade controlada. Países como a Inglaterra, Canadá e França criaram diretrizes para a incorporação tecnológica, exemplo que vem sendo seguido pelo Brasil na parceria celebrada entre o Ministério da Saúde, a ANVISA e a ANS, no sentido de definir o que deve ou não ser incorporado, através do trabalho do CITEC. A Troca de Informação em Saúde Suplementar, a chamada TISS, foi implementada como obrigatória, pela Agência Nacional de Saúde, após vários anos de trabalho, em abril de 2008. Os dados relativos à nova prática servirão para o aprimoramento dos relatórios enviados pelas Operadoras à Agência 194


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Reguladora, como o SIP, SIB e DIOPS, permitindo um melhor planejamento do Setor Suplementar e sua integração com o Sistema de Saúde Nacional através da interface com o SUS. O Sistema Público, por sua vez, passa a criar instrumentos de gestão para seus gerenciadores. Os sistemas de informação de dados das AIHs, APACs e BPAs, bem como as tabelas de informação de procedimentos, foram revistos e atualizados. Até os chamados estratégicos, de maior custo, que refletem a vocação da instituição que os realiza foram repactuados. Em todo este contexto, a auditoria médica teve que evoluir tanto na sua essência conceitual quanto nas ferramentas das quais se utiliza. A auditoria médica, hoje, é fundamental instrumento de qualidade, tanto para a determinação de novas políticas públicas de saúde como, também, para o apontamento dos melhores desfechos. Estes protocolos de excelência têm como principal objetivo o respaldo dos gestores, para que possam fazer as melhores escolhas. O perfil do médico auditor mudou muito desde há 20 anos. Na atualidade, é necessário que este profissional seja um técnico bem formado, experiente e eclético. Altamente atualizado nas várias áreas de conhecimento das Ciências da Saúde. Além do embasamento científico amplo, este profissional deve conhecer princípios de administração, gestão estratégica e economia, a fim de agregar valor aos dados que trata e compila, gerando resultados. O médico auditor, hoje, trabalha com a medicina baseada em evidências, tem que estar afeito a utilizar todos os aparatos tecnológicos que facilitem, agilizem e otimizem o espaço entre o conhecimento do problema e a decisão. A pesquisa via internet pode auxiliá-lo sobremaneira, já que o avanço científico está tão rápido que a verdade de um momento pode ser diferente daquela encontrada no momento seguinte. Porém nada consegue substituir o conhecimento sólido e a experiência capaz de nortear as escolhas frente às novas verdades, muitas vezes relativas. Na auditoria médica de campo, aquela que se costuma fazer à beira do leito e durante o curso do evento de saúde, a tecnologia móvel permitiu a oportunidade da auditoria em tempo real, utilizando-se dispositivos portáteis, multifuncionais, que ao mesmo tempo funcionam como telefone, rádio, palm top (Nunes e cols, 2007). Muitos destes dispositivos apresentam interfaces com os sistemas informatizados das operadoras e permitem ao médico o conhecimento da internação já no momento de liberação da senha pela Central de Call Center. Ele recebe um aviso, tem a informação sobre o beneficiário que está se internando, sua idade, sexo, principal hipótese diagnóstica e tratamento sugerido. O médico pode, então, fazer escolhas, apurar discrepâncias de condução, agilizar o atendimento e favorecer o melhor desfecho. Pois o que interessa na área da saúde não é o menor custo, mas o melhor custo com o desfecho mais próximo da condição de higidez e equilíbrio, a qual deve ser o foco para cada paciente. Além de auxiliar o médico na auditoria da liberação, estes dispositivos móveis podem auxiliar na gestão de pacientes em internação domiciliar, podem trafegar 195


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resultados de exames e, inclusive, imagens de exames, aproximando o médico que libera o procedimento do médico que está atendendo o doente no hospital e, tudo isto, de forma transparente e ética. A tecnologia aproxima, diminui distância, tempo e ajuda a dirimir impasses. O médico auditor, no Centro Cirúrgico, pode agilizar a liberação de um material especial cuja necessidade apareceu durante a realização do procedimento. Vários dispositivos móveis possuem recursos como câmeras fotográficas e filmadoras que irão dispensar a burocracia de papéis, etiquetas, compilação de descrições, nomes de produtos e marcas, códigos, facilitando os processos de faturamento, as pré-análises e o relacionamento entre as operadoras, seus prestadores de serviço e seus beneficiários. A cadeia da saúde passa a utilizar elos que, pela rapidez e transparência, tendem a gerar a fidelização dos clientes, tão importante para que este mercado seja mais sustentável. O médico auditor passa a ocupar um espaço de conciliação e resultado, podendo aproximar-se do beneficiário, zelando de perto pelo resultado de seu tratamento e estando acessível inclusive a ele, paciente, o qual poderá solicitálo via tecnologia, tendo-o também como um agente facilitador. Ainda com relação aos pacientes, as operadoras de saúde têm inovado no que concerne à utilização de meios tecnológicos para otimizar os desfechos. Existem operadoras que permitem acesso direto entre o beneficiário e um médico aconselhador via internet, telefone ou rádio. Pacientes crônicos podem, rapidamente, obter informações sobre como agir em situações de descompensação, tendo seu atendimento facilitado e agilizado com o médico assistente através da própria operadora. Outros sistemas facilitam a marcação de consultas e providenciam torpedos que lembram o associado na véspera do evento. Isto reduz custo, otimiza as agendas e gera conforto ao paciente. Com relação à Medicina Preventiva e Promoção à Saúde, o mercado conta com inúmeras opções de avaliação disponibilizadas pela operadora via internet, onde o próprio beneficiário responde a questionário padrão e, se for classificado dentro de grupos de risco, como hipertensão, diabetes, doente pulmonar crônico ou tabagista, poderá contar com opções de orientação presencial ou remota para o início de um tratamento, ou a manutenção de seu equilíbrio. Vivemos o século da informação, da comunicação que aproxima e esta condição deverá ser explorada no seu limite para melhorar a vida e a saúde das pessoas. O Homem Virtual, projeto exitoso realizado pela área de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP em parceria com o Ministério da Saúde, aproximou o colega médico que atende nos confins de nosso país dos especialistas da Universidade de São Paulo através de uma rede de computadores, transmitindo informação via ondas de rádio, em tempo real, auxiliando na difusão das melhores práticas, que oferecem os melhores desfechos. 196


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É consenso de literatura que a auditoria dos desfechos no tratamento das doenças, seguida da sua comparação ética e objetiva com aqueles obtidos por profissionais que seguiram protocolos ou melhores práticas, é eficaz para o alinhamento de padrões de conduta, levando a custo-efetividade e melhor condição de saúde da população envolvida (Jamtvedt G e cols.). Transparência e compartilhamento de informações entre o médico que presta o atendimento primário, a operadora e o beneficiário através de sistema informatizado e integrado geram credibilidade e melhoram os resultados. O médico do ambulatório, muitas vezes generalista, pode comparar via computador, em tempo real, os possíveis desfechos do tratamento que ele está propondo para o paciente atendido, com outros desfechos e protocolos praticados com pacientes semelhantes e da mesma carteira. A tecnologia móvel tem sido definida como a terceira onda da revolução dos computadores. Ela é composta dos telefones móveis (celulares, rádios e afins), assistentes pessoais digitais, palm tops e outros. Um estudo comparativo, feito entre duas empresas de saúde australianas (a NurseCo e a SlimCo), as quais utilizaram dois computadores de mão móveis, sem fio, em contato direto com centrais administrativas, para gerenciamento de assistência domiciliar e atendimento pós-operatório, mostrou que ambas as empresas entenderam que o uso dos dispositivos móveis melhorou a acurácia dos dados capturados e transferidos, ou comunicados entre o profissional médico com o dispositivo móvel e a operadora de saúde e vice-versa. Houve redução do tempo tanto para entendimento dos dados bem como para deflagrar ações após seu conhecimento. O tempo gasto com os clientes, prestadores e pacientes foi otimizado e a quantidade de visitas a ambos diminuiu sensivelmente. Por outro lado, os médicos usuários dos dispositivos apreciaram a solução como de fácil aprendizado e facilitadora do trabalho, permitindo a eles até um faturamento maior, já que passaram a visitar mais clientes durante a mesma jornada. Para ambas as companhias houve redução de custo e otimização do gerenciamento do benefício, com fidelização e qualidade (Scheepers H, 2003; AvantGo, 2003). O crescimento do uso do código móvel para baixar aplicações em dispositivos portáteis tem fomentado o interesse pelo controle da privacidade e manutenção do sigilo dos dados trafegados tanto em som como em arquivos. Já em 1998 o MIT tentava inovar com a sugestão do uso do modelo descentralizado de informações que pudesse ser rearranjado apenas por aquele que deveria obter o dado (Myers & Lyskov, 1998). A criptografia utilizada nas transações bancárias e troca de arquivos pela internet, as senhas voláteis e tantos outros recursos, viriam, posteriormente, fazer parte dos estudos e opções de segurança de tráfego passiveis de utilização no momento atual (Dekker MAC, 2007). Cerca de 50% dos custos dos Planos de Saúde Americanos (HMOs) estão associados à administração. Desta forma, o investimento na criação de modelos 197


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de e-business aplicáveis à saúde, além do desenvolvimento de novas tecnologias para automatizar e integrar os processos de saúde, apresentam-se como prioridades para a sobrevivência deste mercado (Séror AC, 2002). Porém, somente a tecnologia não respalda os melhores resultados. A busca da evidência requer aprendizado, bom senso e convergência para trabalhar os padrões de excelência. Lorance DP e cols., 2002, concluíram que tanto os desfechos quanto os dados compilados nos prontuários eletrônicos dos pacientes dependem diretamente daquele que fez o registro ou buscou a evidência, variando de região para região. Portanto, a padronização e os consensos devem sempre ser preferidos às alternativas isoladas. Há que existir padrões, inclusive para auditoria e fechamentos dos logs usados nos sistemas de informação em saúde. E esta responsabilidade de transparência e entendimento é comum e compartilhada entre a organização de saúde, a empresa de tecnologia que intermedeia o dado, a datawarehouse, o repositório de dados clínicos, aquele que compra em parte o benefício, a agência, organização ou corporação responsável pelo plano de saúde ou, simplesmente, a empresa que tem acesso à administração e visibilização dos dados (Active Standard ASTM E2147 developed by subcommitee: 31.25 Book of Standards volume 14:0119962008). Além da co-responsabilidade entre os atores, é fato que a auditoria deve ser baseada no feedback. Esta prática melhora os desfechos e alinha os resultados (Jamtvedt G, 2007). Mas, por mais completa e complexa que possa ser a tecnologia, é necessária a expertise do técnico em saúde para viabilizar os processos juntamente com técnicos administradores, economistas e tantos outros profissionais que vieram povoar a cadeia da saúde, agregando valor e propiciando o seu crescimento e aprimoramento. O foco da auditoria informatizada é a preservação da saúde, manutenção do equilíbrio e bem-estar do paciente. O médico auditor poderá auxiliar cada vez mais os processos da saúde à medida em que melhor conciliar a experiência profissional, altruísmo e atenção humanizada às ferramentas tecnológicas que lhe permitam agilidade e acesso adequado ao conhecimento. Afinal, não existem limites para a criatividade quando o intento é um bem tão difícil de valorar e preservar quanto a vida, não é mesmo?

Referências 1. Active Standard ASTM E2147 developed by subcommitee: 31.25 Book of Standards volume 14:011996-2008. ASTM E 2147-01 Standard specification for audit and disclosure logs for use in health information systems. 2. AvantGo (2003) Know your ROI... Building the business case for mobile SFA. AvantGo white Paper (www.avantgo.com).

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ISBN - 978-85-61679-01-9

9 788561 679019


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