Minas Faz Ciência - 53

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Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br

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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Mario Neto Borges diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de Abreu diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira Conselho Curador Presidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, José Luiz Resende Pereira, Marcelo Henrique dos Santos, Marilena Chaves, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Valentino Rizzioli

Na descrição dos grandes feitos da ciência, eles são pouco lembrados e quase nunca mencionados. Mas, se não fosse por eles, é possível que as respostas buscadas não fossem tão claras ou confiáveis. Desde seus primórdios, as ciências ligadas à vida se utilizam de corpos humanos e de animais para entender o funcionamento da natureza, elaborar hipóteses e gerar conhecimento. Os cadáveres utilizados por estudantes e pesquisadores em aulas de anatomia, os voluntários de pesquisas clínicas e mesmo os animais usados como cobaias em experimentos diversos são personagens fundamentais para o desenvolvimento da ciência. Apesar de sua importância, o uso de corpos (vivos ou não) em estudos científicos sempre foi polêmico. Os primeiros estudos de anatomia, por exemplo, foram feitos sem que nenhum cadáver fosse aberto, já que isso era considerado um desrespeito ao morto. Considerado o primeiro anatomista do mundo, Galeno, que viveu no Império Romano entre os séculos II e III, baseou suas teorias na dissecação de macacos, porcos e outros animais. Seus ensinamentos prevaleceram até meados de 1.400 e ainda foram necessários pouco mais de cem anos para uma exposição fiel do esqueleto humano, feita por Vesalius. O uso de cadáveres em aulas de anatomia também demorou a ser liberado. A primeira dissecação de que se tem registro na Europa foi feita por volta de 1.300, na Universidade de Bolonha. No Reino Unido, entre os séculos XVI e XVII, as escolas usavam em suas aulas corpos de criminosos condenados à forca, para os quais a dissecação era vista como punição adicional. Além disso, a Igreja Católica condenava a prática: o corpo era sagrado e sua violação um crime a ser castigado com a fogueira. Esse imaginário negativo não contribuiu em nada para popularizar os estudos anatômicos. Por muito tempo, apenas cadáveres de criminosos eram utilizados com esse fim (e, nos períodos em que essa quantidade se mostrava insuficiente, proliferavam ladrões especializados em roubar corpos recém-enterrados). Com o passar do tempo e a evolução de várias áreas da ciência, assim como das técnicas de dissecação e preservação, o uso do corpo humano para fins científicos foi sendo incorporado à prática acadêmica. Hoje, no Brasil, vigora uma Lei que permite o uso de cadáveres não reclamados para estudos e pesquisas científicas. De acordo com nossa legislação, também é possível que qualquer pessoa doe, ainda em vida, seu corpo para fins científicos e/ou pedagógicos. Apesar disso, em cerca de 90% dos cursos de Medicina existentes no país faltam corpos para o exame e o trabalho dos estudantes. A mesma dificuldade é enfrentada por cientistas que dependem de voluntários para a realização de pesquisas clínicas. A importância para a ciência, o cuidado técnico e ético dos estudantes e a história de voluntários que decidiram, em vida, contribuir com o ensino e a pesquisa por meio da doação de seus corpos compõem a reportagem de capa desta edição da MINAS FAZ CIÊNCIA. A matéria aborda, também, questões éticas ligadas ao uso de animais e o esforço de pesquisadores em criar técnicas que minimizem seu uso ou que os substituam completamente nos experimentos científicos. O texto, além de merecer leitura, é um convite à reflexão. Como sempre, a revista vem recheada por reportagens interessantes, que mostram um pouco do que está sendo feito e discutido nas universidades e centros de pesquisa de Minas Gerais. Novos produtos, como um isotônico a base de leite, um tecido inteligente que regula a temperatura corporal e uma metodologia para avaliar o desempenho de propriedades rurais estão entre os destaques. E já que mencionamos os avanços da ciência, vale conferir a entrevista com a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader. Ela fala sobre os desafios atuais e daqueles que estão por vir, e como a ciência pode ajudar a humanidade a superá-los. Boa leitura e até a próxima edição! Vanessa Fagundes diretora de redação

ao lEI To R

EX P ED I EN T E

MINAS FAZ CIÊNCIA diretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr. Redação: Ana Flávia de Oliveira, Diogo Brito, Marcus Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva Jr., Rodrigo Valadares, Vanessa Fagundes, Virgínia Fonseca e William Ferraz diagramação: Fazenda Comunicação Revisão: Sílvia Brina Projeto gráfico: Hely Costa Jr. Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing Montagem e impressão: Rona Editora Tiragem: 20.000 exemplares Capa: Hely Costa Jr.


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ENTREVIsTa

Presidente da SBPC, professora Helena Nader fala sobre ciência, educação, bem-estar social e desenvolvimento brasileiro

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TECNologIa

MINAS FAZ CIÊNCIA estimula debate acerca do uso de corpos (vivos ou não) em pesquisas científicas

TECNologIa DE alImENTos

A partir da ultrafiltração do leite, estudo multidisciplinar da UFV desenvolve “repositores hidrolíticos”

Por meio de técnica criativa e inovadora, criadores produzem camarões em fazenda no Triângulo Mineiro

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bIoDEsIgN

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ECologIa

EDUCação

Em Uberlândia, grupo de pesquisa transfere conhecimento matemático à população e realiza atividades de letramento

TURIsmo

Política de circuitos turísticos em Minas Gerais é tema de investigação na Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Vencedora do Prêmio Jovem Cientista 2012, estudante mineira cria tecido inteligente, que ameniza aumento da temperatura corporal

Re-vegetação em regiões mineradas é feita com uso de espécies locais e de substrato já existente no território degradado

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lEmbRa DEssa?

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5 PERgUNTas PaRa...

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hIPERlINk

gEogRafIa

Ações e perfis de pichadores do hipercentro de Belo Horizonte são estudados por pesquisadores da PUC Minas

agRoNEgóCIo

Sistema de Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas promete melhorar desempenho de propriedades rurais mineiras

EsPECIal

Confira as boas novas de pesquisa da UFMG que busca restaurar vegetação nativa em áreas da Serra do Cipó

Novo presidente do Confap, Sergio Luiz Gargioni comenta metas e desafios de sua gestão

Confira novidades do blog Minas faz Ciência e fique por dentro do Plano Inova Empresa e da 65º reunião da SBPC

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lITERaTURa

Especialistas da Unimontes desenvolvem Enciclopédia do Grande Sertão, compêndio com informações sobre obra-prima de Guimarães Rosa


Igor Jenkins P. Oliveira Salvador (BA)

Fiquei encantada com a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, da @fapemig. Acho que, para pessoas como eu, que querem fazer algo na área de tecnologia, é um achado. @magavilhosa (via Twitter)

Parabenizo à equipe da revista MINAS FAZ CIÊNCIA pela edição nº 52 da publicação, na qual se destaca a excelente matéria “Movidas pela dúvida”, de Maurício Guilherme Silva Jr. A revista chama a atenção pelo conteúdo das reportagens e, também, pelo belíssimo projeto gráfico. Vida longa à revista!

Contemplado com o envio da edição trimestral da revista MINAS FAZ CIÊNCIA, estou cada vez mais surpreso com a qualidade das edições.

Elvis Gomes Assessor de Comunicação / Funedi/UEMG Divinópolis (MG)

ERRATA Diferentemente do que foi publicado na edição nº 50 da revista MINAS FAZ CIÊNCIA, a fotografia usada na capa da publicação é de autoria de Foca Lisboa, e não de Marcelo Focado, conforme registrado no expediente. Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/ empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013

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C aRTas

Matérias interessantes, curiosas e, sobretudo, bem elaboradas e sustentadas. Além de tudo, surpreende-me o fato de a revista ser gratuita. Gostaria, realmente, de deixar registrados os meus parabéns a todos os envolvidos e responsáveis por este projeto. Espero que continuem com a iniciativa, e, de certa forma, que contribuam com o surgimento de experiências similares no Brasil, país que tanto necessita de educação melhor.


EsPECIal

Corpos em evidência Doação de cadáveres, voluntariado em pesquisas clínicas e uso de animais em laboratório instigam importante debate moral e metodológico Maurício Guilherme Silva Jr.*

* Colaboraram Marcus Vinicius dos Santos e Virgínia Fonseca

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A legislação brasileira prevê que qualquer pessoa, no exercício de seus direitos, pode, em vida, doar seu corpo para fins científicos e/ou pedagógicos. O código assegura, ainda, que tal ato não seja irreversível, já que, a qualquer momento – caso mude de opinião –, o doador tem o direito de refazer sua opção. Bastante simples, o procedimento varia, na verdade, segundo a instituição de ensino a ser beneficiada. Como regra, os cidadãos precisam declarar, formalmente, sua intenção de doar o próprio corpo. Por meio desse documento, a universidade ou faculdade passa a ter o direito de recebê-lo após o falecimento do indivíduo.

Sem ele, os atletas não se definiriam como tal. Do mesmo modo, o que restaria às modelos caso não pudessem usá-lo, nas passarelas, com o intuito de dar visibilidade ao ofício de talentosos estilistas – profissionais que, por sua vez, só pensam “nele” para realizar seu trabalho fashion? Como se pode perceber, a partir de tais breves “máximas laborais”, o corpo se revela essencial não apenas ao direito de ir e vir dos indivíduos, mas também – e principalmente – aos destinos e sentidos atribuídos pelas pessoas, nos quatro cantos do mundo, à própria existência. No dia a dia das civilizações, percebe-se vasto o volume do que se comenta – e se discute e se investiga e se propõe – acerca do corpo e suas particularidades. A verdade é que o conjunto de membros, órgãos e músculos capaz de conceder “integridade física” aos seres – e que se transfigura na “morada da alma” dos espiritualistas, no objeto de observação dos artistas plásticos ou no “ambiente” de estudos dos especialistas – compõe, com louvor, a complexa seara das inquietações humanas. No que diz respeito às práticas científicas, o corpo – antes e depois da morte – configura-se como elemento fundamental a múltiplos usos e perquirições. Se, por um lado, milhares de pesquisas clínicas, ligadas às mais diversas áreas do conhecimento, dependem de voluntários vivos para desenvolvimento de novos produtos, ferramentas ou serviços, por outro, as instituições de ensino – principalmente, no campo da saúde – necessitam da doação de cadáveres para suas atividades-fim: da formação de novos profissionais à investigação de técnicas e processos inovadores. Apesar de relativamente recente no Brasil, a prática da doação de corpos para ensino e pesquisa é bastante promissora. “Como em tantos outros países, onde o procedimento é feito há muito tempo e as doações são suficientes para as necessidades, também aqui essa tem sido a forma mais eficaz e duradoura de obter cadáveres humanos, já que as demais fontes praticamente não existem mais”, esclarece o professor Geraldo Brasileiro, do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal

da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que implementou, na instituição, a campanha permanente para doação de cadáveres. Na Faculdade de Medicina da UFMG, o procedimento é rápido e consiste em breve conversa de esclarecimento entre um professor da faculdade e o candidato a doador. Para agendar dia e horário de tal “bate-papo”, as pessoas interessadas podem ligar ou enviar e-mail. Durante o encontro, são esclarecidas todas as possíveis dúvidas sobre o assunto. Em seguida, caso o cidadão se sinta suficientemente esclarecido e seguro de seus atos, pode, então, assinar um termo de doação. Apesar da predisposição dos brasileiros como doadores, importante ressaltar que, em cerca de 90% dos 200 cursos de Medicina do país, faltam corpos para a boa formação dos estudantes. Ninguém, contudo, está parado no tempo: “A experiência da UFMG com a doação de corpos, iniciada como um programa de ação em 1999, é a maior no Brasil e a que obteve mais resultados. Outras universidades e faculdades de Medicina também já iniciaram ou têm tentado implantar programas semelhantes”, revela Geraldo Brasileiro. Na visão do professor, os resultados da criação de tais campanhas são animadores, mas o sucesso das empreitadas – nada simples, a seu ver – depende de ações bem articuladas, no sentido de mostrar às pessoas que a doação é possível e, ao mesmo tempo, revelar a importância do ato para a formação de profissionais da saúde e para a expansão do conhecimento científico. “A exemplo do que ocorre em muitos outros países, também no Brasil essa iniciativa deverá produzir bons resultados. Pessoalmente, sou muito otimista a respeito do êxito dessas medidas”, completa. Geraldo Brasileiro explica, ainda, que, na UFMG, não se trabalha com a intenção de convencer as pessoas a doar seus corpos. “Entendemos a doação como ato genuinamente altruísta, vinculado, es-

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pontânea e naturalmente, à vontade das pessoas de fazer algo de bom a outrem, sem qualquer retribuição. Reafirmo que precisamos muito dessas doações, mas não queremos incentivar ou induzir as pessoas a fazê-las”, diz, ao comentar que sua maior preocupação refere à capacidade de conscientizar os cidadãos sobre as dificuldades de conseguir cadáveres humanos. “Temos certeza de que, se nossa mensagem chegar a parcelas cada vez maiores da população, mais e mais pessoas irão nos procurar naturalmente, pois o desejo de contribuir para a coletividade já faz parte de seu íntimo”, completa.

Em nome da vida

“Depois da morte, nosso corpo é como uma casa vazia, à mercê do vandalismo”. A força da frase revela-se proporcional à intensidade das convicções de José Maria da Silva, taxista que, há cerca de 15 anos, assumiu voluntariamente o compromisso de, após a morte, ter o corpo doado à Faculdade de Medicina da UFMG. Nascido em Gouvêa (MG) – lugarejo próximo a Diamantina e também conhecido como Monjolo –, José parece ter optado pela doação devido a uma série de princípios políticos e filosóficos: “Na sociedade contemporânea, o individualismo é o mal que vivifica todos os males, pois nos leva ao isolamento e, daí, à ignorância e à falta de solidariedade social”, analisa. Em sua visão, doar o corpo para estudos é atitude voltada à coletividade e ao avanço do conhecimento. Casado e pai de duas filhas, o taxista enxerga a morte com naturalidade – “Preencheu o tempo, acabou!” – e dá de ombros aos amigos que criticam sua decisão: “Como farei para que compreendam que não temos a posse do corpo?”, afirma, ao lembrar que, dentre os psicólogos, historiadores e filósofos que admira, o existencialista Jean Paul-Sartre – principalmente, em obras como O ser e o nada – é seu predileto. No que diz respeito à forte pressão cultural para que o corpo seja enterrado, José da Silva observa que “o costume integra o Sistema. E, aos olhos da sociedade, as pessoas sentem que, ao romper tradições, talvez estejam fazendo algo errado”. Embora, a seu ver, o país avance no processo de criação de valores altruístas e solidários, mostra-se paciente em relação ao modo como as pessoas pensam: “Leva tempo para que mudemos comportamen-

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Desde 1999, assim como José da Silva, outras 478 pessoas assinaram termo para doar o corpo à instituição. Desses, 46 faleceram e efetivaram a doação. tos. Além disso, nossa nação ainda está amadurecendo. Em médio prazo, a própria necessidade promoverá mudanças, que resultarão em maior solidariedade e respeito às limitações do outro. A mola da gente é o desejo”, diz, para, em seguida, comentar o processo de doação de corpos: “Que cada pessoa reflita e veja se tem o desejo de ajudar o próximo, mesmo após a morte. Caso queira doar, tudo bem. Em caso contrário, ótimo. São os direitos que todos têm”, completa. Os ideais de José da Silva representam parte do pensamento dos cidadãos sobre o ato da doação. Muitos há, obviamente, também contrários à iniciativa. Segundo o professor Geraldo Brasileiro, para a maioria da população do país, a questão é realmente delicada, a ponto de o assunto, por vezes, parecer fora de cogitação: “Isso porque, em nossa cultura, as pessoas nascem, vivem tempo variado e morrem, sendo, em seguida, enterradas. Para essas pessoas, eliminar este último passo é algo inaceitável”. Apesar disso, conforme explica o pesquisador, também existe número considerável de indivíduos que, à maneira de José, gostariam de praticar tal gesto – muitas vezes, em nome do bem-estar dos outros. “Em conversa com centenas dessas pessoas, pude perceber que, na sociedade, muitas têm verdadeiro espírito altruísta e gostariam de fazer algo de bom para a comunidade. Tenho absoluta convicção da existência de indivíduos que sentem necessidade de fazer o bem para seus semelhantes”, acredita. Eis o caso de José Maforte Kupp, suboficial reformado da Aeronáutica, para quem um corpo sem vida “não possui mais importância ou valor”. Por isso é que ele – assim como a esposa, Maria Geralda – resolveu tornar-se doador. Na verdade, para que o casal chegasse a tal decisão, foi vital, além do desejo de auxiliar ao próximo, certos “acasos” da prática religiosa: o padre da paróquia frequentada por José e Maria, no bairro Primeiro de Maio, sempre sugere aos fiéis que busquem pensar nos benefícios do ato de doação: “Ele nos fez ver que, após a morte, não temos mais

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nada a perder. Seria sensacional, portanto, se pudéssemos ajudar as pessoas”. Assim como José Kupp e Maria Geralda, também o motorista Sérgio Luiz Malafaia Oliveira é plenamente favorável à doação do corpo para salvar vidas e auxiliar o desenvolvimento de pesquisas. Cruzeirense, ele se diverte ao dizer que deseja que tudo fique “azul” depois de sua partida: “Precisamos de médicos e profissionais de saúde bem formados, capazes de resolver os problemas de saúde do povo”, afirma. Outro motivo a fazê-lo considerar a opção é o fato de não apreciar muito a ideia de ser enterrado. “Não gosto de funerais e de ‘coisas desse tipo’”, diz, ao garantir que os parentes já estão regiamente orientados a seguir seu último “querer”: “Encarreguei uma filha e uma irmã de fazer valer minha decisão. Desejo é uma coisa, querer é outra. E eu ‘quero’ que meu corpo seja doado”.

Máquinas de simular vida Valiosos equipamentos e recursos adicionais podem, hoje, auxiliar o ensino-aprendizado do corpo humano. Construídos com materiais os mais diversos, muitos são os modelos artificiais capazes de reproduzir, com boa qualidade, os componentes da estrutura corporal. “Tais ‘bonecos’ permitem que se conheça, bem de perto, a anatomia humana, o que inclui os vários órgãos internos. Por outro lado, há programas de computador cada vez mais aperfeiçoados e abrangentes para ampliação do conhecimento”, explica Geraldo Brasileiro. Muitos desses programas permitem que se tenha visão múltipla e integrada de órgãos e estruturas do corpo. “Alguns dispositivos garantem acesso a informações dinâmicas, o que facilita a compreensão das partes e do todo. No entanto, são acessórios e complementares, no sentido de que, sozinhos, não conseguem fornecer, aos estudantes, todas as informações necessárias. Ou seja, estudar diretamente no corpo humano continua sendo necessário, embora nem tanto como no passado, quando havia grande oferta de corpos para os cursos de Medicina”, completa o professor.


Diante do corpo alheio Hic mors gaudet succurrere vitae. Presente em laboratórios de muitas instituições de ensino e pesquisa, a expressão em latim reafirma, com propriedade e delicadeza, o respeito por aqueles que, confiantes na ciência, doaram o próprio corpo: “Aqui, a morte se alegra em socorrer a vida”. Dia a dia, milhares de estudantes brasileiros de Medicina – e de outras tantas especialidades na área da saúde – adquirem conhecimento por meio da dissecação ou da observação dos corpos de pessoas que, um dia, também estudaram, correram e sonharam. Aluno da Faculdade de Medicina de Barbacena, Marcone Eliziário conta que seu primeiro contato com um cadáver deu-se ainda nos primeiros dias de aula, quando os calouros eram apresentados às dependências da instituição. “Ao adentrar o [setor] anatômico, junto a vários outros estudantes que, até aquele momento, também desconheciam o ambiente, minha sensação foi a de participar de uma descoberta coletiva. A sala tinha aparência hospitalar, com azulejos brancos e diversos banquinhos e mesas metalizadas”, descreve, ao lembrar que os cadáveres não estavam ali, mas nos tanques de formol, em sala anexa. “Nas primeiras aulas, me ocorria imaginar como foi a vida daquele indivíduo e o que teria passado antes de chegar ali. Com o decorrer da prática, contudo, esse tipo de pensamento é substituído por músculos, ossos, artérias, veias, nervos e outras preocupações típicas do curso de Medicina”, comenta Marcone, ao garantir que – ao contrário do que prega o senso comum – não há, entre estudantes e professores, o costume de realizar orações e outras cerimônias espiritualistas diante dos cadáveres: “Hoje, penso que a falta ou descaso com os ritos pode, de maneira sutil, suprimir um processo desejado por toda a sociedade: a construção de uma consciência médica que não apenas previne, receita e trata o enfermo, mas que também o vê como um semelhante. Não observo nenhum acadêmico realizando ri-

tos, mas pode ser que alguns o façam em pensamento. Com o passar do tempo, o estudo sobre o cadáver ocorre de maneira muito natural. E é feito, pela maioria de nós, de forma respeitosa e com seriedade”, destaca. Formada pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, onde estudou entre 2004 e 2008, a fisioterapeuta Daniele Gontijo lembra que, nos primeiros dias de curso, os alunos eram instruídos, pelos professores, a tratar os corpos com dignidade e respeito, pois “viveram a vida como todos nós”. No que se refere aos rituais em laboratórios de ensino, ela conta que, devido ao fato de os alunos terem culturas e crenças espirituais ou religiosas distintas, as reações de seus colegas eram diversas: “Alguns faziam preces e agradecimentos. Outros tratavam os corpos apenas como instrumento de estudo, sem levar em consideração que já abrigaram uma alma viva”. Já na acepção de Lauro Carneiro, graduado em Odontologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora – e, atualmente, aluno de Medicina em Barbacena (MG) –, o primeiro contato com o corpo de um cadáver revelou-se experiência perturbadora. “Com o tempo, na medida em que me familiarizava com a situação, tudo foi se resolvendo. Meus sentimentos sobre o tema eram de certa perplexidade, agravados pela possibilidade de um parente ou ente próximo se fazer presente na figura de um cadáver”, confessa. Hoje, ele encara a situação com extrema naturalidade: “Afinal, para os profissionais da saúde, são inquestionáveis os benefícios do estudo com cadáveres. Se todas as questões éticas forem respeitadas, não vejo empecilhos para o uso de corpos no ensino biomédico”.

Voluntário, sim, senhor! Altruísmo e esperança revelam-se ingredientes fundamentais a outro grupo de doadores. Trata-se daqueles que, com o coração ainda pulsante, demonstram bastante confiança na ciência, a ponto de se inscrever, como voluntários, em pesquisas clínicas. Loucura para alguns, necessidaMINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013

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de – e/ou alternativa experimental – para outros, a prática do voluntariado requer coragem, disciplina e paciência. Editor do Boletim da UFMG, o jornalista Flávio de Almeida resolveu participar de iniciativa do gênero. Ele se cadastrou no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa/Brasil), investigação multicêntrica de coorte realizada com 15 mil funcionários de seis instituições públicas brasileiras de ensino superior das regiões Nordeste, Sul e Sudeste. A pesquisa busca analisar a incidência e os fatores de risco a doenças crônicas – em particular, ao diabetes e a problemas cardiovasculares.

tificar possíveis intercorrências entre uma bateria e outra de exames. Em função da natureza do projeto, Flávio de Almeida diz não temer absolutamente nada, posto que o ‘índice’ de risco se aproxima de zero: “Participar de

Em cada centro integrante do estudo, os sujeitos da pesquisa – com idade entre 35 e 74 anos – realizam exames e entrevistas, nos quais são avaliados aspectos como condições de vida, diferenças sociais, relação com o trabalho, gênero e especificidades da dieta da população. Voluntário pela primeira vez, Flávio ressalta duas grandes motivações para sua decisão: de um lado, está a vontade do jornalista em colaborar com iniciativa de fôlego, que pretende acompanhar a saúde de número expressivo de adultos, ao longo de grande parte da vida. “De outro, destaco um interesse, digamos, ‘menos altruísta’. Percebi que o projeto permitia a realização de uma série de exames, alguns deles, certamente, não oferecidos pela rede de saúde convencional”, explica, para, em seguida, confessar-se relativamente relapso quanto à própria saúde: “Imaginei que a participação em um projeto desse gênero me forçaria a fazer exames de rotina com regularidade”, completa. Há três anos, quando fez a primeira bateria de testes, o jornalista passou cerca de seis horas nas dependências do Ambulatório Borges da Costa: “Creio que, até então, jamais reservara tanto tempo para me dedicar à saúde. Agora, espero a convocação para a segunda bateria, prevista para este ano”, destaca. No Elsa, a equipe tem a prática de realizar entrevistas anuais com os voluntários, com o intuito de iden-

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um projeto desses é muito diferente, por exemplo, de figurar em um grupo de testes de vacinas, ou de novos medicamentos para doença, até então, incurável. Nesses casos, sim, há riscos, medo e, principalmente, esperança”.

Governo investe em pesquisas clínicas Para estimular a realização de pesquisas clínicas no país, o Governo Federal lutou pela implantação de três importantes medidas, todas em vigor desde dezembro de 2012. Uma delas passou a permitir a remuneração de voluntários, enquanto as outras dizem respeito à priorização da análise de pedidos de estudo com interesse público e à “acreditação” dos centros de pesquisa do Brasil – o que, em tese, auxiliará a descentralização de processos. As novas regras foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde e modificam a resolução do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sem alterações, há 16 anos. Para realizar as mudanças, o CNS abriu consulta pública, que contou com a participação de 1,8 mil contribuições, discutidas por mais de um ano.

De repórter a voluntária Por Virgínia Fonseca Ao descer, pausadamente, as escadas da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich/UFMG), resolvi ler as dezenas de anúncios que ali se sobrepõem. Foi aí que encontrei, por acaso, o cartaz que anunciava a necessidade de voluntários para uma pesquisa. O anúncio dizia algo sobre “Neurociências e transtorno bipolar”. Poucas semanas antes, havíamos discutido, na reunião de pauta de MINAS FAZ CIÊNCIA, o tema voluntariado para pesquisas científicas. Meu intuito era propor que acrescentássemos o tal grupo às fontes que comporiam a matéria especial da edição – como fiz, de fato, no encontro seguinte. Aprovada a sugestão, passei ao contato com os pesquisadores e, logo na primeira ligação, me surpreendi transitando do papel de jornalista ao de voluntária da investigação proposta. A voz do outro lado da linha (Isabela Lima, estudante de mestrado da UFMG) mostrou-se satisfeita quando eu disse que havia ligado por causa do cartaz e me perguntou: “Você quer participar do grupo de controle?”. Em seguida, mencionou que não era fácil conseguir pessoas com tal interesse. Expliquei-lhe o motivo primeiro do contato – ao qual ela atendeu prontamente –, mas segui pensando na dificuldade que os estudiosos encontram para colocar em prática seus ensaios. A própria “empreitada” para construção da reportagem sobre o assunto – com poucas pessoas dispostas a falar do tema – havia nos mostrado isso. Pois não é que, ao final da ligação, voltei ao ponto? “Como é isso de ser voluntário na pesquisa? O que é preciso fazer?”. Acabei por me candidatar ao ofício, surpresa de como pode ser simples – e indolor – dar minha parcela de contribuição à ciência.


Pequenos no tamanho, grandes na colaboração Uso de animais em laboratório permanece a gerar vasto (e polêmico) debate No que se refere aos atores dos procedimentos de pesquisas científicas, existe um grupo cuja participação está longe de ser coadjuvante, mas que causa polêmica nas discussões sobre o tema. O uso de animais em experimentos é alvo de críticas por parte de grupos ativistas e de membros da sociedade civil. Muitos cientistas, porém, costumam explicar: sem os pequenos colaboradores, seria ainda praticamente impossível obter avanços em determinados campos. Pela legislação, qualquer ação a ser executada no homem deve, antes, ser testada em duas espécies de roedores e em um lagomorfo (pequeno mamífero herbívoro). “A comunidade científica precisa cumprir a lei. Não se pode fazer testes diretamente no ser humano”, esclarece a professora Vera Maria Peters, coordenadora do Centro de Biologia da Reprodução da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Não existem, ainda, métodos que possam substituir o modelo animal com resultados confiáveis em todas as áreas. Peters destaca que os próprios acadêmicos vêm trabalhando na busca de alternativas viáveis – inclusive, com avanços que resultaram em estudos capazes de dispensar o uso dessas espécies. Por outro lado, enquanto não for possível a completa substituição, os cientistas refinam seus procedimentos para diminuir o número necessário em cada estudo. “É indispensável o diálogo entre comunidade científica e grupos de proteção aos animais, para trazer à tona a per-

cepção de que trabalhamos pelo mesmo objetivo: a busca da qualidade de vida, do bem-estar das espécies envolvidas e de métodos alternativos que substituam o modelo animal”, reafirma. O uso desses modelos nas pesquisas está sujeito ao acompanhamento das Comissões de Ética de cada instituição de ensino, que fazem cumprir o disposto na Lei 11.794/2008 e nas demais normas aplicáveis – especialmente, as resoluções do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). A legislação aborda as condições de criação e de uso, com orientações sobre princípios e cuidados a serem observados, como número de animais, tempo de cirurgia, eutanásia, uso de analgésicos, sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares. Todos visam, em suma, ao bem-estar e ao equilíbrio dos estados físico e mental dos animais com o meio ambiente, além de incentivar a busca por métodos alternativos. “Não há lógica em desconsiderar os aspectos legais, éticos e de bem-estar do animal. Se tais princípios não forem respeitados, sacrificaremos essas espécies desnecessariamente, já que os resultados obtidos não poderiam ser considerados confiáveis”, defende Peters. De acordo com tais princípios, a criação de animais em biotérios representa contribuição ao avanço do conhecimento sobre uma série de doenças e aspectos fisiológicos, assim como auxilia a busca de novos tratamentos e curas e alavanca os processos científicos, tecnológicos e de inovação.

Virgínia Fonseca

Rede padroniza e monitora procedimentos

Criada em 1998, a Rede Mineira de Bioterismo é uma cooperação interinstitucional que busca o desenvolvimento da área em Minas Gerais e a produção de animais de experimentação biológica que atenda a padrões – tanto nacionais quanto internacionais – de qualidade sanitária e genética. Busca-se proporcionar o progresso tecnológico adequado para que o estado se torne independente na área da Ciência de Animais de Laboratório. Coordenado pela professora Vera Peters, o grupo conta com integrantes de oito instituições: universidades federais de Juiz de Fora (UFJF), de Minas Gerais (UFMG), de Lavras (Ufla), de Viçosa (UFV), de São João del-Rei (UFSJ) e de Ouro Preto (Ufop), Fundação Ezequiel Dias e Centro de Pesquisa René Rachou. Dentre as atividades realizadas, há cursos e eventos voltados à formação de pessoal, além de trabalhos conjuntos para investimento na estrutura física dos biotérios envolvidos. A rede trabalha no sentido de adequar instalações capazes de proporcionar melhores condições ambientais de criação; além de padronizar os equipamentos de uso comum; capacitar integrantes; introduzir barreiras sanitárias de proteção, de acordo com a legislação; buscar avanços e uniformidade nas técnicas de manejo e fazer análises que garantam o monitoramento da qualidade sanitária e genética dos animais. “Todo esse controle nos conduz a resultados confiáveis e reproduzíveis nas pesquisas, com uso de número reduzido de indivíduos nos experimentos”, explica a coordenadora. Permite, ainda, a racionalização das criações em Minas Gerais e a especialização na produção de determinadas espécies genéticas em centros de criação específicos.

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ENTREVIsTa

aPosTa No fUTURo Para a pesquisadora Helena Nader, presidente da SBPC, investimento em ciência e educação é vital à superação de desafios que já se apresentam à humanidade – e ao desenvolvimento do Brasil Vanessa Fagundes

Helena Bonciani Nader é mulher de opiniões fortes. Atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), está envolvida em importantes e polêmicas discussões, como as mudanças na carreira dos professores das universidades federais e a destinação dos royalties advindos da exploração do pré-sal para a educação e a ciência. A primeira, ela considera um retrocesso. A segunda, uma aposta de que os recursos do pré-sal, que são finitos, terão impacto duradouro e significativo para o Brasil. Professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Helena Nader é graduada em Biologia, pela Universidade de São Paulo (1971), e em Ciências Biológicas – modalidade médica –, pela Universidade Federal de São Paulo (1970), com doutorado em Ciências Biológicas (Biologia Molecular) pela Unifesp (1974) e pós-doutorado pela Universidade do Sul da Califórnia (1977), nos Estados Unidos. É membro titular da Academia de Ciências de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências, classes Comendador e Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, e professora honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Confira a entrevista concedida à MINAS FAZ CIÊNCIA.

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Em novembro, o Brasil receberá o Fórum Mundial de Ciência, evento que reúne as academias científicas de vários países e busca debater o papel da ciência e suas responsabilidades no século XXI. Pela primeira vez, o Fórum será realizado fora da Europa. Qual o significado disso para o país? Idealizado pela Academia de Ciências da Hungria, este evento tem como proposta discutir problemas científicos e tecnológicos de impacto global, os rumos da ciência e como ela pode contribuir para o bem-estar da humanidade. Tradicionalmente, ele ocorre na Hungria, mas levantou-se a sugestão de alternância a cada dois anos, para impactar outras regiões. Então, o evento é realizado na Hungria e, dois anos depois, em outro país. Volta para a Hungria e, daí a dois anos, segue novamente a outro país. A América Latina foi a região escolhida para receber o primeiro Fórum fora da Europa e o Brasil será o país sede. Imagine, portanto, a importância e a responsabilidade! É preciso garantir o sucesso do evento, o que, em termos de ciência, se faz por meio da participação dos cientistas nas conferências e debates. Os encontros regionais, organizados como eventos preparatórios para o Fórum

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Mundial de Ciência, tinham esse objetivo de mobilização? A ideia dos encontros regionais veio do próprio tamanho do território brasileiro. O Brasil é um país continental. A proposta é fazer reverberar o evento a ser realizado em novembro, no Rio de Janeiro, de tal modo que o impacto vá além do Fórum em si. A mobilização está sendo muito maior. As comunidades das diferentes regiões do país estão sendo impactadas com as discussões provenientes desse encontro, antes conhecido apenas por quem era membro de uma academia de ciências.

Ao todo, serão sete encontros regionais. Os de São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Bahia foram realizados em 2012. Neste ano, fecham a programação os eventos de Pernambuco (abril), Rio Grande do Sul (maio) e Brasília (data a definir). Informações sobre as palestras e as recomendações para o Fórum estão em http:// fmc.cgee.org.br. Um dos objetivos do Fórum é discutir como a ciência pode contribuir para o bem-estar da humanidade. Em sua opinião, quais os desafios em um futuro próximo e como a ciência poderia ajudar a superá-los?


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13 Divulgação SBPC


“Nem todo mundo tem a mesma vocação, nem todo pesquisador prefere ficar na bancada fazendo experimentos. Existem pesquisadores ótimos no diálogo com a sociedade e isso é fundamental. Também acho que precisamos ter mais jornalistas de ciência no Brasil. Estamos muito aquém da necessidade”

Darei alguns exemplos: em reunião de sociedades científicas realizada em Boston (EUA), mencionei a segurança alimentar como tema importante a ser discutido pelos cientistas. O representante da China, na hora, disse que esse é o maior problema para eles. Claro, quem tem uma população de mais de um bilhão precisa se preocupar em como alimentá-la, pois segurança alimentar envolve produção de alimentos, distribuição, garantia de qualidade... e a ciência vai ter que ajudar, vai ter que responder a esse desafio urgentemente. Água foi outro problema apresentado: como resolveremos isso? Energia. São problemas que precisarão ser abordados, em conjunto, pelos países, porque os impactos ultrapassam as fronteiras. Compartilhar as informações será fundamental. Morei nos EUA em diferentes épocas e a impressão é que, lá, a sociedade é mais envolvida com ciência. Não sei se porque o voto é distrital, mas a população consegue cobrar mais dos representantes. Mesmo assim, as pessoas acham que as informações são poucas e a divulgação está ruim. Então, como fazer divulgação científica? Como mostrar para a população que está pagando, por meio de impostos, o que a ciência faz? Na saúde, isso fica mais evidente, pois o indivíduo tem ou não tem o acesso; o atendimento é bom ou ruim. Na ciência, é mais difícil de perceber. A população, muitas vezes, não se dá conta de que existe ciência por trás de um novo celular, de um aparelho de micro-ondas, de um medicamento. O que está na mesa das pessoas, da sociedade, é resultado de muita ciência. Por isso é importante essa divulgação: o diálogo com o jornalista tem que ser mais frequente e maior, de tal maneira que a população passe a demandar mais investimentos na área. Recentemente, foi incluída no currículo Lattes uma aba de divulgação científica, o que significa que as atividades

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relacionadas ao tema passam a ser consideradas na avaliação dos pesquisadores. A senhora acredita que isso estimulará mais pesquisadores a divulgar ciência? Espero que sim. Até então, os pesquisadores que fazem divulgação científica estavam sendo avaliados dentro de um currículo tradicional: os trabalhos que publicavam, em que revista, qual o impacto da revista, número de citações. Agora, você pode acrescentar produtos de divulgação. É fundamental que isso conste no currículo Lattes, pois, ao criar mecanismos de avaliação, você valoriza o trabalho. E tem que valorizar, porque não dá mais para fazer divulgação apenas porque gosta. A atividade precisa ser reconhecida e eu parabenizo a iniciativa. Afinal, quando é que a produção científica brasileira começou a aumentar? Quando a Capes passou a fazer as avaliações. Acredito que a avaliação levou a isso, e tenho certeza que, ao criar mecanismos de avaliação para a divulgação científica e atividades educacionais em ciência, a tendência é que isso também aumente. Nem todo mundo tem a mesma vocação, nem todo pesquisador prefere ficar na bancada fazendo experimentos. Existem pesquisadores ótimos no diálogo com a sociedade e isso é fundamental. Também acho que precisamos ter mais jornalistas de ciência no Brasil. Estamos muito aquém da necessidade. A Royal Society apresentou, no ano passado, o relatório Science as an open enterprise. O documento aponta que a ciência está mais aberta, no sentido de haver mais dados circulando, especialmente pela internet, o que permitiria maior colaboração entre os pesquisadores. Em sua opinião, isto mudaria a forma como a ciência é produzida? Concordo totalmente com o relatório da Royal Society. A internet foi a grande contribuidora para essa ciência aberta. Se não existisse a internet, a gente até poderia querer abrir, mas não conseguiria


nunca. Acho fundamental essa abertura, mas ainda existem muitas informações fechadas. Os pesquisadores estão mais abertos a usar essas ferramentas. Claro, não podemos nos tornar dependentes da tecnologia, mas negá-la, ou negar o impacto que ela teve na ciência, é impossível. Lembro-me quando a gente assinava uma revista científica e ela vinha de navio, demorava a chegar. Hoje, você acessa o conteúdo pela internet. Mas quero lembrar outro exemplo que ajudou muito nesse compartilhamento de dados no Brasil. Para mim, foi um paradigma para a ciência brasileira. Quando fiz meu doutorado, na década de 1970, era um desafio ter acesso à literatura internacional. A gente tinha que escrever para o autor, pedir uma cópia, esperar chegar, e às vezes isso demorava meses. Quando a Capes lançou o seu Portal de Periódicos, o impacto foi enorme. Não importa se você está no Xingu ou no Oiapoque, é possível obter informações sobre o que está sendo produzido. Isso ampliou o acesso e o tornou igual para todos aqueles envolvidos com ciência. A sociedade também pode ter esse acesso por meio das bibliotecas de universidades. Gosto de relembrar, porque já escutei que esse é um gasto muito alto. Mas é porque as pessoas não fazem as contas de quantos docentes, pesquisadores e estudantes estão sendo beneficiados. Nas últimas décadas, cresceu significativamente o número de citações a pesquisas e pesquisadores brasileiros no exterior. Neste cenário de desenvolvimento, o que significaria, para o Brasil, a possibilidade de receber um Prêmio Nobel? Você não vai gostar da minha opinião. Acho que o Brasil já tem vários prêmios Nobel. Poucos países têm um Carlos Chagas – na verdade, acho que nenhum outro. Um indivíduo que identificou a doença, o vetor, o parasita, todo o ciclo de uma doença. O nome dele foi proposto,

mas não teve força política suficiente para ganhar. Isso porque ganhar o Nobel também depende de política. Posso te dar outro exemplo? Maurício Rocha e Silva, um dos fundadores da SBPC. Ele descobriu a bradicinina, e o impacto da descoberta mudou a visão que tínhamos do sistema cardiovascular. Uma série de medicamentos foi desenvolvida em função do entendimento da ação da bradicinina. Isso foi na década de 1940. São exemplos da área de saúde, que é a minha área, mas existem outros brasileiros que foram propostos e não ganharam por causa da política. Eu não gosto desse papo. Acho que é de uma subserviência enorme e mostra falta de conhecimento da ciência brasileira. Estudo muito, aprendi muito lendo sobre cientistas. E o número de coisas já feitas nesse país... as pessoas deveriam estudar um pouco mais. O Brasil está se internacionalizando e isso é importante. Precisamos transformar o país em rota de cientistas. Veja a China, que tem investido muito nas universidades, em ciência básica. Os chineses também querem um Prêmio Nobel. Enquanto isso, nós andamos para trás. Aprovamos uma legislação para a carreira docente que não vai atrair nenhum professor do exterior [referência à Lei nº 12.772/2012, sancionada em dezembro de 2012, que modifica pontos estruturais da carreira nas instituições federais de ensino superior]. Com essa legislação, todo mundo – o bom e o medíocre – começa no mesmo lugar. Para mim, isso acabou com tudo o que foi feito de esforço em anos anteriores para contratação, por exemplo, de apenas pessoas com doutorado. Tenho muito orgulho do meu país e de onde ele chegou. Um país onde a educação superior começou tarde, pois só com a vinda da família real portuguesa passamos a ter universidades, uma biblioteca nacional, jardim botânico. Em outros lugares do mundo, as universidades têm mil anos. A educação, até pouco tempo, era para muito poucos, apenas agora con-

seguimos universalizar o ensino básico. Infelizmente, não conseguimos universalizar a qualidade do ensino básico. Ainda temos problemas profundos para resolver. Nossas universidades são jovens e precisam de cuidado para manter a qualidade. Essa lei prejudica a qualidade. Uma das lutas da SBPC tem sido a defesa da destinação dos royalties do petróleo para a educação. Como isso contribuiria para uma mudança de patamar da educação brasileira? Desde a descoberta do pré-sal, existe a discussão: como vamos utilizar os recursos? À época, o atual ministro de CT&I, Marco Antônio Raupp, era o presidente da SBPC. Ele apresentou a posição da entidade em audiência pública no Congresso Nacional: os royalties do petróleo devem ser aplicados em educação e ciência, porque isso é apostar no futuro. Isso é apostar que esse dinheiro, que é finito, terá impacto duradouro. A proposta define que o fundo social – não os juros do fundo, mas o fundo – seja usado para educação e ciência, na proporção de 70% no ensino básico, 20% no ensino superior e 10% na ciência. Afinal, o pré-sal só foi descoberto graças à ciência brasileira. Acho muito importante toda essa discussão sobre estados produtores e não produtores, mas o que a mídia abordou foi apenas isso: para quem vai o dinheiro. Ninguém perguntou como usá-lo. Esse dinheiro tem que ser carimbado. Parece que a discussão está parada por enquanto. Mas eu sempre falei em educação e ciência. Vou lutar e morrer falando nisto. Esse dinheiro não é para asfaltar rua ou para o saneamento – que são, claro, muito importantes. Esse dinheiro é para apostar que o Brasil, daqui a dez anos, será uma outra nação, com educação fantástica e com uma ciência que apresente mais dividendos para a nação.

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CaRCINICUlTURa

Fazenda localizada no Triângulo investe em laboratório próprio para expandir produção do crustáceo Virgínia Fonseca Há 150 anos, quando foi fundada, a Fazenda São Pedro, no município de Prata, era mais uma das tradicionais propriedades rurais do Triângulo Mineiro focadas no setor agropecuário, voltada à produção leiteira e à plantação de grãos. Distante aproximadamente 900 km do litoral, o estabelecimento tornou-se, hoje, referência em categoria de cultivo bastante diferenciado: a carcinicultura, criação de crustáceos em viveiros. A propriedade recebeu, em 2000,

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o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) – inédito no país para a atividade – e prepara a ampliação de seu processo produtivo por meio da montagem de laboratórios próprios de larvicultura do crustáceo. Em 1996, a bisneta do primeiro proprietário, Maria Aldeide da Costa Borges, iniciou, no local, o projeto de criação de camarão da malásia (Macrobrachium rosenbergii). A Entrepostos de Pescados São Pedro conta com 21 viveiros e 5,65

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hectares de espelho d’água, destinados exclusivamente ao negócio. O estabelecimento atua em dois segmentos: fazenda de engorda e centro de processamento do crustáceo. A partir da instalação dos laboratórios, a fazenda implanta o único estágio que lhe faltava em tal sistema produtivo: a larvicultura. Até então, a empresa recebia as pós-larvas, adquiridas de fornecedores no litoral, a até 1500 km de distância, para fazer


a engorda nos viveiros. Durante o processo, é preciso trocar os crustáceos de tanques, até que atinjam tamanho apropriado para comercialização, com peso médio de 25g a 30g. Nesta fase, os camarões seguem para o abatedouro da fazenda, onde são preparados e acondicionados em recipientes adequados ao transporte, segundo rigorosas normas sanitárias. A safra – que, atualmente, gira em torno de quatro toneladas – deve chegar a 10 toneladas com o cultivo próprio de pós-larvas. Embora seja crescente a demanda por exportação, a Entrepostos São Pedro tem destinado sua produção a clientes de São Paulo – principalmente, a redes de restaurantes orientais. “Já recebemos solicitações de países como Estados Unidos, Itália e Espanha, mas quero que a comercialização cresça, primeiramente, no país, para depois atender ao mercado externo”, assegura Maria Aldeide, ao lembrar, ainda, que o objetivo é permitir que chegue à mesa do mineiro, e do brasileiro, um camarão “da melhor qualidade”.

Inovação e sucesso O interesse dos produtores pela atividade surgiu do gosto pelo crustáceo e de pesquisas que apontaram sua criação como investimento capaz de proporcionar boa rentabilidade. “Sempre gostei muito de camarão e jamais enjoei”, diverte-se a empresária. “A espécie de água doce é muito saborosa e não tem cheiro forte”, opina. Maria Aldeide explica que desejava proporcionar maior rentabilidade à fazenda, e, como a propriedade possui bastante água, constatou que, das atividades ligadas à aquicultura, a carcinicultura foi a que mais cresceu nos últimos tempos – a produção mundial de camarões de água doce Macrobrachium aumentou mais de 1300% na última década. A taxa de retorno financeiro é positiva e, de acordo com a produtora, pode ultrapassar R$ 7 por quilo. A presença abundante de recursos hídricos é que levou a mãe de Maria Aldeide, Maria Custódia de Jesus, a também inovar, há cerca de 40 anos. Quando o Governo Federal lançou o Projeto Pró-Várzea, a então proprietária da fazenda iniciou a plantação de arroz, fugindo às tradicionais

lavouras de feijão e de milho. “Naquela época, eu já queria criar os camarões como atividade paralela, em meio à cultura do arroz de várzea”, revela a filha. Graduada em Odontologia, Maria Aldeide atua, inclusive, como professora universitária e integrante do Conselho Regional de Odontologia. As atividades que exerce, como criadora de camarão e profissional em sua área de formação, revelam-se independentes: a interseção está, justamente, no gosto pela investigação. “Sou pesquisadora na Odontologia e, também, na carcinicultura”, diz. De fato, para chegar ao projeto de montagem de um laboratório de larvicultura de camarões, em pleno Triângulo Mineiro, foram 18 anos de investimentos e de pesquisas. A empresária possui parcerias com várias instituições de ensino em Minas Gerais, São Paulo e, mais recentemente, Espírito Santo, cuja finalidade é ampliar conhecimentos sobre a atividade e possibilitar sua expansão nas águas interiores. Para montagem dos laboratórios, a empresa obteve recursos da nova linha de financiamento do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), em parceria com a FAPEMIG: a Pró-Inovação.

Linha de financiamento que tem como objetivo apoiar projetos de desenvolvimento com foco na inovação de produtos, processos e serviços de empresas instaladas em Minas Gerais. A modalidade contempla, com taxa de juros de 8% ao ano, projetos inovadores que resultem em significativa melhoria de qualidade, pioneirismo ou aumento da competitividade e maior produtividade.

Made in Minas

Maria Aldeide trouxe do litoral Sul de São de Paulo a água, coletada em alto-mar, para instalação dos laboratórios. Como já compraria, na região, cascalho de ostra usado para compor o biofiltro, também contratou balsa com o intuito de buscar os recursos hídricos que, assim, apresentam-

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-se mais puros, já com algas e nutrientes necessários ao desenvolvimento das larvas. “Estudei muito para chegar nesse estágio, pois não tinha experiência com larvicultura”, expõe. A pesquisadora explica, ainda, que o líquido precisa circular e ter boa qualidade para que os ovos eclodam. Na natureza, os camarões descem para regiões de encontro de rios e de lagoas com o mar, onde ocorre a eclosão. Em seguida, a fêmea volta para a água doce, já com filhotes. Dessa forma, ela precisa reproduzir, em laboratório, esse ambiente com salinidade adequada. Os laboratórios em construção compõem-se de seis tanques de mil litros, com água salinizada, e outros três tanques de 500 litros, que executam a função de biofiltro. O local possui, ainda, minilaboratório, com 20 galões, para produção da artêmia, pequeno crustáceo de que serão alimentados os camarões. “Já estamos com praticamente tudo pronto. Em breve, devemos começar o primeiro ciclo de produção”, prevê. Com cerca de um mês e meio, as larvas estariam, então, aptas a serem transferidas para o viveiro, onde se segue a produção no formato em que Maria Aldeide já está habituada a lidar: a engorda e o abate dos camarões. Apenas para o atendimento à própria fazenda, a produção necessária é de, pelo menos, 640 mil larvas. “Como se trata do primeiro ciclo, sempre pode haver ajustes. Por isso, não consigo precisar, previamente, em quanto tempo conseguirei

atingir esse número. Tudo dependerá do momento inicial”, esclarece a empresária. A montagem do laboratório vai proporcionar autonomia e viabilidade ao negócio. “Nos últimos anos, tive muitas perdas no transporte das larvas adquiridas no litoral e cheguei ao ponto crucial: ou parava de vez a produção ou montava o espaço completo”, afirma, ao destacar que a distância também comprometia o ritmo e os custos do negócio. Ao longo do ano de 2012, a fazenda não comercializou camarões, já com o intuito de separar as matrizes para produção local de larvas. O processo consiste na seleção de um macho dominante e de um grupo de fêmeas ovadas, que serão, então, transferidas para os tanques, em condições ideais para a larvicultura. Cada fêmea pode produzir até 10 mil larvas. Com o apoio recebido recentemente, a produtora está otimista quanto aos resultados. Que o diga o fato de Maria Aldeide ter sido convidada, pelo próprio ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella, para ir a Brasília: “Ele quer saber quais as dificuldades do setor. E me disse que o Ministério pretende dar suporte à atividade”, conta. As perspectivas, porém, nem sempre foram as melhores. Maria Aldeide conhece bem as dificuldades de empreender – e de ser pioneira. Ela conta que, até então, fez tudo com recursos próprios. Anteriormente, chegou a procurar auxílio numa instituição financeira, mas não obteve retorno. “Muitos gerentes do interior só visualizam

Saiba mais sobre a produção de camarões A região Nordeste é a principal produtora de camarão do Brasil, ao concentrar cerca de 95% da carcinicultura nacional. Ali, entretanto, cultivam-se, principalmente, espécies de camarão marinho. Mais de 50 países dedicam-se ao cultivo do camarão de água doce, atividade que abrange todos os continentes, com destaque para a Ásia. A produção mundial de camarões de água doce, do gênero Macrobrachium,, é um dos setores da aquicultura que mais cresce no mundo. No início desse milênio, a produção mundial superou 300 mil toneladas, movimentando mais de US$ 1 bilhão. Na América Latina, o cultivo do camarão de água doce começou na década de 1970. O Brasil é considerado o maior produtor do continente, com cultivo em quase todo o território e produção aproximada de 400 toneladas ao ano (2010).

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atividades tradicionais, como bacia leiteira, soja, cana, e nem se interessam por outras possibilidades”, considera. A empresária pontua, ainda, a necessidade de prazos apropriados para pagamento dos recursos oferecidos e de incentivo governamental para a região – segundo a pesquisadora, atualmente, os estímulos para a carcinicultura têm foco no Nordeste.

Generosa porção de saber

Desde que iniciou a pesquisa para produção de camarão de água doce na fazenda, Maria Aldeide investiu, também, em parcerias que vêm contribuindo para o bom desempenho do negócio. Em terras mineiras, a primeira instituição de ensino a se envolver foi a Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal, por meio da colaboração do professor Wagner Cotroni Valenti, especialista em aquicultura. “Ainda trabalhamos em cooperação. Ministro aulas teóricas e práticas para alunos que participam de atividades aqui na região. Já recebi, inclusive, estudantes de outros países, como Venezuela, Inglaterra, Angola”, conta Maria Aldeide. A atividade originou, somente em 2012, quatro trabalhos, publicados em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e, atualmente, existem estudos conjuntos com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), referentes à rastreabilidade para a comunidade europeia. A pesquisa busca comprovar a qualidade do crustáceo, frente aos padrões de


Arquivo pessoal

Maria Aldeide: pioneirismo e gosto pessoal pelo camarão resultaram em produto de comprovada qualidade

países europeus, revelando a viabilidade da exportação. Também mantêm atividades conjuntas os Institutos Federais do Triângulo Mineiro, em Uberaba e em Uberlândia, o Instituto Federal do Espírito Santo e o Centro Universitário do Triângulo (Unitri), com o qual foi desenvolvido manual com orientações para a produção. Na fazenda, Maria Aldeide recebe alunos de instituições parceiras, do Brasil e do exterior, para cursos, dias de campo e estágios. Mas também oferece opções de cursos cujo público-alvo não são apenas universitários. A empresária almeja disseminar a carcinicultura entre os produtores locais. A forte tradição pecuária do Triângulo Mineiro não seria, segundo a professora e empresária, empecilho, já que as duas atividades podem coexistir. Muitas propriedades na região, segundo ela, possuem condições ideais, com grandes tanques a serem aproveitados. Com a implantação do laboratório de larvicultura, os novos produtores poderiam usufruir da praticidade de adquirir, localmente, as pós-larvas, reduzindo custos e tempo de retorno do investimento.

Sobre o camarão Existem mais de 120 espécies de camarões de água doce pertencentes ao gênero Macrobrachium, das quais 30 são encontradas no continente americano.

Estes crustáceos distribuem-se nas regiões tropicais e subtropicais, onde ocupam lagos, rios, pântanos e estuários. Algumas espécies necessitam da água salobra para fechar seu ciclo de vida, como é o caso do Macrobrachium rosenberguii, ou camarão da Malásia, produzido em Prata. Assim, embora aconteça o acasalamento nos viveiros de água doce, as ovas da fêmea precisam do líquido em condições específicas de salinidade, até que atinjam o ponto de pós-larvas. Na Fazenda São Pedro, a opção pelo cultivo do camarão da Malásia deu-se com base nas vantagens oferecidas por essa espécie, como a rápida taxa de crescimento, o comportamento não agressivo, a resistência a alterações de temperatura e a doenças. Considerou-se, ainda, o sabor agradável ao paladar – semelhante ao da lagosta – e a valorização no mercado. Além disso, tal variedade do crustáceo pode ser criada em tanques escavados diretamente na terra, sem necessidade de alvenaria, e está pronta para abate no prazo de 4 a 8 meses. De acordo com Maria Aldeide, pesquisa da Universidade Federal do Paraná mostrou que o camarão de água doce possui teor de colesterol 30% menor do que a espécie marinha. Por fim, a produção de camarão de água doce apresenta-se como fator positivo, ao minimizar a pesca predatória – capaz de causar danos ao ecossistema marinho.

A Fazenda São Pedro foi o primeiro estabelecimento criador de camarão de água doce do país a receber o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), que atesta aos produtos de origem animal a qualidade sanitária e a conformidade com a legislação. Para concessão do carimbo, que autoriza a comercialização em todo o Brasil, observam-se diversas etapas de fiscalização e inspeção, cujas ações são coordenadas pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

PROJETO: Montagem de laboratório de larvicultura COORdEnAdOR: Maria Aldeide da Costa Borges MOdALIdAdE: Pró-Inovação VALOR: R$ 157.000,00

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educação

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A iniciativa que deu início à ONG foi a criação, em 1993, da Ação Moradia, espaço onde os jovens refletiam sobre os impactos causados pelos problemas sociais e se mobilizavam para fazer visitas aos moradores do assentamento Dom Almir, na periferia de Uberlândia. Daí, a fundadora da instituição, Eliana Setti, sensibilizou-se com as condições das famílias visitadas, e, em parceria com os jovens e suas famílias, fundou a Pastoral da Moradia. No ano 2000, a entidade transformou-se em Organização Não Governamental. Dois anos mais tarde, criou-se a fábrica de tijolos ecológicos. Atualmente, também são ministrados ali cursos de culinária, cabeleireiro e artesanato. O local abriga, ainda, um cursinho pré-vestibular e grupos de discussão sobre a violência no município.

Era uma quarta-feira chuvosa quando chegamos ao bairro Morumbi, na Zona Leste de Uberlândia. Sem saber direito o que encontrar, fomos recebidos pelo professor Benerval Pinheiro Santos, do departamento de Matemática da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Para nossa surpresa, não encontraríamos ali apenas uma pesquisa, mas diversas. Tratava-se, afinal, da Rede de Educação Popular, projeto que abriga uma série de iniciativas – todas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisas em Educação e Culturas Populares (GPECPOP) da UFU. Um dos locais escolhidos para desenvolvimento do projeto foi a Organização Não Governamental Ação Moradia. Criada em 1993, a instituição recebe cerca de 1.200 moradores do bairro e de assentamentos vizinhos – em sua maioria, mulheres –, para trabalhar em várias frentes: há cursos de cabeleireiro, cozinha industrial – na qual são produzidas delícias vendidas pela cidade –, fábrica de tijolos ecológicos e uma simpática oficina de artesanato. No total, são 750 m² de área, onde as pessoas são capacitadas, sempre na esperança de um futuro melhor. Localizada a 12 quilômetros do centro da cidade, a Organização serviu de espaço para que o grupo de pesquisa pudesse acolher os participantes e dar início aos processos de intervenção e investigação necessários ao projeto de formação de professores, e de outros tantos profissionais, que trabalham com Educação de Jovens e Adolescentes (EJA). As atividades do grupo começaram em 2009, com o atendimento a demandas apresentadas pela ONG e outras instituições, além de escolas e associações de bairros. Segundo o professor Benerval Pinheiro, coordenador dos trabalhos, a pesquisa para aquisição de insumos, como câmeras filmadoras, computador, impressora e notebook, começou junto ao grupo, em parceria com o município e com financiamento da FAPEMIG, por meio do Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz (Cemepe). “Entendemos que a Educação de Jovens e Adultos não acontece apenas em ambientes formais”, contextualiza.

Por isso, o grupo desenvolveu, simultaneamente, ações para formação de trabalhadoras populares e de professoras que atuam na EJA. Uma delas diz respeito à compreensão da atribuição de preços dos objetos construídos nas unidades produtivas, com auxílio de mecanismos matemáticos necessários. “A ideia foi capacitá-las, apesar de o foco da pesquisa ser o professor”, ressalta. Com os docentes, os pesquisadores utilizaram o método das rodas de conversa, por meio das quais o professor é levado a repensar suas práticas, e não mais se vê como detentor de conhecimentos. Ele passa a se perceber como uma espécie de animador cultural junto aos educandos, que deixaram os estudos por diversas razões e, ao longo do tempo, construíram saberes paralelos.

Processo de ensino

Os pesquisadores realizaram ações com 30 professores atuantes na EJA, em duas escolas públicas de Uberlândia. Cada bolsista acompanhava um docente, em sala de aula, para verificar como o profissional atuava, de que forma ele poderia se transformar em “animador cultural” e como isso ocorria de fato. Ou seja, os professores viram-se como orientadores do processo de ensino, e não apenas como disseminadores de informações. “O único inconveniente da pesquisa foi o fato de não termos obtido autorização dos professores para que fizéssemos a gravação de áudio e vídeo das suas ações. De qualquer forma, nossos resultados foram positivos”, comemora Pinheiro. Ainda hoje, após o encerramento das atividades de pesquisa voltadas para a formação de jovens e adultos, o grupo colhe os frutos do trabalho. No mês de setembro deste ano, será realizado o II Encontro Nacional de Pesquisadores(as) em Educação e Culturas Populares. O primeiro, promovido em 2011, contou com a participação de 400 pessoas. As conquistas, contudo, vão além dos números: como resultado da iniciativa, os pesquisadores publicaram o livro Educação e culturas populares em tempos de inclusão, além de apresentar artigos em onze eventos (nacionais e internacionais) sobre o tema.

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Arquivo pessoal

Os quitutes produzidos na cozinha industrial da ONG são vendidos em estabelecimentos de Uberlândia

Aluna do curso de Matemática, na UFU, e integrante do grupo há um ano, Cinara Ribeiro Peixoto foi à Colômbia apresentar os resultados do trabalho com jovens e adultos e se sente orgulhosa por fazer parte da equipe. “Aqui, fazemos pesquisa de fato. Aplicamos, na prática, tudo o que aprendemos na teoria. É uma grande oportunidade de crescimento profissional”, elogia.

Planilhas e estratégias Outra frente de trabalho dos pesquisadores da UFU foi o projeto de Etnomatemática e Leitura, que promoveu ações de inclusão digital com as mulheres da ONG Ação Moradia. As participantes tiveram acesso ao computador e puderam usá-lo não apenas como ferramenta para edição de textos, mas também com o intuito de elaborar planilhas,

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o que impactou diretamente no processo de precificação dos materiais por elas produzidos. “As mulheres da costura vendiam uma bonequinha a R$ 50. Após o curso, perceberam que o brinquedo estava muito caro e baixaram seu preço para R$ 35”, relata o coordenador. Fabiana é uma das mulheres que, antes do projeto, não sabia usar o computador. Hoje, faz todo o seu caixa com a ajuda de programas básicos, capazes de auxiliá-la no controle dos gastos e no faturamento. “Trabalhamos por conta própria. Aprender a fazer a planilha nos ajudou bastante. Achava que não daria conta, mas, agora, vejo que foi um aprendizado tanto para a minha vida profissional quanto pessoal”, orgulha-se. Neste mesmo projeto, as mulheres da ONG puderam conhecer melhor, com o auxílio da internet, o território brasileiro.

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Além disso, realizaram passeios virtuais a pontos de Uberlândia, e, tempos depois, participaram de visitas presenciais, e guiadas, pela cidade onde vivem. “Uberlândia é o maior município do triângulo mineiro, com 604.013 habitantes. Apesar disso, muitas das frequentadoras da ONG jamais haviam saído do bairro onde moram. Por meio de nosso trabalho, elas puderam conhecer pontos importantes da cidade, como o museu e o mercado municipal”, revela Pinheiro. Também como fruto das iniciativas do projeto, as mulheres puderam conhecer e compartilhar experiências com outras pessoas que desenvolvem o mesmo tipo de atividade produtiva. As operárias da fábrica de tijolos, por exemplo, tiveram a oportunidade de ver quais são as outras organizações e empresas produtoras do


Arquivo pessoal

Com a ação do grupo de pesquisa, as costureiras aprenderam a calcular o valor de revenda dos produtos

material, além de conhecer as técnicas que seus colegas de ofício empregam para realizar o mesmo trabalho.

Brincar e aprender Neste momento, o grupo direciona suas ações às crianças e adolescentes que frequentam a Ação Moradia, todos filhos ou netos das mulheres que vão à instituição. Como as participantes não têm onde deixá-los após o horário escolar, os garotos e garotas as acompanham, e, na ONG, passam boa parte do dia. Ali, têm atividades recreativas e fazem as refeições. A fim de promover o resgate cultural dos mais jovens, os pesquisadores realizam atividades lúdicas e mostram que o conhecimento pode ser algo bastante divertido. “Desenvolvemos atividades com as crianças para despertar o gosto pelo

conhecimento, e não como obrigação”, enfatiza Benerval Pinheiro. Embora as atividades ainda estejam no início – já que começaram em fevereiro deste ano –, os resultados revelam-se bastante positivos. Milene, de dez anos, destaca que se diverte muito. O melhor, porém, está no fato de as brincadeiras terem sempre o intuito de lhe ensinar algo: “O legal é que a gente aprende de tudo. Tenho lições sobre como me comportar, além de matemática e higiene. É muito bom”. Para os bolsistas da UFU, trata-se da chance de lidar com a população local e aplicar os conhecimentos adquiridos em sala de aula. “Para mim, que quero seguir carreira acadêmica, é uma grande oportunidade, pois posso transformar o conhecimento teórico em empírico”, relata Pablo Guimarães, estudante de Ciências Sociais.

PROJETO: Etnomatemática e literatura COORdEnAdOR: Benerval Pinheiro Santos MOdALIdAdE: Apoio A Projetos De Extensão Em Interfaces Com A Pesquisa VALOR: R$ 49.000,00

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TURIsmo

Trilhas em construção Pesquisa da Universidade Federal de Viçosa analisa política mineira de circuitos turísticos

Virgínia Fonseca

Minas Gerais foi o destino escolhido por cerca de 7% dos turistas em viagens domésticas pelo Brasil, de 2010 a 2011, índice superado apenas por São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, segundo dados do Ministério do Turismo (2012). Em um país tropical, onde a associação entre lazer, sol e praias é quase imediata, pesquisa de demanda realizada pela Secretaria de Estado de Turismo (Setur) aponta que as cidades mineiras atraem, especialmente, pessoas interessadas em turismo cultural, ecoturismo, eventos e diversão noturna. Com vistas a avaliar os

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resultados da implementação da política pública para o setor, equipe da Universidade Federal de Viçosa (UFV) empenhou-se em analisar a concepção e estruturação dos circuitos turísticos estaduais. Originada em 2001, a partir da formação de associações de municípios em todo o Estado, a política de Circuitos Turísticos de Minas Gerais busca suprir a demanda por iniciativas públicas específicas para a atividade, assim como promover sua interiorização. Na pesquisa proposta, investigou-se como os circuitos, agentes

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De acordo com o Decreto Estadual nº 43.321/2003, é considerado circuito turístico “o conjunto de municípios de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e econômicas, que se unem para organizar e desenvolver a atividade turística regional de forma sustentável, através da integração contínua dos municípios, consolidando uma atividade regional”. Atualmente, são 47 circuitos, distribuídos entre as diversas regiões de Minas.


locais e microrregionais da política pública de turismo, atendem aos objetivos propostos. “Sendo essa a principal linha de atuação da Setur para gerir a atividade turística em Minas, mostra-se importante compreender seus desdobramentos, bem como seu processo de execução por parte da Secretaria e dos municípios associados”, pondera o coordenador do trabalho científico, professor Afonso Augusto Carvalho Lima, do Departamento de Administração e Contabilidade da UFV. Segundo ele, o fato de não haver resultados formais sobre a iniciativa tornou-se um estímulo a mais para o grupo. Na implantação da política, a Setur realiza ações de sensibilização, mobilização e apoio à promoção, roteirização e elaboração do planejamento estratégico. Além disso, fazem parte do processo a elaboração de convênios e o desenvolvimento de programas de capacitação. Por fim, para que receba a certificação, o circuito precisa cumprir uma série de determinações. Os pesquisadores averiguaram aspectos relacionados tanto ao processo de implementação quanto à metodologia utilizada usada na certificação. O projeto estabeleceu indicadores para uma avaliação crítica do desempenho das associações, no que diz respeito ao cumprimento dos requisitos definidos, e, por fim, “ranqueou” os circuitos conforme estágio de eficácia no cumprimento dos objetivos propostos. Também foi alvo de análise a gestão descentralizada da política – ou seja, como os circuitos estão organizados – quanto a estrutura e gerenciamento – para atender a todos os municípios integrantes. Entrevistas a agentes estratégicos da Setur e questionários respondidos por pessoas ligadas à gestão de 37 dos 38 circuitos certificados até 2008 forneceram os dados de que os estudiosos precisavam.

Diagnóstico Segundo Afonso Augusto, o trabalho apontou a importância da política de circuitos turísticos não só para Minas Gerais,

mas para todo o Brasil, constituindo-se como referência. O professor lembra que, no país, embora ações pontuais de fomento à atividade tenham sido desenvolvidas, ao longo dos anos, por parte do Governo Federal, apenas em 2003, com a criação do Ministério do Turismo – e, especialmente em 2004, com o “Programa de Regionalização do Turismo: roteiros do Brasil” –, as políticas públicas da área começaram a mostrar resultados mais concretos. Neste cenário, a partir da reorganização da oferta turística nacional, as unidades federativas iniciaram sua estruturação para implantar o programa de regionalização, em âmbito estadual. Minas se destaca pelo fato de já apresentar modelo próprio de gestão regional do turismo, por meio dos circuitos turísticos. No que concerne à estruturação das associações, porém, o estudo constatou problemas relacionados à formatação de roteiros, à ausência de documentos – calendário, relatório e plano de trabalho do gestor – e de postos de informação. A baixa presença da iniciativa privada como integrante das associações, juntamente ao poder público, é outro aspecto a ser trabalhado. Com relação à gestão dos circuitos, o professor salienta a necessidade de maior profissionalização por parte das organizações e das pessoas que exercem funções diversas. Por meio dos estudos, o grupo criou indicadores que permitiram “ranquear” os circuitos e pôde fornecer um diagnóstico preliminar da política, oferecendo subsídios para ações futuras. Neste sentido, a Setur recebeu relatório sintético dos resultados e todo o banco de dados da pesquisa. Houve, ainda, apresentação presencial sobre os principais pontos. “Assinalamos, por exemplo, a necessidade de a política possuir mecanismos próprios de avaliação que permitam apontar, ao longo do processo, melhorias e ajustes necessários ao alcance dos objetivos”, explica Afonso. O diretor de Pesquisa, Informações e Estatística da Setur, Rafael Oliveira, destaca que tais estudos sempre são utilizados

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pela Diretoria com a finalidade de auxiliar na tomada de decisões em relação às políticas de turismo do estado. A pesquisa, concluída em 2011, teve seus dados atualizados em 2012, originando trabalhos acadêmicos como monografias, dissertações, artigos científicos, entre outros.

“É importante destacar os benefícios de uma avaliação dessa política pública, o que nos permite, compreendendo o processo e seus desdobramentos, pensar em nova pesquisa, cujo delineamento contemple avaliação de resultados e – por que não? – impacto”, prevê.

Pesquisa apresenta visão panorâmica Os cientistas acreditam que o ranking por indicador constitui ferramenta importante, já que possibilita a identificação dos requisitos aos quais os circuitos têm maiores dificuldades de atender, fornecendo subsídios para ações direcionadas. De acordo com a pesquisa, no geral, os circuitos apresentam melhores resultados nos índices ligados ao gestor e à diretoria, enquanto estrutura de funcionamento e requisitos operacionais foram os de menor pontuação. “Atualmente, a Diretoria de Planejamento trabalha na elaboração da matriz de classificação dos circuitos turísticos, que visa, de forma similar ao estudo realizado, identificar os gargalos na gestão de cada associação, visando elaborar projetos mais focados na necessidade de cada uma”, informa Rafael Oliveira.

PROJETO: Políticas públicas de fomento à atividade turística: avaliação dos resultados da implementação da política de circuitos turísticos em Minas Gerais COORdEnAdOR: Afonso Augusto Teixeira de Freitas de Carvalho Lima MOdALIdAdE: Demanda Universal VALOR: R$ 34.724,54

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gEogRafIa

Pesquisadores da PUC Minas investigam motivações e peculiaridades dos grupos de pichadores que lutam pelo “domínio” do hipercentro de Belo Horizonte diogo Brito

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Algumas pessoas a definem, simplesmente, como “coletânea de garranchos”. Para outras, não passa, mesmo, de sujeira. Há, também, quem diga ser uma forma de comunicação, enquanto, para a lei, representa – sem delongas – um crime. Distintamente de todos estes pontos de vista, na visão de dois ex-alunos do curso de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), a pichação representa ótima oportunidade de pesquisa. Que o digam as questões por eles suscitadas como motivações para investigação do tema: qual a diferença entre as áreas de atuação dos diversos grupos de pichadores? Há formação de territórios? E o que dizer dos padrões de estilo? Rodrigo Guedes Braz Ferreira e Sérgio Alves Alcântara foram responsáveis pela primeira – e, até então, única – análise espacial do assunto no país. Sob a supervisão do professor Alexandre Magno Alves Diniz, os estudantes produziram elementos cartográficos da pichação em Belo Horizonte, com base em pesquisa de campo realizada com idas sistemáticas ao hipercentro da capital mineira. As visitas foram feitas durante a semana, mas, também, aos sábados e domingos, para que pudessem catalogar marcas nas portas das lojas, vistas apenas quando fechadas. De acordo com Alexandre Magno, o objetivo do estudo não se restringiu à catalogação dos locais pichados. Buscou-se, ainda, compreender o modo como os espaços são usados para a expressão de indivíduos e grupos. “Estamos vinculados ao Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais do Programa de Pós-Graduação em Geografia da PUC Minas. Logo, a cidade como um todo é nosso objeto de pesquisa: não apenas as construções físicas e as organizações, mas também a maneira como as pessoas se apropriam da cidade”, explica o coordenador do estudo, para quem a pichação revela-se assunto interessante e peculiar: “Trata-se de forma bastante concreta de as pessoas se expressarem na cidade. Foi isso o que nos motivou a realizar o projeto”.

Dominadores

Ao catalogar 2563 intervenções em prédios públicos, monumentos e proprie-

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dades privadas, os pesquisadores concluíram que, na região central de BH, há locais vulneráveis para realização das pichações. Muitas delas são vistas nos mesmos locais, como viadutos, e em volta da Praça Sete, coração da capital mineira. Ao longo do trabalho de campo, descobriu-se, ainda, que os desenhos e grafismos não podem ser interpretados como meros “rabiscos”, feitos de forma desordenada, mas como linguagem própria a definir grupos ou pichadores isolados. No hipercentro de BH, há dois grupos dominadores: os integrantes do chamado “Os melhores de Belô” são responsáveis por 14% das pichações na área, enquanto “Os piores de Belô” produzem 9,7% das intervenções. Os pesquisadores catalogaram diversos grupos atuantes no hipercentro de Belo Horizonte, com destaque para sete “equipes” que, aparentemente, não se revelam organizadas. Existem, porém, os mais “famosos”, que detêm grande domínio entre os pichadores. Os grupos possuem marca e código únicos e, de acordo com Rodrigo Guedes, respeitam-se bastante. “Um pichador não intervém na pichação feita por outro grupo. Nos casos em que isso ocorre, pode haver tensão,” afirma.

Contexto histórico

A pichação iniciou-se, no Brasil, há mais de 40 anos. “Na década de 1970, no Rio de Janeiro, já havia pessoas que usavam a pichação para criar frases subjetivas, buscando fazer com que a população questionasse algo. A prática, contudo, é ainda mais antiga” explica Rodrigo, ao lembrar, por exemplo, que, em outros tempos, quando dois conventos não pactuavam da mesma ideologia, religiosos de um deles pichavam os muros para deixar clara sua contrariedade com o posicionamento da instituição clerical “adversária”. Em contexto urbano mais recente, a pichação surgiu, efetivamente, após a Revolução Industrial, na Inglaterra, no início do século XX. Interessante ressaltar que a fabricação de latas de tintas com novas cores facilitava a prática. No Brasil, os pichadores ganharam notoriedade nos tempos de ditadura militar, quando inter-

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venções de cunho político e social misturavam-se à paisagem das grandes cidades. “Podemos não notar, mas a pichação apresenta um contexto de comunicação entre grupos fechados”, acrescenta Sérgio Alves, ao categorizá-la, também, como atividade política. “Se alguém pichar seu nome numa parede, pode não parecer um ato político. Tal ação, porém, ocorre dentro da cidade, de modo a questionar imposições estabelecidas”, completa Rodrigo.

Pichação versus grafite

Se a pichação, hoje, é crime previsto em lei, o seu “derivado” tradicional, o grafite, parece ser visto com bons olhos pelas autoridades. Realizada, na maior parte dos casos, por ex-pichadores, a prática ganha cada vez mais espaço nos grandes centros urbanos, e, aos poucos, recebe status de obra de arte. Recentemente, a empresa americana Google lançou aplicativo em que, por meio da web, proprietários ofereciam o muro de suas residências ao trabalho dos grafiteiros. O artista, por sua vez, fazia a busca no site para escolher em

qual local desenvolveria sua trabalho. Em seguida, era só fotografar, compartilhar e esperar os comentários. Os pesquisadores da PUC Minas não acreditam que, um dia, a pichação seja compreendida como expressão artística. Para além das questões de arte, de acordo com Sérgio Alves, o que leva os pichadores a realizar intervenções, em primeiro lugar, é a busca por notoriedade e pela demarcação de território. Neste sentido, a escolha pelo hipercentro de uma cidade como Belo Horizonte tem a ver com a busca por visibilidade. A intensa movimentação de pessoas no centro da capital mineira expõe a pichação a mais olhares. Mesmo que não provoquem o contentamento de muitos cidadãos, as intervenções serão vistas não apenas por grande parte da população, mas, principalmente, por outros pichadores. Quem picha apenas dentro de seu bairro não é visto pelos grandes grupos”, ressalta Sérgio Alves, ao lembrar que frases e desenhos são pichados, principalmente, em três níveis: na linha dos olhos, nas marquises e no topo dos prédios.

Quem for pego pichando, em qualquer cidade brasileira, corre o risco de ser condenado de três meses a um ano de prisão. A prática é considerada crime ambiental e, desde 1998, está prevista em lei (Art. 65 da lei nº 9.605/98).

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quação a novas legislações, com impacto direto na forma de uso da terra, foi um dos desafios com que os produtores rurais tiveram de aprender a lidar nas últimas décadas. Somadas a isso, a automatização das lavouras e a mudança no perfil econômico e populacional do país – de agrário para industrial, de rural para urbano – deixaram para trás a imagem bucólica da vida no campo e tornaram a atividade agropecuária um negócio conectado a gama intrincada de fatores.

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Virgínia Fonseca

Instituições mineiras criam sistema de Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas, mecanismo capaz de melhorar desempenho de propriedades rurais do estado

Quem implanta, colhe

agRoNEgóCIo

O Brasil possui cerca de 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupam 36,75% do território nacional, conforme apontou o último censo agropecuário divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006). Se comparado ao recenseamento anterior (1995), esse número mostra queda de 6,7% na área total das propriedades. A redução tem, entre seus possíveis fatores, a criação de novas unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas. Ade-

“O produtor rural é, hoje, protagonista na gestão de sistemas complexos, diversificados, integrados e interdependentes”, analisa o pesquisador em Agroecologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), José Mário Lobo Ferreira. Conciliar eficácia econômica, responsabilidade social e proteção do patrimônio natural – provendo, ao mesmo tempo, serviços para a sociedade – tornou-se questão estratégica e central para a continuidade do negócio. “É conhecida


a dificuldade vivenciada, principalmente pelos agricultores familiares, nos processos de adequação de suas propriedades para atendimento à legislação ambiental e, também, às demais dimensões de sustentabilidade, econômica e social”, revela. Que o diga Carlos Alberto Lima, proprietário de um sítio no Sul de Minas. “Comprei o terreno em 2009 e sempre trabalhei muito, mas o retorno servia, praticamente, para pagar as despesas”, conta. Diante da constatação da necessidade de promover processos educativos e gerenciais para auxiliar os produtores em suas decisões, implantou-se, em Minas, o projeto Adequação Socioeconômica e Ambiental das Propriedades Rurais. Gerida pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), a iniciativa usa a metodologia Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas (ISA), desenvolvida pela Epamig, sob coordenação de José Mário Lobo. Trata-se de sistema integrado para aferição do desempenho econômico, social e ambiental, com o objetivo de auxiliar agricultores na gestão de suas atividades produtivas, bem como do espaço rural, com vistas à sustentabilidade. No total, são considerados 23 indicadores, que abrangem os balanços econômico e social; o gerenciamento do estabelecimento; a qualidade do solo e da água; o manejo dos sistemas de produção e a diversificação da paisagem; além do estado de conservação da vegetação nativa. Valores de zero a um são atribuídos a cada indicador. E a média aritmética simples entre todos eles fornece o índice final do estabelecimento. Considera-se 0,7 o valor de referência para um bom desempenho ambiental, social ou econômico. A análise também assinala pontos críticos, riscos, aspectos positivos e oportunidades de negócio.

Estratégia bilateral

O projeto começou a ser concebido em 2009, a partir do Decreto no 45.166/2009, que regulamenta a Lei no 14.309/2002, por meio da qual é reconhecido o uso da terra nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). Nestes lo-

cais, são necessários manejo e utilização diferenciados, a fim de manter a função ambiental sem perder de vista a manutenção socioeconômica dos produtores. Desde sua criação, o ISA foi aplicado em diversas regiões de Minas Gerais, com o suporte de profissionais especialmente treinados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). De 2009 a 2010, realizaram-se testes iniciais nas regiões da Zona da Mata, Alto Paranaíba, Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha. Em 2011, foi a vez do Sul de Minas, e, no período de 2011 a 2012, novamente, Norte e Sul do estado e Zona da Mata – o que representa um total de, aproximadamente, 500 estabelecimentos visitados. O projeto, que tem como autores José Mário Lobo Ferreira (Epamig), José Ricardo Roseno (Seapa) e Maurício Fernandes (Emater-MG), sob gerência do secretário-adjunto da Seapa, Paulo Romano, conquistou a segunda colocação no 7º Prêmio de Excelência em Gestão Pública do Estado de Minas Gerais, em 2012.

Para o pesquisador da Epamig, a metodologia aplicada soluciona questão importante para os setores agropecuário, florestal e, também, para o produtor rural, ao auxiliá-los na gestão ambiental e socioeconômica de seu empreendimento. O agricultor Carlos Alberto, que recebe orientações do programa desde 2011, confirma: “Hoje, me organizei. O volume de trabalho diminuiu e o retorno financeiro aumentou”. José Mário explica que se trata de fazer com que o aspecto ambiental não seja encarado apenas como entrave, mas como estratégia importante tanto à continuidade do negócio quanto ao fornecimento de produtos com maior qualidade e provimento de serviços ambientais, sem perder de vista os resultados concretos. As informações geradas são úteis para auxiliar o gestor público na identificação de vulnerabilidades socioeconômicas, fragilidades ambientais, entraves e

potencialidades das atividades na região de uma sub-bacia hidrográfica. “Isso favorece a elaboração e o monitoramento de programas específicos de intervenção em áreas ou situações problemáticas, além de iniciativas para adoção de práticas de adequação ambiental e socioeconômica”, explica o pesquisador.

Em ação

O ISA foi concebido para ser aplicado, no estabelecimento rural, no período equivalente a um dia de trabalho. Verifica-se com o produtor, inicialmente, com o auxílio de imagens de satélite – impressas ou no computador – os limites da propriedade, os corpos d’água e nascentes além do uso e ocupação do solo na propriedade e nas áreas adjacentes (lavoura permanente, temporária, pastagem, vegetação nativa, entre outras). O segundo passo é o preenchimento de planilha, por meio de entrevista semiestruturada, e a verificação, no campo, dos sistemas de produção e de fragmentos de vegetação nativa. Quando necessário, recolhem-se amostras de solo para análise em laboratório. Também é realizada a avaliação da qualidade da água superficial e dos ecossistemas aquáticos. Verifica-se, por fim, com o produtor, se a reserva legal e a regularização do uso da água e dos empreendimentos estão em conformidade com a legislação. Com base nos dados obtidos, por meio de técnicas de geoprocessamento, os estudiosos geram o mapa do estabelecimento agropecuário – que contém a identificação das APPs, o uso e a ocupação do solo –, com uma série de informações a serem usadas no preenchimento dos indicadores. Um quadro sintético dos dados gerais do estabelecimento também é constituído. “Essa base pode ser utilizada para geração de relatórios agregados sobre diversos estabelecimentos, em determinada bacia hidrográfica ou região”, explica José Mário. O coordenador acrescenta que certos fatores precisam ser observados para o planejamento das atividades de campo e, sobretudo, para auxiliar na contextualização das informações geradas. É fundamental a caracterização da região e da

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sub-bacia hidrográfica, quanto a aspectos como hidrografia, geomorfologia, vegetação nativa, clima, solos, levantamento das fragilidades ambientais, vulnerabilidades socioeconômicas, índices de produtividade locais e preços de venda dos principais produtos agrícolas, pecuários e florestais. A partir dessas informações, produtor e técnico desenvolvem plano de ação com metas, para priorizar atitudes que revertam ou minimizem fragilidades identificadas, como a necessidade de tratamento de efluentes e resíduos gerados no estabelecimento, a prevenção da erosão do solo e a recuperação de áreas degradadas. Ao considerar todo o cenário, o ISA permite captar variações inter e intrarregionais, relacionadas a diferentes padrões de manejo e a sistemas de produção e gestão das propriedades. “Observa-se que tais particularidades, nos aspectos sociais, econômicos e ambientais, irão refletir nos resultados da aferição do desempenho ambiental e socioeconômico dos estabelecimentos rurais, como renda monetária dos produtores, acesso à terra e proporção das APPs”, destaca José Mário, ao acrescentar que programas de governo direcionados à adequação socioeconômica e ambiental de estabelecimentos rurais deverão considerar estas especificidades locais na elaboração de planos de ação.

Na Zona da Mata, por exemplo, os estabelecimentos do município de Araponga são relativamente pequenos e parte considerável encontra-se em APPs (21,6%). Apesar disso, as propriedades com manejo agroecológico de cafezais apresentaram indicadores superiores àqueles tradicionais, com predomínio de pastagens degradadas (índices gerais de sustentabilidade entre 0,52 e 0,80). Já em Iraí de Minas, no Alto Paranaíba, os resultados refletiram uma agricultura de alta tecnologia e rendimento, com os consequentes impactos econômicos e ambientais (de 0,64 a 0,68). Diamantina e Montes Claros, no Norte, por sua vez, mostraram resultados que refletem a condição particular relativa aos reassentamentos de famílias deslocadas em fase de readaptação (de 0,63 a 0,75).

Aperfeiçoamento

Desde 2009, o sistema passou por diversos avanços, com auxílio de especialistas, que participaram de oficinas promovidas pelo projeto de pesquisa. Equipes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e da Emater-MG colaboraram para o desenvolvimento de um mecanismo mais funcional, menos complexo e que proporciona autonomia ao técnico durante as visitas. A análise da qualidade da água também

oRIENTação Do EsTaDo + oRgaNIzação Do agRICUlToR = gaNho PaRa a ComUNIDaDE Carlos Alberto Lima e sua esposa, Claudete América Rodrigues, trabalham juntos na manutenção do sítio Limeira, em Boa Esperança, no Sul de Minas Gerais. A propriedade, com 16 hectares, foi adquirida há quatro anos – anteriormente, Carlos Alberto já trabalhava na produção leiteira, mas como empregado. Ele conta que, quando começou no próprio terreno, não tinha orientação e, por isso, conseguia lucro anual restrito. A implantação do programa, em 2011, mudou sua perspectiva. O grupo de técnicos do projeto ajudou a organizar aspectos diversos. “Eles ensinaram não só como obter boa qualidade na produção do leite, mas, também, algo sobre qualidade de vida”, relata Carlos Alberto. As questões ambientais, referentes ao uso dos recursos hídricos e ao preparo do lixo para descarte, chamaram sua atenção. “Tive mais lucro com a preservação do que antes. As águas aumentaram. Eu usava 15% da disponibilidade e, agora, gasto 8% e ainda forneço para outros 12 estabelecimentos vizinhos, incluindo uma escola da prefeitura”. O produtor destaca que, assim, todos saíram ganhando. Com o progresso em vários aspectos avaliados, o sítio tornou-se referência e recebe, constantemente, visitantes interessados em conhecer a evolução proporcionada pelo ISA. “Depois que me organizei, com menos trabalho, consigo mais retorno. Tenho ordenha mecânica, casa no sítio e acabo de adquirir uma caminhonete como nunca imaginei”, comemora.

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foi simplificada, de forma a se obter boa sensibilidade e atender questões relativas a custo, facilidade de aplicação e robustez. A proposta é oferecer qualificação para os técnicos que usarão a ferramenta junto aos produtores. Nesse sentido, segundo José Mario, o Governo pretende capacitar profissionais da Emater e de outras instituições, além de profissionais da iniciativa privada, para auxiliar no processo de regularização ambiental das propriedades e criar políticas, programas e projetos de auxílio à adoção de boas práticas de conservação do solo, da água e da biodiversidade. Também se pretende reconhecer e premiar as propriedades que apresentarem bom desempenho ambiental e socioeconômico. São parceiros da iniciativa, além da Emater-MG, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Fundação João Pinheiro. O projeto de pesquisa foi financiado pela FAPEMIG, com apoio da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, da Seapa e da Semad. Os estudos também originaram o livro Indicadores de sustentabilidade em sistemas de produção agrícola, lançado em 2010, a partir de trabalhos apresentados em workshop, que serviu como base para iniciar a elaboração do sistema ISA.

PROJETO: Avaliação do desempenho ambiental e socioeconômico de estabelecimentos agropecuários COORdEnAdOR: José Mário Lobo Ferreira MOdALIdAdE: Programa Endogovernamental VALOR: R$ 197.475,00 PROJETO: Identificação de indicadores e ajuste de instrumentos para serem integrados às metodologias de avaliação da sustentabilidade de atividades agrícolas COORdEnAdOR: José Mário Lobo Ferreira MOdALIdAdE: Auxílio Especial VALOR: R$ 171.769,00


squeeze Pesquisa analisa uso de permeados da ultrafiltração de leite no desenvolvimento dos chamados “repositores hidrolíticos”, bebidas comuns nas garrafinhas dos esportistas William Ferraz

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TECNologIa DE alImENTos

Da vaca ao


Qualidade de vida e sustentabilidade são alguns dos temas de maior debate no mundo contemporâneo. Entre os brasileiros, as preocupações características da “geração saúde” parecem também mais evidentes. Que o diga a disseminação de “ideias verdes” e hábitos saudáveis, importantes por promover verdadeira revolução nos cardápios, perfis de consumo, cenários urbanos e estilo de comportamento da nação. O leitor conseguiria imaginar uma linha de pesquisa capaz de agregar, num só produto – no caso, derivado do leite –, tantos conceitos e expectativas? Eis o desafio a que se lançou um grupo de pesquisadores do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Viçosa (UFV). O projeto apresenta dualidade de propostas: propiciar o proveito integral do leite usado na produção de queijo e minimizar, em consequência, os impactos ambientais gerados pelo descarte dos resíduos orgânicos resultantes do processo, conforme explica a coordenadora da iniciativa e doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Edimar Aparecida Filomeno Fontes: “Ao final da fabricação do queijo, restam compostos de alto valor biológico no soro de leite. Mesmo com aplicação prática desse co-produto da indústria de laticínio, grande parte desse material acaba despejado em redes de saneamento, e, por ser rico em matéria orgânica, é cerca de 20 vezes mais poluente do que o esgoto doméstico”, explica. A produção do queijo consiste na separação dos componentes lácteos, processo que dá origem a dois distintos derivados: o coalho – porção sólida usada durante a fabricação de queijo – e o soro,

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líquido que detém mais da metade dos nutrientes do leite, representados por proteínas, sais, vitaminas, lactose e enzimas. Há algumas décadas, tudo era descartado, por indisponibilidade de recursos tecnológicos para aproveitamento dos componentes, o que gerava grande disparidade entre produto e rejeito. “Em média, seis litros de leite produzem um quilo de queijo. O material restante acabava eliminado, gerando enorme volume de detritos orgânicos”, explica a coordenadora. Avanços científicos na indústria dos laticínios possibilitaram o uso e a aplicação de técnicas especiais de filtragem do leite, processo conhecido como ultrafiltração. Por meio de tal técnica, membranas sintéticas de escalas microscópicas atuam como barreira seletiva de materiais, que acabam retidos conforme tamanho, volume etc. Por ultrafiltração, são retidas as moléculas de proteína restantes no líquido, formando o retentado. “Esse procedimento tornou possível o isolamento das proteínas do leite e, também, do soro, abrindo portas para uma gama de aplicações na indústria alimentícia, seja no enriquecimento do valor proteico de alimentos ou no uso, como base, de produtos para suplementação alimentar”, esclarece Edimar Fontes, ao lembrar, porém, que significativa parcela dos chamados “permeados” do líquido –

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Além da criadora do projeto, os estudos envolvem Antônio Fernandes de Carvalho, mestre em Ciências Alimentares, Paulo Cesar Stringheta, doutor em Tecnologia de alimentos na área de corantes naturais, e Rachel Campos Sabioni, estudante de iniciação científica em Engenharia de Alimentos.

rica em lactose, sais minerais e vitaminas hidrossolúveis, com destaque para as riboflavinas, pertencentes ao complexo B – não encontra, ainda hoje, destinação adequada. “Sem reutilização, seu destino final ainda são as redes fluviais sanitárias”, conclui. Segundo a coordenadora, esse foi o ponto do qual partiram suas investigações: ao perceber o paradoxo entre o proveitoso valor nutricional dos derivados do leite e seu potencial de degradação ao meio ambiente, Edimar visualizou certa solução prática para o problema. A resposta estava, exatamente, na composição dos “permeados”, que, naturalmente, reúnem todos os nutrientes a compor as bebidas hidrolíticas e com potencial na elaboração de isotônicos, largamente usados por praticantes de atividades físicas e, às vezes, prescritos para o tratamento de casos de desidratação, principalmente, em crianças. “A aplicação do permeado como base para formulação de isotônicos é um método eficaz e econômico, pois praticamente dispensa o processo de formulação química da bebida, uma vez que os permeados contêm componentes naturais e nutritivos do leite”, explica.

Cores e aromas Os primeiros testes foram realizados em 2008, quando Edimar Fontes lecionava no Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Pomba. O experimento inicial buscava apenas a elaboração de bebida à base de permeado. Já à época, os resultados demonstravam que o conceito seria aplicável. Hoje, os estudos progrediram a uma etapa multidisciplinar. “Verificamos que a osmolaridade {quantidade de partículas dissolvidas em um solvente}


apresentada pelo produto poderia ser aplicável na formulação de bebidas com características isotônicas. No momento, estudamos a utilização de corantes a partir de fontes naturais, conferindo características de cor à bebida”, conta. Os permeados possuem, naturalmente, certa coloração esverdeada, devido à alta concentração de vitaminas do complexo B – em especial, as riboflavinas (também conhecidas como lactoflavinas ou vitaminas B2), importantes para a saúde das mucosas, da pele e dos cabelos. “Com referência na coloração adquirida, que se assemelha a bebidas de derivação cítrica, aplicamos aroma de limão ao produto, atribuindo sensação gustativa a seu aspecto visual”, esclarece a pesquisadora. A aplicação mercadológica do produto, entretanto, deu razão a uma nova linha de pesquisas. “O comprador não tem interesse de consumir, em larga escala, um produto comercializado apenas em um sabor. Por isso, iniciamos os testes para dar outras cores e aromas à bebida. Já que se trata de artigo diretamente ligado à área de esportes, pensamos em aplicar corantes plenamente naturais”, comenta Rachel Sabioni, estudante de Iniciação Científica em Engenharia de Alimentos e integrante das pesquisas. “No

momento, conduzimos experimentos para dar à bebida certa tonalidade vermelha. Para tanto, usamos como base o açaí, fruta rica em antocianina, substância que carrega grandes quantidades de pigmentos dessa cor”, completa Edimar. Muitos outros estudos, contudo, serão necessários. A ausência de conservantes artificiais, por exemplo, faz com que, ao longo do tempo, o produto ainda apresente perda de coloração, em exposição à temperatura ambiente. O desafio é oferecer ao produto a mesma sobrevida de um corante artificial, sem que haja necessidade de substâncias sintéticas. “O produto recebe apenas a adição de conservante químico na fórmula, com a finalidade de inibir o desenvolvimento de fungos e microrganismos”, relata a coordenadora do projeto. A pesquisa também revela que o uso de corantes de origem natural pode ampliar os benefícios oferecidos pela bebida. Segundo os especialistas, o corante extraído do açaí apresentou propriedades antioxidantes na fase in vitro. Apesar do estágio avançado dos estudos, Edimar Fontes afirma que esportistas de plantão precisarão aguardar um bom tempo para provar esta nova e promissora bebida: “A aplicabilidade segura do produto ainda requer uma série de análises e estudos”.

PROJETO: Elaboração de bebida isotônica à base de permeado obtido pela ultrafiltração do soro de leite COORdEnAdORA: Edimar Aparecida Filomeno Fontes MOdALIdAdE: Demanda Universal VALOR: R$ 14.794,00

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bIoDEsIgN

Vencedora do Prêmio Jovem Cientista 2012, estudante mineira participa do desenvolvimento de tecido inteligente, capaz de amenizar aumento de temperatura do corpo Rodrigo Valadares

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Polímeros são compostos químicos de elevada massa molecular relativa, resultantes de reações químicas de polimerização. O chamado “complexo polimérico” forma-se quando há condições para que ocorra interação entre dois polímeros, principalmente, por meio de ligações de hidrogênio.

Esportistas, pacientes hospitalizados ou trabalhadores da construção civil costumam sofrer com o excessivo calor dos dias quentes. A desagradável sensação que tais pessoas experimentam, contudo, pode estar com os dias contados. A estudante de Design de Produtos Priscila Ariane Loschi, da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), desenvolveu um tecido inteligente – formado por dois polímeros, o PEG e o PCM –, capaz de se alterar do estado sólido para o líquido. Orientada pela professora Eliane Ayres, a pesquisa do novo material foi vencedora do 26º Prêmio Jovem Cientista (2012), promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O estudo concorreu com mais de dois mil projetos, elaborados por pesquisadores que haviam sido desafiados a pensar em como o esporte pode mudar a vida das pessoas, tendo em vista, princi-

palmente, a realização, no Brasil, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas 2016. Para Priscila Loschi, o maior desafio da investigação foi lidar com disciplinas diferentes do design, como Química, Física e Matemática, todas essenciais em seus experimentos. “Tal etapa revelou-se desafiadora, mas bem prazerosa. Compreender o processo de desenvolvimento da pesquisa foi importante para que o projeto tomasse um caminho mais interessante e obtivesse resultados satisfatórios”, lembra. O processo de formação do polímero “por trás” do tecido inteligente – o polietileno glicol ou PEG – assemelha-se aos efeitos das pedras de gelo numa bebida: à medida que passa do estado sólido para o líquido, o gelo absorve o calor e resfria o líquido, mantendo-o por mais tempo na temperatura desejada. No caso do material criado pela pesquisadora, “para que o polímero não escorresse das tramas do tecido,

Prêmio estimula vocação científica Sob o tema “Inovação Tecnológica nos Esportes”, a 26ª edição do Prêmio Jovem Cientista, promovido pelo CNPq, premiou jovens talentos de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Todos apresentaram pesquisas voltadas aos avanços tecnológicos, sociais e econômicos das atividades esportivas, com vistas à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016. A tecnologia e a ciência têm muito a contribuir para o desenvolvimento de eventos de tal magnitude. “Calçados de alto impacto, roupas de garrafa pet, próteses cada vez mais leves: eis alguns dos exemplos a afirmar que nosso objetivo também é contribuir para que os atletas consigam melhorar seu rendimento. No caso de minha pesquisa, por meio de uma roupa inteligente”, lembra Priscila Loschi. Nascida em Barbacena, na Zona da Mata Mineira, a pesquisadora é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Incentivo em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – PIBIT/UEMG/CNPq – e, em seu estudo, também recebeu apoio da FAPEMIG. “A UEMG contribuiu com as análises de termografia, o que, a meu ver, foi o principal fator que levou o projeto a vencer o Prêmio Jovem Cientista”, ressalta a professora Eliane Ayres. Priscila conta que recebeu o prêmio com imensa surpresa. “Afinal, sabemos que existem muitos trabalhos de alta qualidade em todo o Brasil.” Sua orientadora ressalta que o título também serve de motivação aos colegas da estudante. “Já temos vários alunos interessados em desenvolver projetos que possam concorrer ao prêmio em 2013”. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013

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ao mudar de fase, foi necessário usar outro elemento, capaz de prender a solução nas fibras”, explica. Vários, contudo, são os materiais que podem ser usados. Na pesquisa, Priscila recorreu, como já ressaltado, ao PEG, polímero que, embora não seja um derivado de fonte renovável, revela-se completamente atóxico e biocompatível – isto é, não causa irritação quando em contato com a pele. Além disso, trata-se de polietileno bastante adequado ao caso, pois que sua mudança de fase, de sólido a líquido, ocorre sob temperatura determinada. “Dessa maneira, se o corpo se aquecer acima dessa temperatura – em uma atividade física, por exemplo –, o PEG torna-se líquido, absorvendo, assim, todo o calor extra”, explica Priscila. Por outro lado, à medida que a pele se resfria,

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Trata-se do produto da polimerização de um ácido, que pode ser obtido tanto a partir da cana de açúcar, por meio de rota química, quanto de fermentação pelo fungo Aspergillus terreus. O produto, portanto, deriva de fonte renovável, que se encaixa perfeitamente no conceito de sustentabilidade. o calor é liberado e o PCM torna-se sólido novamente. “As pessoas se sentirão mais confortáveis, independentemente da atividade que realizem ou da estação do ano”, completa. Para examinar o efeito termorregulador das amostras de tecidos modificados, foi usada a técnica de termografia por infravermelho (IR), com auxílio de câmera termográfica, que capta, por meio de lentes

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intercambiáveis, a radiação infravermelha emitida pelo objeto analisado, decodificando-a em cores. A variação das temperaturas – das mais altas às mais baixas – apresenta-se, respectivamente, em branco, vermelho, amarelo, verde e azul.

Modos de usar Para a composição do tecido inteligente, foram usados compostos renováveis, como o amido hidrolisado e o melaço de cana. “Um dos polímeros usados para formação do complexo pode ser sintetizado por um fungo, por meio da fermentação de fontes vegetais”, esclarece a professora Eliane Ayres, orientadora da pesquisa. Depois de colocado no mercado, há expectativa de que o produto ofereça conforto aos usuários. A princípio, será destinado a esportistas. A inovação, porém,


também pode ser estendida a pacientes que aguardam a recuperação em hospitais ou, até mesmo, àqueles que trabalham sob sol forte. “O material é basicamente um dispositivo de armazenamento de energia, de calor. Durante a mudança de fases, o material libera ou retira calor, conforme a variação da temperatura. Nesse caso, o tecido com tal tratamento controla o microclima entre o tecido e a pele do usuário e não deixa que ele sofra desconforto com as variações de temperatura”, explica Eliane Ayres. Fator importante da pesquisa está, justamente, nas diversas possibilidades de aplicações. Priscila Loschi destaca que, além dos atletas que buscam otimização em seus exercícios, o produto, além de servir a funcionários que lidam diariamente com altas temperaturas, pode ser usado no revestimento de automóveis ou

na construção civil. A estudante explica, ainda, que a inovação aplicada ao setor têxtil entra em convergência com as necessidades, cada vez mais frequentes, da população, que busca conforto térmico em suas vestimentas. Apesar de sua vasta aplicabilidade, é difícil definir data exata para que o tecido chegue ao mercado consumidor. O CNPq ofereceu outra bolsa à pesquisadora, para que continue o desenvolvimento do produto – o que já está sendo feito, segundo a professora Eliane Ayres. “Para que o tecido chegue ao mercado, teremos que trabalhar em parceria com a indústria têxtil”, explica a professora, ao lembrar que, apesar de já existirem interessados no projeto, a dificuldade fica por conta da “tímida” interação entre os meios acadêmico e empresarial. “Isso precisa melhorar, para que mais pesquisas saiam das universidades”, conclui.

PROJETO: Materiais de mudança de fases aplicados no design de tecidos inteligentes COORdEnAdORA: Eliane Ayres MOdALIdAdE: Programa Pesquisador Mineiro VALOR: R$ 15.000,00

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lITERaTURa

ande Sertão abordará Gr do a di pé lo cic En s, te on Concebida na Unim ementos presentes na el s tro ou e os ism or af , os significados de topônim Rosa obra-prima de Guimarães Maurício Guilherme Silva Jr. “Semelhante não foi, quando um homem, Rudugério de Freitas, dos Freitas ruivos da Água-Alimpada, mandou obrigado um filho dele ir matar outro, buscar para matarem, esse outro, que roubou sacrário de ouro da igreja da Abadia”. Afora o suspense inerente à cena de vingança e morte, magistralmente descrita por João Guimarães Rosa (1908-1967) em seu Grande sertão: veredas, salta aos olhos de certos pesquisadores um curioso topônimo – nome próprio de lugar –, cuja análise é capaz de revelar saborosas nuances históricas e tradicionais das Minas Gerais. Por sob o “véu” das nomenclaturas, afinal, esconde-se uma série de mistérios, saberes e maravilhas. Que o digam as in-

formações relativas ao singelo “hidrotopônimo” Água-Alimpada, usado neste trecho por Rosa, tão somente, para descrever a terra de origem dos Freitas de cabelo avermelhado: “(Arraial/vila/povoado). Localização: Abadia dos Dourados/MG (IBGE). Etimologia: corruptela de Água Limpa. Água, do latim áqua; líquido incolor, inodoro e insípido, essencial à vida. Alimpada (a- + limp- + -ada), de limpo – limp + -a, do latim limpĭdus; claro, transparente, sem manchas”. A minúcia dos dados relativos ao vocábulo é reveladora dos esforços do projeto interdisciplinar que, de 2009 a 2012, reuniu pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) –

ligados a áreas diversas do conhecimento –, com o intuito de elencar e interpretar os conceitos, a cartografia fluvial e os topônimos do sertão mineiro, além dos aforismos e das discussões filosóficas presentes na obra-prima de Guimarães Rosa. A partir de criteriosas leituras do livro – assim como da fortuna crítica relativa a temas em destaque –, seguiu-se à criação de verbetes e imagens que, até 2015, acabarão reunidos numa espécie de enciclopédia. “No caso de certos verbetes, o leitor não apenas terá acesso à história toponímica de Minas Gerais, mas também ao processo de colonização do estado. Além disso, tomará conhecimento do procedimento criativo de Rosa”, explica Telma Borges

A segunda etapa do projeto, em vigor desde março deste ano e responsável pela concretização do projeto Enciclopédia do Grande Sertão, contará com apoio financeiro da FAPEMIG até 2015.

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da Silva, professora do Departamento de Comunicação e Letras da Unimontes e coordenadora do projeto interdisciplinar, que conta com a dedicação de especialistas das áreas de Literatura, Linguística, Geografia e Filosofia. A interdisciplinaridade do estudo, aliás, não se restringe a formalidades metodológicas. O que a justifica são a riqueza dos verbetes do Grande sertão e a polissêmica ourivesaria literária de Guimarães Rosa, elementos que tornam complexa a “arqueologia de sentidos” a cargo dos pesquisadores – trabalho muito mais extenso (e intenso) do que a mera identificação de dados históricos e cartográficos. Telma Borges lembra, por exemplo, que, no caso do citado termo Água-Alimpada, o escritor mineiro inverte a definição “para água suja, ao utilizar o ‘a’, não como partícula expletiva, mas de negação, fazendo recair sobre os sujeitos dessa localidade, como os Freitas, o estigma da maldade, já que o filho vai atrás do irmão, mas juntos decidem que quem deve morrer é o pai”. Devido ao vasto volume de informações a serem reunidas num único verbete, é bem possível que – quando o público puder acessar a enciclopédia – o material recolhido e interpretado pelos pesquisadores vá servir não apenas de fonte de consulta para distintas áreas do saber, mas também, e principalmente, acabe por estimular o interesse de muitas pessoas quanto a novas descobertas sobre o “emaranhado sertão rosiano”.

Escassez de livros A ideia da pesquisa nasceu em 2006, após a participação da professora Telma Borges na chamada “Expedição Caminhos dos Gerais”, promovida pelas secretarias de Meio Ambiente e de Cultura de Montes Claros. Na ocasião, ao longo de sete dias, os integrantes do evento dedicaram-se a um dos quatro roteiros descritos por Rosa em Grande sertão: veredas. Como resultado da experiência, a pesquisadora seria solicitada a produzir um documentário sobre o trajeto. “Em diversas cidades por onde passei, as pessoas faziam questão de demonstrar conhecimento sobre o romance e a obra de Guimarães Rosa. Poucas, contudo, tinham acesso ao livro, cujos

exemplares nem sempre constavam das bibliotecas escolares”, conta. Nas instituições de ensino, os volumes da obra – quando os havia – eram pouquíssimos se comparados à enorme vontade de leitura de alunos e professores. “Essa carência de livros me incomodava. Por isso, iniciei uma campanha, que, infelizmente, não deu certo. Pensei, então, em desenvolver um projeto capaz de render material acessível à comunidade acadêmica e às pessoas em geral”, lembra a professora. De tal desejo nasceria a proposta de um glossário crítico sobre o livro – concepção que, com o passar do tempo, devido ao surgimento de outras tantas boas ideias e do interesse de muitas pessoas por participar da iniciativa, acabou por se expandir: “Ao invés do glossário, resolvemos criar uma enciclopédia”. Até quando se encerrou a primeira etapa do estudo, os pesquisadores investigaram a cartografia fluvial do Grande sertão: veredas, realizaram o levantamento de aforismos e assinalaram “cenas filosóficas” e entradas da palavra “sertão” na obra. Para cada item, produziram um grande verbete, além de séries de imagens – não apenas dos mapas, produzidos a partir da Geografia, mas, também, de fotografias da região. “Por enquanto, a pretensão do grupo é publicar livros, além, é claro, de manter a enciclopédia na internet”, esclarece Telma. Em 2013, deverá sair o livro sobre os topônimos, material sob coordenação da professora Patrícia Goulart Tondineli. A obra conterá 467 vocábulos, cada um com significado, localização, histórico e etimologia da palavra.

lavra “sertão”, como conceito, é citada 64 vezes no romance. No “universo” da pesquisa, as recorrências ao termo foram agrupadas em 4 categorias: sertão geográfico; histórico-sociológico, metafórico e metafísico. Já o grupo responsável pelos aforismos detectou 516 entradas e preparou um verbete com base nas considerações de Friedrich Schlegel e Novalis. No caso dos topônimos, foram catalogados 467 registros, já em fase adiantada de organização para edição em livro.

Para tais autores, conforme explica Telma Borges, o aforismo seria, antes de tudo, “uma semente, um grão seminal que não se acaba em si mesmo, mas abre as portas à sua decifração. Trata-se de algo como um conselho, como a resposta de um oráculo que deve ser pensada e decifrada. Isso implica em relativizar a serventia do aforismo nos primórdios e em seu uso, por assim dizer, mais atualizado”.

Estatística “rosiana” Com base no depoimento do próprio Guimarães Rosa, concedido a uma revista brasileira, de que sua literatura seria compreendida em 700 anos, os pesquisadores resolveram trilhar o que a professora Telma Borges chama de “ínfimo percurso”: “Apesar disso, já é possível vislumbrar alguns frutos ao longo de tal longa travessia. Em termos numéricos, conseguimos visualizar e sistematizar uma série de verbetes”, afirma, ao destacar, por exemplo, que a pa-

PROJETO: Pelo sertão: geografia, aforismos e filosofia na obra de João Guimarães Rosa COORdEnAdOR: Telma Borges da Silva MOdALIdAdE: Edital universal VALOR: R$ 23.070,00

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ECologIa

Do pó à semente Uso de espécies locais e de substrato já existente na área degradada proporciona viabilidade financeira e ecológica aos processos de revegetação de regiões mineradas Virgínia Fonseca No final do Período Neolítico, cerca de 3.000 anos a.C., o homem começou a dominar as técnicas de uso dos metais para produzir instrumentos. Séculos se sucederam e, hoje, é impensável o mundo sem a tecnologia originada desses materiais. Como exercício de imaginação, olhe a seu redor, caro leitor, e tente visualizar o ambiente onde se encontra sem a presen-

ça de máquinas e objetos derivados, por exemplo, do aço: nada de carros, de eletrodomésticos da chamada “linha branca” ou de utensílios de cozinha. Dá para conceber a vida assim? A verdade é que todas essas facilidades têm seu preço. Os danos causados ao meio ambiente pela mineração constituem alvo constante de críticas por parte de dife-

Área de aproximadamente 7 mil km2, localizada no Centro-Sul de Minas Gerais, abrange BH e diversos municípios próximos. No cenário internacional, destaca-se pela produção de minérios como ferro, ouro e manganês.

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rentes setores da sociedade. Com vistas a minimizar esses impactos, pesquisadores de todo o país dedicam-se ao estudo de alternativas sustentáveis. Em Minas Gerais, especialistas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) estudam o desenvolvimento de técnicas de baixo custo para a recuperação de áreas degradadas, especificamente, no Quadrilátero Ferrífero.


O estado é o maior produtor de minério de ferro do Brasil – 67% do total nacional – e ocupa a segunda posição no caso da bauxita – 14%, atrás do Pará (85%). Destaca-se, neste cenário, o Quadrilátero Ferrífero, responsável pela quase totalidade da produção mineira. Até 2006, segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a região contava com, aproximadamente, 50 minas a céu aberto, sendo uma das áreas mais afetadas pelos efeitos da exploração. A remoção da vegetação e da camada superior de solo das jazidas expõe grandes superfícies de material com altas concentrações de metais pesados, sujeitos à ação de fatores como chuvas e ventos. Há, portanto, considerável potencial de contágio de recursos hídricos, da atmosfera e, consequentemente, de todos os ambientes atingidos pelas massas de ar contaminadas. Professora do Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas da Ufop, Alessandra Rodrigues Kozovits explica: enquanto a contaminação dos recursos hídricos traz impactos locais ou regionais, as consequências do enriquecimento da atmosfera, com poeiras e gases derivados das atividades mineradoras, podem atingir distâncias consideráveis. Para minimizar o problema, as mineradoras precisam realizar o recobrimento das áreas expostas. “Isso, muitas vezes, é feito com plantio de espécies vegetais que, em geral, não são nativas da região”, comenta a docente, que coordena o projeto de recuperação desenvolvido pela Universidade. Como as empresas raramente estocam o material retirado da camada superficial durante a extração das jazidas – ou, quando o fazem, procedem de maneira inadequada –, o processo de recuperação, aponta Alessandra, é dificultado. Sem esse solo, as mineradoras necessitam de vultosos investimentos para conseguir substrato que permita o plantio de mudas ou de sementes. Além disso, devido à falta de dados disponíveis sobre o potencial das plantas nativas para a revegetação dessas áreas, usam-se, na maioria das vezes, algumas poucas espécies exóticas. “Essa opção acarreta altos custos de plantio e

manutenção, pois é preciso constante manejo, correção de pH, aplicação de fertilizantes, controle de pragas e irrigação”, detalha a pesquisadora. Por fim, tais espécies não recompõem a paisagem original e, portanto, não permitem a restauração do ecossistema local.

Paisagem reconstituída

Para resolver tantas questões, o grupo envolvido no projeto desenvolve duas frentes de trabalho: transformar materiais presentes na área impactada pela mineração em substratos para o estabelecimento da vegetação e, ao mesmo tempo, investigar o potencial de espécies nativas de ecossistemas do Quadrilátero Ferrífero – a exemplo dos campos ferruginosos –, para cultivo nos substratos testados. A ideia é encontrar espécies nativas que suportem as condições iniciais de plantio com o mínimo possível de manejo, ou seja, sem exigências de correção de solos, aplicações de fertilizantes e irrigação contínua. Espera-se, por meio do uso de recurso local já existente e da redução dos tratos, diminuir significativamente o custo do processo de revegetação. Em longo prazo, os estudiosos acreditam que as espécies plantadas possam melhorar as condições de solo e fitoestabilizar metais em seus tecidos, facilitando, assim, o estabelecimento de outras plantas nativas. No estudo conduzido pela equipe de Alessandra, os cientistas trabalham em local de pós-mineração de bauxita, no qual a laterita é a única camada disponível. Blocos do material são coletados e triturados para produzir substrato com textura

A camada superficial extraída em áreas mineradas é chamada de topsoil. Trata-se de parte do perfil de solo que concentra matéria orgânica, grande diversidade de organismos e banco de sementes. Abaixo do topsoil, vários metros de material sem valor comercial (estéreis) também são retirados, até que alcancem as camadas de rocha que contêm os minérios de interesse.

Produto residual enrijecido, derivado da alteração intempérica de diferentes rochas, que, em climas úmidos e tropicais, perdem parte de seus elementos. Formada, principalmente, por hidróxidos de ferro e de alumínio, a literita também recebe outros nomes: quando rica em ferro, é chamada de canga; quando repleta de alumínio, torna-se bauxita.

semelhante àquela encontrada nos solos dos campos ferruginosos que margeiam a região. “Antes de tudo, é importante conhecer a granulometria das camadas superficiais das áreas nativas desse ecossistema”, pontua. O processo melhora as condições físicas do substrato, de forma a facilitar as trocas gasosas e hídricas com a vegetação e a atmosfera, além de permitir o crescimento de raízes. Amostras de laterita triturada e de topsoil são, então, distribuídas em porções de 50 x 50 cm, delimitadas por tábuas de madeira de 10 cm de altura. Cada cercado recebe uma muda de candeia (Eremanthus erythorpappus) com cerca de três meses de idade. Mensalmente, avaliam-se as taxas de crescimento da planta em altura e em diâmetro. Número de folhas e danos causados por herbívoros são outros parâmetros mensurados. A coordenadora destaca que o projeto não inclui aplicações de corretivos de solo e de fertilizantes ou controle de pragas. No primeiro teste, as plântulas foram regadas com 500 ml de água, uma vez por semana, ao longo da estação seca – já no experimento atual, nenhuma irrigação tem sido usada. As investigações incluem, também, análise comparativa com plantas da mesma espécie cultivadas em topsoil recolhido nos campos ferruginosos da região. No início da experiência, antes do plantio, testes determinam a concentração de elementos em amostras de folhas, caules e raízes das mudas. Um ano depois, repete-se o exame nas candeias que cresceram nos dois substratos avaliados, para verificar seu potencial de bioacumulação de metais.

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Os pesquisadores escolheram trabalhar, inicialmente, com a candeia, por se tratar de espécie arbórea comumente encontrada nos campos ferruginosos de Minas Gerais e bastante usada, com fins diversos, pelas populações locais. A espécie mostrou-se promissora no que diz respeito ao plantio em áreas de bauxita pós-mineração, com índice de sobrevivência superior a 90% em todos os substratos testados e altas concentrações de certos metais em seus tecidos. “Como esperado, encontramos maiores taxas de crescimento relativo em plantas cultivadas no topsoil. Por outro lado, a simples trituração da laterita aumentou o crescimento em altura, por exemplo, em 190%, comparativamente às plantas do material não triturado”, conta a professora. Agora, o grupo mensura a concentração de metais em folhas de 20 espécies lenhosas dos campos ferruginosos e dos solos onde estão plantadas. “Pretendemos verificar se o solo sob plantas que acumulam maiores concentrações de metais é também mais enriquecido com certos elementos, o que poderia dificultar o estabelecimento de espécies sensíveis à presença desses metais”, adianta. A coordenadora esclarece que esse estudo é importante

Naiara Machado

Pela diversidade

Espécies como a candeia poderiam, em logo prazo, facilitar o estabelecimento de outras plantas nativas

para indicar se o plantio de determinada vegetação poderia facilitar ou dificultar a sucessão ecológica das áreas degradadas. “Embora a candeia tenha apresentado bons resultados de crescimento na laterita triturada e no topsoil, ainda não sabemos se ela permitiria o estabelecimento de novas espécies ao seu redor”, completa. Segundo a coordenadora, nenhum projeto de restauração ecológica deve usar espécie única. Os campos ferruginosos são ecossistemas de alta variedade florística, estrutural e funcional. “Quanto mais nos aproximarmos de tal diversidade, maior será a chance de sucesso,

não somente para a simples cobertura do substrato, mas, principalmente, para restauração dos processos ecossistêmicos”, avalia. Alessandra espera testar, em breve, o crescimento de outras espécies nativas, associadas ou não à candeia. “Por outro lado, para fins comerciais, talvez monoculturas de candeia possam ser estabelecidas em áreas degradadas pela mineração”, sugere. Atualmente, novos experimentos estão em campo para testar a eficiência de outras granulometrias, que sejam mais facilmente produzidas, de forma a tornar a técnica cada vez menos dispendiosa.

Núcleo reúne iniciativas Na Universidade Federal de Lavras (Ufla), estudiosos também se dedicam ao tema, a ponto de criar o Núcleo de Excelência em Pesquisas sobre Fitorremediação. De caráter multidisciplinar, a iniciativa pretende unir esforços da equipe local a outros grupos de pesquisa, no país e no exterior. A princípio, segundo o professor do Departamento de Ciência do Solo e sub-coordenador do Núcleo, Luiz Roberto Guimarães Guilherme, o foco da equipe da Ufla são áreas de mineração e metalurgia de zinco (afetadas pela presença de cádmio e chumbo), além de regiões de extração de ouro (onde há ocorrência de arsênio). Assim como na exploração de ferro e de bauxita, os principais impactos negativos são a movimentação e a exposição de material geológico, que pode sofrer transformações, com aumento da disponibilidade de metais, representando risco potencial à saúde humana e ao ambiente. O Núcleo está em implantação e já obteve aprovação de projetos junto a órgãos de fomento e à iniciativa privada. “Implantamos uma rede de pesquisa em áreas afetadas por atividades de mineração, intitulada Recuperamina, que tem o apoio financeiro da FAPEMIG e da Vale. Contamos, ainda, com parceiros na indústria, em institutos de pesquisa, em diversas universidades brasileiras e em países como Estados Unidos, Portugal e Austrália”, comemora Luiz Roberto. A interlocução com diferentes grupos já ocorre por meio do conhecimento comum de resultados publicados e do intercâmbio de ideias em bancas e congressos, ocasiões em que os pesquisadores estabelecem contatos para parcerias futuras.

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PROJETO: Desenvolvimento de técnicas de baixo custo para a recuperação de áreas degradadas no Quadrilátero Ferrífero COORdEnAdOR: Alessandra Rodrigues Kozovits MOdALIdAdE: Programa Pesquisador Mineiro VALOR: R$ 48.000,00 PROJETO: Estratégias de recuperação e monitoramento de áreas impactadas por atividades de mineração: Implantação de Núcleo de Excelência em Pesquisas sobre Fitorremediação COORdEnAdOR: Nilton Curi MOdALIdAdE: Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) VALOR: R$ 707.068,53


Pesquisa desenvolvida no Departamento de Biologia Geral da UFMG restaura vegetação nativa de áreas degradadas na Serra do Cipó William Ferraz Cenários outrora estéreis e desolados, terrenos enfermos, incapazes de produzir vida após intervenções degradantes, readquirem a riqueza típica do cerrado mineiro, ambiente, como se sabe, de vasta biodiversidade. Tal reavivamento dos contornos que deram à capital o título de Belo Horizonte foi o resultado de pesquisa pioneira desenvolvida por cientistas do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG - abordada na edição número 15 de Minas Faz Ciência. Intitulada “Reabilitação de áreas degradadas”, a investigação elegeu como “palco” para intervenções os campos rupestres da Serra do Cipó, região reconhecida como um dos conjuntos naturais de maior abundância de espécies de plantas no mundo – apesar de, há décadas, caracterizar-se pela morbidez dos mais áridos solos. Uma das três variações da vegetação de altitude da América do Sul, os campos rupestres são ecossistemas naturais de regiões situadas acima de 900 metros e com afloramentos rochosos. Essas formações predominam na Cadeia do Espinhaço – reduto das espécies de mata atlântica e cerrado –, onde, por sua vez, localiza-se a Serra do Cipó. “As espécies naturais do cerrado com maior ameaça de extinção concentram-se nessa ecorregião. Por isso, priorizamos os estudos com esse tipo de ecossistema”, explica o professor Geraldo Wilson Fernandes, coordenador do projeto. Em 2001, ano de início da pesquisa, quase metade do terreno estava comprometido, com perda de espécies exclusivas do local – muitas das quais já à beira da extinção. O prognóstico era desfavorável, pois certos pontos haviam sido analisados, por especialistas, como irrecuperáveis. O uso de ciência aplicada e o investimento em linha arrojada de estudos, porém, reverteram significativamente a situação. “Hoje, cerca de 40 hectares de área, o que inclui trechos inférteis há mais de 30 anos, foram revitalizados, e com espécies nativas”, explica Fernandes.

O objetivo central dos estudos era proporcionar condições de restaurar os solos degenerados da área sem aplicação de espécies estranhas ao bioma. “Atualmente, a prática da restauração usa, basicamente, as mesmas espécies em qualquer terreno, como pinus, eucaliptos e outras plantas exóticas, a exemplo de capim meloso e braquiárias, que, por sua fácil adaptação ao solo e pela ausência de predadores naturais, apresentam comportamentos muito invasivos e descaracterizam o ecossistema”, esclarece o professor. Segundo os pesquisadores, a atividade configura, ainda, um reflorestamento ilegítimo, pois a vegetação original não é recuperada.

Etapas de ação

O estudo envolveu mais de 50 espécies nativas da flora na Serra do Cipó, consideradas de tratamento complexo, devido à ausência de estudo pregresso – capaz de fornecer embasamento técnico ao emprego desse tipo de vegetação na restauração. De acordo com o estudante de doutorado Daniel Negreiros Alves Pereira, que integra a equipe do projeto, as pesquisas partiram do levantamento de dados sobre a biologia, a arquitetura e a genética das plantas, assim como da verificação dos nutrientes exigidos e do processo de adequação ao solo. “Tratava-se, enfim, de trabalhar o conjunto de condições para cultivo e acondicionamento das espécies”. Concluída tal etapa, os pesquisadores agregaram os conhecimentos fundamentais à cultura das espécies e seguiram à condução de testes laboratoriais de germinação, que apresentaram resultados promissores. “A partir de então, deu-se início aos estudos de manipulação dos vegetais em ambiente natural”, comenta Fernandes. As pesquisas de campo foram desenvolvidas em área da Serra do Cipó onde se instalou um laboratório vivo, que contou com aporte financeiro da FAPEMIG e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Trata-se de estrutura híbrida, com ambientes natu-

rais e laboratoriais e onde os 50 especialistas realizam monitoramento permanente, o que conferiu às pesquisas expertise sem precedentes no campo da restauração de terrenos degradados. Em segundo plano, os pesquisadores concentraram esforços na prática da recuperação, ao usar, prioritariamente, as espécies endêmicas, aquelas com crescimento restrito à Serra do Cipó – e, à época, em risco de extinção. “Agora, temos áreas extensas cobertas por espécies que, há uma década, estavam próximas de desaparecer, como Coccoloba cereifera, Collaea cipoensis, Chamaecrista semaphora, Kielmeyera petiolaris, Diplusodon orbicularis e Vellozia nanuzae, conhecida por ‘canela-de-ema-cheirosa’”, lista Fernandes.

Novos estudos

Em função dos bons resultados relativos à recuperação das áreas, a pesquisa do ICB ramificou-se a outros ramos do conhecimento. Atualmente, em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce, o grupo desenvolve, por exemplo, projeto que busca reabilitar terrenos degradados, pela prática de mineração, em regiões conhecidas como “campos rupestres ferruginosos”. Outra investigação, realizada em conjunto com o Cetec (MG) e coordenado por Valeria Freitas, pretende recuperar áreas destruídas pelo rejeito de ardósias. “Agora, aplicamos nosso conhecimento para verificar a adaptação das espécies vegetais das montanhas de Minas, diante das modificações climáticas em curso”, explica o coordenador. Segundo Fernandes, apesar das conquistas, é necessária a atuação dos poderes públicos, por meio de desenvolvimento de projetos de lei que valorizem a utilização de vegetação nativa nas práticas de reflorestamento e recuperação de zonas degradadas, para que os resultados do trabalho tenham abrangência mais expressiva. “Só assim o desenvolvimento alcançado não ficará restrito ao ambiente de nossas pesquisas”, conclui.

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lEmbRa DEssa?

horizonte revigorado


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sergio luiz gargioni Com o propósito de levar a ciência brasileira ainda mais longe, o Conselho Nacional de Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) elegeu como seu novo presidente (2013-2015) o engenheiro mecânico Sergio Gargioni, da Fap de Santa Catarina (Fapesc). Mestre pela Universidade de Illinois (EUA), com MBA Executivo em Administração de Negócios pelo Instituto Internacional de Gestão do Desenvolvimento (IMD), na Suíça, Gargioni é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e atua como consultor empresarial. Aos 64 anos – sendo 41 de docência –, o pesquisador, que se auto-define um “executivo da ciência e tecnologia”, ocupou importantes cargos públicos e, também, junto à indústria e ao comércio. Marcus Vinicius dos Santos Qual o papel da Confap? Representar, oficialmente, o trabalho desenvolvido pelas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa no Brasil e articular seu desenvolvimento. A liderança do professor Mario Neto [atual presidente da FAPEMIG] levou o Confap a conquistar vários assentos estratégicos no Sistema Nacional de CT&I – CNPq; Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), que é presidido pela presidente da República; Centro de Gestão e Estudos em Assuntos Estratégicos (CGEE) – e, também, no Comitê Executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), assim como em mais de 20 posições onde o Confap tem capacidade de dar opinião, de influir ou decidir. Das 27 unidades federativas brasileiras, apenas Roraima não possui Fap. O conjunto dessas 26 fundações é que tem força. E essa força é representada pelo Confap.

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Quais serão as principais linhas de ação de seu projeto de gestão? Algumas delas são pautas permanentes. Daremos continuidade a todas as ações em curso. É preciso tentar concluir, consolidar, abrir novas iniciativas, mas sempre dentro do mesmo alinhamento. Esse tipo de coisa não se consolida de uma hora para outra. A defesa dos interesses das fundações é questão estratégica, assim como a ação junto aos poderes públicos, para buscar liberação do aporte de recursos que, em geral, a legislação estabelece como sendo de 1% do PIB. Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro são alguns dos estados que cumprem essa lei. Os demais têm dificuldade, inclusive o nosso [Santa Catarina]. Contudo, isso vem mudando de forma crescente. Também devemos buscar consolidar instrumentos operacionais, como o novo código de ciência e tecnologia, que tramita no Congresso Nacional, uma espécie de “CLT da CT&IT”. Instrumento jurídico mais simples, o novo código leva

em conta a experiência e é sensível às diferenças das operações relacionadas ao fazer ciência das outras, normais de governo. E o sistema de indicadores das Faps, o Sifap? Acho que ele pode ser considerado um dos destaques da atuação do Confap ao longo de seus sete anos de atuação. Também é nossa função promover a discussão de temas específicos, que têm a ver com a gestão das Faps. Ainda em processo de consolidação, o Sifap permite medir ações e resultados: em que se investe? Quais as demandas? Quais áreas são atendidas? Com essas informações, consegue-se avaliar o que, de fato, é feito. Cada vez mais as fundações estaduais têm se tornado parceiras de execução de programas e projetos nacionais da Capes, do CNPq, da Finep. As agências nacionais não conseguem identificar ou atuar no interior de cada estado, pois não têm a capilaridade das fundações. Além de aportar os recursos de contrapartida, nossa obrigação, também temos, atualmente, a responsabilidade de realizar bem a execução de projetos nacionais. Dependendo do estado, isso representa de 30% a 50% das operações.

Que problemas o senhor espera enfrentar à frente da Confap? Aqueles de sempre. Em primeiro lugar, recursos para pesquisa: regularidade e volume, como determinado pela legislação estadual. Em segundo: tornar as fundações parceiras das agências federais. Isso não só reforça nosso orçamento, mas também melhora nossa imagem perante o estado. E permite que cada fundação aplique melhor os recursos, de acordo com sua realidade. Em terceiro lugar, precisaremos simplificar processos e eliminar a burocracia que cresce. Gasta-se muito tempo, recursos e discussões para coisas simples. Em quarto lugar, há a inovação. Precisamos fazer com que ela “aconteça” mais rapidamente. E aí entram, novamente, todos os demais pontos. A Finep também deve descentralizar operações e garantir mais recursos para a pesquisa industrial. A Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial], que vem sendo gestada há algum tempo, fará uma espécie de promoção da tecnologia industrial, nos moldes da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], constituindo-se como um novo jeito de fazer pesquisa tecnológica. E o Confap estará junto.

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e, depois, lida com cada uma das unidades, que, por sua vez, apresentam projetos. Temos fundações que fazem isso muito bem, como Fapesp, Faperj e FAPEMIG. Acho que todos nós, no Brasil, gostaríamos de ser uma FAPEMIG, por seus instrumentos ágeis e modernos. O Confap continuará incentivando a troca de experiências.

Como anda o processo de internacionalização da ciência e da tecnologia? Precisamos ampliar as relações das Faps com as mais diversas agências internacionais de financiamento e apoio à pesquisa. Algumas delas têm dificuldade de alocar recursos, mas, com alguma contrapartida nossa, podem gerar bons projetos. Já temos parceria com a Comunidade Europeia e com entidades como CNRS [Centre National De La Recherche Scientifique] e Inria [Institut National de Recherche en Informatique et en Automatique], na França, e Conselho Britânico. São muitas as agências. O Conselho trata com essas agências

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! Saiba mais: www.confap.org.br

Ouça Ondas da Ciência: http://migre.me/eQGoj

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fapemig.wordpress.com


A história mostra uma progressão característica das tecnologias da informação: de um simples passatempo à formação de uma indústria; de engenhocas improvisadas a produtos maravilhosos; de canal de acesso livre a meio controlado por um só cartel ou corporação – do sistema aberto para o fechado. Trata-se de uma progressão comum e inevitável, embora essa tendência mal estivesse sugerida na alvorada de qualquer das tecnologias transformadoras do século passado, fosse ela telefonia, rádio, televisão ou cinema. A história mostra também que qualquer sistema fechado por um longo período torna-se maduro para um surto de criatividade: com o tempo, uma indústria fechada pode se abrir e se renovar, fazendo com que novas possibilidades técnicas e formas de expressão se integrem ao meio antes que o empenho para fechar o sistema também comece a atuar.

Fascina-me a complexa interação de lealdades e de simpatias mundo afora. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, a certeza de que os pais e avós combateram ‘a boa guerra’ está tão entranhada que muitas vezes esquecemos que povos de muitos países adotaram atitudes mais ambíguas: súditos coloniais e principalmente os quatrocentos milhões de habitantes da Índia viam pouco mérito na derrota do Eixo se continuassem a sofrer o domínio britânico. Muitos franceses lutaram vigorosamente contra os Aliados. Grandes números de súditos de Stalin aproveitaram a oportunidade oferecida pela ocupação alemã para enfrentar o odiado regime de Moscou. Nada disso abala a certeza de que a causa aliada merecia triunfar, mas tais fatos enfatizam que Churchill e Roosevelt nem sempre eram a voz da razão.

calcanhar de aquiles

Muito se celebra, atualmente, a miríade de possibilidades libertadoras da internet – meio, para muitos, liberto das amarras e dos interesses de grupos e poderes hegemônicos. Segundo tal visão, quem (ou “o que”), afinal, teria a capacidade, ou a petulância, de impedir a liberdade de expressão em ambiente tão complexo, descentralizado e multifacetado, capaz não apenas de amplificar a voz dos indivíduos, como de democratizar o consumo de bens simbólicos? No ver de Tim Wu, escritor, advogado e professor da Universidade Columbia, em Nova Iorque, ainda é cedo para comemorações. Colunista dos principais jornais norte-americanos e ex-executivo de tecnologia no Vale do Silício, o autor se dedica, em Impérios da comunicação, a minuciosa análise dos principais Ciclos (sim, com “C” maiúsculo) tecnológicos “enfrentados” pela sociedade capitalista, ao longo do século XX, de modo a sugerir

o terror num só Muito já se publicou sobre a Segunda Guerra Mundial. Aos interessados em conhecer melhor o conflito, basta disposição para que, em meio a vasto rol de obras, seja possível peneirar o que lhes for do agrado ou da necessidade – de análises bélicas a ensaios sociopolíticos, de crônicas pessoais a descrições para lá de naturalistas. Sob outra ótica, caso o leitor se revele ansioso por “ir direto ao ponto”, o livro Inferno, de Max Hastings – um dos mais importantes historiadores militares do mundo –, pode ser definido como “a opção perfeita”. Trata-se, afinal, de precioso relato sobre o combate, posto que simultaneamente histórico e humanístico, escrito em volume único. Além de situar os complexos panoramas estratégicos, sociais, econômicos e geopolíticos que levaram à eclosão e ao desenvolvimento da batalha entre Aliados e países do Eixo, Hastings consegue a proeza de transportar o leitor ao local dos acontecimentos por meio de sensa-

cautela quanto à propalada competência libertária da internet. É que, conforme revelam as experiências interpretadas por Wu, do desenvolvimento da telefonia ao surgimento da web, praticamente todas as tecnologias nascem auspiciosas, dispostas a inspirar gerações e gerações a sonhar com sociedades melhores, unidas por “novos modos de expressão”. Com o passar das décadas, contudo, o sonho acaba substituído pela realidade das grandes corporações – e suas enormes “mãos invisíveis”. LIVRO: Impérios da comunicação – Do telefone à internet, da AT&T ao Google AUTOR: Tim Wu TRADUçãO: Claudio Carina EDITORA: Zahar TÍTULO ORIGINAL: The master switch – The rise and fall of information empires PÁGINAS: 432 ANO: 2012

compêndio ções – e não com o mero auxílio de dados quantitativos e/ou qualitativos. Isso só é possível em função do fantástico trabalho de pesquisa do autor, que, página a página, revela-nos o depoimento de centenas de testemunhas do terror. Tais relatos foram realizados, em situações e meios técnicos os mais diversos, por mães, pais e filhos, soldados, médicos, pilotos, generais, jornalistas e outros tantos seres subjugados pela (incompreensível) fúria dos “senhores da guerra”. Para muito além da situação dos fronts, a cada palavra desencavada pelo autor, o leitor perceberá, sob os vestígios do medo, a mais resistente e pura expressão de vida. LIVRO: Inferno: o mundo em guerra (19391945) AUTOR: Max Hastings TRADUçãO: Berilo Vargas EDITORA: Intrínseca TÍTULO ORIGINAL: All hell let loose PÁGINAS: 766 ANO: 2012

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fomENTo À INoVação Um programa de ação que prevê, até 2014, o investimento de mais de R$ 32 bilhões em projetos de inovação científica e tecnológica para setores considerados prioritários, como saúde, energia, petróleo e gás, além de tecnologias assistiva, aeroespacial e de informação e comunicação. Eis a proposta do Plano Inova Empresa. Lançado em 14 de março de 2013, o programa é uma iniciativa do Governo Federal que reúne recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), de bancos de

desenvolvimento, de agências estaduais de fomento e de bancos estaduais comerciais. Em Minas, a FAPEMIG é uma das parceiras do programa. A iniciativa prevê várias possibilidades de participação, para as quais são elegíveis empresas nacionais de qualquer porte que apresentem propostas arrojadas para projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I). Aquelas que tiverem seus projetos selecionados deverão se enquadrar em um dos quatro diferentes módulos de financiamento: subvenção econômica a empresas (R$ 1,2 bilhão); fomento para projetos em parceria entre ins-

tituições de pesquisa e empresas (R$ 4,2 bi); participação acionária em empresas de base tecnológica (R$ 2,2 bi) e crédito para empresas (R$ 20,9 bi). Um comitê gestor – formado pela Casa Civil da Presidência da República e pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Indústria, do Desenvolvimento e Comércio Exterior e da Fazenda, além da Secretaria da Micro e Pequena Empresa – foi designado para a administração do programa em âmbito nacional.

CIÊNCIa No aR

“argamassa” de abelhas, própolis pode proteger sua boca Grupo de pesquisadores da UFMG desenvolveu medicamento para tratamento da mucosite, inflamação da mucosa bucal, a partir da própolis, substância produzida por abelhas para revestir suas colmeias. Resultante do tratamento agressivo para combate a tumores na região do pescoço

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e da cabeça, a doença torna a boca do paciente extremamente sensível, o que dificulta as práticas cotidianas de higiene. “A própolis apresenta propriedades germicidas, antioxidantes, anestésicas e antiinflamatórias, características que a tornam um eficiente substituto aos produtos

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disponíveis no mercado”, explica Vagner Rodrigues dos Santos, um dos coordenadores do projeto. Os resultados obtidos pelo estudo serviram de incentivo ao patenteamento de uma série de produtos à base de própolis. Veja a entrevista com os pesquisadores no programa Ciência no Ar


PEla CaUsa Da CIÊNCIa A reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) chega a sua 65° edição. Em 2013, o evento será realizado de 21 a 26 de julho, no campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife. A escolha da cidade segue tradição mantida desde o lançamento do primeiro encontro, em 1948: a cada edição, a SBPC “muda-se” para um novo estado da Federação, estabelecendo-se nas universidades públicas locais. Tal estratégia busca levar a reflexão

sobre o desenvolvimento científico do país a todos os cantos da nação, com debates sobre diversas áreas do conhecimento. Para discutir temas da atualidade e de interesse global, as reuniões da SBPC recebem os mais reconhecidos representantes brasileiros do cenário de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). No Recife, os pesquisadores problematizarão, em conferências, mesas redondas, minicursos, assembleias e sessões de pôsteres, a temática “Ciência para o novo Brasil”. Um dos debates do evento contará com a participação da jornalista Vanessa Oliveira Fagundes, assessora de comunicação da FAPEMIG, que apresentará o Programa de Comunicação Científica e Tecnológica (PCCT). Paralelamente aos principais debates da reunião anual, realiza-se uma série

de eventos paralelos, a exemplo da SBPC Jovem, da SBPC Cultural e da Jornada Nacional de Iniciação Científica, que reúnem trabalhos de estudantes dos ensinos básico e profissionalizante e promovem atividades artísticas regionais. Destaque, ainda, para a EXPOT&C, maior mostra de ciência e tecnologia das Américas, responsável por reunir universidades, agências de fomento, entidades governamentais e institutos de pesquisa engajados em apresentar produtos e serviços inovadores. Em 2013, há expectativa de que ao menos 25 mil pessoas assistam às discussões de propostas para uso da ciência como alicerce à construção de um futuro promissor ao Brasil. A FAPEMIG estará presente com um estande institucional, onde apresentará seus programas e modalidades de apoio.

oNDas Da CIÊNCIa

Colonizadores da natureza Sem predadores naturais, espécies exóticas inseridas em ambientes estranhos a seu habitat podem se proliferar indiscriminadamente e promover invasão agressiva,

a ponto de gerar desequilíbrios danosos ao ecossistema. Por vezes, tal problema é causado pela imprudência humana. Professora da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, Cláudia de Vilhena Schayer Sabino explica como ocorre esse processo, quais seus impactos ao meio ambiente e como evitá-los. Confira!

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Want More (Gravura em serigrafia, 2010) – Metáfora do artista João Paulo Tiago para o sentimento lisérgico das paixões tristes e dos amores descontrolados. Em seus termos: “Relacionamentos tóxicos, como vício, nossa droga preferida nos dias atuais (ou desde sempre)”. A obra trata, pois, de “nossa necessidade de viver por história marcante, de nos sentirmos maiores, mais altos, em planos sentimentais cada vez mais intensos e fantasiosos”. Afinal, o que se esconde debaixo da pele, dos lábios, dos beijos? Na obra, eis “um aviso do perigo, mas camuflado em linhas e grafismos sensuais”. Nascido em 1984, na mineira Unaí, João desenvolve pesquisas sobre desenho, fotografia digital e vídeo. Formado pela UFMG, usa registros de suas viagens – e elementos extraídos da cultura pop, da iconografia religiosa e da astronomia – para criar trama poética em que, numa espécie de “remix visual”, expõe anseios, territórios afetivos e confessionais.

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