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BALEIAS DE BARBAS BALEEIROS DE BIGODE

fazENDO

Maio 2016

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fazENDO 106 Maio 2016


Num. 106 | Maio 2016

o boletim do que por cá se faz www.fazendo.pt Directores Aurora Ribeiro Tomás Melo Colaboradores Fernando Nunes | Gina Ávila Macedo Maria Eduarda Rosa | Miguel Machete Paulo Novo | Paulo Vilela Raimundo Rogério Sousa | Sara Soares Revisão Aurora Ribeiro Paginação Maria Angenot e Tomás Melo Projecto Gráfico Raquel Vila

Aceitamos colaborações sob a forma de DOAÇÕES | ASSINATURAS | CONTEÚDOS e VOLUNTARIADO DOAÇÕES | O Fazendo quer continuar a ser gratuito e é um projecto com grandes despesas de impressão, distribuição e manutenção. Recebemos doações na nossa conta da CGD: NIB: 0035 0366 000 287 299 3016 ASSINATURAS | Para receber o Fazendo em casa basta depositar 20€ na nossa conta: NIB: 0035 0366 000 287 299 3016 e juntamente com o comprovativo enviar o endereço postal onde se quer receber o jornal para vai.se.fazendo@gmail.com PROPRIEDADE Assoc Cultural Fazendo SEDE Rua Conselheiro Medeiros nº 19 9900 Horta PERIODICIDADE mensal TIRAGEM 500 exemplares IMPRESSÃO GRÁFICA o telégrapho

Com o apoio da

CAPA

Jorge Barros

é um conceituado fotógrafo que nasceu em Alcobaça no ano de 1944. Ao longo da sua carreira fotografou o país de lés-a-lés, sobretudo na temática humana. Grande parte do seu trabalho está reproduzido em diversas publicações, onde tendencialmente se associam as suas fotos a textos em prosa de autores de mérito. Com o primeiro ordenado comprou a primeira máquina fotográfica e logo ensaiou pequenas reportagens nos mercados e praças da sua cidade natal, Alcobaça. Fascinado pelas imagens da Life, que recebia por assinatura, acaba por experimentar o cinema, colaborando em jornais e revistas, organizando encontros e exposições, obtendo, em 1988, o Prémio de Ilustração da Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira. Poderemos arriscar uma justificação do seu percurso artístico, recorrendo ao que foi dito pelo próprio Jorge Barros: “o mais importante foi, é, tornar gente Feliz!”

Fernando Vieira (Bagaço)

Natural da Ribeira do Meio, Pico. Remador, arpoador e ocasionalmente oficial. De família de baleeiros começou aos 14 anos, em São Mateus do Pico. Exerceu atividade neste porto durante 7 anos, depois foi para as Flores (o pai também) onde baleou durante 9 anos como arpoador e ocasionalmente como oficial. Os últimos 4 anos de baleação passou-os na Graciosa. Foi baleeiro por 20 anos. “Ia para ganhar a vida, casei novo, tive filhos e tinha que viver. Gostava muito de ser baleeiro, preferia ir à baleia do que à albacora”



Onde são

para ti

os Açores

SARA SOARES

?

«Não deve ser muito diferente de qualquer outro sítio, porque hoje em dia estamos todos conectados...»

Sheridan Canadá

Fazendo – assinala no mapa onde são os Açores. (mapa) Depois de ter assinalado no mapa, foi-lhe indicada a localização correcta dos Açores. Fazendo – Que tipo de pessoas pensas que vivem nos Açores? Provavelmente só as pessoas que nasceram e cresceram aí. F – Como é que se vive nos Açores? Não deve ser muito diferente de qualquer outro sítio, porque hoje em dia estamos todos conectados e tudo é mais ou menos igual em todos os países. Talvez seja uma vida típica das ilhas, mais descontraída, mas com tudo o que se encontra em todos os outros sítios. F - Que língua falam os Açoreanos? Espanhol. F – Como é o clima nos Açores? Não tenho ideia, mas imagino que seja muito molhado. F – Que animais se podem ver nos Açores? Aves, muitíssimas. E talvez alguns animais pequenos, mas não deve ter nada grande, como veados. F – Que transportes se usam nos Açores? Carros e motos. F – O que poderia ser feito nos Açores? As ilhas devem ser um porto seguro para embarcações que tenham algum problema cruzando o Atlântico. Deve ser um sítio bom para iates e qualquer tipo de barco. Poderia ser usado como um ponto de distribuição de mercadorias.

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Em vez de se transportar coisas da Europa e África para os Estados Unidos e América Latina e vice versa, poderia ser tudo transportado para os Açores e tu chegarias aí, deixarias a tua mercadoria Europeia e levarias a Americana, por exemplo. F – Qual é a comida açoriana mais estranha? Deve haver muita fruta tropical, mas não sei que tipo de carnes se comem por aí. F – Que tipo de produtos se exportam? Talvez fruta e pedra vulcânica (para os jardins) e talvez também areia vulcânica. F – Poderias viver nos Açores? Não sei, mas provavelmente não.


C o l u t í p a C

! u i a s já

Reunir estes poetas e poemas terá ajudado certamente na criação de novos leitores de poesia, quiçá o eventual surgimento de novas vozes poéticas.

FERNANDO NUNES O culminar deste projecto literário, tido inicialmente como uma trilogia editorial, deve ser francamente saudado. Este fecho, agora concretizado, correspondeu a uma vontade genuína de dar a conhecer um leque alargado de autores, isto é, a divulgação de poetas ou escritores de poesia residentes nos Açores. O Capítulo C está, portanto, pronto e reúne novamente um conjunto de poemas bastante heterogéneo, essencialmente com um lanceiro de registos poéticos para diferentes gostos, ideias e estéticas. Esta publicação relembra também a importância que teve o aparecimento de espaços públicos que funcionaram enquanto encontros semanais, quinzenais e mensais de actividades públicas de divulgação de poesia:

o Poetry Slam de Ponta Delgada, as quintas de Poesia na Travessa dos Artistas ou da TASCÀ, na Rua de Lisboa. A vantagem de reunir estes poetas e poemas terá ajudado certamente na criação de novos leitores de poesia, quiçá o eventual surgimento de novas vozes poéticas, salientando-se neste impulso editorial, só por si, ser portador da ideia de comunidade poética, o que não é de somenos. Fica assim fechada a trilogia editorial com a edição do Capítulos C (nada invalida que este interessante projecto não possa crescer ainda mais).

organizou e fez o grafismo deste projecto apoiado pela Direcção Regional da Juventude dos Açores, através do programa “Põe-te em Cena”. Esta súmula final reúne dois poemas dos seguintes autores: Artur Falcão, Carla Veríssimo, Dalila Bettencourt, Eleonora Marino Duarte, Fernando Nunes, João Malaquias, Jaqueline Torres, José Soares, Júlio Ávila, Leonardo e Luís Augusto. Todos os pedidos dos capítulos A, B e C poderão ser feitos para: capitulospoesia@gmail. com

A tiragem dos Capítulos, para cada uma das três edições, foi de 150 exemplares e contou com o preço simbólico de 2 euros. O designer Luís Andrade foi quem coordenou, 5 | fazENDO


Fui ao mar

buscar laranjas

Fui ao mar buscar laranjas é um verso de uma cantiga popular que também serviu de título a um livro do poeta açoriano Pedro da Silveira

GINA ÁVILA MACEDO

“Quer mais mentiras, quer?” pergunta a Gonçalo Tocha o antigo vigia que ainda sonha com baleias. Mas em “É na Terra não é na Lua” não se contam mentiras. Este filme contém a verdade de uma ilha. Tocha mostra-nos o Corvo sem artifícios e acabamos por descobrir uma ilha dentro de outra ilha. 440 almas numa gávea de terra de 6 quilómetros de comprimento por 4 de largura. Eis a matéria para o documentário que parece um diário de bordo mas onde Tocha não relata apenas o que os seus olhos vêem. Ele não se limita a falar daquela gente. Ele fala com aquela gente e parece que acaba a conhecer os corvinos de cor. Em “É na Terra não é na Lua” há uma beleza inesperada em tudo o que vemos: nas mãos rudes dos homens; no nascimento de um bezerro; no silêncio

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nocturno da vila rasgado pelo brado das cagarras; na ladainha hipnotizante desfiada pelas mulheres na igreja a rezar o terço; nos pés descalços de um bailarino a dançar no meio do mato; nas noites de karaoke no bar da vila; na matança do porco à moda antiga; na história do ornitólogo que vomita por estar sozinho a ver uma ave rara; nos dedos franzidos de Inês Inês a tricotar o barrete corvino — metáfora da construção do documentário; e no sorriso enorme e infantil de Ti Pedro, de 94 anos, o ancião da ilha, que ouve mal e, talvez por isso, também toca mal acordeão. Mas até nessa música desafinada reside uma beleza extraordinária. Ao longo do filme experimentamos sentimentos contraditórios em relação ao Corvo: “Fora daqui é um perigo!”, afirma o marido de Inês Inês. Sentimos nas palavras daquele homem que os corvinos ali se acham protegidos do mundo. Está aqui patente a ideia de ilha-mãe, de uma ilha que é um

casulo. Mas também sentimos que a ilha pode ser clausura e solidão. “Um gajo sem mulher aqui dá em doido!”, queixa-se o mecânico que já só sonha com África. No final de “É na Terra não é na Lua” vemos nascer outra ilha. Tem-se a sensação de que o Corvo se torna grande, a ilha maior do arquipélago, porque é um lugar de redescoberta. No início do filme ouvimos: “Les Açores, c’est fou! Et là [Corvo] c’est encore plus fou!” Ainda bem que Gonçalo Tocha é louco. E dá-nos vontade de sermos loucos também.

Ilustração Raquel Vila

É comum que as pessoas do continente ao saberem que sou dos Açores perguntarem-me se já visitei o Corvo, tecendo logo a seguir comentários em que, regra geral, lamentam a sorte dos corvinos. Eu, para além de uma viagem à ilha, aconselho sempre o visionamento do documentário “É na Terra não é na Lua” (2011) de Gonçalo Tocha, e que já está online aqui: http://dafilms.com/film/8464-e-na-terra-nao-e-na-lua/?rc=PT (streaming não disponível em Portugal).


e t r o M A

O “Angra Criativa” tem permitido que os angrenses, e público em geral, tomem contacto com os mais recentes projectos dos seus jovens

criadores.

Mercado Duque de Bragança – Angra do Heroísmo

s e d i a v z e e n r e u B t a o g N o i a D d

ROGÉRIO SOUSA Desde 2014 que a Associação Cultural Burra de Milho está a desenvolver o projecto “Angra Criativa”, em parceria com a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, o qual pretende dar a oportunidade de os novos artistas angrenses apresentarem os seus trabalhos, expondo-os por diversos espaços da cidade de Angra. Dos paços do concelho à Casa do Sal, do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo ao Alto das Covas (Re-calçada), e agora no Mercado Municipal Duque de Bragança, o “Angra Criativa” tem permitido que os angrenses, e público em geral, tomem contacto com os mais recentes projectos dos seus jovens criadores. A Exposição “Natureza Morta”, de Diogo Benevides, até agora um ilustre desconhecido, é um excelente exem-

plo do impacto e da importância que este tipo de projectos tem no que diz respeito à exposição e divulgação de trabalhos criativos. Uma exposição subordinada à “morte” que os humanos têm sucessivamente infligido à “natureza” que os rodeia, transformando em extintas e peças de museu de história natural muitas e outrora pujantes espécies animais. Uma colecção de dez ilustrações digitais, referentes a dez espécies animais que o Homem votou à extinção pela sua acção na natureza. Uma “Natu-

reza Morta”, patente até 30 de abril, no Mercado Duque de Bragança. Se por um lado nos faz pensar na morte da natureza e todas as consequências da acção do homem no nosso planeta, por outros revela-nos uma técnica de ilustração e uma estética muito própria de um jovem artista que, tal como algumas das espécies retratadas, deixará de ser desconhecido para muitos de nós a partir de agora.

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Entrevista: música MIGUEL MACHETE

MIGUEL MACHETE

Benja

Nome, apelido e projectos musicais do passado e do presente. Luís Nunes. Já assinei como Walter Benjamin e agora sou só Benjamim.

Como foi a primeira vez? (como surgiu e se concretizou o primeiro projecto, como foi o primeiro concerto…) Comecei a estudar música muito cedo mas a minha primeira banda foi na escola. Eu tocava bateria e os primeiros concertos foram na escola ou nas festas de anos dos nossos amigos.

A música é colega, amiga, amante, ou assinaste mesmo os papéis? É a amante com quem já assinei os papéis.

Depois de anos de vivência conjunta o quotidiano não se torna maçador? Não. A música apresenta-me sempre desafios novos, tem muitos segredos. A exploração é a chave.

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De que forma convives com as músicas dos outros em Portugal e no Mundo? Adoro música de todo o lado e em todo o lado. Por isso também gosto de produzir música de outros e é o que me tem mantendo ocupado para lá das minhas próprias canções.

As músicas que se vão fazendo por cá, chegam aí? Pouco...

Já deste música aos Açorianos? Foi bom para os dois? Tenho a certeza que foi bom para mim. Espero que também tenha sido bom para os outros. Só pensamos num estratagema para voltar.

“A música apresen sempre desafios no


amim

nta-me ovos.� 9 | fazENDO


Temporada 1 - Episódio 3 PAULO NOVO A técnica mais comum usada em animação é a chamada “pose-to-pose”. Basicamente, esta técnica consiste em definir uma pose no início da cena e uma outra no final da cena. Vamos a um exemplo básico: a cabeça gira da posição A para a posição B

A posição A será então a pose inicial e a posição B, a pose final. No entanto, se não adicionarmos mais poses no meio destas duas, a ação será demasiado rápida quando procedermos à animação da cena. Sabemos que para um segundo de animação precisamos de 25 imagens, o que quer dizer que, se esta ação de girar a cabeça da posição A para a aposição B, demorar um segundo, então temos em falta 23 imagens que ficarão entre as que já temos: a pose inicial e a pose final. A estas imagens que ficam entre as poses chave (no caso, a inicial e a final),

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Poses e “In-betweens”

chamamos: “in-betweens”. Podemos desenhar um “in-between” entre as duas poses chave e verificamos que adicionando apenas esta pose extra, já conseguimos ter uma noção aproximada de como será o movimento final.

No entanto, o movimento parece pouco natural. Tudo fica meio robótico. Em animação os detalhes fazem toda a diferença e, também aqui, numa simples virada de cabeça, o detalhe pode fazer muita diferença. Basta baixar um pouco a cabeça na pose do meio (“in-between”), para que até este simples movimento pareça muito mais orgânico e natural.

Mas podemos até ir um pouco mais longe e pôr a cabeça a piscar os olhos durante o momento em que vira. É natural piscar quando viramos a cabeça de um lado para o outro, por isso é natural também que a cabeça desenhada possa fazer o mesmo. Quando transferimos para a animação os comportamentos humanos, toda a ação fica mais credível, mais orgânica e mais “humana”.

Agora faltam apenas 22 desenhos para finalizar esta cena. Deixo mais dois e lanço o desafio para quem quiser ir a correr ligar o Monkey Jam e fazer os 20 que faltam!

Dúvidas, críticas ou questões serão bem vindas em: novo.animal@gmail. com www.animationanimal.com


“SANTOS DE CASA” também fazem

Milagres

...e a prova disso ficará à disposição do público interessado, de 21 de abril a 30 de junho, no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas na Ribeira Grande, ilha de S. Miguel. Perguntar-se-ão ao que vão…

PAULO VILELA RAIMUNDO Tão somente, usufruir do raro privilégio de, visualizando uma exposição retrospetiva da obra do artista José Nuno da Câmara Pereira, absorver a complexidade insular do sonho tornado matéria. Este Mariense do mundo, fruto de um meio social e familiar gerador de insatisfações criativas e de pulsões criadoras, viu-se enleado em múltiplos desafios e interesses, que assumindo o papel, ora de obstáculos (por vezes) transponíveis, ora de trampolins impulsionadores, lhe foram esculpindo uma vida plena de projetos (nem sempre esgotados ao limite), propiciando-nos agora uma viagem pela sua perceção da realidade, num exercício arriscado sobre a fronteira dos sonhos e do efémero.

à fotografia, se cruzam com a pintura, a escultura e a arte Obra de José Nuno da Câmara Pereira pública, assistiremos ao desnudar do artista através da sua obra, assumindo-se esta como espelho das perplexidades, certezas e indecisões esquecendo o autor, parece-me de todo improvável que a visitação/endo quotidiano criativo com que tendimento que aqui vos proponho José Nuno conviveu ao longo dessa possa ser dissociada do seu criador, caminhada que teima e teimou em deixando-nos, isso sim, a justa cerfazer. teza de que também a vida pode ser assumida como obra de arte. Afastado dos grandes centros por opção própria, nem sempre entenCom tudo isto, lanço-vos o desadido pelos seus pares, José Nuno fio: inquietem-se, interroguem-se e buscou a contemporaneidade criatiincomodem-se… mas, não deixem va, sem negar os seus mestres, mas de ir! lutando permanentemente com os seus limites, insistindo na subida da sua colina virtual, antecipadamente ocupada por inúmeros “moinhos de vento” só seus.

Em diferentes suportes, e com incursões várias, que da instalação

Contrariando os que defendem a existência e valorização da obra, 11 | fazENDO


A Tipografi Micaelens E o que é um facto, é que cada vez mais gente nova ligada às artes gráficas e outros curiosos passam por ali e assistem espantados ao imaginário de subtilezas que importa conhecer e voltar a (re)descobrir.

FERNANDO NUNES A Tipografia Micaelense está situada na Rua do Castilho, com o número 33B, em pleno centro histórico da cidade de Ponta Delgada. À passagem pela sua porta, o seu reclamo sugere de imediato curiosidade a quem sempre nutriu gosto e encanto pelo universo das artes gráficas. Ao entrar, respira-se um ambiente de papel e máquinas que se assemelha a um repositório de vivências e memórias que não somos capazes de decifrar à primeira. É preciso, por isso, dar tempo ao tempo e dois passos em frente para nos abeirarmos da recepção e absorver o cheiro das máquinas e objectos ali presente. Num expositor do lado esquerdo, estão, de forma ordenada, algumas das relíquias gráficas que a designer, Júlia Garcia, tem desenhado e composto por ali com a ajuda do pessoal da casa. É a designer quem irá discorrer, algumas horas depois, sobre esse universo tipográfico, os mistérios e encantamentos de cada gaveta, a revelação de

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antigas técnicas de impressão nos tipos ali guardados, bem como do trabalho manual que é necessário para cumprir cada tarefa ou a vontade que é partilhar esses conhecimentos ancestrais com diferentes pessoas que ali aportam. E o que é um facto, é que cada vez mais gente nova ligada às artes gráficas e outros curiosos passam por ali e assistem espantados ao imaginário de subtilezas que importa conhecer e voltar a (re)descobrir. A porta, pelo menos, está aberta a quem decida aventurar-se naquela “catedral de conhecimento gráfico”. Fundada em 1947, a Tipografia Micaelense faz parte desse património vivo que urge novamente ser recuperado valorizado. Actualmente, a tipografia é pertença de alguém que, com cuidado, orgulho e dedicação, tem sabido que este é de novo o tempo para misturar e voltar a dar: Dinis Botelho. É, sobretudo, ele,

um homem que, há muitos anos, trabalha em tipografias, quem conta como agarrou em mãos esta antiga casa que se encontrava em estado de pausa, desuso e dificuldades. Foi, portanto, com a sua direcção e labor que esta irá completar este ano duas décadas de funcionamento contínuo e abertura ao público. A seu lado, está o seu companheiro de ofício de longa data: Eduardo Furtado. Dinis Botelho conta também que os primeiros dez anos não foram fáceis, já que serviram, essencialmente, para pagar o investimento e manutenção, tendo sido essencialmente esse período composto de muito empenho e esforço, algo que hoje recorda e pertence a muitos dias e noites de entrega às canseiras e dificuldades. Aparentemente a tempestade já passou. A Tipografia Micaelense funciona atualmente apenas em offset, ainda que esteja por ali uma Heidelberg muito antiga e demais


fia se máquinas de outros tempos, subtilezas relacionadas com as artes gráficas do passado e de onde saiu recentemente a capa do livro “Os Caminhos do Chá”, um singular e extraordinário catálogo de divulgação da exposição organizada pelo Museu Machado de Castro (em exibição até Agosto) ou ainda a bonita “Agenda Luz de 2016”, trabalho realizado na íntegra no espaço da Tipografia por um grupo alargado de pessoas, mais uma vez com Júlia Garcia à cabeça. Esta terceira edição da Agenda Luz mantém técnicas de impressão antigas na capa e nas artes finais, ainda que uma boa parte seja realizada em offset. A Tipografia Micaelense continua assim viva, vivinha e, por sinal, bem “requinha”!

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O Obséquio de Comprar

Produto

Não podemos descurar a compra dos produtos que a terra açoriana nos dá quando é o tempo delas, claro.

FERNANDO NUNES O Mercado da Graça, em Ponta Delgada, abre portas muito cedo, por volta das sete horas da manhã, repetindo o mesmo horário até quinta-feira, encerrando nestes dias às seis da tarde. Nos dias de sexta e sábado este lugar de comércio está somente reservado às manhãs, pois encerra às duas da tarde e, dado que se encontra fechado aos domingos, tem essa particularidade de concentrar as vendas apenas numa parte do dia. O melhor mesmo é começar as compras bem cedo pela manhã. Logo à entrada do mercado, devemos exercitar o sentido do olfacto, já que acreditamos não ser provável usar o paladar. Assim, exercitemos o nariz para exalar de aromas e cheiros dos produtos da terra que lá se encontram, provenientes dos mais diferentes lugares da ilha verde. Esse sentido deve vir, portanto, muito antes da visão, já que muitas vezes a

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aparência e colorido dos respectivos víveres não é atributo nem posse de odor exuberante e frescura, por isso convém meter a mão e o nariz onde se é chamado, sem abusar, evidentemente. A realidade é que muitos de nós acordamos com ânsias e desejos de artigos frescos, coisas boas, frescas e tenras, sobretudo deliciosas para comer ou ter por perto e, se possível, muito, muito saborosas. É, sem dúvida, zeloso e bastante prudente da nossa parte ir ao encontro das delícias e paladares que a nossa terra e mar nos presenteia, sendo essa uma exigência obrigatória da


os da Terra e do Mar

em PDL

Ilustração: Mário Roberto qualidade alimentar que queremos, bem longe dos plásticos e demais embalagens poluentes, ainda que com a curiosa vantagem de se poder aprender sobre o tempo das colheitas e abordar a meteorologia de forma provisória e descomprometida, à boa maneira açoriana. O Mercado da Graça é ali, na freguesia de São Pedro, num edifício que remonta a meados do século XIX, lugar de concentração dos vendedores habituais, as pessoas que fazem e vivem aquele quotidiano enquanto comerciantes e vende-

dores de produtos locais. Por vezes, simpáticos, outras vezes cansados com as agruras de um quotidiano árduo e nem sempre dispostos a tolerar clientes inquisitivos ou impacientes. No entanto, por vezes é deveras surpreendente a permanente alegria e boa disposição que se vislumbra num lugar como este, sabendo nós das histórias de sacrifício, abnegação e obstáculos que existem por detrás daquelas existências. O lugar é, pois, propício à policromia em qualquer altura do ano, com uma pletora de cores composta pelos frutos, vegetais e flores que cada época lhe con-

fere. Na visita diária a realizar Por último, lá bem ao fundo do mercado, há também uma peixaria, sendo razão de sobra para aí se encontrar e indagar a origem dos peixes do mar profundo deste nosso Atlântico sem fim. É prática comum depará -nos com o peixão, veja, boca negra, espadarte, alfonsim, imperador, bodião, bonito, congro, chicharro (no continente, o jaquinzinho) e ainda o polvo, que dali a poucas horas passarão a ser as verdadeiras atracções das nossas mesas e, claro, da restauração local.

inhame pimenta da terra batata doce 15 | fazENDO


O Épico de Gilgamesh MARIA EDUARDA ROSA A considerada epopeia mais antiga do mundo, 1750 a.C., de nome Gilgamesh, é uma história sumero-babilónica que tem vindo até nós graças a descobertas arqueológicas feitas em Ninive, norte do Iraque, a partir de 1853, por Austen Henry Layard e tendo sido sempre atualizada devido ao cruzamento de versões diferentes dadas à luz mais tarde. Fiquei fascinada com a versão em português de Pedro Tamen, do texto inglês de N. K. Sandars (edições Vega, 1989) com um excelente prefácio e desenhos de Luís Alves da Costa. Tive, no entanto, o privilégio de ver na íntegra a representação de Gilgamesh pelo Propositário Azul que esteve em cena no Teatro da Cornucópia de 25 de novembro a 13 de dezembro do ano passado, o que me fascinou. Não deve ter sido sem muita imaginação e talento que aquela companhia nos trouxe tão curioso espetáculo. O rei Gilgamesh é um homem que, querendo perdurar na História como imortal, faz um percurso iniciático em que aprende, na complementaridade com Enkidu, o amigo criado pelos deuses a partir do barro, a reconhecer-se uno, capaz de tentar afastar-se dos mortais e aproximar-se dos deuses. Para isso percorre um longo caminho de provas. Não é minha intenção contar a história do rei Gilgamesh, decifrada nas tábuas de argila em escrita cuneiforme que se mantiveram debaixo dos

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escombros das bibliotecas do palácio real de Assurbanipal cerca de 2500 anos, mas sim chamar a atenção para o facto de haver semelhanças na Bíblia Sagrada, datada de 1513 a.C., com este texto anterior de mais de 1200 anos. Eis algumas semelhanças (1), a título de exemplo: Tábua I: vv.99-108 e Génesis 8:1-12; Tábua XI: vv.158-173 “O Monte Nimus trava a Arca” e Génesis 8:112 “O Dilúvio”; Tábua X: vv.1-15 “Gilgamesh e a Taberneira Siduri” e Eclesiastes 9:4-10; Tábua x: vv.67-73 “Gilgamesh e Ursanabi” e Samuel 2: 1-26; Tábua VII: vv.87-115 “Agonia de Enkidu” e Génesis 3: 14-16. Terminamos com a transcrição dos versos 158-173 da Tábua XI em que os leitores logo notarão a identificação com a descrição do Dilúvio do livro Génesis da Bíblia. Gilgamesh, Tábua XI: vv.158-173: O Monte Nimus trava a Arca “Inspeccionei as extensões, procurei litorais, averiguei catorze cumes que despontavam. No Monte Nimus, a arca tocou terra; o Monte Nimus travou a arca, impedindo-a de se mover, um dia e o segundo, o Monte Nimus travou a arca, não a deixou mover-se, um terceiro e um quarto, o Monte Nimus travou a arca, não a deixou mover-se. Ao chegar o sétimo dia, peguei numa pomba e larguei-a. Voou a pomba,

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« O processo criat numa ativação inc do arquétipo. » mas tornou depois. Posto que não encontrou poiso, regressou. Peguei numa andorinha e larguei-a. Voou a andorinha, mas tornou depois. Posto que não encontrou poiso, regressou. Peguei num corvo e larguei-o. Voou, viu que baixavam as águas, encontrou alimento, debicou, crocitou, não tornou.” O dilúvio. Arca encalhada num monte (Nimus - Ararat) donde são lançados animais semelhantes (o corvo, a pomba…). Curiosas estas novas descobertas, não acham? Já dizia Jung que o processo criativo consistia numa ativação inconsciente do arquétipo e numa elaboração e formalização na obra acabada. O artista transcreve a linguagem primordial que capta do inconsciente para o tempo presente, dando aos seus contemporâneos esse conteúdo duma forma acessível. Foi o difícil mas interessante trabalho do grupo Propositário Azul que felicito por esta adaptação do épico de Gilgamesh, rei do sul do Iraque, há cerca de cinco mil anos. 1.Gilgamesh, tradução de Francisco Luís Parreira; Bíblia Sagrada. Ed. Missionários Capuchinhos. Lisboa: Difusora Bíblica, 1992.


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A Ilha em Ce

FERNANDO NUNES Fernando Resendes é fotógrafo de cena do Teatro Micaelense. É por isso natural encontrar fotografias suas no interior ou mesmo no exterior deste lugar destacado da vida social e cultural da urbe insular. O fotógrafo nasceu a meio da década de sessenta no arquipélago dos Açores. Aquando da sua data de nascimento, em 1964, o navio cargueiro “Dori”, que tinha participado no desembarque nas praias da Normandia, ao serviço das tropas aliadas, em Junho de 1944, imergiu a cerca de 800 metros da costa sul, ali bem perto de Ponta Delgada. A ilha verde, São Miguel, é, pois, berço e lugar de residência, sendo a ilha todo um mundo que lhe interessa percorrer, reconhecendo este que, para lá do calhau e do sal, traz consigo o Nordeste, a Água Retorta, as Capelas e, evidentemente, a cidade-meta de Ponta Delgada.

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Desta feita, o fotógrafo Fernando Resendes, fabricador de imagens de espectáculos de vária natureza artística, possui uma especial estima pela fotografia a preto e branco. É neste registo que este julga dialogar com a vida, uma paixão que se contempla os recantos da ilha, um olhar que brota da realidade e da natureza. As fotografias deste tríptico são desse encantamento testemunha. Elas fixam a instabilidade dos dias insulares, pretendem também conservar a memória do tempo presente, dão-nos a oportunidade de observar a inconstância das nuvens e da luz que, sobre nós, passa. É um tríptico unido, não pode ser visto de forma separada, dado que as imagens constroem e escondem vários sentidos, convergem para uma narrativa integral. Uma ilha em cena tornada realidade.


ena Fernando Resendes

é fotógrafo de cena do Teatro Micaelense

As fotografias deste tríptico (...) fixam a instabilidade dos dias insulares. 19 | fazENDO


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