Fazendo 74

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MAIO

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O BOLETIM DO QUE POR CA´ SE FAZ

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

mensal e com o dobro das páginas - tudo o que por cá se faz, e ainda se vai fazendo muita coisa: álbuns, exposições, peças de teatro, filmes, workshops, associações pelos direitos humanos, concertos, viagens, ideias, danças, descobertas arqueológicas, pesquisas para curar malária, monitorização de tartarugas e outros animais, hortas e trocas, voos picados e movimentos pela utilização das bicicletas. crise? só se for na tua terra.


O manifesto que a direcção do Fazendo publicou em Outubro de 2008 explicava em poucas linhas aquilo em que o jornal se veio efectivamente a tornar ao longo das mais de 70 edições que lhe seguiram. Agora, a direcção muda. Mudam os directores, porque a direcção que se tenciona seguir é precisamente a mesma. E com a mesma imensa vontade de fazer exactamente a mesma coisa, só que mais espaçadamente. Dos quinze em quinze dias habituais, passámos para o mês a mês. De 8 passamos para 16 páginas, ou seja, o mesmo número a cada 30 dias. Mas com mais tempo para planificar, escrever, paginar, publicar… e para ler.

Capa Fazendo nº1

E como nada mais temos a acrescentar ao Manifesto original, aqui fica o seu fac-símile. Concordamos com tudo, menos com essa forma esquisita de hifenizar palavras do ano de 2008. Nós, o Fazendo.

Ágata Biga

“Sediments”

Sala Polivalente da Biblioteca Pública da Horta até 25 de Maio 2ª a 6ª, das 10:00h às 12:30h e das 14:00h às 16:30h.

A criação artística tem sempre implícita uma intencionalidade: o entendimento mais profundo do mundo e da condição humana. Nesse sentido, a arte é uma forma de comunicação com a realidade através do olhar e da sensibilidade. A linguagem artística traduz uma experiência de vida, uma impressão que surge associada às operações reflexivas do próprio corpo. É nascente da ideia, que materializa o desejo, a escolha; é ato de liberdade criativa, indissociável do corpo e das emoções. Foi nesse lugar que me encontrei face-a-face, com o discurso poético da Ágata Biga. O seu projeto “Sediments” parte do olhar e da realidade quotidiana - uma toalha, a fechadura de uma porta, uma folha de árvore e, a partir daí, estende uma visão originária, comum à perceção e à fala com o mundo, transpondo

, ARTES PLASTICAS

Editorial

Às 2ªs feiras o horário é alargado e conta com a presença da artista das 16:30h às 18:30h.

para o domínio da ideia e da poesia; um espaço aparentemente familiar, mas operando a desconstrução dessa mesma familiaridade. Noutros termos, na fotografia da Ágata Biga repousa uma visibilidade inteira de espaços comuns, se bem que invisíveis ao olhar apressado, que ela tornou poeticamente visíveis; recriou; libertou do hábito que torna cativo o olhar, provocando a interrogação e o espanto. Aprender a olhar é mais do que uma forma de alargar o conhecimento do mundo; é experienciar profundamente a realidade, muito para lá de aparências equívocas. Neste universo do olhar distinto, a originalidade afirma-se como valor estético fundamental e, por essa razão, é interessante perceber que a Ágata é uma inventora de realidades, uma criadora. Intencionalmente retoma

e converte em objeto visível o que, sem o olhar profundo, permaneceria encerrado na sua função quotidiana, inacessível à vida subjetiva e à poética do mundo. Desdobrando o segredo da visão; trazendo à luz a carga poética das coisas simples no mundo, como ela as vê, e sente e imagina, para além do que a perceção imediata capta, transporta-nos para o campo da arte e convida-nos à dimensão poética e ontológica do olhar. Por essa razão, Sediments é enigma; sedimentos de ideias que assomam ao corpo, ao mesmo tempo vidente e visível. Surpreendente e estimulante, para as papilas gustativas, a instalação construída com cuvetes de arroz doce, que estimulou não apenas a visão, mas o olfato (o odor a canela), e o palato, dado que fomos convidados a saboreá-la. Maria do Céu Brito

Joana Rosa Bragança

não me importava morrer se houvesse guitarras no céu

Natural de Sagres, Joana Rosa Bragança licenciou-se em Artes Visuais pela Universidade de Évora e mais tarde passou pelo mestrado de ilustração artística do ISEC/UE. Faz desenho, ilustração, gravura, fotografia e sempre que pode aventura-se no mundo das três dimensões. Actualmente vive e trabalha entre Olhão e Lisboa.

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Bicho Peculiar A Joana Rosa Bragança surgiu de

lugar algum, e imediatamente foi e é sua a música das esferas. Dotada de um vocabulário urgente e vigoroso, é com surpresa e intranquilidade que passamos a viver com o seu trabalho. Ao observarmos o seu cortejo impossível de pessoas e bichos,

www.joanarosab.com percebemo-la a ombrear com o traço fundamental de Beatrix Potter, mas com o imperativo grotesco de Maurice Sendak. A sua arte tornaria possível O vento nos salgueiros por Edward Gorey, e subtraído de uma outra época, o Senhor Hulot, vai uma vez mais de férias. Joana Rosa anuncia um universo lírico e convulso, umas vezes picaresco, outras hirsuto e revolto. Mas sempre irónico e profundamente crítico. Existe aqui um humor e um rumor proveniente de um universo paralelo. A Joana Rosa na realidade não surgiu de lugar algum, ela provém de um mundo maravilhoso e desconhecido que habita as sombras do quotidiano. E que nos observa. E que nos deseja sob a forma de desenho. João Maio Pinto

Capa


Pode ser um Ah, pois pode! E também pode mesmo quando aterra e, ainda assim, se fica na ilha...E isto quer dizer o quê? Isso agora..., pode querer dizer, por exemplo, ir ‘fazendo’ músicas. Ou não! Depende do bicho de cada um... Mas são sobretudo trocadilhos com sentido que ressaltam de uma conversa vadia tida com os Bandarra, e de palavras retiradas de letras de duas das 14 canções do seu último disco, “Bicho do Diabo”, que soltaram no Teatro Faialense na noite de 14 de Abril. Todos os membros da banda, embora residam na ilha há uns quantos, quantos anos, não nasceram no Faial. Miguel Machete (Pietá), de Lisboa, mudou-se há 15 anos; Pedro Gaspar (Fausto), também de Lisboa, há 11 Cláudia Oliveira (Lau), nasceu em Gaia, e está por cá também há 11 anos; Rui Martins (Gira), é de Girabolhos e mudou-se há 7 anos; Luís Santos (Batata), da Moita, chegou há 4 partiu entretanto e espera regressar logo possa, e já Christopher Kim Pham (Bernie), veio há 5 anos da Bélgica... Assim, em comum, além da música, da amizade, têm também este fado do encantamento ilhéu. E aqui, conta Pietá no espaço de tempo entre testes de som e o concerto de apresentação do último trabalho gravado dos

Bicho do Diabo

Bandarra, se inspiraram e gravaram o vídeoclip do tema “Vamos à Praia”, com realização de Gonçalo Tocha. Pietá que além de vocalista também é o autor das letras, confessa que nunca se identificou com a cidade onde nasceu, daí que, aos 17 anos de idade, saiu. Rumo ao sul do país. Mas umas férias de 15 dias nos Açores trocaram-lhe o norte. “Enquanto não consegui vir para cá viver não descansei! E é um pouco o que se passou com cada um dos elementos da banda. Lau, que é bióloga, recorda com um sorriso que, inicialmente, só contava passar seis meses no Departamento de Oceanografia e Pescas, da Universidade dos Açores. “Acho que aqui há mais tempo para sermos, para vivermos”, diz. Conheceram-se na ilha e decidiram então, porque ‘tocavam umas coisas’, dar vida a um projecto musical. Depois de assistirmos aos testes de som, comentamos que com os instrumentos que iriam ser usados no concerto, “não tocavam só umas coisas”... A resposta é acompanhada de um sorriso. “Sim, este colectivo vive exactamente das energias e das ideias que aparecem, dos sons... Temos sempre uma porta aberta para aquilo que possa aparecer e há um dia que há um que se lembra: “ Epá! Então e se a gente pusesse aqui um bandolim?!

Isso é que era! Embora um bandolim!!” Sabendo que os Bandarra não gostam muito de rótulos, notamos que a música ouvida é ‘muito portuguesa’. O vocalista não discorda. “É, é! A nossa música é música popular portuguesa e então neste disco eu acho que ainda é mais! E até diria, até diria que ainda é mais açoriano, isto em termos de influências. De facto, a ilha tem uma influência muito grande sobre nós …” Agora, os Bandarra, ‘profissionais’ do amor à música, querem partilhar “ao máximo” as suas canções e de acordo com as oportunidades “tocar, tocar” pelas ilhas, pelo país e por aí fora. “Epá, estejam atentos porque qualquer dia a gente passa aí! E a ver se nos encontramos, ‘tá bem?”, diz por fim Pietá, em jeito de recado. Olímpia Granada

Nuno Brito e Cunha

, MUSICA

e quando o avião não vem?

e no Faial

o que é que se passa?

“-Epá...”. Esta expressão foi a primeira reacção de Pietá à pergunta feita. “No Faial não se passa muita coisa... há dois ou três projectos, se calhar com estas características de música mais popular, mais transversal...”, reconhece depois, confessando ainda que “é uma coisa que estristece um pouco”.

“E eu até diria mais: acho que a nível dos Açores com a quantidade de músicos que há – porque há muitos e muito bons (e estou a falar de música ligeira, de música popular)!... ,não sei, nunca consegui perceber muito bem porque é que não há mais projectos, que a gente conheça, que se oiça falar deles, que os possa encontrar, possa

ouvir o seu trabalho...”, diz. Admite que “se calhar há, mas não ‘aparecem’, não sei onde é que estão... não quero dizer com isto que não há nada, claro que há, mas para a dimensão que isto tem e a quantidade de músicos que há, francamente não percebo!” Sobre as expectativas depositadas neste segundo trabalho gravado, Pietá diz que, tal como no primeiro disco, “partilhar a nossa música, chegar às pessoas, levar as nossas canções, mostrar aquilo que fazemos e, depois, ver o que é que acontece...” Questionado, por outro lado, sobre qual a maior dificuldade que enfrentaram na produção deste disco, o vocalista dos Bandarra começa por

enaltecer Anabela Morais, “amiga e agente”, por ter embarcado na “aventura”.

“Não vou para aqui começar a chorar, mas... estamos nos Açores, estamos no meio do mar, para sairmos daqui temos que apanhar o tal avião, coisa que nos dificulta a vida a nós e a todas as pessoas que precisam de circular e […] isto é uma edição de autor, logo todos os custos associados somos nós que os suportamos! Tivemos uma colaboração da Direcção Regional da Cultura para a gravação do disco, especificamente. Mas também, francamente, é uma pequena parte de tudo aquilo que temos que gastar e dos custos que uma coisa destas

tem....”, relata a jeito de dissertação. Logo, mais palavras para quê? E como não conseguem (ainda) ‘ganhar a vida’ com a música, diz que se o conceito de banda profissional resulta disso mesmo, então “não somos uma banda profissional, porque nós não conseguimos viver disto!” Mas, acentua, “fazemos isto com muito amor! Daí, se calhar, somos amadores mas felizes...! Fazemos isto com muito amor, dedicação e muito trabalho para chegarmos onde achamos que devemos estar, quer dizer, das canções, do trabalho que fazemos.... levamos isto a sério, sendo um prazer, um prazer imenso!” Olímpia Granada + 3 + FAZENDO + maio 2012 +


aterra na Horta Osso Vaidoso, o mais recente projecto de Ana Deus e Alexandre Soares (exTrês Tristes Tigres), chega no dia 2 de Junho ao Faial, para um concerto intimista no Bar do Teatro Faialense. Considerado um dos melhores álbuns portugueses de 2011, Animal é um trabalho feito a uma voz e guitarra com arranjos electrónicos. Minimalista e essencial, a palavra ocupa um lugar central neste projecto que, em bom português falado - cantado - gritado

e com guitarras provavelmente improvisáveis, se apoia nos cúmplices textos de Regina Guimarães, Alberto Pimenta e Valter Hugo Mãe entre outros. Na próxima edição do Fazendo, teremos uma entrevista do Fausto a estes dois pioneiros da pop portuguesa. Até lá podem utilizar este código QR para acederem directamente ao vídeo do single de apresentação” Pedro Rosa

Manuel Mendes Manuel Mendes nasceu em Lisboa pelo ano de 1547, vindo a morrer em Évora a 24 de Setembro de 1605. Segundo o historiador Diogo Barbosa Machado, Mendes foi mestre de capela na Sé de Portalegre e, mais tarde, da capela privada do Cardeal Infante D. Henrique. Quando este se tornou Arcebispo de Évora em 1575, Mendes acompanhou-o para esta cidade. Em Évora, Manuel Mendes ocupa o posto de mestre dos moços de coro da Sé a partir de 1578. Nesse mesmo ano é ordenado padre e em 1588 torna-se bacharel da Sé, posto que ocupa até à sua morte.

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Lira Açoriana

Osso Vaidoso

Orquestra Regional

, MUSICA

A Orquestra Regional Lira Açoriana foi criada em 1998 por iniciativa da Presidência do Governo dos Açores, reunindo cerca de uma centena de jovens músicos das nove ilhas açorianas. Dirigida pelo maestro António Melo, a Lira Açoriana integra executantes de várias idades. Com um diversificado reportório de música ligeira e erudita, a orquestra serve de suporte ao aperfeiçoamento das bandas da Região, assumindo-se como símbolo da unidade regional. Os espetáculos tiveram lugar no Teatro Faialense, no dia 5 de abril, pelas 21h30 e dois dias depois, a 7, na Igreja Matriz das Lajes do Pico, pelas 20h30. No primeiro concerto atuaram a Orquestra Lira Açoriana juntamente com o Grupo Coral da Horta e, no segundo, ambos foram acompanhados pelo Grupo Coral das Lajes do Pico. Do programa a apresentar consta um reportório variado, constituído por peças de autores açorianos, temas da música popular e trechos célebres de compositores de referência no panorama musical europeu. Os 8 temas do programa dos concertos são Persis de James L. Hosay, Nas Asas do Milhafre de Helder Bettencourt (que dirigiu esta peça), Três Oceanos de Antero Ávila, The Transite of Venus de Carlos Marques, Mar no Fundo, com arranjo de Antero Ávila, Bela Aurora, com arranjo de Helder Bettencourt, Nabucco de Giuseppe Verdi, com arranjo de Helder Bettencourt, Alelluia de Georg Friedrich Haendel, com arranjo de Antero Ávila. Helder Bettencourt

uma nota biográfica Mendes é referido como “mestre de toda a boa música deste reino”, como um elogio ao seu mester de compositor. Apesar da sua música sobrevivente ter um cunho de austeridade e rigor contrapontístico, foi mestre dos nomes mais sonantes da música da primeira metade do séc. XVII: Manuel Cardoso, Duarte Lobo, Filipe de Magalhães, Manuel Rebelo, entre outros. Da sua música, de estilo sóbrio e por vezes austero seguindo a tradição de Josquin Desprez e Cristóbal de Morales, sobreviveram até aos nossos dias duas missas, duas antífonas e um Alleluia. No catálogo da biblioteca musical de D. João IV são mencionados seis motetes e um tratado, que entretanto se perderam com o terramoto de 1755. Luís C. F. Henriques www.luiscfhenriques.com

FAZENDO

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Nasci no sul da província de Ontário no Canadá. O lugar chama-se Oakville. Também foi lá que tive a minha educação desde a escola secundária e depois no Colégio de Teatro seguindo para a Universidade de Toronto onde me formei. Mas as minhas raízes sempre foram a ilha do Pico onde cresci e iniciei a vida artística.

“Armadilha”, a última proposta cénica do Teatro de Giz, remete-nos para a incomunicabilidade dos nossos dias, precisamente num tempo em que andamos todos saturados de comunicação, de informação e de imagem.

TEATRO

Terry Costa

MiratecArts

A “Armadilha” do Teatro de Giz

A minha primeira professora de teatro e canto foi a Irmã Nivéria da Casa de S. José da Candelária. As histórias e bons momentos que tenho daqueles tempos dariam um livro pesado ou mesmo um filme cheio de uma vida bem alegre mas também com umas cenas um pouco controversas. A vida afinal não é só maravilhas.

Partindo do texto “Armadilha para Condóminos”, de Ricardo Alves e Salgueirinho Maia, da Palmilha Dentada, o encenador Rui M. Silva concebeu um espetáculo sobre essa ausência de comunicação, colocando o espectador numa zona de fronteira, obrigando-o a assistir a um jogo de ressonâncias. Comunicando, as personagens não comunicam e são impotentes para contrariar o curso dos acontecimentos, outras vezes incapazes de perceber, sequer, o que está a acontecer ou o que se passou. Num ambiente concentracionário, sucedem-se as perplexidades, as inquietações e os equívocos. Tudo se passa na entrada de um prédio onde as portas só se abrem por fora, e onde vivem pessoas que não se conhecem mas que sabem tudo da vida umas das outras. As personagens pensam, vivem e partilham a sua problemática à frente do público, sendo que os diálogos refletem a natureza instável das suas relações humanas.

Os atores, com rigor e competência, demonstram essa capacidade de jogar verdade a mentir. As suas personagens, perversas, transviadas e exuberantes, a isso obrigam: César Lima (arrebatador e irónico, notáveis inflexões de voz), Filipe Capela (histriónico, excelente linguagem gestual e corporal), Luís Bicudo (olhar feroz, uma muito bem conseguida linguagem facial), Maria Miguel (etérea e expressiva, fôlego interminável, trabalho físico impressionante). O meu aplauso ao Teatro de Giz que vem trilhando, de forma contínua e continuada, caminhos experimentais e alternativos, numa incessante busca de novas linguagens, não perdendo de vista o teatro contemporâneo. É fundamental estar contra a corrente, é sim senhor. E é importante reivindicar a liberdade de todas as atitudes. Mas também é bom que se diga que o humor não tem que ser necessariamente negro (ando farto das doses pantagruélicas de humor negro no teatro e na televisão) e que há outras formas de representação para além do teatro do absurdo, coisa tão antiquadamente pós-modernista já que iniciada nos anos 40 do século passado…

O meu primeiro professor de música foi o Sr. Francisco de Matos, pessoa a quem a freguesia da Candelária do Pico muito deve no que à música diz respeito: desde a construção de instrumentos a ensinar música a todos os que procuravam, até elaborar ranchos de Natal e tunas onde Vejo máscaras a mais e coração a tocávamos Shubert, Mozart, e originais da terra menos nos textos cénicos dos nossos passando por músicas tradicionais. jovens dramaturgos. E é este o aviso Quando cheguei à idade adulta não tinha mais nada Estamos perante a verdade e a mentira à navegação que aqui me permito no pensamento senão trabalhar numa vida artística. no teatro, da ética da metáfora que deixar aos elementos do Teatro de Comecei a minha carreira como actor ainda na o teatro significa e dos corpos que o Giz: que experimentem outros autores Universidade. Muitas actuações com a personagem élfica representam, ou como Lope de Vega e busquem outros rumos cénicos. Puck de Shakespeare, onde fazia pessoas se apaixonarem preconizava na sua “Arte Nova”: Para que não caiam em inusitadas noite após noite, assim como as mais de duas centenas de enganar com a verdade. armadilhas… Victor Rui Dores actuações como outra personagem mítica, Ícarus, levaram-me a abandonar o palco para realizar os próprios trabalhos como encenador, produtor e até autor de alguns. Sempre gostei do mítico com uma dose de realidade, do surreal com uma dose de genuinidade. Sempre gostei de trabalhar com artistas do palco sejam eles dançarinos, músicos ou poetisas. E assim foi por mais 15 anos no Canadá, Estados Unidos da América e até algumas oficinas e realizações em outros países. O bichinho da saudade trazia-me sempre a Portugal e claro, com visitas regulares à ilha do Pico. O local chamado Mirateca, que em 2002 usei para o nome da minha empresa artística canadiana, sempre me chama para uma boa caminhada, uns momentos a sós em cima do rochedo à beira mar, onde o silêncio dá frutos criativos sem interrupções - o local a que eu chamo o meu paraíso. Foi lá que escrevi a peça “69 Momentos da Vida” que esteve em digressão por 22 cidades norte-americanas. Também foi lá que surgiu a ideia de uma peça sobre os sonhos que as pessoas têm sobre a superestrela Madonna. Mas o bichinho continuou a roer tanto que decidi estabelecer um escritório de criatividade e viver na ilha montanha. Deixar para trás um país tão grande como o Canadá para um pequeno cantinho de uma ilha no meio do Atlântico até que não foi difícil. Primeiro, porque não deixei nada para trás. O mundo está todo ao nosso alcance. O Canadá continua no seu lugar, eu continuo canadiano e hoje em dia tudo é perto. Mas a faceta maior que me leva a dizer que esta tansição não foi assim tão difícil tem a ver com o facto de nunca ter sentido que tinha saído da ilha. Meus queridos pais sempre viveram na ilha e as minhas constantes visitas fizeram com que me sentisse sempre em casa. Assim digo, apenas voltei a casa. Agora, o bichinho está a roer para continuar a vida criativa e produzir algo artístico. Continuo a ter muitos sonhos e porque não realizá-los nos Açores? Sim, esse é um dos objectivos. Acho que até algumas das ideias podem ter pés para chegar além-mar. Assim, para dar início à minha criatividade na ilha do Pico convido todos para se juntarem à minha primeira oficina teatral. Vai acontecer no Centro de Formação Artística da Madalena no Pico no dia 5 de Maio. Visite o site www.mirateca.com para mais informações. Terry Costa 120 000 leituras online

ualidade +destaque +barato 37 000 jornais impressos

vai.se.fazendo@gmail.com

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NOBELiárquicos , MUSICA

Samacaio

“Samacaio, Samacaio deu à costa Ai deu à costa nos baixos da Urzelina”…

Ontem como hoje há navios que continuam a dar à costa. O “Costa Concordia”, por exemplo, que bem recentemente adernou na plácida baía de uma ilha mediterrânica. E ainda não se apagou de todo da nossa memória o encalhe do “CP Valour” ali na baía da Fajã da Praia do Norte. E, já agora, convirá não esquecer que este ano da graça de 2012 assinala o centenário do naufrágio do “Titanic”, o tal que chocou com um icebergue nos mares gelados do Atlântico Norte… Foram muitos os naufrágios ocorridos nas costas açorianas, sobretudo quando o vento soprava rijo do quadrante leste (lá diz o povo que “vento de leste não traz nada que preste”). Às vezes esses naufrágios aconteciam dentro das próprias baías, quando subitamente vinha a tempestade e não havia tempo para fazer manobras de zarpar. São os casos da baía de Angra (os barcos espatifavam-se contra as rochas) e da baía de Porto Pim (durante muito tempo conhecida como “cemitério de navios”). “Samacaio” será corruptela de “São Macário”, nome de um suposto navio que supostamente faria viagens entre o Brasil e os Açores e que foi revirando em diferentes ilhas e em diferentes costas. Esta cantiga, tocada dentro dos acordes de ré e sol, com variantes nas letras e na melodia, não faz parte dos folguedos das ilhas de S. Miguel, Santa Maria, Flores e Corvo. Nas restantes ilhas, o “Samacaio” (que “foi feito na Terceira”) tanto “deu à costa”, “revirou”, “naufragou” e “encalhou” nos “baixos do Maranhão” ou “numa praia brasileira”, como nalgumas costas açorianas: por exemplo, “nos baixos da Urzelina”, na ilha de São Jorge.

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César das Neves recolheu o “Samacaio” como originário dos Açores. Segundo um outro folclorista, João Moniz (avô de Carlos Alberto Moniz), há uma versão antiga do “Samacaio” que possui “uma raiz de fado lisboeta” e é como fado que chega até a estas ilhas trazida por marinheiros. É curioso que assim seja. Porque nós, açorianos, soubemos reproduzir mas também produzir música. E exportámos melodias para outras paragens. Sou dos que partilham a opinião de que algum fado e alguma balada de Coimbra têm nitidamente uma raiz da música tradicional dos Açores – música levada para Coimbra por estudantes açorianos de gerações anteriores e posteriores à de Antero de Quental.

Seja lá como for, e à maneira de um outro filósofo, o alemão Hans Blumenberg, encaremos o naufrágio do “Samacaio” e de outros navios como uma “metáfora da existência”. Victor Rui Dores

Pebbles to the Azores, ou,

Querido Faial, Que falta me farás?! O que me fez querer deixar-te e rumar a outro continente, atravessar de um oceano para outro, sendo tu tão verdejante, tão fértil, tão cheio de gente querida? Quem disse que se não te dissermos adeus ocasionalmente sentimo-nos como se vivêssemos debaixo de uma campânula? Quem disse que, apesar de o teu horizonte ser infinito (se a Terra não fosse redonda, avistaríamos os pinguins na Antártida, pelo menos do Castelo Branco certamente), o nosso horizonte mental fica bloqueado em certos dias como um ralo de cozinha ou usamos antolhos que não

nos permitem ver para a esquerda nem para a direita? Terá tudo isto sido esquecido? E porquê viajar até à China, entre todos os destinos possíveis?! Não terei já China suficiente no Faial? Porque é lá que os carris terminam. Carris de comboio que ligam Lisboa a Paris, a Berlim, a Moscovo, a Xangai. O comboio é considerado o modo de transporte mais civilizado, se não o único. Isto se não formos forçados a partilhar uma cabine de primeira classe com políticos e banqueiros de regresso a casa, todos envolvidos numa disputa para ver quem grita mais alto para os seus telemóveis de

última geração as somas de dinheiro mais avultadas ou o maior número de nomes de personalidades? Se não formos obrigados a testemunhar este género de situações, a deslocação em comboio é perfeita. Os comboios deixam-nos no centro das cidades e não em nenhures, a 50 euros de táxi ou a quatro horas de transportes públicos do nosso destino final. Os comboios permitem-nos ver o campo, as paisagens e a arquitectura em contínua mutação; os comboios não nos transpõem em poucas horas para lugares com um clima diferente, uma língua diferente, uma cor de


^ CIENCIA E AMBIENTE

Paquete à segunda feira? Portas fechadas. Caros leitores! Gostava de saber a vossa opinião sobre o seguinte assunto. Eu estive numa tarde do mês de Outubro de 2011 em Bremen e estupidamente não me lembrei que os museus estão fechados à segunda-feira em toda a Europa que conheço. Em consequência da minha ignorância temporária não vi a exposição do “Monet”, o tempo estava tão bom, a cidade tão linda, para quê ver coisas tristes? Estupidamente aconteceu-me a mesma coisa em Bordéus em Janeiro de 2012 (férias de Natal), quer dizer: não me lembrei novamente da segunda, feriado para museus e quase resmunguei a pensar nos dias de férias……..! O que aconteceu na Horta no dia nove de Abril de 2012? A Horta deu as boas vindas a um paquete de mil turistas. Tenho um projecto em preparação que tem a ver com o Centro de Interpretação dos Capelinhos, concretamente com a sinalização de caminhos e edifícios para pessoas com deficiências visuais. O Centro de Interpretação é um excelente exemplo neste contexto. Aproveitei o dia “feriado” do “museu” para procurar o funcionário que ajudou a montar a sinaléctica. E o que encontrei foi a quase totalidade dos táxis que a ilha tem disponível com n-turistas do paquete a tentar saber porque o Centro estava fechado. Com o meu sorriso mais simpático tentei explicar que na Europa os museus estão fechados à segunda-feira. Felizmente ninguém pôs em causa se os Açores pertencem mesmo à Europa!!

pele diferente. Eles transportam-nos terra adentro, preparando-nos para a chegada. Os comboios permitem-nos dormir numa cama verdadeira, comer a uma mesa verdadeira e beber por um copo verdadeiro. Infelizmente, os comboios (ainda) não foram introduzidos nos Açores, embora fosse provável que a UE financiasse a sua introdução, do mesmo modo que financia tantos outros projetos absurdos… por conseguinte, tenho de ir de avião para Lisboa. O avião é um daqueles concebidos para uma geração portuguesa anterior, ou seja, altura máxima permitida para algum tipo de conforto: menos de 1,50 m.

Lisboa: cidade de telhados vermelhos, de antigos edifícios tombados com estendais plenos de roupa lavada, de infinitos becos, de pequenas lojas geridas por idosos encurvados que talvez nunca tenham ouvido falar da MaxMat, da Decathlon ou do AKI (mas que se interrogam por que motivo há cada vez menos clientes). Cidade de passeios de calçada e de senhoras elegantes que desfilam nos seus saltos altos com o diâmetro de uma moeda de cinco cêntimos e que nunca ficam presos entre as pedras! É aqui que têm início os carris, Estação de Santa Apolónia, hora da partida: 16h30. Ruth Bartenschlager

O Dia Internacional contra a Homofobia é festejado em 17 de maio. A data foi escolhida lembrando da exclusão da Homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial da Saúde em 17 de maio de 1990, oficialmente declarada em 1992. Um pouco por todo o mundo faz-se neste dia marchas, beijaços, encontros, entre outras actividades a sensibilizar as pessoas. A Associação LGBT Pride Azores assim vai dar mais visibilidade nos Açores a este dia através de uma apresentação sobre a nova entidade a trabalhar a prol da comunidade LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual, Transgénero) nas ilhas. Todos são bem vindos para se juntarem no dia 17 de maio pelas 18horas na Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça, Rua Walter Bensaúde, 14 Horta-Faial. Para mais informação sobre a associação visite www.prideazores.com Associação L G B T Pride Azores

, Cartas do Exílio

17 de Maio contra a homofobia

Conforme a opinião dos caros leitores, eu posso disponibilizar-me e oferecer-me como guia nestes dias dos paquetes. O preço da entrada deve dar para pagar a luz e etc, uma gorjeta para a senhora do bar e outra para mim. Ulrike Alemoa

+ 7 + FAZENDO + maio 2012 +


CINE

Chamarrita, o Rock Entrevista a Tiago Pereira Tiago Pereira trabalha em vídeo, mas o seu trabalho é muito focado na música. É o principal responsável e o porta-estandarte do projecto “A Música Portuguesa a Gostar dela Própria”, já falado noutras edições do Fazendo e que reúne no mesmo site vídeos de artistas musicais de norte a sul do país, sem deixar ilhas de fora. Foi precisamente nestas ilhas que ficou fascinado pelas Chamarritas e decidiu fazer-lhes o filme “Não me importava morrer se houvesse guitarras no céu”. A Associação Música Vadia produziu, com o apoio da DRAC. Nos intervalos ainda filmou ovelhas e relacionados para o filme que está a fazer com a sua noiva, a artista plástica Rosa Pomar. Esta entrevista foi feita ao longo de vários dias utilizando uma das ferramentas mais à mão do realizador/ arquivista/ visualista... o facebook. Como é que as Chamarritas chamaram o Tiago para as vir filmar? Durante o Sinfonia Imaterial, quando cheguei ao Pico, fiquei completamente maravilhado com a forma como o Décio e o Canarinho José rasgavam a viola. De certa forma enviou-me para a infância. Cresci a ver pessoas a rasgarem instrumentos nomeadamente o meu pai [Júlio Pereira] com o cavaquinho. Aquilo parecia-me mesmo uma espécie de rock & roll da música tradicional. Algo vivo, alegre cheio de vida e euforia. Já tinha visto pessoas a dançarem a partir de um CD mas quando ouvi a música ao vivo aquilo chamou-me. Era único, com o mandador a bailar, e era tudo rico: o ritmo, os passos, o ser uma valsa mas frenética, mandada mas insular, cheia de lados secretos, coisas que não se passam, nem se explicam e soube de certa forma que tinha de fazer um filme que mostrasse aquilo tudo, que mostrasse o quanto ainda havia formas populares de música e dança vivas fora dos ranchos folclóricos e que isso estava nos Açores, especialmente no Pico e no Faial. A rodagem é sempre a concretização de uma ideia e a descoberta de realidades ainda desconhecidas. Entre a primeira vez que as chamarritas chamam a tua atenção e o momento em que acabas a + 8 + FAZENDO + maio 2012 +

rodagem e te pões a montar, o que é que aprendes mais sobre elas? Na verdade nada de especial, acho que é essa a questão principal nos meus filmes. Eu não quero aprender nem quero ensinar. As chamarritas têm as suas questões privadas, os seus segredos. O que eu quero é conseguir passar aquela energia, aquela vida, o lado insular que se transforma numa libertação. É mais como conseguir passar em vídeo que é possível passar 45 minutos às curvas numa ilha escura sem veres carros nem pessoas e depois chegas a um sítio escuro com o mar em frente e tens 100 pessoas de todas as idades a tocar e a bailar chamarritas. Como se transmite isso? Como se quebram as barreiras do antifolclore, como se mostra que aquilo não é folclore na maior parte dos casos? Baila-se só porque sim, porque é assim vivo, pulsante, com uma energia frenética como um vulcão, como o verdadeiro rock&roll das gentes, isso é que eu apreendi mais do que ter aprendido. Vi, observei, filmei e percebi o que já sabia: que ainda existem práticas musicais populares vivas que ninguém conhece e que permanecerão desconhecidas porque as pessoas são preconceituosas e só querem gostar do que conhecem e lhes chega pela rádio e televisão; que insistem em dar influências anglosaxónicas e alternativo pimba e fácil, não entendendo que existem coisas que estão à nossa frente e que são de uma simplicidade tonta até porque são do mais complexo que há! É isso que eu queria ver e passar com as chamarritas!

No dia em que sabes qual a tua missão neste mundo tudo o que resta não parece muito importante.

Filmaste chamarritas, andas a filmar lã e ovelhas e tens recolhas de música de todos os cantos do país e de todas as idades. Este trabalho de recolha e de projecção é mais do que a construção de um arquivo. É uma vontade de mudar. Mudar o quê? Mudar a forma de pensar. No filme da “Lã em tempo real” que faço com a Rosa, ela a determinada altura fala de haver muita matéria prima que é de cá e que não se sabe o que lhe acontece. Eu acho o mesmo em relação à cultura musical. As pessoas só gostam do que conhecem ou do que os outros gostam. É muito difícil gostar do que não se conhece. Logo eu tento mostrar ao máximo o que se faz musicalmente em Portugal e a chamarrita é um bom exemplo! Há que mudar mentalidades. Este tipo de música não passa na rádio nem na televisão e por outro lado está viva mas é preciso mantê-la viva. Se

não mudamos as coisas, daqui a cinco anos todas as chamarritas são bailadas com CD porque não há tocadores. Há quem queira aprender a dançar, mas tocar é outra coisa... Tens as redes sociais, o facebook, como o meio mais imediato e sincero de divulgação do teu trabalho e da tua posição enquanto artista. Quem te segue de perto já notou algumas “queixas” recorrentes. O “fantasma” do Giacometti, os “puristas”, as danças europeias... Ao certo, com o que é que não concordas e porquê? Com os puristas, por andarem à procura do que é genuíno e puro, o que não existe. É como procurar um pote de ouro no fim do arco- -íris. A música tradicional sempre foi evolutiva e de fusão na sua génese. Com as danças europeias, porque cometem muitas vezes o erro de só


EMA

k’n’Roll das gentes Luís Sebastião mandador de chamarrita num fotograma do filme

lado não acredito nisso, mas acredito que é preciso divulgar essa música e promovê-la como resposta aos outros estímulos e à industrialização.

divulgar as que não são portuguesas e de retirar as outras do seu contexto cultural transformando as danças num produto, como aconteceu de resto com as danças de salão. Com o Giacometti, porque a tradição hoje não pode ser vista como uma sacralização do que era há 50/60 anos, a tradição é mutável e sempre se foi adequando. Hoje ainda se discute o que é tradicional ou não no meio de grupos de pessoas e bandas que simplesmente repetem o que já foi feito há 30 anos. Para mim que cresci nesse meio da música tradicional é mesmo estranho ver músicos a fazerem hoje o que o meu pai já fez 30 anos atrás. A lógica da sacralização do que é a noção de rural , tradição campestre e idealismo popular são heranças que vêm do Giacometti e que hoje não acrescentam e não trazem nada de novo. É preciso ver estas coisas como

células vivas que se podem imiscuir e misturar com tudo e que são tão amostras sonoras como a gravação de sons produzidos pelo organismo. Ou pelos pássaros na praia. O que eu acho é que de facto todos estes assuntos são muito difíceis e de discussão renhida. Por um lado é preciso divulgar e dar a conhecer a música portuguesa mas por outro é preciso aceitar que ela tenha influências e que muitas dessas influências não são portuguesas. E que é mesmo duro (para não dizer impossível) definir o que é português ou não! A Chamarrita é portuguesa? Ou foi introduzida por flamengos e alemães, misturada pelos piratas e pelos escravos e depois transformada e assimilada pelos locais até se transformar no que é hoje? Não sabemos, portanto se por um lado luto por uma consciência colectiva de uma música portuguesa, por outro

Grande parte do vosso trabalho não é subsidiado, apesar da visibilidade e do reconhecimento que tem tido em Portugal e mesmo lá fora. A quem deve o estado e o povo português agradecer o facto de vocês ainda conseguirem ir a todos os cantos do país filmar e gravar? Ou seja: vives de quê? O amor às coisas nunca pode ser ignorado, ser generoso é uma espécie de benção. Desde Janeiro de 2011 que alimento o canal da mpagdp às minhas custas. Como vivo, não sei. Mas o amor que se dá sai sempre para fora. Podes ser muito bom técnico, executante, músico pop, artista plástico, podes ter toda a teoria, mas tens de ter um amor que vem de dentro e que faz com que tudo seja uma espécie de missão. Tens de ser comprometido. No dia em que sabes qual a tua missão neste mundo tudo o que resta não parece muito importante. Eu vivo como os outros: faço trabalhos, uns aqui outros ali, dou concertos, performances em tempo real, faço filmes por encomenda, nunca recebi um subsídio. Faço porque tem de ser e vou conseguindo viver umas vezes melhor outras pior. Faço filmes por preços muito baixos e ganho muito pouco dinheiro para o trabalho que dão. Mas vou conseguindo e é assim que tem de ser!

lado se deve construir instrumentos de forma a que eles possam servir os músicos em todos os seus devaneios, por outro lado se todas as violas da terra tiverem pick ups e estiverem preparadas para serem tocadas com pedais etc, vão todas soar ao mesmo e vão perder a sua identidade. Tanto podia ser uma viola da terra como uma guitarra eléctrica, no meu trabalho é a mesma coisa. Por um lado eu preciso de recolher e de arquivar para que esse trabalho seja feito e as coisas estejam documentadas e mostrem uma música portuguesa viva, fora da indústria, rica e variada. Por outro lado é preciso furar os preconceitos e apresentar esses produtos dentro do contexto da arte contemporânea actual e dentro das teorias do vídeo em tempo real, explorando ao máximo o meio audiovisual. E as duas coisas não passam uma sem a outra mas também criam rupturas e controvérsias. E agora a última pergunta: não te importavas de morrer se houvesse o quê no céu? Se houvesse a Rosa Pomar. Aurora Ribeiro

Para este filme das chamarritas tiveste apoio… Sim mas nenhum realizador o faria com este orçamento! É muito pouco para a produção que é! Eu faço sempre porque as recolhas são sagradas e valem mais que todo o dinheiro do mundo. Para finalizar, o meu trabalho obviamente que é artístico mas é baseado em arquivos, eu arquivo para poder “brincar”, basicamente o que faço é criar bases de dados, documentação viva que me permita criar por cima e inventar à vontade. Claro que isto me remete para várias posições que se complementam e contradizem. É a mesma situação em relação à tradição mais purista e à música portuguesa actual: se por um + 9 + FAZENDO + maio 2012 +


NOBELiárquicos LITERATURA

A Porta Estreita de André Gide Locomografia de “Larga é a porta que conduz à destruição e muitos nela entram; mas estreita é a porta que conduz à vida e poucos a encontram.” É a partir da diferente interpretação deste excerto do Evangelho de S. Lucas escutado por duas crianças que se constrói o romance de Gide. Jerome (órfão de pai antes dos 12 anos, de maturidade e sensibilidade precoces) e Alyssa (desprezada ao extremo pela sua mãe adúltera pela descoberta das infidelidades conjugais desta) apaixonam-se sem jamais consumarem essa paixão adolescente no plano físico, o que ainda mais acentua o desejo e a luta constante que os une. Há, primeiro, o problema da idade que os faz optar pelo platonismo; mas a passagem do tempo só conduz ao sacrifício de Alyssa que opta por uma vida dedicada ao divino em vez da concretização do amor físico, julgando que este acto vai redimir todos os envolvidos na trama da sua vida dos castigos de além-mundo. Já Jerome, embora desiludido, não desgosta de se encontrar no papel de herói-mártir, sabendo que não deixa de ocupar o lugar maior no coração de Alyssa.

Esta misteriosa novela merece destaque na obra de Gide, que ganhou o Nobel em 1947 “pela sua escrita complexamente artística, onde a condição e problemas humanos são apresentados com um corajoso amor pela verdade e grande intuição psíquica.” Gide, autor polémico pela sua posição anti-família tradicional e a favor do livre-arbítrio do Homem, foi educado pelo pai (um professor universitário de Direito), e não foi sem reservas que Gide assumiu a sua homossexualidade, casando - apesar disso - com sua prima Madeleine com + 10 + FAZENDO + maio 2012 +

Afonso Braga

quem jamais consumou a união. Teve descendência da única mulher com quem manteve uma relação sexual na vida, a “Dama Branca” dos seus escritos (Elysabeth, filha de uma sua colega escritora). O seu desejo de verdade e a sua necessidade de ser aceite formam a coluna vertebral da sua escrita e foram, sem dúvida, o fermento de uma vida contraditória, onde receios profundos, proibições e liberdade deram as mãos. Carla Cook

Locomografia é uma hipotética descrição íntima dos movimentos e dos sítios neste primeiro tomo poético editado em 2010, pelo ateliê Produção Editorial. Deste modo, podemos expressar que há poetas facilmente identificados pelos lugares onde nasceram e por onde passaram, aí submetendo-se ao exercício nobre e errante da escrita, reconhecendo a cidade de Setúbal ao poeta Bocage, a Ilha do Pico a Dias de Melo, o Porto a Eugénio de Andrade, Lisboa a Alexandre O´Neill, Monsanto a Fernando Namora, Amarante a Teixeira de Pascoaes, entre tantos outros, hoje nomeados pela toponímia e celebrados em dia de festa ou acontecimento literário. Afonso Braga nasceu há 35 anos em Paredes de Coura (sim, é lá um dos festivais mais populares de música no verão!), filósofo de profissão com doutoramento em Cassirer e poeta em andamento nos momentos de ócio,

trabalha actualmente em Coimbra, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em regime de colaboração com o docente Edmundo Balsemão Pires. Nesta obra inicial do poeta estão bem patentes os ecos e o rumor de Herberto Helder, ainda que sejam muitos trânsitos e passagens que deslizam de Coura ao Mondego, com demora em Berlim, poiso de estudos e itinerâncias poético-filosóficas. Este livro primeiro encontra-se assim recheado de iluminações, fogachos e centelhas a incidir sobre demarcações de uma matéria poética fulgurante, escrita sob a forma de renda e em que as falas incidem sobre a luz e as sombras, de maneira a que “as palavras são indicadoras motoras do corpo”. A provar o que se acabou de escrever, leia-se: “o amor era a palavra que dizias/ quando a boca se fechava no silêncio da noite como um cravo incendiado/ pela temperatura da idade como um cravo tocado pela morte/ a entrar na vida como um animal à procura de alimento devastando as veias/ do teu sangue sumptuoso até outro corpo ser imaginado e outras palavras/ reflorescerem nas escarpas do teu ventre perfumado a queda/ nos esgotos da eternidade/ onde não há tempo nem medo que te obriguem ao amor.” Com a segurança de que esta escrita dos andamentos e dos sítios é onde gostamos de permanecer ao longo das estações e ficamos a saber que aquilo que existe são “as idades do poema, o nascimento e a morte de cada palavra”. Enquanto a poesia durar… Fernando Nunes


^ CIENCIA

Telemetria O que é? DOP / UAç

A palavra telemetria tem origem no Grego tele (distante) e metron (medida) e significa “medição à distância”, ou seja, o envio de informação de um local para outro, normalmente através de comunicações sem fios (wireless). A telemetria é utilizada em áreas muito diversas que vão desde o automobilismo e aviação, passando pela agricultura e medicina até à biologia. No meio marinho a telemetria ganha particular importância pois possibilita a recolha de dados biológicos de organismos dificilmente observados no seu habitat natural. Esta ferramenta pode ser utilizada em muitos tipos de animais (peixes, cetáceos, tartarugas, aves, etc.), permitindo não só obter informações referentes à movimentação mas também ao comportamento, actividade e tipo de habitat utilizado. Os sistemas de telemetria baseiam-se na fixação de um transmissor ao animal, que recolhe e envia informação sob a forma de energia sonora para um receptor, que se pode situar perto (centenas de metros) ou longe (centenas de quilómetros) do indivíduo marcado. A informação pode ser emitida através de sequências de sinais simples (“pings”) que indicam a presença de um indivíduo junto ao receptor, ou através de sinais mais complexos que incluem, para além da posição, informação sobre outras variáveis (temperatura, salinidade, profundidade, batimentos cardíacos, pH do estômago, etc.). Os estudos que recorrem a esta técnica apresentam geralmente cinco fases: captura e selecção dos indivíduos, colocação dos transmissores, recuperação, libertação e monitorização dos indivíduos. Existem vários tipos de telemetria. A telemetria acústica utiliza transmissores que podem ser

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Os dados obtidos através da telemetria permitem compreender melhor os padrões de movimentação, utilização de habitats, respostas fisiológicas e comportamentais e gastos energéticos dos organismos no seu ambiente natural. colocados externa ou internamente no corpo do animal. Estes emitem sinais de frequências elevadas (30-300 kHz), que se propagam facilmente em água salgada ou salobra, sendo por isso os mais utilizados em meio marinho. Um sistema de telemetria acústica é constituído por três elementos principais: transmissores (emitem os sinais), hidrofones (detectam e convertem os sinais) e receptores (detectam e gravam os sinais). A telemetria acústica pode ser activa, em que os dados são obtidos em tempo real, ou passiva, quando são utilizadas por exemplo, estações receptoras submersas. A telemetria rádio é especialmente utilizada na monitorização de animais terrestres, no estudo de aves e em espécies dulçaquícolas que habitem águas pouco profundas pois as ondas

rádio dissipam-se facilmente na coluna de água (ex: salmões). São utilizados transmissores com antena externa que emitem frequências entre os 20 e os 300 MHz e, tal como na telemetria acústica, usam-se receptores para detectar e gravar os sinais. A telemetria por satélite também utiliza transmissores externos que emitem ondas rádio mas de elevada frequência (401,65 MHz) para os satélites do sistema ARGOS. Uma vez que estas ondas apenas se propagam no meio aéreo, esta técnica é particularmente eficaz em animais que necessitem de vir à superfície ou que se desloquem perto dela. É muito utilizada para monitorizar grandes migradores, como por exemplo baleias, tartarugas e algumas espécies de tubarões. A telemetria por satélite é sem dúvida a mais dispendiosa

mas possui a grande vantagem do investigador poder receber dados de animais que se encontram a milhares de quilómetros de distância directamente no seu computador. Os dados obtidos através da telemetria permitem compreender melhor os padrões de movimentação, utilização de habitats, respostas fisiológicas e comportamentais e gastos energéticos dos organismos no seu ambiente natural. Estas informações são fundamentais para a aplicação de medidas de gestão pesqueiras eficazes e para a implementação correcta de áreas marinhas protegidas, entre outras utilizações. Assim, a telemetria assume-se hoje como uma ferramenta essencial em diversos estudos biológicos, tendo particular importância na conservação da biodiversidade marinha. Janaína Bon de Sousa + 11 + FAZENDO + maio 2012 +


^ CIENCIA

Do mar dos Açores para Lisboa A Malária mata anualmente cerca de 3 milhões de pessoas em todo o mundo e afecta mais de 500 milhões. É uma doença infecciosa aguda ou crónica causada por parasitas (protozoários do género Plasmodium), transmitidos através da picada da fêmea infectante de mosquitos do género Anopheles. Se não for diagnosticada atempadamente e administrada a terapêutica adequada, a malária maligna causada pelo P. falciparum pode evoluir rapidamente e resultar em morte, o que sucede em cerca de 10% dos casos. A malária benigna (causada por outras espécies: vivax, ovale e malariae) pode resultar em debilitação crónica e/ou mais raramente na morte. Por ser uma doença altamente incapacitante e mortal, tem grande impacto nas sociedades onde é endémica como é o caso da maioria dos países do continente africano e asiático, grande parte da América Central e do Sul, locais onde é considerada uma emergência médica. O mosquito transmissor da malária atinge números suficientes de indivíduos para a transmissão da doença em regiões onde o ambiente é de temperaturas médias entre os 20 e 30ºC e humidades elevadas. Em Portugal, onde já existiu malária endémica (o último caso registado data de 1962) erradicou a mesma nessa década e actualmente os casos que aparecem são de pessoas que a contraíram noutros países - malária importada. A malária requer 3 elementos no seu ciclo: o parasita, o mosquito transmissor e o Homem. A erradicação, desde sempre utilizou procedimentos que eliminam o parasita ou impedem a transmissão do mosquito ao Homem. Os cenários mais pessimistas apontam como consequência das alterações climáticas a reintrodução na Europa de doenças transmitidas por mosquitos actualmente presentes apenas em regiões tropicais, estando nesse cenário, regiões subtropicais como os Açores e a Madeira, particularmente vulneráveis. O tratamento farmacológico da malária baseia-se na sensibilidade do parasita a substâncias para tratar a doença. A quinina (extraída de uma casca de árvore) é um dos + 12 + FAZENDO + maio 2012 +

E não é que a cura para a malária resistente pode estar mesmo no mar dos Açores medicamentos mais antigos usados para o tratamento mas devido aos seus efeitos secundários apenas é utilizado no tratamento de malária grave. Baseados nesta molécula foram desenhados novos antimaláricos semelhantes, (caso da cloroquina), mas o facto da maioria dos parasitas ser já resistente à sua acção torna urgente a descoberta de novas substâncias para o seu controlo. Por esta razão e pelo impacto actual no mundo (e talvez futuro nas nossas ilhas), a

malária é uma das doenças para a qual os extractos de animais marinhos de profundidade dos Açores estão a ser alvo de estudo, já que o facto de terem origens diferentes dos habitualmente testados (extraídos de plantas ou quimicamente desenvolvidos) podem apresentar melhores resultados a nível de ultrapassarem o problema imposto pelo desenvolvimento de resistência. Depois de vários meses de recolha dos animais marinhos e extracção dos

Células de sangue infectadas com P. falciparum coloradas - Foto cedida por Zoraima Neto

De Lisboa (quem sabe), para o resto do Mundo…! compostos no laboratório de química do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, eis que estes viajam até à Universidade Nova de Lisboa, para a unidade de Parasitologia Médica do Instituto de Higiene e Medicina Tropical para serem testados. A equipa coordenada pelo Professor Virgílio E. do Rosário testa extractos de plantas e outros compostos sintetizados para o tratamento da malária há mais de 15 anos mas é a primeira vez que são testados extractos marinhos como esse mesmo objectivo. E como são feitos estes testes? Primeiro têm que ser infectadas células de sangue com o parasita. Depois de se manterem estas culturas vários dias em condições boas para o seu crescimento (ver foto), são então adicionadas diferentes doses dos extractos dos Açores para ver se o parasita deixa de crescer. Apenas depois de 3 ensaios independentes para cada extracto podem ser tiradas conclusões. Os testes são feitos para 2 tipos de parasita da malária: uma em que a Cloroquina ainda mata o parasita e outra que foi isolada no Cambodja e está a espalhar-se para o resto do mundo, que não morre nem com a Cloroquina nem com nenhum dos medicamentos usados actualmente. Os extractos eficazes a travar o crescimento do parasita, passarão à fase de testes seguinte - testar se os compostos não matam também as células humanas pois apenas podem ser úteis em medicamentos se não fizerem mal ao homem. Os primeiros resultados deste trabalho são já conhecidos e vão ser publicados numa revista científica sobre a descoberta de novas drogas com origem marinha. E não é que a cura para a malária resistente pode estar mesmo no mar dos Açores...!? Sílvia Lino Trabalho realizado no âmbito do doutoramento de Sílvia Lino, financiado com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (Ref: SFRH/BD/72154/2010).


“miseravel espectaculo para ver e Contar”

Histórias que vêm do Mar - Centro de História de Além-Mar

No início de Novembro de 1615 os habitantes da Vila da Horta assistiram a um dos mais terríveis acidentes marítimos de que há memória na ilha do Faial. Ao cair do dia 6, sexta-feira, um grande navio procurou abrigo nas proximidades de Porto Pim debaixo de um intenso temporal, acabando por se despedaçar contra a costa durante a noite, “miseravel espectaculo pera ver e Contar” nas palavras de D. Manuel Coutinho, seu capitão, enviadas por carta a D. Filipe II, Rei de Portugal entre 1598 e 1621, mas também Rei de Espanha, de Nápoles, da Sicília ou Rei da Sardenha, um dos mais poderosos monarcas do seu tempo. Nesta carta o Faial chegava à palavra entre os

membros da Corte dos Habsburgos e entrava para os anais da história marítima europeia. Não era para menos. O naufrágio da nau portuguesa da Carreira da Índia Nossa Senhora da Luz ceifou a vida a duzentos passageiros e tripulantes e espalhou pela praia de Porto Pim parte da carga que a nau penosamente transportava desde Goa, na Índia. A Coroa preparou por isso uma gigantesca operação de salvados, com guardas na praia e mergulhadores no sítio de naufrágio, que permitiu salvar a maior parte das mercadorias que nos meses seguintes seguiram rumo até Lisboa.

Voo Picado O ano passado uma estranha ave sobrevoou o Pico. Vinha longe das rotas migratórias e nem tempestade alguma aqui a despencara. Mário Pardo, de cognome “o homem-pássaro português”, fez três saltos na Ilha-Montanha; sobre as vinhas da Criação Velha, o “piquinho” e a “quebrada”. Do seu currículo constam mais de 300 saltos em queda livre. A aventura picarota só foi possível com o apoio da Força Aérea Portuguesa. No primeiro salto largaram-no a 1000m de altitude, deixou-se planar sobre a Paisagem Protegida da Vinha e aterrou em segurança para gáudio dos espectadores locais. O segundo salto, sobre o “piquinho”, comportava outros riscos. Esperaram uma semana até haver

condições climatéricas favoráveis: dia completamente claro e limpo de nuvens. Adivinhava-se um salto fantástico. Quando o Mário se lançou do helicóptero, num voo picado em direcção ao ponto mais alto da montanha (2351m de altitude) e a uma velocidade estonteante, um manto de nuvens brancas engoliu o céu. Os pássaros seguiam-no pelos olhos, sulcando riscos no espaço, entretanto o Mário fazia cair segundos mais rápido que o ponteiro da Matriz das Lajes; com perícia rodeou o “piquinho” e aterrou na cratera do vulcão. Para o último desafio, este em autonomia e talvez o mais arriscado, carregou-se todo o material de imagem vertente arriba. Pulou da

No local ficaram, porém, evidências do naufrágio e fragmentos do quotidiano da época, entre os quais pratos, tigelas e garrafas fabricados em porcelana pintada à mão em diversos tons de azul, com iconografia de origem chinesa. No Império do Meio, a decoração da porcelana tinha uma simbologia com origem secular – por exemplo, a cabaça deste prato era um emblema da longevidade. Na Europa, a porcelana era uma mercadoria de luxo, utilizada sobretudo pelas classes mais abastadas, coleccionada por reis e princesas e cobiçada por piratas e corsários. José Bettencourt Para saber mais: Bettencourt, José (2008) – A nau Nossa Senhora da Luz (1615) no contexto da carreira da Índia e da escala dos Açores: uma abordagem histórico – arqueológica, Dissertação de Mestrado em Arqueologia apresentada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

“quebrada”, após 65m em queda livre aterraria na zona escarpada da montanha. No final contou que foi puxado contra a montanha e bateu numa parte rochosa. Devido à baixa altitude só a vasta experiência do “homem-pássaro” e os reflexos rápidos lhe permitiram estabilizar a asa do pára-quedas e amarrar naquele pouso tão inclinado. Mas a aventura ainda não tinha terminado, Mário desceu com uma costela partida, após o pôr-do-sol, amparado pela boa disposição e companheirismo de toda a equipa. Num gesto de agradecimento e felicidade evocaria: “a pura emoção da queda livre, sobre a força magnificente de um cenário que nenhuma tela representa”. Cristina Lourido

Prato em porcelana chinesa fabricado no reinado do Imperador Wanli (1573-1619) recuperado no sítio de naufrágio da Nossa Senhora da Luz (Faial, Novembro de 1615).

+ 13 + FAZENDO + maio 2012 +


NOBELiárquicos INTERVENCAO ,~

I Cycle in Horta “Em Copenhaga e Amsterdão as condições climatéricas são francamente mais adversas do que aqui e cerca de 80% dos utilizadores de bicicleta continuam a fazê-lo no Inverno, apesar das temperaturas negativas…”

“I cycle in horta” é um grupo de discussão e promoção da bicicleta como veículo de mobilidade urbana. É um grupo aberto com existência virtual e real. A sua presença virtual faz-se através do facebook (https://www.facebook. com/groups/380674721959019/ ou procurando I cycle in horta), página a que qualquer utilizador do facebook pode aderir e qualquer pessoa pode consultar e na qual são publicados vídeos, fotos e artigos relacionados com a cultura da bicicleta. Fora da world wide web este grupo promove acções de sensibilização de entidades oficiais e público em geral para as vantagens e mudanças necessárias para utilizar a bicicleta como meio de transporte nesta bela cidade. Entre as iniciativas deste grupo recém-nascido encontra-se uma reunião com o responsável máximo do poder local, na qual foram sugeridas diversas propostas para melhorar as condições de utilização dos meios suaves de mobilidade (pedonal e bicicleta). Outra iniciativa foi o “1º bic-nic horta” que teve lugar no parque de merendas do porto da Feteira, para o qual se propôs que os participantes se fizessem deslocar de bicicleta. Esta iniciativa será para repetir todos os meses, em locais diferentes, de forma a eliminar alguns mitos existentes sobre a dificuldade de utilizar a bicicleta como meio de transporte na cidade. É precisamente sobre esses mitos, e o desmontá-los, que os próximos parágrafos se vão debruçar: Mito nº 1- Condições climatéricas adversas: Quem ouvir as previsões meteorológicas dos media nacionais fica com a sensação que nestas ilhas atlânticas está sempre a chover e que os açorianos nunca viram o sol. Quem cá vive sabe que isso não é verdade. Todos nós sabemos que de facto chove bastante mas não de forma + 14 + FAZENDO + maio 2012 +

permanente. Quem anda a pé ou de bicicleta já se apercebeu que existem dois tipos de precipitação mais comuns, os aguaceiros, que às vezes são bastante fortes mas geralmente de curta duração, e a chuva miudinha e persistente. Quando está de aguaceiros tudo o que temos de fazer é esperar que passe, algo que teremos sempre de fazer mesmo quando nos deslocamos de carro. Quando está chuva miudinha o tempo de deslocação numa bicicleta é tão curto que não chegamos a ficar molhados, principalmente se tivermos em conta que podemos ir de porta a porta com este meio de transporte. No que diz respeito ao clima, pessoalmente considero que a situação mais adversa é o vento fresco a forte frontal, que torna a deslocação mais difícil. No entanto, esta situação é facilmente minimizada com uma bicicleta com mudanças e uma boa escolha de percurso (o interior da cidade é menos ventoso que a frente marítima). Em Copenhaga e Amsterdão as condições climatéricas são francamente mais adversas do que aqui e cerca de 80% dos utilizadores de bicicleta continuam a fazê-lo no Inverno, apesar das temperaturas negativas e das estradas com neve. Mito nº 2- A cidade é demasiado íngreme: Cerca de 80% a 85% do comércio e serviços da cidade encontra-se na parte baixa da mesma, sendo totalmente acessível com qualquer tipo de bicicleta. Para as ligações entre as zonas residenciais a cotas intermédias (hospital, ALRAA, novo DOP) e as áreas comerciais, as mesmas são possíveis com uma boa bicicleta com mudanças e com uma boa escolha de percursos (um percurso mais longo e menos íngreme é mais acessível do que um percurso mais directo que tenha uma subida

mais acentuada). Para a ligação das zonas residenciais a cotas mais altas (Belavista e Dutras) com a cidade, a mesma é possível com uma bicicleta eléctrica, que dá um apoio nos troços mais difíceis. Cidades como Lisboa, Porto ou São Francisco são mais íngremes do que a Horta e o número de utilizadores de bicicleta nestas cidades está a aumentar diariamente. Mito nº 3- Condições de circulação adversas: As estradas tipo calçada não são as mais indicadas para a circulação de bicicletas, sendo os pavimentos em asfalto muito mais confortáveis. No entanto, este problema pode ser minimizado com uma boa bicicleta, que tenha um sistema de amortecedores na roda da frente e um selim que seja confortável e com amortecedores. Uma bicicleta com amortecedores na roda traseira também pode ajudar. Mais grave é a falta de ciclovias, estacionamento e condições de segurança e facilidade de circulação. Contudo, só será possível melhorar as mesmas através da sensibilização dos governantes locais e regionais. Naturalmente, quanto mais pessoas exigirem melhores condições de mobilidade suave, maior a sensibilidade das entidades para ir ao encontro dessas exigências. Mito nº 4- Vestuário: Não há nada mais assustador do que ver alguém andar de bicicleta de forma descontraída na marginal totalmente equipado para fazer BTT. Não me interpretem mal, não tenho nada contra os equipamentos de BTT, os mesmos são práticos e úteis no seu verdadeiro contexto, mas tão desadequados à utilização urbana como o equipamento de um piloto de rally para o cidadão comum andar de carro na cidade. Uma bicicleta adequada, com guarda-lamas, protecção de

corrente, protecção de saias (nas bicicletas de senhora), etc. permite que nos desloquemos com a roupa do dia a dia. Este é um mito tão enraizado na sociedade contemporânea que surgiu um movimento global para mostrar que andar de bicicleta não é incompatível com a utilização de roupa quotidiana. Esse movimento chama-se Cycle Chic e surgiu há mais de cinco anos na Dinamarca através do “Copenhagen Cycle Chic” (http://www. copenhagencyclechic.com/), tendo-se alastrado a outras cidades do mundo incluindo Lisboa e Porto. Como podemos observar, existe algo essencial para que seja possível utilizar a bicicleta como meio de transporte urbano, e que é: uma boa bicicleta. Uma experiência desagradável numa bicicleta desadequada é suficiente para quebrar o ânimo de utilizadores menos motivados. Existem diversos tipos de bicicleta sendo que, para uma utilização mais urbana, uma bicicleta de cidade é mais indicada do que uma bicicleta de montanha (BTT) ou de estrada (ciclismo). É importante lembrar que uma utilização urbana da bicicleta é muito diferente de uma utilização fora de estrada, e que uma bicicleta que permita uma posição mais vertical do tronco oferece uma melhor visibilidade do que nos rodeia, alivia a pressão nos pulsos e dá mais conforto na zona dos rins. Na hora de comprar, vale a pena perder algum tempo a analisar diversos modelos, tendo sempre presente as necessidades pessoais, tais como o tamanho do quadro, tipo de selim, tipo de guiador, tipo de sistema de travões e de mudanças, acessórios, etc. Na página “I cycle in horta” não faltam alternativas e sugestões para encontrar a bicicleta certa. A todos os que queiram juntar-se-nos, sejam bem-vindos... Miguel Valente


AMBIENTE

os próximos mercados de trocas diretas serão 26 de Maio, 15 de Setembro e 10 de Novembro

1º Mercado de Trocas de 2012 Quem esteve no Castelo de S. Sebastião no passado dia 14 de Abril, fez trocas excelentes. Havia vários plantios: tomate, mostarda, tomate do Brasil, maracujá, cebolinho, pimentão, macela, couve chinesa, alface, couve. Veio dos Cedros uma família ligada à terra com ovos, couves, nabos, bolo,

cenouras da terra, morcela, para trocar. Do Capelo e Praia do Norte houve também uma presença forte com alguns sumos de origem caseira, ervas aromáticas e plantio de ervas para saladas ou não fossem os seus donos de outras paragens. Da Praia do Almoxarife fomos brindados

com vários tipos de biscoitos e muito plantio. Para quem veio ainda de mais longe fica um destaque especial, estiveram duas pessoas de S. Jorge que trouxeram livros feitos artesanalmente, lindíssimos, bolos e muitas outras coisas inclusive detergente de produção caseira feito com uma espécie de eucalipto cujas folhas cheiram a limão. Para todos quantos se queiram preparar, os próximos mercados de trocas diretas

serão 26 de Maio, 15 de Setembro e 10 de Novembro. Fico muito feliz com toda a comunhão e partilha que vi e que emana naturalmente deste evento, todos ganharam uma magnífica tarde, e um incentivo para continuarem a produzir em pequena escala e localmente, permitindo a quem vá e troque, consumir em suas casas produtos deliciosos e mais sustentáveis para o planeta, que é de todos, bem hajam! Lídia Silva

Dicas para as atividades no

quintal Calendários agrícolas levam-nos a pensar no “borda de água” ou no “seringador”. São um bom indicador das raízes agrícolas do local e da ligação à terra e aos astros. Quando cá cheguei e me explicavam as fases da lua adequadas para semear, transplantar, etc confesso que no princípio tinha algumas reticências no seu êxito, por isso decidi experimentar… e funciona! Delicio-me a falar com as pessoas mais antigas sobre tudo isto, são uma espécies de avós adotivos e uma

forma de reavivar memórias e saberes acumulados de gerações aplicados ao local, e é essa a diferença. O meu pai, no continente, semeia ervilhas em Dezembro num rego fundo, para conservar a humidade. Nos Açores, terra de muita chuva, se o fizer é desperdiçar semente. Partilho convosco os ensinamentos que o Sr. Simão me deu da nossa última conversa. “Então o que se pode plantar agora, Sr. Simão?” As respostas são simples e objetivas: o feijão assim que a lua começa a crescer, a partir do segundo ou terceiro dias. Couves

pode semear agora na lua velha para as ter no verão, mas quando as for transplantar, se a raiz estiver muito grande (mais de um palmo, confirmo) corte-a pela metade. Pode semear abóbora a toda a hora, a lua não mexe com ela, o mesmo para as courgettes (ou não fossem da mesma família penso eu). Os tomates, malaguetas e pimentões também se transplantam agora, e aplica-se o mesmo princípio de cortar a raíz, porque ela não pode ficar dobrada senão a planta não cresce bem. Rúcula e rabanetes a toda a hora, sementeira ou transplante, mas a sementeira deve ser feita na

lua velha, senão espigam antes da lua nova. Pelo S. João é a melhor altura de semear pepinos e a macela deve ser transplantada agora. Outras coisas deliciosas me disse, por exemplo que antigamente a rama da urze era usada como esfregão para limpar tachos, e quando se ia para o campo usava-se a erva azeda para lavar as mãos… experimentem, como é uma planta pouco fibrosa e com muita seiva, deixa uma sensação agradável de limpeza. O meu conselho é: experimente e tire as suas conclusões. Lídia Silva

+ 15 + FAZENDO + maio 2012 +


FAIAL

Agenda MAIO

PICO

Seg_30 Abr. a Sáb_5 Mai.

Sáb_12 Mai.

Dom_6 Mai.

Escola Secundária Manuel de Arriaga ENCONTROS FILOSÓFICOS Oceanos e Sustentabilidade

17h00 Teatro Faialense O CAPUCHINHO VERMELHO, A NOVA AVENTURA filme de Mike Disa

21h30 Auditório Municipal das Lajes do Pico SHERLOCK HOLMES 2 filme de Guy Ritchie

21h30 Teatro Faialense ÉDIPO - companhia do chapitô Teatro

Qui_10 Mai.

Ter_1 a Dom_13 Mai. Casa Manuel de Arriaga MARATONA DESENHADA mostra de trabalhos dos alunos do 5º ao 12º ano

Ter_1 a Sex_25 Mai. 10h às 12h30/ 14h30 às 16h30 Biblioteca Pública A.R.J.J.G. SEDIMENTS exposição de Ágata Biga

Sex_4 Mai. 21h30 Teatro Faialense SHERLOCK HOLMES: JOGO DE SOMBRAS filme de Guy Ritchie

Sex_4 a Dom_6 Mai. Sociedade Filarmónica União Faialense INTERCÂMBIO DE SONS DA SFUF festejos do 115º aniversário

Sáb_5 Mai. 10h às 12h Museu da Horta OFICINA DO PAPEL – PINTURA EM VIDROS E CERÂMICAS atelier de expressão plástica 21h30 Teatro Faialense A NAIFA Concerto

Gatafunhos Tomás Melo

youtube.com/watch?v=aNAdAvQ-ejE

Dom_13 Mai. 21h30 Teatro Faialense AS SERVIÇAIS Filme de Tate Taylor

Qui_17 Mai. 18h Biblioteca Pública DIA INTERNACIONAL CONTRA A HOMOFOBIA lgbt pride azores

Sex_18 Mai a Dom_20 Mai. Angústias FESTA DE N. SRA. DAS ANGÚSTIAS

Sex_18 Mai. 21h30 Teatro Faialense DETENÇÃO DE RISCO Filme de Daniel Espinosa

Sáb_19 Mai. Dom_20 Mai. 10h30 Banco de Artistas OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA inscrições: patriciacarreira577@ hotmail.com

Casa do Povo de São Mateus O MOSQUITO ZZZ grupo de teatro mensagem com encenação de Susana Moura

Sex_11 Mai. 21h30 Auditório Municipal das Lajes do Pico AS SERVIÇAIS filme de Tate Taylor

Qui_17 Mai. 21h30 Auditório Municipal das Lajes do Pico RECITAL DE CLARINETE E PIANO com Cristo Barrios e Andrew West

Ficha Técnica FAZENDO - DIRECÇÃO Aurora Ribeiro Tomás Melo COORDENADORES Albino, Carla Cook, Fernando Nunes, Filipe Porteiro, Helena Krug, Lídia Silva, Pedro Gaspar, Pedro Afonso REVISÃO E AGENDA Sara Soares CAPA Joana Rosa Bragança COLABORADORES Cristina Lourido, Helder Bettencourt, Janaína Bon de Sousa, José Bettencourt, Luís C. F. Henriques, Maria do Céu Brito, Miguel Valente, Olímpia Granada, Pedro Rosa, Ruth Bartenschlager, Sílvia Lino, Terry Costa, Ulrike Alemoa, Victor Rui Dores

Sex_18 a Sáb_19 Mai.

PROJECTO GRÁFICO Lia Goulart

20h às 22h Museu do Vinho ESCOLA DO GOSTO workshop de produtos locais

PROPRIEDADE Associação Cultural Fazendo

Sáb_19 Mai.

PERIODICIDADE Mensal

21h30 Casa do Povo de São Mateus A AVARENTA grupo de teatro gota de mel

TIRAGEM 500 exemplares

Sex_25 Mai. 16h Biblioteca Municipal Dias de Melo UM, DOIS, TRÊS, ERA UMA VEZ com Susana Moura

SEDE Rua Concelheiro Medeiros nº 19 9900 Horta

IMPRESSÃO Gráfica O Telégrapho CONTACTOS


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