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A VISITAÇÃO
O dia das Misericórdias celebra-se a 31 de Maio, dia da festa litúrgica da Visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel. “Onde há amor nascem gestos” é também uma das máximas que preside ao triénio que temos estado a viver, dedicado à virtude da caridade. A Visitação é o primeiro gesto de amor que vemos Nossa Senhora fazer logo depois de saber que sua prima ia ser mãe. Foi esse gesto de solidariedade com quem iria precisar da sua ajuda, até porque Santa Isabel já não era jovem, que levou à escollha da festa da visitação para dia das Misericórdias. Por isso escolhi, para o comentar, um dos mais belos conjuntos escultóricos em terracota existentes em Braga. Encontra-se sobre a porta lateral da igreja da Misericórdia, embora as esculturas que agora lá se podem admirar sejam cópias. Os originais guardam-se, louvavelmente, no Palácio do Raio, dados os perigos que corriam expostos às intempéries.
Não se conhece o autor das esculturas. Conhecemos, sim, o ano em que foram modeladas. Foi em 1660, como está registado nos Livros de Recibo e Despesa dos mordomos da Misericórdia de 1651-1660 e de 1660-1672. Dei a conhecer esses registos em artigo que escrevi para o primeio número da revista Misericórdia de Braga, publicado em Dezembro de 2005, pp 12-15.
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O grande historiador de arte Vítor Serrão, em estudo publicado na revista Museu, 7, 1998, pp. 137173, defendeu a hipótese de ter sido o escultor maneirista Gonçalo Rodrigues, falecido provavelmente em Braga, por volta de 1620, o autor do grupo escultórico. Baseia-se nas semelhanças estilísticas da Visitação com outras obras de Gonçalo Rodrigues, nomeadamente “o lançamentos dos pregueados dos tecidos, as posturas torsas e anticlássicas, não isentas de atarracamentos e hesitações, as cabeças de olhar amendoado com pes - soalismos de modelação”. Entre a presumível morte do escultor, em 1620, e a data da modelação das esculturas, em 1660, decorrem 40 anos. Esta distância temporal, contudo, não prova categoricamente que não tenha sido ele o autor do risco. Podia tê-lo desenhado e só passados quarenta anos ter surgido a oportunidade da sua concretização. Temos, no entanto, dúvidas.
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Por seu lado, Robert Smith chamou a atenção para a importância do grupo escultórico na história da arte, pelo menos aqui em Braga. Segundo ele, esta cena terá servido de inspiração ao escultor barroco bracarense Marceliano de Araújo para esculpir a Visitação que incorporou no atual rebábulo da Misericórdia. Além disso, os meninos sentados nas esferas terão inspirado os que se encontram no chafariz do Pelicano, na Praça do Município, também ele atribuído a Marceliano de Araújo.
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Se repararmos atentamente, podemos cair na conta da delicadeza humana e espiritual que transparece das esculturas da Visitação. Santa Isabel inclina-se para Nossa Senhora, como quem vai ajoelhar-se, reconhecendo que é indigna de receber a mãe de Deus. Nossa Senhora, por sua vez, inclina-se para ela, colocando-lhe as mãos nos braços, impedindo que se incline até ao chão. A postura de ambas as figuras indica, ao mesmo tempo, humildade e dignidade, e disposição interior para se acolherem mutuamente e mutuamente se ajudarem.
A figura masculina do lado de Nossa Senhora é S. José que acompanhou a esposa, vendo-se na mão direita o chapéu e, na mão esquerda, o bordão em que se apoiou na viagem. Do lado de Santas Isabel, encontra-se o seu marido Zacarias que, por ser já idoso, se apoia numa muleta.
Todo o conjunto exprime respeito e veneração mútuos, profunda delicadeza e desejo de entreajuda, ilustrando bem a máxima de que do amor nascem gestos.