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S. JOÃO DE DEUS

Continuando a apresentar iconografias de santos que concretizaram de modo especial a máxima “do amor nascem gestos”, um dos lemas sujacentes ao triénio da Caridade que ainda estamos a viver, escolhemos a figura de um santo português que dedicou toda a vida ao serviço dos mais desprotegidos, S. João de Deus, figura extraordinária da vida da Igreja e uma das honras maiores de Portugal.

Nasceu em Montemor-o-Novo, em 1495, e morreu na cidade espanhola de Granada, a 8 de março de 1550. Teve uma vida agitada. Fugiu de casa para Castela onde foi pastor. Depois seguiu a vida de soldado, foi para Ceuta, onde trabalhou na construção das muralhas e, em Gibraltar, dedicou-se a vender livros, trabalho que continuou em Granada. Finalmente, tornou-se monge franciscano, depois de ouvir um sermão de S. João de Ávila. Ficou de tal maneira impressionado que o seu comportamento se alterou a ponto de o considerarem louco. Foi internado no Hospital Real onde sofreu os maus tratos que davam aos doentes mentais. Talvez tenha sido essa experiência que o levou a fundar, em 1539, um hospital para doenças contagiosas e incuráveis. Fundou, assim, a Ordem dos Irmãos Hospitaleiros. Para além da assistência aos doentes, dava trabalho aos desempre - gados, procurava mães adotivas para as crianças abandonadas e tentava encontrar honesta subsistência para as prostitutas. Por toda esta incansável atividade tornou-se o padroeiro dos hospitais, doentes e enfermeiros.

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A especial ligação que tem com Granada terá nascido de um milagre. Conta-se que, ao passar por uma região inóspita, encontrou um menino sozinho e descalço, que magoava os pés nas pedras do caminho. Levou o menino às costas até uma fonte, deixou-o à sombra e foi buscar água. Ao voltar, encontrou-o resplandecente, tendo na mão uma romã (granada, em espanhol), sobre a qual reluzia uma cruz. Estendendo-lhe a fruta, exclamou:

— João de Deus, Granada será tua Cruz! - E desapareceu.

A pintura que escolhi para comentar é atribuída a Bartolomé Estéban Murillo, pintor barroco espanhol. Nasceu em Sevilha, em Dezembro de 1617, e aí faleceu em Abril de 1682. É sobretudo conhecido pelas pinturas de natureza religiosa, cheias de profunda piedade, nas quais predominam as cores suaves que lembram o colorido flamengo e veneziano. Ficou, sobretudo, famosa a iconografia da Imaculada Conceição. Contudo, ele tem uma outra faceta anterior de forte realismo onde se nota in - fluência do tenebrismo de José de Ribera e Francisco Zurbarán, concretamente nos fundos escuros dos quadros.

Neste que podemos observar, Murillo evoca um dos milagres com que foi agraciado S. João de Deus. Quando regressava a casa, o santo encontrou um doente. Pô-lo às costas e levou-o para tratar dele. Exausto, o santo cai de joelhos. O arcanjo Gabriel vem ajudá-lo e revela que o doente é o próprio Deus.

Reparemos no fundo escuro do qual se destacam as três figuras. A do anjo é esguia e muito alta, com as asas iluminadas ainda por recolher, como se tivesse chegado naquele momento. Elas dão ao quadro a dimensão de movimento e verticalidade que contrasta com a horizontalidade da figura dobrada do santo e do doente. O anjo olha para a frente, o santo, para o lado, o doente para trás. Repare-se no paralelismo da perna do anjo e do doente. Por seu lado, o braço que ajuda o santo a levantar-se dá ao quadro a dimensão da obliquidade e aponta para o que é importante: o socorro a quem precisa.

Enquanto o anjo apresenta um rosto suave e sereno, S. João de Deus revela surpresa e espanto. Como é próprio do barroco, o quadro apresenta movimento, assim como forte expressividade dramática.

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