MAI - JUN / 2020
A MISSÃO FAZ-SE AO LARGO “Deus ainda não parou de nos chamar para a sua missão. Apenas temos de confiar na Sua Palavra, «lançar as redes», para alcançarmos os sonhos e a alegria desejada.”
Diretor: Pe. Mário Martins Chaves Rodrigues Ano XXIV - 6ª Série | Nº 76 | Bimestral 1,00 €
Márcia e Mário Soares Págs. 2-3
O DISCERNIMENTO “Discernir requer uma atitude de escuta e humildade. (…) Escutarmo-nos a nós próprios, escutarmo-nos uns aos outros, e acima de tudo, escutarmos o silêncio – o domínio onde Deus se revela.” Francisco Garcia Pág. 9
EDITORIAL
O SEGREDO DA ALEGRIA
“AS PALAVRAS DA VOCAÇÃO” 57ª SEMANA DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES 26 de abril a 3 de maio
“O segredo da vida é este: amar. E o segredo do amor é só um: servir.” – É com estas palavras que o Cardeal José Tolentino Mendonça termina uma carta dirigida aos jovens portugueses no passado domingo de Páscoa, celebrado a 12 de abril. Na verdade, a evocação destes dois verbos, amar e servir, recorda-nos que ninguém é chamado para si mesmo. A missão faz-se ao largo. A vocação, discernida e abraçada nos braços da relação íntima com Deus, “atira-nos”, desde logo, para a vida dos irmãos, para o amor aos outros, para semear Esperança em cada coração. Trata-se de um percurso de exigência, de risco, de um êxodo de si mesmo, de uma travessia ousada, muitas vezes num mar revolto, onde o nosso barco é agitado por ventos que sopram medos e dúvidas. Por isso, na sua Mensagem para o 57.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, assinalado a 3 de maio, o Papa Francisco elege quatro palavras: gratidão, coragem, fadiga e louvor. A partir das mesmas, o Santo Padre explica-nos que o segredo da entrega e da fidelidade à vocação está na certeza de que Jesus permanece connosco, como presença amorosa e constante na nossa vida, sobretudo no meio das tempestades que nos atingem. Desse modo, e como termina a referida Mensagem, será possível que “cada um possa descobrir com gratidão a chamada que Deus lhe dirige, encontrar a coragem de dizer «sim», vencer a fadiga com a fé em Cristo e, finalmente, como um cântico de louvor, oferecer a própria vida por Deus, pelos irmãos e pelo mundo inteiro”. Por sua vez, nesta entrega firme e comprometida reside o segredo para edificarmos “uma Igreja viva, alegre e fiel a Deus e à Sua Palavra”, tal como nos é referido no texto visão que acompanha este número do jornal. Também a vida dos nossos Seminários, relatada nas notícias aqui publicadas, nos reafirma neste imperativo missionário, mesmo no contexto das contingências do tempo atual. Contamos sempre com a orientação maternal de Maria Santíssima, cujo testemunho nos comprova que é na vocação, quando vivida como um “sim” convicto e apaixonado oferecido ao Senhor, que reside, afinal, o verdadeiro segredo da alegria.
VISÃO
A MISSÃO FAZ-SE AO LARGO Márcia e Mário Soares
Todo o Mundo é de Deus e a todos Ele anuncia o seu Reino. Mas, para que haja “pesca de homens”, é necessário anunciar e transmitir a Palavra de Deus no nosso dia-a-dia familiar e social. Temos de nos fazer ao largo! Na rede de Deus são “apanhadas” pessoas livres, de quem Jesus espera um sincero e genuíno compromisso com a missão que Ele lançou. As Palavras do Senhor demonstram a importância do Reino de Deus e a exigência e seriedade implícita ao acolhê-lo. Tudo que é dom de Deus acarreta grandes responsabilidades para com Deus e com os nossos irmãos. Não podemos esquecer a missão de Jesus, como “pescador”, que executou ao longo de toda a sua vida, por meio das tantas chamadas ao discipulado que Ele mesmo fez, e à qual deu continuidade na ação dos discípulos que Ele chamou a serem também “pescadores de homens” (Mc 1, 16-20). A nossa missão, caminho para a salvação, consiste em tentarmos sempre, humildemente, sermos como Jesus e fazermo-nos ao “largo” em busca dos nossos irmãos 2
e para juntos formarmos uma Igreja viva, alegre e fiel a Deus e à sua Palavra. Todos nós devemos olhar para a nossa vida com sinceridade para ver se “engolimos” o isco de Jesus, se “nos deixamos apanhar” na rede do Pai, para que sejamos conduzidos por Jesus e pelo Espírito Santo. Deus, na verdade, não escolhe os melhores, mas sim a todos, sem exceção. Por isso, cada cristão não pode negar a ninguém a sua dignidade de filho de Deus, pois ao olhar de Deus somos todos dignos e merecedores do seu amor. Jesus falou muitas vezes que é pelos frutos que se conhece a árvore (cf. Mt 7, 20). E os frutos se produzem quando respondemos humildemente e altruisticamente ao amor que Ele demonstrou ao chamar cada um de nós. Por esse motivo, temos que em todos os momentos das nossas vidas demonstrar e transmitir o que Jesus nos ensinou pela sua maravilhosa vida cá na terra. Se formos coerentes com os ensinamentos de Jesus, entenderemos que a Missão cristã se faz ao largo, que somos convocados pela Igreja a sermos advogados e defensores dos pobres,
diante das desigualdades sociais e económicas que a sociedade materialista e intolerável em que vivemos provoca nas nossas comunidades. Por sua vez, no Evangelho de São Mateus, capítulo 7, versículo 24, podemos ler: “Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha”. Cada cristão deverá fazer com que o caminho da sua vida seja guiado pela escuta e prática da Palavra de Deus. Deus guia-nos, instrui-nos e educa-nos através da sua Palavra. Numa das passagens da Vida de Jesus, Ele fala-nos de dois homens, um que era prudente e outro, insensato. O homem prudente construiu a sua casa sobre a rocha, tal como cada cristão que vive em Igreja, escuta e pratica a Palavra de Deus. Em tempos de dificuldades, incertezas e desesperos o homem prudente não cai, pois, a sua casa, isto é, a sua vida, está firmemente alicerçada na rocha que é a nossa Igreja. Deus e a Igreja nos amparam em momentos desses e não nos abandonam, mostrando-nos o caminho da luz e da Ressurreição que devemos seguir. Deus está dentro de cada um dos seus filhos e se aprendermos a ouvi-lo e nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo, cometeremos menos erros ao longo das nossas vidas. O Espírito Santo vive em cada um de nós, filhos de Deus, mas há uma necessidade de alimentarmos o espí-
rito, tal como alimentamos o nosso corpo. Apenas conseguiremos enriquecer e alimentar o espírito que reside em nós por meio da Palavra de Deus. Segundo o Evangelho de São Lucas, Jesus, junto de uma imensa multidão, pregava a sua Palavra. Dirigindo-se a Simão que lavava as redes da lama, depois de uma pesca infrutífera, Jesus disse-lhe: “Faz-te ao largo e vós lançai as redes de pesca” (Lc 5, 4). Apesar da estranheza causada pelas suas palavras, pois os discípulos não entenderam como o resultado poderia vir a ser diferente desta vez, sobretudo em pleno dia, eles confiaram e acolheram o desafio lançado por Jesus. Esta passagem trata da disponibilidade, humildade, oração e fidelidade por parte dos apóstolos. Pois, é mesmo essa atitude que Deus nos pede, que confiemos mais n’Ele do que nas nossas próprias experiências e sabedorias. Por isso, Deus ainda não parou de nos chamar para a sua missão. Apenas temos de confiar na Sua Palavra, “lançar as redes”, para alcançarmos os sonhos e a alegria desejada. Como verdadeiros discípulos missionários, somos chamados a ir ao largo e cumprir a nossa missão. Ao escutarmos a Palavra, alimentaremos o espírito que reside em nós e ganharemos forças para transmitir o que o próprio Deus nos dá: a alegria do encontro com Jesus Cristo vivo e ressuscitado. Sejamos todos capazes de nos fazermos ao largo, sem medos e cheios de confiança!
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ARTE
A CEGUEIRA DO MAGO ELIMAS Luís da Silva Pereira
O texto que nos é proposto para reflexão encontra-se nos Actos dos Apóstolos, cap. 13, 1-13. Através dele, procura-se mostrar a necessidade de os cristãos partirem em missão para anunciar o evangelho, deixando-se conduzir pela força do Espírito Santo. Neste episódio conta-se que Paulo e Barnabé são enviados de Antioquia para Salamina, onde começam a anunciar a Palavra. Depois seguem para Pafos, na ilha de Chipre. Aí encontram um mago, chamado Bar-Jesus ou Elimas, ao serviço do procônsul Sérgio Paulo, que mandara chamar Paulo e Barnabé para ouvir o que tinham a dizer acerca de Deus. O mago opunha-se aos apóstolos, procurando afastar o procônsul da fé cristã. Vendo isso, Paulo repreende-o fortemente, chamando-lhe filho do diabo e inimigo da justiça, que tenta subverter os desígnios de Deus. Então anuncia-lhe, como castigo, que ficará cego durante algum tempo. No mesmo instante, as trevas caíram sobre ele. Nada vendo, andava à roda, procurando quem o conduzisse pela mão. Vendo o que tinha acontecido, o procônsul abraçou a fé cristã, maravilhado com a doutrina e o poder do Senhor. Salta à vista a semelhança entre o que aconteceu ao mago Elimas e ao próprio Paulo, na estrada para Damasco, quando perseguia feroz-
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mente os cristãos. Não sabemos se o mago voltou a ver e se se converteu ao cristianismo, como aconteceu com S. Paulo, mas alguns comentadores observam que a sua cegueira contribuiu para que o procônsul abrisse os olhos à fé cristã. A pintura que escolhemos para comentar é uma das raras iconografias deste tema. Obra do artista italiano Rafael, elaborou-a em 1515, como cartão para uma das dez tapeçarias que lhe foram encomendadas pelo papa Leão X para a capela sistina. Chamavam-se “cartões” às pinturas a partir das quais se modelavam as tapeçarias. Estas foram tecidas em Bruxelas, nas oficinas de Pieter van Aelst, entre 1515 e 1519. Podemos ver as personagens essenciais da narrativa dos Actos dos Apóstolos. No centro, em lugar elevado, sentado no seu palácio de mármore, em cadeiral de autoridade e ostentando na cabeça uma coroa de louros, coloca-se o procônsul, com uma expressão de profundo espanto ante a cegueira súbita do seu mago, que se vê à nossa direita, de olhos fechados e braços tacteando, à procura de amparo. Todos os rostos das outras personagens traduzem o mesmo espanto, olhando ou apontando para o cego.
O procônsul era o governador de uma província romana, podendo também desempenhar funções judiciais. Esta sua função está claramente assinalada através da presença de dois lictores, ou guarda-costas, atrás dele, empunhando os seus fasces. Os fasces eram feixes de varas ligadas por uma correia em volta de um machado, cujo ferro saía pela parte de cima ou do lado. Na legenda latina, escrita na base do trono, pode ler-se: “L. SERGIUS PAULLUS/ ASIAE PROCOS:/ CHRISTIANAM FIDEM / AMPLECTITUR/ SAULI PREDICATIONE” - “L(úcio) Sérgio Paulo, procônsul da Ásia, abraça a fé cristã com a pregação de Saulo”. S. Paulo e S. Barnabé encontram-se do nosso lado esquerdo. Identificam-se facilmente porque ambos apresentam nimbo sobre a cabeça. O pintor dá a primazia a S. Paulo, colocando-o mais perto de nós, de corpo inteiro, de dedo em riste para o cego. De S. Barnabé apenas entrevemos a cabeça. A posição do mago e de S. Paulo, frente a frente, recorda-nos que ambos esgrimiam os seus argumentos tentando convencer o procônsul. S. Paulo, de pé, todo direito, diante de Elimas, curvado e cego, é claramente o vencedor.
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SEMINÁRIO MENOR
UM SERÃO MUSICAL AUDIÇÕES DE PIANO, DE CANTO E CORO NO SEMINÁRIO MENOR Xavier Faria, 10.º ano
No dia 20 de fevereiro, quinta-feira, realizaram-se no Seminário de Nossa Senhora da Conceição as audições de piano, canto e coro relativas ao segundo trimestre do ano letivo de 2019/2020. Naquele que começou por ser um dia normal como tantos outros, preenchido por aulas e outras atividades do Seminário, a noite trouxe a riqueza e o encanto da música, com os seminaristas a demonstrar toda a evolução registada ao longo dos últimos meses no que toca à sua formação musical. Este foi, por isso, um momento marcado por um misto de emoções para todos os seminaristas. Por um lado, um sentimento de muita felicidade, pois é o momento em que cada um pode mostrar as suas capacidades e a sua aprendizagem, e, por outro, uma certa dose de nervosismo, pois esta noite foi o culminar 6
de todo o trabalho desenvolvido, da dedicação e preparação por parte de todos, ao longo deste segundo período, com o auxílio do professor André Carvalho, responsável pela formação musical do Seminário. Deste modo, o serão contou com a presença de todos os seminaristas, pois foi aos mesmos que coube tocar e cantar, assim como dos perfeitos do Seminário e do professor de piano, canto e coro, que aproveitou estas audições também como uma outra forma de avaliação para as disciplinas de formação musical. A noite abriu com o Hino do Seminário, entoado por todos os presentes, pois um evento musical realizado na comunidade sem o canto do hino oficial não faria muito sentido. De referir que o evento foi conduzido por um seminarista que teve o papel de apresentador. O programa começou pela
vertente instrumental, ou seja, pelas audições de piano, seguido pela vertente de canto, em que apenas um seminarista atuou. Já numa fase final, foi o momento de coro, em que todos os seminaristas se juntaram para cantar com o acompanhamento do professor André Carvalho, no piano. Para terminar o evento, o Sr. Pe. Mário Martins, Reitor do Seminário, proferiu umas palavras, felicitando os seminaristas pelo bom trabalho demonstrado. Ao mesmo tempo, o sacerdote procurou estimular e interpelar os seminaristas, referindo que, apesar da boa apresentação realizada, é sempre possível fazer ainda mais e melhor. Por fim, o professor André Carvalho também dirigiu aos jovens seminaristas umas palavras de satisfação pelo esforço desenvolvido para preparar o que foi apresentado nestas audições.
SEMINÁRIO MENOR
DEIXAR-SE ENCONTRAR… RETIRO ESPIRITUAL DA COMUNIDADE DO SEMINÁRIO MENOR Gabriel Silva, 11.º Ano
Nos passados dias 21, 22, 23 e 24 de fevereiro, a comunidade do Seminário de Nossa Senhora da Conceição participou num retiro espiritual, podendo todos dedicar estes dias a este tão esperado e importante momento de introspeção, reflexão e encontro mais íntimo com o Senhor Jesus que, vindo ao encontro de cada um, sempre nos renova na alegria e no desejo de O seguir e servir de forma mais comprometida. De modo a promover um aproveitamento mais rico e intenso deste retiro, o grupo dividiu-se em dois, conforme já vem sendo habitual nestas ocasiões. Os mais novos, entre os 8.º e 10.º anos de escolaridade deslocaram-se para uma Casa de Retiros da Congregação da Divina Providência e Sagrada Família, nas proximidades do Santuário do Sameiro, em Braga, tendo como orientador o Pe. Adelino Domingues, seu Diretor Espiritual. Por sua vez, os mais velhos, dos 11.º e 12.º anos, foram acolhidos no Seminário dos Passionistas, em Barroselas, Viana do Castelo, acompanhados pelo Pe. Álvaro Balças, como orientador, também Diretor Espiritual destes jovens seminaristas. Ao longo do retiro, o grupo dos mais novos abordaram vários temas a partir da Sagrada Escritura. Já os mais velhos focaram-se, especial-
mente, no tema da Ressurreição do Senhor e dos Discípulos de Emaús, testemunhas da boa nova pascal, encontrados por Jesus no meio do seu desânimo. No final do retiro, todos os seminaristas envolvidos, quer inseridos
num grupo quer noutro, concluíram que foram trabalhados vários temas muito importantes para a vida e para a formação espiritual de todos, nomeadamente para o caminho de discernimento vocacional que cada um procura fazer. Segundo todos os participantes, foi um momento muito importante e rico para a vida da comunidade, pois os dias de silêncio ajudaram cada um a refletir um pouco sobre aquilo que realmente é e sobre a sua relação com Deus, deixando-se encontrar pelo Senhor Jesus, penhor da nossa Esperança. 7
SEMINÁRIO MAIOR
SERÃO CULTURAL COM O DR. JOÃO MIGUEL TAVARES Pedro Fraga, 3.º Ano
No passado dia vinte e dois de fevereiro, os Seminários Arquidiocesanos de Braga receberam o Dr. João Miguel Tavares, cronista e escritor de renome nacional, para mais um serão cultural. Este momento pretendeu dar sequência a um diálogo que procura interpelar o orador sobre o modo de presença da Igreja na sociedade contemporânea, em particular os desafios que os futuros padres, como um dos rostos da Igreja, poderão encontrar no desempenho da sua missão e o cuidado a ter no diálogo com a sociedade. Assim sendo, o Dr. João Miguel Tavares deu-nos a conhecer aquilo que o faz afirmar ser um “cristão ateu”. Sendo esta uma afirmação muito pessoal, ganha diferentes tonalidades,
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pois no seu posicionamento procura uma dimensão mais existencial do próprio cristianismo, que emerge do próprio evangelho e nos impele a pensar o não pensado, que se concretiza a viver uma verticalidade do mundo na sua vida de forma distinta e simultaneamente essencial. Deste modo, defendeu a necessidade de se reorientar o pensamento acerca de Deus. Assim, num cristianismo onde a imagem de Deus é afirmada como a do “tipo forte”, seria importante transitar para uma linha em que se atente para a debilidade do próprio ser divino. E, a partir desta debilidade, o cronista sustentou a hipótese da teologia fazer uma articulação entre a secularização e a própria mensagem de Cristo, expressa nas parábolas. Na
sua exposição, o autor defendeu a ideia de que é a partir desta debilidade, que necessita de ser trabalhada, que poderemos encontrar um novo futuro na conceção de Deus. Afirmou ainda que, numa sociedade secular, a riqueza do cristianismo necessita de trabalhar o sentido indefinido das parábolas para o podermos tornar presente na vida das pessoas, mas agora sobre a alçada de novos voos e de novas particularidades que se foram esgotando ao longo da história. Para concretizar esta ideia, o autor afirmou que é o tempo do cristianismo fazer uma teologia que consiga articular, por exemplo, Nietzsche e a parábola. Por conseguinte, suspendia-se o caráter impositivo de uma lei absoluta, possibilitando-se a articulação entre o dogma e a parábola. Esta posição deve ser explorada para que, através de uma certa hostilidade criada às leis “dogma”, permita-se fazer emergir um novo desenhar do próprio cristianismo, que instaura uma nova profundidade, movendo-se sobre o universo da dúvida. Por fim, deixou-nos três conselhos e alertas para que, enquanto futuros padres, possamos atender e estruturar um diálogo mais profícuo com a sociedade civil e contemporânea, a saber: o cuidado e preferência pelo belo; habitar o âmbito da dúvida, dando-lhe rosto; não deixarmos de olhar para nós mesmos, no sentido de uma insistência em habitar o mais íntimo de nós mesmos pela relação com Deus.
O DISCERNIMENTO ENCONTRO DE ESPIRITUALIDADE Francisco Garcia, 1.º Ano
O encontro de espiritualidade com o Pe. Bruno Nobre, SJ que teve como tema “O Discernimento”, fundamentou-se, entre outros, no nono capítulo da Christus Vivit e no quinto capítulo da Gaudate et Exultate. A múltipla referência a este tema revela a sua extrema importância para os cristãos e para as suas comunidades. Todos estamos em discernimento a partir do momento em que colocamos questões como: “Qual o caminho a seguir?”, ou “Como sei o que Deus me está a pedir?”. A origem do termo “discernir” vem do latim “discernere”, que significa literalmente “separar”. Daí, separar as ideias, os factos, os acontecimentos que constituem a nossa existência. É assim que, aprendendo a discernir, aprendemos a tomar boas decisões. Nestes tempos, cada vez mais exigentes, o caminho como discípulos de Cristo e o anúncio do Evangelho requerem um bom discernimento, seja pessoal ou comunitário. Tal só se consegue através da escuta, leitura, oração e meditação, já que é no silêncio que a voz de Deus se faz ouvir. Quando discernimos sobre a nossa vocação e a nossa vida, é importante ter em mente que somos instrumentos de Deus, suas armas de luta. Assim, o discernimento pode-se resumir a reconhecer os tempos de Deus e a sua graça, afim de não ig-
norarmos o seu convite, um convite para crescer a caminhar. Discernir requer uma atitude de escuta e humildade. Muitas vezes, perde-se a capacidade de escuta com o trabalho, burocracias... Como já foi dito, o mais importante é a escuta. Escutarmo-nos a nós próprios, escutarmo-nos uns aos outros, e acima de tudo, escutarmos o silêncio – o domínio onde Deus se revela. No plano do discernimento torna-se fundamental o exame de consciência. De facto, o Senhor toca-nos várias vezes ao dia, “como pequenos terramotos”. O exame de consciência diário ajuda-nos a perceber os “movimentos do espírito” e a reconhecer
neles a vontade divina, qual o desígnio de Deus para as nossas vidas. Esta vontade corresponde à missão que nos foi incutida no batismo, a de dar tudo ao Senhor, vivendo o mistério da Cruz: amar o outro de forma desinteressada. Tomar nota dos nossos exames de consciência pode ser bastante útil. Fazer um registo da nossa vida espiritual ajuda-nos a conhecer a nossa história e, neste processo, é essencial não termos medo de enfrentar as críticas dos outros. Enfrentar as críticas dos outros é um processo que passa por não dar voz à mundanidade, evitando estados como a negatividade, o pessimismo e a desolação. 9
SEMINÁRIO MAIOR
70 ANOS DA CONFERÊNCIA VICENTINA DO SEMINÁRIO CONCILIAR Diogo Martins, 4.º Ano e Carlos Furtado, 1.º Ano
Comemorar 70 anos é sempre uma oportunidade para relembrar pessoas e acontecimentos marcantes, revisitando a história. Foi neste espírito que a Conferência Vicentina do Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Paulo comemorou 70 anos da sua fundação, propondo à comunidade, e não só, um programa com vista a assinalar o seu aniversário. As comemorações iniciaram-se no dia 11 de março com uma oração que congregou todos os seminaristas, e na qual tivemos oportunidade de rezar por todos aqueles que são ajudados pelas conferências vicentinas, em especial por todos aqueles que são colocados, por vezes, à margem da sociedade e que sofrem por não terem uma casa onde habitar. Já no dia seguinte, 12 de março, assistimos, em comunidade, ao filme “Parasitas”. Com a visualização deste filme, pudemos refletir acerca das desigualdades sociais, que, embora 10
convivam muitas vezes bem de perto, se apresentam bem distantes em diferenças, não se compreendendo entre elas, levando a ações inconsequentes, no desespero pela rápida ascensão social, vista como solução para todos os problemas. No dia 13 de março, tivemos o culminar das comemorações, com Eucaristia Solene e jantar comemorativo, nos quais se juntaram a nós, entre outros convidados, o Sr. Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, e o Bispo de Viana do Castelo, D. Anacleto Oliveira. A Eucaristia foi o momento privilegiado de agradecer a Deus por todo o trabalho realizado por esta conferência, bem como agradecer por todos aqueles que colocaram os seus dons a render em prol desta instituição, não esquecendo, nas nossas intenções, o 7.º aniversário de Pontificado do Papa Francisco e as vítimas da atual pandemia. Na sua homilia, o Arcebispo bracarense desafiou os presentes a superar
o individualismo, trabalhando em prol do bem comum e assumindo um maior compromisso com a solidariedade de uns para com os outros. Lembrou também a importância de, entre os seus grupos, o Seminário contar com um grupo sociocaritativo, como a Conferência Vicentina, permitindo aos futuros pastores tomar consciência da realidade dos mais pobres e dos que mais sofrem. O jantar encerrou as comemorações. Nele pudemos celebrar a alegria do serviço que prestamos através desta conferência. Nas suas intervenções, D. Jorge Ortiga e D. Anacleto Oliveira partilharam as suas experiências relativamente ao movimento vicentino, referindo que desde bem cedo estiveram ligados ao mesmo. Neste jantar houve ainda oportunidade para reconhecer e agradecer o trabalho de todos os elementos da Conferência Vicentina do Seminário, confiantes na continuidade do serviço em prol dos mais necessitados.
PASTORAL UNIVERSITÁRIA
ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR
“SER PARA O OUTRO” Raquel Madureira, Curso de Engenharia Física, 1.º ano, UMinho
Breve apresentação O Encontro Nacional de Estudantes do Ensino Superior é um evento organizado pelo Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior (SNPES), que decorre de dois em dois anos e junta jovens universitários dos vários serviços diocesanos do país. Este ano, o Encontro foi dedicado ao voluntariado universitário e teve lugar no dia 7 de março de 2020, em Fátima. Nele procurou-se responder à vontade do universitário de querer ser verdadeira missão de mudança, que o Papa Francisco tanto tem acentuado nas suas mensagens aos jovens. O Encontro foi marcado por diferentes momentos. A manhã contou com duas palestras e Ted Talks, dinamizados por jovens universitários ativos em grupos de voluntariado na sua vida académica, enquanto que a tarde foi preenchida com um programa de voluntariado no qual os jovens universitários concretizaram essa experiência em diferentes atividades relacionadas com a dinâmica do Santuário de Fátima. O Encontro terminou com a Eucaristia presidida por D. Francisco Senra Coelho, Arcebispo de Évora, que acompanha este Serviço. O que é ser para o outro? “Estar” e “ser” são dois verbos com grande importância, usados muito frequentemente, e muito recorrentemente empregados na mesma frase, por exemplo: “Olá! Eu sou a
Maria, estou agora a trabalhar numa empresa de arquitetura, mas ainda não sou arquiteta, estou no meu último ano de Mestrado”. Na língua inglesa estes dois verbos não são distinguidos até serem inseridos num contexto, mas, na minha opinião, e segundo a antiga civilização romana e o já extinto latino falante, essa distinção é indispensável. A origem epistemológica deixa bem clara essa distinção entre os dois vocábulos: o verbo estar, que vem do latim stare, que é equivalente a “estar” ou mais especificamente “estar de pé”; o verbo ser, que provem do latim sedere, significa “sentar-se”. O tema do Encontro Nacional de Estudantes do Ensino Superior deste ano, como já referimos, foi o voluntariado, que contou com a presença de quase duas centenas de jovens universitários vindos de diferentes dioceses. Destaco a importância da epígrafe que serviu de mote para o encontro, “ser para o outro”. Dessa forma pergunto, então, o que é “ser para o outro”? Para escrutinarmos melhor esta
questão, proponho o seguinte exemplo: quantos de nós, sob as mais diversas circunstâncias, não tivemos que prestar a típica visita aos parentes mais afastados e ceder uns escassos minutinhos a fazer perguntas sem grande intensão, e que, durante esse tempo que, por mais longo que pareça, não passam de quinze minutos, não parámos de olhar para o relógio ansiosos pelo momento do “Adeus!”? Mas durante esse tempo nós permanecemos de pé, apesar das várias tentativas do anfitrião de nos oferecer uma cadeira. Ora, aí está a diferença entre “estar” e “ser”. “Ser” implica sentarmos e ouvirmos o que o outro tem para dizer, implica prestar atenção, fazer de um monólogo um diálogo. Outra ideia abordada neste encontro foi a noção do ser prestável, vencendo todos os comodismos pelo sentimento de serviço ao outro. Esta ideia foi bastante reforçada pelo Pe. José Nuno, diretor do Departamento de Pastoral da Mensagem de Fátima, quando nos presenteou com uma pequena “teatralização” daquilo que é servir. 11
PASTORAL DE JOVENS
DO ISOLAMENTO À MISSÃO Departamento Arquidiocesano da Pastoral de Jovens
O tempo que vivemos tem-nos desafiado a vários níveis. As preocupações escolares/académicas, pastorais e o nosso modo de olhar o futuro foram marcados e transformados por uma preocupação pessoal e comunitária... uma preocupação à escala mundial. Se até há uns meses a missão a
que éramos chamados implicava saída, os últimos meses conduziram-nos a uma reflexão maior: que missão podemos realizar isolados? Como viver a juventude quando se está impedido de sair de casa? Talvez seja este o desafio que vivem os mais velhos. Estes, apesar da sua fé jovem e cheia de sonhos, veem-se, muitas vezes, confinados ao isolamento. Mas estarão eles isentos de realizar uma missão? Certamente que não. Por estes dias a Arquidiocese viveu um tempo de esperança, nunca antes vivido (e talvez, nem sequer pensado!). Em vez de
propostas ousadas e de novas atividades, a juventude arquidiocesana experimentou a missão vivida dentro de portas: a missão de se isolar por respeito e amor aos outros (sobretudo aos mais velhos); a missão de anunciar Jesus Cristo vivo apesar dos rastos de morte deixados pela passagem da Covid-19; a missão de colocar os meios tecnológicos ao serviço da missão da Igreja e ao serviço da comunhão e fortalecimento da fé; etc. A ideia de uma juventude apática que vive “agarrada ao telemóvel e ao Facebook” deu lugar a uma experiência nova: a juventude, graças aos seus conhecimentos tecnológicos, abriu as portas para que famílias inteiras se comunicassem e para que as celebrações eucarísticas fossem comunitárias, apesar do isolamento físico. O tempo de provação, de distanciamento e de isolamento social, tornou-se tempo de vivência verdadeiramente jovem, de comunhão, de comunidade de vida para além da tristeza, do abandono e da solidão. Aprendendo com os jovens, todo o Departamento Arquidiocesano se sentiu, e sente, participante desta missão de esperança que rompe com as barreiras físicas e com os obstáculos que, tantas vezes, surgem e parecem querer bloquear a nossa ação missionária. Com os jovens, continuamos um caminho que não se compraz com a apatia e a resignação, antes, faz fecundos os momentos sombrios da vida, por mais desafiantes que eles se apresentem, pois, afinal, tudo podemos n’Aquele que nos dá forças (Fil 4,13).
Os artigos publicados no “Voz de Esperança” seguem, ou não, o novo acordo ortográfico consoante a escolha dos autores.
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