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pisa

mais! marcando o arouche como territรณrio de memรณria queer autor fernando abdo contarim orientador prof. dr.evandro ziggiatti monteiro universidade estadual de campinas curso de arquitetura e urbanismo tfg 2018


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pisa

mais! marcando o arouche como territรณrio de memรณria queer autor fernando abdo contarim orientador prof. dr. evandro ziggiatti monteiro universidade estadual de campinas curso de arquitetura e urbanismo tfg 2018



PISAR na gíria LGBTQ significa arrasar, abafar, brilhar, destacar-se. PISAR MAIS reforça, de uma maneira afirmativa e orgulhosa, o quão extraodinário é a diversidade queer. é dizer estamos aqui e queremos ser notados e reconhecidos. são a todos os indivíduos que sofrem ou já sofreram com a violência diária por expressarem seu verdadeiro eu que dedico este trabalho.

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índice apresentação (07)

fundamentação téorica

introdução (09)

01 | o espaço público democrático (13) a questão da justiça social na cidade contemporânea

02 | o espaço construído e a marginalização sexual (24)

um panorama histórico

03 | o espaço queer (41)

análise do lugar

projeto

uma abordagem conceitual

04 | a territorialização da sociabilidade LGBTQ no brasil (60) o caso de são paulo

05 | o largo do arouche (98) leituras e análises

06 | a proposta (180) ações, diretrizes, conceitos, processo, projeto e referências

bibliografia (240)



apresentação

S

air do armário. O verbo “sair” sugere superação, criação, fuga. O substantivo “armário” por definição é um objeto onde se guarda, protege, esconde aquilo que é frágil ou indesejável aos olhos nus. Logo, “sair do armário” exprime um desejo de se libertar de algo que está trancafiado; transmite uma sensação libertadora, convidativa, instigadora de explorar o mundo fora de um cubículo opressor. E de fato “sair do armário” é bem isso. Quando eu tomei consciência da minha própria sexualidade, fui emergido em um sentimento de total desprendimento da realidade: de repente, me emancipei de toda uma situação sufocante, congestionada que me aprisionava e me vi em meio a um infindável mar de indefinições. Me sentia livre, aliviado, mas completamente deslocado, sem horizonte, sem orientação. Em termos mais palpáveis, assumir publicamente sua sexualidade e seu gênero vem, geralmente, de um processo longo e doloroso de autoconhecimento e aceitação. Quando finalmente se encontra a lucidez da sua própria condição, o sujeito é lançado a uma nova jornada árdua: a busca por uma vida possível em sociedade sob a constante negação desse direito. Longe de ser uma exclusividade minha, essa experiência é compartilhada, em diferentes escalas, contextos e realidades sociais, com tantos outros gays, lésbicas, transsexuais, intersexuais, queers e todos as demais minorias sexuais que vivem à margem de uma sociedade majoritariamente heteronormativa que nos enxerga como seres desviantes prontos a pôr em ameaça a estabilidade da ordem social. Ao longo da história da “civilização”, são tentativas sucessivas e infindáveis da sociedade de te empurrar para dentro do armário novamente. Nessa conjuntura, a resiliência é o caminho para encontrar novas referências de vida que reafirmem o seu verdadeiro eu. 7


Os LGBTQIs encontram na sua própria família a maior resistência à expressão de suas sexualidade e identidade. Não é raro que essas pessoas encontrem na rua essa liberdade que não encontram dentro de casa. O aparente caráter democrático dos espaços públicos e a sua potencial capacidade de serem pontos de convergência dessas experiências compartilhadas são atributos que possibilitam o encontro dessas minorias nesses espaços, que, por vezes, se agrupam na tentativa de obter resistência e conforto entre si e/ou para reivindicarem politicamente seus direitos como cidadãos, sendo o contexto sui generis para expressões de identidades coletivas. Como futuro arquiteto e urbanista - e gay! -, venho me questionando cada vez mais o papel que a arquitetura e as cidades desempenham nessa conjuntura social opressora e excludente em relação às minorias (no caso as sexuais e de gênero). A cidade é realmente capaz de acolher as minorias e garantir as suas liberdades individuais e coletivas ou ela é só mais um mecanismo de controle social disfarçado que expurga essa população para lugares undergrounds e indesejáveis, longe dos olhos da sociedade dominante? Seria possível tangenciar a arquitetura com a teoria queer, com o feminismo e com outros estudos sociológicos, filosóficos e antropológicos que teorizam as questões de gênero e sexualidade? Se sim, como seria essa arquitetura não-normativa que prioriza as individualidades e coletividades desses grupos identitários marginalizados?

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introdução

O

presente TFG parte do entendimento de que a arquitetura não é apenas uma mera prática de edificar, mas sim um meio de representação política e social revolucionária. Ela tem plena capacidade de moldar performatividades de gêneros e sexualidades e, como parte de um conjunto de ferramentas que podem subverter o modus operandi heteronormativo da sociedade, ela pode promover um importante ativismo em prol de vidas e subjetividades mais permissíveis. Para o ensaio prático que esse TFG almeja, se faz necessário eleger um local de intervenção: um recorte de uma área urbana que tenha um uso consolidado pela população LGBTQI e que esteja sofrendo algum processo de renovação que não a inclua nesse planejamento futuro, infringindo o seu direito à cidade como grupo identitário. Nessa busca, o Largo do Arouche, em São Paulo, me pareceu preencher perfeitamente esses requisitos. Essa área particular compreendida na região do centro expandido de São Paulo é, desde a década de 1950, um reduto de marginalizados - homossexuais, travestis, lésbicas, michês, prostitutas, malandros etc - que, ao longo dos anos, foi alvo de inúmeras ações de políticas públicas higienistas que impuseram intensas repressões, perseguições, censura e constantes expulsões a essa população dita desviante, seja pela violência policial, seja pelas operações urbanas “revitalizadoras”. Se inicialmente a região do Arouche, denominada como “gueto gay” (ainda que o termo seja questionável), foi apropriada exclusivamente por homens gays da classe média paulistana, hoje os estabelecimentos da região atendem a um público LGBTQI muito mais diversificado em termos de gênero, etnia e classe social, passando por uma visível alteração do perfil socioeconômico de seus frequentadores. O escopo do presente trabalho é, portanto, 9


explorar e preservar a vocação não-normativa do lugar (no caso o Largo do Arouche), legitimando a territorialidade LGBTQI que o caracteriza historicamente através da garantia e do suporte institucional a essa população, conferindo-lhes visibilidade, liberdade e direito de manifestação e identidade na cidade. É através do projeto de equipamentos novos que atendamas necessidades programáticas específicas dessa população, que se almeja erigir o grande marcador dessa territorialidade, garantindo a fixação desse grupo no Largo. Em paralelo - porém intrinsecamente ligado à problemática central -, a ideia também perpassa pela requalificação do Arouche quanto espaço urbano ancorada por uma nova rede de equipamentos urbanos, potencializando a relação entre arquitetura e espaço público e servindo de contraproposta aos projetos de revitalização potencialmente gentrificadores pretendidos para o Largo (sobretudo o projeto Pequena Paris, idealizado pela atual gestão da Prefeitura de São Paulo em parceria com empresas privadas). Com tamanha diversidade identitária dos ocupantes do Arouche, as soluções do projeto só vieram após intenso levantamento etnográfico da região, bem como a análise das dinâmicas que a envolvem, sendo de suma importância a participação ativa dessa população queer frequentadora, através de seus relatos e observações do autor, na busca por um eixo programático comum que atenda ao objetivo do trabalho e a necessidade desses indivíduos.

Abro este trabalho relatando as dificuldades que tive em encontrar uma literatura acessível que relacione as histórias da sexualidade e a produção da arquitetura e da cidade. Muito do que foi encontrado - e que foi exposto neste trabalho - é sob a perspectiva do homossexual masculino ocidental. Os estudos sobre relação entre gênero e a produção do espaço são relativamente recentes e ainda tem muitas pontas soltas que precisam ser elucidadas. Ainda que esses estudos já tenham avançado bastante sob a perspectiva feminista, algumas identidades sexuais ainda carecem de atenção nessa área de pesquisa, como as lésbicas, os transsexuais 10


e os trangêneros. A falta de contatos e pesquisas sobre a população trans também deve-se ao fato de ser uma identidade relativamente nova e muito marginalizada, mesmo dentro dos LGBTQs. Alia-se a esse fato a falta de informações sobre as condições de vida dessas populações não-normativas vulneráveis, sobretudo na área da saúde e segurança. Isso prejudica o entendimento da realidade e dos problemas desses indivíduos e, por consequência, impede o desenvolvimento de políticas públicas mais apropriadas. As múltiplas identidades dificultam uma denominação unificada dos indivíduos dissidentes de gênero ao decorrer deste trabalho. As atribuições identitárias foram construídas de acordo com contextos históricos e relacionais de poder na sociedade e, portanto, variam de acordo com a época em que se inserem as análises. Os termos como “homossexual” e “lésbica” surgiram apenas no século XX sob um contexto de patologização do comportamento homoafetivo; antes disso, essa população era chamada de sodomita, pederasta e desviante. Viado, bofe, bicha, macho, sapatona, lady, traveco também são identidades recentes que refletem outras condições que vão além do gênero, como recorte de classe social, atitudes comportamentais e hierarquia sexual nas relações. O termo gay e a sigla LGBT - bem como suas variações surgiram respectivamente na década de 1970 e 1990 sob o contexto da politização dos grupos identitários nãonormativos. Apesar dos termos identitários flutuarem nesse trabalho de acordo com os sujeitos e temporalidades que estão sendo analisadas, a terminologia queer1 se mostra bastante apropriada para referenciar de modo geral o meu objeto de estudo - os

1 “Na origem, ‘queer’ é palavra carregada de preconceito. Há registros do uso do termo ‘queer’ ainda antes do século 19 com o significado de torto, peculiar, excêntrico. A partir daí, a palavra passou a ser usada para definir gays e quaisquer indivíduos que não fossem heterossexuais ou cisgêneros (quem se identifica com o gênero atribuído no nascimento), com uma crescente aplicação pejorativa. Segundo o dicionário Oxford, entretanto, no final da década de 1980 parte da comunidade gay se apropriou do termo ‘queer’ para esvaziá-lo de seu sentido negativo e congregar gays, lésbicas e outras sexualidades, assim como indivíduos com outras identidades de gênero.” Trecho retirado do artigo “Os mapas que lutam contra a invisibilidade da história queer”, da revista onlie Nexo, publicado em 26/02/2018.

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indivíduos fora da norma -, uma vez que ele abrange todo sujeito não-heterossexual, cisgênero ou que foge a qualquer normatividade sexual e de gênero imposta pela sociedade, além de ser um termo bastante difundido no academicismo para se referir aos estudos sobre o assunto.

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01.

o espaço público democrático a questão da justiça social na cidade contemporânea

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o pós-guerra do século XX para os dias atuais, a lógica da produção arquitetônica e dos espaços urbanos tem sido regida sobretudo pelas leis do mercado, onde a cidade e a arquitetura se mostram campos potencialmente favoráveis para a expansão e fortificação do capitalismo. Como consequência, PRECIADO (2012) afirma que essa produção desmedida e unilateral ignora questões epistemológicas, políticas e críticas de uma sociedade contemporânea em constante movimento e considera as questões de minorias como insignificantes. Enquanto a tecnologia possibilitou o avanço nas discussões em relação à sexualidade e gênero as colocando como questões a serem debatidas com mais frequência sobretudo graças ao desenvolvimento da indústria químico-farmacêutica (advento de métodos contraceptivos e hormonais, pílulas, próteses) e à massificação da mídia (novos meios de comunicação, intensificação do fluxo de informações, a indústria pornográfica), o campo da arquitetura ainda discute noções muito normativas de forma, função, estilo, historicismo e multiculturalismo que precisam ser superadas. Essa obsolência das teorias da produção espacial do século XX também se estende para a prática urbana. MONTANER e MUXI (2015) denunciam que grande parte da teoria urbanística do século XX já se mostrou obsoleta e precisa urgentemente ser revisada para acompanhar a complexidade da realidade contemporânea. O espaço urbano vem perdendo cada vez mais sua dimensão pública ao ser constantemente desamparado pelo Estado e apropriado pelo Capital, cenário perfeito para que especulações imobiliárias e exigências mercantilistas se desenvolvam plenamente sem nenhum controle. O espaço público não é mais projetado segundo a essência sui generis de ser o substrato legítimo para trocas de experiências e contatos sociais entre sujeitos; ao contrário: está cada vez mais voltado inteiramente para a transitoriedade de corpos, sob 14


uma dinâmica pautada pelos fluxos de mercadorias, deslocamentos de mão-de-obra e escoamento de produção (MARCONDES, 2017). Esses espaços de intensas circulações e que não estimulam a permanência e nem as inter-relações humanas caracterizam o “não-lugar”. O “não-lugar” impossibilita o reconhecimento mútuo das pessoas e, consequentemente impede o desenvolvimento pleno de comunidades e identidades. Se pensarmos que as minorias - como os LGBTQs -, são grupos identitários que se formaram graças ao caráter agregador do espaço público e, se as cidades hoje tendem a transformar esses espaços de convívio em simples travessias de um lugar para o outro, então onde essas populações marginalizadas vão se encontrar para compartilhar experiências urbanas coletivas e construir sua própria memória quanto grupo minoritário? Onde os LGBTQs vão poder expressar livremente a sua identidade de gênero e a sua orientação sexual se até mesmo o ambiente doméstico é, em boa parte dos casos, um lugar onde se consuma o preconceito, a repressão e a violência? Onde se darão as manifestações políticas subversivas (ou não) frente a normatividade da sociedade na luta pelos direitos da classe (figuras 01 e 02)? MARCONDES (2017) alerta para o perigo de atribuir somente à esfera privada a responsabilidade de resguardar esses espaços de sociabilidade. O espaço privado, tendo um proprietário que exerce um controle absoluto sobre ele, está sujeito a seleções, apagamentos e expulsões segundo a vontade e os interesses desse proprietário, não tendo - na maioria dos casos - nenhuma preocupação com as minorias a não ser as relações de consumo e lucro . E, se o apagamento da memória e da identidade de uma comunidade se consuma, os seus membros se tornam psicologicamente vulneráveis e mais suscetíveis a sofrer violência. Assim sendo, sobretudo a esfera pública é capaz de salvaguardar essas vivências como garantia de sobrevivência e liberdade para as minorias e comunidades oprimidas. Portanto, a necessidade de conferir ao espaço urbano um caráter democrático e libertário parece ser a chave para uma cidade mais justa. Mas no contexto contemporâneo de complexidade das relações sociais, o que caracteriza um espaço urbano democrático? Como conseguimos alcançálo? 15


figura 01 | As manifestações de junho de 2013 na Avenida Paulista, em São Paulo (ao lado), e o ato em homenagem à Marielle Franco em 2018, na Praça Alagoas, no Rio de Janeiro (abaixo), são exemplos máximos de ocupações que legitimam e potencializam o caráter democrático e político do espaço público. Fonte: Portal G1/Globo. com

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Segundo MONTANER e MUXI (2015), para que o espaço urbano alcance o status de um espaço democrático, sua reconversão deve seguir quatro eixos de transformação estritamente relacionados: igualdade, diversidade, participação e sustentabilidade. A igualdade se relaciona estreitamente com os princípios legais de liberdade, de fraternidade e de não discriminação, ou seja, se insere na prática dos direitos humanos. Para alcançar tais princípios, faz-se necessário reforçar e corresponder à diversidade contemporânea, oferecendo igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, sem discriminação de gênero, sexo, cultura, etnia, religião e orientação sexual. Garantir o direito à moradia e ao bairro, bem como permitir a liberdade da vida cotidiana e a elevação do cidadão comum a parte constituinte e ativa da cidade, são fundamentais para salvaguardar a igualdade na esfera urbana (figura 02). A questão da igualdade e da não discriminação está intimamente ligada à diversidade. Se a sociedade atual é resultado de uma conjuntura póscolonial e globalizada, onde os fluxos são mais intensos, as cidades se tornam cada vez mais multiculturais. Essa diversidade encontrada na multiculturalidade é um dos valores em que o espaço público deve se pautar. MONTANER e MUXI (2015) trazem o exemplo dos imigrantes como figura expoente da diversidade a ser abarcada, ao defenderem que um bairro multicultural deve absorvê-los por meio de “suas culturas, seus imaginários, suas crenças, suas músicas, seus alimentos, suas maneiras de se relacionar com o espaço público e suas capacidades de expressão e criação” (figuras 03 e 04). JACOBS (2011) também acredita que a diversidade é fundamental para uma cidade viva e democrática. Os meios que a jornalista dispõe para alcançar a diversidade no espaço urbano são a multifuncionalidade de usos e funções em um bairro, ruas e quadras curtas, alta densidade de pessoas e a coexistência de edifícios de idades diferentes. Se considerarmos que, historicamente, a sociedade sempre colocou a homofobia, xenofobia, racismo e demais formas de preconceito sob uma mesma equidade, os imigrantes, junto com os negros e os LGBTQs, são minorias com uma característica comum: são todos marginais do ponto de vista da ordem e norma social local. Portanto aceitar a diversidade, seja do imigrante, seja do LGBTQ, seja do negro ou de qualquer 17


figura 02 | ProtĂłtipo para abrigo emergencial no Nepal, elaborado por Shigeru Ban juntamente com a ONG Voluntary Architects Network (VAN) em 2015. O projeto ĂŠ um exemplo concreto da defesa da moradia como direito bĂĄsico. Fonte: Archdaily Brasil.

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figura 04 | Implantado em um bairro de imigrantes de Copenhague, o Superkilen é um espaço público linear que abriga diversos elementos e iconografias de múltiplas culturas, como fontes árabes, bancos brasileiros, luminárias russas etc. Projetado pelo BIG, em 2012, o projeto tinha como principal objetivo a criação de um senso de comunidade através da incorporação da diversidade étnica e cultural dos moradores da região. Fonte: Foto tirada pelo autor.

figura 03 | Conjunto Habitacional Silodam, em Amsterdã, projetado pelo MRVDV em 1995. Fonte: Divisare. “O Silodam se transformou em um manifesto da diversidade de estilos de vida, a expressão do desejo de caracterização e individualização de cada moradia dentro de um conjunto coletivo” (MONTANER e MUXI, 2015).

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outro grupo marginalizado é permitir a liberdade de expressão das suas múltiplas identidades. A participação do cidadão comum na produção do espaço urbano vem como instrumento para garantir a liberdade e a diversidade, tão fundamentais à democracia. Esse envolvimento faz com que as múltiplas vozes e vidas sejam ouvidas, contempladas e reconhecidas na cidade; dá subsídios para que o Estado entenda melhor os espaços a realidade da sua sociedade, suas democráticos devem necessidades, anseios, multiplicidades e ser “[...] pensados memórias. Para isso, é fundamental que para reforçar qualquer intervenção urbana tenha aval dos moradores, desde o diagnóstico até o os laços dentro projeto, inclusive como meio de qualificar da comunidade, a manutenção e interpretar a póscom projetos ocupação desses espaços, minimizando que favorecem erros e equívocos (figura 05). a inter-relação, Por último, a sustentabilidade deve ser uma potencializam referência para esse processo de a igualdade e a ressignificação do espaço. A consciência justiça, baseiamdos limites dos recursos naturais e se na participação as alterações climáticas alarmantes e na intervenção proporcionaram uma sensibilidade em relação ao meio ambiente que, dos usuários e são por consequência, traz a preocupação mais sustentáveis pela pelas preexistências ambientais, por tentarem levar pelo patrimônio, pela memória e pelos em consideração vículos sociais existentes. Logo, uma as condições do postura ecológica para a arquitetura e o urbanismo não se pauta apenas pelas lugar e a cultura atividades econômicas e tecnológicas, e os imaginários, mas especialmente pelo equilíbrio dos as necessidades e sistemas sociais, culturais, econômicos e os movimentos de naturais dos quais essas atividades estão seus habitantes” estritamente relacionadas. Se olhar para a (MONTANER e MUXI, preexistência é uma preocupação 2015) inerente à sustentabilidade, logo deve haver um predomínio da recuperação de espaços já construídos frente às novas construções, ao reestruturar bairros e espaços públicos existentes através de um novo paisagismo, da melhoria das instalações e infraestruturas ao aumento de área para moradias e espaços coletivos e comunitários, sendo estes fundamentais para as relações de igualdade e 20


figura 05 | O USINA CTAH presta assessoria técnica para movimentos populares e atua no sentido de articular processos que envolvam a capacidade de planejar, projetar e construir pelos próprios trabalhadores. A participação popular na definição e elaboração dos projetos de arquitetura e urbanismo é o principal método aplicado pelo escritório. Nas imagens, projeto da Comuna das Terras Dom Tomas Balduino, em Franco da Rocha, São Paulo (2006). Fonte: Site do USINA CTAH.

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diversidade, conforme discutido anteriormente. Podemos inferir que a concepção de um espaço democrático segundo os conceitos elucidados passa por um processo primário de negar os métodos de produção espacial atuais e, portanto, desafia as antigas estruturas hegemônicas de poder que ditam a produção dos espaços, pautadas pela autoridade patriarcal e normativa, que tem o homem heterossexual e branco como sujeito universal na construção das relações sociais e culturais. Se historicamente o homem foi colocado no topo de uma construção social hierarquizada, ele é legitimado como a personificação da figura pública sendo, portanto, o espaço urbano o seu lugar de domínio. O feminino - assim como outras identidades de gênero e sexo desviantes do heteronormativismo masculino que foram aflorando na sociedade ao longo da História - assume uma posição de subordinação nessa hierarquia social e, portanto, passível de ser controladao e vigiado pelo bem e manutenção da ordem. Como consequência, o espaço interior e privado, na figura do ambiente doméstico, é o lugar destinado às mulheres nessa estrutura de poder. Se a complexidade da sociedade contemporânea está intimamente ligada às múltiplas identidades culturais, raciais, sexuais e generificadas que o mundo pós-moderno gerou e, entendendo a identidade como fator crucial para a construção de lugares evitando a perpetuação de “não-lugares” -, não podemos mais projetar espaços que reforçam essa estrutura unilateral rígida. Para isso, devemos destituir essa visão parcial masculina e heterossexual como visão universal, abrindo a possibilidade para múltiplas compreensões e leituras do espaço. É por isso que não há possibilidade alguma de justiça e igualdade se não partir de uma perspectiva crítica de gênero.

Após essa elucidação, fica claro que, para projetar um espaço democrático, é importante ter a consciência da complexidade da realidade contemporânea através do entendimento das formações identitárias e a sua ligação com a produção do espaço construído. Para isso, faz-se necessário compreender as relações históricas entre sociedade, sexualidade e política na construção de tabus acerca das questões 22


sexuais - sobretudo a homofobia - dentro da formação das civilizações ocidentais que culminaram em séculos de perseguição e repressão às minorias não-normativas de gênero. É essa compreensão que o próximo capítulo busca explorar, elucidando o reflexo desses preconceitos no espaço urbano e arquitetônico e como esses foram configurados para atender a essas demandas das relações unilaterais de poder.

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02. o espaço construído e a marginalização sexual um panorama histórico 24


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esde os princípios da vida em sociedade no Ocidente, o corpo e a sexualidade masculina sempre foram os únicos a serem reconhecidos pela sua existência ontológica e anatômica, sendo muito cultuados na Cultura Clássica e tidos como o centro do universo no Renascimento. Segundo Foucault (PRECIADO, 2015), foi a partir do século XVIII, quando a sociedade passa a viver sob um regime soberano disciplinar e controlador, que a biopolítica1 introduziu a diferenciação sexual anatômica ao transformar úteros e o interior dos corpos em novas áreas de gestão política. Na Grécia Antiga, relações sexuais entre homens eram tidas como uma espécie de ritual que antecede a vida marital e eram providas de desejo e prazer. Não era uma prática exclusiva, pois homens se relacionavam com mulheres e outros vários parceiros concomitantemente. A naturalidade com a qual ocorriam essas relações era tamanha que amantes homossexuais eram colocados lado a lado em disputas e em treinamentos de exércitos para inspirar um comportamento heroico entre si, sendo, portanto, uma tática de incentivo à boa performance dos soldados nas guerras e conquistas territoriais (figura 06). Situação não muito diferente ocorria na Roma Antiga, onde a bissexualidade era aceitável e completamente respeitável desde que o homem desempenhasse um papel de ativo - penetrador - na relação e que essa fosse consumada entre pessoas do mesmo estrato social (figura 07). A origem da homofobia remete ao advento

1 Biopolítica é o termo utilizado por Foucault para designar a forma na qual o poder tende a se modificar no final do século XIX e início do século XX. As práticas disciplinares utilizadas antes visavam governar o indivíduo. A biopolítica tem como alvo o conjunto dos indivíduos, a população.

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figura 06 | Prato ateniense (530-430 a.C.) Ashmoleam Museum, Oxford. Fonte: Portal online da disciplina Histรณria das Artes Visuais 01 (EBA/ UFRJ). figura 07 | Detalhe do Cรกlice de Warren, produzido entre 15 a.C.-15 d.C. na Roma Antiga, retrata uma cena de intercurso anal homossexual. A peรงa pertence atualmente ao British Museum, em Londres. Fonte: British Museum.

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figura 09 | As representações de São Sebastião são um símbolo sexual da Renascença e ilustram a volta do antropocentrismo clássico no Renascimento. São Sebastião, de Andrea Mantegna, 1480. Fonte: Louvre Museum.

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figura 08 | Xilogravura do de Franziskus Grontius, relata uma técnica de morte e tortura comum na condenação de homossexuais: serrar o corpo ao meio. Lipsia, 1474. Fonte: A Bilingual Fuide to the exhibition of Torture Instruments from the Middle Ages to the Industrial Era. Qua D´Arno Editorial. Florence, 1985


do Judaísmo e do Cristianismo, quando as relações homoafetivas começaram a ser condenadas. Ao contrário do pensamento pagão, que via na expressão plena da sexualidade - inclusive nas relações entre indivíduos do mesmo sexo - um fator intrínseco e construtivo na formação do homem clássico, essas novas religiões em expansão pregavam que o homossexualismo era uma prática não-natural e indigna de Salvação Divina. Apesar das sociedades clássicas terem sido notoriamente misóginas e sexistas, elas não tinham quaisquer mecanismos ou ideais de heterossexismo na intensidade em que a tradição judaico-cristã passou a pregar. Ela reprovava inúmeras “práticas sexuais”, sobretudo a homossexualidade, a masturbação, a relação com mulheres em períodos inférteis, sob a premissa de garantir os alicerces patriarcais e a preservação da comunidade por meio da reprodução, sendo quaisquer práticas sexuais desviantes um ataque à vida coletiva (BORRILLO apud ALMEIDA, 2015). Sob a égide da máxima expansão do Cristianismo e das diversas religiões que se formaram a partir dele, foi na Idade Média que essas condenações sexuais se legitimaram. Com o assolamento da Peste Negra, aumentou-se ainda mais a perseguição e a penalização de práticas homossexuais, inclusive adotando a tortura e a pena de morte por fogueira como punição a essa prática no intuito de purificar o indivíduo e a comunidade (figura 08). A criminalização da homossexualidade veio, portanto, dessa influência da Igreja em todos os âmbitos da vida social em boa parte do Ocidente. A partir desse momento, o homem nãonormativo perdeu sua legitimidade no espaço público, sendo esse a ele negado assim como às mulheres. Leis passaram a ser elaboradas e vigoradas seguindo preceitos canônicos, e práticas homossexuais passaram a ser enquadradas como pederastia e sodomia, sujeitas à severas punições. A situação dos homossexuais e ditos desviantes apenas foi aliviada à luz do Renascimento e do Iluminismo. O questionamento dos valores tradicionais e a defesa da liberdade individual recolocaram o Homem no centro do universo (antropocentrismo), permitindo que a homossexualidade obtivesse relativa aceitação e visibilidade (figura 09). Contudo, esses novos pensamentos mais libertários ficaram restritos apenas a algumas nações, sobretudo à Itália e à França, durante a Revolução Francesa. E não levou muito tempo 28


pecado abaixo do trópico

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o contexto das grandes descobertas, as colônias das nações imperialistas europeias também passaram a ser regidas sob essas condições, onde a repressão à liberdade sexual dos nativos fazia parte da política de conversão europeizada desses povos. No Brasil, as práticas indígenas eram muito distintas da concepção de puritanismo europeu, uma vez que os índios em geral davam pouca importância à virgindade, condenavam o celibato, praticavam relações homoafetivas e perambulavam despudoradamente nus. As missões jesuíticas foram o principal instrumento de conversão dos índios aos dogmas do catolicismo como maneira de dar fim a essas práticas. Contraditoriamente, ao mesmo tempo que Portugal reunia esforços para que os dogmas da Igreja fossem estabelecidos soberanamente em suas colônias, uma de suas estratégias punitivas à sodomia, à pederastia, à malandragem e ao assassinato era exilar os ditos criminosos em suas colônias. O Brasil por um bom tempo teve a fama de ser uma terra do pecado justamente pela alta presença desses marginalizados, além de toda a herança sexual indígena. Somados a esses fatos, o provincianismo das colônias, o controle político-administrativo e fiscalizador feito à distância e as influências renascentistas trazidas pelos próprios colonos transformaram o Brasil em “um foco de liberalidade e promiscuidade no Reino, atraindo aventureiros e traficantes interessados tanto na riqueza fácil quanto nas índias nuas e outras delícias tropicais (TREVISAN, 1986)”. Essa identidade comportamental altamente sexualizada que se criou no Brasil perdurou por muitos séculos e, ainda hoje, esse estigma é invocado. As severas estratégias de controle e repressão das expressões de sexualidade não foram suficientes para barrar certas subversões do desejo sexual no espaço público. Prova disso são as primeiras manifestações do que hoje é o carnaval brasileiro. Caracterizadas como festas de rua “onde tudo 29


pode”, o carnaval se tornou uma heterotopia1 onde os valores eram invertidos e as proibições moralistas eram aceitas por um curto espaço de tempo. Homens transvestidos e “pegação” em plena rua denotam a potencialidade subversiva que o espaço público propiciava frente ao puritanismo religioso. Uma definição bastante pertinente sobre o caráter heterotópico do carnaval é o de GREEN (1999): “[...] o carnaval brasileiro é uma celebração em que gente comum, mediante a inversão de papéis e a regra do desregramento, pode temporariamente infundir valores igualitários em uma sociedade hierárquica e rigidamente estruturada.” Essas aparentes permissividades sexuais momentâneas, contudo, não podem ser usadas para mascarar a latente problemática de repressão sexual que o Brasil enfrenta desde o momento que passou a ser colonizado por Portugal. GREEN (1999) faz essa ponderação e ainda alerta para os perigos do estereótipo imagético do Brasil como “um país sensual e pecador”: “As imagens contraditórias das festas permissivas do carnaval e a brutalidade dos assassinatos são alarmantes, assim como as tensões entre tolerância e repressão, aceitação e ostracismo estão profundamente arraigadas na história e cultura brasileiras. Da mesma forma que o mito - bastante disseminado - de que o Brasil é uma democracia racial obscurece os padrões enraizados de racismo e discriminação, também a noção de que ‘não existe pecado no sul do Equador’ esconde um amplo mal-estar cultural diante dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, no maior país da América Latina.”

1 Heterotopias são lugares e espaços que funcionam em condições não-hegemônicas. Foucault usa o termo heterotopia para descrever espaços que têm múltiplas camadas de significação ou de relações a outros lugares e cuja complexidade não pode ser vista imediatamente.

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para que a pouca liberdade que os “desviantes do sexo” conquistaram fosse desmantelada. A partir do século XIX, sob o contexto da Revolução Industrial e do Liberalismo, era necessário “preservar e estimular uma população (ou força de trabalho) reprodutora e procriadora que atendesse às necessidades do sistema capitalista em desenvolvimento” (SPARGO, 2017). Assim, a sociedade passou do regime soberano para o disciplinar, onde a diferenciação sexual anatômica passou a ser adotada como componente da gestão política. Sob esse novo regime, dominado pela continuidade indissociável entre sexualidade e reprodução, o “masturbador”, o “homossexual” e o “pervertido” viraram identidades patológicas a serem clinicamente tratadas e normalizadas (PRECIADO, 2012). Cunhado pela primeira vez o termo “homossexualidade”, o intuito era o de medicalizar a noção de sodomia e consolidar a necessidade de vigilância social e política dos corpos controlados pelo Estado através do aparato médico (ALMEIDA, 2015). Ao deixar de ser encarada como crime e sendo classificada como um distúrbio comportamental, os homossexuais passaram ser confinados em clínicas e manicômios, sendo esses os lugares destinados a eles no século XX (figura 10). A psicologia começa a estudar as origens psicológicas da homossexualidade no começo do século XX. Correntes como a de Sigmund Freud e Jacques Lacan amenizam a condenação da homossexualidade, mas ainda mantém um caráter homofóbico de diagnose. O mesmo era consumado na área da antropologia, que ainda tinham uma visão binária de gênero. A justificativa mais aceitável a essas ciências na época era a de que a homossexualidade era uma escolha e, sendo uma escolha, ela estava fora do contrato social. Condenada até mesmo pelos teóricos comunistas e socialistas, a homossexualidade não foi repreendida pelo governo soviético até a ascensão de Josef Stalin ao poder, quando começou uma intensa campanha de condenação das práticas homossexuais. Na Alemanha Nazista, homossexuais eram perseguidos e exterminados pois ofereciam risco à reprodução e à supremacia da raça ariana (figura 11). Aqui, o espaço reservado aos nãonormativos era o campo de concentração. As discussões acerca da homossexualidade tiveram uma mudança de enfoque a partir da metade 31


figura 10 | Homossexuais eram levados a laboratórios médicos e submetidos a diversos experimentos e análises na busca por uma cura aos “desvios de gênero”. Fonte: Revista Archivos de Medicina Legal e Identificação.

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figura 10 | Homossexuais eram enviados para campos de concentração durante o Nazismo e eram identificados por um triângulo cor de rosa no uniforme. Fonte: Brilio.net e Queerty. com


do século XX, passando do âmbito clínico para o moralpolítico-cultural. Isso levou a ascensão de movimentos políticos de reivindicações de direitos e liberdade de expressão sexual, em um período conhecido como Revolução Sexual2. Surgiram movimentos mais radicais e outros de tendência assimilacionista3, sendo que esse último veio a colapso graças a Revolta de Stonewall4 (figura 12), em 1969, ao levantar pautas em favor das pluralidades de sexo e gênero. Uma vez mais fortalecidos internamente, os movimentos LGBTQIs se juntaram a outros movimentos políticos de minorias, como os feministas e os negros. O espaço público passa a reaceitar os não-normativos de maneira seletiva e condicionada àqueles que mantinham uma certa discrição. A AIDS e os crescentes ataques conservadores aos movimentos pró-LGBTQIs resultantes de uma crise econômica mundial nos anos 1970 estacionaram as conquistas até então obtidas por essas minorias, destituindo inclusive algumas já conquistadas. Na década de 1990, movimentos queer surgiram tendo como pauta a luta pela desconstrução do binarismo

2 “A Revolução Sexual emergiu entre o final da década de 1960 e o início dos anos 1980, período em que boa parte das sociedades ocidentais vivenciou uma inflexão histórica na compreensão da sexualidade, do desejo e das possibilidades relacionais. Nessa época, movimentos feministas se organizaram em torno da demanda do direito à contracepção, à interrupção da gravidez e ao prazer sexual. Nos Estados Unidos, a luta pelos direitos civis dos afro-americanos conseguiu revogar as leis que impediam casamentos inter-raciais. Homossexuais, por sua vez, lutaram pela despatologização da homossexualidade e sua discriminação.” (SPARGO, 2017, pág. 86). 3 SILVA apud ALMEIDA (2015) destaca dois grandes grupos como pioneiros nas lutas pelos direitos LGBTs em meados de 1950: “[...] o primeiro, chamado de radicais, mais próximos das teorias comunistas, eram ativistas subversivos, que reivindicavam o reconhecimento do homossexual como indivíduo fora da norma; os assimilacionistas formavam o segundo grupo, caracterizado pela ideia da criação de uma imagem da homossexualidade baseada nos valores heterossexuais (monogamia, família, correspondência sexo– gênero).”

4 A Rebelião de Stonewall foi uma série de manifestações de membros da comunidade LGBT iniciadas em 28 de junho de 1969 contra as constantes invasões e batidas da polícia de Nova York no bar Stonewall Inn, localizado em Manhattan, Nova York. Esses motins são amplamente considerados como o evento mais importante que levou ao movimento moderno de libertação gay e à luta pelos direitos LGBT no país e no mundo.

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sexual e de gênero, partindo de uma consciência de que as normas heterossexuais jamais seriam assimiladas pelos homossexuais (ALMEIDA, 2015). Tendo como uma das pautas a apropriação do espaço público, as Paradas de Orgulho LGBT (figura 13) surgiram no intuito de trazer visibilidade e empoderamento a essas minorias. Uma mudança crucial nessa relação de opressão entre sociedade e sexualidade veio apenas no período pós-Guerra, quando as tecnologias de guerra foram transformadas em tecnologias do corpo, do consumo e das comunicações. Durante a Guerra Fria, muitos países - principalmente os EUA - investiram milhões em pesquisas científicas relacionadas ao sexo, à sexualidade e às técnicas de controle da natalidade. Com isso, uma série de questões surgiram e abalaram a normatividade de gênero e sexo na sociedade: o termo “intersexualidade” foi cunhado pela primeira vez para classificar a diversidade genital morfológica que excedia a classificação binária de masculinidade e feminilidade; a noção de gênero e a possibilidade de modificações cirúrgicas e hormonais reformularam a definição de sexo; com o desenvolvimento da indústria química, novos produtos farmacêuticos foram criados a fim de controlar o crescimento da população com técnicas de contracepção. A partir desse momento histórico de boom tecnológico, PRECIADO (2015) cunha o termo farmacopornográfico para definir o novo regime social que passamos a viver. A terminologia faz referência às subjetividades sexuais definidas pela indústria química (com o advento de pílulas, métodos contraceptivos, consumo de hormônios, etc.) e pelos meios de comunicação massivos (novos meios de comunicação, intensificação do fluxo de informações, a indústria pornográfica). Em outras palavras, para PRECIADO (2015) “vivemos em um novo tipo de capitalismo que é quente, psicotrópico e punk, com novos mecanismos artificiais de controle a partir de técnicas biomoleculares avançadas e redes midiáticas”. A ciência tecnológica, portanto, estabeleceu uma autoridade material ao transformar conceitos como psique, libido, consciência, feminilidade, masculinidade, heterossexualidade e homossexualidade em realidades tangíveis através da comercialização de substâncias químicas, biotipos, bens de consumo, etc. Sob esse regime, a performatividade se torna um mecanismo essencial e esse novo corpo não pode ser entendido 35


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figura 12 | Parada do Orgulho LGBT da Cidade de São Paulo em 2011 (à esq.), considerada uma das maiores do mundo. Fonte: Portal UOL.com

figura 11 | Foto (acima) mostra protestos nas ruas de Nova York durante a Revolta de Stonewall, em 1969. A Revolta representou o despertar da consciência política dos gays e influenciou diversos movimentos LGBTQs no mundo. Fonte: CBS News.


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figura 13 | - O bairro de Chueca, em Madrid, ĂŠ oficialmente reconhecido como um territĂłrio LGBTQ friendly. Fonte: Wikipedia.com.


como um substrato biológico fora do enquadramento produtivo. Nos anos 2000, a sigla LGBTQ foi criada por ativistas queer para contemplar as lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e queers no movimento, em consonância com o discurso dos movimentos políticos que pregavam a pluralidade na tentativa de amplificar as pautas até então limitadas aos gays. Atualmente a sigla possui outras variações para incluir novas formas identitárias de gênero, como LGBTQIA+, que inclui os assexuais, intersexos, simpatizantes e quaisquer outros indivíduos não contemplados pelas iniciais da sigla.

Como vimos, a partir das tradições judaicocristãs, o homem não-heterossexual não podia mais expressar sua sexualidade no espaço público. Se o quisesse, deveria abdicar da sua condição não-normativa para gozar de um lugar que, a partir de então, passou a ser de domínio exclusivo do homem heterossexual. A negação da cidade aos homosseuxais os coloca em pé de igualdade com a mulher e outros grupos marginalizados. As conjunturas políticas e sociais fizeram que o lugar dos indivíduos não-normativos sempre fosse espaços homofóbicos de repressão (manicômios, campos de concentração, até mesmo o espaço doméstico dentro da uma estrutura familiar rígida). Dentro do contexto de reafirmação da binaridade de gênero - homem e mulher - para fins de reprodução para o capital industrial no século XIX e na primeira metade do XX, surgiram novos conceitos de espaço - sobretudo o doméstico -, calcados numa arquitetura heteronormativa intimidadora e disciplinar, que culminaram na redefinição do privado e do público, na gestão das atividades sexuais por meio de políticas urbanas higienistas e no confinamento das mulheres nos subúrbios, sendo esse último apoiado sob as novas invenções ginecológicas, sexuais e midiáticas de controle e repressão. Não por acaso, a arquitetura moderna reflete o caráter disciplinar e racionalizador das fábricas, prisões, hospitais, escolas e asilos concebidos dentro desse contexto de controle social. A arquitetura, portanto, foi - e ainda tem sido - utilizada como ferramenta dos organismos detentores de poder 38


- o Estado e o Capital - para controle da vida social da população. Se o indivíduo queer não encontra respaldo fora de casa para viver sua sexualidade em liberdade, o ambiente doméstico muitas vezes não oferece suporte tampouco. A casa5 é o primeiro espaço onde o indivíduo percebe a sua sexualidade, mas não encontra respaldos na arquitetura para praticá-la. Com disposições e setorizações do programa em uma rígida configuração espacial, a casa tradicionalmente heteronormativa não permite a privacidade e nem promove a individualidade tão necessárias ao usuário, principalmente se ele não atende as normas de sexualidade e gênero da sociedade. Tudo é vigiado, ouvido e percebido por todos. Nesse âmbito, a casa que é, por definição, um espaço de abrigo, torna-se um espaço intimidador e um simulacro do espaço público controlador. No século XX, as heterotopias surgiram como subversões momentâneas aos espaços públicos heteronormativos, como por exemplo a eclosão das paradas gay pelo mundo e a consolidação do carnaval como expressão máxima da cultura no Brasil. Mas foi somente com o ativismo político LGBTQ do final do século XX que propostas mais perenes de reconhecimento de territorialidades não-normativas na cidade começaram a surgir. Bairros inteiros como o Castro, em São Francisco e Chueca, em Madrid (figura 13), passaram a ser oficialmente declarados e protegidos como territórios de sociabilidade LGBTQ pelo seu histórico de lutas, conquistas e apropriações nãonormativas. Outros tantos territórios ainda são palco de conflitos velados na tentativa de conquistar esse status, como é o caso do Largo do Arouche, em São Paulo, objeto de intervenção deste trabalho. Se por um lado o fortalecimento da identidade queer e o engajamento político de seus elementos possibilitaram essas conquistas, não podemos deixar de considerar que essas foram possíveis também por conta de uma visão oportunista do capitalismo que viu nos LGBTQs um público consumidor promissor em

5 O modo como projetamos a casa está ultrapassado pois não considera arranjos familiares fora do tradicional (mãe, pai e filhos). Hoje temos uma gama variada de ocupações do âmbito doméstico, sendo coabitados por casais gays e lésbicos, por amigos, por mães solteiras e seus filhos, por casais idosos sem filhos, por companheiros poliamorosos, etc.

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ascensão, alguns com alto poder aquisitivo somado à cultura e gosto pela arte. Não à toa essas territorialidades foram se solidificando conforme surgiam mais e mais estabelecimentos comerciais e de serviços voltados a esse público, como bares, restaurantes, sex shops, cinemas pornô, saunas, etc. Como já foi exposto no primeiro capítulo, a esfera privada não deve tomar o dever do Estado de prover garantias e suportes institucionalizados a esses territórios e a essas minorias, pois, do contrário, esses espaços passarão a ser regidos de acordo com os interesses do capital e, portanto, correm o risco de ter suas memórias e identidades apagadas e a comunidade expulsa a partir do momento em que elas não mais trouxerem rentabilidade às corporações que administram ou possuem o espaço.

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03.

o espaรงo queer

uma abordagem conceitual


A

ntes de ensaiar algumas possibilidades do que seria um espaço queer, é necessário entender as origens conceituais que antecederam e deram origem a esse conceito. É essencial saber diferenciar identidade de gênero, orientação sexual, sexo biológico e papel de gênero (infográfico 01) para compreender o que a teoria queer traz de contribuição para o entendimento da sexualidade e da identidade. Ainda que esses vocábulos contemporâneos estejam muito em voga na mídia atualmente e, portanto, no cotidiano da sociedade, muitas pessoas ainda não estão familiarizadas ou não sabem distinguir as definições desses termos, o que contribui para uma perpetuação dessas questões como tabus. A teoria queer foi uma das grandes responsável por abrir esse espectro complexo de entendimento e de definições do que é sexualidade, identidade e gênero ao buscar compreender as suas respectivas naturezas no âmbito do constructo social. Com seus primeiros estudos datados da década de 1980, ela “não é um arcabouço conceitual ou metodológico único ou sistemático, e sim um acervo de engajamentos intelectuais com relações entre sexo, gênero e desejo sexual” (SPARGO, 2017). Não pode, portanto, ser considerada uma escola de pensamento sob uma visão ortodoxa. Abrangente e permeável em várias áreas de estudo, como a cultura, a educação, a antropologia, a psicologia, a filosofia, as artes, entre tantas outras, a teoria queer não é uma corrente que possui uma definição genérica. Assim sendo, foram buscados nas teorias da filósofa Judith Butler - expoente desse campo do saber - os subsídios necessários para a compreensão do objeto de estudo: o espaço queer. Muito influenciada pelo trabalho de Michel Foucault, que teoriza sobre as relações e dispositivos de poder, a sexualidade e as definições de sujeito, Butler está 42


infográfico 01: glossário dos gêneros terminologias

Infográfico 01 | “Glossário dos gêneros numa única illustração”. Fonte: Nexo Jornal, editado pelo autor.

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em consonância com o teórico francês ao afirmar que a sexualidade é uma categoria de experiências resultante de uma construção de origens históricas, sociais e culturais e que, portanto, não existem papéis sexuais naturais inerentes ao ser humano. Enquanto Foucault é alvo de críticas por centralizar seus estudos sob uma perspectiva do homem homossexual e por ignorar a sexualidade feminina, Butler vai além ao ampliar essa noção de construção social do sujeito ao gênero, o colocando em uma posição central na análise dos desejos e das relações sexuais. Não apenas a sexualidade, mas também o gênero é fator constituinte da identidade e devem ser desnaturalizadas do corpo. Se gênero e sexo fazem parte da definição da identidade do sujeito e essas não são entidades naturais mas construídas por contextos e agentes externos, logo o sujeito é efeito – e não causa – de instituições, discursos e práticas. A repetição de signos, gestos e atos na esfera cultural que reforçam “A ideia de que a construção da binaridade de gênero o sujeito não é - masculino e feminino - tais como as uma entidade reconhecemos, são resultados da imposição preexistente, dessas instituições e estruturas sociais que são regidas pela lógica heteronormativa essencial, e que nossas identidades hegemônica dentro das relações de poder. Esse ato intencional, esse gesto são construídas performativo de produção de significados é significa que as o que Butler denomina performatividade. identidades podem Uma vez que a identidade de gênero é fruto do discurso ser reconstruídas portanto, performada -, elas podem ser sob formas reconfiguradas de modo a combaterem que desafiem e esses sistemas patriarcais normativos. subvertam as Butler vê as figuras do transexual e do estruturas de transgênero como identidades que mais desafiam e enfrentam as estruturas poder existentes.” normativas vigentes e, por isso, são as (BUTLER apud categorias que mais sofrem com a violência SALIH, 2017) e a negação social. Podemos inferir que, ao contrário da ordem impositiva que exige uma coerência absoluta entre sexo, gênero e desejo pela sociedade, o queer “não está preocupado com a definição, fixidez ou estabilidade, mas é transitivo, múltiplo e avesso à assimilação” (SALIH, 2017). Para alguns indivíduos que consideram as identidades “gay” e “lésbicas” e a binaridade entre 44


“homem” e “mulher” como limitantes e rotuladas, o queer vem como uma posição com o qual se identifica. Se como grupo, em uma primeira análise, os LGBTQs são definidos pela “escolha do objeto” - ou seja, pela preferência por relações sexuais com pessoas do mesmo gênero - e, consequentemente, se unem devido ao sofrimento comum causado pela repressão e a aversão social pelos seus desejos sexuais, esse fator de suposta identidade de grupo não é determinante nem crucial na percepção que o sujeito tem da própria identidade e sexualidade. Além de ser flutuante, a identidade do sujeito é composta por outros aspectos sociais, culturais, raciais, “generificados” inerentes a ele, o que a individualiza e particulariza a sua manifestação identitária. Por isso não podemos dizer que existe uma identidade LGBTQ - ou somente gay, lésbica, trans, etc. em absoluto, pois ela não reflete por completo o sujeito. Podemos então concluir que a identidade e o gênero do indivíduo é resultado de uma conjuntura social contextualizada e, portanto, transitável e mutável, não cabendo rotulações e fixações do sujeito em categorias identitárias estereotipadas pela sociedade. A definição do sujeito só pode ser manifestada por si mesmo, em uma autodeclaração da sua própria identidade. Para COTRILL (2006) o corpo individualizado, contudo, não está emancipado da sociedade e renunciamos ele para outros em função da aceitação e da rejeição. A heteronormatividade associa identidades estritas com o corpo e limita a possibilidade de vidas múltiplas. Apenas uma posição igualitária permite um reconhecimento que nosso corpo e personalidade exigem. Para isso, é necessário que a heteronormatividade mude e se adapte a um novo entendimento. Se as tecnologias bioquímicas e a massificação da mídia colocaram a sexualidade numa posição mainstream em relação à condição repressora a qual ela foi condicionada ao longo da história da sociedade, a condição do corpo nesse contexto contemporâneo dissolve a tradicional distinção entre arte, arquitetura, performance, mídia e design. Como consequência, a arquitetura disciplinar sofreu mutações pela tecnologia midiática para entrar no domínio da produção do corpo e da subjetividade, fazendo com que os mesmos não habitem mais essas arquiteturas e cidades, mas sim que sejam habitados por elas. Tradicionalmente as teorias da arquitetura 45


ainda presumem que identidade de corpo, de gênero, racial e sexual são dadas, sendo pré-existentes à prática arquitetônica. Mas, do ponto de vista da crítica biopolítica, é a capacidade ou incapacidade do corpo que é reconfigurada, produzida e reproduzida através de convenções espaciais e arquitetônicas; ou seja, a arquitetura precede o sujeito. Como a arquitetura passa a existir dentro do indivíduo (PRECIADO, 2015), - uma vez que ela é uma das estrutura que molda a identidade e, por consequência, a sua sexualidade e gênero -, começam a surgir clamores por espaços não-normativos, tendo como efeito a rejeição da casa com arranjo tradicional familiar, o clamor por espaços femininos coletivos, a luta pela libertação dos subúrbios, a denúncia dos hospitais-prisão onde homossexuais eram tratados, etc. É justamente dessa dissonância entre arquitetura e a compreensão contemporânea da genealogia da identidade que surge a conceituação e a necessidade do espaço queer. O primeiro passo em direção à essa nova concepção espacial é criticar a posição heteronormativa à qual a arquitetura ainda está condicionada. COTTRILL (2006) classifica os espaços queer como “espaços que criticam as divisões de sexualidade, gênero, classe social e raça dentro de contextos políticos, culturais, sociais, geográficos e históricos”. Para o COTTRILL (2006), atualmente as expressões mais próximas de um espaço queer são heterotopias, que têm a capacidade de unir múltiplos espaços incompatíveis entre si. Como exemplo disso, temos as paradas LGBTQIs e os enclaves gays: eles ocorrem e performam em meio a espaços normativos, mas apenas por um determinado período de tempo. Dentro desse limite temporal e espacial, as heterotopias têm a habilidade de inverter as regras normativas do dia-a-dia. Não estando totalmente fora da sociedade, elas agem como áreas isoladas de alternância. Mas a heterotopia por si só consegue garantir pleno respaldo à territorialização das sociabilidades e identidades não-normativas? Tanto REED (1996) quanto o próprio COTTRILL (2006) acreditam que não. Quando a sociedade passou a personificar a homossexualidade, ela agrupou esses indivíduos, examinou seus comportamentos e classificou suas existências. Esse agrupamento permitiu um diálogo 46


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figura 14 | O artista Hal Fischer, em seu projeto fotográfico Gay Semiotics (1977), retratou gays de São Francisco, expondo estereótipos, códigos, estilos e culturas sexuais da identidade gay da época. Da esquerda para direita, Sadism & Masochism, Street Fashion: Jock e Street Fashion: Basic Gay. Fonte: MoMA (Metropolitan Museum of Art)


maior entre os indivíduos de sexualidades similares, possibilitando o surgimento de movimentos das minorias não-normativas (gays, lésbicas, queer, etc.). O clamor de minorias sexuais por espaço estimula o debate acerca da politização dos espaços queer. REED (1996) teoriza que um espaço queer deve ir além das heterotopias, lhe atribuindo uma forma concreta, um intuito produtivo e que requer ser analisado; ele não o vê como efêmero e invisível, mas sim como real e visivelmente aparente. Em processo de tomar lugares e de clamar por territórios, tais espaços implicam novos métodos de concepção espacial - principalmente para a casa, que é o principal domínio entre sexualidade e arquitetura. COTTRILL (2006) entra em consonância com REED (1996), na sua consideração do que é um espaço queer ideal. Multifacetado e sem uma identidade fixa, esse espaço deve ser perene pois a efemeridade nega ao indivíduo a possibilidade de uma vida e de espaços legítimos, os colocando em uma posição de vulnerabilidade. Portanto, heterotopias devem ser evidentes e permanentes, uma vez que esconder os espaços queer nos pontos underground da cidade criam apenas aparências para serem esquecidas ou apagadas da cultura social. O espaço queer é, portanto, políticosexualizado por excelência: político, porque é subversivo e reivindica mudança de padrões vigentes; sexualizado porque a sexualidade é motivo primário que reúne essas minorias não-normativas, sendo um importante atributo da identidade do indivíduo que precisa ser absolutamente garantido. Se ele clama por inclusão, por liberdade, por igualdade de tratamento e por valorização e respeito da diversidade através do enfrentamento das estruturas patriarcais, logo o espaço queer nada mais é do que um espaço democrático dentro das definições que o primeiro capítulo discorre, trazidas por MONTANER e MUXI (2015). Sendo a arquitetura uma ciência que se define pela técnica, pela prática e pela materialização do seu objeto de estudo, não podemos desenvolver conceitos aplicáveis a ela apenas no campo do espaço abstrato e teórico, mas também devemos adequá-los à concretude do espaço construído. Como então esse espaço construído, que é fixo e rígido, pode permitir e moldar identidades fluidas e transitáveis no tempo e no espaço? O primeiro passo em direção a uma 48


resposta possível é partir do pressuposto de que a arquitetura não pode ser concebida mais pelos métodos tradicionais se ela almeja mudar de status ao pretender criar espaços e cidades diversificadas e igualitárias - portanto, democráticas. Os métodos de construção do espaço democrático, expostos no capítulo 01, já demonstram alguns subsídios de como podemos materializá-los na prática da arquitetura e do urbanismo, mas o espaço queer pede algumas especificidades. O pensamento queer de projeto - que é o que se pretende experimentar neste trabalho - deve permitir a liberdade de escolha e amparar as múltiplas performatividades identitárias dos seus a fixidez do usuários. Não se deve mais captar as edifício não necessidades dos usuários a partir de uma identidade pré-definida dos mesmos e pode enrijecer nem da sua fixação em um determinado as identidades momento no tempo (CAMPOS, 2014). A dos sujeitos flexibilidade, a visibilidade, a apropriação, a que o participação e a possibilidade de múltiplas usufruem. leituras espaciais devem ser as inspirações para o design e a materialização do espaço queer construído. Essas alternativas elevam a arquitetura a uma condição de suporte a autodefinição da identidade do sujeito pelo próprio sujeito, valorizando a conexão profunda entre auto-expressão e ocupação dos espaços.

outras aproximações práticas do espaço queer analogias, metáforas e possibilidades

Na tentativa de ensaiar uma possibilidade - mas não absoluta - de espaço queer, COTTRILL (2006) o categoriza em três layers de visibilidade simbólica: transparente, translúcido e opaco. O transparente seria o espaço virtual, não materializado, onde habitam os estereótipos e as visões imagéticas de uma identidade queer generalizada, construída a partir do mito e do imaginário popular; são os espaços 49


dominados pela mídia, pela moda e pelo consumo, onde a realidade do mundo queer é deturpada. Já o translúcido corresponde ao espaço materializado de uma realidade específica e coletiva do queer. São os lugares coletivos e as particularidades culturais de um determinado grupo queer, onde contempla as organizações políticas, os costumes, os signos e os marcadores de uma coletividade. Exemplos desses espaços são os enclaves e territórios de socialização queer - como é o caso da área de estudo do presente projeto, o Largo do Arouche. Por último, o opaco representa a esfera íntima e privada do indivíduo, onde sua identidade como sujeito, as codificações das relações e a intimidade florescem. O espaço doméstico é o que mais se aproxima dessa definição. Essas três camadas de visibilidade (infográfico 02), com escalas graduais de privacidade e permeabilidade garantem a fluidez e a transitoriedade das identidades de gênero e sexualidades, sendo que a combinação e a intercomunicação desses três modos/ configurações representam o espaço queer. transparente

translúcido

exposição (espaço púbico)

Para os curadores do Cruising Pavilion1 6ª Bienal de Arquitetura de Veneza (2018) PierreAlexandre Mateos, Rasmus Myrup, Octave Perrault e Charles Teyssou, o sexo é sempre latente ou silenciado na arquitetura, mas nunca expresso em sua completude, assumindo assim posições conflituosas nos espaços em que se apropriam ao subverter as normas pelas quais os

1 O Cruising Pavilion é um projeto curatorial sobre arquitetura do sexo gay e do cruising. O termo cruising geralmente designa os encontros sexuais causais entre homens homossexuais não restrito apenas a essa categoria - no espaço público.

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Infográfico 02 | Layers do Espaço Queer. Fonte: Elaborado pelo autor.

opaco

privacidade (espaço íntimo)


figuras 15 | As imagens a seguir mostram espaços e ambientes que são corriqueiramente apropriados pela prática do cruising, indo desde espaços públicos a privados. fonte | Site oficial do Cruising Pavilion

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mesmos foram concebidos incialmente. Por exemplo, um banheiro é concebido com a idéia de limpeza, assim como um parque é projetado para trazer paz e tranquilidade; costumeiramente usados como ambientes propícios à prática sexual anônima, esses espaços são campos de conflito entre a moralidade e a liberdade.2 Assim sendo, práticas sexuais como o cruising possuem uma lógica espacial e estética próprias e devem ser configuradas como uma categoria do design. Estão entre o vernacular e o anti-arquitetônico, uma vez que ocupam espaços não-convencionais como parques, banheiros públicos, cinemas, estacionamentos, saunas, bares etc, sendo portanto indissociáveis da própria lógica das cidades. Os curadores não se aproximam de uma dialética que visa elaborar uma noção de espaço queer especificamente, mas trazem contribuições interessantes que nos levam a imaginá-lo. No projeto expográfico do Cruising Pavilion, eles trazem o conceito do labirinto como possibilidade de uma emancipação da arquitetura de sua função tradicional categorizante de gênero e de relacionamentos interpessoais e de sua aproximação da ideia de ser um instrumento provedor de liberdades. Metafóricamente relacionado à imoralidade, o labirinto é visto como uma afronta à cidade segura, controlável, vigilante, eficiente e produtiva, onde tudo deve ser ordenado, orientado, categorizado. Contraintuitivo, complexo, intrincado, o labirinto pode ser um dispositivo que garante proteção e fuga da heteronormatividade3.

2 Comunicado Oficial de Imprensa do Cruising Pavilion da 16ª Bienal de Arquitetura de Veneza. Disponível em < http:// www.cruisingpavilion.com>. Acesso em: agosto de 2018. 3 Cruising Pavilion aims to show how sex “is always latent or silenced” in architecture. 30 de Maio de 2018. Disponível em <www.dezeen.com/2018/05/30/cruising-pavilion-venicearchitecture-biennale-2018-casual>. Acessado em: agosto de 2018.

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arte queer (des)identidade e resistência

A

arte contemporânea é, atualmente, um dos principais instrumentos de atuação do pensamento queer no enfrentamento das estruturas sociais normativas. A arte queer questiona a cultura e as relações sociais vigentes, o caráter imutável da sexualidade e as classificações científicas - uma vez que foge de nomenclaturas, convenções e classificações. Abrem a possibilidade do trânsito identitário, atenuando e fluindo entre fronteiras e se distanciam de sistemas binários. Mais aberta a experimentações, a arte queer é expressa sob uma estética descompromissada, que mescla diversas técnicas e linguagens, transitando entre performances, artes visuais, danças etc, desafiando as classificações engessadas do conhecimento. Pelo caráter provocativo e subversivo, a produção dessa arte está muitas vezes ligadas a movimentos sociais, como o feminismo e o LGBTQI, e são rejeitadas pelo mercado das artes e bienais por não se enquadrarem em suas características de valorização artística. Nesse contexto, muito dos artistas atuam no âmbito virtual - redes sociais e plataformas online - ou com intervenções urbanas uma vez que não estão interessados a submeterem suas obras às exigências protocolares de instituições, sendo muito comum o trabalho anônimo e colaborativo. A arte queer, portanto, descentraliza a figura heteronormativa, descategoriza corpos e desocidentaliza as influências da epistemologia vigente na história da arte. Esse tipo de produção artística tem ganhado cada vez mais atenção e até mesmo espaço dentro de instituições consagradas, que passaram a abrir as portas à esse novo olhar sob a arte. Em 2017, a temática ganhou uma exposição no Tate Britain, em Londres, intitulada “Queer British Art: 1861-1967”, que explora como alguns artistas se expressaram em uma época em que os pressupostos estabelecidos sobre gênero e sexualidade estavam sendo questionados e transformados; no Brasil, também no mesmo ano, o Museu de Arte de São Paulo 54


(MASP) abrigou a mostra “Histórias da Sexualidade”, que trazia como pressuposto diferentes olhares e debates sobre o sexo, cruzando temporalidades, geografias e meios expondo ao grande público obras de artistas queer como Giuseppe Campuzano. Por confrontar essa heteronormatividade do mundo da arte e por atentarem contra a organização patriarcal da sociedade, a arte queer sofre constantes ataques de diversos setores conservadores e religiosos. Um exemplo recente e muito polêmico aconteceu em Porto Alegre, em 2017, com o encerramento antecipado da mostra “Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, no Santander Cultural. Sob acusações de blasfêmia, apologia à zoofilia e pedofilia e por não representarem valores da sociedade brasileira, manisfestações e protestos - liderados sobretudo pelo Movimento Brasil Livre (MBL) - tomaram conta das redes sociais e dos arredores do Santader Cultural pedindo o fechamento da exposição. Houveram reações também em favor da manutenção da mostra. Mesmo com a recomendação do Ministério Público de reabrir a exposição, o Santander resolveu encerrá-la por definitivo. A Queermuseu só foi reaberta um ano depois, no Rio de Janeiro, após muitas dificuldades de financiamento e acomodação física da mostra. O boicote à Queermuseu mostra o quão frágil é a situação da arte queer - e de toda aquela que adota uma posição fora da norma - no Brasil e de como as liberdades individuais e de expressão de seus artistas e apreciadores são alvos de ataques, censuras e ameaças por detentores do poder. Tentativas de alterar o status da arte queer, permitindo que sejam legitimadas por instituições museológicas ainda são deficientes e estão sujeitas aos interesses mercadológicos das mesmas. É o caso do Santader Cultural na decisão de encerrar a Queermuseu que, como instituição privada, presa mais pela imagem de sua marca do que pelo seu comprometimento com a arte livre.

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Giuseppe Campuzano, entre 2009 e 2013, coordenou o projeto artístico Museu Travesti do Perú, que contou e recontou histórias a partir de uma perspectiva do que ele denomina “travesti andrógino indígena/ mestiço”. Figuras transgêneras, travestis, transexuais, intersexuais e andróginas são postuladas como os atores centrais e sujeitos políticos principais para qualquer interpretação dessas histórias. Fonte: 31ª Bienal de Arte de São Paulo.

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Cruzando Jesus Cristo com Deus Shiva (1996) de Fernando Barril (acima), e Travesti de Lambada e Deusa das Águas (2013), de Bia Leite (abaixo), são duas das obras mais polêmicas expostas no Queermuseu. Fonte: Revista Galileu.

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como queerizar os espaços já existentes? É importante salientar que ações e vidas queers não podem ocupar lugares separados na sociedade nem no espaço físico em relação aos normativos - e tampouco devem configurar guetos. Isso seria contrário à definição de espaço democrático, que é intrinsecamente dependente dessa diversidade. Os queers devem transformar e transitar através desses espaços convencionais - heteronormativos - que foram projetados para oferecer uma auto-afirmação narcisista de uma normatividade estável de sexo, gênero e família. Assim, o espaço queer pode ser construído através da apropriação de um espaço heteronormativo já existente e não apenas por meio da edificação de uma nova concepção espacial, ou seja, de novas construções. Isso se aplica muito aos espaços públicos. Se eles foram, ao longo da história, os lugares legítimos do domínio masculino héterossexual e da repressão a qualquer sujeito que não está em conformidade com essa posição (mulheres, homossexuais, transexuais, etc.), é, paradoxalmente, no espaço público, segundo Foucault, em que se consuma a libertação do confinamento e do ocultamento da condição identitária não-normativa - o famoso “sair do armário”. É nele que a expressão de sexualidade e gênero do sujeito saem da clandestinidade e alcançam uma afirmação pública (SPARGO, 2015). O espaço público passou por ressignificações na sociedade contemporânea ao se tornar, a partir do século XX, o lugar de memória coletiva dos grupos queers, associado a sua história política de luta por direitos e apropriações da cidade enquanto grupo organizado. Quando um lugar é reconhecido como territorialidade LGBTQ, por exemplo, ele automaticamente herda o estigma do preconceito que esses indivíduos sofrem, sendo esse tipo de espaço evitado por quem não quer ser associado a tal identidade (BARRETO, 2010). Essa estigmatização pode acarretar reações violentas e expulsivas de caráter homofóbico, transfóbico e misógino por parte de indivíduos e instituições normativas ou até mesmo a criação de guetos. Reconhecer institucionalmente esses territórios 58


de sociabilidade queer, oferecendo suporte, garantia e proteção para pleno exercício da vivência e memória coletiva e a identidade de cada sujeito desses grupos, é uma maneira de combater esses tipos de reações preconceituosas tão perpetuadas em nossa estrutura social. O devido reconhecimento é também uma forma de queerização dos espaços públicos, sendo os marcadores4 do território instrumentos muito importantes nesse processo. Como símbolos de resistência, os marcadores conferem visibilidade ao objeto que faz referência, ajudam a dinamizar e particularizar a paisagem urbana e delimitam o território, dando a ele legibilidade e uma identidade associada aos grupos que o apropriam (figura 16).

figura 16 | No bairro de Castro, em São Francisco, bandeiras LGBTQ e faixas de pedestres em formato e cores de arco-íris são marcadores de um território reconhecido pela sua relação histórica com a população LGBTQ. fonte | Mel Magazine

4 Em “Morte e Vida das Grandes Cidades”, Jane Jacobs também atenta para importância dos pontos de referência - o que chamamos de marcadores - como instrumentos que “enfatizam (e também promovem) a diversidade das cidades”, além de serem um importante ativador da memória, localização e leitura espacial. Podem ser desde edifícios e espaços abertos, quanto monumentos, chafarizes, marcos, etc.

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04.

a territorialização da sociabilidade queer no brasil o caso de são paulo


a dinâmicas das apropriações queer na cidade de são paulo do século xx aos dias de hoje

C

omo vimos no capítulo 02, a Revolução Sexual da década de 1960 foi fundamental para a emancipação do desejo e expressão sexual de mulheres, homossexuais e outras minorias sexuais. Ela propiciou uma nova contracultura endógena, propiciou mudanças nas relações de gênero - sobretudo com a crescente emancipação feminina -, e influenciou os movimentos contraculturas internacionais, principalmente após a Revolta de Stonewall. Esse cenário foi fundamental na construção de uma nova identidade gay na sociedade moderna mundial. O processo de urbanização do século XX e a expansão da classe média também foram substanciais a essa formação identitária. No Brasil, as correntes migratórias de homossexuais do Nordeste, do campo e das cidades menores do interior para as capitais, foram movidas, dentre outros motivos, pelo ímpeto de fugir do conservadorismo da esfera familiar para o anonimato das metrópoles, resultando em novas redes de sociabilização e territorialização queer. Esta seção do capítulo traz um panorama de como se formaram essas redes em São Paulo ao longo do século XX, e como elas se relacionavam com a apropriação do espaço público, a marginalidade, a violência e com os variados recortes sociais, étnicos e econômicos dessa população dita “fora da norma”. O objetivo é espacializar esses territórios de sociabilização na cidade de São Paulo buscando entender as dinâmicas das relações citadas acima e o seu reflexo no espaço urbano como ferramenta de compreensão desse processo histórico de construção de uma memória coletiva da população LGBTQ. Essa análise será estruturada por períodos de décadas a fim de obter uma compreensão mais linear e didática do envolvimento desses processos ao longo do tempo e do espaço.

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fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados de PERLONGHER (1986) e GREEN (1999)

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1920 - 1945 Dentro desse recorte temporal, é importante compreender em que contexto social as relações sociais estavam inseridas. A urbanização, a industrialização pós-Primeira Guerra Mundial, o crescimento da mídia e a consequente inserção da mulher no mercado de trabalho e a sua descoberta como potencial consumidora fizeram com que uma série de transformações nos padrões estéticos e estruturadores da sociedade (sobretudo da família) desafiasse o sistema de gênero. A industrialização e a comunicação em massa dissolveram a ideia da diferenciação sexual sob parâmetros tradicionais de identificação. Enquanto a família tradicional oferecia à maioria dos brasileiros sua primeira rede de apoio, os homossexuais não tinham a quem recorrer e, portanto, formavam uma família alternativa entre si como forma de superar a hostilidade social. Assim, quando um homossexual descobre, através do contato com outros homossexuais, um semelhante a ele na sociedade - que sofre das mesmas repressões - ele tende a encarar a sua condição de outra maneira. Passa a significar a sua afirmação pessoal como homossexual, se prendendo cada vez mais a essa categoria. A apropriação do espaço urbano foi fundamental para a união e o desenvolvimento da subcultura homossexual. Com uma maior acessibilidade dos homens ao espaço público, a rua facilitou os encontros eróticos homossexuais. É importante salientar que, dentro do contexto de novas migrações e expansão urbana, o uso dos espaços públicos como local de contato homoafetivo estava intrinsecamente relacionado com a classe social dos indivíduos que o praticavam. Enquanto que os gays de classe média tinham a possibilidade de viver sua sexualidade de modo mais discreto, uma vez que podiam pagar por serviços (quartos em hotéis, pensões e pousadas) e ter sua privacidade resguardada, ou, em alguns casos, a própria família era esclarecida ao ponto de permiti-la, os homens de classes médiabaixa e operária buscavam a satisfação sexual no espaço público. Logo, quanto mais baixo é o status econômico, maior é o uso do espaço público para práticas homoafetivas. Veremos mais adiante como essa condição socioeconômica inferior os sujeitaram à maior vulnerabilidade dccccos abusos policiais e 63


como a elite brasileira era constantemente protegida das inconveniências policiais devido, sobretudo, a sua influente rede de contatos e poder de influência no âmbito social e político. Como o Centro de São Paulo é onde se concentrava os maiores e mais qualificados espaços públicos, juntamente com uma maior densidade populacional, era nessa região que essas sociabilidades floresceram. O Vale do Anhangabaú foi, à época, um dos primeiros lugares a suportar as atividades homossexuais em público. Seus extensos passeios, espaços abertos arborizados e mobiliados o qualificaram como um lugar de permanência e encontros e, juntamente com um entorno repleto de hotéis baratos, pensões, quartos de aluguel e cinemas, ofereciam suporte para que a os homossexuais se instalassem e se relacionassem, gozando de um relativo anonimato. Outras áreas próximas dali ofereciam uma infraestrutura que propiciava essa sociabilidade “desviante”. O Largo do Paissandú era a área boêmia do Centro expandido e, por ser utilizado por diversos extratos sociais, uma diversidade de pessoas e atividades - adequadas ou não - coexistiam de maneira precária. A Praça da República também era um notório lugar de práticas homoafetivas. Assim como no Jardim e Estação da Luz, os homens que buscava relações com outros homens aproveitavam do alto fluxo de pessoas e o aspecto introspectivo do paisagismo grandes massas de árvores geravam pontos de baixa visibilidade - para se embrenharem no jardim ou dentro dos banheiros públicos. Na década de 1930, na Avenida São João, foram construídos novos grandes cinemas, sendo considerada a Cinelândia paulistana que, juntamente com os bordéis e bares, transformaram a região da República em um grande polo de vida noturna. Por ser um entretenimento barato, acessível às classes mais baixas, os cinemas1 foram por muitas décadas o local onde se consumavam as relações sexuais entre homens,

1 Segundo GREEN (2000), a relação entre cinema e os gays afeminados é ainda mais íntima, uma vez que os filmes ditavam novas tendências e padrões do mundo da moda, colocando as representações de beleza, estilo e feminilidade de um modo mais íntimo com esse público. O mesmo serve para os gays másculos: a imagem dos galãs inspirava a virilidade nos homens, que por sua vez, estimulam o desejo sexual e as fantasias entre os gays.

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conforme relata GREEN (2000): “Os contatos sexuais em parques e banheiros públicos corriam o risco de terminar em prisão por ‘atentado ao pudor’. Por isso, os homens também se aproximam de um local público mais discreto para buscar potenciais parceiros. A escuridão das salas de cinema, a atenção do público focalizada na tela e os luxuosos e amplos saguões, salas de espera e banheiros, típicos dos modernos cinemas, ofereciam ambientes ideais para aventuras homoeróticas.” Para aqueles que tinham condições de pagar, os bordéis e pensões2 eram um refúgio contra a censura social e as perseguições policiais. A privacidade que esses espaços oferecem, garantia não só a plena prática de uma sexualidade clandestina, mas também permitia uma sociabilidade mais íntima e segura entre os homossexuais, podendo convidar amigos para trocar fofocas, trocar roupas e planejar um programa noturno (GREEN, 2000). É necessário enfatizar que, mesmo que muitas dessas relações homoafetivas se davam em meio a espaços público e coletivos, isso não significa que os homossexuais eram bem vistos e aceitos pela sociedade. Retomando o capítulo 02, o início do século XX foi marcado pela condenação médica da prática homossexual, considerada desviante. No Brasil, até 1940, o travestismo - o simples se vestir como mulher e/ ou com maquiagem e outros assessórios ditos femininos - em público era uma violação do Código Penal. Modos não-normativos de se vestir podiam levar até internação em instituições que tratam doenças mentais. Essa visão ortodoxa da homossexualidade como patologia, levou essa população à marginalização social. Um sujeito de origem humilde, sem nenhum apoio financeiro da família e afeminado tinha poucas opções de emprego; sobravam a eles trabalhos

2 Com o crescimento da cidade, as famílias de classe média se mudaram para novas áreas, causando um esvaziamento do centro. Com isso as casas grandes e antigas foram subdivididas e transformadas em pensões, bordéis, cortiços e unidades mais baratas, abrigando populações de classes mais baixas (GREEN, 2000).

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que tradicionalmente são exercidos por mulheres como cozinheiros, garçons e faxineiros, sobretudo nas pensões, onde ocasionalmente também trabalhavam como michê. Tal ostracismo social levou muitos a viverem em áreas urbanas onde predominavam as atividades ilícitas e, com a dificuldade de se empregarem, muitos se aventuram no submundo da prostituição e do furto. É por isso que a rede de sociabilidade homossexual e sua territorialização se interceptam com a de outras classes marginalizadas, como os michês, prostitutas e malandros. Essas adversidades eram as grandes questões cotidianas do homossexual do século XX, pois lidavam constantemente com o enfrentamento de prisões e violência nas ruas, as restrições familiares, o desenvolvimento de redes alternativas de apoio - uma vez que eram ignorados pela sociedade e pelo Estado -, as aventuras sexuais como alternativa quase obrigatória de exercer a sexualidade e as dificuldade em manter relacionamentos fixos e duradouros.

1945 - 1968 O rápido crescimento urbano faz com que a região central de São Paulo se tornasse uma grande heterotropia. De dia, abrigava o centro comercial e empresarial da cidade; de noite, era palco de vida noturna bastante efervescente. Uma proliferação de novos cinemas surgiu entre a Av. São João e a Ipiranga, dentre eles o Art-Palácio, o Oasis e o Marabá - que existe até hoje (figura 17), intensificando ainda mais as práticas sexuais anônimas e clandestinas. Essas atividades em banheiros públicos também se alastraram para os do Largo do Arouche e do do Paissandú e a praça Ramos de Azevedo. Ainda na São João com a Ipiranga, havia o Bar do Jeca, um dos primeiros a concentrarem homossexuais. Nessas ruas, juntamente com o perímetro da Praça da República, havia a prática do footing, que consiste na circulação de pessoas em direções opostas em torno de uma área urbana a fim de paquerar, fofocar, trocar olhares etc. Nos anos 50, ainda não havia bares exclusivos para o público homossexual em São Paulo. Os intelectuais e a classe média entendida ocupavam alguns bares - como o Barbazul, o Paribar e o Arpege - e calçadas às proximidades da Praça Dom José Gaspar para sociabilizarem e discutirem política (figura 18). O 66


figura 17 | O Cine Art Palácio foi um importante cinema de São Paulo até meado da década de 1960. Com o advento da televisão, muitos cinemas entraram em decadência e passaram a exibir filmes eróticos como alternativa de sobreviência ao negócio. Fonte: Portal UOL.com

figura 18 | Aberto até os dias de hoje, o Paribar (localizado na Praça Dom José Gaspar) é um bar históricamente muito frequentado pela elite homossexual paulistana. Fonte: Portal São Paulo Antiga

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figura 19 | A Galeria Metropole foi um importante point homossexual de São Paulo na década de 1960. Um dos motivos de atrair tantos homens em busca de parceiros ea sua própria arquitetura: o espaço amplamente aberto e a permeabilidade visual entre os diferente níveis e pontos da galeria facilitava a troca de olhares, principal método de paquera na época. Fonte: O Estado de S. Paulo (acima) e Página Oficial da Galeria Metrópole no Facebook (à dir.).


Anjo Negro foi, segundo GREEN (2000), o primeiro bar a atender uma clientela especialmente homossexual, com show de travestis. Tais locais de socialização homossexual eram locais onde homens de diferentes classes sociais podiam interagir. Nessa época, as relações e socializações homossexuais ainda reproduziam o sistema de gênero normativo ao atribuir papéis masculinos e femininos dentro de uma relação. Os homens mais másculos e viris que desempenhavam o papel de ativo na relação eram chamados de “machos” ou “bofes” enquanto que os afeminados e passivos eram denominados “bichas” ou “bonecas”. O mesmo se estendia às lésbicas que eram classificadas em “lady” ou “sapatona”, atribuindo-lhes sempre alguma conotação dualística entre papéis de homem e de mulher como se pode apreender pelos próprios nomes. Obviamente que os que desempenhavam papel de mulher - sobretudo os bichas - eram os mais subordinados e marginalizados mesmo dentro da comunidade “fora da norma”. Os papéis não eram intercambiáveis, ou seja, um macho raramente se relacionava com outro macho assim como uma bicha não se relacionava com outra. Essa distinção rígida de relações passou a mudar com o surgimento de uma nova identidade gay, nos anos 60, principalmente entre a classe média, que pregava uma relação mais igualitária, que não seguia o padrão dualista bofe/bicha de diferenciação sexual entre homem viril e afeminado, ativo e passivo. Mas é importante frisar que essas identidades sexuais generificadas na subcultura homossexual eram bastante complexas na época uma vez que elas eram atreladas a outras atribuições do indivíduo como classe social e raça: “Em grande medida a construção boneca/ bofe predominava entre os homens das classes mais pobres e operárias, enquanto muitos homossexuais da classe média não mais estruturavam os papéis sociais de modo a imitar o comportamento heterossexual normativo de gênero.” (GREEN, 2000) Apesar das trocas sexuais inter-raciais serem comuns entre os homossexuais da época, o racismo era bastante forte e presente nas denominações identitárias e relações de poder. O homossexual negro era fetichizado sob a alcunha de “selvagem”, além 69


de sofrer mais com a repressão policial e a seleções em estabelecimentos tipicamente gays, como boates e saunas. Dentro da michetagem, o padrão loiro branco europeu era o mais valorizado e bem pago, completamente oposta à situação do michê negro. Como pode-se perceber, a sobreposição de divisões de classe e raça tão presentes na sociedade brasileira também se manifestou nas relações sociais entre homossexuais. Homens de classe e raça distintas poderiam até se relacionar sexualmente, mas raramente essa relação evoluía para algo mais afetivo e sério por conta de manter o status, principalmente da classe média. Inaugurada nos anos 60, a Galeria Metrópole (figura 19) tornou-se o ponto gay mais movimentado de São Paulo. Aos finais de tarde e de semana, a Galeria sempre ficava abarrotada de homossexuais das mais diversas classes, indo desde os gays abastados e intelectuais que se reuniam nos bares até os michês machos e bichas que se exibiam para os carros que passavam na antiga rua 11 de Abril e se prostituiam nos jardins da Praça Dom José Gaspar. Nessa época, também se popularizaram os shows de travestis, provocando uma mística sexual e a curiosidade no público masculino sobre como deveria ser transar com um travesti, em um claro jogo desestabilizador de gênero. Com status de artista, nessa época, raramente os travestis ficavam nas ruas e entravam para a prostituição. Em 1964, houve o golpe ao regime democrático e a instituição da ditadura militar. A priori, a ditadura não via os homossexuais como uma classe perigosa ao regime3, não havendo, portanto, uma perseguição generalizada à categoria - a não ser que o indivíduo estivesse ligado a algum movimento de oposição à ditadura ou alinhado a movimentos de esquerda. Contudo, após o decreto do AI-5, houve um aumento significativo de blitz policiais que praticavam prisões arbitrárias e dispersavam aglomerações

3 Para alguns historiadores, o regime militar tinha como objetivo manter a esfera pública relativamente livre e aberta, desde que o indivíduo não se envolvesse em atividades que criticavam a ditadura. Dessa forma, o entretenimento popular, como o futebol e o carnaval, foi incentivado pelo regime no intuito de contrapor as frustrações e represálias das massas de trabalhadores. Locais de sociabilidade gay - como saunas e discotecas - eram insignificantes para o regime uma vez que tinham pouca projeção popular (GREEN, 2000).

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consideradas “desviantes”. Um caso emblemático foram as operações de “limpeza” nos arredores da Galeria Metrópole em ocasião da visita da Rainha Elizabeth II ao Brasil, onde dezenas de camburões invadiram a Galeria para levar os homossexuais presos e fechar o espaço. O caso marcou o início do seu declínio como point gay.

1969 -1980 No fim da década de 1960 e começo dos anos 1970, uma conscientização política tomou conta dos gays no Brasil por meio das influências de movimentos de jovens, estudantes e revolucionários que tomaram conta do cenário internacional - sobretudo após o fatídico Maio de 1968 - e principalmente, dos grupos gays que lutavam por reconhecimento e direito da categoria após a Revolta de Stonewall nos EUA. Como consequência dessa efervescência político-cultural internacional, desenvolveu-se uma crítica brasileira ao machismo, à homofobia e à sociedade de consumo advindos dos ideais da contracultura, permitindo aos afeminados marginalizados uma maior espaço e visibilidade além da desmistificação do uso de drogas. Formou-se então a primeira organização de luta pelos direitos gays do Brasil, o Grupo Somos, e a criação das revistas Gente Gay (1976) e Lampião da Esquina (1978) (figura 20), as primeiras e mais significativas de uma série de publicações politizadas de gays e lésbicas do Brasil. Já em 1980, aconteceu em São Paulo o Primeiro Encontro Nacional de Grupos Homossexuais Organizados, que se aliaram a movimentos de esquerda e trabalhistas no esforço contra a ditadura militar. A efervescência cultural da década de 1970 ao abordar temáticas acerca da sexualidade e identidade, dentro do teatro, música e literatura, teve uma boa receptividade do público de classe média e alta. Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, os Dzi Croquettes, o Teatro Oficina e o Tropicalismo são figuras e movimentos representativos dessa nova expressão cultural (figura 21). Inclusive, Ney Matogrosso se tornou um modelo para os homossexuais ao falar abertamente da sua sexualidade como motivo de orgulho. Ainda dentro da esfera cultural, as décadas de 1970 e 1980 foram o auge dos shows de travestis, inclusive a nível internacional (figura 22). O Brasil se tornou um país exportador de travestis para a Europa, que buscavam fazer carreira artística nas principais 71


figura 20 | O Lampião da Esquina (ao lado) e o Chanacomchana (abaixo) foram folhetins gays e lésbicos respectivamente que surgiram na década de 1970 e tiveram uma breve circulação, já que não eram jornais oficiais e corriam pelo submundo da imprensa controlada pela ditadura militar. Com conteúdo político e linguagens irreverentes, esses folhetins foram importantes na mobilização e conscientização política das minorias de gênero da época. Fonte: Huffpost Brasil (à esq.) e Acervo Bajubá (abaixo).

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figura 20 | O cantor Ney Matogrosso e o grupo teatral Dzi Croquettes (da esquerda para direita) foram expressões artísticas pioneiras em questionar e desestruturar as as noções de gênero e sexualidade na década de 1970. Fonte: Portal Caros Amigos e Revista Dia-a-Dia.


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figura 21 | Shows de travestis tiveram seu auge na década de 1970 e 1980, contando inclusive com ampla cobertura midiática e grandes produções. Ao lado, matéria jornalística sobre o espetáculo Gay Fantasy, dirigido por Bibi Ferreira e estrelado por Rogéria em 1981. Fonte: Revista Fatos e Fotos Gente.


figura 22 | Acima, travesti sendo presa durante a Operação Limpeza, comandada pelo delegado Richetti (foto de Juca Martins). Abaixo, reações e protestos contra as blitz policiais violentas, em especial a de Richetti, em 13 de junho de 1980. Fonte: Portal Memorial da Democracia (acima) e Huffpost Brasil (abaixo).

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capitais européias. É interessante pontuar que aqui a diferenciação entre travesti, transexual e drag-queen ainda não era algo esclarecido na sociedade. Apenas com os esclarecimentos consequentes da Revolução Sexual e o aumento da ocorrência de procedimentos cirúrgicos e estéticos - principalmente entre os travestis, com injeção de silicone e hormônios para desenvolver seios e outros atributos corporais femininos - foi possível distinguir essas identidades. Enquanto travesti e transexual são expressões sexuais e de gênero, as drag queens são na verdade uma denominação da performance artística que homens - ou até mesmo travestis e mulheres- exercem ao se travestirem de personagens femininas extravagantes. Todas essas mudanças favoreceram um ambiente de questionamento dos conceitos tradicionais de gênero e, consequentemente, aos poucos a atitude popular em relação à homossexualidade começou a mudar, propiciando uma rápida popularização do termo americano “gay”. A noção dos papéis de ativo e passivo nas relações sexuais passaram a ter maior fluidez e a auto-aceitação se tornava mais comum à medida que as relações sexuais assumiam um papel igualitário entre os envolvidos, onde ambos se classificavam como homossexuais. Novas correntes médicas e psicológicas começaram a trabalhar com a ideia da homossexualidade como um comportamento sexual possível dentre várias outras opções mais ou menos normativas, mas não mais como uma patologia. Sob esse clima revolucionário, os locais de entretenimento voltaram a funcionar com relativa liberdade. Com o Milagre Econômico e o aumento da renda da população de classe média, os empresários viram nos homossexuais um nicho promissor de consumo e passaram a investir em diversas opções voltadas para esse público. No final da década de 1960 surgiram as primeiras boates e discotecas, que atendenderam sobretudo à classe média. Com novos vetores de expansão urbana da cidade, muitos estabelecimentos comerciais voltados para a população gay e os circuitos homoafetivos de paquera e pegação se alastraram para as centralidades novas da cidade, principalmente na região dos Jardins e da Paulista. Em dez anos, o número de estabelecimentos voltados para o público homossexual aumentou exponencialmente no centro de São Paulo, chegando a atingir níveis internacionais de reconhecimento. Foi nesse contexto 76


que surgiram os primeiros estabelecimentos voltados para lésbicas, sendo Ferro’s Bar, na rua Martinho Prado, o mais emblemático. Se em um primeiro momento a comercialização em torno da homossexualidade contribuiu para aumentar a sua visibilidade social e, indiretamente, para a coesão da categoria, em um longo prazo ela acentua as divisões sociais. Como já retratado, as blitz policiais aumentaram no regime militar, mas as operações tinham um caráter seletivo de repressão. Segundo PERLONGHER (1986), elas operavam em favor da exclusão e segregação de travestis e prostitutas, mas com certa tolerância ao consumismo gay. Se o ser desviante estivesse nas ruas ou em locais públicos aparentemente “à toa”, os policiais o abordavam e, em alguns casos, o levavam preso; mas se estivesse no interior de bares consumindo, os policiais não o oportunavam. O que se vê aqui é uma clara criminalização do uso dos espaços públicos pela população homossexual de classe baixa, onde apenas quem consumia tinha o direito à cidade. As repressões e as batidas policiais ditavam a lógica da expansão e da apropriação de territórios de sociabilidade gay na cidade de São Paulo à época. Após constantes expulsões da Galeria Metrópole, boa parte dos michês e homossexuais passaram a ocupar a rua Nestor Pestana. Sob argumento do intenso tráfico e uso de drogas que se desenvolveu nessa região, essa população foi novamente expulsa e se apropriaram do Largo do Arouche e da Avenida Vieira de Carvalho. A partir da década de 1950, o Arouche foi apropriado por gays da classe média que se exibiam uns aos outros e procuravam por parceiros, principalmente na praça da porção leste do Largo (setor 014), sendo conhecido, juntamente com a Vieira de Carvalho, como “Boca de Luxo”, justamente pelo perfil abastado dos seus frequentadores e pela quantidade de bares e restaurantes chiques instalados na região. Em oposição, a região da República era tida como “Boca do Lixo”, pela alta presença de prostitutas, michês, homossexuais de classe baixa, negros e migrantes além de outros marginalizados. Apesar de serem espaços fronteiriços, essas dinâmicas raramente se intercruzavam, configurando uma certa

4 A definição dos setores do Largo do Arouche bem como a leitura do seu espaço serão abordados no próximo capítulo.

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divisão territorial. Com a chegada dos marginais expulsos da Nestor Pestana, o Largo do Arouche se tornou um espaço cheio de contrastes, diversidades e conflitos. Sob a conjuntura politizada e libertária da década de 70, o Largo se tornou o palco de recrutamento de membros para a militância gay, encabeçado por intelectuais da classe média e pela vanguarda teatral. Mas apesar dessa intenção aparentemente democrática e inclusiva do ativismo gay, na época eles não recrutavam as bichas/bofes pobres e nem os travestis; pelo contrário, faziam questão de se distinguirem, uma vez que, para os gays militantes, esses marginais refletiam o atraso ao estarem atrelados às estruturas generificadas da sociedade patriarcal. Essa imiscibilidade entre grupos identitários se refletia no próprio espaço do Largo: à leste, junto à avenida Vieira de Carvalho, se concentrava uma população mais jovem e avant-garde, a dita new wave paulistana; já na porção oeste, próximo à rua Rego Freitas, concentrava-se uma população mais diversificada em termos de idade e sexo, coabitando o espaço juntamente com prostitutas e travestis, concentrada principalmente nas mesinhas dos bares que ocupavam as calçadas. Evidentemente que, mesmo com a convivência segregada, porém aparentemente pacífica entre as diferentes categorias sexuais, o Largo do Arouche também foi alvo de inspeções policiais. A Operação Limpeza - ou Richetti -, em 1980, ficou marcada como o ápice da repressão policial na região (figura 22). Com o apoio de moradores e comerciantes da área, a população marginalizada - sobretudo as prostitutas e travestis - que ocupava o Largo foi vítima de enquadramentos, prisões arbitrárias, agressões físicas e verbais em prol de uma limpeza moral da área. Apesar de insurgirem alguns protestos contra as abordagens policiais no Arouche, a Operação Richetti modificou profundamente o modus operandi da área ao suprimir o Largo como ponto focal da concentração LGBTQ e demais minorias. Como consequência, aliada ao processo de degradação do Centro de São Paulo5, houve uma nova redistribuição

5 O plano de expansão rodoviarista, com grandes obras viárias e implementação de novos eixos de avenidas como a Paulista, a Faria Lima e a Berrini, transformou a área central de São Paulo em um ponto de articulação da estrutura viária

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territorial dessa população: os gays abastados foram para os mais novos pontos de sociabilidade nas áreas de classe média alta dos Jardins; os marginalizados passaram a ocupar a rua Marquês de Itu. É importante observar a ineficiência que a violência e a repressão institucionalizada tinham em controlar e conter as populações dissidentes de gênero e sua ocupação do espaço urbano. Essas ações mais espalharam o território LGBTQ do que diminuíram. Tampouco essas ações impediram o crescimento exponencial da prostituição. Como consequência do aumento da desigualdade social causado pelo Milagre Econômico6, “Assim como muitos indivíduos das classes mais baixas ocorrera em viram na prostituição a única saída para meados da situação financeira alarmante em que década de 1950, viviam, principalmente os homossexuais a conquista de e travestis. Da mesma forma que os shows novos territórios de travestis ascenderam rapidamente na e a defesa dos década de 70, a falta de oportunidades antigos não se e a marginalização vieram na mesma fazia sem algum velocidade para eles. Se o travesti quisesse confronto - e, viver de uma carreira artística, tinha que muitas vezes, buscar um mercado internacional; caso violência -, mas contrário, a prostituição era a forma a tendência em mais rentável de ganhar dinheiro no geral era de Brasil, uma vez que, fora do showbizz, os expansão, e não empregos oferecidos a eles pela sociedade de retração.” eram aqueles associados às mulheres, (GREEN, 1999) como costureiros, decoradores de vitrine, manicure, etc.

da cidade. Viadutos, elevados e passarelas passaram a predominar a paisagem do Centro, transformando-o em uma região fragmentada, residual e intransponível. Cheio de enclaves e áreas residuais, as degradações por meio das pichações, o acúmulo de lixos e a concentração de moradores de rua fez com que o Centro sofresse uma desvalorização imobiliária que resultou na transformação gradativa do perfil socioeconômico dos moradores ou até no esvaziamento demográfico em determinadas áreas (VICENTE, 2015). 6 Segundo GREEN (2000), o “milagre econômico” teve como consequência um aumento na desigualdade social, pois proporcionou a prosperidade da classe média - portanto, tinham um capital maior que a possibilitava pagar por sexo - em detrimento do aumento da pobreza das classes mais baixas - o que muitas vezes forçou muitos de seus indivíduos a se sujeitaram a prostituição como fonte de renda. A homofobia também conduzia certos homossexuais ao submundo da prostituição, uma vez que homens afeminados raramente conseguiam empregos.

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Apesar da prostituição não ser crime no Brasil, muitos policiais acusavam seus praticantes de vadiagem, atos obscenos em público e perturbação da ordem pública a fim de controlar - em vão - a população de travestis que se prostituíam. A presença muito mais aberta e visível dos gays possibilitou uma significativa expansão da territorialização homossexual, mais do que pela detereorização da zona central e o surgimento de novos locais de consumo para acomodar um nicho de homossexuais de classe média. Muitos homens que mantinham relações sexuais com os outros homens (sendo homossexuais ou não) tinham que lidar com uma cultura sexual e social clandestina e, ao mesmo tempo, manter uma relação próxima com a família, uma vez que dentro da estrutura social brasileira, a família representa suporte frente a uma realidade social e econômica cruel. O desejo por um lado, e a necessidade pelo outro, fizeram com que esses homens mantivessem uma vida dupla.

de 1981 aos dias de hoje Os anos 1980 foram o ápice da vida noturna gay paulistana. Inúmeros bares, boates e clubes noturnos surgiram em vários pontos da cidade, sobretudo na região do Centro - Homo Sapiens - e dos Jardins Medieval. A Rua Augusta se tornou o grande point das baladas LGBTQ mais famosas e conceituadas da cidade, sendo frequentadas por artistas do mundo todo. As entradas dessas boates ficavam abarrotadas de gente, seja de frequentadores, seja de curiosos que iam apreciar as chegadas triunfais de travestis e homossexuais que surgiam montados com muito glamour e excentricidade para curtir a noite com muitos exageros (figura 23). Entretanto, a eclosão da AIDS, no final da década de 1980 e início dos anos 1990, acabou com a festa e o glamour da noite gay, desestabilizando as crescentes conquistas da comunidade LGBTQ Associada a priori à prática de relações homoafetivas, a doença tida como fatal criou mais um estigma sobre os homossesuxais, fazendo com que a pauta da liberação sexual se esvaziasse frente ao grave problema de saúde pública. Em São Paulo, muitas organizações políticas gays foram esvaziadas e seus membros se dedicaram ao combate à AIDS. O medo e a insegurança abalaram a recém 80


figura 23 | A atriz Wilza Carla descendo a Rua Augusta montada em um elefante para chegar uma festa da Boate Medieval. No auge das boates e discotecas na década de 1980, gays e travestis chegavam de maneira triunfal, nas mais diversas formas peculiares. Esses shows à parte eram muito apreciados inclsive por quem não frequentava essas festas, o que fazia com as ruas dessas boates ficassem cheias de curiosos que iam até o local para assistir às chegadas espetaculares. Fonte: Folha de S. Paulo e São Paulo em Hi-Fi.

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figura 23 | De cima para baixo, o cantor Jaloo e a drag queen Gloria Groove representam a nova força artística e cultural ativista que celebram a diversidade e as multiplicidades de gênero no Brasil atualmente. Fonte: Portal Miojo Indie (acima) e Portal O Povo (abaixo).

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conquistada confiança dos LGBTQs. Com muitas mortes de pessoas próximas e de figuras famosas e simbólicas do meio - como Freddie Mercury e Cazuza -, a comunidade passou a viver reclusa novamente. Bares e boates começaram a fechar as portas por falta de clientes e muitos territórios LGBTQs se esvaziaram. A crise, porém, serviu para aumentar a visibilidade dessa população. Verbas estatais e de agências de cooperação internacional para combate à AIDS passaram a financiar grupos de homossexuais, que até hoje atuam em suas comunidades como parte da resposta ao problema. A AIDS teve papel significativo para unificar as pautas com outras identidades de gênero e expressões sexuais, como os transexuais e os travestis, que antes mantinham movimentos bastante distintos do gay e do lésbico. A resposta governamental à doença de forma conjunta com a comunidade LGBTQ foi um dos primeiros reconhecimentos institucionais dessas pautas unificadas. Em 1995, aconteceu, no Rio de Janeiro, a 17ª Conferência Anual da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA), com direitos a desfiles e manifestações públicas. O evento foi tão bem-sucedido que inspirou ONGs e coletivos a realizar eventos similares em outras cidades do Brasil. Em São Paulo, em 1996, a Praça Roosevelt foi palco de uma manifestação de cerca de 500 pessoas pelos direitos LGBTQs. Já no ano seguinte, aconteceu a primeira Parada LGBT - na época denominada Parada do Orgulho GLBT - de São Paulo, organizada pela ONG Associação da Parada do Orgulho GLBT (APOGLBT) no esforço de reanimar os ânimos de uma comunidade abalada e celebrar a diversidade e o orgulho dessas identidades. Com percurso que vai da Avenida Paulista à Praça Roosevelt, a Parada LGBT conecta os novos e os antigos territórios de sociabilização LGBTQ. A visibilidade do evento, que ocorre de ano em ano desde então, é tão grande que atualmente a Parada de São Paulo é considerada uma das maiores do mundo e é o evento que mais atrai turistas à cidade e o segundo no Brasil, perdendo apenas para o carnaval carioca. No ápice da sua visibilidade e com uma comunidade unificada e fortificada, a comunidade LGBTQ passou a conquistar cada vez mais direitos: em 2002, o Conselho de Medicina autorizou as operações de mudança de sexo, oferecidas inclusive pelo SUS atualmente; o nome social para transexuais e travestis 83


já é permitido em alguns órgãos públicos; em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como legítima. No campo cultural, as possibilidades se expandiram ainda mais. A mídia absorveu a crescente aceitação das comunidades não-normativas e a presença de gays, lésbicas e transexuais em programas televisivos passou a ser mais frequente, bem como personagens LGBTQs em novelas. Com o advento e a disseminação da internet e das redes sociais, os espaços dessas lutas transbordaram a geografia física dos atos públicos e permitiu maior disseminação da contracultura LGBTQ, principalmente através da música. A comunidade se transmutou a outras potências artísticas marginais como o funk, a música eletrônica, o brega e o rap. Hoje, tem-se uma gama bastante diversificada de artistas dissidentes de gênero que tem uma produção que são verdadeiros manifestos políticos em prol da liberação sexual e de gênero. Os exemplos mais emblemáticos do Brasil são as drag queens Pabllo Vittar e Gloria Groove, a transexual Linn da Quebrada e os não-definidores de gênero Liniker e Jaloo (figura 24).

A Parada LGBT representou a retomada dos espaços públicos pelas identidades queer, que passaram a reativar seus antigos territórios de sociabilidade. Muitos dos estabelecimentos e serviços voltados para os LGBTQ resistiram aos processos de degradação do Centro ao longo dos anos e a reclusão da comunidade devido à AIDS, e se mantém em operação até os dias de hoje. Outros, no entanto, sofreram modificações do público alvo e se tornaram espaços de socialização LGBTQ. É o caso dos cinemas7 da região central que, dos anos 1940 até meados dos 1980, eram grandes cinemas de arte frequentados pela elite paulistana mas que, devido ao surgimento da televisão na década de 1960,

7 Mesmo que os cinemas constituíssem desde meados da década 1930 espaços de práticas sexuais homoafetivas, eles não funcionavam em função disso. Eram exibidos filmes comerciais de circulação nacional e mundial, onde todo e qualquer público podia ver como forma de entretenimento. Apenas com a decadência dos cinemas de rua na década 1960 que eles assumiram de vez esse caráter de lugar de práticas eróticas ao passar a exibir filmes pornográficos.

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entraram em decadência e boa parte passou a exibir filmes de conteúdo erótico, como as pornochanchadas, e posteriormente de sexo explícito, como é o caso do Cine Arouche, em funcionamento até hoje. Tais estabelecimentos, os antigos e os novos, passaram a atender a LGBTQs de classes mais populares devido a alteração do perfil socioeconômico da população local que passa a deter um poder aquisitivo e uma base econômica mais baixos. Dessa maneira, a região do Arouche foi reacendida com uma nova ocupação por parte dos LGBTQ, compostos por uma população mais diversificada em termos de raça, gênero e estrato social, com padrões estéticos não-hegemônicos na “cultura gay” (como gays gordos, ursos, velhos, etc.), constituindo uma área de menor prestígio social dentro das territorialidades LGBTQs atuais de São Paulo.

no limiar da guetificação Os territórios de sociabilidade LGBTQ em São Paulo, sobretudo os da região central, foram taxados por alguns setores da sociedade como um gueto gay. Mas é conveniente classificar essas especializações como um gueto? O que de fato as caracterizam como tal? A origem dos guetos remete às áreas urbanas e bairros onde viviam os judeus na Europa, caracterizados pelo isolamento e pela resistência dessa comunidade contra perseguições xenofóbicas. O termo passou a ser aplicado para outros enclaves de minorias étnicas e sexuais, como os negros e os gays, que se uniam por questões socioeconômicas e até mesmo por sobrevivência. PERLONGHER (1986) traz uma elucidação mais precisa do conceito de gueto baseado nas definições da Escola de Chicago. Para uma determinada região ser considerada um gueto, é preciso ter os seguintes requisitos: concentrações institucionais, área de cultura, isolamento social e concentração residencial de uma minoria absoluta. 85


Analisando o caso de São Paulo sob esses critérios, podemos inferir algumas características dos territórios LGBTQs da região central paulistana. Tais áreas apresentam uma certa concentração de comércios e serviços voltados à comunidade - como saunas, cinemas pornôs, bares, lojas -, bem como uma forte presença de traços culturais específicos - a linguagem e os jargões gays, as músicas, as danças, etc. Há também uma tendência da população LGBTQ de se isolar e agrupar entre si nessas áreas, porém, não há uma concentração residencial dessa população nessa região; muitos LGBTQs que ali frequentam moram em outras partes da cidade. Apesar de apresentar algumas características de guetificação, há outras condições e dinâmicas particulares desses territórios que precisam ser consideradas antes de qualquer veredito. Historicamente, a população não-normativa sempre dividiu esses espaços da cidade tanto com outras minorias marginalizadas, tanto com a população normativa de classes mais abastadas. Mesmo em questões de ocupação do solo havia uma mescla de funções: a região tinha vários estabelecimentos que atendiam aos LGBTQs mas, ao mesmo tempo, eram dominados por comércios e serviços comuns a todo cidadão. As dinâmicas de repressão e expulsão dos sujeitos dissidentes e até mesmo da expansão territorial da cidade fez com que esse território sempre fosse caracterizado pelo constante fluxo de corpos, sem fronteiras fixas e definidas, o que intensificava ainda mais essa heterogeneidade social. A forte presença de hotéis e pensões na região, que atendiam sobretudo aos negócios da prostituição, é também um indício desse nomadismo pelo território. Podemos concluir que a noção de gueto em São Paulo é difícil de ser aplicada pois os territórios em análise não têm limites geográficos e étnicos precisos, uma vez que ele flutua e transita assim como os movimentos das redes relacionais entre os indivíduos da comunidade LGBTQ. A notória diversidade de pessoas que moram e usam esses espaços e a multifuncionalidade da região também contribuem para a não guetificação dessas áreas. Há que se pontuar também o perigo do processo de guetificação, uma vez que ela implicaria em uma certa tendência à homogeneização, orientada à afirmação de uma identidade homossexual (PERLONGHER, 1986). Mesmo que as populações não86


normativas se agrupem através de objetivos comuns como suas preferências eróticas, a resistência à violência e a luta por direitos, a questão da performatividade e da fluidez de gênero de cada indivíduo impossibilita a definição de uma identidade comum à comunidade LGBTQ - como visto no capítulo 03 -, pois afastaria as fugas, as contradições, as incoerências e os desejos que vão além da categorização coletiva, além de não abarcar outros aspectos - sociais, raciais, culturais - definidores da identidade do sujeito. Essa construção imagética de personificação da comunidade LGBTQ em uma identidade única, geralmente denominada como gay, subjuga sobretudo os grupos identitários mais marginalizados como as bichas, os bofes, as sapatonas e os travestis ao colocá-los em uma posição de inferioridade ao gay. Essa equivocidade não é exclusividade da guetificação. Ela é também muito presente como estratégia no consumismo das modas e da indústria do lazer que tendem a padronizar essa identidade a fim de construir uma rede mais sólida e abrangente de consumidores.

A forma como os LGBTQs se apropriam desses espaços permite que sejam caracterizados como um território simbólico-cultural, dotado de uma historicidade que reflete diretamente a historicidade do grupo social que o constituiu. Segundo VICENTE (2015), “estas parcelas do espaço geográfico apropriadas – e passíveis de serem cartografadas – possuem certas características próprias: trechos de fronteiras delimitadas conforme variam os períodos do dia; uma historicidade própria; relações sociais de poder que dela derivam; e um espaço simbólico na produção de identidades.” Portanto, em consonância com o que já foi discutido nos capítulos anteriores, os espaços urbanos são os terrenos sui generis para o desenvolvimento de vivências e memórias culturais coletivas, mas esses, ao mesmo tempo, devem salvaguardar e suportar as identidades que são construídas dentro de cada indivíduo. A tentativa de construir a identidade do espaço atrelada a uma identidade unificada da comunidade que o ocupa pode contribuir para sua a 87


estereotipação e a perpetuação de uma categorização normativa na sociedade que não reflete a realidade dos sujeitos. Assim, a identidade de um lugar deve surgir na intersecção entre a sua construção cultural coletiva como comunidade ou localidade - amparada pelas vivências e memórias - e seu envolvimento específico em um sistema de espaços hierarquicamente organizados na cidade8.

violência e repressão uma análise estatística da realidade LGBTQ no brasil Os capítulos anteriores mostram que a relação entre os LGBTQs, a sociedade e os espaços da cidade sempre foi pautada pela violência e repressão legitimadas por uma estrutura patriarcal rigidamente marcada pelas relações de poder onde o homem branco, hétero e rico sempre prevaleceu como o dominador. Ainda que, na contemporaneidade, a crescente aceitação e visibilidade dos indivíduos dissidentes de gênero lhes possibilitem conquistar muitos direitos, ainda estão longe de alcançá-los com plenitude pois essas relações de poder ainda se mantém. No Brasil, temos poucos dados estatísticos oficiais relativos à população LGBTQ o que dificulta um entendimento mais preciso dos problemas da classe e, consequentemente, a elaboração de políticas públicas eficazes a fim de lhe garantir os plenos direitos, respeito e justiça. Para estabelecer um panorama da realidade atual dos LGBTQs é necessário recorrer a levantamentos e pesquisas alternativos de ONGs e coletivos. Entender este cenário é fundamental para reunir subsídios que fundamentem o projeto que se pretende elaborar nesse TFG, colaborando inclusive na definição programática dos espaços a serem projetados. Para obter as estatísticas sobre a violência contra LGBTQs no Brasil, foi utilizada a plataforma

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GRUPTA e FERGUSON apud PULCINELLI (2017).


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“Quem a homotransfobia matou?”, associada ao consolidado e militante da causa Grupo Gay da Bahia (GGB), que desde 2015 faz um levantamento bastante completo desses dados. Os dados e notícias a seguir trazem resumidamente esse panorama alarmante da realidade queer brasileira. Conforme os gráficos apontam, desde 2006 houve um aumento exponencial de mortes de LGBTs no Brasil, sendo que de 2016 para 2017 foi registrado a maior amplitude desses números desde quando passaram a ser levantados, em 2002. A região com maior ocorrência de mortes por habitantes é a Norte enquanto a Sul é a com menor índice. A região Sudeste, por sua vez, é a segunda menor, sendo que o estado de São Paulo é o que registra a menor taxa na região; por outro lado, é o estado que mais mata em números absolutos no Brasil. A maioria das causas mortis dessa população são extremamente violentas, sendo que as armas de fogo e as armas brancas são os principais tipos de armas usadas nos assassinatos. Esse dado é um forte indício de que a LGBTQfobia é o fator motivador central desses crimes. Observa-se também que a incidência de suicídio nesses segmentos é bastante grande. A maior parte dessa população assassinada é jovem e branca e os segmentos com mais vítimas são declaradamente os gays e os trans. A questão do alto índice de mortalidade na juventude está intimamente ligada ao fato de que os LGBTQs têm uma longevidade menor que a média da população geral, principalmente entre as trans9 que, em quase sua totalidade são marginalizadas e, portanto, estão mais suscetíveis a violência e a doenças. Evidência disso é também o alto índice de mortes na população trans. Mesmo que tenham morrido em mesma quantidade que os gays em 2017, estima-se que 10% da população brasileira é declaradamente gay enquanto que as trans representam menos de 1%, ou seja, uma trans tem 22 vezes mais

9 O Brasil matou ao menos 868 travestis e transexuais nos últimos oito anos, o que o deixa, disparado, no topo do ranking de países com mais registros de homicídios de pessoas transgêneras, segundo dados publicados pela ONG Transgender Europe (TGEu) em novembro de 2016. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) afirma que as denúncias de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis aumentaram 94% no país entre 2015 e 2016. Os casos incluem também abusos psicológicos, discriminação e violência sexual. Fonte: Correio Brasiliense, 2016.

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chance de morrer que um gay. Segundo o Relatório de 2017 “Quem a homotransfobia matou?”, “os crimes contra minorias sexuais geralmente são cometidos de noite ou madrugada, em lugares ermos ou dentro da residência, dificultando a identificação e prisão dos autores”. Apenas 25% desses homicídios tiveram os seus criminosos identificados e em somente 10% dos casos houve abertura de processo e punição contra os assassinos, sendo que a maior parte deles não conheciam ou não mantinham relações próximas com as vítimas. Boa parte desses crimes acontecem em meio ao espaço público, até mesmo dentro dos territórios reconhecidos pela presença de LGBTQs. Algumas dessas mortes tornam-se um marco para luta contra os crimes LGBTQfóbicos, como foi o caso do assassinato de Edson Neris em 2000, na Praça da República, em São Paulo. Ele foi morto espancado por um grupo de skinheads denominados Carecas do ABC enquanto passeava de mãos dadas com o namorado pela praça. A repercussão na mídia e entre os movimentos de luta por direitos humanos foi tão grande que, dias depois, centenas de pessoas fizeram um ato em memória à Edson e contra a homofobia no local do assassinato, contando com a presença inclusive de políticos da esquerda paulistana. Ainda de acordo com o mesmo Relatório, a alta incidência de suicídio entre os LGBTQs está intimamente relacionada à rejeição da sua condição pela sociedade e às consequências da reação da família e do meio social do indivíduo, como a expulsão de casa, as tentativas de reconversão e o bullying, no caso dos adolescentes. Resultado disso é que jovens LGBTQs rejeitados pela família são 8,4 vezes mais propensos a suicidar-se e gays, lésbicas e bissexuais adolescentes têm até 5 vezes mais chance de se matar do que seus colegas heterossexuais. A impunidade pela má aplicação da lei, a ausência de um aparato legislativo específico que proteja os LGBTQs - como a criminalização da homotransfobia -, a falta de uma conscientização e esclarecimento sobre as questões LGBTQs na população em geral e na educação sexual e de gênero nas escolas e a carência de políticas públicas afirmativas voltadas à saúde, educação e segurança para esses segmentos são fatores que contribuem significativamente para esses altos índices de violência. Atrelados a isso, o conservadorismo de políticos e religiosos que pregam contra os LGBTQs e 94


fonte | Portal “Quem a homotransfobia matou hoje?”, 2017

a violência contra LGBTQs no brasil o cenário atual

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fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados da plataforma “Destination Pride”

infográfico 02: políticas públicas para LGBTQs o brasil e o mundo

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falta de apoio dos próprios familiares agravam ainda mais a situação de marginalidade dessas minorias. Procurando identificar em quais pontos o Brasil avançou ou deixou a desejar no tocante das políticas pró-queer, é importante estabelecer comparações com outras realidades contemporâneas. A plataforma online “Destination Pride” criou um guia de destinos interativo que classifica cidades para se conhecer no mundo com base em suas políticas próLGBTQ e nas percepções sobre a receptividade local, enviadas por viajantes. As avaliações estabelecem pontuações a partir de 6 quesitos: igualdade de matrimônio, direito ao relacionamento homoafetivo, proteções a identidades de gênero, leis antidiscriminatórias, legislação sobre direitos civis e liberdades LGBTQs, e comportamento nas redes sociais em relação aos LGBTQs. Analisando o infográfico, vemos que o Brasil apresenta uma posição mediana dentro dessa avaliação. Apresenta um cenário melhor do que países conservadores e fundamentalistas, como Irã e Rússia, mas está abaixo de boa parte dos países mais ricos da Europa, além de Argentina e México. Um dos principais problemas do Brasil é a falta de proteção às identidades de gênero - deficiência sintomática em muitos dos países analisados - e a ausência de uma legislação específica que garantam os direitos civis e liberdades da população LGBTQ. Essa lacuna de políticas públicas vão de encontro com a realidade de altos índices de violência e violação de direitos da população LGBTQ, apresentadas nesse capítulo.

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05. o largo do arouche leituras e anรกlises


A

tualmente em São Paulo, existem duas grandes centralidades territoriais de sociabilização LGBTQ: O Largo do Arouche e a Rua Augusta. As dinâmicas de expansão urbana e as constantes expulsões e repressões da população não-normativa marginalizada fizeram com que novas concentrações LGBTQs surgissem na cidade - como é o caso da Rua Augusta e arredores. Se antes os territórios das populações queer marginalizadas e das abastadas coexistiam na região central, sob fronteiras tênues e mutáveis, hoje em dia esses espaços são mais demarcados e distantes entre si (infográfico 03). Com a mudança da classe média para os Jardins na década de 1980, o Arouche deixou de ser a Boca de Luxo e passou a abrigar uma população queer mais periférica e de classes baixas, perfil que se mantém até hoje entre os frequentadores do espaço. Muitos dos comércios e serviços voltado para esses indivíduos em específico são mais populares e baratos no Arouche em contraposição aos de padrão mais alto da região da Augusta, sendo a questão do poder aquisitivo um critério de distinção dos usuários desses espaços. A seleção do Largo do Arouche como lugar de intervenção é, portanto, justificada pelas suas características específicas que o tornam um lugar único para os LGBTQs na cidade de São Paulo. É frequentada por uma população mais diversificada em termos de raça, gênero e estrato social, com padrões estéticos nãohegemônicos na “cultura gay” (como gays gordos, ursos, velhos etc), constituindo uma área de menor prestígio social dentro das territorialidades LGBTQIs de São Paulo; é a área com maior concentração de comércio e serviços voltados para os LGBTQs na cidade; é território de uma apropriação queer histórica desde a década de 1950, sendo mais consolidada que as das regiões da Augusta, Jardins e Paulista; e é atualmente alvo de projetos e ações públicas de higienização e gentrificação 99


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fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados da plataforma “Guia Gay SP”

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centralidade largo do arouche

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percurso parada LGBT

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clube noturno


que visam perpetuar a expulsão dessas minorias marginalizadas que frequentam o espaço público.

Este capítulo traz uma leitura esmiuçada do Largo do Arouche para compreender problemáticas e potencialidades quanto a qualidade de espaço público. O intuito é reunir subsídios para a elaboração da proposta de projeto desse TFG, sendo analisadas as relações morfológicas e urbanísticas entre o largo e a cidade, o contexto socioeconômico da região, as infraestruturas que suportam o Largo, o perfil dos seus frequentadores bem como seus anseios e desejos - sobretudo da comunidade LGBTQ -, os usos e as funções desenvolvidos no espaço e as dinâmicas atuais de reestruturação do Centro de São Paulo explicitando os processos, fenômenos e conflitos que atingem o Arouche nesse contexto. Como instrumental metodológico para essa leitura foram feitas consultas de mapas e dados no GEOSAMPA e no IBGE, levantamento fotográfico e de informações in loco, pesquisa etnográfica, entrevistas com os frequentadores, moradores e coletivos que atuam na área e pesquisa na literatura acadêmica e jornalística presentes na bibliografia. As leituras em mapas desses levantamentos foram feitas em duas escalas: uma macro, mais geral, abrangendo toda a região compreendida dentro de um raio de 650m1 a partir do da centralidade do Largo, e a outra, micro, mais imediata que engloba os quarteirões e edifícios que margeiam e delimitam o Arouche.

1 A delimitação do raio de abrangência segue o critério de caminhabilidade. Segundo GEHL (2010), a distância máxima percorrida com certo conforto pelo pedestre é a de 650m. Sendo um espaço público em um contexto bastante denso, o Largo do Arouche atende sobretudo aos moradores que residem há uma distância caminhável do Largo, além de frequentadores que moram em outras regiões e que chegam por meio das redes de transporte que passam por essa região de abrangência.

101


a leitura do entorno compreendendo o contexto quanto à localização e à formação do largo O Largo do Arouche localiza-se na região central de São Paulo, na subprefeitura da Sé. Pertence ao distrito da República, situado em um ponto limítrofe com os distritos de Santa Cecília e da Consolação. O espaço do largo é delimitado pelas ruas Jaguaribe, Amaral Gurgel e Vitória, pelas avenidas Duque de Caxias, São João e Vieira de Carvalho e o término das ruas do Arouche, Bento Freitas, Rêgo Freitas e Frederico Steidel, sendo, portanto, um ponto aberto de convergência e desembocamento de diversas ruas. Apesar da região constar nos mapas da cidade desde 1810, a praça como espaço público surgiu no final do século XIX, no contexto de expansão do centro novo da cidade, com a transposição do vale do Rio Anhangabaú. A operação urbana incluía a subdivisão da chácara do tenente-general José Arouche de Toledo Rendon que pediu a Câmara de São Paulo o desterro e o aplainamento da área do Largo para treinamento e disciplina de milicianos para brigadas, recebendo o nome de Praça dos Milicianos. O Largo, ao longo da sua existência como espaço público, recebeu diversos nomes, tais como Praça Alexandre Herculano, Tanque do Arouche, Praça da Alegria, Praça da Legião, etc., antes de firmar sua denominação atual como Largo do Arouche, em homenagem ao general.

quanto à demografia, aos usos e ocupações do solo Esse entorno, segundo levantamento de Uso e Ocupação Predominante do Solo, mostra que há um predomínio de edifícios residenciais verticais de médio e alto padrão, concentrados sobretudo à oeste do Largo, já nos distritos de Santa Cecília e Consolação, 102


fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

localização do largo do arouche em de são paulo

distritos

largo do arouche

santa cecília consolação

subprefeitura

município

república

são paulo

103


104

o largo do arouche localização e contexto urbano


105


e de edifícios de uso misto - residencial e comercial - distribuídos mais uniformemente no território em análise. Importante observar que há muitas quadras onde não há predomínio de uso, ou seja, mostramse quadras com uma distribuição mais equitativa de funções. Também observa-se que há pouquíssimas quadras onde há predomínio de edifício vertical residencial de baixo padrão. A densidade demográfica média do distrito da República é de 186,10 hab./ha e, assim como no recorte em análise, a região tem um índice relativamente baixo. Como vemos nos mapas elaborados à seguir, há uma maior densidade a noroeste e contrastantemente menor a sudeste, acompanhada pela média de moradores por domicílio da região que também é baixa, com um predomínio médio de 2 pessoas por residência. Também é baixo o índice de vulnerabilidade social, variando de baixíssimo para baixo da porção sudoeste para a nordeste do recorte. Quanto ao perfil desses moradores, podese inferir que a região é predominantemente habitada por mulheres, sendo que a razão de sexo aumenta de oeste para leste no recorte em análise. Os residentes possuem uma faixa etária bastante diversificada, com distribuição mais uniforme de adultos no território, mas com predomínio de idosos à oeste e de jovens e crianças à nordeste.

quanto à mobilidade Por situar-se numa região central da cidade, o Largo é servido por uma ampla rede de infraestrutura urbana. O fato de ser um ponto focal de desembocadura de ruas e avenidas confere ao Largo do Arouche uma certa centralidade em relação ao seu entorno. Ruas e avenidas estruturais e importantes da cidade passam pelo Largo, tais como a Amaral Gurgel e o Elevado Presidente João Goulart, que ligam a região do Bexiga à Barra Funda, a Av. São João, que também liga a Barra Funda ao Centro Histórico, e a Duque de Caxias, que liga o Arouche à região da Luz. Assim, o Largo tem uma função de recolher e redistribuir o tráfego de veículos que vêm e vão de locais extremos da cidade, como um grande sistema de rotatórias. A mesma função de redistribuição da circulação do Largo se aplica para o sistema de ciclovias, 106


mas em uma escala menor e menos estrutural. Tantos os percursos entre leste e oeste, quanto norte e sul da região central expandida passam pela centralidade do Arouche. O largo também está inserido em uma rede de transportes coletivos públicos bem servida. Cerca de 30 linhas de ônibus passam pelo Arouche e arredores, sendo que, somente no Largo, há 4 pontos e paradas de ônibus e um terminal recém-inaugurado entre as ruas Sebastião Pereira e Frederico Steidel, logo embaixo do Minhocão. Quanto ao metrô, o Arouche localiza-se em meio a duas estações: a 500 metros da Estação Santa Cecília (linha vermelha) e a 400 metros da Estação República (linhas amarela e vermelha), sendo essa uma das principais estações da cidade.

quanto à rede de equipamentos e patrimônios O Largo do Arouche é classificado como Área de Proteção Paisagística (APPa) - muito provavelmente por conta do traçado da praça principal que data da década de 1930 - segundo a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (2016), tendo o edifício da Companhia Paulista de Letras como único imóvel tombado implantado no Largo. No entorno, a maioria dos bens imóveis declarados patrimônio situamse na porção sudeste do recorte analisado, na direção do Centro Antigo. Quanto aos equipamentos urbanos, o que mais consta no entorno são os culturais, sendo a grande maioria teatros, mas com pouquíssimos museus - apenas dois: o Museu da Diversidade, dentro da Estação República do Metrô, e o Museu da Santa Casa de Misericórdia. Na área da saúde e da educação, são poucos os equipamentos, com destaque ao Hospital Santa Casa de Misericórdia, um dos principais da cidade, e o predomínio de equipamentos educacionais da rede privada. A maior ausência de equipamentos são os de esporte e abastecimento (mercados públicos e feiras), pois são quase inexistentes - com exceção da presença de clubes privados na porção sul do recorte. No Largo em si, há apenas um edifício quanto equipamento: a Companhia Paulista de Letras. Contudo, há muitos monumentos no Largo, como estátuas, bustos e esculturas, com especial destaque ao “Depois do Banho”, de Victor Brecheret, ao “Progresso”, 107


de Nicolas Vlavianos e ao “A Menina e o Bezerro”, de Luiz Christophe.

quanto à rede de espaços públicos e verdes Juntamente com a Praça da República, cuja a principal conexão se dá pela avenida-bulevar Vieira de Carvalho, o Largo do Arouche forma um complexo verde em meio ao denso centro paulistano. É o maior conjunto integrado de espaços abertos e arborizados do chamado Centro Novo. No entorno, ainda há importantes praças e largos da cidade, como os largos do Paissandú e Santa Cecília, as praças Princesa Isabel, Carlos Gomes, Júlio de Mesquita, Dom José Gaspar, Roosevelt, o Vale do Anhangabaú, o parque da Biblioteca Monteiro Lobato e, inclusive, o Minhocão, que adquire o status de espaço público aos domingos, quando é fechado para carros e aberto para pedestres, tornando-se o maior parque linear temporário da cidade.

108


o planejamento futuro da região

S

egundo a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Paulo (2016), o Arouche se insere numa região limítrofe entre Zonas de Eixo de Estruturação e Transformação Urbana e Metropolitana (ZEU e ZEM) e Zonas de Centralidade (ZC), com algumas áreas destinadas às Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Portanto o planejamento futuro para o perímetro analisado visa, segundo o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (2014): - Nas ZEU: orientar a produção imobiliária para áreas localizadas ao longo dos eixos de transporte coletivo público com novas formas de implantação de empreendimentos que promovam melhores relações entre os espaços públicos e privados e contribuam para a redução dos tempos e distâncias de deslocamentos. - Nas ZEM: promover usos residenciais e não residenciais com densidades demográficas e construtivas altas, bem como a qualificação paisagística e dos espaços públicos, de modo articulado ao sistema de transporte coletivo e com infraestrutura urbana de caráter metropolitano. - Nas ZC: promover atividades típicas de áreas centrais ou de subcentros regionais ou de bairros, incentivar majoritariamente os usos não residenciais, com densidades construtiva e demográfica médias e promover a qualificação paisagística e dos espaços públicos. - Nas ZEIS: garantir moradia digna para a população da baixa renda por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária de assentamentos precários e irregulares, bem como à provisão de novas Habitações de Interesse Social – HIS e Habitações de Mercado Popular – HMP a serem dotadas de equipamentos sociais, infraestruturas, áreas verdes e comércios e serviços locais, situadas na zona urbana.

109


0

110

50 100

200

500

ZM | zona mista

ZEIS | zona especial de interesse social

praças e canteiros

ZEU | zona de estruturação urbana

ZEM | zona de estruturação metropolitana

fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

ZC | zona de centralidade

zoneamento | lei de uso e ocupação do solo (2016)

N

100


fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

uso predominante do solo

111


112

100

500

200

50 100

0

351 - 30346

207 - 351

146 - 207

92 - 146 fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

0 - 92

densidade demogrรกfica (hab/ha)

N


0

50 100

200

500

sem classificação

baixa

muito baixa

baixíssima

fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

índice de vulnerabilidade social

N

100

113


114

100

500

200

50 100

0

108 - 250

94 - 107

84 - 93 fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do IBGE

76 - 83

razĂŁo de sexo

N


0

50 100

200

vias coletoras

vias estruturais

fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

hierarquia viรกria

N

500

100

115


fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

rede cicloviรกria

rede cicloviรกria

T

N

116

100

500

200

50 100

0


0

50 100

200

500

estações de metrô (RP) República (SC) Santa Cecília

terminal de ônibus

pontos de ônibus

fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

pontos, estações e terminais de transporte

SC

T

RP

RP

T

N

100

117


0

118

50 100

200

APPA | área de proteção paisagística

BIR | bens imóveis representativos

fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

zepec | zona especial de preservação cultural

700 600 500 400 300 200

N

500

100


E

0

50 100

T

E

B

M

museus

T

bibliotecas

E

espaรงos culturais

T

teatros

fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

equipamentos urbanos | cultura

T T

M

B

T

200

T

T T B

E E

T B T T

T T

T

500

E T

T

T

TTE E

T

T

M

T

M

T

T E

B

N

100

119


120

IN

FM

P

S

O

CP

CC

ensino fundamental

ensino fundamental e médio

rede privada

senai | senac | sesi

outros

clube privado

clube de comunidade

fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

equipamentos urbanos | educação e esportes

P S

IN

P P

0

50 100

200

O

P CC

FM P

P IN CP

CP

CP

educação esporte

N

500

100


fonte | Elaborado pelo autor, com base nos dados do GEOSAMPA

equipamentos urbanos | saúde e assistência

AS

SM

AS AS AS

H

H

AS

assistência social

H

SM

CP AS

hospital

saúde mental

assistência social

saúde

N 0

50 100

200

500

100

121


122

2.

3.

4.

0

50 100

200

praça princesa isabel

largo santa cecília

largo do arouche

4.

7.

500

8.

9.

100

praça dom josé gaspar

200

praça ramos de azevedo

300

jardins da biblioteca monteiro lobato

3.

largo do paissandú

6.

praça da república

5.

praça júlio mesquita

bulevar da av. vieira de carvalho

1.

minhocão fonte | Elaborado pelo autor.

rede de espaços públicos

2.

1. 700

600

500

400

6.

5. 8.

7.

9. 10.

11.

10.

11.

N


visibilidade às escuras

D

os equipamentos institucionais situados dentro do recorte analisado, apenas três são voltados para a população LGBTQ: o Museu da Diversidade Sexual, o Centro de Referência da Diversidade, que visa a inclusão social desses indivíduos, e a Igreja Cristã Nova Esperança, que se define como uma instituição religiosa gay friendly. Criado em 2012 pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o Museu da Diversidade atualmente funciona em um espaço de poucos metros quadrados dentro da estação de metrô República. Tem como escopo pesquisar, divulgar e garantir a preservação do patrimônio cultural da comunidade LGBT brasileira, através da coleta, organização e disponibilização pública de referenciais materiais e imateriais, valorizar a importância da diversidade sexual na construção social, econômica e cultural, e publicar documentos e depoimentos referentes à memória e à história política, econômica, social e cultural da comunidade LGBT. Localizado em um ponto subterrâneo e de intenso fluxo de pessoas, o Museu não tem a visibilidade que buscar dar às questões da população LGBTQ. Paradoxalmente - ou não -, assim como os indivíduos queer foram tratados ao longo da história, o espaço reservado ao Museu é em um setor underground e escondido da cidade, longe dos olhos da sociedade normativa. Em 2014, o Governo do Estado de São Paulo promoveu um concurso público para o projeto arquitetônico do Centro de Cultura, Memória e Estudos da Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, cujo espaço abrigaria também o Museu da Diversidade, porém em uma nova localização: a Avenida Paulista, no mesmo terreno em que está localizado o Antigo Casarão da Família Franco de Melo, que deveria ser incorporado ao projeto. Apesar da justificativa de mudança de local do Museu ser devido ao fato de a Paulista ser o ponto de partida da Parada LGBT, a região não possui o mesmo peso 123


De cima para baixo, o atual Museu da Diversidade Sexual - que funciona em um pequeno espaço dentro da estação do metrô República - e o projeto vencedor para a nova sede Museu na Avenida Paulista, de autoria do escritório H+F Arquitetos fonte | Cultura Mix e Archdaily

histórico de resistência e sociabilização para a memória da população LGBTQ quanto às regiões do Arouche e da República, ainda mais porque a Paulista e a região dos Jardins sempre foram redutos mais recentes dos LGBTQs de classes mais abastadas. Além disso, a Avenida Paulista, atualmente, é bastante provida de equipamentos culturais, com inúmeros museus, centros, institutos, cinemas, shoppings e teatros, dentre eles o MASP e o Instituto Moreira Salles - sendo esse último recém inaugurado. Mais um museu instalado na avenida a reforçaria como complexo cultural, fruto de uma concentração exacerbada de equipamentos de mesmo fim; essa estretégia urbana aglomeradora de monofunções impossibilita que esses equipamentos culturais sejam melhor distribuídos pela cidade e, consequentemente, deixa de criar bairros e áreas urbanas mais diversificados e dinâmicos.

124


a leitura do largo conformidades e não-conformidades quanto à morfologia e ao desenho paisagístico Para fins de estudo, ALEX (2011) divide o Largo em dois setores baseado nos critérios de morfologia e usos do espaço: o setor 01, originalmente chamado de “artilharia”, é a praça maior triangular situada na porção mais alta do terreno; e o setor 02, denominado “legião”, é a praça menor e retangular na área mais baixa. Por ser uma divisão didática e bastante verossímil com a dinâmica do Arouche, também será adotada essa classificação para melhor análise e leitura do largo e seu entorno imediato no presente trabalho. Um dos primeiros registros cadastrais do Largo data de 19301, e nela podemos perceber um espaço bastante fechado e delimitado pelas ruas e quadras do bairro. O setor 01 era um jardim público formado por ruas curvilíneas e canteiros de referências românticas, enquanto que o setor 02 era um espaço aberto, recortado pelas linhas de bonde (ALEX, 2011). Com o Planos de Avenidas de Prestes Maias, o Largo recebeu sua primeira grande reforma no início da década de 1940. As avenidas Vieira de Carvalho e São João foram ampliadas e transformadas em bulevares de referência parisiense, com canteiro central e passeios largos. A praça triangular (setor 01) foi seccionada por uma rua local enquanto que o setor 02 foi completamente alterado por conta da abertura das avenidas Amaral Gurgel e Duque de Caxias. O resultado da intervenção foi a subdivisão do largo em diversas “ilhas de tráfego”. Atualmente formado por essas ilhas, canteiros e rotatórias completamente circundadas e interceptadas por leitos carroçáveis, pouco foi modificado da sua morfologia adquirida após a construção do Elevado Presidente João Goulart (Minhocão) na década de 1960, que anexou alguns espaços residuais da obra ao

1

Planta Sara Brasil da cidade de São Paulo (1930)

125


setor 02 do Largo.

o setor 01 A praça principal do setor 01 é o espaço mais amplo do Arouche; foi o que sofreu menos modificação e melhor preservou as características e o traçado do passeio público original. Com formato mais amplo e com topografia mais plana, ela sempre foi concebida como principal área de ocupação e prioritária nas reformas feitas pelos órgãos públicos, sendo, portanto mais qualificada que as demais áreas do Largo. O setor 01 é o que mais carrega sentidos de urbanidade ao se articular com o seu entorno imediato: tem um marcante fechamento arquitetônico irregular, com edifícios altos, em sua maioria de fachadas contínuas e ritmadas; possui ruas bastante arborizadas e hierarquizadas, com diferentes acessos e intensidades de fluxo; dispõe dimensões proporcionais entre leitos carroçáveis e calçadas; maior concentração de bares e restaurantes que dispõem suas mesas na calçada, numa boa integração entre espaço privado e público; possui alguns pequenos equipamentos (pontos de ônibus, de táxi, engraxates, bancas de jornal e de flores) que são focos de contato social. Mesmo profusamente arborizado, o Largo possui, em sua maioria, coqueiros, palmeiras e árvores de copas altas, que permitem um alcance visual panorâmico do Largo e seu entorno. Há presença de árvores de vários portes, idades e espécies - com destaque para uma rara chichá centenária - com diversas texturas, cores e sazonalidades. O espaço sombreado e com uma ampla área central proporciona o desenvolvimento de diversas atividades. Apesar de todas essas qualidades, o setor 01 apresenta alguma não-conformidades que prejudicam a permanência e o pleno uso do espaço. A primeira e mais notória é a falta de mobiliário: há pouquíssimas lixeiras e bancos - no total são 6 em todo o Largo! Muitos dos usuários sentam no chão, nas esculturas ou se apoiam nos vasos de flores devido à falta de mobiliário adequado para descanso e socialização. A iluminação é mal instalada e mal distribuída, uma vez que as copas das árvores obstruem boa parte dos focos de luz, formando pontos perigosos de escuridão no interior do Largo. A falta de banheiro público também é problemática, fazendo com que os frequentadores do espaço dependam 126


127

1. 1930

1. 1930 (base sara brasil) 2. 1940 (ortofoto) 3. 1954 (base vasp) 4. 2000 (ortofoto) 5. 2004 (ortofoto) 6. 2008 (levantamento sun alex) 7. 2018 (levantamento do autor)

0

50 100

200

evolução morfológica do largo | alterações do desenho urbano ao longo dos anos

2. 1940

500

N

centralidade largo do arouche

centralidade rua augusta

percurso parada LGBT


128

5. 2004

3. 1954

6. 2008

4. 2000


7. planta de situação atual 2018

B’

B

A’

A

N

setor 02 0

5

10

20

50

setor 01

100

129


corte AA’

corte BB’

0

130

5 10

20

50

100


dos estabelecimentos comerciais do entorno para fazer suas necessidades. Os grandes vasos de flores estão espalhados aleatoriamente pelo Largo e não compõe nenhum acréscimo de qualidade ao espaço. A maioria deles não tem plantas, servindo muitas vezes de lixeira e apoio de bebidas. Os monumentos presentes no Largo, muitos dos quais de grande valia para a arte pública, estão em sua maioria degradadas e mal implantadas. Muitos bustos estão desconfigurados e sem placa de identificação; outros estão escondidos por árvores e outros elementos. Na falta de bancos, algumas esculturas servem até mesmo de assento. Maior equipamento instalado dentro do Largo, o Mercado de Flores está no Arouche desde a década de 50 e faz parte da história e do imaginário local. Contudo, a sua implantação e relação com o espaço público é prejudicada. Com aberturas e acessos pela rua, o conjunto de bancas de flores dá as costas para o Largo, formando um grande paredão cego que obstrui a visão entre o Largo e o entorno além de trazer monotonia à composição da paisagem. A manutenção e a zeladoria do espaço são seletivas e limitadas. As lixeiras são frequentemente esvaziadas, porém o chão carece de limpeza, bem como apresenta pontos de pavimentação corrompida, tornando o passeio inacessível. O paisagismo também demanda atenção: há pontos de matos altos e acúmulo de folhas e galhos secos. Alguns mobiliários estão quebrados e algumas luminárias sem lâmpada, portanto, sem funcionamento. A ilha menor, à sudoeste, é menos qualificada, seja pela dimensão e formato, seja pela ausência total de mobiliários, servindo apenas como ponto de transposição do pedestre entre a praça principal e a rua à sul do Largo. Não há faixas de pedestre, nem guias rebaixadas, nem semáforo em todas as esquinas e pontos de travessia, o que prejudica a acessibilidade e a travessia segura de pedestre.

o setor 02 O setor 02, por sua vez, é praticamente todo problemático. Completamente descaracterizado pelas reformas e operações urbanas que atingiram o Largo, o setor 02 é o oposto do setor 01 em termos de qualidades urbanas e paisagísticas: é delimitado por ruas largas 131


3.

1.

2.

N

setor 01 132


setor 01

1.

o mercado de flores com aberturas para a rua.

2.

o grande eixo promenade central da praรงa principal

3.

a praรงa principal: ampla, arborizada, com bastante permeabilidade para o entorno

133


4.

5.

6.

134

N

setor 02


setor 02

4.

os canteiros desordenados e os passeios cheios de interrupção do setor 02.

5.

A saída de ventilação do metrô, a escultura o progresso e o ponto de ônibus são os elemento da ilha menor do setor 02.

6.

Moradores de rua estabelecem acampamento nos canteiros da ilha maior do setor 02.

135


com intenso fluxo de carros e por edificações afastadas; tem seu espaço pulverizado e residual, dividido em ilhas grandes e pequenas de transposição peatonal; o entorno possui calçadas estreitas, descontínuas, pouco arborizadas; sofre com interferências arbitrárias, como a grelha de ventilação do metrô. Apesar de bem arborizado, o desenho dos canteiros é completamente sem lógica. Não segue nenhuma ordem de hierarquização ou distribuição, seja pela posição das árvores, seja pelo fluxo de pedestres. A pavimentação dos passeios e a terra dos canteiros se confundem devido à falta de guia que os delimitam. Há muitas interferências no passeio, como árvores isoladas e pavimentos quebrados, criando obstáculos para o pedestre. Não há qualquer mobiliário nessa porção do Largo, com exceção de alguns equipamentos de academia ao ar livre. Não existem bancos, nem lixeiras; a iluminação é precária, insuficiente e mal distribuída.

quanto à relação com o espaço privado Os edifícios que conformam o Largo do Arouche são, em sua grande maioria, de usos mistos com um térreo predominantemente comercial e com presença de escritórios e residências nos andares superiores. A grande diversidade de usos do térreo permite uma relação mais harmônica entre o espaço privado e o público, gerando uma interdependência necessária a um complexo urbano vivo e bem integrado. Como já dito anteriormente, os edifícios, no geral, são contínuos e com fachadas alinhadas e ritmadas, com muitas aberturas voltadas para o Largo; possuem grande variação de gabaritos - vão desde edifícios térreos até os de 24 andares - e datam das mais variadas épocas, estilos e estados de conservação. As exceções de um fechamento arquitetônico consolidado do Largo resumem-se em alguns pontos de terreno vago usados como estacionamento no setor 01 e da presença de dois postos de gasolina e do Minhocão no setor 02. Esse fechamento do Largo é mais consistente no setor 01, onde as ruas que separam o espaço público das edificações são mais estreitas e com menor fluxo de veículos e as calçadas são mais largas e arborizadas. Porém, a forte presença de carros nas faixas de estacionamento presentes nessas ruas mostra-se um obstáculo na relação visual entre o interior dos térreos e o amplo espaço público do Largo, além de interromperem o livre fluxo de pedestres. 136


Marcado pelas ruas largas e com fluxo intenso de veículos e pela ausência de fechamento arquitetônico na porção noroeste - pois é delimitado pelos espaços residuais do Minhocão e por um posto de gasolina -, o setor 02 é muito mais isolado do seu entorno, não tendo uma forte correspondência com as atividades térreas das edificações ao seu redor.

137


742m 741m 740m

744m 743m

fonte | Elaborado pelo autor.

25

50

100

largo do arouche

0 10

largo

rouc he

do a

av. duque de caxias

largo do

arou che

.s

r.

ão

largo do arouche

lar

largo do arouche

do ar ou

av .s

g o od ar

ão

ou ch e

N 200

do arouche

la

r. bento freitas

largo

av

ira o ie lh . v va av car de

r. rêgo freitas

e e ch ou

ch ar

rou do

oa go

d rgo r la

del

stei ederico

138 av. dr. fr

av. amaral gurgel | elevado presidente joão goulart (minhocão)

ruas e logradouros | topografia

joã o joã o

r. vit ór ia

ch e

746 m

745

m


0 10 25

50

100

área de canteiros

200

arborização

área de passeio público

fonte | Elaborado pelo autor.

permeabilidade

N

139


140

fonte | Elaborado pelo autor.

porte grande

0 10 25

50

100

200

N

árvores antigas

*a idade das árvores foram medidas em relação ao levantamento feito por ALEX (2011), sendo as antigas as que já constavam em seu levantamento e as novas são as que surgiram depois dele, verificadas nas visistas in loco .

árvores | porte e idade*

árvores novas

porte pequeno

porte médio


PO

B

B B B B B V V B

V V

fonte | Elaborado pelo autor.

PO 200

PO

100

ponto de iluminação pública

posto policial

PT

50

M

saída de ventilação do metrô

ponto de táxi

ponto de ônibus

PO

25

V

vasos de planta

banca de jornal

B

0 10

B

bancos

mobiliários e equipamentos no largo

PP PT

B

PP B

PT N

V V V V

M

141


0 10

142

25

50

100

N

200

fonte | Elaborado pelo autor, segundo mapeamento fornecido em visita à sede do Metrô de São Paulo.

estações de metrô (RP) República (SC) Santa Cecília

túneis subterrâneos do metrô

saída de ventilação do metrô

infraestrutura da rede metroviária

SC

RP


2.

busto de afonso taunay, de claude dunin

5. 6. 7. 8.

0 10

25

busto de josé pedro leite cordeiro, de luiz morrone busto de luís gama, de yollando mallozzi amor materno, de c. virion

50

9. 10. fonte | Elaborado pelo autor.

a menina e o bezerro, de luiz christophe

progresso, de nicolas vlavlianos

4.

depois do banho, de victor becheret

3.

busto de josé augusto cézar salgado, de luiz morrone

busto sem identificação

1.

busto de vicente de carvalho, de ettore ximenez

monumentos no largo

2.

4. 6.

9.

100

1.

3. 5.

10. 7.

8.

1. 2. 3. 4. 5.

6.

7.

8.

9.

10.

N

200

143


fluxos

N

200

sentido das vias e intensidade de fluxo de veĂ­culos

fonte | Elaborado pelo autor.

0 10

25

50

100

cruzamentos de pedestres

144


145 fonte | Elaborado pelo autor.

0-5

5 - 10

10 - 20

gabarito (m)

20 - 30

30 - 40

40 - 50

50 - 60

60 +

bar | restaurante mercado clube noturno loja

0 10 25 50

hotel

usos do térreo

cinema pornô academia institucional residencial

100

estacionamento terminal de ônibus posto de gasolina agência bancária floricultura

200

saúde serviços gerais N vazio | desocupado

edifícios do entorno


sábado

200

noite

100

manhã

0 10 25 50

fechado ou sem informações

aberto (em algum horário do dia)

fim de semana

146

parcialmente em funcionamento (durante o período)

durante a semana

em funcionamento (durante o período)

horários de funcionamento dos térreos

fonte | Elaborado pelo autor.

tarde

madrugada

domingo

N


etnografia

A

lém das visitas de campo feitas para levantar alguns aspectos quantitativos e qualitativos do Largo e seu entorno imediato, foram feitas algumas imersões no local para compreender os usos reais do espaço do Largo bem como as dinâmicas que os usuários lhe atribuem. O intuito foi captar informações mais subjetivas no que resguarda a apropriação dos frequentadores do espaço, através de observações e relatos, captando as diferenças de usos e dinâmicas entre os vários horários do dia e da semana. Para tal, essas visitas duraram o dia todo, das 10h da manhã às 20h da noite, e foram feitas em dois dias (uma quinta-feira e um domingo), abrangendo um bom período de tempo que proporcionasse uma visão bem panorâmica de como o espaço é usado. A seguir serão apresentados os relatos de observação das visitas e alguns diagramas de espacialização dos usos do Largo como resultado desse método de avaliação de pós-ocupação do espaço público construído.

visita 01

domingo, 25/03/2018 manhã

setor 01

● Maior concentração de pessoas na praça principal, junto aos bancos no eixo central. ● Grupo de jovens negros sentados na obra “Depois do banho”, de Victor Brecheret, ouvindo música e tocando pagode. ● Garis limpando o chão da praça. ● Pegação entre homens e travestis no banco de madeira próximo à banca. ● Presença predominante de travestis e homens não-brancos. ● Alta concentração de pessoas visivelmente bêbadas e/ou drogadas. ● Maior fluxo de pessoas: eixo central. ● Encontro de donos que levam seus cachorros para passear no 147


eixo central, próximo ao posto policial. Os donos dos animais são bastante diversificados em termos de gênero e idade; conversavam e discutiam política enquanto os cachorros corriam soltos pelo Largo. ● Muitas pessoas sozinhas (sobretudo homens), mexendo no celular com fones de ouvido. ● Muitos dos estabelecimentos comerciais do entorno estavam fechados. O mercado de flores, bares e restaurantes estavam abertos. ● Frequentadores trouxeram cadeiras de casa para sentarem nas ilhas menores do setor.

setor 02 ● Alta concentração de moradores de rua que fixaram acampamento nessa porção do Largo. ● Alto fluxo de circulação de pessoas que cruzavam o Largo para irem/virem do terminal de ônibus embaixo do Minhocão. ● Carro fazia doações de comida para os moradores de rua. Havia uma fila enorme para serem atendidos. ● Praticamente não havia qualquer permanência de pessoas no intuito de usufruir do espaço a não ser os próprios moradores de rua.

tarde

setor 01 ● Início de aglomeração nos bares do entorno, principalmente nos próximos à rotatória na porção nordeste do Largo. ● Chegada das unidades móveis da prefeitura: uma do Centro de Cidadania LGBT, que fazia esclarecimentos e orientações à comunidade queer e proporcionava música ao ambiente por meio de caixas de som; a outra, da Secretaria Municipal da Saúde, fazia testes rápidos de DSTs. ● Os bancos se tornaram pontos de aglomeração de grupos de pessoas. ● Monumentos ocupados sobretudo por pessoas sozinhas (sentavam aos pés dos bustos e estátuas). ● O banco de madeira próximo à banca ainda era usado predominantemente por travestis. ● O mercado de flores fecha e a banca de jornal abre.

setor 02

● Praticamente tem o mesmo cenário que o período anterior (manhã), com a permanência apenas de moradores de rua assentados. ● Algumas pessoas usam os aparelhos de ginástica. ● Menor fluxo de pessoas que cruzam o Largo. 148


noite

setor 01

● Aumento considerável da concentração de pessoas junto aos bares e rotatórias. ● Maior dispersão de pessoas pela praça, sobretudo em grupos, porém com maior concentração na porção norte, próximos às unidades móveis e às bancas, entorno dos bancos, monumentos e vasos. ● A maioria das pessoas estavam ingerindo bebida alcoólica e fumando. ● Os vasos, praticamente sem plantas, eram usados pelas pessoas para se apoiarem e descansarem suas bebidas. Os que ficam próximos ao posto policial são usados como suporte para pegação entre homens (ponto sem muita iluminação). ● Os monumentos continuam a serem usados de assento. ● Diminuição considerável da presença de travestis. ● Presença de ambulantes vendendo bebidas, principalmente em meio às grandes concentrações. ● Presença de vários grupos identitários: punks, negros, “fashionistas”, queers, hipsters, etc.

setor 02 ● A dinâmica do espaço se mantém como nos períodos anteriores. ● Alguns moradores de rua passam a ocupar as ilhas menores; alguns deitam sobre a saída de ventilação do metrô. ● Pessoas passam a sentar na escultura “Progresso”, de Nicolas Vlavianos.

visita 02

quinta-feira, 03/05/2018 manhã

setor 01 ● Todos os bancos estão ocupados por pessoas, sendo a maioria sozinhas ou em casal - esses, geralmente, namorando. ● Fluxo considerável de pedestres, ciclistas, skatistas e 149


patinadores no eixo central. ● Algumas pessoas passeando com o cachorro em volta da praça principal. ● Usuários predominantemente masculinos e idosos, provavelmente aposentados. ● Muitos dos homens sozinhos estavam de fone de ouvido, mexendo no celular. Foi possível observar que muitos deles estavam com aplicativos de pegação abertos, como o Grindr e o Hornet (assim como na visita anterior). ● Boa parte do comércio do entorno está aberto, com exceção de alguns bares, restaurantes e clubes noturnos. ● Caminhões fazem a retirada de lixo das lixeiras.

setor 02 ● Muitos moradores de rua continuam acampados na porção maior do setor, dormindo sobre os canteiros de terra batida. ● Algumas pessoas usavam os equipamentos de ginástica. ● Grande circulação e fluxo de pessoas cruzando o Largo em múltiplos sentidos. ● Nas ilhas menores, há pessoas sentadas na mureta da saída de ventilação do metrô; taxistas esperam por clientes, encostados em seus carros e conversando entre si; presença de alguns ambulantes também.

tarde

setor 01 ● Maior concentração de pessoas, principalmente em pequenos agrupamentos em torno dos mobiliários e monumentos. ● Presença de um grupo mais diversificado de gênero: gays, lésbicas e transexuais. ● Aumento da frequência de travestis, provavelmente à procura ou à espera de clientes. ● Alguns grupos de pessoas consumiam bebida alcoólica, principalmente em torno da estátua “Depois do banho”, pois essa tem uma implantação um pouco mais reservada na praça. ● Presença de ambulantes que vendiam aparelhos de som. ● Presença de engraxates em algumas esquinas.

setor 02

● Praticamente tem o mesmo cenário que o período anterior (manhã), com a permanência apenas de moradores de rua assentados. ● Diminuição do fluxo e da permanência de pessoas. ● Alguns travestis ocuparam o ponto de ônibus em frente ao Cine 150


Arouche.

● Os aparelhos de ginástica permanecerem praticamente o período todo desocupados.

noite

setor 01 da praça.

● Maior agrupamento de pessoas, sobretudo na porção sudoeste

● Pegação forte entre homens, em meio aos vasos e pontos escuros do Largo. Concentração de grupos de passeio com cachorros no eixo central. ● Apesar de estarem presentes durante o dia todo, é nesse período que há maior concentração de pessoas LGBTQs. Maior frequência no consumo de bebidas e cigarro.

setor 02 ● Mesma situação que perdura o dia todo: presença massiva de moradores de rua. ● Algumas pessoas sentadas nas esculturas e na saída de ventilação do metrô nas ilhas menores.

151


6.

5. A.

4.

B.

C.

D.

3. 1.

2.

setor 01

sobreposição das observações etnográficas 152

agrupamento de amigos e tribos

“pegação” entre pessoas

agrupamento de donos e cachorros

pessoas sozinhas

circulação de pessoas

agrupamento de travestis

A. banca de jornal B. unidade móvel: testes de DST

C. unidade móvel: cidadania LGBT

D. posto policial


F.

E.

G. 9.

H.

I. 8.

7.

setor 02

sobreposição das observações etnográficas

agrupamento de amigos e tribos

pessoas sozinhas

agrupamento de taxistas

agrupamento de moradores de rua

circulação de pessoas

E. banca de jornal

F. ponto de táxi G. ponto de ônibus H. Distribuição de I.

comida para moradores de rua Acampamento de moradores de rua

153


setor 01

1.

encontro de donos que levam seus cachorros para passear no largo, prática muito comum no espaço.

2.

senhoras trazem cadeiras de casa devido à falta de bancos no largo.

3.

unidade móvel do centro de cidadania LGBT atendem o público do arouche quinzenalmente aos domingos.

154


setor 01

4.

unidade mรณvel faz testes de DSTs no arouche aos domingos.

5.

os bares prรณximos a rotatรณria (norte) ficam lotados de gente aos domingos.

6.

os bares prรณximos a rotatรณria (norte) ficam lotados de gente aos domingos.

155


setor 02

7.

moradores de rua acampam nos canteiros do setor 02; raramente se vê pessoas estabelecerem paradas nessa porção do largo, sendo usada na maior parte para fluxos e encurtamento de caminhos.

8.

moradores de rua acampam nos canteiros do setor 02; raramente se vê pessoas estabelecerem paradas nessa porção do largo, sendo usada na maior parte para fluxos e encurtamento de caminhos.

9.

pessoas sentam nos monumentos devido a falta de mobiliário adequado.

156


conflitos e disputas pelo território o arouche como epicentro Conforme os recortes jornalísticos apontam, o Largo do Arouche é palco de conflitos de interesses díspares e de disputas territoriais dessa porção do Centro paulistano. A atual retomada da construção civil em São Paulo após um período de crise do setor aposta na região central como substrato perfeito para investimentos imobiliários, principalmente por conta dos recentes planos de investimentos públicos nessa porção da cidade. A criação e reestruturação de novos e antigos espaços verdes e de lazer - como a recente reforma da Praça Roosevelt e o projeto de reforma do Largo do Arouche - e o melhoramento da infra-estrutura urbana, sobretudo no tocante da mobilidade, com a nova rede cicloviária e o amplo atendimento do transporte coletivo (metrô e ônibus), são contextos perfeitos para atrair o mercado imobiliário. Com um discurso que pretende atrair um público “moderno” e “descolado”, as construtoras apostam nas qualidades urbanísticas da região como atrativo - o vasto comércio, as características históricas e a infraestrutura de mobilidade. Até mesmo a frequência do público LGBTQ na área é usada como marketing para atrair novos nichos de clientela. PUCCINELLI (2017), em sua dissertação, visitou alguns stands de venda de três novos empreendimentos na região do Arouche e da República, sobretudo os que tinham os gays como um dos públicosalvo. Um deles é o Vibe República, na rua Marquês de Itu, studios de 1 ou 2 dormitórios que variam de 29 a 48m², com média de R$ 15.000,00/m²; o outro, localizado em plena Praça da República, é o Setin Downtown, com apartamentos e studios entre 18 a 55m², a um preço de R$ 14.650,00/m²; e por fim o BK30, no Largo do Arouche, com studios de 28 a 44m² e duplex de 45 a 48m², custando em média R$ 13.500,00/m² (figura 25). O objetivo era compreender o alinhamento dos discursos do grande capital imobiliário com as 157


158


159


A vibe agora é estar no Centro. Da cidade, do lazer, da cultura, da sua vida. Vibe República. Viver no Centro de SP é fazer com que todos os dias sejam surpreendentes. Morando no Vibe República, mais ainda. Viva intensamente a energia do novo Centro de São Paulo. Um endereço no coração da principal operação urbana de revitalização da cidade e perto de centenas de pontos de interesse. Curta o Centro. A tendência é essa.* material de divulgação do vibe república

Aqui, a República, está passando por uma revitalização muito grande e logo estará diferente. Já mudou bastante e irá mudar mais ainda. Essas pessoas que moram na rua, os crackeiros, estão sendo expulsos, a gente está expulsando eles daqui. Só o fato de existir a construção, de os prédios estarem aqui, já faz com que as pessoas vão embora, vão para outros bairros. A gente expulsa eles só com a construção.* fala de vendedor do stand do vibe república

Vocês sabem, conhecem, aqui tem muito gay, né. Isso é bom para vocês. E tem um pessoal de domingo também que é mais bagunceiro. Eu não sei se eles vão continuar aqui, mas do seu apartamento, mesmo nos andares mais baixos, vocês não vão ouvir nada. E embaixo ficará o café do restaurante La Casserole, muito tradicional no Arouche. É a tradição com o moderno.* fala de vendedor do stand do bk30

*trechos retirados da tese de PUCCINELLI (2017) 160


dinâmicas de reestruturação do Centro da cidade, com especial enfoque na relação de marketing que essas construtoras têm em relação ao público LGBTQ que ali frequenta. Analisando o material de divulgação e a oratória dos vendedores desses imóveis, PUCCINELLI (2017), percebeu que muitos tinham um discurso higienista como mote de valorização do imóvel e da região, como a expulsão de moradores de rua e dos usuários de drogas - conforme os trechos dos recortes selecionados explicitam. Quando a ação de marketing era voltada para os possíveis compradores gays, os corretores ressaltavam a forte presença de LGBTs na região como um ponto positivo, mas menosprezavam os gays de classe baixa que utilizavam o Largo do Arouche aos domingos - tidos como “bagunceiros” -, tranquilizando os compradores de que o novo empreendimento certamente mudaria o perfil da região e expulsaria essa população indesejada. Os panfletos, banners e anúncios traziam, em geral, um uso de imagens simulando o perfil dos futuros moradores, sendo a principal figura a do homem descolado - gay ou não -, magro, branco e bem-sucedido, antenado com as novas tecnologias e preocupado com o ambiente urbano, muito destoante da realidade dos LGBTQs frequentadores do Largo e da região central, majoritariamente rapazes negros, afeminados e moradores de periferia. A ações de marketing conjugavam uma identidade padronizada, generificada e específica do morador LGBT que deveria - e que podia - morar na região, contradizendo a diversidade e a complexidade da realidade local. Para além do discurso, o próprio valor dos imóveis já indicam que a população periférica que ali frequenta não tem capital financeiro para adquirir essas moradias na região. Percebe-se, portanto, que os valores desses imóveis visitados por PUCCINELLI (2017) são muito semelhantes entre si mas destoantes do perfil de vendas da região. Segundo a SECOVI (Sindicato da Habitação), de 2010 à 2017, houve um aumento de 111% no número de lançamentos de apartamentos de até 65 metros quadrados na região central de São Paulo - principalmente os studios. Ainda de acordo com o Sindicato, “a região é muito procurada por pessoas da classe média que não querem perder tempo nem dinheiro para se deslocar ao trabalho ou a centros culturais”. Além de empreendimentos novos, muitos 161


prédios antigos foram reconvertidos - através de retrofit para atender a essa demanda. Se o discurso de retomada do Centro pela classe média é o de aproveitamento da infra-estrutura ali existente, essa reconquista do território central não poderia ser feita sem os investimentos públicos em consonância com as estratégias das grandes construtoras. Processos de expulsão, limpeza e gentrificação já podem ser observados na região da Luz, por exemplo. A demolição de cortiços e habitações precárias, o aumento excessivo do IPTU na área, as sucessivas ações policiais de expulsão dos usuários de droga - principalmente a recente e fracassada tentativa de dispersar a Cracolândia por meio de repressões violentas em 2017 - foram ações do poder público para retirar deliberadamente a população de baixa renda e vulnerável dessa porção tão disputada do centro da cidade, atendendo a demandas do mercado imobiliário. A presença de populações marginalizadas no Centro passou a incomodar mais latentemente outros setores da sociedade. Alguns moradores, comerciantes e instituições declaram abertamente o desafeto de ter essas pessoas próximos a seus territórios de domínio. Exemplo disso é a carta da Federação Nacional do Turismo (Fenactur) e da Confederação Nacional de Turismo, com sede no Largo do Arouche, destinada ao então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2014, cobrando providências frente aos “problemas” causados pelos “sem-teto” e o “público GLS”, que degradavam a área do Largo. A histórica repressão policial contra LGBTQs também ainda são comuns na região, principalmente em relação aos travestis e transsexuais. No intuito de mediar alguns desses conflitos, a Prefeitura de São Paulo, na gestão Haddad (20132016), promoveu alguns projetos, junto à Secretaria de Direitos Humanos e de Planejamento Urbano, que propunha integrar esses diferente setores sociais por meio de reuniões abertas e intervenções no Largo. O projeto mais representativo foi o Wikipraça Arouche (figura 26), realizado em conjunto com o coletivo “#WikipraçaSP” entre 2014 e 2015, cuja atuação consistia em identificar e mobilizar atores locais, mapear demandas territoriais, realizar diálogos sociais e implantar projetos pilotos de intervenção no Largo juntamente com o eixo LGBTQ. Baseado em um modelo espanhol de intervenção no espaço público - o #Wikiplaza -, o Wikipraça tinha como 162


figura 25 | Os novos empreendimentos imobiliários de alto padrão na região central de São Paulo e sua localização em relação ao Largo do Arouche. fonte | Imagens retiradas dos sites oficiais dos respectivos empreendimentos.

01.

01.

02.

02.

01.

02.

03.

bk30 arouche

setin downtown república

vibe república

03.

03.

163


164

figura 26 | as atividades do #wikipraรงa envolviam, dentre outras atividades, oficinas e workshops para produzir elementos para o largo e cuidar do espaรงo. fonte | Projeto Draft e Formiga.me.


objetivo, segundo PUCCINELLI (2017), “construir o espaço público imediato por novas tecnologias e pelos movimentos de mídia independente a fim de contrapor a um planejamento urbano monetarizado e baseado no mercado imobiliário”, além de “criar redes de contatos com moradores e frequentadores de uma localidade para se encontrarem periodicamente numa praça da região e pensar a comunidade e a cidade”, complementado por trocas e debates online. Apesar de uma programação temática prévia bastante pertinente a conscientização da população em relação ao LGBTQs e da realização de diversas oficinas, debates e exibição de mídias no Largo do Arouche, o projeto sofreu com a falta de articulação entre os agentes públicos e os interessados no espaço do Largo, tendo vários de seus eventos cancelados, e fugiu do eixo temático em boa parte das atividades, não contemplando os anseios da população LGBTQ em relação ao projeto. Outra ação da Prefeitura no sentido de territorializar a população LGBTQ no Arouche foi a instalação de bandeiras LGBTQs no Largo e na Avenida Vieira de Carvalho em 2016 a fim de estabelecer marcos simbólicos da ocupação histórica desses grupos na região. Contudo, as bandeiras ficaram por menos de três meses na área. Sob a justificativa de manutenção, as bandeiras foram retiradas e seriam trocadas por outra mais resistentes, mas isso nunca aconteceu - acredita-se que isso se deu também à troca de gestão da Prefeitura no começo de 2017. Outra ideia da gestão Haddad era a de criar um Centro de Cidadania LGBT em pleno Largo do Arouche, mas o projeto não foi concretizado. Apesar de existirem 4 desses centros na cidade de São Paulo, o mais próximo do Arouche é o da Consolação, há 1,5 km do Largo, restringindo a atuação do Centro na região por meio de visitas quinzenais de uma unidade móvel.

o projeto pequena paris Dentre os projetos de “revitalização” e reestruturação do Centro de São Paulo que estão em curso atualmente, o projeto Pequena Paris é o que mais afeta diretamente o Largo do Arouche. Sua idealização começou em 2016, na breve gestão de João Dória a frente da Prefeitura de São Paulo, e tem como escopo a reforma do Largo aos moldes de um “bulevar francês”, segundo 165


palavras do próprio ex-prefeito. Em parceria com o Consulado da França e com empresas francesas que atuam na cidade para captação de recursos, o projeto de reforma seria fruto de uma PPP (Parceria Público-Privada) e seria uma tentativa de criar um pequeno simulacro da capital francesa em pleno Centro - daí o nome do projeto Pequena Paris -, aproveitando os “ares parisienses” dado pelos tradicionais e luxuosos restaurantes da região sobretudo o francês La Casserole - e as antigas bancas de flores que ali estão desde 1953 e o bulevar da Av. Vieira de Carvalho. Com projeto assinado e doado pelo escritório de arquitetura franco-brasileiro Triptyque, a intervenção prevê a troca da pavimentação da praça principal e o seu nivelamento e integração com a rua à noroeste do setor 01 - em frente ao La Casserole -, que passará a ser de acesso local e de velocidade reduzida; a reforma e reformulação das bancas de flores; uma nova iluminação menos obstruída pela vegetação; a alteração do traçado da praça principal, como novos caminhos e canteiros; a implantação de banheiros e novos mobiliários; a criação de nichos com funções diversificadas ao longo da praça, como playgrounds, quiosques, área para cachorros, horta comunitária, etc. Segundo o site do escritório, as principais preocupações do projeto são “segurança” e “limpeza” (figura 27). O projeto tem sido alvo de muita polêmica principalmente por contestações de parte dos usuários do Largo. Segundo o Coletivo Arouchianos, que atua na região junto à população LGBTQ, o projeto foi concebido de maneira unilateral entre a Prefeitura e as empresas envolvidas, não tendo nenhuma participação ativa da população frequentadora do Arouche em qualquer etapa do projeto. O coletivo também atenta para o fato de que o projeto não leva em consideração a histórica ocupação da população LGBTQ nessa área e, portanto, não apresenta avanços no reconhecimento do Arouche como território simbólico de sociabilização queer, uma das principais pautas dos movimentos políticos LGBTQs da região. Além disso, temem a sua expulsão do espaço, uma vez que esses frequentadores não interessam ao mercado imobiliário em ebulição na região, pois eles são majoritariamente compostos por negros, de classe baixa, moradores de periferia, migrantes e imigrantes. Além do fator potencialmente gentrificador do projeto, ele repete alguns erros anteriormente 166


figura 27 | Imagens do projeto de reforma do Largo do Arouche, de autoria do escritรณrio Triptyque. fonte | Triptyque

167


cometidos por intervenções passadas no Arouche. O primeiro de todos é que ele apenas considera, mais uma vez, a praça principal do setor 01 como alvo de intervenção; todo os demais espaços do Largo - o setor 02, sobretudo - são, mais uma vez, ignorados. Isso potencializa e reforça a discrepância entre os diferentes tratamentos dados ao Largo como um todo. A integração com o entorno também é falha e a acessibilidade por pedestres ainda é cheia de obstáculos - basicamente se mantém todas as ilhas de tráfego e os ínumeros cruzamentos peatonais; esse problema é resolvido apenas na rua lateral à noroeste da praça, onde a rua foi integrada ao espaço do largo. O traçado da praça, que é tombado por órgãos municipais e estaduais (CONDEPHAAT e CONPRESP) como APPA (Área de Proteção Paisagística), também sofreu alterações consideráveis. Uma Frente de Proteção da Diversidade e pela Reforma do Arouche (FPDAR) foi criada com o propósito de combater e reformular o projeto de intervenção dado pela Prefeitura. A Frente conseguiu, juntamente com alguns vereadores alinhados à esquerda paulistana como Eduardo Suplicy (PT) e Sâmia Bonfim (PSOL), com que a Câmara Municipal organizasse algumas reuniões abertas com a população para que se debatesse o projeto, mas o máximo que conquistaram foi a incorporação de um quiosque permanente de apoio à população LGBTQ na revisão do mesmo projeto. Em 2018, a Frente então apelou aos órgãos de patrimônio, protocolando um pedido de reconhecimento do Arouche como “como patrimônio imaterial da comunidade LGBT+HQIAP por conta da importância e relevância histórica, social, econômica, cultural, artística, política e turística”. Contudo, mesmo com parecer contrário dos técnicos, o CONDEPHAAT e o CONPRESP negaram as reivindicações da Frente e aprovaram, em abril deste ano, o projeto de reforma elaborado pelo Triptyque. Segundo o Coletivo Arouchianos, em sua página no Facebook, o projeto apresentado aos órgãos de patrimônio “não menciona a importância, traçado, estudo e perfil histórico da ocupação da praça e na região da população LGBTI+” e prometem, como próximo passo na luta contra a ação da Prefeitura, contestar a reforma na Justiça por violação de direitos. É importante observar que a principal justificativa para envolver entidades e empresas 168


francesas na reforma do Arouche é a relação morfológica e imagética que o lugar tem com os espaços públicos parisienses. As referências francesas do Largo se limitam ao restaurante La Casserole, ao mercado de flores, à promenade central da praça e a alguns prédios projetados por arquitetos franceses, como a sede da Academia Paulista de Letras. Essas relações que o projeto pretende explorar não estão intimamente ligadas à construção de identidades e das memórias de seus frequentadores, mas sim fortificam um viés consumista e turístico do lugar. A ocupação LGBTQ estabelecida há décadas no Largo é uma identidade muito mais consolidada no território do que as alusões parisienses atribuídas a ele.

dando voz aos usuários do largo problemáticas, desejos e anseios

Dentro do cenário de conflitos de interesse entre os diversos agentes da sociedade que reivindicam os espaços do Arouche, é necessário ouvir e dar voz para os indivíduos frequentadores do espaço público, sobretudo os mais vulneráveis e marginalizados. Partindo do preceito de que um espaço democrático só se constrói por meio da participação popular, é fundamental estabelecer um diagnóstico das problemáticas do lugar e nortear soluções adequadas à realidade através dos relatos, desejos e anseios dos usuários e moradores do Largo. A ONG francesa IVM (Cidade em Movimento) fez, em 2017, um levantamento extenso dos usuários que frequentam o Largo do Arouche a fim encontrar potencialidades para futuras intervenções no espaço, conforme vemos nos gráficos-resumo. Analisando os dados obtidos, podemos inferir que os frequentadores são predominantemente masculinos, jovens (19 à 35 anos), moram nos arredores do Largo ou no Centro, frequentam o espaço há menos de 169


10 anos com uma frequência diária. De manhã, há maior ocupação pelos idosos; à tarde por adultos e à noite por jovens. Dentre as coisas que os usuários e moradores mais gostam no Largo estão a vegetação e o espaço aberto, a sociabilidade e encontro de amigos, a tranquilidade e a presença de bares e restaurantes. Das coisas que menos gostam, destacam-se a sujeira e o abandono, os usuários de drogas e a população LGBTQ. Quanto às sugestões de melhoria no Largo, as mais citadas são instalação de bancos, academia e playground, além da promoção de atividades culturais e recreativas. Observa-se que a presença do público LGBTQ desagrada consideravelmente os moradores; mesmo entre os usuários, a presença queer não é celebrada como uma das principais qualidades do Largo. Logo, o levantamento da IVM não indica as reivindicações específicas da população LGBTQ, mas sim de um perfil geral dos usuários e moradores do Arouche. Em conversa, Hélcio Beuclair, coordenador do Coletivo Arouchianos, acusa a IVM de ter sido parcial nas entrevistas e coletas de informações, buscando contemplar mais os moradores de classe média do que os frequentadores dos mais diversos substratos sociais, sobretudo os LGBTQs. Ainda segundo Hélcio, a população queer que ocupa o espaço é “preta, periférica, pobre, migrante e imigrante”, perfil não contemplado pela pesquisa, e que o levantamento da IVM serve para legitimar o projeto gentrificador da Pequena Paris, uma vez que ele serviu de base para elaboração do projeto. Como o presente TFG tem como público alvo a população LGBTQ que frequenta o Arouche, faz-se necessário ouvir também as especificidades que essas minorias reivindicam. Como o levantamento da IVM se mostra restrito e sofre acusações de parcialidade, era imprescindível que este trabalho apresentasse uma investigação própria para levantar as demandas e problemáticas do espaço sob uma perspectiva da população queer. Durante as visitas e observações etnográficas no Largo, foram aplicados um questionário com perguntas similares aos da pesquisa da IVM para 20 pessoas que frequentavam o Largo. Atentouse em selecionar os entrevistados com base em códigos comportamentais que denotassem uma possibilidade maior de serem indivíduos queer, como gírias, gesticulações, vestimentas etc, uma vez que o levantamento tem essas minorias como alvo de estudo. 170


fonte | ONG Cidade em Movimento (IVM)

levantamento IVM usuรกrios do arouche

171


fonte | ONG Cidade em Movimento (IVM)

172

levantamento IVM usuรกrios do arouche


30%

70% homem cis

mulher cis

mulher trans

10%

homossexual

15%

5%

heterossexual

não-binárix

gênero

35%

nunca sofreu

15%

bissexual

16 a 25 anos

26 a 35 anos

36 a 45 anos

46 a 55 anos

56 a 65 anos

+ de 66 anos

idade

5%

já sofreu

5%

orientação sexual

25%

por conta da orientação seuxal ou gênero

fundamental completo

10%

médio incompleto

médio completo

superior incompleto

30%

preconceito dentro de casa

empregado

pós-graduação superior completo

nível de escolaridade

5%

desempregado

taxa de emprego

levantamento do autor usuários LGBTQs e simpatizantes 5%

25% 65%

20% 25%

65%

25%

10%

65%

35%

173


174 5%

55%

15%

15%

15% 30%

0

10

20

30

40

50

60

70

80

0

10

20

30

40

50

60

70

80

- de 5 anos

20%

centro

zona sul

zona leste

15%

5 a 10 anos

zona oeste

zona norte

região metropolitana

exterior

lugar onde mora

10%

30 a 40 anos

10 a 20 anos

+ de 40 anos

20 a 30 anos

manhã

95%

tarde

outros países

outros estados

50%

noite

sp capital sp interior

lugar de origem 30%

tempo como frequentatxr

sim

não

para expressar sua sexualidade e identidade

liberdade no largo do arouche 10%

período do dia em que frequenta

diariamente

semanalmente

mensalmente

raramente

frequência de ida ao largo

levantamento do autor usuários LGBTQs e simpatizantes 10% 5% 5% 5%

40%

50%

5%

5%

5% 5%


o que menos gostam no largo do arouche

o que mais gostam no largo do arouche

levantamento do autor usuรกrios LGBTQs e simpatizantes

175


176

voltado para população frequentadora, em especial a LGBTQ?

o programa de um novo edifício no largo

o que gostariam no largo do arouche

levantamento do autor usuários LGBTQs e simpatizantes

*atividades de lazer, esportes e cultura **para moradores de rua e LGBTQs


Foi apresentado todo o escopo do trabalho no início das entrevistas de modo a obter permissão dos entrevistados para a aplicação do questionário e, durante a aplicação do mesmo, o papel do autor era de interlocutor ouvinte, desprovido de opiniões e interferências para não influenciar nem induzir a resposta dos entrevistados. É importante clarificar que, diante das restrições de tempo, infraestrutura, escopo do trabalho e conhecimentos limitados na prática das entrevistas, a amostragem coletada é pequena e não se mostra tão expressiva em caso de elaboração de um projeto real; para tal, seria necessário uma reunião maior de esforços de modo a contemplar uma reunião de dados mais consistente, algo que não cabe a esse trabalho. Contudo, os dados obtidos possibilitam um norteamento das ações propostas para esse TFG, dando possíveis indicações de intervenção no espaço. Interpretando os resultados, podemos perceber algumas semelhanças e diferenças em relação ao levantamento da IVM: o público é, em sua maioria, homem cis homossexual, jovem (de 16 à 35 anos), moram em outras zonas fora do centro da cidade, mas são migrantes do interior do estado ou de outras regiões do país. Grande parte dos entrevistados frequentam, já frequentaram ou já concluiram o ensino superior, porém a taxa de desemprego entre eles é relativamente grande (maior que a média nacional da população em geral). Surpreendentemente a maioria diz não ter sofrido discriminação por conta da orientação sexual e gênero dentro de casa e, em absoluto, sentem-se livres e confortáveis de expressar suas identidades de gênero e sexualidade no Largo. Frequentam o espaço há menos de 10 anos, com uma frequência semanal predominante e maior ocupação durante à noite. Dentre as coisas que mais gostam no Arouche estão a população LGBTQ, o espaços verdes e arborizados e a liberdade de expressão; e o que menos gostam são pessoas excessivamente alcoolizadas e/ou drogradas, a falta de zeladoria e limpeza e a ausência de banheiros públicos. Quanto às sugestões do que ser feito no Largo para melhorias da qualidade do espaço, os questionamentos foram divididos em duas escalas de intervenção: sugestões para o espaço público e sugestões para um novo edifício no Arouche voltado especificamente para a população queer. As principais respostas para o Largo foram instalação de banheiro público e bancos e realização de atividades diversificadas 177


(cultura, lazer e esportes); quanto ao programa do novo edifício, foram citados atividades culturais (teatro, música, cinema etc), centro de acolhimento e suporte para a população de rua e LGBTQs e centro educaional com cursos de capacitação e atividades educativas. Uma comparação entre os levantamentos mostram que o usuários do Largo são predominantemente masculinos - algo também percebido nas pesquisas etnográficas -, o que leva a refletir que o espaço não seja convidativo às mulheres, seja por questões de segurança (iluminação pública precária, etc), seja pela própria presença masculina historicamente consolidada, uma vez que, dentro dos LGBTQs, o Arouche foi mais apropriado pelos gays. Algumas problemáticas e necessidades apontadas pela população em geral e dos LGBTQs em específico são em comum, como a falta de mobiliário adequado e a ausência de banheiros e atividades diversificadas, bem como a qualidade da arborização e amplidão do espaço e do entorno ativo, com bares e restaurantes. É importante observar também que, mesmo que o espaço seja frequentado majoritariamente por jovens por um tempo mais recente - há menos de 10 anos -, o Arouche ainda se configura como um lugar de sociabilidade queer. Mesmo que esses jovens não tenham vivido todas as vivências e dinâmicas de desenvolvimento dessa rede LGBTQ no Largo ao longo das décadas, a memória do lugar, reforçada pela concentração de comércios e serviços específicos a essas minorias e atuação de coletivos (figura 28), é o que possibilita a manutenção dessa ocupação do espaço. Apesar de o público alvo da proposta ser os LGBTQs, sobretudo os mais marginalizados - de classe baixa e periféricos -, como já foi exposto no capítulo 02, não podemos dissociá-los dos outros públicos que ocupam o espaço. Isso seria contra o princípio da diversidade e gera o risco de criação de guetos no território. Portanto, a proposta de intervenção no Arouche levará em conta os desejos e anseios dos usuários e moradores em geral, mas com especial atenção aos LGBTQs uma vez que eles estabelecem uma relação histórica com o lugar e, na condição de marginalizados, precisam de maiores proteções e garantias para que os laços de memória e identidade com o lugar permaneçam e se estreitem cada vez mais.

178


figura 28 | O Coletivo Arouchianos atua no Largo do Arouche por meio atos-eventos, manifestações e atividades que visem a ocupação e a visibilidade da população LGBT+HQIAP e luta pelo tomabamento imaterial do Arouche como território histórico de ocupação queer. fonte | Página oficial do Coletivo Arouchianos no Facebook

179


Segundo esses dados, podemos concluir que o Largo do Arouche se localiza em meio a uma transição de territórios, não restrito apenas ao limite administrativo dos distritos da cidade a qual ele faz fronteira, mas também às disparidades entre o perfil dos moradores e o reflexo que isso traz na ocupação da cidade. A oeste, há um predomínio de residentes mais velhos, masculinos, de classe média alta e com um território mais monofuncional, com forte presença de edifícios residenciais. Já a leste, há a incidência de uma população mais jovem, feminina, de classe média baixa, com um território com maior pluralidade de funções (comércio, serviços e residências). Sob esse contexto territorial de contrastes, o Largo do Arouche tem o potencial catalisador de ser um espaço público que una as diversidades. As diretrizes do PDE vigente mostram uma preocupação em potencializar essa diversidade, oferecendo garantias e suportes para que se projete futuramente um ambiente urbano complexo e multifacetado. No entanto, a região é palco de conflitos de interesses entre variados atores sociais justamente por recusarem e não verem potencialidade nessa diversidade. As ações públicas se mostraram falhas em tentar mediar essas divergências, não apenas pela falta de políticas adequadas, mas também pela falha na articulação entre os atores envolvidos e a descontinuidade de projetos entre as gestões. Projetos de intervenção urbana como o Pequena Paris apenas acentuam ainda mais essa cisão por serem parciais e unilaterais - se posicionando a favor do capital imobiliário -, perpetuando o apagamento da memória e resistência das populações marginalizadas no Arouche, sobretudo os LGBTQs.

180


06.

a proposta açþes, diretrizes e conceitos

181


182

legitimar e reconhecer a territorialidade LGBTQ que caracteriza historicamente o largo do arouche

o edifício como grande marcador dessa territorialidade, garantindo a fixação dos LGBTQ

unificar o espaço fragmentado do largo do arouche

contraproposta às ações e aos projetos potencialmente gentrificadores previstos na região

repensar o modo de produção do espaço construído sob uma perspectiva de gênero

promover a democratização do espaço público por meio da diversidade, igualdade, participação e sustentabilidade


A

pós revisão histórica, fundamentação teórica e leitura aprofundada do lugar, é possível construir uma proposição em termos de arquitetura e desenho urbano - que visa dar soluções a algumas das problemáticas expostas. Portanto, a proposta do presente TFG tem como escopo: -

-

Legitimar a territorialidade LGBTQ que caracteriza historicamente o Largo do Arouche, através da garantia e do suporte institucional a essa população, conferindo-lhes visibilidade, liberdade e direito de manifestação e identidade na cidade.

-

Construir marcadores dessa territorialidade, garantindo a fixação dos LGBTQ no largo e atendendo a uma necessidade programática específica dessa população que vise a reparação histórica pelas repressões sofridas e a territorialização de políticas públicas no intuito de minimizar a marginalização desses indivíduos.

-

Unificar o espaço fragmentado do Arouche caracterizado pelos enclaves residuais causados pelo tráfego de veículos garantindo a unidade e a igualdade de tratamento urbanístico do espaço público.

-

Repensar o modo de produzir arquitetura e os espaços da cidade sob uma nova perspectiva que contemple a complexidade da realidade contemporânea ao afirmar a diversidade, a igualdade, a participação e a sustentabilidade como meios de construção do espaço democrático, tendo como norte crítico, sobretudo, as questões de identidade de gênero e a sua relação com o espaço construído. 183


-

Servir como contraproposta às ações e aos projetos de higienização e gentrificação na região, - sobretudo o projeto “Pequena Paris” - com ações que atendam às demandas reais dos moradores e frequentadores do Largo e não somente aos interesses do capital imobiliário.

A proposta deverá ser materializada pelas seguintes ações:

quanto à reestruturação do espaço público 1) Remodelação do Largo do Arouche, através da reconexão morfológica de seus espaços fragmentados, unificando os setores 01 e 02 por meio de melhorias na iluminação pública e na pavimentação, da melhor distribuição de mobiliários e equipamentos ao longo de todo o Largo e da instalação de banheiros públicos. 2) Redesenho do paisagismo do setor 02, que se encontra descaracterizado e sem atrativos, e manutenção do traçado histórico e característico do setor 01, potencializando a qualidade urbana que já possui atualmente. 3) Inserção de novos programas no espaço de acordo com os anseios e desejos levantados pelos frequentadores em geral, de modo a garantir uma distribuição mais equilibrada de usos e atrativos. 4) Reforma das históricas bancas de flores, deixando-as mais atraentes e melhor relacionadas com o espaço público. 5) Reposicionamento dos monumentos e esculturas a fim de dar maior visibilidade e importância às obras de arte instaladas no Arouche. 6) Instalação de marcadores que identificam a presença queer no território, como o retorno das bandeiras LGBTQ ao Largo.

quanto às novas arquiteturas 1) Criação de uma rede de equipamentos urbanos nos terrenos obsoletos do Largo, de modo a criar um fechamento arquitetônico mais coerente do espaço 184


e atender a necessidade programática levantada pelos moradores e frequentadores da região. 2) Distribuição dos edifícios em rede e pulverização dos programas em diversos pontos do Largo, caracterizando-os como âncoras de percurso ao gerar maior fluxo de pessoas e uma ocupação mais distribuída no espaço, tendo esses novos edifícios como pontos de partida e chegada. 3) Implantação de um edifício em pleno Largo de modo a ser o grande marcador perene da territorialidade LGBTQ no Arouche, atendendo a um programa específico voltado a essa população. Inserido entre os setores 01 e 02, o edifício também será o grande articulador de conexão entre as duas porções, servindo inclusive como transposição para o desnivelamento topográfico acentuado entre elas. 4) Concepção de unidades e estruturas móveis que se destacam dos novos edifícios e se instalam em diversos pontos do Largo, com o objetivo de suportar diversos eventos e ocupações do espaço, garantindo a diversidade e a flexibilidade de usos. O programa de necessidades da rede de equipamentos urbanos foi formulado através de observações e levantamentos sobre a região analisada e de consultas à população frequentadora através de entrevistas in loco, conversas com coletivos e levantamentos complementares feitos por algumas instituições. A proposta é distribuir o programa pelos terrenos selecionados do entorno, definindo a função de cada futuro empreendimento que neles serão implantados e estabelecendo diretrizes de implantação e concepção arquitetônica de modo a potencializar a relação entre as arquiteturas do entorno e o Largo. A proposta do trabalho pretende elencar um desses edifícios para detalhamento arquitetônico a fim de aplicar na prática diretrizes elaboradas. A distribuição da rede e dos programas, bem como as justificativas de escolha dos terrenos estão explicitadas nos infográficos a seguir. As ações de projeto arquitetônico e paisagístico do Largo deverão seguir as seguintes diretrizes e conceitos:

185


1) As intervenções futuras no espaço do Arouche deverão manter as características notáveis de urbanidade e de identidade histórica e imagética do lugar, como a extensa arborização, a amplitude da praça e a desobstrução visual em relação ao entorno, e os monumentos e pontos de referência, bem como promover novos outros implementos qualitativos, como a diversidade de usos, uma distribuição igualitária de mobiliários e equipamentos, uma boa iluminação, uma pavimentação adequada e acessível ao pedestre e assegurar os marcadores do território de sociabilização LGBTQ. 2) Os novos redesenhos paisagísticos do espaço devem minimizar a remoção de árvores e de plantas significativas; caso seja necessária, priorizar a retirada das árvores mais jovens e de pequeno e médio porte, com plano de replantio das mesmas em outros pontos do Largo ou em parques e praças próximas. 3) Os edifícios deverão ser projetados para manter uma relação simbiótica com o Largo, visando a valorização mútua dos espaços construídos. Devem-se potencializar algumas das urbanidades de premissa arquitetônica já existentes atualmente no Largo, como térreos com funções públicas ou abertos ao público com comércios e serviços dos mais variados usos, de modo a atrair uma grande diversidade de públicosalvos; as fachadas deverão ser ativas e bem trabalhadas, com múltiplas aberturas voltadas para o Largo; o gabarito deverá seguir a média das alturas dos edifícios já existentes no entorno de modo a garantir a integração e a compreensão visual entre o espaço público e os edifícios. 4) A inserção dos edifícios deverão seguir os princípios de visões seriadas de Gordon Cullen, explorando as perspectivas do prédio através das ruas que convergem no local de implantação. Essas múltiplas perspectivas projetadas pretendem dar destaque à irregularidade da praça, criando uma maior coesão entre edifício e espaço público, além de conferir múltiplas sensações ao espaço, como imprevisibilidade e quebra de monotonia. 5) A concepção espacial do edifício - sobretudo o 186


que será detalhado nesse projeto - deve seguir alguns preceitos do espaço queer explanados no capítulo 03, adotando portanto, a flexibilidade, a fluidez e a transposição entre diferentes graus de privacidade como principais características dos ambientes a serem projetados. O intuito é que a identidade de cada indivíduo possa ser expressada e moldada através da arquitetura, sendo esses mesmos indivíduos os responsáveis por adaptar e manipular esses espaços de acordo com suas próprias manifestações identitárias, em uma construção sinérgica entre usuário e edifício, que o torna mais interativo e inclusivo. 6) As estruturas itinerantes que percorrerão o Largo serão a personificação das heterotopias: elas subverterão a rotina do tempo e das funções fixas do Arouche ao dar suporte para eventos e ocupações temporárias. Elas deverão ser desmontáveis e de fácil manutenção, montagem e manuseio.

187


a proposta

188

fechamento das vias e anexação ao largo por meio de uma nova pavimentação

novos edifícios

estruturas itinerantes desmontáveis

reformulação do desenho paisagístico

reformulação da ciclovia

reforma das bancas de flores

manutenção do traçado histórico


1.

museu de arte e memória queer programa previsto Salas de exposição + Acervo + Biblioteca Anfiteatro + Café/Restaurante Administração + Atelier/Residência Artística

justificativas quanto ao programa ● Proporcionar alternativa à nova sede para o Museu da Diversidade Sexual, em contraposição à ideia de levá-lo para a Avenida Paulista, com uma proposta e conceito programático mais amplo, que inclua o incentivo institucional à arte queer e fomente estudos e preservação da memória LGBTQ na cidade de São Paulo; ● Estabelecer uma relação entre memória LGBTQ e o lugar onde ela está associada - o Largo do Arouche - através de um programa que estabeleça essa simbiose; ● Atender à demanda por espaços culturais apontadas pela leitura da área e pelos usuários do espaço. quanto à implantação ● Servir de transposição entre os dois setores do Largo, sendo o principal articulador do espaço fragmentado por meio da proposição de um conjunto de praças; ● Posicionado num ponto de convergência das perspectivas visuais das ruas adjacentes ao Largo, o edifício pretende potencializar a morfologia irregular do espaço e servir de marco paisagístico através de composições visuais multifacetadas. problemáticas e soluções O terreno de implantação possui árvores e um saída de ventilação do metrô. Conforme demonstrou o levantamento de leitura do espaço, as árvores nessa área são jovens e de pequeno/médio porte, o que facilita seu remanejamento para outras áreas. Quanto a saída de ar, segundo o Metrô de São Paulo, ele poderá ser incorporado ao edifício, desde que seja visitável para manutenção. 189


2.

centro de apoio e acolhimento LGBTQ programa previsto Centro educativo (cursos de capacitação) Salas para workshops e oficinas Coworking Áreas de convivência e estudo Assistência social e jurídica especializada Administração

justificativas quanto ao programa ● Programa complementar ao Museu de Arte e Memória Queer, atenderá ao público LGBTQ de modo a trabalhar a sua inserção social e no mercado de trabalho; ● Atender à demanda por programas recreativos e educacionais apontadas pelos usuários LGBTQs do Largo e complementa as ações dos Centros de Cidadania LGBTQ da Prefeitura de São Paulo. quanto à implantação ● A implantação na esquina dá maior visibilidade e suntuosidade ao equipamento urbano público; ● O ponto de implantação também se justifica pela relação de proximidade com o edifício 1 (museu) pois ambos apresentam programas complementares. problemáticas e soluções O lote de implantação hoje abriga um posto de gasolina. Será necessária a desapropriação do espaço para implantação do edifício, algo justificável pela importância do empreendimento à população que usufrui do Largo. Terrenos vagos ou com subutilização em um área central como a de São Paulo, devem abrigar edifícios oferecer usos mais notáveis e aproveitáveis para os cidadãos. 190


3.

centro de saúde, esportes e lazer programa previsto Quadras poliesportivas Academia Piscina Atividades recreativas para crianças Sala de jogos Espaço multiuso (yoga, artes marciais etc) Clínicas de pronto-atendimento Clínicas de especialidades (principalmente voltadas para o público LGBTQ) Laboratórios Salas de espera Administração

justificativas quanto ao programa ● Atender à demanda por programas esportivos e de saúde apontadas pelos usuários em geral frente a falta de equipamentos do tipo na região. quanto à implantação ● A implantação na esquina dá maior visibilidade e suntuosidade ao equipamento urbano público; ● O ponto de implantação próximo ao Minhocão estabelece uma conexão programática de recreação entre o edifício e o parque linear. problemáticas e soluções O lote de implantação hoje abriga um posto de gasolina. Será necessária a desapropriação do espaço para implantação do edifício, algo justificável pela importância do empreendimento à população que usufrui do Largo. Terrenos vagos ou com subutilização em um área central como a de São Paulo, devem abrigar edifícios que ofereçam usos mais notáveis e aproveitáveis para os cidadãos. 191


4.

habitação de interesse social programa previsto Apartamentos populares Térreo ativo com comércio, serviço ou instituição (uso coletivo)

justificativas quanto ao programa ● Atender à demanda por habitações populares no Centro de São Paulo, de modo a proporcionar usufruto da ampla infraestrutura urbana da região pelas classes mais baixas da população. ● Garantir acesso a moradias populares frente aos processos de valorização e especulação imobiliária na região. ● Proporcionar diversidade de perfis sociais e culturais entre os moradores do Arouche de modo a enriquecer o espaço urbano com as mais diferentes vivências e apropriações e incentivar a criação de um sendo de comunidade unificado pelo espaço democrático. ● Multiplas configurações de plantas e ambientes dos apartamentos para atender os diversos arranjos familiares e não-familiares. quanto à implantação ● O lote mais enclausurado e contido no quarteirão, em um ponto de baixo tráfego de veículos, proporciona mais tranquilidade e privatividade à programas não-públicos, como residências. problemáticas e soluções O lote de implantação hoje abriga um estacionamento. Será necessária a desapropriação do espaço para implantação do edifício, algo justificável pela importância do empreendimento à população que usufrui do Largo. Terrenos vagos ou com subutilização em um área central como a de São Paulo, devem abrigar edifícios que ofereçam usos mais notáveis e aproveitáveis para os cidadãos. 192


5.

abrigo e apoio para a população de rua programa previsto Quartos coletivos (albergue) Áreas de convivência Refeitório Banheiros e vestiários coletivos Térreo ativo com comércio, serviço ou instituição (uso coletivo)

justificativas quanto ao programa ● Oferecer apoio com programas básicos e alternativa de moradia temporária à população de rua (higiene pessoal, alimentação, descanso e pernoite) que estabelece acampamento nas dependências do Largo ● Complementar a rede de equipamentos voltados a reinserção social de marginalizados, como o centro de saúde, o centro educativo e a assistência social. quanto à implantação ● O lote mais enclausurado e contido no quarteirão, em um ponto de baixo tráfego de veículos, proporciona mais tranquilidade e privatividade à programas não-públicos, como o de residências e abrigos. problemáticas e soluções O lote de implantação hoje abriga um estacionamento. Será necessária a desapropriação do espaço para implantação do edifício, algo justificável pela importância do empreendimento à população que usufrui do Largo. Terrenos vagos ou com subutilização em um área central como a de São Paulo, devem abrigar edifícios que ofereçam usos mais notáveis e aproveitáveis para os cidadãos.

193


o projeto o museu de arte e memória queer no novo largo do arouche

operações de projeto diagnóstico 1. espaço fragmentado e desconectado interceptado pos vias de tráfego formação de “ilhas” barreiras para fluidez do pedestre

194


operações de projeto diagnóstico 2. formação de dois setores com características distintas setor 01 setor 02

3. diferenças no tratamento do espaço setor 01: concentração de equipamentos e mobiliários traçado histórico e ordenado setor 02: ausência de equipamentos e mobiliários traçado paisagístico desordenado

áreas de canteiros equipamentos e mobiliários

195


operações de projeto proposta 4. quanto à reestruturação do espaço público

pavimentação unificada em nível rua compartilhada manutenção do traçado novo projeto para o equipamento (banca de flores)

1.

5.

5.

quanto às novas arquiteturas e equipamentos 1. museu de arte e memória queer 2. centro de apoio e acolhimento LGBTQ

4.

3. centro de saúde, esportes e lazer 4. habitação de interesse social 5. abrigo e apoio para a população de rua

3. 1.

estruturas itinerantes 2.

196


operações de projeto implantação e volumetria 6. restrições e entraves limites estruturas do metrô limite da praça barreira visual e de fluxo operações adaptação da volumetria à irregularidade da praça

túne

is d

elevação do bloco: térreo livre e deseobstruído

om

etrô

saída de ventilação do metrô

7. intercepções quebra da volumetria pelos eixos visuais cisma volumétrico e programátco volume 01 áreas de uso público e expositivo

volume 02 áreas de uso restrito e controlado

197


operações de projeto implantação e volumetria 8. deslocamentos diferenciação das volumetrias múltiplas perspectivas e pontos focais

9. transições e transposições cores de circulação vertical partido estrutural liberação do térreo core 01 uso restrito e controlado + emergências

barreiras para fluidez do pedestre abertura do subsolo pavimento de transição entre edifício e espaço público core público ponto focal elemento de marcação da paisagem

198

core 03 uso restrito e controlado + emergências core 02 uso público


operações de projeto implantação e volumetria 10. centralidades do largo quiosque + banheiro público banca de jornal

banca de flores

renovação de antigos equipamentos pontos atrativos novos programas distribuídos ao longo do largo

mirante

museu

11. novo piso da praça pavimento elevado do espaço público área de programa aberto e apropriável conexão com o setor 02 ligação com o mirante

199


operações de projeto implantação e volumetria 12. pontos de acesso acesso principal do edifício conexão subsolo + térreo + piso elevado readequação do térreo livre fluido desobstruído comunicação visual entre os pavimentos

13. operação nas arestas da volumetria afastamento das copas de árvores do setor 01 criação de particularidades formais em pontos focais estratégicos a partir do entorno

200


operações de projeto implantação e volumetria + traçado da praça 14. circulação destacada da volumetria passeio arquitetônico alternância interior/ exterior fluidez entre cidade e edifício leitura e compreensão livre do espaço prossibilidades diversas de percorrer o espaço expositivo

15. concepção do traçado conexão entre novos equipamentos reforço da morfologia das quadras circundantes conexão com as linhas e fluxos do edifício solucionar desnível topográfico

201


operações de projeto implantação e volumetria 16. novo desenho do setor 02 integrado ao setor 01 agrupamentos dos canteiros residuais do setor 02 novos eixos de circulação e conexão piso tipo 01 piso tipo 02 espelho d’água + praça d’água

quanto à implantação A implantação do museu de arte e memória queer entre os setores 01 e 02 do largo do arouche busca conectar as duas porções da praça por meio de um objeto comum, trazendo coerência e união física dos espaços fragmentados juntamente com ações integradas de desenho do setor 02, a conexão por meio de pavimentação única e nivelada e criação de ruas compartilhadas.

praça coesa A volumetria do edifício foi trabalhada de forma a destacar a irregularidade da praça e estabelecer hierarquias no espaço público, criando um conjunto de espaços de escalas, morfologias e atrativos diferentes. A cisão do edifício em dois volumes com tratamentos distintos - tanto em questões de programa, quanto de materialidade - confere a cada setor do Largo centralidades ancoradas em cada volume, mas que ao mesmo tempo, mantem a unidade e continuidade do espaço.

marcos e visões seriadas O Largo do Arouche é o ponto onde muitas das ruas da região convergem e desembocam. Para explorar essa característica de variados enquadramentos da paisagem a partir do entorno, a volumetria e os elementos do edifício foram posicionados de modo a valorizar esses pontos focais criando marcos paisagísticos (02)(03)(04). As vistas diversificadas e particulares a partir do entorno imediato também proporcionam múltiplas percepções do objeto, com variação de forma, textura, ritmo e sensações. No setor 02 do Largo, o elevador e a escada pública, juntamente com o mirante da passarela, são os grandes elementos marcadores e centrais da pequena praça que se conforma com o novo desenho (07).

202


04

perspectiva aérea do projeto 17. configuração final o museu de arte e memória queer no largo do arouhe

06

o edifício possibilita criar uma hierarquia no conjunto de espaços públicos com centralidades diversas, mas com eixos prográmaticos complementares e térreo livre que unificam o espaço do largo.

05

10

11 02

08 09 03 07

203

01


01

vista largo do arouche (lado minhocĂŁo) 204


linhas de força do edifício O redesenho do traçado paisagístico do setor 02 parte dos eixos e linhas em planta do edifício, sobretudo do nível enterrado, onde se dá o acesso principal ao museu. Dessa forma, o setor 02 é reconfigurado tendo o acesso ao edifício como grande linha de força e organizadora do espaço público (01). Rampas e espelhos d’agua foram soluções adotadas para resolver o desnível acentuado. A decisão de não intervir no traçado do setor 01 é devido ao fato de ser um elemento paisagístico histórico, além de possuir caractarísticas qualitativas de urbanidade que devem ser valorizadas.

02

quanto ao espaço queer abordagens práticas e metafóricas múltiplas leituras e apropriações Espaços internos e externos sem divisões rígidas, completamente flexíveis e adaptáveis a diversos eventos e apropriações. O mezanino é o grande expoente desse conceito, uma vez que pode ser usado livremente pelos usuários, servindo como espaço para performances, exposições complementares do museu, festas, shows etc.

fluidez A circulação vertical do edifício é destacada e pulverizada, permitindo maior fluidez e exploração do espaço expositivo do museu. Permite que o usuário transite livremente, explorando as diversas intersecções entre interior e exterior e crie seu próprio passeio expositivo.

marcadores Além do edifício do museu, outros marcadores de territorialidade queer foram implantados no Largo, como as bandeiras LGBTQ+ na promenade do setor 01 (06). Além de se configurar como uma explanada de bandeiras, esse eixo pode servir como áreas para desfiles, performances, shows, entre outras apropriações, complementando e compartilhando usos com o mezanino.

entre transparências e opacidades As aberturas do edifício enquadram a paisagem, tem vidros com variações de opacidade e estabelecem um jogo de intersecções com a segunda pele. Isso tudo cria pontos de transparência e opacidade na relação do edifício com o entorno, permindo pontos com maior visibilidade entre os ambientes e outros mais íntimos e reservados.

contatos visuais vista rua do arouche

Os deslocamentos de níveis e da volumetria permitem o contato visual entre pessoas nos diferentes pontos do espaço, estabelecendo uma nova relação de footing.

205


materialidade A opção por materiais puros em suas texturas e cores padrões foi uma alternativa ao não uso de cores. Cores podem sugerir generificações culturais de sujeitos, como rosa sugere o feminino e azul o masculino. Foram aplicados materiais e ambiências que remetem a espaços históricamente associados aos indivíduos queer como a madeira das saunas gays e a chapa metalica perfurada que faz analogia aos glory holes -, além do próprio espaço público per se.

03

entrada no subsolo O acesso pelo subsolo (09) é uma analogia aos espaços underground da cidade, onde a subcultura queer floresceu escondida dos olhares normativos da sociedade. Também é uma provocação, uma vez que o atual Museu da Diversidade Sexual situa-se no subsolo da estação República do metrô.

a segunda pele A segunda pele do edifício faz alusão ao papel de gênero: é um constructo social que envolve o corpo.

heterotopias As estruturas itinerantes que percorrerão o Largo serão a personificação das heterotopias: elas subverterão a rotina do tempo e das funções fixas do Arouche ao dar suporte para eventos e ocupações temporárias. Elas deverão ser desmontáveis e de fácil manutenção, montagem e manuseio (referências projetuais).

vista rua bento freitas

206


quanto ao programa 04

diversidade A composição do programa do projeto geral visa explorar a diversidade de usos, usuários e horários de funcionamento, de modo a manter o espaço público sempre ocupado, em todas as horas do dia e da semana. Além de diretrizes para os novos edifícios que ocupam terrenos ociosos do entorno, o Largo ganha novos equipamentos como banheiros públicos e café, bem como a reforma da banca de flores e da banca de jornal já existentes para que se integrem com a nova configuração da praça. A transformação de vias de tráfego em rua compartilhada permite maior uso e integração do espaço público pelos comércios e serviços da região. O programa do museu também reflete essa preocupação. A passarela e o mezanino criam conexões entre os dois setores como um nível elevado da praça, além de dar acesso a equipamentos que, apesar de compartilharem do mesmo edifício, tem funções, controles, acessos e horário de funcionamento distintos do museu, como é o caso da biblioteca e do restaurante.

o edifício do museu O Museu de Arte e Memória Queer conta com 4 pavimentos expositivos no bloco à leste (setor 01), sendo o 5º pavimento dedicado à exposição permanete e interativa sobre a história e a memória dos LGBTQs no Brasil - e principalmente em São Paulo. Os outros andares são dedicados à exposições temporárias. O bloco à oeste (setor 02) abriga todo o setor administrativo, além da biblioteca especializada em estudos de gênero - que fomenta pesquisas em prol do acervo - e ateliers para artistas residentes que queiram expor no museu. O pavimento de acesso, no nível rebaixado, abriga o átrio - que pode ser usado como espaço de eventos -, um auditório, café, bilheteria, loja, áreas exclusivas para funcionários e banheiros.

vista rua aurora

207


05

vista largo do arouche (lado vieira de carvalho) 208


06

vista eixo das bandeiras 209


07

vista setor 02 210


08

vista passarela + bloco administrativo

211


09

vista acesso principal ao edifĂ­cio 212


10

11

vistas tĂŠrreo 213


vista interna - 1ÂŞ pav. expositivo 214


vista interna - 2ÂŞ pav. expositivo 215


vista interna - entre 3ÂŞ e 4ÂŞ pav. expositivo 216


vista interna - subsolo/รกtrio 217


setorização do programa + circulação

218


partido estrutural

219


implantação do projeto

220


31. acervo (museu) 22. sala de reuniões 33. diretoria executiva 34. diretoria financeira 35. diretoria comunicação 36. diretoria cultural 37. rh + secretaria 38. atelier 01 39. atelier 02 40. exposição permanente

museu de arte e memória queer plantas

05.

05.

P.O.

07.

P.O.

13.

14.

15.

16.

17.

18.

02. 06.

10.

11.

13.

14.

15.

01. 16.

17.

18.

08.

09.

07.

12.

A

09.

B'

11.

08. P.O.

06.

10.

P.O.

21. restaurante 22. bar 23. cozinha 24. mezanino praça 25. catalogação 26. restauro 27. recepção 28. exposição temporária 29. área do acervo (biblioteca) 30. área de estudo

B'

11. wc funcionário 12. guarita 13. vestiário funcionário 14. sala técnica 15. casa de máquinas 16. copa/cozinha 17. dml 18. almoxarifado 19. wc público 20. sala coringa

B'

01. acesso principal 02. átrio 03. bilheteria 04. loja 05. auditório 06. sala de projeção 07. a 08. wc 09. café 10. depósito lixo

02.

03.

A'

03.

A'

12. 04.

A

01.

04.

A

B B

B

subsolo (-4,00m)

N

0

5

10

20

50

B' A'

A'

A'

B'

A

28.

A' B'

B

B'

B B'

A'

B

28.

B

28.

A

B 08.

térreo (0,00m)

221

B

B' B'


B museu de arte e memรณria queer plantas

B' B'

23.

24.

08.

21.

27.

A

A' A

22.

25.

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B

B

1ยบ pavimento (+4,00m)

N

0

5

10

20

50

A'

A'

A'

B'

30. 20.

28.

28.

08.

A

29.

A' B

B'

B B'

28.

28.

B'

B 08.

2ยบ pavimento (+9,00m)

B'

222

31.

B

B'


B'

29.

A

A'

B

museu de arte e memรณria queer plantas

30. 20.

28.

08.

B'

29.

A

A'

B'

B

31. 08.

20.

28.

08.

B'

A

32.

33.

34.

35.

36.

A'

37.

A

3ยบ pavimento (+14,00m) A

08.

20.

28.

08.

B

B B'

31.

N 32.

33.

34.

35.

36.

A'

37.

0

5

10

20

50

38.

28.

B B'

A

A'

A'

A'

39.

A'

21. 25.

B

38.

21.

28.

25.

28.

B'

A

39.

A' B

B'

B B'

B

40.

08.

B'

A

08.

B

4ยบ pavimento (+19,00m)

28.

28.

B'

A'

223

B

B


25.

A

39.

A'

B

museu de arte e memรณria queer plantas

B' B'

40.

08.

A

A'

A

B B

5ยบ pavimento (+24,00m)

N

0

5

10

20

50

A'

A' B

B'

B B'

224

08.

B

planta de cobertura (+29,00m)

28.

28.

B'

28.

A'

A'

B'

A

B

B'


225


detalhes construtivos sistema estrutural + vedação + fachada

piso elevado sistema de climatização laje de concreto nervurada forro suspenso sistema elétrico/iluminação vedação sistema de vedação: drywall + elevado isolante piso termoacústico sistemaplaca de climatização revest. externo: cimentícia laje de concreto nervurada esquadria forro suspenso montante metálico com folha fixa sistema elétrico/iluminação vedação sistema de vedação: drywall + isolante termoacústico revest. externo: placa cimentícia

guarda corpo vidro autoportante

esquadria montante metálico com folha fixa

guarda corpo vidro autoportante

passadiço metálico fixação da fachada dupla chapa metálica perfurada fachada dupla

passadiço metálico fixação da fachada dupla chapa metálica perfurada fachada dupla

detahe 01 bloco de exposições

0 226

1

2

5


vedação sistema de vedação: drywall + isolante termoacústico revest. externo: placa cimentícia piso elevado sistema de climatização viga metálica forro suspenso sistema elétrico/iluminação treliça metálica guarda corpo vidro autoportante

esquadria montante metálico com folha de correr

laje steel deck passadiço metálico fixação do brise brise soleil brise vertical em madeira operável ou fixo esquadria montante metálico com folha fixa

detahe 02 bloco administrativo + biblioteca

227


novos equipamentos do largo isométricas

bancas de flores

banca de jornal

café + banheiro público 228


novos equipamentos do largo plantas

banca de jornal planta

café + banheiro público planta

bancas de flores (unidades) térreo

0 1 2

5

10

bancas de flores (viveiro + depósito) 1º pavimento

229


maquete fĂ­sica 1:750 230


231


estudos, croquís e processo criativo

estudos de implantação do museu de arte e memória queer

232


estudo desenvolvido da proposta final de implantação e paisagismo do setor 02 estudos da proposta inicial de implantação e volumetria do museu de arte e memória queer

233


estudos desenvolvidos da proposta final do museu de arte e memรณria queer

234


referências projetuais

museu de arte contemporânea de barcelona (macba)

barcelona (espanha) richard meyer 1987-1995 O MACBA é a principal referência para a implantação do Museu de Arte e Memória Queer no Arouche. O edifício proporciona o fechamento da quadra, em uma relação harmônica entre o novo e o antigo do contexto urbano (bairro gótico). A posição do edifício também possibilita a criação de diferentes escalas e hierarquias de praças, além de conter elementos volumétricos que permite a identificação do pédio apartir das ruas adjacentes.

235


acessos

hierarquia dos espaços públicos

setorização do programa

pontos focais e permeabilidade visual

236


obras do arquiteto steven holl

O trabalho do arquiteto Steven Holl foi uma referência direta para o processo criativo deste projeto de TFG. O entrelaçamento de contrastes, a hibridez e fluidez de sua arquitetura em uma dialética entre opostos, são características de sua obra que auxiliaram na condução da proposta, desde abordagens conceituais até as operações volumétricas e materialidades. knut hamsum center, hamaroy (noruega), 2009

escola de arte e de história da arte, iowa city (eua), 1999-2006

237


pancras square

londres (reino unido) townshend landscape architects 2015 O traçado e o paisagismo do Pancras Square são referências para o redesenho do setor 02 do Largo por conta da conformação morfológica irregular e alongada em comum . Espelhos d´água são utilizados para resolver os desníveis topográficos além de trazerem um elemento que contribui com o microclima do espaço público.

238


bluetube bar porto (portugal) DOSE 2011

O Bluetube Bar é um referência para as estruturas itinerantes que poderão ser dispostas no Largo. De fácil construção e feita de materiais baratos, é uma ideia simples mas com uma função vantajosa de concentrar atividades variadas e eventos temporários.

239


bibliografia


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mídias e documentários Divinas Divas. Direção de Leandra Leal. Rio de Janeiro, 2017. 1990. 2013.

244

Paris is Burning. Direção de Jennie Livingston. Nova Iorque, São Paulo em Hi-Fi. Direção de Lufe Steffen. São Paulo,


245


pisa mais! marcando o arouche como território de memória queer autor fernando abdo contarim orientador prof. dr. evandro ziggiatti monteiro faculdade de engenharia civil, arquitetura e urbanismo curso de arquitetura e urbanismo universidade estadual de campinas trabalho final de graduação dezembro de 2018 abdocontarim.fernando@gmail.com

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