Amanaque de Cultura e Saúde - FEBEC - Edição 02

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Histórias de luta, dedicação e bom humor

sta revista que você tem em mãos é a segunda edição do Almanaque de Cultura e Saúde, uma parceria entre a Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec), a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e a Andreato Comunicação e Cultura. Uma união que alastra pelo País a força da solidariedade, palavra que voluntárias de todo o Brasil incorporaram a seu dia-a-dia de maneira integral, prontas a auxiliar quem atravessa momentos difíceis da vida. O sucesso da primeira edição surpreendeu. Pedidos de assinaturas surgiram de todos os estados brasileiros. E, em colaboração com a Apas, supermercados de muitas localidades passaram a oferecer a revista junto aos caixas, potencializando o movimento. Um motivo a mais para comemorar. Afinal, a renda deste Almanaque é destinada a ações de prevenção e apoio biopsicossocial aos pacientes de câncer. O Almanaque de Cultura e Saúde mantém o jeitão do Almanaque Brasil, que há mais de 10 anos ganha os céus – a bordo da TAM – para contar as grandes histórias brasileiras. Esta edição da revista desvela como os brasileiros lidam com a eterna relação entre sorte e azar. Você vai descobrir que até Santos-Dumont tinha as suas mandingas para trazer bom agouro. Na seção Muito Obrigada, a jovem Vanessa, de Jaú, relembra sua difícil infância, internada num hospital para curar a leucemia. Levando hoje uma vida absolutamente normal, deixa a lição: em momentos de dor, um sorriso tem a possibilidade de mudar o mundo. Você conhecerá também gente abnegada. Em Gente Ajudando Gente, dona Maria José fala sobre a sua trajetória de dedicação incondicional aos que mais precisam. Tem também a história da ex-catadora de papel que formou uma das mais importantes bibliotecas de Belo Horizonte e o projeto de humanização de hospitais, empreendido pelo fotógrafo André François. Na seção Papo-Cabeça, trazemos uma entrevista exclusiva com Drauzio Varella, o médico que se dedica a tornar acessível ao povo os complicados termos da medicina. Seus instrumentos de trabalho? Livros, programas de tevê e colunas em jornais e revistas. E como costumava acontecer nos antigos almanaques, ao longo da revista surgem histórias divertidas e curiosas, como a do artilheiro botafoguense que não comemorava os gols; a da Velhinha de Taubaté, que acreditava em tudo que via na tevê; e a do carioca de profissão inusitada: não ser músico. Assim é o Almanaque de Cultura e Saúde, cheio de histórias de luta e dedicação. E também repleto de bom humor. Afinal, rir ainda é o melhor remédio. Caso você já seja assinante, saiba que está dando uma contribuição importante para a luta contra o câncer no País. Se ainda não for, pode fazer a assinatura por apenas R$ 70,80 anuais. Faça a sua parte. Ajude a ampliar esta rede de carinho e solidariedade. Para assinar, acesse www.febec.org.br. Ou ligue: (11) 2166-4100.

A irmã da saúde é a alegria

Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisor Lucas Puntel Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Soledad Cifuentes Gerente administrativa Fabiana Rocha Oliveira Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)

Presidente

Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro Rua Silva Airosa, 40. Vila Leopoldina São Paulo-SP cep 05307-040 Fone: (11) 2166-4131

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SAC (11) 2166-4111 ASSINE (11) 2166-4100 www.febec.org.br O Almanaque de Cultura e Saúde é uma publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura em parceria com a FEBEC – Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer. A revista é distribuída por assinatura, pelos estabelecimentos filiados à Associação Paulista de Supermercados (APAS) e pelos voluntários das Ligas de Combate ao Câncer. Apoio

Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar

Perdizes. São Paulo-SP CEP 05015-040 Fone: (11) 3873-9115 culturaesaude@almanaquebrasil.com.br

O Almanaque de Cultura e Saúde está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não-comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores. Não estão incluídas nessa licença obras de terceiros. Para reprodução com fins comerciais, entre em contato com a Andreato Comunicação e Cultura.

Alfred de Musset, poeta francês

Sumário 4 carta enigmática

18 eSPECIAL Superstições

29 Almacrônica por Lourenço Diaféria

5 você sabia?

22 jogos e brincadeiras

30 em se plantando tudo dá Goiaba

11 GENTE AJUDANDO GENTE Dona Maria José

23 o teco-teco

32 Rir é o melhor remédio

12 PAPO-cabeça Drauzio Varella

24 VIVA O BRASIL Benjamim Guimarães

33 CAUSoS de Rolando Boldrin

16 Ilustres Brasileiros Raul Seixas

28 temperos e sabores Manuê de Bacia

34 muito obrigada por Vanessa Barro Canal


Entre 1954 e 1959, Cauby Peixoto foi o cantor mais popular do Brasil. Vaidoso e elegante, estreou no fim da década de 1940, tornando-se estrela da Rádio Nacional. Seu rápido êxito, no entanto, não se deu apenas pelo talento, mas também pelo esquema publicitário armado pelo empresário Di Veras, que importou dos Estados Unidos a ideia de contratar garotas para reagir histericamente à presença do cantor. Além de gritar e desmaiar, as moçoilas eram instruídas a enviar cartas ao ídolo e eventualmente até mesmo rasgar as roupas do galã – com as costuras devidamente afrouxadas, é claro...

gime militar. Dialogava com o governo, acalmava conservadores e radicais. Separou-se desses últimos no fim da ditadura, criando um partido de centro. Foi quando elegeu-se governador em sua terra natal. “Se todos quisermos, dizia-nos há quase 200 anos Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste País uma grande nação. Vamos fazê-la.” Fez essa proclamação ao Colégio Eleitoral em 1985. De forma indesejada, já que se empenhou muito na fracassada campanha por eleições diretas, havia sido escolhido líder máximo da República, o primeiro depois dos militares. Mas escondia um debilitado estado de saúde que, na véspera da posse, o fez parar no hospital. Morreu no aniversário do “herói enlouquecido”, seu conterrâneo, depois de seguidas cirurgias e 34 dias de agonia no País.

reprodução/AB

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esde criança gostava de discursar. Atribuía a moderação à terra natal, Minas Gerais: “Não há mineiro que não seja conciliador”. Presidente da Câmara Municipal de São João del Rei, o advogado liderava a campanha para prefeito. Eis que Getúlio Vargas fecha os órgãos legislativos e cancela as eleições. O jeito foi tocar a vida como empresário, sem imaginar que mais tarde estaria ao lado de Vargas. Como seu ministro da Justiça, na gestão de 1951, fez de tudo para cessar o movimento golpista que levaria o presidente ao suicídio. Quando Jânio Quadros renunciou e conservadores queriam impedir que o vice, Jango, ocupasse seu lugar, foi essa mesma figura quem articulou o parlamentarismo como solução. E adivinha quem assumiu o cargo de primeiro-ministro? Passou para oposição com o golpe de Estado que instaurou o re-

Solução na p. 22


27/3/1996

21/3/1999

O FILME O QUATRILHO CONCORRE AO OSCAR NA CATEGORIA DE MELHOR FILME ESTRANGEIRO. NENHUMA PRODUÇÃO BRASILEIRA ERA INDICADA DESDE 1985.

CENTRAL DO BRASIL SE TORNA O PRIMEIRO TÍTULO NACIONAL A CONCORRER A DUAS ESTATUETAS: MELHOR FILME ESTRANGEIRO E MELHOR ATRIZ (FERNANDA MONTENEGRO).

“IMPRÓPRIO PARA MULHERES”

REPRODUÇÃO/AB

Publicações diziam com graça o que deixava sem graça

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o Brasil de fins do século 19, a moral católica ditava severamente a vida das pessoas, seja em relação ao modo como se andava nas ruas ou quanto à intimidade dos casais. Mas mesmo com tanta seriedade no ar, havia espaço para os prazeres da carne. Vivia-se o auge do surgimento de revistas e livros “mais descontraídos”, que abordavam com humor certos aspectos do cotidiano que a rígida cultura burguesa teimava em considerar pecaminosos. Nas principais capitais brasileiras despontavam títulos apimentados como O Nabo, O Ferrão, Os Amores Secretos de Pio XI e Está Bom, Deixa. Eram conhecidos como “romances para homens”, ou “semanários de gênero livre” (ou, ainda, pornografia mesmo). Se, por um lado, eram “impróprios para as mulheres”, por outro, os barbados se deleitavam. Algumas edições vendiam milhares de exemplares. Segundo um jornalista da Revista Ilustrada que atendia sob o pseudônimo de Alter, os tais periódicos indiscretos “brotavam como cogumelos”. Em 1898 aparece a mais exitosa publicação do gênero. O Rio Nu levava ao leitor “brochuras de leitura quente”, “deliciosos romances”, apresentando “primorosas edições”, com

imagens “tiradas ao natural e por isso expressivas, instrutivas e… aperitivas”. Começou com tiragem semanal, mas em um ano passa a “dar duas por semana”. Segundo seu editor, era “o mais prodigioso tônico para levantar organismos depauperados”. Os autores das seletas páginas usavam como alcunha nomes como Homem de Ferro, Capadócio Maluco, Manuel Brochado, Lúcio d’Amor, Zé Teso. Outra revista, a Shimmy, era mais explícita ainda: em uma edição, mostra um desenho de uma mulher nua puxando um elegante senhor para seu quarto, ao que ele objeta: “Mulher, sou um homem de costumes rígidos.” Não importa

de quem são estes olhos?

para ela: “Pois eu quero experimentar a rigidez dos seus costumes.” Engana-se quem pensa que, por se tratar do início do século passado, a linguagem rebuscada e delicada prevaleça: o palavreado corre solto. Muitas vezes, pra lá de chulo. Adquirir um exemplar deles era tão fácil quanto o de qualquer outro periódico. Mas às vezes, nem tanto: em 1910, os Correios chegaram a interromper a distribuição por causa de um manifesto católico. O editor do semanário A Maçã, Humberto de Campos, respeitável membro da Academia Brasileira de Letras, defendia: Que mal fez até hoje ao mundo a nossa malícia? Promoveu a guerra entre a Inglaterra e o Egito? Destruiu a Liga das Nações? Desencadeou a luta civil? Aniquilou algum lar? Determinou algum suicídio? Absolutamente, não!. E finaliza, sobre a função das revistas masculinas: Dizer com graça, com arte, com literatura o que se costumava dizer por toda parte sem literatura, sem arte e muitas vezes sem graça. Saiba Mais Páginas de Sensação: Literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro, de Alessandra El Far (Companhia das Letras, 2004).

A dona destes olhos nasceu no Mato Grosso em 10 de fevereiro de 1976. Mudou-se para Minas Gerais aos 14 anos, sozinha. Queria estudar Medicina. Tornou-se modelo e jogadora de basquete. E mais: cantou em bares, em banda de reggae, participou de grupo de ritmos regionais. Composições sensíveis e voz doce moldaram seu destino como cantora. Sabe quem é? Confira a resposta na página 22

estação colheita O que se colhe

Atemoia, fruta-do-conde, graviola, banana, maçã, manga palmer, limão-taiti.


QUE FIGURA

Hugo Bidet. Profissão: “Não sou músico”

ressão p x e a igem d

Or

a, tta Badern ana Marie li o a ir it e a d n a ri rd a A bail um ve ão, causou . Tinha um il M e d la teatro Sca l do ui em 1851 famosa no presentar-se por aq os padrões do Brasi . a ra o as” a a p rn demais alvoroço “os bade nto liberal dados de e li e m p a a rt o o r g p a com ram lo design Seus fãs fo opularizando para p século 19. se u o b o aca A expressã gunça. e ba o sã fu n co

BADERNA

PANACEIA CEARENSE

Bálsamo da Vida Hugo Bidet, à esquerda.

o

peças de teatro e filmes. Era artista plástico de talento. Mas quando perguntavam sua profissão, respondia com pesar: “Não sou músico”. Está na história também por fundar a feira hippie da praça General Osório, em Ipanema. Escrevia ainda roteiros para tevê e colaborava com o Pasquim. Inspirado na figura, aliás, Ivan Lessa e Jaguar criaram o personagem B.D., sucesso nas páginas do jornal. Em 1977, após escrever uma carta em que dizia estar “louco, irremediavelmente louco”, deu um tiro no céu da boca. Não morreu. Pediu ajuda ao vizinho, foi tranquilamente ao táxi e ainda brincou com conhecidos no caminho. Mas, nove dias depois, Ipanema perdia um dos ícones do tempo em que o bairro “era só felicidade”.

Saiba Mais Ela é Carioca – Uma enciclopédia de Ipanema, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 2000).

reprodução/ab

apelido surgiu após promover um churrasco para 50 amigos em seu apartamento. Na falta de panelas, colocou as carnes de molho em bidês. De tão popular, o “sobrenome” passou a ser impresso até em seus talões de cheque. Hugo Bidet tornou-se uma lenda de Ipanema dos anos 1960. Diziam que estava em todos os bares do bairro (e no mesmo horário). Sempre de bolsa – foi um dos primeiros homens cariocas a usá-las – e, geralmente, na companhia de um ratinho branco. A alegria maior eram os desfiles da Banda de Ipanema, da qual foi um dos fundadores e uma espécie de baluarte. Empunhava um imponente trombone e, no meio da algazarra, ninguém percebia que ele apenas fingia tocar o instrumento. Entre um chope e outro, atuava em

enigma figurado

Não se deixe enganar pela pose comportada. Roberto e

Erasmo Carlos começaram na música com o rapazote, mas ele nada tinha de bom moço ou do estilo Jovem Guarda. Mudou-se para os Estados Unidos aos 16 anos e voltou, expatriado, trazendo a influência dos ritmos negros de lá. Um dueto com Elis Regina iniciou a trilha de sucesso do vozeirão. Quase 30 anos depois, passa mal num show. Em 15 de março de 1998, a música brasileira perdeu seu “síndico”.

problemas intestinais

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m uma das ruas que circundam a praça Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, um estabelecimento chama a atenção por suas estantes antigas e apenas um produto à venda. Não adianta insistir, na Farmácia dos Pobres só há o Bálsamo da Vida. Como se fosse pouco… De acordo com as prescrições, ele serve para curar de raladuras e queimaduras a problemas de intestino. Basta embeber um pouco em algodão e passar sobre o ferimento. Ou ingerir uma colher e meia, dissolvida em dois dedinhos de água. Sem relação com a rede pernambucana de farmácias, a Farmácia dos Pobres do Ceará comercializa o famoso elixir há 80 anos, desde que, conta Galego, atendente do lugar, “o próprio Padre Cícero ensinou a fórmula ao doutor José Geraldo da Cruz”. Cruz era o boticário de confiança do religioso-político. Acabou colhendo frutos da proximidade e se elegeu prefeito da cidade durante cinco mandatos. Hoje, sob coordenação de sua neta, o produto é fabricado pelo laboratório Balmedi. Em época de romaria, a procura por medicamentos populares é grande, mas nem sempre os romeiros podem comprar o elixir da Farmácia dos Pobres, ao custo de sete reais o vidro de 100 ml. Mais barato, o Bálsamo Maravilhoso Padre Cícero é vendido sob o sol nas barraquinhas de camelô. Geralmente acompanhado da pomada Padre Cícero, o vidro de 200 ml não passa de cinco reais. Entre os que preferem o Bálsamo de José Geraldo da Cruz, Galego destaca “aquele ator, o José Wilker, que é filho da terra. Manda buscar mês sim, mês não duas garrafinhas pelo tio dele, que mora aqui”.

R.: Confira a resposta na página 22

Saiba Mais Artes da Tradição: Mestres do povo, de Gilmar de Carvalho (Expressão Gráfica / UFC, 2005).

RAFAEL VILAROUCA

REPRODUÇÃO/AB

trata de raladuras a


TUDO MENOS CANELA

comeu meias e botas, mas

descobriu o Amazonas

MÁRCIO SILVA/CORREIO AMAZONENSE/AE

Orellana

F

oi tudo por causa de canela. Em busca de uma das mais valiosas especiarias da época, o espanhol Francisco de Orellana tornou-se o primeiro aventureiro a navegar pelo rio Amazonas, em 13 de fevereiro de 1542. Rumores diziam que a canela era abundante após a Cordilheira dos Andes. Só vendo para crer. A expedição não era nada modesta. Partiram de Quito, no Equador, 200 soldados montados a cavalo, seguidos por 150 a pé, dois mil cães e quatro mil carregadores de armas e mantimentos. Em seguida vinham duas mil lhamas abarrotadas e dois mil porcos que serviriam de alimento. Atravessando a Cordilheira, a Amazônia. Não demorou para que a tropa se perdesse na imensidão da floresta. De barco, os exploradores desceram o rio Coca, que leva ao Napo, afluente do Solimões, um dos que desembocam no rio Amazonas. Em dado momento, os integrantes da expedição foram dados como desaparecidos.

Rio Amazonas: 7 mil quilômetros dos Andes ao Atlântico

Enquanto isso, a tripulação que desbravava o maior rio do planeta se alimentava da carne de porcos, cavalos, cachorros. Pior: de meias e do couro de cintos e botas – a receita era ferver tudo com as ervas que encontravam pelas margens do rio. Seis meses depois, os sobreviventes desaguaram no Atlântico. Detalhes dessa aventura foram registrados por frei Gaspar de Carvajal em Descubrimiento del Rio de las Amazonas. Antes de perder um olho nas batalhas contra os índios, o frei batizou o rio de Amazonas em homenagem às figuras mitológicas da Grécia Antiga, parecidas com as grandes mulheres com arco-e-flecha que os espanhóis encontraram – e aniquilaram – pelo caminho. Em homenagem a Francisco de Orellana, o urucum foi batizado com o nome científico de Bixa orellana. O espanhol não encontrou canela, teve que comer couro de bota, mas levou a fama de descobridor.

Saiba Mais Novo Descobrimento do Grande Rio das Amazonas, de Cristobal de Acuna (Agir, 1994).

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REPRODUÇÃO/Ab

“Tom, diga a esse gringo que ele é um burro” m fins de 1962, músicos brasileiros apresentam a bossa nova no Carnegie Hall, em Nova Iorque. Dias depois, o produtor Creed Taylor, dono da gravadora Verve, acerta a gravação de um disco reunindo Tom Jobim, João Gilberto e o norte-americano Stan Getz, famoso saxofonista de jazz. No mesmo ano, Getz havia lançado Jazz Samba ao lado do guitarrista Charlie Byrd, que lhe apresentara o ritmo brasileiro. A gravação de Getz/Gilberto levou dois dias: 18 e 19 de março de 1963, nos Estados Unidos. No disco com Byrd, o saxofonista gravara Samba de uma Nota Só, tropeçando feio na melodia do refrão. João e Tom tocaram a canção para mostrar-lhe como deveria ser, mas Getz continuava

sem “pegá-la”. “Tom, diga a esse gringo que ele é um burro”, disse João. “Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”, repassou Jobim, em tradução livre. “Engraçado. Pelo tom de voz, não parece que é isto o que ele está dizendo…”, observou Getz. Na faixa Garota de Ipanema, ficou acertado que Astrud Gilberto, esposa de João, cantaria em inglês, dividindo os vocais com o marido, que cantaria em português. E assim foi feito. Mas como a gravação era um tanto longa para tocar nas rádios, o dono da gravadora simplesmente mandou cortar a parte de João Gilberto. E foi um sucesso. A música puxou o disco, que vendeu milhões, levou prêmios Grammy e virou clássico da música mundial.

Saiba Mais Chega de Saudade – A história e as histórias da Bossa Nova, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 1990).


PAPÉIS E PAPÉIS

REPRODUÇÃO/AB

Ex-catadora de papel mantém biblioteca com 22 mil livros Brasilsat A1

Copa deu empurrãzinho para primeiro satélite É

tempo de eliminatórias da Copa do Mundo de 1982, que aconteceria na Espanha. A seleção brasileira é uma das melhores da história. Mas muita gente por aqui não pôde conferir como deveria a performance de craques como Zico, Sócrates e Falcão. Houve problemas na transmissão de dois jogos da canarinha: nada de imagens, somente áudio. Explicação: falha no Intelsat, satélite da empresa multinacional de mesmo nome que servia ao Brasil. O temor era inevitável: e se acontecesse a mesma coisa durante a Copa? O incidente serviu para aquecer ainda mais as discussões sobre a necessidade de o Brasil ter seu próprio satélite. Para alívio da Pátria de Chuteiras, a transmissão da Copa, ainda com o Intelsat, transcorreu sem problemas. Mas não havia por que abusar da sorte. Três anos depois, em 8 de fevereiro de 1985, era lançado o Brasilsat A1, primeiro satélite brasileiro. Bem a tempo de transmitir a Copa de 1986. Quem disse que a obsessão nacional por futebol atravanca o progresso?

o baú do Barão “Em toda família boa há um sujeito à toa.” Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

ALEX DE JESUS/O TEMPO/FOLHA IMAGEM

SÓ NA PÁTRIA DE CHUTEIRAS

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m 1998, a mineira Vanilda de Jesus Pereira sofreu um derrame cerebral. Impossibilitada de retomar o trabalho de babá, passou a recolher papéis nas ruas. Havia um tipo, porém, que não destinava à reciclagem: os livros. Hoje seu acervo reúne cerca de 22 mil títulos, disponíveis na biblioteca Graça Rios, que fundou na favela de Paquetá, em Belo Horizonte. Desde muito cedo Vanilda manifestava interesse pela literatura, apesar de ter estudado apenas até a sexta série. O pai, analfabeto, achava leitura coisa à toa. Mulher tinha que aprender a cozinhar e a ser boa esposa. Em 1977, aos 14 anos, a menina foi trabalhar como babá. Certo dia, esqueceu de fazer uma tarefa. A patroa encontrou-a com um livro aberto: “Onde você quer chegar lendo?”, esbravejou. Foi demitida. Com o dinheiro que dispunha, tratou de comprar o livro da discórdia: Escrava Isaura. “Queria terminar de ler a história, uai…”. Quinze dias depois, a prima da ex-patroa a contratou. Além do novo emprego, ganhou passe livre para a biblioteca da casa. “Aqui você pode ler tudo.” A cada salário, mais livros. Guardava-os embaixo da cama. Com o tempo, o espaço ficou pequeno. Em vez de livrar-se dos títulos, alugou um barraco para abrigá-los. Em 2002 um jornalista descobriu o espaço.

Vanilda, entre seus livros.

Só então Vanilda deu-se conta de que possuía uma biblioteca. Aprendeu a catalogar os livros com a escritora Graça Rios (“Coloquei seu nome na biblioteca para homenageá-la em vida”), e passou a receber doações de outras entidades. Hoje, além de livros, a ex-catadora de papel, ex-empregada doméstica e ex-babá oferece alimento, aulas de reforço escolar e pré-vestibular para 130 crianças e jovens, além de alfabetizar adultos, oferecer sala de informática e ateliê de costura. “Nada foi planejado. Fui fazendo o que era possível”, diz. O empenho se expandiu além dos limites da favela. Com a ajuda de voluntários, leva almoço para os acompanhantes de enfermos de hospitais públicos. “Muitos vêm do interior, com pouquíssimo dinheiro, e essa comida é muito importante para eles.” Para arrecadar fundos, promove seis eventos por ano, como jantares e desfiles de moda. O projeto foi um dos 15 finalistas do prêmio Vivaleitura 2008. Ainda que não tenha se sagrado vitoriosa, Vanilda alegra-se com o reconhecimento. Só acha estranho quando não entendem sua dedicação. “Só por ser pobre e ter pouca cultura não posso ajudar os outros?”. E faz questão de encerrar a conversa com uma frase de Madre Teresa de Calcutá. “É assim: ‘Não tem pobre que não tem o que dar e nem rico que não precise receber’.”

Saiba Mais Biblioteca Graça Rios: rua Glauber Rocha, 334. Belo Horizonte-MG. Fone: (31) 3498-1547.


À

s escuras. Era assim que o Rio de Janeiro estava em meados do século 19. O sistema de iluminação pública da capital do Império era constituído por 925 candeeiros abastecidos com azeite de peixe. Só dava mesmo para garantir luz a algumas ruas e poucas igrejas. Mas a tecnologia estava a caminho do Novo Mundo. Em 1852, o Barão de Mauá inaugura no Rio a primeira fábrica de iluminação a gás de carvão mineral da América Latina. Dois anos depois, os cariocas são convidados a assistir ao início da operação dos lampiões a gás. Planos frustrados. As águas daquele março apagaram o projeto e suspenderam os festejos. Passado o temporal, em 25 de março de 1854 os primeiros 637 lampiões a gás iluminaram as ruas do centro da capital. A data homenageava os 30 anos da primeira Constituição brasileira. Três anos depois, a companhia do Barão de Mauá forneceria luz para toda a capital fluminense. Saiba Mais A História do Gás - Do Rio de Janeiro para o Brasil, de Murilo Melo Filho (CEG, 2005).

Tiraram Nossa Senhora do templo da folia 15

de fevereiro de 1878. Na pomposa inauguração do Theatro de Nossa Senhora da Paz, em Belém do Pará, a companhia do ator pernambucano Vicente Pontes encena o drama As Duas Órfãs, do francês Adolphe d’Ennery. Nem bem termina a temporada, o teatro é preparado com decoração especial para um evento bem menos solene: os bailes carnavalescos. Já no dia 24 acontece o primeiro baile de máscaras. As festividades se estendem até 5 de março. O jornal católico A Boa Nova

IOLANDA HUZAK

Águas de março apagaram festa dos lampiões no Rio

PEGOU MAL

Theatro da Paz, em Belém.

protesta. Não pegava bem associar Nossa Senhora a “peças ímpias e anti-clericais”. O Conselho do Conservatório Dramático Paraense sugere ao presidente da província reduzir o nome Theatro Nossa Senhora da Paz para simplesmente Theatro da Paz. A solução foi acatada, agradando foliões e cristãos. O teatro, que viveu seu auge no Ciclo da Borracha (1879-1912), é hoje um dos principais pontos turísticos da cidade.

Saiba Mais Site do teatro: www.theatrodapaz.com.br

ABAIXO DA FOTO, A LEGENDA

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São Cosme e São Damião Irmãos gêmeos e médicos, viveram na Ásia entre os séculos 3 e 4. Possuem poucos registros e sua história é envolvida em crenças populares. Exerciam a profissão gratuitamente e morreram martirizados por serem cristãos. Teriam se materializado para curar crianças. São padroeiros das profissões ligadas à medicina.

“Esse é o doutor Jorge, que salvou a minha vida”

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m 2003, o fotógrafo paulistano André François teve o filho atropelado. Foram 10 dias de angústia, exames e dor. Sem muito o que fazer além de esperar, passou a observar a rotina daqueles que povoavam as salas, quartos e corredores do hospital, e decidiu traduzir em imagens os cuidados com a saúde. Assim surgiu o projeto Humanizando Relações, que transformou médicos, enfermeiros e pacientes em fotógrafos – ou intérpretes – do próprio cotidiano. Em dois anos, cerca de 30 mil “fotógrafos da saúde” clicaram cenas de amor à vida, luta e dedicação em leitos e enfermarias de 31 hospitais. André resolveu então conferir a quantas andava a saúde nos rincões do Brasil. De Norte a Sul, fotografou médicos em barcos e salas de cirurgia improvisadas; registrou em preto e branco as dificuldades de quem oferece cuidados e de quem procura por eles. Um dos personagens que mais chamou a atenção foi um menino também chamado André,

que havia saído do Pará em busca de remédios contra leucemia – e só os encontrou em Goiânia. O pequeno xará conseguiu tratamento, mas morreu antes de ver as fotos reveladas. André acredita que, além de deixar o clima mais leve, o projeto pode fazer muita diferença na vida dos que se envolvem com ele. “As pessoas se transformam quando percebem a realidade que as rodeia. Depois que um médico viu a foto que um paciente tirou dele no mural, com a legenda: ‘esse é o doutor Jorge, que salvou minha vida’, mudou também a vida dele.”

ANDRÉ FRANçOIS/DIVULGAÇÃO

REPRODUÇÃO/AB

TECNOLOGIA A GÁS

Participantes do Humanizando Relações.

Saiba Mais Cuidar: Um documentário sobre a medicina humanizada no Brasil, de André François (editora do autor, 2007).


ár21-3ieas20-4 Uma das características mais marcantes dos arianos é o poder que têm para reagir rapidamente diante de situações inesperadas. Sempre se entusiasmam pelo desafio. Rotina não combina com esse signo regido por Marte. Em geral são expansivos, comunicativos, seguros. Mas também se enrolam todos quando sentem-se desprotegidos. Saiba que é difícil dominar um ariano: ele costuma fazer só o que lhe dá na cabeça.

FÉ INABALÁVEL

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LUIS FERNANDO VERISSIMO

Velhinha de Taubaté era a última que acreditava no governo

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m meio a tantas turbulências no cenário político do País, existiu uma única fé que permaneceu inabalada: a da personagem conhecida como Velhinha de Taubaté, uma senhora que passava boa parte do tempo na frente da tevê, assistindo ao desempenho de sucessivos governantes. E acreditava em tudo, absolutamente tudo que eles diziam. Desde que sua fama disseminou-se, a velhinha não teve mais sossego. Repórteres, políticos, pesquisadores de opinião, curiosos – todos queriam saber se ela seguia com sua incansável fé diante de cada novo escândalo. Aos numerosos visitantes, que por vezes chegavam em ônibus lotados, a boa velhinha tratava de oferecer seu deliciosos bolinhos de polvilho. A personagem foi revelada pelo escritor Luis Fernando Verissimo durante a gestão do presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985). E por anos teve passagens de sua vida relatadas pelo cronista, o mesmo que, em agosto de 2005, noticiou sua morte, aos 90 anos, no texto Velhinha de Taubaté (1915-2005). A última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo morreu diante da tevê, decepcionada com o quadro político brasileiro, talvez com o choque de alguma notícia. Em seus últimos dias, diante dos escândalos envolvendo o governo Lula, começou a apresentar sinais de desânimo e descrença. Há quem acredite em suicídio. A causa mortis permanece desconhecida.

Saiba Mais A Velhinha de Taubaté, de Luis Fernando Verissimo (L&PM, 1994).

“SOU PAGO PRA ISSO”

Maior artilheiro do Botafogo nunca comemorava os gols

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OLHA IMAGEM

atacante Quarentinha fez 313 gols pelo Botafogo, o que o tornou o maior artilheiro do clube carioca. Mas uma outra característica o colocou na história do futebol brasileiro: nunca celebrava os tentos. Podia ser em amistoso, meio de campeonato ou grandes finais. Marcava, virava-se e seguia indiferente até seu campo. Para quem tentava desvendar a razão de tamanha apatia, justificava: “Sou pago pra isso. É a minha obrigação”. A atitude aborrecia os diretores e parte da torcida. Mas a quantidade de gols – boa parte feita por sua potente canhota – calava as críticas. Defendeu a equipe da estrela solitária de 1954 a 1964. Por três anos seguidos foi artilheiro do Campeonato Carioca. Pela seleção, jogou 19 vezes, alcançando a ótima marca de 17 gols. Era avesso à badalação, dava poucas entrevistas e não permitia que a família fosse assistir aos jogos. Nunca presenteou o filho com uma camisa do Botafogo. “Quarentinha queria que ele se tornasse doutor”, explica Rafael Casé, autor da biografia do jogador. Para o escritor, o jeitão sisudo era apenas uma maneira de esconder a personalidade tímida. “Ele defendia-se da timidez dizendo que fazer gol era apenas sua função. Mas era brincalhão com os companheiros”, esclarece. Após a morte de Quarentinha, em 1996, o jornalista Armando Nogueira dedicou-lhe uma crônica, em que finalizava: “Sempre que o via voltando da área, cabisbaixo, eu o imaginava a parodiar, bem baixinho, os versos de Manuel Bandeira: Faço gol como quem chora / Faço gol como quem morre”. Saiba Mais Quarentinha: O artilheiro que não sorria, de Rafael Casé (Livros de Futebol, 2008).


Uma vida dedicada ao próximo A

vitalidade de dona Maria José Brisolla praticar ações em prol dos enfermos. NaqueForte Bertolaccini impressiona. Aos le momento tornava-se a primeira voluntá87 anos, é uma das mais ativas voluntárias ria da instituição fora da cidade de Jaú. E inspirava a criação das Ligas de Combate ao das Ligas de Combate ao Câncer. Tudo começou em 1993, quando, a partir de uma Câncer. Desde então o seu cotidiano movidoação sua para o Hospital Amaral Carvamentado se tornou ainda mais movimentalho, tornou-se a primeira voluntária da insdo. Promove jantares beneficentes, consegue tituição fora de Jaú, inspirando as Ligas que remédios, encaminha pacientes ao hospital. seriam formadas pouco depois. Mas a sua “Faço o que puder, o que estiver ao meu alpreocupação em ajudar o próximo havia cocance. Todos têm condições de amenizar o meçado muito tempo atrás. sofrimento do semelhante”. Dona Maria José A vocação para socorrer os que mais precisam A notoriedade que dona Maria José possui na vem desde pequenininha, na cidade de Iaras, em São Paulo, onde cidade ajuda na missão. Quando pede donativos, os doadores têm nasceu. Seus pais eram caridosos. Ajudavam os que estavam em certeza que vão realmente ser usados da forma correta. “O povo piores condições. Às vezes colocavam Maria José para ajudar na tem que confiar na pessoa a quem entrega a sua doação. Graças empreitada. “Meus pais sempre foram muito benevolentes, pessoa Deus, tenho um bom cartaz na cidade.” as de coração de ouro. Eu me lembro de levar comidinhas prepaNão é à toa. No fim do ano passado, a enérgica senhora recebeu radas pela minha mãe a uma velhinha pobre que morava perto da o título de Cidadã Avareense. Em 1997 também foi eleita veregente”, diz. Por toda a vida, manteve o hábito de estender a mão adora suplente, cargo que exerceu de fato em 2000. Quase aos aos que mais necessitam. 90 anos, suas atividades parecem crescer a cada dia. É membro Ainda menina, Maria José mudou-se para Avaré. Na cidade havia a ativa de vários movimentos pela cidade. A lista de entidades que única escola da região. Estudou e tornou-se professora. Hoje é uma contam com seu auxílio é grande: Corpo de Bombeiros, creches, das mais respeitadas educadoras da cidade. Gerações e gerações de asilos, conselhos de segurança, Rotary, Aspa, Apae. Para ela ainalunos foram alfabetizadas por ela. “Até o ator Tony Ramos”, faz da é pouco. “Tenho 87 anos, mas continuo cheia de energia. Vou questão de lembrar. Exerceu a profissão durante 32 anos. até na academia fazer hidroginástica.” Enquanto lecionava, Maria José continuava a colaborar com a Apesar da alegria e da disposição, Maria José sofreu um baque há igreja e com as entidades assistenciais da cidade. Desdobrava-se. poucos anos: a perda do marido Massimiliano Bertolaccini, pouco Em 1973, começou a dar assistência a uma entidade de combate antes de completarem 50 anos de união. Mas os três filhos – Hévila ao câncer. Apaixonou-se pela causa e tornou-se membro ativa do Cristina, Luciano Ricardo e Max Cesar –, ajudam a mãe a manter grupo. A partir de 1978 foi diretora da instituição, sempre à frenativos seus projetos assistenciais. Há pelo menos três gerações te de ações que amenizavam a doença de quem sofre desse mal. essa família mantém a generosidade como estilo de vida. “Essa é Em 1993, promoveu ações em Avaré e conseguiu doar um bom a minha missão. Enquanto tiver saúde vou continuar a ajudar o dinheiro para o Hospital Amaral Carvalho, além de começar a meu semelhante”.

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DRAUZIO VARELLA

Não lido com a morte, mas sim com a vida

fotos: edi pereira

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Ele tinha apenas seis anos quando houve o primeiro encontro com a medicina. O doutor prescreveu tratamento estranho para uma nefrite: injeções de penicilina, 30 dias de repouso absoluto e um regime alimentar impensável - seis dias sem comer, três sem beber. Talvez tenha sido para mudar isso que, quando ouviu a pergunta do pai sobre o que queria ser quando crescesse, não vacilou: médico. Era coisa difícil para o filho de operário, mas aos 18 anos entrou na Faculdade de Medicina da USP. Logo se tornaria cancerologista. Para se virar, dava aula de química - foi um dos fundadores do Objetivo, hoje uma megarrede de ensino. Pioneiro no Tratamento da aids no Brasil, cruzou as portas do Carandiru pela primeira vez em 1989. Só abandonou o trajeto em 2002, com a desativação do presídio. A experiência rendeu o estrondo editorial Estação Carandiru, que o lançou de vez ao mundo da mídia, sem nunca deixar a medicina. Divide-se, portanto, entre escrever livros (lá se vão nove), programas de tevê, colunas de jornal e revista, a clínica oncológica e o consultório. E uma boa cachacinha nas horas vagas, que doutor nenhum é de ferro.


Como é lidar com a morte de maneira tão intensa? Não acho que lido com a morte, mas sim com a vida. Quando comecei a trabalhar em oncologia, costumava ver os exames e ficar angustiado. Mas o tempo vai te ensinando a enxergar a vida de outra maneira. Há alguns anos, tive uma febre amarela e quase morri. Ia morrer muito antes dos meus pacientes. Hoje procuro pensar na vida que aquela pessoa tem, de que maneira posso tornar essa vida melhor – se possível, mais longa também. O que é preciso entender é que, apesar da doença, os pacientes estão vivos ainda. Estão saindo, passeando, vendo televisão. Sei o risco que correm, lógico. Mas a vida tem tantas variáveis…

Apesar da doença, os pacientes estão vivos, saindo, passeando, vendo tevê. Sei o risco que correm, mas a vida tem tantas variáveis...

A sua doença causou bastante espanto. Assusta um médico morrer? Assusta. Quando minha mãe morreu, eu tinha quatro anos. Passado um tempo, minha avó comentou com alguém: “Olha, morreu tal médico com a mesma doença da Lídia”. Eu devia ter uns cinco, seis anos. Tomei um choque: “Médico morre?”. Fiquei imaginando o médico sofrendo como minha mãe sofreu. Achei um absurdo aquilo. Essa imagem ficou. Há também um fator adicional nesse estranhamento da minha doença: o fato de uma pessoa como eu, envolvida até os ossos em educação e saúde pública, pegar febre amarela por não ter tomado a vacina. Você sentiu culpa? Em nenhum momento me senti culpado por não ter tomado vacina, mas apenas por ter dado o trabalho que dei para minha mulher e para as minhas filhas, por deixá-las tão preocupadas. A Regina nunca achou que eu fosse morrer, nem a minha filha mais velha. Mas a mais nova, que é médica, tenho certeza que sim. Ela ficou muito assustada. Isso me fez sentir um pouco culpado. “Por que não tomei essa droga de vacina?!” A questão é que eu ia para este mesmo lugar da Amazônia desde 1992, e nunca tinha ouvido falar de um caso de febre amarela por lá. Você achou que ia morrer? Eu tinha certeza. Certeza absoluta.

O médico se sente mais frágil ou mais forte diante da doença? Fiquei surpreso com a minha racionalidade. Fui analisando os dados como se eu fosse o meu próprio médico. E cheguei à conclusão de que não tinha jeito. Hoje, quando olho os exames todos, fico surpreso. Meu fígado foi acabando. Eu ia entrar em coma hepático. Cheguei muito perto disso, num pré-coma, e muito torporoso, achando que era o fim. Me dava mais 24 horas, no máximo 48. A febre amarela tem uma mortalidade altíssima.

Como você foi parar na televisão? Quando você entra numa empreitada deste tipo, não tem ideia de onde vai chegar. A repercussão foi brutal. As pessoas te param na rua, fazem comentários. Lembro que uma vez estava tomando uma cachaça com o pessoal do Carandiru, quando uma senhora que vinha passando falou, em tom de bronca: “Mas, doutor Drauzio, o senhor bebendo pinga?!”. Fazer o quê? Adoro uma cachacinha… Mas enfim, na primeira série que fiz no Fantástico, sobre o corpo humano, peguei imagens da BBC. Tinha a curiosidade de encontrar a linguagem precisa para que as pessoas simples pudessem entender o que é um óvulo, que caminha pela trompa, que cai no útero, que é fecundado. A audiência foi impressionante. Eu não planejava fazer mais televisão, só que pensava: “Como entender esse fenômeno? Não é nenhum Rodrigo Santoro que está lá explicando ciência, mas um médico. Existe uma demanda por esse tipo de informação. São 50 milhões de pessoas interessados nisso”. Aí não tive mais coragem de parar. Qual foi o maior desafio? Em geral, os médicos falam da forma mais técnica possível. Você não pode falar na televisão preocupado com o colega da sala ao lado do hospital. É esse o desafio constante: pegar um fenômeno complexo e explicá-lo de um jeito simples, que as pessoas entendam, sem perder a precisão científica. Se você não estiver convencido de que as pessoas entenderão, não terá convicção. E elas não vão acreditar no que você está dizendo. É um exercício permanente, e ainda estou aprendendo isso.

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Como encontrar o tom adequado? Acho que minha carreira de professor ajudou. Dos 18 aos 38 anos dei aula de Química em cursinho. Quando entrei na faculdade, comecei a lecionar. Era uma sala de 400, 500 alunos. Dava 25 vezes por semana a mesma aula. Nem em teatro se faz isso. Quando chegava em determinado ponto do quadro negro, já sabia que era a hora de tocar o sinal. Era impressionante.

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50, cem anos. Ela começou a existir depois dos antibióticos, dos anti-inflamatórios, da morfina. E, mesmo assim, o que o médico fazia? Receitava de um jeito que só o farmacêutico conseguia ler. E aí o coitado do paciente ficava numa ignorância completa. Hoje tem que ser diferente. A função básica da medicina é aliviar o sofrimento humano por meio de técnicas e medicamentos. E a forma mais importante de todas é a prevenção – aliviar o sofrimento antes que ele aconteça. Isso tem que ser feito através da informação, um instrumento fundamental da medicina. Não há medicina sem informação. Muitos médicos faziam isso nas praças das cidades pequenas. O cliente saía do consultório, ele dizia: “Sua criança não está agasalhada”, “Você está sentado torto”. Hoje, onde está a praça? A praça é a emissora de televisão, a estação de rádio, o jornal. Ignorar isso é viver no tempo do obscurantismo.

Não pesa a responsabilidade de estar em cadeia nacional? Eu tenho 67 anos e uma clínica grande em São Paulo, uma das maiores em oncologia. Em outra especialidade talvez o cara consiga enganar, agora, não tem nenhum oncologista que tenha clínica durante muito tempo e que seja incompetente. Eu tenho o maior prazer em estudar, acompanho o que está acontecendo na medicina. Vou a quatro, cinco congressos internacionais por ano. Essa coisa de escrever para jornal e fazer televisão me obriga a estudar muito. Imagine a patrulha de uma classe médica se você fala uma bobagem. Tudo o que você fez desaparece em 24 horas. Eu sabia muito pouco sobre obesidade antes de fazer a série para o Fantástico. Há 40 anos, quando me formei, gordo era um cara que come muito, sem vergonha e mentiroso. Então fui ler a bioquímica da obesidade. Estudei seis meses para isso. Terminei a série e conversava com endocrinologistas de igual para igual. Aprendi uma visão da obesidade que acho que os endocrinologistas ainda não têm. O gordo não é gordo porque come, ele come porque é gordo. Vê o magro: ele come pouquinho, não gosta de carne gorda. O gordo, na hora em que se põe o espeto da churrascaria na frente Não há medicina dele, o olho brilha. Ele tem outra relação sem informação. com a comida. Não há entre os médicos um sentimento de exclusividade do conhecimento, que vai na contramão do que você vem praticando? Isso é um mau entendimento da profissão, um poder detido corporativamente. “Se você é leigo, não vou perder tempo explicando questões complicadas sobre a sua saúde.” A medicina não existia há

Mas há um mau entendimento da profissão: ‘Se você é leigo, não vou perder tempo’.

Há médicos que ainda pensam dessa maneira? Acho que sim. Embora os médicos talvez sejam a categoria que mais se comunica com a população. Faça o exercício: qual a grande preocupação do conjunto dos arquitetos do Brasil? Ninguém sabe. Por outro lado, você não encontra uma pessoa em São Paulo que não saiba que engordar faz mal à saúde, que não saiba o que é colesterol. Pode não saber exatamente, mas já ouviu falar. Os médicos conseguiram transmitir e incorporar uma série de informações importantes, ainda que, na minha opinião, continuem explorando muito pouco o poder dos meios de comunicação. As crianças hoje são medicadas regularmente por distúrbios diversos. Mudaram as crianças ou foi a medicina que mudou? Acho que as duas coisas. Há problemas que, antigamente, passavam batido. Uma criança que não prestava atenção em nada era tida como endiabrada. Hoje se sabe que ela tem uma patologia, que pode ser tratada. Vai dizer que não existia síndrome do pânico? Lógico que existia. Só que, se uma mulher de repente sentia o coração disparar e ficava assustada, diziam: “Ah, mulher é assim mesmo. É nervosa, mal-amada”.


Não há um certo exagero? Lógico. Se o moleque é um pouquinho mais desobediente, dão remédio pra ele. Mas aí é por ignorância, ou por incompetência profissional. Dessa quantidade de gente que toma antidepressivo, quantos casos são realmente depressão? O sujeito briga com a namorada, fica um tempo mal, vai ao médico e ganha um antidepressivo de presente para tomar durante um ano. E depois não consegue mais largar. É lamentável. Mas acho que podemos entrar em um equilíbrio racional. Há 20 anos, se um sujeito tinha uma febre de 37,5º, tomava antibiótico. Hoje vejo que os médicos jovens não receitam antibiótico com essa facilidade. Voltando à depressão, é uma doença pavorosa. Se tem uma coisa na vida de que eu tenho medo é depressão. Você pode ter um câncer grave, mas estar alegre, tocando a vida. Não está tão mal quanto um cara que está deprimido. Ele quer morrer – e muitos se matam. Acorda de manhã e não vê nenhum prazer na vida. Não consegue sair disso. Muita gente fala: “Reage, sai, vai ao cinema”. Só que se ele conseguisse fazer isso, não estaria deprimido. E, de repente, você dá um remédio para esse cara, três meses depois ele é outra pessoa. Há que se considerar isso. De um lado tem o abuso; do outro, o impacto que essas drogas trouxeram para a qualidade de vida.

Não tenho dúvidas. A obesidade é a maior e mais grave de todas as epidemias do nosso tempo.

A gordura trans tornou-se a grande vilã da humanidade nos últimos tempos. O que acha disso? Não acredito na visão corrente sobre a alimentação que diz que para você ter uma dieta saudável, não pode ingerir gordura trans, ou precisa ter baixa ingestão de gordura. Isso pra mim é coisa mal resolvida na medicina. Há vegetarianos com 350 de colesterol, e caras gordos – que comem 5 mil calorias por dia – com colesterol 160. Os fatores genéticos são muito fortes. Essas substâncias contidas nos alimentos industrializados não fazem mal nenhum. Temos uma capacidade enorme de processar essas substâncias. Se todas fossem drogas, o que aconteceria com a incidência das doenças? Um exemplo

é o câncer de estômago, uma das doenças mais comuns no País. Compare a produção de alimentos industrializados com a incidência de câncer em determinado período. Quanto mais alimentos industrializados, menos câncer a gente tem. Como se explica uma coisa dessas? Deveria ser o contrário. O que acontece é que os alimentos industrializados são conservados com tecnologia sofisticada, de acordo com padrões rigorosos. Em resumo, se sua dieta proporciona os micronutrientes necessários, vitaminas, sais minerais – algo que você consegue com uma dieta rica em frutas e legumes – o corpo trata de combater o que é nocivo. O que há que se cuidar é do excesso de calorias.

Esta é outra obsessão nestes tempos, não? As revistas, periodicamente, publicam uma nova dieta. E vendem. Só que funciona apenas durante um mês. Depois o cara engorda tudo o que perdeu. Investir em uma dieta saudável seria dizer: não coma muito, coma frutas e legumes. Só que se eu planto maçã não vou anunciar, porque o cara pode ir lá e comprar a maçã que outro produz. É dinheiro perdido. Agora, se vendo uma bolachinha com formato de coração com recheio, que tem cem calorias cada uma, o cara investe, porque sabe que vai ter retorno. Essa é uma estrutura perigosa. Se você come muito, vai pagar um preço por isso. Esse é o grande problema do mundo moderno: ficar mais gordo do que devia. O homem tem que ser ativo, tem que andar, não nasceu para passar o dia como passamos. Você diria que o sedentarismo é a maior epidemia de hoje? Hoje não há 20% da população das grandes cidades se exercitando. Essa vida vai levar a doenças que terão um custo brutal. Os Estados Unidos acham que isso vai quebrar o sistema de saúde. Eles investem 20% do Produto Nacional Bruto em saúde, imagine… O sedentarismo leva à obesidade, que leva à diabetes, hipertensão arterial, doenças reumatológicas. Não tenho dúvidas: trata-se da maior e mais grave de todas as epidemias do nosso tempo.

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Rei do rock o r i e l i s a r b

ix as R aul Se

Ele nasceu apaixonado pelos segredos do universo e pelo desejo de transpor barreiras. Com visual a la Elvis Presley, saiu da Bahia para mostrar como o Brasil podia fazer rock and roll. Desafiador, misturou baião com guitarra e

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JUVENAL PEREIRA/AE

urrou palavras reproduzidas como

R

aul pequeno era muito inteligente e travesso. Pegava os cadernos do colégio para fazer histórias, como se fossem quadrinhos. Escrevia, desenhava e vendia para o irmão. E o bobo comprava. A lembrança é de dona Maria Eugênia, que o trouxe ao mundo em 28 de junho de 1945, em Salvador. Ao invés de ir à escola, o menino queria mesmo era saber dos mistérios da vida, ser escritor como Jorge Amado, “viver de literatura, ficar assim em casa escrevendo, a camisa arregaçada, o cigarro com uma cinza enorme”. Lia de astronomia a Dom Quixote, e andava com uma vassoura dentro de casa, pregando como filósofo. Achavam que fosse louco. Não estavam de todo errados. Em 1962, forma o primeiro conjunto, os Relâmpagos do Rock. Nos shows, era comum dissertar sobre Freud: “Era

hinos até hoje, mais de duas décadas depois de sua morte.

tão incrível eu falar de ego e de superego pros caras, não entendiam nada”. Já com o nome The Panters, tocam com Roberto Carlos e Wanderléa. Em 1968 sai o disco RaulZito e os Panteras. Em 1970, Raul deixa a banda e vira produtor da gravadora CBS. Compõe 80 músicas para artistas como Jerry Adriani, Trio Ternura, Renato e seus Blues Caps, entre outros. Mas o trabalho o entediou até o cavanhaque. Resolve fazer um disco ousado, caótico: junta Miriam Batucada, Sérgio Sampaio, Edy Star, o porteiro do prédio, o pipoqueiro da rua e quem mais passasse. A Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez é, segundo o fundador de seu fã-clube oficial, Sylvio Passos, um dos discos mais conhecidos de Raul no exterior. No sétimo Festival Internacional da Canção, de 1972, com


Foi testando a abertura militar aos poucos. Quando a letra de Rock das Aranha volta riscada com um enorme X vermelho, entende qual era o maior problema dos militares: sexo. roupas de couro e topete a la Elvis, emplaca Let me Sing, inusitada mistura de rock com baião. Em seguida lança o compacto Ouro de Tolo, prensado duas vezes em apenas uma semana.

O louco e o mago “Se fizer uma lista com os dez maiores discos do Brasil de todos os tempos, eu boto o Krig-Ha, Bandolo! entre eles.” Quem diz é Gilberto Gil. Krig-Ha, Bandolo!, grito de guerra de Tarzan, significa “Cuidado, aí vem o inimigo”. O disco marca o início da parceria com Paulo Coelho. Raul contava que se conheceram enquanto um disco voador sobrevOava a Barra da Tijuca. O álbum Gita, de 1974, traz alguns de seus maiores sucessos: SOS, Trem das Sete, Sociedade Alternativa, além da faixa título. Mais de 600 mil cópias vendidas. Em 1975, Novo Aeon, o álbum preferido de Raul, vendeu um décimo do predecessor. Ainda assim, seus shows duravam duas horas e meia: “Eu não fazia shows propriamente. Eu fazia discursos, queria dizer coisas às pessoas.” Os próximos trabalhos, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás (1976) e O Dia em que a Terra Parou (1977), também não repetiram o sucesso, mas fizeram interessante contraponto de canções irônicas com baladas, mostrando complexidade lírica e apurado tino poético. Por volta de 1978, seu corpo franzino deu os primeiros sinais do desgaste provocado pelo alcoolismo. Recupera-se na fazenda da família no interior da Bahia. Em 1979, lança o disco Mata Virgem. Mas sua volta triunfal é mesmo em 1980, com Abre-te Sésamo. Raul foi testando a abertura militar aos poucos: primeiro mandou para a censura a letra da faixa título, que faz analogia dos militares com Ali Babá

e os Quarenta Ladrões. Aprovada. Depois veio a música Aluga-se (“A solução é alugar o Brasil”), também aprovada. Se a esmola é demais, o santo desconfia. Quando a letra de Rock das Aranha (“Vem cá, mulher / Deixa de manha / A minha cobra quer comer sua aranha”) voltou riscada com um enorme X vermelho, entendeu qual era o maior problema dos militares no momento: sexo.

O rei e o rei Em 1983, Raul lança o LP Raul Seixas e participa do musical infantil Plunct Plact Zum, com a música Carimbador Maluco. O trecho “Tem que ser selado, registrado, carimbado / Avaliado, rotulado se quiser voar” é tirado do livro do anarquista Jean-Pierre Proudhon, A Propriedade é um Roubo. Depois de alguns anos sem fazer shows, e com discos pouco reconhecidos, Marcelo Nova, seu fã e ex-vocalista da banda Camisa de Vênus, chama-o para uma série de apresentações pelo Brasil. Desbanca qualquer negativa com o argumento: “Raul, quem foi rei nunca perde a majestade”. Fizeram quase 50 shows, culminando no disco A Panela do Diabo, de 1989. Marcelo lembra: “Era visível o estrago que 20 anos de alcoolismo fizeram no organismo de Raulzito. Mas o mais importante era o fato de que o desejo de trabalhar, de mostrar que era capaz, era superior a qualquer processo de debilidade física”. Em 21 de agosto de 1989, dois dias depois do lançamento do último disco, Raul morre, com o retrato de Elvis a seu lado.

SAIBA MAIS Raul Seixas: Uma antologia, de Sylvio Passos e Toninho Buda (Martin Claret, 2000).

O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO

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Texto: Bruno Hoffmann Arte: Guilherme Resende

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Não adianta tentar escapar. Mesmo os mais céticos são um pouco supersticiosos. “Evitar superstição já é outra superstição”, dizia o filósofo inglês Francis Bacon. A máxima vale ainda mais em terras brasileiras. A mistura de lendas indígenas, europeias e africanas criou vasto cardápio de crenças e mandingas. oa parte de nossas crendices está ligada a religiões populares do Brasil, como catolicismo, umbanda e candomblé – e, em muitos casos, a uma mistura das três. A superstição baseia-se na fé ou no medo. Se tal ritual não for cumprido, “coisas más hão de acontecer”. E que ninguém ouse desafiar as forças ocultas. Mesmo os “doutores” não a deixam de lado. “Joaquim Nabuco não era supersticioso. Mas não passava por debaixo de uma escada. Nem o Barão do Rio Branco. Nem João Pessoa, presidente da Paraíba, ministro do Supremo Tribunal Militar”, narra o escritor Afonso Lopes de Almeida. De cidadezinhas a grandes metrópoles, o povo não esquece os rituais que trazem sorte. Há quem corta o bolo de aniversário de baixo pra cima (pra subir na vida). Quem não oferece a primeira bolacha do pacote (pra não perder o namorado). Quem bate na madeira (pra evitar que algo dito aConteça).

Quem se apavora ao cruzar com um gato preto, e quem não esquece o amuleto da sorte. O folclorista Câmara Cascudo explica: “As superstições participam da própria essência intelectual humana. Não há momento na história do mundo sem a sua inevitável presença”. Mas, claro, há os mais exagerados, que incorporam o hábito para toda a vida. O dicionário Houaiss não dá uma definição muito simpática para o termo. Superstição: crença ou noção sem base na razão ou no conhecimento, que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a depositar confiança em coisas absurdas, sem nenhuma relação racional entre os fatos e as supostas causas a eles associadas; crendice, misticismo. Pelo sim, pelo não, o povo continua com suas crendices e misticismos. Afinal, como reza a sabedoria popular: se bem não faz, mal não há de fazer.


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A MAIS POPULAR DO BR FITINHA

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inha nega / vai ao Bonfim, m em Qu a: sin en i ta sorte tem / Dorival Caymm ta sorte teve / Mui ui M / r lta vo er o? / Então vá. Nunca mais qu Bahia, nega? / Nã à i fo já cê Vo / do Senhor do Muita sorte terá prar uma fitinha m co se a nd ai e Terá mais sort pulares do País. amuletos mais po s do um , m nfi Bo 10 centavos. ada: não passa de ar m a ca é o eç pr O brasileiro, é usad etismo religioso cr sin á, do al lo Ox e bo m m Sí do Bonfi s Cristo, Senhor su ou ao tornozelo Je r lso ta pu al ex ao ra -la pa rá ar am iso ec sim que a orixás. É pr será atendido as e o pai de todos os qu , do di pe um dão, agora ra cada nó, cia. Antes de algo ên com três nós. Pa ci pa a nh te as um ano ralmente. M demorar mais de m fitinha cair natu de Po o. tic té material sin elas são feitas de . er nd para se despre

“Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado.”

Querendo casar? Coloque uma imagem de santo Antônio de ponta-cabeça dentro de um recipiente cheio de água. E só desafogue o santinho depois que ele lhe arrumar um par.

Neném Prancha, filósofo da bola

Revólver descarregado e praga de meio-dia Meio-dia é um horário temido para muitos. “É uma das horas abertas em que o Diabo se solta, os doentes pioram, os feitiços ganham poderio nas encruzilhadas desertas”, explica Câmara Cascudo. Ele ainda sugere que não se pragueje, cante alto, assobie ou tampouco abra os braços quando os ponteiros do relógio marcarem meio-dia. O folclorista ainda lembra da frase de um professor: “Só temo neste mundo a revólveR descarregado e praga ao meio-dia!”.

E que tudo mais vá pro paraíso A vida de Roberto Carlos é cercada de manias e superstições. O cantor evita a cor marrom, passa longe do número 13 e adora se vestir de azul. Nunca usou a expressão “fita demo”, aquelas fitinhas cassete para demonstrar o trabalho. Preferia “fita amo”. Durante anos se recusou a tocar um dos principais sucessos do início da carreira, Quero que Vá Tudo pro Inferno, por causa da palavrinha diabólica. Certa vez, numa coletiva de imprensa, o organizador colocou a canção para tocar. Na hora do refrão, em vez de entrar a palavra da discórdia, surgiu a voz de Cid Moreira recitando um salmo da Bíblia.

Da Europa veio a crença de que gato preto dá azar. Saiba o que falam sobre o pobre bichano: O patuá é um amulet Transmite asma e coqueluche. Só curáveis ao comer a carne do gato assada. Não ama seus donos, mas sim a casa em que vive. Por isso, ao se mudar, é preciso levar o gato dentro de um saco para que não saiba aonde está indo. Também é preciso passar azeite no focinho do bichano, para que perca o faro e não encontre o caminho de volta. O diabo constantemente toma a forma de um gato preto. Se pisar no rabo de um gato, o sujeito não se casará durante um ano.

o fe com a cor e o nome ito de determinado orixá. Pode conter conchas,. ou ervaso. s a g n a ç i m roteçã p r e t b ara o Serve p

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relha o a r i t n Se se ardendo, alguém está faland o mal de vo Imediata cê. mente de v e-se m cola

rinho da order o camisa. O morderá fofoqueir a própria o língua.

Lampião se deu mal em Mossoró

Em 1927, um comparsa de Lampião sugeriu atacar Mossoró, no Rio Grande do Norte. Ideia rechaçada pelo capitão. Primeiro por ser devoto de santa Luzia, a padroeira do município. Depois, por não gostar de atacar cidades que tinham quatro igrejas – ou “quatro torres”, como dizia. Mas, diante da insistência, acabou aceitando o ataque, sob a justificativa de que o povo da cidade era pacato, até covarde. Resultado: o capitão sofreu uma vexatória derrota no embate com os mossoroenses. 20

Entrar na casa de Santos Dumont? Só com o pé direito Quer saber mais uma invenção de Santos Dumont? Na casa que construiu, em Petrópolis, a escada de acesso tinha apenas um pedaço de madeira do lado direito – o equivalente a meio degrau. Ou seja: o visitante era obrigado a começar a visita com o pé direito. A casa existe até hoje, e se tornou um museu em memória do supersticioso pai da aviação.

asta f a a d

Arru

maus espíritos,

doenças e outras enf ermidade s.

nuário O sapo de São Ja

Em 1937, estava marcado um jogo entre Vasco da Gama e Andaraí. Mas a delegação vascaína se atrasou devido a um acidente de trânsito. O árbitro já cogitava encerrar a partida e proclamar o Andaraí vencedor. Mas os jogadores, compreensivos, pediram para esperar um pouco mais. Mesmo sob uma chuva torrencial. Os vascaínos chegaram e fizeram pouco caso do fair play: meteram impiedosos 12 a 0. O ponta-esquerda Arubinha resolveu se vingar. Afirmou que havia enterrado um sapo no campo do Vasco e rogado uma praga: “Se houver um Deus no céu, o Vasco da Gama há de ficar 12 anos sem ganhar”. Um ano por gol sofrido naquela tarde chuvosa. E, de fato, o Vasco passou a não ganhar nada. Até que um dia um dirigente do clube chamou Arubinha para conversar. “Vamos esquecer aquela história. A partir de agora você trabalhará aqui no clube, com um ordenado bom. Mas me diga uma coisa: onde está o sapo?” Arubinha confessou que não havia sapo algum, e prometeu retirar a praga. Oito anos depois do massacre do Andaraí, o Vasco se tornou campeão invicto.

, amazônica m e ig r o e D o muiraquitã simboliza a felicidade no ca samento. O amulet o era ofer pelas ecido í aos h ndias icam iabas que omens visit avam a trib o.

A figa surgiu na Roma antiga e m culto à fertilid ade.

O polegar entr e o indicador e o dedo méd simboliza o at io o sexual. Tem pos depois passou a ser u sada para afas tar maus-olh e feitiços. Se ados perder uma fi ga, não se preo em procurá-l cupe a. Toda a carg a negativa qu recairia sobre e você foi embo ra com ela.


Azar ou sorte?

É notório que o número 13 dá azar, certo? Menos para o técnico Zagallo, que vê o 13 em tudo – e sempre como um sinal de bom presságio. Após vencer a Copa América de 2004 contra a Argentina, o Velho Lobo disparou a pérola: “‘Argentina vice’ tem 13 letras!”. “‘Brasil sem hexa’ também”, lembrou um argentino maldoso, dois anos depois, na Copa do Mundo.

Passa ra um há virada do an bito in spirad o de branco de orige é o em r m africa e l i g iõe na. Simb oliza s pureza e pa z. Mas muita gente não esquece amarelo e lh ta e d ro. m u de ir dinhei a r t a a r pa

Além das bruxas Para afastar visitas indesejáveis, recomenda-se colocar uma vassoura de ponta-cabeça atrás da porta. Não se deve deixar crianças brincarem de montar nelas, sob pena de tornarem-se infelizes. Varrer à noite afasta a tranquilidade da casa. Quando a vassoura ficar velha, deve-se queimá-la em vez de jogar fora. É para manter a felicidade do lar.

A cibernética (e assustadora) menina Samara As correntes de internet já se tornaram uma praga dos nossos tempos. E existe de todos os tipos: para encontrar o amor, se tornar rico, achar um bom emprego. Basta que o internauta repasse a mensagem para determinado número de e-mails. Uma das correntes mais assustadoras – ou cômicas – é a da menina Samara: Oi, meu nome é Samara, tenho 14 anos (teria se estivesse viva), morri aos 13 em Cascavel-PR [...] Envie isso para 20 amigos e minha alma estará sendo salva por você e pelos outros 20 que receberão. Caso não repasse essa mensagem vou visitar-lhe hoje à noite. Não quebre essa corrente por favor, a não ser que queira sentir a minha presença. Pelo sim, pelo não, Samara tornou-se uma celebridade da internet.

rcações Boa parte das emba do rio São Francisco costumava trazer a imagem de uma assustadora carranca na proa. Os ribeirinho a imagem s acreditavam que ajudava os ser a espanta es mis r t e que vi viam n riosos as águ as do rio.

Que a seleçã o brasileira se cuide

Uma feiticeira local diz ter a re ceita para fazer a se leção da África do Sul vencer a Copa de 2010. “Basta eu pass ar sangue de co elho nos jogadores antes das partid as.”

Sal: confiança ou traição?

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Tanto na Europa quanto no Brasil, o sal é um símbolo da amizade. “Não te deves fiar senão daquele com quem já comeste um moio de sal”, relembra o folclorista Pedro Chaves. No entanto, derramar o sal é um símbolo do repúdio e da traição. Não à toa, Leonardo da Vinci retratou a Santa Ceia com o saleiro caído diante de Judas. Também era hábito cobrir de sal o chão da propriedade dos condenados. Foi o que aconteceu com Tiradentes antes do enforcamento – para que nada mais cresça, impõem os detratores.

o prato

deve ser o c r o p e Carne d incipal do réveillon.

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Como o animal fuça pra frente, garante prosperida de o ano tod o. Já o per u deve s Ele cisca er evita do. pra trás .

tição no Sa iba Ma is Supers

Brasil, de Luís da Câma

ra Cascudo (Global,

20 01) .


O Calculista das Arábias

ligue os pontos

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b A menos de 100 quilômetros do local em que liderou o principal quilombo brasileiro, ergueu-se um aeroporto que o homenageia.

3

c A chegada ao aeroporto que leva seu nome serviu de inspiração para uma de suas obras mais conhecidas. Mas não gostava de voar.

4

d Quando aviões passaram a pousar no aeroporto que hoje leva seu nome, já tinha criado sua obra mais lembrada, lançada três anos antes.

acervo da família

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a O aeroporto da cidade que construiu para ser capital da República leva seu nome. Pousou ali pela primeira vez em 1957.

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan Um mercador do Cairo teve a sorte de o sábio Beremiz Samir passar pelo mercado no momento em que precisou recorrer ao geômetra. Experiente e ágil, apesar de confuso com a situação, o mercador dispunha de oito pérolas iguais na forma, no tamanho e na cor. Dessas oito pérolas, lhe garantiram que sete tinham o mesmo peso. A oitava, entretanto, era um pouquinho mais leve que as demais. Ele precisava descobrir e apontar, com toda a segurança, a pérola mais leve. Para isso usaria uma balança com dois longos braços e pratos bem leves. Sensível e exata. Porém, poderia efetuar somente duas pesagens. Qual a solução simples que deu Beremiz para o problema do aflito comerciante?

teste o nível de sua brasilidade

Palavras Cruzadas

Capital de Pernambuco até 1827: (a) Olinda (b) Caruaru (c) Jaboatão dos Guararapes (d) Paulista Capital planejada, construída a partir de 1849 (a) Brasília (b) Belo Horizonte (c) Manaus (d) Palmas À frente da saúde pública carioca, Oswaldo Cruz combateu a: (a) Febre amarela (b) Gripe Suína (c) Desnutrição (d) Dengue Primeiro nome do primeiro presidente do Brasil: (a) Floriano (b) Deodoro (c) Rui (d) Prudente Só puderam votar nas eleições brasileiras a partir de 1932: (a) Mulheres (b) Negros (c) Menores de 18 anos (d) Pobres Maior porto da América Latina: (a) Suape (b) Santos (c) Salvador (d) Tubarão

Respostas

Filme de Cacá Diegues lançado em 1980: (a) Terra em Transe (b) Vidas Secas (c) Bye Bye Brasil (d) Pixote

valiação

BRASILIÔMETRO 1b; 2a; 3b; 4a; 5b; 6a; 7b; 8c. SE LIGA NA HISTÓRIA 1b (Zumbi, al); 2c (Tom Jobim, rj); 3a (JK, df); 4d (Drummond, mg). ENIGMA FIGURADO Tim Maia. O QUE É O QUE É? Mercúrio.

2

dias de agonia no País. (Tancredo Neves)

CARTA ENIGMÁTICA Morreu no dia de Tiradentes, depois de várias cirurgias e 34

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

divulgação

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS Beremiz sugeriu que se dividissem as pérolas em três grupos: A, B e C. Os dois primeiros, com três pérolas; o terceiro, com duas. E que assim se efetuassem as pesagens. Primeiro, A de um lado; B do outro. Se o peso fosse o mesmo, usar a segunda pesagem apenas com o grupo C – uma pérola em cada prato. Se A e B fossem diferentes, pesar duas pérolas do grupo mais leve. Se a balança pender para um dos lados, seconhecerá a resposta. Se pesarem igual, a terceira será a mais leve. Vanessa da Mata

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Novidade inaugurada no Brasil em 1972: (a) Rádio-novela (b) TV em cores (c) TV a cabo (d) Antena parabólica

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5

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Conte um ponto por resposta certa

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Diversão para pequenos

i l u s t r ac õ es

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Ta s s o

e grandalhões

VOCÊ SABIA?

Cada Estado do Brasil é uma estrela lá no céu

O que os navegantes sabiam que rota seguir. É olhando para cima que os índios descobriam os caminhos na céu sempre influenciou a humanidade. É por ele que os astrólogos “leem” os signos. É pela posição das estrelas

floresta, se ia chover ou se os deuses estavam zangados. A constelação do Cruzeiro do Sul é uma das mais importantes para os brasileiros. Ela se localiza ao sul do horizonte e forma uma enorme cruz. Inspirada nela, nosso dinheiro já se chamou cruzeiro. Aí veio a inflação e virou cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, real... E não é apenas na moeda (e nos times de futebol) que o Cruzeiro do Sul se faz presente. Ele também está na bandeira nacional. As 27 estrelas estão dispostas conforme o céu das 8h30 de 15 de novembro de 1889, data da proclamação da República. Elas também representam os nossos 26 estados e o Distrito Federal. Na poesia Ouvir Estrelas, Olavo Bilac (1865-1918) defende que podemos conversar com os astros sem ser chamados de loucos. Basta ter amor para trocar uma ideia com os pontinhos prateados lá do céu: Eu vos direi: / “Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

Quando os astros brincam de se alinhar

JÁ PENSOU NISSO?

O recorde mundial de salto com varas é de 6,14 metros. Se esse mesmo atleta praticasse o esporte na Lua, alcançaria a incrível marca de 37 metros! Já um corredor completaria os 100 metros rasos com apenas sete passos, em vez dos habituais 45. Isso tudo aconteceria porque a gravidade lunar é seis vezes menor do que a da Terra. É por isso que os astronautas parecem planar quando caminham sobre o satélite. Alguém que tenha 80 quilos pesaria o equivalente a 13 por aquelas bandas. Essas “Olimpíadas Lunares” só seriam ruins pela falta de incentivo do público. Lá o som não se propaga. Os jogos seriam realizados num silêncio absoluto.

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Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do Almanaque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

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Eclipse lunar não é um fenômeno tão raro quanto parece. O último eclipse total ocorreu no Brasil em fevereiro de 2008. O próximo será em dezembro deste ano. Ele acontece quando a Terra se alinha entre o Sol e a Lua. O satélite passa pela sombra gerada pela Terra, e fica com aspecto avermelhado devido aos raios solares que passam pelo nosso planeta. O eclipse solar total também não é incomum. Ocorre em geral a cada 18 meses ao redor do mundo. Mas há uma diferença fundamental no momento de contemplá-lo. Ao contrário do lunar, você não pode olhar sem proteção para o fenômeno. Os raios de sol podem prejudicar seus olhos.

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Enluarou o luar lá em Laruá w w w. Lu c i a n oTa s s o. b lo g s p ot.co m

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SoluçÕES na p. 22

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BENJAMIM GUIMAR ÃES

Um cruzeiro caboclo Esqueça qualquer lembrança de um cruzeiro convencional, com seus luxos e extravagâncias. Quem embarca no Benjamim Guimarães opta pela simplicidade. Em troca, o último vapor do mundo oferece histórias, imaginação, descobertas. Aqui, como diria Riobaldo, o objetivo não é a saída nem a chegada, mas a travessia. Texto: João Rocha Rodrigues

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Fotos e Ilustrações: Laura Huzak Andreato

oi em 1913, no rio Mississipi – cenário de histórias de Mark Twain e Herman Melville, e também de músicas de Johnny Cash e Led Zeppelin, além da inesquecível Moon River – que o Benjamim Guimarães fez suas primeiras viagens. Tido como a mais antiga embarcação a vapor do mundo em funcionamento, em 1922 foi parar no meio da floresta amazônica. De lá, despontou no São Francisco, cenário do amor de Riobaldo e Diadorim, em Grande Sertão: Veredas. Como se não bastasse, em meio à Segunda Guerra, lá estava a gaiola levando tropas do sertão para o mar. Mas logo retomou a

vida civil, e assim seguiu por décadas, varando léguas com seu andar lento. Nos tempos áureos da navegação no São Francisco, 30 outros vapores como eLe cumpriam a rota até Juazeiro, na Bahia. Outros tempos, novas tecnologias, e os vapores foram ficando para trás. Em 1985, a caldeira pifou. Por anos, o Benjamim aguardou um novo destino, talvez seguindo a sina de se perder em ruínas ou receber um motor a diesel. Até que, 20 anos depois, ele pôde retomar seu curso, deslizando pelo São Francisco com uma nova caldeira e sua velha roda d’água. É aí que começa essa viagem.


Preste atenção

Bordados da família Dumont: O São Francisco em pontos e linhas.

Outros tempos O embarque é em Pirapora. Um dos polos da indústria mineira, a cidade já teve dias melhores. Prova disso é a ponte Marechal Hermes, projetada para transpor o São Francisco e possibilitar o avanço dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil. A construção foi inaugurada em 1922, toda em estrutura metálica vinda da Bélgica. Mas o sonho de ligar o Rio de Janeiro a Belém ficou só no papel. Pirapora também abriga a sede do Matizes Dumont, grupo de bordadeiras que ganhou mundo com seus trabalhos, estampados em livros de Thiago de Mello e Manoel de Barros, discos de Maria Bethânia e nas páginas do Almanaque. Além de retratar em pontos e linhas o São Francisco, dona Zulma e seus Filhos registraram em palavras a riqueza da região. Já lançaram seis livros.

Lendas e visões Diz a lenda que, além de pacus e dourados, povoam o São Francisco habitantes menos pacíficos: Serpente de Asas, Mãe d’Água, Surubim Barbado. Por isso, antes de seguir, convém dar uma passada na associação dos carranqueiros. É lá que artesãos talham figuras assustadoras, colocadas estrategicamente na proa dos barcos para alertar sobre os perigos. O Benjamim chega tranquilo à Barra do Guaicuí. Os olhos precisam de tempo para se acostumar à imagem de uma árvore crescendo a partir da parede de uma igreja em ruínas. A construção teria começado em 1755, sem chegar ao fim. Até que um passarinho arteiro resolveu terminar a obra a seu modo, fazendo crescer da parede uma majestosa gameleira. A igreja de Bom Jesus de Matozinhos nunca recebeu missa, mas seus santos vieram de Portugal. Abrigados hoje numa sala improvisada de uma escola pública, constituem outra visão extraordinária.

As refeições servidas a bordo do vapor são um capítulo à parte. Peixes do rio, leitões, moquecas e sobremesas. Aqui não é o comandante Cassiano quem dá as ordens, mas o chef Fernando de Paula. À frente de uma tripulação bem afinada, ele faz maravilhas numa cozinha que não passa de cinco metros quadrados. 25 As ruínas de Bom Jesus de Matozinhos e a frondosa gameleira que cresceu sobre a parede.


Pastorinhas e fanfarras Depois de três dias de viagem, a gaiola encosta em São Romão. Ou Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão, como um dia foi conhecida. Palco de violentas batalhas, hoje o que predomina por aqui é a tranquilidade e o clima de festa, desencadeado pela chegada do Benjamim – com direito a fanfarra e pastorinhas. Dos tempos de desarmonia, resta apenas a cadeia que hoje abriga a Casa da Cultura. Com o cair da noite, ao som de serestas, velhas histórias de amor voltam à tona – ao menos na imaginação dos viajantes. Quantas mulheres não se debruçaram no São Francisco à espera de alguém que partiu num vapor e não pôde voltar? O dia amanhece e é hora de ir. Navegar mais dois dias rio acima, serpenteando bancos de areia rumo a Pirapora. São caminhos que o comandante Cassiano, aos 80 anos, sabe de cor. Desde 1946 ele desliza por estas águas. Tinha até largado o batente, mas quando recebeu o chamado para comandar o barco recém-reformado, em 2007, não resistiu. Reformou também o traje castigado pelas traças e retomou o posto no Benjamim. Dois anos depois, com o vapor singrando novamente as águas do Velho Chico, foi a vez de o velho capitão descansar o casco e pendurar de vez o uniforme. Esta foi a última viagem de Cassiano no comando.

Última viagem: depois de 63 anos, comandante Cassiano pendurou de vez o uniforme.

Não deixe de se estirar

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Se espreguiçar nas redes e poltronas do último andar do vapor é programa obrigatório, especialmente nos fins de tarde, antes do frio do inverno apertar. O pôr do sol no São Francisco é lindo. Ainda mais quando incrementado pelas faíscas que escapam pela chaminé da caldeira, espocando o começo de noite.

Ao lado, uma das imagens trazidas para a igreja que ficou pela metade; acima, fanfarra em São Romão dá as boas vindas aos passageiros do vapor.


Ponte Marechal Hermes, sobre o São Francisco: toda em estrutura metálica vinda da Bélgica.

Benjamim Guimaraes tem mais A tripulação

É evidente o orgulho da tripulação por trabalhar no Benjamim. Eles bem sabem que os olhares lançados a cada parada sobre o ilustre visitante a vapor são também direcionados a eles. Com seus causos e histórias de vida, essa gente faz parte do patrimônio cultural do São Francisco.

Pequenas preciosidades Não foram muitos os detalhes do barco que resistiram ao tempo. Mas, olhando com atenção, vão surgindo pequenas preciosidades, como os adornos dourados colocados nos degraus das escadas, indicando o nome da embarcação.

Conforto na simplicidade As cabines são pequenas, não têm banheiros exclusivos e não há ar-condicionado. Driblar as limitações do barco, tombado como patrimônio histórico, é um dos desafios dos anfitriões. E eles compensam as ausências oferecendo todo o conforto possível, além de muita simpatia e atenção.

s e rviç o Como chegar

A TAM oferece voos diários para Confins, saindo das principais cidades brasileiras. Confira em www.tam.com.br.

Onde ficar

Hotel Canoeiros À beira do São Francisco, no centro de Pirapora. Tel.: (38) 3749-6610. www.hotelcanoeiros.com.br

Onde comer

Kaká’s Bar A especialidade da casa é a saborosa peixada de surubim, pescado ali mesmo no São Francisco. Tel.:(38) 3741-3338.

Como navegar A prefeitura de Pirapora, proprietária do Benjamim Guimarães, oferece dois tipos de passeio. Aos domingos, o vapor faz viagens de curta duração, com direito a música, contação de histórias e oficinas. Reservas: (38) 9967-9302. Há também viagens de cinco dias, de Pirapora a São Romão, que incluem alimentação, hospedagem e traslado de Confins a Pirapora. Mais informações: Paradiso Viagens e Turismo. Tel.: (11) 3258-4722. Ou pelo site www.paradiso.com.br

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MANUÊ DE BACIA

Na cidade pé de moleque, o mais brasileiro dos bolos No Brasil colonial, as portuguesas se aliaram às africanas na cozinha. E às índias também, na busca de substitutos para ingredientes que aqui não havia para suas receitas. Uma das delícias que surgiram desse caldeirão cultural foi o manuê de bacia, que até hoje se aprecia em Paraty como símbolo da diversidade de cores, raças e sabores do País. Texto e Fotos: Heitor e Silvia Reali

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cidade de Paraty não é inventada, nem monumental. É delicada. Seu casario, todo branco com salpicos de cores nas janelas e portas, tem a beleza duplicada quando se reflete nas águas que invadem a cidade durante a maré cheia. As ruas se transformam em canais e deixam-na com a parecença e ares venezianos. As casas, algumas com símbolos da maçonaria na fachada, são distribuídas em 14 ruas pavimentadas com pedras irregulares. O visual é conhecido como pé de moleque, tal a semelhança com o doce feito de amendoim. As cinco igrejas barrocas de Paraty se mantiveram como raridade, e a arquitetura colonial do centro histórico foi considerada pela Unesco a mais harmoniosa do século 18 no Brasil. A receita de bolo mais antiga do País, o Manuê de Bacia, nasceu aqui – fruto da adaptação do doce português com a criatividade das escravas. A tradição de bolos e doces permanece até hoje. São famosos os pudins, cocadas e outros quitutes, vendidos em carrocinhas pelas rua s. Segundo o pesquisador paratiense Diumer Mello, o manuê, ou manauê, é tão antigo quanto a cidade. Desse doce de farinha de milho

teria derivado o manuê de bacia. Na época colonial, as portuguesas, hábeis doceiras, não encontravam ingredientes para suas ancestrais receitas. Nem o açúcar, que era exportado e produto de alto luxo. Então entrou em cena a criatividade das africanas. Além de adaptar as receitas aos gêneros locais, elas acrescentavam toques exóticos, como gengibre e noz-moscada. No caso deste bolo, as escravas substituíram o açúcar por melado no manuê de milho e usaram a importada farinha de trigo, a “farinha do reino”. Para completar, emprestaram das índias a farinha de mandioca, dando o toque final do encontro dos três continentes que nos constituíram. No fim do século 18, Paraty contava mais de cem engenhos de cana. Melado era farto, sobretudo entre maio e agosto, daí a tradição de fazer o bolo para as chamadas festas joaninas. Por ser massa densa, as africanas assavam o bolo em fôrmas-tabuleiro que, até fins do século 19, recebiam o nome de bacia. Vem daí a origem do nome dessa preciosidade que reflete a história do Brasil. Não só por sua capacidade de reunir a diversidade cultural do País, mas também por sintetizar em apenas um sabor a harmonia de nossa gente.

Manuê de Bacia Ingredientes 1 litro de melado de cana 750 g de farinha de trigo 3 colheres de sopa de mandioca 1 colher de sopa de manteiga 1 colher de sopa de gordura de coco 1 colher de sobremesa de fermento

Modo de preparo Misture todos os ingredientes muito bem. Despeje num tabuleiro untado e leve para assar no forno pré-aquecido por cerca de 45 minutos. Com o bolo frio, corte em pedaços em forma de balõezinhos, que, por seu desenho, recordam o losango da bandeira brasileira.


por Lourenço Diaféria

Superstição é tolice (toc, toc, toc)

N

as dificuldades não é raro uma pessoa cruzar dois dedos da mão (o médio e o indicador) e exorcizar o mal com a senha “sai, azar!”. Desculpem a franqueza, mas é pura prova de ignorância. Azar não é só o contrário de sorte. Não é simplesmente o mesmo que caguira. Não tem sempre ideia de desgraça. A má interpretação talvez venha do jogo-dobicho, instituição brasileira considerada contravenção penal, em que pouquíssimos apostadores ganham migalhas e muitos – os banqueiros – ganham fortunas. Essa atividade cultural de divulgação da fauna zoológica é chamada de jogo de azar, erroneamente confundida com exercício lúdico de má sorte. Trata-se de equívoco lamentável. O azar aí significa apenas acaso. Casualidade. Para os banqueiros do ramo, o azar é um dado positivo. Essa é a boa razão pela qual os líderes empresariais da nobre atividade façam questão de distribuir migalhas de seus abundantes lucros em círculos particulares que contribuem para a disseminação da cultura popular. Como se sabe, os bicheiros têm coração fofo e fazem questão de praticar a caridade, não como virtude, claro, mas como maneira de dar à jogatina propósito benemérito e social. Infelizmente nem sempre algumas autoridades da lei e da ordem olham os méritos da atividade, e investem contra cambistas, funcionários sem registro em carteira, e mesmo sem carteira, que anotam os sonhos (pode ser o galo, pode ser a vaca, pode ser o leão) da população trabalhadora do País. Azar, portanto, não deve ser confundido apenas negativamente com caiporismo. Também não tem nada a ver com asar, com s, que significa colocar asas. Ou permitir. Por exemplo, na frase “minha mulher me asou o desejo de lhe pespegar um ósculo na face ebúrnea”, o asar, no

caso, significa ensejar, possibilitar. Não é simples? A palavra “asinha” também não tem nada a ver com azar. Asinha é asa pequena. Pode ser substantivo. Ou advérbio, no sentido de “depressa”, “logo”, “rápido”. Os narradores esportivos enriqueceriam o vocabulário se usassem o advérbio “asinha” nas partidas de futebol. Exemplo: “O goleiro comeu frango porque não voou asinha.” Todos entenderiam. Com certeza. Já o azar, com z, no sentido de infelicidade, desgraça, desdita, peso, revés, contratempo, fica melhor substituído por caiporismo. Caiporismo vem de caipora. E caipora é a figura identificada em muitas regiões como saci-pererê. É fácil identificar o saci: afro-descendente, usa gorrinho, pita cachimbo de barro, gosta de ficar sentado em cima de porteiras e tem apenas uma perna. O único pé é virado para trás. Essas minúcias são importantes. Há quem veja à noite alguém fumando cachimbo numa porteira, logo imagina seja o saci. Em geral é apenas assombração. No sentido pejorativo, o azar tem mês próprio no ano: agosto. E um dia específico: 13. Superstição que alguns estendem a toda sexta-feira do mês. Mera tolice. Não se deve dar bola a crendices. Nasci em agosto, não me arrependo e estou vivo. Evidente que não abuso nem faço pouco da ignorância alheia. Apenas tomo cautelas. Em agosto não passo embaixo de escadas. Não misturo manga com leite de cabra. Não pulo da cama com o pé esquerdo. Não atravesso avenida com farol fechado. Não abro crediário. Evito urubu voando ou pousado em terra. Jamais chamo minha mulher de anjo asado. Minha única fraqueza é mascar alho. Consta que é bom para evitar urucubaca.

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GOIABA Psidium guajava

A ONU recomenda Uma das mais brasileiras frutas. Pena que poucos saibam: tem muita vitamina C; tanta, que a Unesco, órgão das Nações Unidas para ciência e educação, sugere plantar goiabeiras junto a populações com deficiência do também chamado ácido ascórbico.

D reprodução/ab

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os vegetais celebrados nesta série, tenho no quintal mandioca, ipê, banana, pau-brasil, amora, maracujá, uva e goiaba – que ora passo a exaltar. É a única que não plantei, já crescia numa quina da casa que comprei de um pescador em 2002. Está com quatro metros e, segundo os manuais, pode chegar aos oito. Em março de 2006, me presenteou com a primeira carga de suas frutas de polpa branca. Também há goiaba de polpa avermelhada. Esta é mais rica em licopeno, antioxidante, que previne câncer, especialmente de próstata. Em compensação, a branca contém mais vitamina C – cinco vezes mais que laranjas e limões. Na última guerra mundial, a goiaba entrou na alimentação dos soldados, para evitar o escorbuto e prevenir infecções. A goiabeira nasce de sementes e cresce rápido. O fruto é perfumoso, carnudo. Aparece em pastos, quintais, pomares. De tronco retorcido e liso, é tentador subir e comer goiaba no pé, sentado nos galhos. Planta generosa, frutifica com tal abundância, que se regalam igualmente insetos, passarinhos e outros animais. Rústica, resistente, dispensa cuidados. No Brasil, cresce dos

pampas ao Nordeste. Da família das mirtáceas, prima-irmã da guabiroba, é também parente da jabuticaba, do araçá, da uvaia. Originária da América tropical, estudiosos a consideram “brasileira por excelência”. Os pássaros se encarregaram de espalhar as sementes. Em História da Alimentação no Brasil, Câmara Cascudo anota que, entre os séculos 18 e 19, com “a intensificação do tráfico de escravos”, foi daqui para a África “grande cópia de plantas alimentares”. Assim, “pularam o Atlântico” incontáveis frutos da terra brasileira “na esteira das goiabas e dos araçás”. E não ficaram só na costa ocidental: um governante nosso, Lacerda e Almeida, informa Cascudo, viajando a Moçambique em 1797, encontrou em Quelimane plantios de goiabas,“numa emoção para seus olhos brasileiros”. E os negros, é claro, disputavam as novidades. Das goiabas, entre outras frutas,“não desperdiçavam nada”, narra nosso folclorista-mor, sublinhando:“Ia tudo para dentro”. A goiabeira foi dar até nos costados da América do Norte. Que será que ela tem, que tem a ver até com o primeiro presidente negro dos Estados Unidos? Na casa do avô branco, quando o menino sumia, onde encontrá-lo? Por onde começar a procurar? Em cima da goiabeira.


Vamos subir na goiabeira, gente! IOLANDA HUZAK

Boa e gostosa

GOIABADA CASCÃO Goiabada cascão em caixa É coisa fina, sinhá Que ninguém mais acha Rango de fogão de lenha Na festa da Penha Comido com a mão Já não tem na praça Mas como era “bão” Hoje só tem misto quente Só tem milk-shake Só tapeação Já não tem mais caixa De goiabada cascão Hoje só tem som de black Só tem discoteque Só imitação Já não tem mais caixa De goiabada cascão [...]

A

saborosa goiaba ainda tem proteínas, sais, açúcares, cálcio, ferro, potássio; vitamina A, boa para vista, pele, crescimento; B1 e B2, para o sistema nervoso e aparelho digestivo. É eficaz nas diarreias – a mãe que amamenta, por exemplo, se comer muita goiaba, pode provocar reação contrária no bebê: prisão de ventre. Gastrenterite, incontinência urinária, inchação das pernas? Tome chá das folhas. Fruta “magra”, satisfaz e não engorda, boa portanto para quem faz dieta.

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Shakespeare nem imaginava essa

C

om goiaba se faz doce, compota, suco, geleia, sorvete. Não sendo ácida, pode substituir com vantagem o tomate nos molhos salgados. E já existe há anos o goiachup, espécie de catchup. Lá no Brasil colonial, deu-se o encontro entre a fruta e o açúcar, que resultou no doce de goiaba, na goiabada-cascão. E, numa combinação “saborosamente brasileira”, no dizer de Gilberto Freyre, alguma tia Nastácia inventou de servir com queijo branco. É sobremesa brasileira com nome de drama shakespeareano: Romeu e Julieta. Saiba mais História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2004). Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (Global, 2006).

IOLANDA HUZAK

N

os quintais urbanos, todo fim de verão vemos goiabeiras carregadas, e o chão atapetado das frutas maduras, entregues às moscas e aos pássaros. Será que a indústria de guloseimas, com sua oferta de mil porcarias, afastou as crianças dos pés de goiaba? Mesmo a goiabada artesanal, que retém boa parte das propriedades alimentícias e medicinais da goiaba, já se tornou rara. Nei Lopes, compositor e estudioso da cultura popular, abordou o tema. Com Wilson Moreira, compôs samba gravado por Beth Carvalho, em que critica a substituição da guloseima natural e outras brasilidades por modernices importadas:


No consultório

Caravana para o Céu

O médico examina o paciente, que está completamente embriagado. – O senhor toma muito álcool? – Não, doutor! Muito difícil! Só se não tem uma cachacinha por perto!

No templo lotado, o pastor ordena: – Quem deseja ir para o céu levante a mão. Todo o mundo levanta, menos o bêbado, sentado lá no fundo. O padre: – O senhor aí atrás! Não quer ir para o céu quando morrer? E o bêbado: – Ah… Quando morrer eu quero! Pensei que o senhor estava organizando uma caravana pra hoje...

Número da sorte O supersticioso comenta com o amigo: – Nasci às 7 da manhã de 7/7/77, no quarto 7 da maternidade. Aos 7 meses de casado, apostei tudo no cavalo 7, que corria no sétimo páreo. – E ganhou uma fortuna! – Que nada! Ele chegou em sétimo...

O golpe 32

Dois erros O chefe para o empregado: – Quando erramos seu salário no mês passado, adicionando 500 reais, você não reclamou. Este mês em que reparamos o erro descontando 500 reais você vem reclamar? – Pois é, doutor... É que um erro eu ainda tolero, mas dois já é demais!

O sujeito entra no bar e pede um café. Quando o garçom volta com o pedido, ele muda de ideia: – Me arrependi... Poderia, por favor, trocar por uma cachaça? O balconista tira o café, põe a cachaça. Ele toma e vai saindo. – Ei, moço, você não pagou a cachaça... – Mas eu troquei pelo café. – Mas você não pagou o café. – Que café? Não tomei café nenhum!

Dando o troco Cãozinho esperto Histérica, a dondoca telefona para a polícia: – Seu delegado, aconteceu uma coisa terrível. Meu cãozinho sumiu! – Minha senhora, tanto escândalo por causa de um cão? – É que ele é especial. É tão inteligente que parece que conversa com a gente. – Nesse caso, é melhor desligar. A esta hora ele deve estar tentando telefonar para a senhora.

A boa e a má notícia Joãozinho chega em casa: – Pai, tenho uma ótima notícia para você! – Ótimo! O que é? – Você não me prometeu uma bicicleta se eu passasse de ano? – Promessa é dívida, filhão! – Então economizou um dinheirão!

O gaiato entra no bar, senta-se à mesa e logo um garçom aparece. – Boa noite, o que o senhor toma? – Tomo vitamina C pela manhã, o ônibus para ir ao serviço e uma aspirina quando tenho dor de cabeça. – Desculpe, mas acho que não fui claro. Eu quis dizer o que é que o senhor gostaria? – Ah! Gostaria de ter um carrão, namorar com uma artista de cinema e trabalhar só uma vez por semana. – Não, meu senhor. – continua o garçom, mantendo a calma. – Gostaria apenas de saber o que o senhor deseja beber. – Ah! É isso? Bem… O que é que você tem? E o garçom: – Eu? Nada, não! Só tô um pouco chateado porque meu time perdeu e não acertei na Loteca.


A importância da bandeira Os capiaus foram se alistar no Exército. – O que você veio fazer aqui? – perguntou o coronel para o Mané. – Uai? Vim fazê o quarté! – Fazer o quartel não, rapaz! – esbravejou o coronel. – O quartel já está pronto! Você veio é servir a pátria, entendeu? – Entendi, sim, senhor! – E o que é aquilo? – perguntou, apontando para a bandeira do Brasil. – Ara… Aquilo ali é uma bandeirinha… – Banderinha, não! Isso é a sua mãe, está entendendo?! A partir de hoje, isso é a sua mãe! E, voltando-se para o outro capiau, prosseguiu: – E você, o que veio fazer aqui? – Eu vim servir a pátria! – Muito bem. E o que é aquilo? – perguntou, apontando para a bandeira. – Ara… Essa é a tia Lilica, mãe do Mané…

Depois da cirurgia Ao receber a conta do cirurgião cardiologista, o mecânico não se conforma. – Mas doutor, quando eu consertei a sua moto, fiz como o senhor fez no meu coração: abri, mexi nas válvulas, consertei e fechei. Ela ficou boazinha, funcionando como nova... Como é que eu ganho tão pouco e o senhor tanto? E o cirurgião: – Pois tente fazer isso tudo com o motor funcionando...

Eita porco bem tratado!

O

sitiante lá do meio do mato, rincão perdido desse Brasilzão, estava dando comida a seus porcos. Era coisa que a família dominava como ninguém – porcões gordos, de carne boa, cheios de porquinhos em volta. Mas um dia, com o progresso que se avizinhava, apareceu por lá um fiscal, desses que andam olhando se está tudo dentro da lei agrária e pecuária. O caipira nunca tinha visto um homem daquele, mas como era autoridade, decidiu respeitar. Fiscal – Ô, caboclo! O que você está dando pros seus porcos de alimentação? Caboclo – Tô dando o que é de mió pros porco, seu moço. Tô dando mío. Fiscal (a fim de gozar com a cara dele) – Milho?! Mas como é que pode uma coisa dessas. É por isso que o País não vai pra frente! Nós temos tantos pobres por aí, tanta criança precisando de alimento e o senhor dá milho para os seus porcos? Fique sabendo que com milho a gente pode fazer muitos tipos de alimentos: pão, bolo, farinha, pamonha... Dar milho para os porcos é um absurdo! O senhor está multado em 50 reais! O fiscal lavra a multa e se vai. E o caipira fica matutando, só esperando a hora daquele dito-cujo da cidade aparecer de novo. Dito e feito. Passados uns dias, está lá o fiscal novamente.

Fiscal – Boa tarde! E hoje, o que o senhor está dando para seus porcos? Caboclo – Ah, seu fiscá, hoje eu escoí uma comida das boa mêmo. Tô dando lavagem. Tudo que sobra da nossa comida – arroz véio, feijão, verdura azeda – eu passo pra porcaiada… Óia só cumo eles comi gostoso! Fiscal (de novo querendo gozar) – Comida? Onde já se viu dar isso para os porcos? Com tanta fome no País, o senhor joga no chiqueiro comida de gente? Assim não dá, por isso que o progresso não chega por estas bandas. O senhor está multado em 100 reais! Lavra a multa e vai embora. Depois de uma semana, lá está o caboclo de novo perto do chiqueiro, a olhar os porquinhos. Todos quietinhos e bem comportados. O fiscal chega e diz: Fiscal (vendo que o caboclo não tratava dos porcos como de costume) – Boa tarde! E hoje, o que é que o senhor deu aos porcos como alimentação? Caboclo – Pra falá a verdade, faz dias que eu num dô nada pra móde eles comê. Fiscal – Então eu vou multar o senhor. Como é que pode? Que judiação! Assim eles vão morrer de fome! Caboclo – Não, sêo fiscá. Já resorvi esse probrema pra móde num sê mais murtado. Fiscal – Mas se o senhor não dá nada para eles comerem… Caboclo – Dô, sim, sinhô! Todo dia dô uma nota de cinco pra cada um e eles que comam em quarqué restorante que eles quizé. Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

33


Na dor, um sorriso muda tudo Por Vanessa Barro Canal

C 34

om apenas dois anos e nove me-

Fui abençoada por morar em Jaú.

ses comecei a luta pela minha

Durante todos esses anos, os profis-

vida. Era injeção, soro, remédio a toda

sionais do Hospital Amaral Carvalho

hora. Claro que eu mal entendia o que

mostraram toda a sua dedicação ao

estava acontecendo. E, mesmo chorando,

passar dias e noites ao meu lado.

não tinha escolha: acabava sendo inter-

Os seguranças, sempre simpáticos

nada. Do meu cabelo, sobraram poucos

e atenciosos na recepção; as moças

fios, que minha mãe prendia com um la-

responsáveis pela limpeza, que me

cinho. Dizem que eu ficava linda.

cantavam músicas religiosas, invo-

Aconteceu duas vezes de eu estar quase curada e a doença voltar

cando bênçãos; os enfermeiros e enfermeiras, que, com mui-

ainda mais agressiva. Em 2004, com nove anos, precisei fazer um

to carinho, fizeram o possível para amenizar meu sofrimento.

transplante. Fui a primeira a usar um cordão umbilical do banco

Quanto aos médicos, seria injusto não estender meu agrade-

público de cordões, a Rede BrasilCord, inaugurada naquele ano.

cimento eterno a todos eles. São tantos que se dedicaram a

Havia poucos cordões disponíveis, doados por mães caridosas.

mim... Mas, em especial, preciso contar sobre meu anjo maior,

Quase que por milagre, um deles era compatível comigo.

o doutor Marcos Augusto Mauad. Ele sempre me tratou como

Sei que todo o processo para o transplante deve ter dado muito

uma afilhada. Meus pais não se cansam de dizer que estou viva

trabalho aos médicos. A equipe estava cheia de esperança quando

porque Deus o colocou no meu caminho.

cheguei. Naquele dia, minha mãe prometeu que era a última vez

Ao mesmo tempo, percebi a dificuldade de muitas crianças que

que eu faria quimioterapia. E que, quando eu saísse do hospital,

não moram tão perto do Amaral Carvalho. Tem gente que vem

nunca mais teria leucemia.

de longe e, além de estar doente, precisa enfrentar a distância de

Deu certo. Depois de um mês, o doutor Virgílio me mandou para

casa, da família, dos amigos. Por causa disso, eu e minha família

casa. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Dos meus nove

gostaríamos de homenagear também a Liga das Voluntárias de

anos, eu tinha intercalado sete entre tratamentos e manutenção.

Combate ao Câncer, que está sempre auxiliando estes pais, mães

Quer dizer, não pude fazer muita coisa que gostava. Faltava bas-

e crianças. Nesses casos, as voluntárias se desdobram para sa-

tante na escola, mas nunca perdi um ano. Meu colégio sempre

tisfazer tanto as necessidades básicas quanto as afetivas. Posso

ajudou, então, quando era necessário, eu estudava em casa ou no

dizer com toda a segurança: se todos entendessem o quanto

hospital. Hoje, aos 14 anos, vivo normalmente. Pratico esportes,

é maravilhoso receber um sorriso num momento de dor, esse

vou ao cinema, viajo e nem preciso tomar medicações.

mundo seria muito melhor.




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