Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 09

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Para seguir o conselho de dona Adélia

“E

u tinha ideias, e sempre tive vontade de transformá-las em fatos. Fazer acontecer.” Assim Oded Grajew, idealizador da Fundação Abrinq e do Instituto Ethos, entre outros, tornou-se um dos maiores empreendedores sociais do Brasil. A conversa é inspiradora para quem segue na luta pela dignidade no tratamento do câncer. As ligas de combate ao câncer, para as quais este Almanaque de Cultura e Saúde arrecada verbas, é erguida majoritariamente por mulheres que não recebem nada em troca, mas fazem questão de continuar trabalhando para conquistar avanços. “Não há pagamento maior do que ver um paciente recuperado”, afirma a funcionária pública Darziza Santos na seção Gente Ajudando Gente deste mês. Darziza é uma das fundadoras da Associação de Voluntários de Combate ao Câncer de Brasilândia, no Mato Grosso do Sul. Despertou para a causa depois que a mãe contraiu a doença. Aparecida Mascaro, na seção Muito Obrigado, tornou-se voluntária em Ribeirão Bonito, no interior de São Paulo, depois dela mesma ter passado pela situação. Hoje, como diz, pode convencer a todos que é sim possível vencer o câncer. As voluntárias entram em cena no apoio psicológico dos pacientes, mas também para suprir qualquer outra necessidade: transporte ao hospital, acomodação da família na cidade de tratamento, alimentação, remédios e tantas outras coisas. Antonia Adélia Segalla Lorenzetti bem sabia. Dos 90 anos em que viveu, 35 foram como administradora voluntária. Foi homenageada por este Almanaque em sua sexta edição (leia em www.febec.org.br) e acaba de nos deixar, em outubro. Adélia aceitou o convite para dirigir a Apae de Lençóis (SP), onde morava, e só se retirou do cargo 22 anos depois, para fundar a associação de combate ao câncer da cidade. Era grande especialista em dar sempre um jeitinho para ajudar. É com a lição e trabalho que Adélia deixou que as ligas continuam sua atuação pelo País. É com carinho também que mensalmente produzimos este Almanaque, uma parceria entre a Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec), a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e a Andreato Comunicação e Cultura. Seguimos com a pretensão de colaborar com o apoio biopsicossocial aos pacientes e também de difundir cultura e entretenimento de qualidade. Se gostar, assine e receba almanaquices todos os meses: é só acessar www.febec.org.br. Ou ligar para (11) 2166-4100.

É preciso doar de coração, de boa vontade. E ter muito carinho.

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Antonia Adélia Segalla Lorenzetti

Sumário 5 carta enigmática

18 eSPECIAL Vale uma Nota

29 Almacrônica por Lourenço Diaféria

6 você sabia?

22 jogos e brincadeiras

30 em se plantando tudo dá Maçã

12 GENTE AJUDANDO GENTE Darziza Santos

23 o teco-teco

32 Rir é o melhor remédio

13 PAPO-cabeça Oded Grajew

24 VIVA O BRASIL Tiradentes

33 CAUSoS de Rolando Boldrin

16 Ilustres Brasileiros Rachel de Queiroz

28 temperos e sabores Baião de dois

34 muito obrigado por Aparecida Mascaro


dança de Angola

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Solução na p. 22

le se criou na mesma terra do cantor Roberto Carlos: Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Mas se um tem vocação para bom moço, o outro, digamos, não era exatamente o genro que toda sogra sonharia. Saiu de casa ainda adolescente e conviveu com a boemia. Mais tarde, decidiu que seria locutor e foi para o Rio de Janeiro, pouco antes dos 30 anos. Emplacou no cinema. Seu nome figura na ficha técnica de mais de cem produções nacionais, como ator, diretor, roteirista ou produtor. Era um autêntico personagem de Nelson Rodrigues. O escritor, que fora seu cunhado, adorava escalá-lo para seus roteiros. Nossa figura enigmática também participou de filmes de Glauber Rocha, Ruy Guerra, Anselmo Duarte, Cao Hamburguer. Esteve no primeiro longa brasileiro que mostrou um nu frontal. A interpretação em Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, lhe rendeu o prêmio

de melhor ator de 1956 – curiosamente, uma estatueta em forma de corpo de mulher. A princípio, o presidente do júri lhe negou a premiação porque era destinada a atores profissionais – achava que o capixaba era um malandro do morro de verdade. Assumiu o papel da malandragem carismática. Bicheiro, bandido, boêmio, era com ele mesmo. “Eu sempre fui o vilão, mas um vilão diferenciado. Sempre ficava com a mocinha no fim e nunca perdia uma briga”, disse uma vez. Na vida real, casou-se seis vezes e teve nove filhos. Quatro deles assumidos por outros homens. O fim dessa história, porém, nunca esteve em nenhum texto que encenou. Virou pastor. Em 1995, gravou um documentário autobiográfico que marcou a conversão para o protestantismo. Continuou trabalhando. Quando morreu, em 27 de novembro de 2006, gravava um filme de Zé do Caixão.

Em fevereiro de 1927 foi realizado o primeiro vôo comercial da história do transporte aéreo no Brasil. A iniciativa foi da Viação Aérea Rio-Grandense, que viria a ser conhecida como Varig, empresa fundada pelo alemão naturalizado brasileiro Otto Ernst Meyer. O hidroavião Atlântico levantou Estavam a bordo Guilherme Gastal, João Oliveira Goulart – um comerciante gaúcho – e Maria Echenique, portadora de mensagem do prefeito de Porto Alegre para o prefeito de Rio Grande.

reprodução/AB

vôo do rio Guaíba, em Porto Alegre, com destino à cidade de Rio Grande.


7/11/1799

7/11/1837

LÍDERES DA CONJUR AÇÃO BAIANA SÃO CONDENADOS AO ENFORCAMENTO. O MOVIMENTO TENTOU INSTITUIR UMA REPÚBLICA NA BAHIA EM PLENA COLÔNIA.

JÁ NO IMPÉRIO, A SABINADA PROCLAMA A REPÚBLICA DA BAHIA, SEM SUCESSO. LÍDERES REVOLTOSOS TAMBÉM SERIAM EXECUTADOS.

PLÁGIO OU ADAPTAÇÃO?

MADE IN BRAZIL

Candinho cantou marchinha antes de ser gravada

duardo Lima Castro Netto era o tipo de pessoa que não perdia a oportunidade de dar uma boa idéia. Recifense, foi para o Rio de Janeiro para terminar os estudos. Especializou-se em engenharia mecânica e montou a própria empresa. Sempre pensou em coisas que ninguém havia imaginado antes. E, assim, inventar tornou-se um negócio. Buscando matériaprima para trabalhar, descobriu uma grande quantidade de lacres de chumbo descartados em um ferro velho, que serviam para sacos postais, medidores de eletricidade, bombas de gasolina, placas de veículos etc. Foi então que veio o estalo: por que não criar um modelo de lacre que dispensasse o chumbo e se valesse de material reciclado? Lançado em 1967, o selo de plástico inventado por Eduardo era superior a qualquer outro tipo de lacre. E assim conquistou o primeiro cliente: os Correios.

acervo elc

E

O inventor Eduardo Lima.

Dificuldades não faltaram para o inventor. Ele só conseguiu patentear o lacre nos Estados Unidos contando com a boa vontade de uma aeromoça, que, no último dia para o pagamento da patente, levou o dinheiro para o país. Eduardo morreu em 2000, mas deixou algumas invenções para os filhos, que hoje tocam a empresa e exportam uma tecnologia 100% nacional para o mundo todo. Os lacres são usados pela Casa da Moeda, Inmetro e tantas outras instituições e empresas. Foram até escolhidos para selar as ogivas nucleares norte-americanas.

Saiba Mais Matéria no site do programa Globo Repórter (http://globoreporter.globo.com). Procure pelo termo “Eduardo Lima Castro”.

de quem são estes olhos?

Ó

Jardineira/ Por que estás tão triste?/ Mas o que foi que te aconteceu?/ Foi a Camélia que caiu do galho/ Deu dois suspiros e depois... Quem não é capaz de substituir os três pontinhos? Pois há pelo menos sete décadas, desde que o cantor Orlando Silva gravou A Jardineira, os versos estão na ponta da língua das multidões. Porém, antes mesmo que Orlando nascesse, a ode à triste jardineira já era entoada nas ruas do Rio. Mas de quem seria a composição? A favor de Candinho das Laranjeiras, que fundou o bloco Filhos da Primavera em 24 de novembro de 1896, depoimentos de duas autoridades da nossa música: Almirante e Tinhorão, que asseguram que já nos idos de 1906 a turma de Candinho cantava os versos. Quem ficou com as letrinhas miúdas abaixo do título, no entanto, foi Benedito Lacerda e Humberto Porto, que alegavam ter feito uma adaptação. “Se a gente soubesse que ia dar tanto rolo, não tinha feito”, concluiu Lacerda, diante de tanta polêmica. orlando silva reprodução/ab

Criação de brasileiro lacra até ogivas nucleares

Saiba mais Ouça a primeira gravação de A Jardineira, por Orlando Silva, no YouTube (www.youtube.com). Busque pelo termo “A Jardineira”.

Olhos que viram o mundo pela primeira vez em 2 de novembro de 1946. Sua dona estreou no teatro em 1965, com a peça As Feiticeiras de Salém. Três anos depois, participou do musical Roda Viva, duramente censurado pela ditadura militar. Com o autor, teve três filhas. Na telona protagonizou Carlota Joaquina, de Carla Camurati; na telinha, integra o elenco de uma série humorística de grande sucesso. Confira a resposta na página 22

estação colheita O que se colhe no mês

Jabuticaba, nectarina, pêssego, abacaxi, caju, mamão, melancia, melão, laranja.


Álbum de Família

enigma figurado O bebê da foto, nascido em 12 de novembro de

R.:

EM VEZ DE BRASA, COLEIRA

Lei “humanitária”

1942 no Rio de Janeiro, é filho de violeiro. Cresceu em meio a encontros de músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim. Adotou o ofício do pai – até no nome, por sugestão de Zé Keti e Sérgio Cabral. Trabalhou com contabilidade em banco, é marceneiro por hobby e portelense de coração. O amor pela escola de samba está eternizado em um de seus sambas mais famosos.

determinava as condições dos navios negreiros J.M. Rugendas - Negros no fundo do porão, 1835

Confira a resposta na página 22

DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ

Professor rodopia alunos

para ensinar física

P

Ilustração de navio negreiro: trabalhador morto, mercadoria perdida.

U Giuliana Pardi

é-de-valsa por paixão desde que se entende por gente. Professor de física de profissão formado em 1998. Nada incomodava mais a Nelson Paschoalinoto do que explicar as leis da física sem ser compreendido pelos alunos. Foi aí que ele uniu o útil ao agradável. Transformou salas de aula em grandes salões de baile. Calçou os sapatos mais lustrosos, reuniu discos com clássicos da valsa, bolero, tangos e tirou todo mundo pra dançar. Unindo física e bailado, Nelson criou um jeito musical de explicar questões complicadas. Na lição sobre agitação das moléculas, o professor-dançarino requebra ao som do forró. Suando a camisa, os alunos sentem na pele o aumento da temperatura e da pressão. Para analisar o equilíbrio dos corpos, tango. O ritmo quente do meregue é a metáfora perfeita para explicar corrente elétrica. Para ensinar os conceitos de vetores e das trajetórias dos corpos, arrasta-pé na quadrilha. Para o professor, dançando os alunos vivem a física e aprendem com prazer.

Ciência na dança: Nelson Paschoalinoto em uma de suas aulas.

As aulas dançantes ganharam fama, tanto que ele foi convidado a ensinar as lições no Parque Ibirapuera e em vários palcos de São Paulo. Bailando, chama a atenção de centenas de pessoas para a magia das leis da física. Nas horas vagas, capricha no figurino e desliza pelos salões de dança num dois-pra-lá, dois-pra cá, satisfeito por ter cumprido o dever de casa. Os estudantes das aulas desse bailarino das ciências sabem direitinho que na física dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Mas que, na dança, (Laís Duarte) quanto mais próximos, melhor.

No site do A lmanaque , confira vídeos sobre os benefícios da dança de salão.

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Sagitarianos adoram conhecer coisas novas e abrir os horizontes. Por isso, prezam muito sua independência. Geralmente são pessoas expansivas, aventureiras e otimistas por natureza, além de eternos defensores dos princípios que consideram nobres. É bom saber que o nativo de Sagitário não tem receio de dizer o que pensa. E que não reage bem quando as críticas são para ele.

m dos símbolos mais perversos da escravidão, os navios negreiros eram um transporte de alto risco para a vida dos escravos – o que não interessava a ninguém. Cada negro morto significava prejuízo. Um alvará com força de lei publicado em 24 de novembro de 1813 regulou sobre as condições de transporte da África para o Brasil, motivado por um “incomparável sentimento de humanidade”. O alvará proibia a superlotação e determinava que deveria haver boa ventilação nos porões escuros. A marcação dos negros com ferro quente passava a ser proibida, “devendo substituir-se por uma manilha ou coleira”. Outra mudança era em relação ao cardápio. Antes, os escravos comiam basicamente feijão. Uma vez por semana arroz começaria a fazer parte da refeição. Sem esquecer do milho que, segundo o texto, era um alimento que os negros preferiam a qualquer outro. Mas o propósito humanitário é desfeito logo adiante: “Da frequente renovação de ar depende a manutenção da saúde dos navegantes. Ainda mesmo o interesse pessoal dos proprietários dos navios, pois não recebem frete pelo transporte de negros que morrem na travessia”. (BH) No site do A lmanaque , leia o texto completo da lei.


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De presidente, cego e louco, o Alecrim tem um pouco TEM ATÉ BLUES

Acervo Alecrim F.C.

Clínica de Raul Seixas foi pioneira no uso de homeopatia

Alecrim em 1968: contra o Sport, time recebeu o reforço de Garrincha, primeiro jogador agachado, da esquerda para a direita

H

A

medicina antroposófica surgiu na Europa no início do século 20 e chegou ao Brasil, trazida por imigrantes alemães, no fim dos anos 1950. Além do diagnóstico tradicional – exames e radiografias –, os médicos que seguem essa linha também analisam a vitalidade, o desenvolvimento emocional e a história de vida de seus pacientes. Assim, a busca pela cura é individualizada e acontece a partir da restauração do equilíbrio do corpo, da mente e do espírito. Em 1969 foi inaugurada a primeira clínica antroposófica do País. Situada no Alto da Boa Vista, bairro da zona sul paulistana, a Clínica Tobias foi uma das primeiras a utilizar remédios homeopáticos para o tratamento de doenças. Feitos de substâncias vindas da natureza – plantas, minerais e até mesmo metais –, esses medicamentos são produzidos com técnicas de diluição e dinamização. Um de seus oito leitos chegou a ser ocupado por Raul Seixas nos anos 1970, já que era o único lugar em que o Maluco Beleza aceitava ficar internado para desintoxicação. Lá, Raul escreveu a música Canceriano sem Lar, ou Clínica Tobias Blues. Na época, além da implementação dos tratamentos, a instituição também foi responsável pela formação de cerca de 80 médicos de diferentes regiões do Brasil. A clínica funciona até hoje, mas a partir de 1993 passou a atuar apenas no atendimento ambulatorial. Os leitos para internação tornaram-se consultórios e passaram a ser oferecidos cursos de formação em medicina antroposófica e terapia artística.

á 94 anos, em 15 de agosto de 1915, em pleno bairro do Alecrim, um grupo de jovens fundava um dos times mais tradicionais de Natal: o Alecrim Futebol Clube. Entre esses jovens – quem diria? –, estava Café Filho, talvez o único jogador de futebol do Brasil, quiçá do mundo, a trocar os gramados do esporte bretão pela poltrona confortável – imagina-se – de Presidente da República. Café Filho era um goleiro mediano. Depois do goleiro presidenciável, o Alecrim seguia sua rotina de jogos sem muita expressão, até que, em 1925, levantou o caneco de campeão de maneira invicta, fato inédito entre os clubes de futebol da cidade. Como naquela época o Alecrim era formado basicamente por negros e descendentes de índios, os caras do ABC e América, que eram times das elites, dissolveram a federação de futebol para que o campeonato fosse invalidado. Trinta e oito anos passaram até o segundo título, que veio em 1963, com o técnico Geléia, numa vitória contra o ABC. No ano seguinte Geléia deixou o clube, dando lugar a Pedro 40, que garantiu o bicampeonato contra o mesmo adversário. Em 1968, outra façanha: o esquadrão esmeraldino venceu o campeonato estadual de ponta a ponta. Mais uma vez, invicto. Embalados pela conquista, nesse mesmo ano a torcida do Alecrim ganharia mais um presente. Num amistoso contra o Sport, de Recife, o gênio das pernas tortas, Mané Garrincha, vestiu a camisa 7 do clube alecrinense. Apesar da derrota por 1 a 0, aquele 4 de fevereiro ficou para sempre na HORAS história do Alecrim. CHEIO DE NOVE comum – o ns Nos anos 1980, um dos torcedores mais se o , al ni lo No Brasil co ulava que às tip es fanáticos do Alecrim era cego. Chico – is le as s e por veze ssoas deveriam pe as Araújo ia “ver” os jogos munido de seu ite no da s 10 hora o alguém fazia nd ua radinho de pilha. Não perdia uma única Q . sa ca em estar a, ia terminar a pros er partida que fosse. De goleiro qu e a sit vi a um ida: “Já são nove ed sp presidente a torcedor cego, até de a a av ici in o dono da casa Garrinha tirou uma onda pelos horas...”. Mas, se o nderava: “Ora, nã gramados alecrinenses. Vida achasse cedo, po m nove horas” ou longa ao escrete esmeraldino! esteja desde já co . s” ra eio de nove ho “O senhor está ch Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

ex Origem da

pressão

o baú do Barão

“Quem tem saúde de ferro pode um dia enferrujar.”


SOLIDÃO É PARA POUCOS

Fabio Woody

Condomínio da Amizade apazigua frieza da metrópole R

ua dos Pássaros e Flores, zona sul da capital paulista. Ali está um prédio com cara de vila, onde todo mundo se conhece e se frequenta. Engenheiro de longa data, Carlos Ferraro não se conformava em morar em um apartamento grande depois que os filhos se mudaram. Mais do que isso. Queria ter um ombro amigo por perto, a casa movimentada. Cansado de esperar a boa vontade da vizinhança, conversou com um amigo, que falou com outro, e com outro. Jantar de condomínio: solidão é opção para poucos, garantem os moradores. Nasceu assim o Condomínio da Amizade, com 22 apartamentos construídos por eles e para eles. Ali ninguém reclama se o vizinho fizer barulho. Antes da mudança, os proprietários doaram duas receitas caseiras de família, uma salgada e outra doce, para um livro de culinária exclusivo do prédio. E, vez por outra, alguém põe a mão na massa. Na área de lazer há cozinha coletiva. Onde come um comem 20. Há também biblioteca e uma sala de tevê que reúne a turma toda nos dias de jogos de futebol. Outra novidade por lá é o “termômetro da amizade”, uma espécie de semáforo instalado na sala de cada um dos apartamentos. Se a luz estiver verde quer dizer que quem mora ali está disposto a receber os amigos. Amarelo indica que está em casa, quieto. O vermelho é um pedido de ajuda. “Solidão é uma opção de poucos”, garantem os moradores. Carlos agora vive cercado por gente querida. Sabe que existe uma lista de pessoas interessadas em morar no condomínio e justifica: “É porque aqui somos todos uma família”.

Todo dia tem um Santo

A Paixão de Cecília, do século 6, narra que a nobre romana precisou casar-se com Valeriano, mas fez o marido resp eitar seu voto de castidade. Ele e o irm ão Tibúrcio eram pagãos. Tornaram -se cristãos (e santos) graças a Cec ília. Ela fundou uma igreja e morreu mar tirizada. É padroeira dos músicos.

Ilê-Aiyê incomoda logo em sua estréia no Carnaval

rejane carneiro/a tarde/ae

O

s tambores soaram alto em 1° de novembro de 1974. Na ladeira do Curuzu, em Salvador, tomava forma o primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê-Aiyê. Festejado como “o mais belo dos belos” e propulsor da reafirmação da herança africana no Carnaval da Bahia, os predicados não foram tão generosos em sua primeira incursão no reinado de Momo – pelo menos não da parte do jornal A Tarde, que o acusava de ser racista e proporcionar “um feio espetáculo”. E o periódico prosseguia, justificando não entender a existência de um bloco afro-descendente numa cidade como Salvador: “Não temos felizmente problema racial. Esta é uma das grandes felicidades do povo brasileiro”. As críticas, entretanto, não abalaram as estruturas do Ilê, que tornou-se uma associação cultural, desenvolvendo projetos sócio-educativos como alfabetização, aulas de canto, dança, cidadania, expressão corporal e orientação sexual. Saiba mais Site do bloco: www.ileaiye.org.br


VIDA OU MORTE

Mercados viraram trincheiras dos fiscais do Sarney

Marcia Zoet/Folha Imagem

F

azer compras pode parecer um programa tranquilo, mas em 1986 ir ao mercado chegou a ser como ir para a briga. Pessoas armavam-se com uma cartela de preços do governo e incorporavam o que o presidente José Sarney chamou de “guerra de vida ou morte contra a inflação”. Se o preço de algum produto tivesse subido, era hora da batalha. Sarney, o primeiro presidente civil empossado depois do regime militar, apostou numa fórmula drástica para acabar com a inflação descontrolada que tirava o sono dos brasileiros. O Plano Cruzado, entre outras medidas, foi direto ao ponto: por um ano, o comércio estava proibido de aumentar o preço das mercadorias. Num tempo em que a

inflação atingia 300% ao mês, os valores dos produtos do dia a dia – arroz, feijão, macarrão – foram congelados numa tabela. Os jornais diários acostumaram-se a mostrar cenas nos supermercados: uma pessoa descobria um produto remarcado, avisava às outras e todos gritavam que o estabelecimento devia ser fechado. Havia até casos de depredamento e saques. Os fiscais do Sarney, como ficaram conhecidos os consumidores mais empenhados, chamavam a polícia, que decretava ordem de prisão aos responsáveis pela remarcação. O congelamento, contudo, não surtiu efeito por muito tempo. Os produtos começaram a sumir das prateleiras e a população acabava pagando por eles o ágio cobrado pelos supermercadistas.

LÁ NO ALTO

Cidade paraense foi construída sobre pontes de madeira

O

s 40 mil moradores de Afuá, cidade paraense localizada na Ilha de Marajó, não têm o pé no chão. Andam sobre palafitas. Moram em cima delas. A arquitetura peculiar tem sua justificativa: constantemente alagada pelo rio, a região não permite construções em terra firme. Assim, casas e pontes de madeira foram sendo desenhadas a um metro de altura. Por tabela, carros e motos não podem circular. Prejudicariam a estrutura que ainda prevalece, resistindo ao concreto que teima em avançar. Na falta de transportes motorizados, a bicicleta predomina: há quem calcule que o número de magrelas é superior ao de habitantes. Mas havia um porém: elas só carregam uma, no máximo duas pessoas. Como sair com a família para passear? Foi então que entrou em cena a invenção de Raimundo do Socorro, também conhecido como Sarito: o bicitáxi. Com capacidade para até quatro pessoas e nome registrado em cartório, o inovador meio de transporte foi construído a partir da junção de duas bicicletas. Com o tempo, peças de carro foram sendo acrescentadas: volante, pneus, párachoque, sistema de som. Os veículos, apesar do nome, são particulares. Podem valéria gonçalves/ae

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bicitáxis: transporte oficial de afuá.

custar de dois a seis mil reais, dependendo dos acessórios. Há também quem os personalize, acrescentando, por exemplo, neon. Outros, mais criativos, os aproximam de modelos conhecidos, como Jipes e Ferraris. Se Batman aparecesse por lá, não ficaria a pé: não falta um bicitáxi Batmóvel para transportá-lo.

Saiba mais Site da Prefeitura de Afuá: www.prefeituradeafua.com.br


sebastião moreira/ae

Túmulo de mário de andrade.

TURISMO NO CEMITÉRIO

A maior galeria de arte a céu aberto do Brasil

E

m vez de entrar em contato com as obras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Monteiro Lobato em bibliotecas ou museus, por que não visitá-los pessoalmente? Ué? Mas eles não estão mortos? Sim, por isso o ponto-de-encontro é o Cemitério da Consolação, em São Paulo, que desde 2001 organiza passeios monitorados. O visitante imerge na cultura e na história paulistana. Além de conhecer as sepulturas de importantes nomes da cidade, também se depara com valiosas obras de arte, como esculturas de Victor Brecheret, Luigi Brizollara e Eugênio Prato. Há também a peça em granito Solitudo, de Francisco Leopoldo e Silva, considerada o primeiro nu feminino das artes plásticas brasileiras. “É um museu a céu aberto”, explica o guia Francivaldo Gomes, o Popó, que desde 2002 orienta o público nesse pas-

seio inusitado. Entre as sepulturas, destacam-se o suntuoso túmulo da família Matarazzo, de 20 metros de altura, e o jazigo da Marquesa de Santos, a famosa amante de dom Pedro I. Entre os freqüentadores assíduos, está a escritora Maria Adelaide Amaral, que gosta de visitar os “queridos modernistas”, retratados por ela na minissérie Um só Coração. “Gosto tanto deles que vou visitá-los no Consolação. A Tarsila, o Oswald, o Mário... Estão todos lá. É como se fosse gente da minha família”, conta. Para evitar que haja furtos, o cemitério não distribui folhetos explicativos sobre a localização das obras e túmulos. Para encontrar o que deseja, só marcando um horário com Popó. As visitas monitoradas duram, em média, uma hora.

Saiba mais Agendamento de visitas monitoradas: (11) 3396-3815 ou 3396-3833.

CONVOCAÇÃO DE ÚLTIMA HORA

C

opa do Mundo de 1970. No auge da carreira, o cantor Wilson Simonal acompanhava a seleção brasileira ao México. O clima de informalidade proporcionava uma grande interação entre o astro da música e o ídolo do futebol, Pelé. Nas revistas, eram descritos como carne e unha. “Todo jogador quer ser cantor e todo cantor quer ser jogador”, confessa o Rei no documentário Simonal: Ninguém sabe o duro que dei. Assim, canjas aconteciam na concentração, e também bate-bolas informais. Após a contusão de um dos jogadores, o técnico Zagallo pensou em mandar

buscar um atleta no Brasil. Aproveitando a auto-estima, digamos, elevada do artista, o capitão Carlos Alberto propõe: “Para que trazer alguém se temos o Simonal aqui? Simonal, você joga?”, perguntou, recebendo como resposta: “É, eu bato uma bolinha...”. O resultado da brincadeira: “No dia seguinte, fomos treinar. Não deu 15 minutos de aquecimento e ele se sentiu mal”, descreve às gargalhadas Pelé. Por causa da altitude e da falta de preparo, o cantor teve que ser socorrido e tomar oxigênio. “Só quando ele acordou e viu que estava todo mundo rindo é que percebeu que era

Reprodução/AB

Simonal até topou ser ponta da seleção de 1970

uma gozação”, conta Chico Anysio no documentário, que busca esclarecer os reais acontecimentos que levaram Simonal ao ostracismo. Segundo o comediante, o cantor reunia um misto de ingenuidade e pretensão tão grandes que “acreditava que podia até ser o pontadireita da seleção brasileira de 1970!”.

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“Não há pagamento maior do que ver um paciente recuperado”

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funcionária pública Darziza da Silva para que o paciente e a família se preocupem apenas com a recuperação”, conta. Santos levava uma vida tranquila na A ajuda dos mais de 50 voluntários é essenpequena e bucólica cidade de Brasilândia, no cial para manter o alto nível de atendimento. sul do Mato Grosso do Sul, quase no estado de São Paulo. Uma notícia que recebeu em Todos estão prontos para, cada qual a sua 1999, porém, mudaria sua rotina para semmaneira, aliviar a dor de quem se encontra numa situação tão delicada, física e psicolopre. Descobriu que sua mãe tinha câncer de gicamente. A associação ainda recebe ajuda mama. O desespero veio junto com a desinmensal da prefeitura, mas boa parte do diformação. Ninguém sabia o melhor a fazer, Darziza Santos, voluntária no Mato Grosso do Sul. nheiro vem de eventos de todos os tipos pronão havia associações para se informar, nem tratamento adequado na região. Sua mãe foi para Campo Granmovidos pelos voluntários. Darziza diz que o maior pagamento que recebe é ver as pessoas de, tratou-se, mas acabou morrendo em dezembro daquele ano. recuperadas, prontas para voltar à vida normal. “Quando o traAinda sob a dor da perda, Darziza decidiu que faria o possível tamento chega ao fim e dá certo, a gente nem acredita de tanta para que ninguém mais passasse pelo que passou. Em 2000, funfelicidade. É o nosso grande objetivo na vida, e trabalhamos diadou ao lado de outras pessoas a Associação de Voluntários de riamente para que isso aconteça.” Entre as centenas – talvez miCombate ao Câncer de Brasilândia. lhares – de pacientes que passaram pela associação, uma criança “Com a perda da minha mãe, despertei para a importância de dar ficou especialmente marcada em sua lembrança: um menino de e receber apoio num momento duro como esse”, conta Darziza, apenas seis anos com um perigoso câncer em seu organismo. “É hoje presidente da associação que ajudou a fundar. O trabalho é intenso e muito bem-sucedido. Atualmente, 90 pacientes recemuito triste ver alguém tão pequeno passar por uma doença tão bem desde remédios a transporte ao Hospital Amaral Carvalho, difícil”, diz. Mas, com o empenho de todos, o menino recuperou-se totalmente. E Darziza se emocionou ao receber há pouco em Jaú, no interior de São Paulo. “Os pacientes encontram todas tempo um convite. Era do aniversário de 15 anos de um agora as condições materiais e financeiras para ultrapassar esse mosaudável adolescente. “Não precisa dizer mais nada, né? Esta é a mento duro com dignidade. Não importa se o tratamento é longo. Aliás, quase todos são demorados, e estamos sempre ao lado grande vitória do nosso trabalho!”


ODED GRAJEW

Tanta injustiça é insustentável

fotos: EDI PEREIRA

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Ele é o fundador de uma das mais importantes empresas de jogos e brinquedos do País, a Grow. Tinha tudo o que precisava para esquecer os tempos de vendedor de livros porta a porta e desfrutar da prosperidade, mas as conquistas empresariais não foram o bastante. Partiu então para novos empreendimentos, agora sociais. Desde 1990, Oded soma a seu currículo a criação da Fundação Abrinq, do Instituto Ethos, do Fórum Social Mundial e do Movimento Nossa São Paulo. “Nós somos o que fazemos”, justifica, evocando sua constante inquietação e propensão para o fazer. Diante das dificuldades que o futuro reserva e da iminência de um “desastre total”, pondera: “Há tantas variáveis. A perspectiva futura nunca me paralisou”.


Como você define sua atuação? Isso era um problema para a minha mãe. Quando eu era engenheiro, empresário, era fácil responder para as amigas. Depois começou a confundir, ela mesma não sabia definir. Costumo dizer que sou um empreendedor social. Ou seja, tento empreender coisas na área social e ambiental, que tenham consequências positivas para a sociedade.

De onde veio o desejo de deixar de ser empresário e se tornar um “empreendedor social”? Ele me acompanha desde criança. Sempre olhei ao meu redor, sempre me interessei pelas causas sociais. Na empresa que fundei, tentava fazer as coisas de acordo com o que eu achava que deveria ser. Também comecei a dar palpites no Sindicato das Indústrias de Brinquedos e Instrumentos Musicais do Estado de São Paulo, ao qual éramos filiados. Eu tinha ideias, e sempre tive vontade de transformá-las em fatos. Fazer acontecer. Um dia, no sindicato, acharam que eu deveria ser o presidente. Topei, porque como presidente, além de dar palpites, teria a chance de fazer as coisas. E então segui este caminho.

Essa empresa a que você se refere é a Grow. Ela já nasceu grande? Não, ela nasceu muito pequena, num

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fundo de quintal, em 1972. Grow são as iniciais dos quatro fundadores: Geraldo, Roberto, Oded e Valdir. Era Valdir com “V” mas ficou o “W”. A gente começou juntando as nossas economias: o equivalente ao valor de um Volkswagen, naquela época. Então, desde o princípio, sabíamos que o nosso poder competitivo seriam as ideias. A ideia era um produto novo para um mercado novo... Jogos para adultos, para adolescentes, e também comunicação, marketing, produção. Nós tínhamos que ter a informação como diferencial. Acredito que é preciso fazer coisas fora do comum, vamos dizer assim. O que os outros fazem já é feito. Para que possamos contribuir, é necessário fazer o que ninguém ou pouca gente faz.

mos ser os melhores do setor... É claro que isso custa mais, mas eu sou testemunha de que dá certo financeiramente.

E em relação à evolução do empresariado brasileiro? Houve progresso? Sim, mudou bastante. Hoje, mais empresas se engajam, de uma forma ou de outra, nas questões sociais e ambientais. Mas ainda assim, não só no Brasil como no mundo, as melhores empresas têm investimentos em ações e projetos sociais que não chegam a 1% do seu faturamento. No Instituto Ethos, defendemos a aplicação não apenas desse 1%, mas também dos outros 99% em ações socialmente responsáveis. Ou seja, tudo o que a empresa faz: como ela lida com seus funcionários, com o meio ambiente; como são os produtos... Nada foge da responsabilidade social.

Geralmente gasta-se muito mais na divulgação dos projetos do que na realização deles. Não há uma distorção? Não sou contra

Ou nos organizamos, exigimos e acompanhamos o poder público e as políticas públicas, ou não temos futuro.

Quando você começou a atuar no terceiro setor já enxergava a necessidade de profissionalização? O que eu sentia era a necessidade de fazer as coisas... A gente pode falar, pode achar, pode pensar, mas o que vale é o que a gente faz. Nós somos aquilo que fazemos. Em qualquer lugar do Brasil, se você fizer uma pesquisa perguntando quem é a favor da corrupção, duvido que alguém levante a mão. Mas o Brasil é um país cheio de corrupção. Se você perguntar quem é a favor da criança e do adolescente como prioridade nacional, todos vão levantar a mão, mas na prática isso não acontece... Para fazer as coisas, você tem que estruturar um processo. Não basta querer.

Você foi um dos primeiros empresários a levantar o tema da responsabilidade social. Houve evolução de lá para cá? Em relação a eu ser um dos primeiros empresários atentos à responsabilidade social, gostaria de abrir um parênteses. Na verdade, não há nada de excepcional nisso. Estranho é a indiferença diante de tanta desigualdade. O que não pode ser natural é ficar de braços cruzados. É tão óbvio que tem que ser feito... Ainda na Grow, tentei implementar as coisas, mesmo com uma situação que, no começo, era financeiramente precária. Nos vários indicadores do setor de brinquedos – salário, funcionários registrados, assistência médica, alimentação, condições de trabalho – sempre procura-

propaganda ou marketing, porque é saudável divulgar os bons exemplos. Os concorrentes vão atrás. Enfim, cria-se uma cultura de ação social. Mas, na hora de divulgar, não adianta falar o que se está fazendo e gastar em publicidade muito mais do que com o projeto. Nas pesquisas do Instituto Ethos, uma das coisas que mais leva o consumidor a ter uma ideia ruim da empresa é a propaganda enganosa. O cliente se sente ludibriado. Uma companhia que faz propaganda da sua responsabilidade social sem ter um real compromisso com o conteúdo acaba desmoralizando o conceito de responsabilidade social: “Ah! Isso é só coisa de marketing, de propaganda!”.

Isso deve valer também para as iniciativas da sociedade civil, não? Os sindicatos e as ONGs deveriam servir

de exemplo para os empresários. Tem gente usando como desculpa que, se registrar os funcionários, por exemplo, não sobrevive. É a mesma coisa dizer que se não roubar não sobrevive... Valeria também para os políticos: “Ah, se eu não pegar dinheiro por fora, se não fizer acordos espúrios, não consigo governar”.

Como surgiu a ideia do Fórum Social Mundial? Foi em 2000. Era a época do Fórum Econômico Mundial, e predominava a ideia de que a economia ia salvar o mundo. As pessoas eram vistas mais como consumidores e produtores do que como cidadãos. Naquela época, o ex-presidente argentino Carlos Menem, por exemplo, era recebido com tapete vermelho em Davos, como um modelo a ser seguido. Aí começamos a pensar uma maneira de se contrapor a isso. Se tinha o Fórum Econômico Mundial, tinha que haver um Fórum Social Mundial. Foi aqui nessa sala, onde antes era o Ethos, que se realizou a primeira reunião do grupo brasileiro. Eu convidei algumas pessoas para expor a ideia, ver o que achavam... Porque mesmo os processos que surgem na minha cabeça só vão adiante coletivamente.

O Fórum vem cumprindo o papel de equilibrar as discussões econômicas e sociais? É preciso olhar como era o mundo naquela época. Em 2000, quando foi realizado o primeiro encontro, vivia-se “o fim da história”. O modelo neoliberal imperava. A desregulamentação dos mercados, o estado mínimo e a globalização financeira pareciam o caminho. Hoje o quadro político na América Latina mudou totalmente – basta olhar os


presidentes. Ninguém ousa dizer “Eu sou neoliberal”. Se você comparar a agenda do Fórum Econômico Mundial daquela época com a atual... Eu às vezes brinco que o site do Fórum Econômico parece com o do MST. Há discussões que nunca haviam acontecido lá: a questão social, as desigualdades, a questão ambiental, a fome. Nada disso entrava na agenda. Não estou dizendo que melhorou efetivamente, mas que mudou, mudou. A última edição do Fórum Social Mundial foi na Amazônia, em Belém, o que proporcionou uma discussão sobre a sustentabilidade mundial. O planeta está tendo seus recursos esgotados por causa desse modelo predatório que incorporamos. Isso questiona todo o sistema de cultura, valores, consumo e produção.

Quando se discute sustentabilidade, costuma-se pensar apenas no aspecto ambiental. Não se trata de um conceito mais amplo? Sim. Se você aumenta ou preserva uma distância enorme entre ricos e pobres, isso é insustentável, porque gera violência e conflitos. Tanta injustiça é insustentável. É insustentável oferecer produtos e serviços que esgotam os recursos naturais. Ou preservar um sistema econômico que incentiva o consumo predatório, que transfere a felicidade para o consumo. Hoje ser feliz é possuir várias coisas que há dois séculos não existiam... Então quer dizer que as pessoas não eram felizes? Essa ficha da sustentabilidade vai cair, mais cedo ou mais tarde. Nossa luta é para que ela caia antes do desastre total.

E por que a reação demora tanto? Geralmente os governos agem quando a crise atinge pessoalmente os governantes e seus financiadores de campanha. E eles não são atingidos pela pobreza, pela falta de habitação, de saneamento. Um exemplo é a crise financeira mundial que vivemos no ano passado. Diante dela, mobilizaram-se instantaneamente 700 bilhões de dólares. Esse dinheiro estava disponível! Para que se atinjam as metas do milênio, a ONU estima que sejam necessários 150 bilhões de dólares por ano. Até agora, menos da metade disso foi investido. Por que se mobilizou nesa hora e não se mobilizou antes?

Em momentos de crise é sempre a área social que mais perde? No modelo atual, estão sim. Na hora da escassez sempre se tomam decisões de o que se vai priorizar e o que se vai cortar. Não todos, mas muitos governantes dedicam parte do mandato para dar retorno a quem investiu nas campanhas. Quem investiu não foi porque achou lindo. É investimento mesmo. Então, na hora da crise, são prioridade. Pobre não financia campanha. Então, o governo coloca recursos para viabilizar exportações, para ajudar aos que apostaram errado no câmbio, e por aí vai. Por que não investir esse dinheiro na educação? Primeiro porque não existe um interesse em que a educação melhore, pois um povo mais inteligente e mais bem informado é mais crítico e exigente. E também porque os filhos dos governantes e financiadores não usam os serviços públicos. Se houvesse uma lei ou um código de ética obrigando os filhos dos governantes a estudar em escolas públicas, eu garanto que a educação do País melhoraria. O mesmo vale para a saúde. O Brasil tem uma carga tributária de primeiro mundo, semelhante à dos pa-

íses europeus, e os serviços públicos são de quinta categoria.

E como combater a distância entre os interesses da população e as necessidades dos governantes? O Movimento Nossa São Paulo surgiu exatamente para isso. Nós pagamos impostos, somos eleitores. O governo tem que estar a serviço da população. Ou nos organizamos, exigimos e acompanhamos o poder público e as políticas públicas, ou não temos futuro.

Como é, concretamente, a atuação do Nossa São Paulo? A ideia é criar uma rede de articulações que comprometa a sociedade e sucessivos governos com o desenvolvimento sustentável da cidade. Hoje são cerca de 530 organizações, que atuam em quatro eixos de trabalho. O primeiro é a montagem do observatório da cidade, dos indicadores; outro é o acompanhamento cidadão, porque não adianta você ter a informação sem acompanhar; o terceiro é a educação, com campanhas e ações para que as pessoas se comportem como cidadãos e exijam dos governos seus compromissos; e, por último, a mobilização – tornar cada paulistano parte da rede.

É possível contabilizar resultados? O movimento foi lançado em 15 de maio de 2007. Nesse tempo, montamos uma base de indicadores da cidade muito importante para o debate eleitoral. Um exemplo é a questão do trânsito, para a qual sempre se pensou em soluções como a construção de pontes e viadutos. Houve uma mudança na agenda, no sentido de priorizar o transporte coletivo. Em relação ao acompanhamento da Câmara Municipal, uma das coisas que conseguimos aprovar foi a mudança da Lei Orgânica do Município, que hoje está em várias cidades. Ela diz que o próximo prefeito tem 90 dias para apresentar um programa de metas – tanto qualitativas, como quantitativas –, em cada área da administração pública, para as subprefeituras e os distritos da cidade. A cada seis meses, devem ser divulgados os indicadores e, a cada ano, o andamento das metas. Isso não existia em lugar nenhum do Brasil.

É realmente incrível como se administravam cidades sem esses tipos de compromisso... O nome do movimento é Nossa São Paulo, mas, na minha cabeça, é o movimento do óbvio. Ele apenas defende o cumprimento integral de leis que já existem. Se você falar isso para um estrangeiro, ele não entende.

Mesmo diante de tantos problemas, é possível seguir acreditando em maneiras de interferir no rumo das coisas? Na realidade, há muita coisa boa acontecendo. Se eu não visse perspectivas, não seguiria em frente. Vejo que muita coisa aconteceu, muitas mudanças. Basta olhar para trás e ver como era e como é hoje. Não sei o que vai acontecer lá na frente, não me preocupo muito com isso. Vou fazendo, vou tentando, e as coisas acontecem. A perspectiva futura nunca me paralisou. Há tantas variáveis. Além disso, é gratificante saber que você está fazendo a sua parte. Não sou otimista nem pessimista. Acho que é preciso tomar algumas atitudes. A partir daí, será o que será.

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Uma vida feita de palav ras

Queiroz e d l e h R ac

Em 92 anos, ela foi romancista, cronista, jornalista, teatróloga, professora. Teve constante atuação política – ora ao lado dos comunistas, ora a favor dos militares. Quando aventaram seu nome para a Academia

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VIDAL CAVALCANTE/AE

Brasileira de Letras, perceberam que

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ra uma escritora prodígio e tímida, que não mostrava os textos para ninguém. A situação mudou quando o jornal O Ceará promoveu um concurso para escolher a rainha dos estudantes. A garota resolveu mandar uma crônica ironizando a promoção, sob o pseudônimo Rita de Queluz. De tão bem escrita, até a vítima, a tal rainha dos estudantes, se sentiu orgulhosa. Houve um zunzum entre os leitores e o pessoal da redação. Todos queriam saber quem era a escritora misteriosa. Depois de muitas hipóteses, o poeta e jornalista Alencar Guimarães, amigo da família, sentenciou: “Só pode ser coisa da Rachelzinha”. Desta maneira, aos 17 anos, Rachel de Queiroz iniciou a carreira literária, que não abandonaria nunca mais. A cearense, nascida em 17 de novembro de 1910 em Fortaleza, desde cedo teve propensão à literatura. O pai, professor e magistrado, a alfabetizou pessoalmente, com direito a livros

as regras não aceitavam mulheres. Mudaram as regras.

clássicos. Aos 5 anos, leu Ubirajara, de José de Alencar. “Obviamente, não entendi nada”, contou depois. Devido à terrível seca que atingiu a região em 1915, a família passou por diversas cidades, até se fixar em Quixadá. Lá, a menina é matriculada num colégio de freiras, e se forma como professora com apenas 15 anos. De volta a Fortaleza, e após o episódio da crônica de O Ceará, é convidada a ser colaboradora fixa do jornal. Começou a esboçar um romance em folhetim chamado A História de uma Moça. Não empolgou nem a si própria. “Era uma droga”, resumiu. Pouco depois, aceita o convite para lecionar num colégio como professora de história. Tinha apenas 18 anos, quase a idade das alunas, com as quais criaria uma relação de cumplicidade, defendendo-as nas constantes discussões com o rígido diretor. De tão popular, foi escolhida no fim do ano – por ironia do destino – a Rainha dos Estudantes.


Além de livros e peças, colaborou por mais de 30 anos com crônicas para a revista O Cruzeiro.

“Não vou fazer correção alguma”

De volta às letras, Rachel publicou, em 1930, o primeiro romance: O Quinze. A obra fala sobre uma terrível seca, igual à enfrentada anos antes. A publicação a tornou notória quase que instantaneamente. Recebeu o prêmio da Fundação Graça Aranha, no Rio de Janeiro, na categoria ficção. O idealizador do prêmio, o próprio Graça, morreu de enfarte logo depois. Em seu gabinete estava O Quinze aberto. “O Graça morreu de desgosto ao ler seu livro”, gozavam os amigos. A viagem ao Rio também serviu para aproximá-la do Partido Comunista Brasileiro, pelo qual já tinha simpatia. Filiou-se e recebeu a incumbência de organizar o PCB em Fortaleza. O sítio da família abrigou diversas reuniões do partido. Um ano depois, entretanto, membros tentaram censurar seu novo romance, João Miguel. Entre os argumentos, estava que um camponês não poderia matar o outro, e exigiram mudanças. “Eu não reconheço nos companheiros condições literárias para opinarem sobre a minha obra. Não vou fazer correção alguma”, afirmou, convicta. Nunca mais teve contato com o partido. Na mesma época conheceu o poeta José Auto da Cruz Oliveira, com quem casou. Em 1937, lança o romance Caminho de Pedras. Com a decretação do Estado Novo, seus livros são queimados em praça pública, sob a acusação de serem subversivos. Em 1939, separa-se do marido e muda definitivamente para o Rio. Na cidade, conhece o médico Oyama de Macedo, com quem se casaria. Além dos livros, escreve peças de teatro e crônicas para a disputada revista O Cruzeiro. Foram mais de 30 anos de colaboração semanal, sempre na última página da publicação.

A primeira mulher da ABL

Sempre ligada às questões políticas, foi favorável ao golpe militar que depôs o governo de João Goulart em 1964, pois considerava-o um seguidor de Vargas. “A minha geração habituou-se a considerar Getúlio como fonte de todos os males políticos”, explicou mais tarde. O novo presidente, general Castelo Branco, era amigo da família. Por isso atendeu a dois pedidos do militar: o de filiar-se ao Arena (“Ele queria que o partido tivesse mais intelectuais em seus quadros”) e ser a delegada do Brasil num congresso da ONU. Nos governos militares que se sucederam, manteve uma relação cortês, mas distante. Em 1977, um grupo de imortais da Academia Brasileira de Letras tentou convencê-la a disputar uma cadeira na instituição. Rachel gostou da proposta, mas não se empolgou, já que o estatuto da ABL não permitia mulheres. Os simpatizantes da ideia encontraram uma solução: mudar as regras. Desse modo, ela venceu o jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda por 23 votos a 15. Nos anos 1990, alcança grande popularidade com a adaptação para a tevê de O Memorial de Maria Moura, minissérie que conquistou ótimas críticas da imprensa. A escritora morre, dormindo, em 4 de novembro de 2003, dias antes de completar 93 anos.

SAIBA MAIS Tantos Anos, de Rachel de Queiroz e Maria Luíza de Queiroz (Siciliano, 1998).

O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO

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Você acha justo trocar mercadorias por um pedaço de papel impresso pelo governo? Pois nem sempre as pessoas acharam. Desde que existem, porém, as cédulas de dinheiro são pequenos retratos de seu tempo. Objeto de interesse de pesquisadores, economistas, designers e numismatas, elas não podiam deixar de ser lembradas por este ALMANAQUE. Mas aqui não importa quanto dinheiro representam. As simbologias, histórias e curiosidades é que têm valor.

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eija-flores, tartarugas, garças, araras e micos. Da Amazônia aos pampas, o brasileiro convive diariamente com os mesmos animais, estampados nas notas de Real. O dinheiro faz parte da simbologia de um país. Diferente de hinos e brasões, trata-se de elemento vivo da identidade nacional. O topo que hoje é da garoupa, na nota de cem, já foi de Pedro Álvares Cabral, Castello Branco e Juscelino Kubitschek – tudo de acordo com os interesses da época. Porém, nem sempre ilustrações e números impressos tiveram valor. Na colônia e no começo do Império, só em casos extremos o papel foi usado como moeda. A população achou engraçado a administração de Minas Gerais emitir bilhetes de papel como pagamento, em 1771. Isso só acontecia se faltavam moedas de ouro e prata ao órgão real. Não fazia muito sentido o conceito de valor intrínseco para algo sem valor material – já parou para pensar que, valha um ou cem reais, tanto uma como a outra custam os mesmos centavos para serem feitas? O papel-moeda só passou a ter importância significativa no final do Império e começo da República. Muitos bancos tinham autorização para emitir os mil-réis usados na época, ocasionando um sistema caótico e sem padronização. Há quem considere que a história numismática brasileira genuína só comece em 1942. Foi quando instituímos o Cruzeiro, primeiro padrão monetário que não veio de Portugal – nos primeiros anos, a cédula mais alta era os Cr$ 1.000 de Pedro Álvares Cabral. O Banco Central passou a ser o único órgão responsável pela emissão de notas. Mas depois disso houve confusões de outra ordem. Na tentativa de conter uma inflação desenfreada, trocamos de moeda oito vezes ao longo de 35 anos. O Cruzeiro foi e voltou, intercalado com Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado Novo e Cruzeiro Real. Talvez seja justamente por conta de tanta bagunça que a história de nossas cédulas se constitua em um universo tão rico a explorar.


Quem não tem metal, cunha em nota Com a mudança da Corte portuguesa para o Brasil, passou-se a gastar muito mais dinheiro. Resultado: os metais disponíveis para cunhar moedas não deram conta. A solução foram os Bilhetes do Banco do Brasil. Avôs das nossas notas, tinham valores preenchidos à mão por funcionários da Coroa.

De próprio punho Na época do Império – e ainda no começo da República – funcionários da extinta Caixa de Amortização autografavam cada cédula de mil-réis com caneta tinteiro. Como depois as notas eram empilhadas, não raras vezes o reverso ficava manchado de tinta.

Vide o carimbo O Cruzeiro Novo foi o único padrão monetário que não teve suas próprias cédulas. O nome da moeda deixou de existir antes mesmo da produção do papel-moeda. Nos três anos em que valeu, usavamse as notas do antigo Cruzeiro reaproveitadas. Um carimbo marcava o novo valor, procedimento comum na transição de sistemas monetários em um País continental como o Brasil.

Importante, eu? Lançar nota com a própria efígie era comum entre os representantes imperiais. Getúlio Vargas foi o único presidente a utilizar-se do recurso publicitário, durante o Estado Novo.

A nota com a figura de Getúlio foi a de menor valor facial que o Brasil já teve. Quando o padrão monetário mudou, em 1967, “diminuindo três zeros” dos valores, ela recebeu um carimbo que remarcava seus 10 cruzeiros para mísero 1 centavo de cruzeiro novo.

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Fauna, sim Bicho, não A troca do Cruzeiro por Real, em 1994, foi inédita por não reaproveitar nenhuma cédula do padrão anterior. Como a Casa da Moeda teve pouco tempo para emitir a nova família, foram escolhidos os temas da fauna, mais simples. Com atenção a uma exigência: não usar nenhum animal do jogo do bicho. Uma votação popular elegeu, entre animais em extinção, figuras para cédulas de novos valores. A tartaruga-marinha ficou nos 2 reais, o mico-leão-dourado, nos 20.

Novembro 2009


Padrões Monetários

Segurança: Ativar As cédulas do Real são as mais “protegidas” que já tivemos. Além de terem nascido em tempos de tecnologia mais avançada, a preocupação com falsários cresceu. Afinal, com a moeda estabilizada, o interesse pela falsificação é maior.

Réis - Rs0$

Século 16 a 1942

Cruzeiro - Cr$

1942 a 1967 Rs1$000 (mil-réis) = Cr$1,00

Marca-d’água Com a nota contra a luz, dá para ver o símbolo da República ou a bandeira nacional

Fio de segurança O fio escuro permite a leitura do dinheiro por equipamentos de contagem automática

Fibras coloridas Em qualquer lugar é possível ver os fios verdes, vermelhos e azuis espalhados pela nota

Registro coincidente O desenho da estrela aparece completo com a nota contra a luz

Cruzeiro Novo - NCr$ 1967 a 1970 Cr$1.000 = NCr$1,00

Cruzeiro - Cr$

Alto-relevo Passando os dedos, dá para sentir a tinta mais grossa.

1970 a 1986 NCr$1,00 = Cr$1,00

Cruzado - Cz$ 20

1986 a 1989 Cr$1.000 = Cz$1,00

Cruzado Novo - NCz$ 1989 a 1990 Cz$1.000 = NCz$1,00

Cruzeiro - Cr$

Imagem latente Em local iluminado, com a nota deitada à altura dos olhos, as letras “BC” aparecem

Microimpressões Uma lente de aumento revela as letras “BC”

Fibras luminescentes Em lugar escuro com luz ultravioleta, aparecem fios de cor lilás em toda a nota

Produto Nacional

A emblemática “nota do índio”, de 1961, foi a primeira experiência da Casa da Moeda bras ileira em elaborar e produzir cédulas – até então, elas tinham diag ramação e fabricação importadas. As figuras foram pensada s para representar brasilidade. Repare que a moldura é inspirada na arte marajoara.

1990 a 1993 NCz$1,00 = Cr$1,00

Cruzeiro Real - CR$ 1993 a 1994 Cr$1.000 = CR$1,00

Real - R$

Desde 1994 CR$2.750 = R$1,00

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Arte por 1 cruzeiro As notas de Cruzeiro que vigoraram a partir de 1970, totalmente brasileiras, revolucionaram a estética do dinheiro com seu desenho arrojado e moderno. Na década seguinte, ganharam característica única: efígie e números espalhados. À semelhança de cartas de baralho, não tinham “parte de cima” ou “parte de baixo”, o que facilitava o manuseio. A autoria era do artista gráfico Aloísio Magalhães, que considerava as cédulas um “trabalho pragmático de uso coletivo” ou, ainda, “os objetos de maior comunicação do País”.


Quantos barões?

“Venham gastar seus barões e seus florianos”, escreveu Drummond em uma crônica de 1979. Ele se referia às notas de mil e cem cruzeiros que estampavam as efígies do Barão do Rio Branco e de Floriano Peixoto. O termo “floriano” para dinheiro foi passageiro, mas “barão” acabou pegando – mesmo depois que a nota parou de circular.

Para bom entendedor, uma nota basta A nota ao lado representa muito mais do que os cem mil cruzeiros descritos. A homenagem a Juscelino Kubitschek, inimigo histórico do regime militar, refletia a abertura política em 1984. No lugar de figuras institucionais, passaram a ser bem-vindas nas cédulas personalidades do campo das artes e da ciência. Desde então, deram as caras gente como Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Portinari e Cecília Meirelles. Na nota de 50 cruzados novos, em homenagem a Drummond, entram até versos de Canção Amiga (“Eu preparo uma canção / Que faça acordar os homens / E adormecer as crianças”), impensáveis antes da redemocratização.

Palma, maracanã, pirapirê...

Já ouviu falar nessas moedas? Pois saiba que hoje mesmo elas circulam no Brasil. Diversas localidades possuem, além do real, dinheiro próprio. Bancos comunitários espalhados pelo País perceberam que criar um dinheiro aceito apenas pelo varejo local acaba sendo mais eficaz para girar a economia da comunidade. O Banco Palma, em Fortaleza, é referência mundial no assunto.

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Além de transmitir os valores nacionais vigentes, as cédulas de dinheiro carregam também mensagens informais – para desespero do Banco Central, que cuida da integridade das notas. Frases que as pessoas escrevem no dinheiro inspiraram a artista Jaq Lerner, que as reuniu no painel O Livro (Os cem), de 1987.

Cildo Meirelles também percebeu que a circulação do dinheiro servia como meio de divulgação de informações. No auge dos anos de chumbo, o artista cunhou frases de protesto nas notas, em uma obra chamada Inserção em Circuitos Ideológicos, de 1970.

Histórias Que o Dinheiro Conta, de André Cintra e Renato Torelli (Lumus, 2006). Novembro 2009


O Calculista das Arábias

ligue os pontos

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

a Foi a estrela da primeira revista em quadrinhos brasileira. Mais tarde descobriu-se que o desenho era, na verdade, cópia de outro, americano.

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b Obra de um repórter policial que mudou a carreira

c Carrega muitas lembranças da infância do autor, no interior de Minas Gerais. O desenhista também fez vários trabalhos para adulto.

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d Dizem que, apesar de americano, o personagem da vila Xurupita foi inspirado em desenho de J. Carlos, um dos maiores cartunistas brasileiros.

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acervo da família

publicando tiras infantis. Inspirou-se nas crianças ao seu redor. Na filha, inclusive.

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Depois que o sábio calculista Beremiz Samir atravessou seu caminho, o jovem poeta Iezid passou a desconfiar do provérbio indiano, que antes era sua máxima: “É preciso desconfiar sete vezes do cálculo e 100 vezes do matemático”. Descobriu que nem todos os calculistas eram embusteiros. Com as lições do geômetra, encantou-se pela ciência exata. Quando uma jovem lhe perguntou sua idade, disse: “Eu tenho o dobro da idade que tu tinhas quando eu tinha a tua idade. Quando tu tiveres a minha idade, a soma das nossas idades será 45 anos”. Você seria capaz de dizer quantos anos tem cada um deles?

teste o nível de sua brasilidade

Palavras Cruzadas

Bacia descoberta em 25/11/1974, origem de 84% do petróleo nacional: (a) Campos (b) Mares (c) Tupi (d) Guarani Primeiro nome do sambista Cartola, morto em 30/11/1980: (a) Ataliba (b) Angenor (c) Antônio (d) Abelardo Companhia cinematográfica que lançou Mazzaropi, fundada em 4/11/1949: (a) Pau Brasil (b) Pindorama (c) Vera Cruz (d) Columbia Iniciam a Revolta da Chibata, em 22/11/1910: (a) Feitores (b) Índios (c) Imigrantes (d) Marinheiros Estado da borracha, cedido pela Bolívia em 17/11/1903: (a) PA (b) AM (c) AC (d) TO A sigla Arena, extinta em 21/11/1979, representava um: (a) Circuito de boxe (b) Partido político (c) Canal de debate (d) Grupo de teatro

Respostas Marieta Severo Helvio romero/ae

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS Iezed tem 20 anos e a jovem, 15. Consideremos X a idade dela e Z a diferença de idade entre eles. Se hoje o poeta tem X+Z anos, quando ele possuía a idade da jovem (X), ela tinha X - Z. Então a frase “Eu tenho o dobro da idade que tu tinhas quando eu tinha a tua idade” pode ser expressa por X + Z = 2 (X - Z). Logo, X = 3Z. Quando a menina tiver a idade de Iezed (X + Z), ele também terá envelhecido Z anos. Como nessa ocasião suas idades somarão 45 anos, temos: (X + Z) + (X + Z + Z) = 45. Assim, Z = 5. Já que X = 3Z, X = 15.

Estado natal do escritor Érico Verissimo, morto em 28/11/1975: (a) RN (b) RS (c) PE (d) ES

valiação

BRASILIÔMETRO 1d; 2a; 3b; 4c; 5d; 6c; 7b; 8b. SE LIGA NA HISTÓRIA 1d (Zé Carioca); 2c (Menino Maluquinho); 3b (Mônica); 4a (Chiquinho) ENIGMA FIGURADO Paulinho da Viola. O QUE É O QUE É? Cartomante. CARTA ENIGMÁTICA Foi sempre vilão, mas diferenciado. Ficava com a mocinha no fim e não perdia briga. (Jece Valadão)

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

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Morreu em 20/11/1695, data em que se celebra o Dia da Consciência Negra: (a) João Cândido (b) José do Patrocínio (c) Nassau (d) Zumbi

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Sai da frente da televisão!

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ideogame é legal, ninguém pode negar. Mas há uma infinidade de jogos, brinquedos e brincadeiras que não precisam de nada eletrônico para funcionar e podem ser muito mais divertidos do que ficar com o joystic na mão. Quer alguns exemplos? Rodar pião, bater figurinha, empinar pipa (ou papagaio, ou quadrado, ou pandorga), pular amarelinha, brincar de boneca, jogar futebol de botão etc. etc. e etc. Desde que o mundo é mundo existem brincadeiras. É uma forma de estimular a imaginação, mexer com o corpo, fazer amigos e conhecer o que está ao redor. Brincar é a melhor forma de pôr a cabeça e o corpo para funcionar. As origens dos brinquedos são diversas. Os ursinhos de pelúcia foram criados nos Estados Unidos; o skate também vem de lá, pois os surfistas queriam praticar o esporte no asfalto; a boneca surgiu no Egito muito tempo atrás; a terra dos faraós também inventou o bambolê. Já o futebol de botão, como não podia deixar de ser, é brasileiro. Alunos de uma escola carioca passaram a arrancar os botões do uniforme para praticar o jogo. Os pais e professores iam ao desespero, mas eles se divertiam de montão.

A peteca é coisa nossa

JÁ PENSOU NISSO?

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jogar cartas?

Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do Almanaque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

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Quem sempre ganha ao

Se todos os brasileiros resolvessem, de uma hora para outra, brincar de roda, seríamos capazes de dar sete voltas e meia no mundo! Basta fazer a conta. O Brasil tem por volta 180 milhões de habitantes. Se multiplicarmos esse número por 1,70m (média da distância entre uma mão e outra de braços abertos), temos a circunferência da roda. Seu comprimento seria de 306 mil quilômetros, o suficiente para envolver o planeta quase oito vezes. Se sozinhos podemos dar esse abraço gigantesco, imagine se todo o mundo resolvesse entrar na brincadeira...

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A peteca é uma invenção brasileira, criada quando esta terra nem se chamava Brasil. Ela era jogada por índios há centenas de anos. Para produzir o brinquedo, eles usavam uma trouxinha de folha cheia de pedrinhas dentro, amarrada a uma espiga de milho. Os índios já a chamavam com o nome que usamos hoje, que em tupi significa “bater”. Quando os portugueses desembarcaram por aqui, adoraram a nova brincadeira, e ela passou de geração em geração. Hoje a peteca é considerada um esporte, com regras, federação e tudo mais.

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Um ioiô original não se desoriginaliza.

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Tir adentes

O passado e o presente num mesmo instante A princípio pode-se pensar numa daquelas cidades que fazem de tudo para reencontrar o Brasil colonial. Mas Tiradentes não parou no tempo. Criou uma receita original e requintada que harmoniza suas igrejas barrocas e um casario secular a pousadas suntuosas, restaurantes sofisticados e refinadas galerias de arte.

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á pouco mais de 20 anos, se alguém resolvesse fazer um passeio turístico por Tiradentes, localizada a 198 quilômetros de Belo Horizonte, seria a toque de caixa. Num roteiro que incluía as cidades históricas mineiras, Ouro Preto e Mariana eram as preferidas. Assim, a cidade não quis reviver o século 18, mas se situar no presente, sem perder a atmosfera aconchegante daquela época. Ali o tempo não existe. O presente e o passado são apenas o mesmo instante. É isso que faz Tiradentes singular.

Como as outras cidades históricas da região, Tiradentes teve um desenvolvimento rápido, fundado no ciclo do ouro. Mas o progresso durou pouco, e a vila se conservou intacta. Os resíduos desses tempos estão espalhados por suas ruas de clima moderno e agradável. A cidade surge colorida, salientando a arquitetura colonial que privilegia as construções térreas, sem fricotes de estilo, e as igrejas situadas nas colinas. Em contraponto, surge o azul índigo dos paredões da Serra de São José, que contorna a cidade. Não por acaso as montanhas são conhecidas como Serra Azul.


Palco da história Cada cidade tem seus segredos. A parcela invisível dessa vila está nas boas histórias. Longe de duvidar. O Chafariz de São José, de 1749, tem três fontes: uma para beber, outra para lavar roupa e a terceira a serviço dos cavalos. A imagem que encima o chafariz é a única que se conhece de São José das Botas. Conta-se também que os escravos nem ali podiam ficar sem fazer nada, indício de que paqueravam as lavadeiras, atrapalhando o serviço. Mas os escravos eram gente séria e obreira. Foram eles que, à noite, e às escondidas de seus senhores, edificaram a igreja do Rosário dos Pretos. No interior dela, três altares são dedicados aos santos negros: Benedito, Antônio de Cartagerona e Elesbão. Era também na moita que, na casa do padre Toledo, hoje museu, se reuniam os inconfidentes mineiros, verdadeiros patriotas, para criar o primeiro grande racha contra a coroa portuguesa, voraz sugadora da terra descoberta. Entre eles, Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, nascido em 1746 na Fazenda Pombal.

Chafariz de São José: a única imagem de São José das botas.

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Preste atenção

Repare na qualidade do artesanato tiradentino. São esculturas em madeira, colchas e tapetes em harmoniosa combinação de cores, feitos em teares manuais. Há também taças, pratos e travessas em peltre, bordados em ponto Richelieu e utilitários em cerâmica. Além de “namoradeiras” em papel machê que suspiram pelas janelas.


Novos sabores Apesar de ter sido palco de alguns dos episódios mais marcantes deste País, não foi a história que tirou a cidade do marasmo. Se for para resumir em uma palavra o que impulsionou o renascimento de Tiradentes nos últimos anos, está aí: gastronomia. Paulistas, cariocas, franceses, italianos e até mineiros lotam os cafés, bares e restaurantes da cidade. É difícil estabelecer as fronteiras de quando e como o fenômeno ocorreu. A joia da coroa hoje é a culinária, com inesperadas combinações de pratos franceses e singelos temperos da roça. Os restaurantes se esmeram nos pratos preparados em fogões a lenha. Vão do frango caipira às especialidades, como a sopa de abóbora com cerveja preta, escargot com ora-pro-nóbis, ovo caipira em crocante de aspargos, ou ainda creme de cebola doce. Criaram uma culinária diferenciada, capaz de cativar os mais exigentes gourmets. O boca-a-boca funcionou rapidamente, e a cidade, trocando em miúdos, se tornou capital mineira da boa mesa. Durante os famosos festivais gastronômicos, chefs de todos os Estados brasileiros apresentam suas receitas livres de clichês. E assim Tiradentes encontrou sua nova identidade – um balaio cultural – com liberdade de criar novos sabores.

frango com ora-pro-nóbis.

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Não deixe de viajar A Estação Ferroviária construída em 1880 e inaugurada por Pedro 2º em 1884 é hoje ponto de partida para um prazeroso passeio que acontece nos feriados e fins de semana. Dela parte a maria-fumaça que liga Tiradentes a São João Del Rey. O trajeto de 12 quilômetros tem como pano de fundo a Serra de São José e fazendas centenárias. Sopa de abóbora


Prata da Casa

Doces do Chico F

ruta + açúcar. Simples assim. Na ex-garanha debaixo do tacho. No meio do bafo quengem, o móvel envidraçado tem um quase te da forja, Chico, com seu avental e touca de nada de doces. Os últimos foram vendidos comestre-cuca brancos, é como uma nota de mo água. Moleza? Nenhuma. No fundo da lojifrescor. Acalma. O trabalho é árduo, mas tem nha, detrás de uma formação de nuvens vindas que ser ao mesmo tempo delicado e constante. do fogaréu de lenha, o mestre doceiro trabalha. E dá-lhe-que-dá-lhe mexer. Nome: Francisco Xavier, talvez até descendente Chico calcula tudo de olhada: os punhados de do alferes da Inconfidência. Apelido: Chico Doaçúcar, a lenha, o ponto certo de apurar o doce. ceiro. Setenta e oito anos e... formiga, como se Calcula principalmente a hora de começar, pois diz por lá dos que adoram doces. Melhor seria o cheiro bom que exala do tacho tem que ser cadizer formiguinha. Trabalha 12 horas por dia. paz de atiçar a freguesia. Essa hora é no meio da Chico é magro, e não é alto. Fica ainda menor manhã ou da tarde, quando os visitantes já subiatrás daquela erupção debaixo do tacho de coram e desceram as ladeiras da cidade e precisam bre amorangado. Dentro deste, o caldo doce repor energias. E aí a lojinha fica apinhada. aos borbotões. A quentura aumenta na mesA terra mineira é farta em frutas que viram doma proporção que os movimentos dos braços ce ou compota – figo, mamão, laranja, limão, fortes, moldados pelo mexer que não tem nem goiaba. Mas ainda tem batata-doce, abóbora, co“São de três a quatro horas mexendo.” conta. “São de três a quatro horas mexendo, co. Sem contar que esbanja leite. Daí os famosendo que uma e meia sem parar. Daqui a pouco, quando as bolhas sos “canudinhos”. “O doce é da época do arco da velha, mas eu dei ficarem bem grandonas, tá pronto”, ensina. uma incrementada. Fazemos mais de 500 por dia.” Chico aprendeu sozinho. “A mãe só fazia arroz-doce, e eu, para coÉ de comer e chorar por mais. É para levar para casa e, quando bater meçar, adoro doces”, confessa, soltando a mão direita da colherona saudade, comer de colherada, para reacender a lembrança do clima de pau, que mais parece um remo, enquanto com a outra ajunta legostoso que reina em Tiradentes.

Tiradentes tem mais Igreja Matriz de Santo Antônio

Inaugurada em 1750, depois de 40 anos de construção, é a segunda mais rica do Brasil, com seus altares em ouro. Pinturas em rococó, órgão do século 18 e um portal de entrada desenhado por Aleijadinho mostram a importância dessa cidade no Império. No piso, 116 sepulturas de nobres e escravos.

Bichinho O povoado que fica próximo a Tiradentes é um convite para conhecer os artesãos ceramistas. Ou simplesmente para tomar uma boa cachacinha.

Sobrado Ramalho O mais antigo sobrado da cidade abriga o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O local, conhecido como Quatro Cantos, é um dos mais bem conservados edifícios coloniais de Tiradentes.

s e rviç o Onde ficar Pousada Pequena Tiradentes. A três quilômetros do centro, a pousada retrata uma vila colonial do século 18, entre ruazinhas, jardins e sobrados. Tel.: (32) 3355-1262. www.pequenatiradentes.com.br Pousada do Ó. Fica logo ali, no centro (e não é mineiro quem diz). Tudo pertinho: restaurante, lojas, igrejas e barzinhos. Tel.: (32) 3355-1699.

Onde comer Restaurante Padre Toledo. Ótimos pratos temperados com ora-pro-nóbis. Tel.: (32) 3355-2132. Panela de Minas. Para quem não quer inventar, o local serve a tradicional comida mineira. Tel.: (32) 3355-1217.

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BAIÃO DE DOIS

Se o baião é bom sozinho, que dirá baião de dois Já ensina a música: juntar feijão de corda amanhecido numa panela de arroz dá novo sabor à comida. Queijo coalho, coentro e manteiga da terra fazem parte dos segredos dessa sabedoria popular. Descubra mais alguns aqui.

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Dirceu Garcia/ Comércio da França

uiz Gonzaga tem dois méritos em uma só palavra. Com Humberto Teixeira, mostrou para o mundo como se dança o baião. A dupla deu forma ao ritmo e o espalhou pelo País nos anos 1930. Foi também uma parceria do pernambucano com o cearense que popularizou pelo Brasil o nome da receita trivial no Nordeste: Vô juntá feijão de corda, numa panela de arroz / Capitão vai já pra sala, que hoje têm baião de dois / Ai ai ai, ó baião que bom tu sois / Se o baião é bom sozinho, que dirá baião de dois. O prato é original do Ceará, mas está cotidianamente nas panelas de toda a região. Na Paraíba é rubacão. Em Alagoas, arrumadinho. Legítima invenção popular, tem grande valia pois revigora as sobras do arroz e do feijão de todo dia. Pois atente para o conselho: fica mais gostoso quando os componentes da mistura foram feitos de véspera e estão com os sabores apurados. Caloca Fernandes explica em Viagem Gastronômica ao Redor do Brasil: “Muito feijão, porque o feijão era ali da terra, e pouco arroz, importado dos outros estados e por isso, caro”.

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Muitas vezes o baião de dois é acompanhamento para a “mistura”: carne de sol, paçoca, costela. Mas pode ser também o prato principal, especialmente se é acrescido de carne seca desfiada ou linguiça picada. O feijão de corda por si só é muito rico em proteínas e boa fonte de energia. Pesquisadores descobriram que a planta tem até moléculas capazes de combater vírus, bactérias e fungos. É conhecido ainda como feijão fradinho, ou feijão verde – porque pode ser colhido também antes da maturação. A facilidade de se adaptar em solos fracos faz, inclusive, com que seja base da alimentação nordestina. Assim como o feijão de corda, o queijo coalho e a manteiga da terra (ou de garrafa), que dão a liga e sabor especial à receita, às vezes precisam de um pouco de atenção para serem encontrados no resto do País. É possível até substituir por outro tipo de feijão, queijo branco e óleo, mas, se puder, prefira os ingredientes originais.

Dirceu Garcia/ Comércio da França

Como fazer Ingredientes ½ kg de feijão de corda 100 g de queijo de coalho ½ lata de nata ou creme de leite 4 colheres de arroz cozido Manteiga da terra a gosto Sal, cheiro verde e coentro a gosto Queijo ralado

Modo de preparo Cozinhe o feijão. Tempere com sal, cheiro verde, coentro e manteiga da terra. Junte o arroz, já cozido, misturando bem. Corte o queijo coalho em cubos e acrescente à mistura, para que ele amoleça no fim do preparo. Coloque a massa para cozinhar por mais 10 minutos e, por fim, sirva com queijo ralado. Rende duas porções. Fonte: Restaurante Colher de Pau: www.colherdepau.com.br


por Lourenço Diaféria

OS SANTOS SOB A CHUVA

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odo dia do ano é dia de alguém, dia de alguma coisa. No dia-a-dia não falta assunto; se faltasse, bastaria consultar a agenda das homenagens fixas que constam no calendário mês a mês. Toda profissão dá assunto. Evidente que há datas mais sugestivas do que outras. O Dia do Açougueiro, por exemplo, se é que existe, não oferece os mesmos derramamentos emotivos que o Dia da Aeromoça (o que se dizia aeromoça agora é comissária de bordo). Há o Dia da Sogra, o Dia das Mães, o Dia dos Pais; não há o Dia das Avós porque a idéia, lançada há anos pelo cronista social Tavares de Miranda, já falecido, não pegou. O comércio não agüentou o patrocínio. Em um almanaque como este é fundamental estar atento ao calendário para não deixar passar nenhuma data em branco. O mês de novembro começa numa boa. Logo no dia primeiro é o Dia de Todos os Santos. Qual é, meu irmão? Eu explico: existem os santos oficiais, mais conhecidos; e todos os outros. São Francisco de Assis (quem não conhece?), Santo Antônio de Pádua (que também é de Lisboa), São João, Santo Expedito, São Judas – com esse, vá devagar: o santo é o Judas Tadeu, não confundir com o Judas Iscariotes. Para ninguém me chamar de machista, também acendo velas para Santa Rita de Cássia, Santa Isabel, Santa Edwiges, Santa Teresinha do Menino Jesus, Santa Filomena, Santa Brígida, Santa Cecilinha. Antes de eu parar de beber sistematicamente, fui devoto de Santo Onofre – ouviram falar dele? Talvez vocês não acreditem no que vou escrever, mas Santo Onofre era venerado pelos bebuns. Os santos servem de exemplos de vida. Não sei exato quais possam ter sido os exemplos de Santo Onofre, o que sei é que antes do primeiro trago tinha por gentileza derramar no chão um tiquinho da bebida em honra do ilustre. O dono do bar, verdade seja dita, também devia ser um tanto devoto dele, nunca reclamou. Com a subida do dólar e o descenso da minha verba etílica, maneirei no hediondo vício que ameaçava me conduzir ao inferno. Hoje, Santo Onofre me ajuda a puxar o breque de mão no bar. Há também outros dias bastante úteis em novembro. Só

para ficar por aqui: o Dia da Tolerância, o Dia de Finados, o Dia do Barbeiro. O Dia de Finados, então bastante álacre, me lembra jabuticaba e chuva. Todo Dia de Finados chovia pra caramba. No Finados, os marreteiros, ainda não articulados em associações e sindicatos, vendiam jabuticaba em canecas de lata à porta do cemitério onde estava enterrada minha avó materna e outras avós de conhecidos e desconhecidos. No fim do dia, quando as portas do campo santo eram fechadas, todo mundo saindo de guarda-chuva aberto ou sem guarda-chuva, ensopado até os ossos, o chão estava manchado de preto-arroxeado de cascas de jabuticaba. Na época eu não ligava para aquela imundície. Hoje, falando sério, acho que era tudo muito bonito e até me dá um pouco de saudade. Talvez o nome disso seja tolerância à vida e à morte. Eu era tolerante. As crianças são muito tolerantes. Por isso em novembro há o Dia da Tolerância. Antes que me esqueça, em um Dia de Finados todo mundo foi visitar a campa do seu Falanga. Parecia coisa combinada. De repente havia mais de onze pessoas no túmulo do nosso conhecido. Era uma campa simples, de cimento, com uma cruz também de cimento e um retrato dele de porcelana sépia. Estava escrito: Adeus de seus entes queridos. Seu Falanga foi barbeiro a vida toda. Tinha um salão com loção, pó de arroz, navalha, máquina de cortar cabelo manual, tesourinha e uma foto, no alto da parede, do Getúlio Vargas com faixa no peito, o Getúlio ainda do tempo de ditador. Não sei dizer por que seu Falanga veio a falecer de repente. Antes, cortava o cabelo de meio mundo. O meu era tipo escovinha, para não crescer depressa. Eu achava uma droga, se bem que hoje cabelo escovinha está na moda. Tive muita raiva do seu Falanga. Nesse dia alegre, sob a chuva, umas mulheres colocaram flores na campa de cimento do barbeiro. Enquanto chupava as jabuticabas, alguém disse, meio baixo: – Homem santo, o Falanga. Dele e de outros é o mês de novembro.

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MAÇÃ Malus domestica

Fruta da longevidade e do conhecimento Digestiva. Rejuvenescedora. Purifica o sangue. Limpa dentes e fortalece gengivas. Faz bem à pele. Regula o colesterol e ajuda a emagrecer. Protege coração, pulmões e células. Boa para o cérebro. Um dos primeiros alimentos sólidos que o bebê conhece.

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riança da minha geração, longe dos grandes centros, só quando doentinha comia maçã – era rara e cara até meio século atrás. Mas, para essa criança, inapetente, necessitada de alimento fortalecedor e de fácil digestão, os pais compravam. Na mercearia, ficavam as maçãs envoltas uma a uma num papel sedoso azul arroxeado, que guardava seu perfume durante dias. Vinham da Argentina, da província de Mendoza. A fruta da macieira, árvore da família das rosáceas, é parenta da pera, da nêspera, do marmelo. Com tronco de casca parda e lisa, o pé de maçã chega a dez metros de altura. A copa oferece um espetáculo aos olhos quando se carrega de suas vermelhas frutas. Originária do Cáucaso, Oriente Médio e leste asiático, é a árvore mais cultivada no mundo, e certamente há mais tempo que qualquer outra. Para o europeu “fruta rainha”, a maçã aqui chegou com os colonizadores e perpetuou-se nos pomares, mirrada e ácida. Pela década de 1960, podia-se comprar maçã nacional em Valinhos, a 50 quilômetros da capital paulista. Vinha em caixas de tomate, a preço baixo, qualidade idem. Quem transformou o Brasil em grande produtor, no meio da década de 1970,

foram imigrantes europeus e seus descendentes, fixados nos Estados mais frios, os sulistas Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Aí se concentra até hoje nossa maçã – 95% da produção brasileira. Graças a gente dedicada, agora até regiões serranas de Pernambuco produzem a fruta que exige clima frio ou temperado. O holandês Theodorus Daamen, um apaixonado pela maçã, desde que aqui chegou em 1973 se empenha em desenvolver o cultivo em regiões “marginais”. A revista Globo Rural de fevereiro de 2008 dá notícia de um feito de Theodorus: acaba de implantar a cultura da maçã também no coração da Bahia, em plena Chapada Diamantina. Uma façanha, pois, explica a reportagem, lá não faz um mínimo de 350 horas de frio por ano – é com o frio que a árvore entra em dormência, “ativando as enzimas que possibilitam o posterior florescimento e a frutificação”. A paixão pela maçã acompanha a humanidade desde tempos imemoriais. É o fruto do conhecimento dos cristãos. Para certas culturas, o paraíso é representado por macieiras – lugar de abundância e prazeres, onde o chão, em vez de relva, é coberto de maçãs; para outras, é uma ilha repleta de macieiras carregadas.


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Árvore de outros mundos

ntre os gregos, corria que os deuses Zeus e Hera ganharam maçãs como presente de casamento. E o semideus Hércules cumpre o último de seus 12 trabalhos indo justamente buscar os pomos que constituem a fonte da eterna juventude, cultivados pelas ninfas Hespérides e guardados por uma serpente. Sob uma macieira o mago Merlin transmitia ensinamentos ao rei Artur. Sob uma macieira Newton intuiu a lei da gravidade, quando uma maçã lhe caiu na cabeça. A simbologia para os cristãos foi flagrada no samba-enredo Mu-

Uma maçã por dia mantém o médico longe

lheres do Brasil (1988), de Joyce, que começa: No tempo em que a maçã foi inventada / Antes da pólvora, da roda e do jornal / A mulher passou a ser culpada / Pelos deslizes do pecado original. Segundo a Bíblia, Deus diz a Adão que, se comer da árvore do conhecimento, terá vida atribulada. Eva oferece e Adão experimenta o “fruto proibido”, a maçã. É com a macieira que pintores do cristianismo retratam o paraíso. E o aluninho que deixa na mesa da professora uma apetitosa

Um vinagre normalizador de anormalidades

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título acima traduz um ditado de língua inglesa. Pelas propriedades da maçã, está certo. Tem vitaminas A, B1, B2, C; fósforo, ferro, tanino, pectina. Antioxidante, preserva as células. Combate obesidade, reumatismo, diabetes, doenças cardiovasculares, da pele, do sistema nervoso, acidose, pneumonia, afecções das vias respiratórias, problemas intestinais, esgotamento nervoso e cerebral, pedra nos rins, inflamações da bexiga e do aparelho urinário. Está bom, não?

á 20 anos, na minha dieta só entra vinagre de maçã. Li maravilhas sobre ele nalgum lugar. Oxigena o sangue e previne o endurecimento das artérias. Fortalece ossos e dentes. Favorece a coagulação do sangue (para a mulher: reduz o fluxo da menstruação). Em jejum, com uma colher de mel, evitará demência senil. E aí vai um fato. Em Veranópolis, interior gaúcho, onde o povo consome muita maçã e derivados, como vinagre e chá da fruta seca, a expectativa de vida é superior à média do Brasil.

Saiba mais Vinagre de Maçã – Uma receita de vida, de G. P. Boutard (Claridade, 2005). Cozinha Vegetariana – Maçã, de Caroline Bergerot (Cultrix, 2004).

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No contra-fluxo O guarda pega o bêbado trafegando na contra-mão: – Posso saber aonde o senhor está indo? E o pinguço, contrariado: – Ah, seu guarda, eu ia a uma festa, mas tá todo mundo voltando!

Proposta de casamento Os dois namoram há anos. Uma bela manhã, a mulher propõe: – Amorzinho! Bem que a gente podia casar, não acha? – É... Pode ser... Mas quem iria querer a gente?

Questão de classe

Consolo A recém-casada, em lágrimas: – Sou uma infeliz! Tenho certeza de que meu marido só casou comigo por causa da minha fortuna. E a amiga mais velha: – Ora, querida. Já é um consolo saber que ele não é tão estúpido como parece.

Na cela da cadeia, rico e pobre se encontram. Pergunta o rico: – Por que você está aqui? – Por roubo. E você? – Porque sofro de cleptomania. 32

Picareta legítimo Dois amigos conversavam: – Sabe o que eu dei de aniversário pra minha mulher? Um anel de brilhantes! – Caramba! Você deve ter gasto uma fortuna! Por que não algo mais barato? Uma tevê, por exemplo... – E onde é que eu ia arrumar uma tevê falsa?

De pai para filho No leito de morte, o pão-duro chama o filho mais velho, tira um relógio do bolso e diz: – Filho, está vendo este relógio? Era do meu bisavô. Depois, passou para o vovô. Aí foi do meu pai, antes de ser meu. O moço já está com lágrimas nos olhos, e o pai enfim completa: – Quer comprar?

No Jardim do Éden Adão e Eva passeavam pelo Paraíso. Num dado momento, Eva pergunta, com um leve sorriso fraterno: – Adão, você me ama? E Adão, resmungando: – E eu lá tenho escolha?

Sem cabimento A professora resolveu que Juquinha tinha que aprender, de uma vez por todas, que não se diz “cabeu” e sim “coube”. Pega uma folha e manda ele escrever a conjugação correta 50 vezes. Quando ele finalmente termina a tarefa, a professora faz a conta: – Ei, espertinho. Faltam duas repetições para chegar em 50! – É que não cabeu na folha, professora!

Farpas conjugais Um casal vinha por uma estrada do interior sem dizer uma palavra. Como haviam brigado, nenhum dos dois queria dar o braço a torcer. Ao passarem por uma fazenda em que havia algumas mulas e uma vaca, o marido perguntou, sarcástico: – Parentes seus? – Sim. Cunhados e sogra.


Questão de gosto A patroa pega a empregada se servindo de um cálice de licor importado: – Não gosto nada, nada disso, dona Otília. – Pois a senhora não sabe o que está perdendo, dona Francisca...

Último dia de aula – E aí, meu filho, a professora entregou o boletim? – Entregou, sim. – Ótimo, então me deixe ver. – Não posso... – Ué? Por que não pode me mostrar seu boletim? – É que emprestei pro Pedrinho dar um susto no pai dele!

A ordem dos fatores O diretor de produção, o diretor de propaganda e o presidente da empresa iam para uma reunião quando esbarram na famosa lâmpada mágica. Esfregam e aparece o gênio. Cada um tem direito a um desejo. Começa o diretor de produção: – Quero estar numa praia, com muito dinheiro na conta. Puf! Desaparece dali. O diretor de propaganda gosta da ideia e pede a mesma coisa. Puf! Desapare também. Daí é a vez do presidente: – Cancele os pedidos. Quero os dois de volta ao trabalho imediatamente! Moral da história: sempre deixe o chefe falar primeiro.

Paciente exemplar O chefe repreende o funcionário que chega ao trabalho embriagado: – Isso não são condições de vir trabalhar. O senhor precisa tomar jeito... – Mas eu só etou seguindo as orientações do meu oculista, seu Antônio. Ele saca a receita do bolso e aponta a frase: “pinga três vezes ao dia”.

Um contra um O elefante tropeça e cai bem em cima do formigueiro. Logo fica infestado de formigas e rola para desprendê-las. Por fim, resta apenas uma, grudada no pescoço. E as outras, lá embaixo: – Enforca! Enforca!

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Um caso de viajante

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inguém conhece e conta mais piadas do que os viajantes, aqueles representantes de empresas que saem pelo interior do Brasil, fazendo suas visitas aos clientes e renovando seus pedidos. Como passam por muitos lugares e convivem com muita gente, é bem explicável o carroção de histórias engraçadas que eles passam a contar. Essa gente maravilhosa deixa suas famílias para trabalhar viajando por este País grande e, pra empurrar a vida, tem de aprender histórias engraçadas para repassá-las adiante. Conheci um viajante japonês que era um verdadeiro artista na arte de contar piadas e fazer imitações. Tem uma história dele que quero contar agora. Um viajante, seguindo por uma estrada, tenta localizar uma pousada, pois já passava da meia-noite. Sem encontrar uma casa especia-

lizada, arrisca pedir pouso na casa de um caipira que já ia para o quinto sono. Viajante [bate na janela da casinha] – Ô de casa? O senhor poderia deixar eu dormir esta noite em sua casa? Eu pago bem. Não consigo nenhuma pensão por esta estrada. Caipira [de dentro da casa, meio sonolento] – O sinhô por acaso trouxe cobertô? Viajante – Não, senhor. Não tenho cobertor comigo, não. Caipira – O sinhô por acaso trouxe lençór? Viajante – Claro que não, meu amigo. Estou viajando apenas a trabalho. Caipira – O sinhô trouxe então trabicêro? Viajante – Meu senhor, por favor, eu preciso de uma noite de sono e não trouxe nada disso que o senhor está falando. Caipira [na bucha] – Qué dizê que de drumí o sinhô só trouxe os óio, né?


Descobri o sentido da vida e encontrei forças para lutar Por Aparecida Helena Siegl Mascaro

Q 34

uando procurei o ginecologista

pior não aconteceu. Nem o médico sou-

por causa de problemas no ciclo

be explicar como não morri.

menstrual, ele deu a notícia primeiro para

Restava perseverar na luta. Fui me

o meu marido: eu estava com câncer no

tratar no Amaral Carvalho, em Jaú,

endométrio. Meu marido preferiu ele mes-

referência no assunto. Padre Morales

mo me contar. Imagine, aos 45 anos, ouvir

e Ruth, da área de recursos humanos,

uma coisa dessas. Só conseguia chorar e

batalharam por uma vaga para mim.

me perguntar: “Por que eu?”.

Morales e outros padres, Osvaldo e

Me abandonei na cama sem querer saber

Zezinho, não descuidaram do ponto

de mais nada. Com o olhar perdido, vi um

espiritual. E toda a equipe do Amaral

bem-te-vi passar pela janela do quarto e voar até as flores do jardim.

Carvalho, junto com as voluntárias da Liga de Combate ao Cân-

De repente, despertei para a vida que existe em mim. Simplesmen-

cer, não mediu esforços para me dar ânimo e confiança. Conse-

te percebi como a vida era bela, merecia ser amada e vivida. Pensei:

gui entender que, na filosofia cristã, Jesus não vem para explicar

“O câncer não vai me vencer, eu vou vencê-lo”. Este virou o meu

o sofrimento. Ele veio ensinar a sofrer, colocando-se do lado dos

lema e continuei a mesma mulher sorridente de sempre.

que sofrem, lutam e amam.

Nessa época, eu morava em Matão e fui me tratar em Araraquara,

Segurei na mão de Deus e de Mãe Rainha, de quem sou devota.

cidade maior também no centro do estado de São Paulo. Carlos

Meu espírito hoje se enche de paz porque atenderam as minhas

e Angela, meus cunhados, me acolheram na casa deles, sempre

esperanças e as minhas fervorosas súplicas. Depois de um ano de

com palavras e presença marcante. Doutor Polleti e todo o pes-

tratamento, sempre com meu incansável marido ao lado, me vi

soal do hospital dedicaram atenção para o meu tratamento e não

novamente curada.

me deixaram desencorajar.

Mais tarde nós dois passamos a morar em Ribeirão Bonito, cida-

Quando tudo passou, eu só precisava fazer exames de rotina duas

de próxima a Araraquara, e aqui fui convidada para fazer parte

vezes por ano. Até que a rotina se quebrou mais uma vez. Dez

da Liga de Combate ao Câncer. Uma honra, pois adoro o meu

anos depois, um ultrassom detectou novo tumor. A cirurgia para

trabalho. Hoje agradeço por ter nascido, por estar viva e por expe-

retirá-lo foi bastante complicada. Foram seis horas, sofri hemor-

rimentar a alegria de viver. Posso convencer a todos que necessi-

ragia e saí do centro cirúrgico entubada. Perdi um rim, mas o

tam que vencer o câncer é possível, sim.




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