Amanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 05

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ENTREVISTA COM AMYR KLINK “O que faço não é aventura, mas transformar ideias malucas em realidade. A viagem é apenas o fim do ciclo.”

SOLIDARIEDADE E SUPERAÇÃO Histórias de quem encontrou os limites da vida e extraiu forças para ajudar ao próximo.

DIVERSÃO GARANTIDA Causos de Rolando Boldrin, jogos, piadas e histórias surpreendentes tiradas do fundo do baú.

O que têm em comum Einstein, Gregório de Matos e Lampião? Rainha Elisabeth e barão do Rio Branco? Dom Pedro 1º e Viola? A resposta está no papo: comida.


Uma batalha que nã o permite descanso Criada em 2008, a Febec reúne mais de 40 entidades dedicadas continuamente

Paulista de Supermercados) na destinação de recursos provenientes da

ao combate do câncer no País. Seu principal objetivo é unir e dar todo o tipo

Nota Fiscal Paulista às entidades de combate ao câncer. E também na

de suporte às entidades filiadas, como associações, redes de voluntários e

venda, dentro dos supermercados e por assinatura, do Almanaque de

hospitais espalhados pelo Brasil. Para viabilizar suas ações, a Febec conta com

Cultura e Saúde.

parcerias e campanhas, como as desenvolvidas junto à APAS (Associação

Saiba mais no nosso site: www.febec.org.br

Rua Silva Airosa, 40. São Paulo-SP. CEP 05307-040. Fone: (11) 2166-4131


Quer dar uma olhadinha no cardápio?

D

esde o começo do ano, o Almanaque de Cultura e Saúde mantém a saborosa missão de contar as mais inusitadas e interessantes histórias sobre o Brasil. Nesta edição a revista se superou. O Especial desvela a relação do povo brasileiro com a comida: a famosa batida de Gilberto Freyre, o brigadeiro que deu nome ao brigadeiro, a lenda da manga com leite e até revelações bombásticas, como as evidências de que a feijoada não nasceu nas senzalas, mas veio lá da Europa. Os estrangeiros também são lembrados – Albert Einstein, coitadinho, queimou a língua ao comer um vatapá apimentado. As delícias nacionais continuam a ser servidas na seção Temperos e Sabores. Conheça a história do tacacá, uma iguaria típica da Amazônia. Para o francês Olivier Anquier, “é o prato mais verde-amarelo que há”. Além de saber mais sobre a guloseima, aprenda a prepará-la em casa – e não deixe de seguir o ritual. Não está satisfeito? Então saboreie as sobremesas preparadas pelo Almanaque. As opções são diversas, como o cachorro-símbolo do Botafogo, que até se sentava na tribuna presidencial. Mais uma das excentricidades de Jânio: proibir números de hipnose. Tim Maia e Roberto Carlos alçaram-se para o estrelato no mesmo Sputinik. E o inusitado clube em que só entra quem se chamar João. No Ilustres Brasileiros, a arte ideológica de Gianfrancesco Guarnieri. No Papo-Cabeça, o “pulador de muros” Amyr Klink. Nas seções Gente Ajudando Gente e Muito Obrigado, histórias de gente batalhadora, que sabe superar momentos duros com garra e esperança. É o caso de Maria Terezinha, que viu gente amada ser levada pelo câncer e hoje se dedica a amenizar a dor dos que mais precisam. E de Renan, que após superar a doença, tornou-se voluntário da APAE. “É uma chance de retribuir um pouco o auxílio que recebi”. A revista, vendida por assinatura, é uma união entre a Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec), a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e a Andreato Comunicação e Cultura. O dinheiro arrecadado é revertido a ações de prevenção e apoio biopsicossocial aos pacientes. Para assinar, acesse www.febec.org.br. Ou ligue: (11) 2166-4100.

A sabedoria para o espírito é como a comida para o corpo. Domínio Popular

Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Assistentes de arte Guilherme Resende e Soledad Cifuentes Gerente administrativa Fabiana Rocha Oliveira Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)

Presidente

Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro Rua Silva Airosa, 40. Vila Leopoldina São Paulo-SP cep 05307-040 Fone: (11) 2166-4131

Departamento Comercial Rua Lourenço Prado, 218, conj. 151 Jaú-SP CEP 17201-000 Fone: (14) 3624-3854

SAC (11) 2166-4111 ASSINE (11) 2166-4100 www.febec.org.br O Almanaque de Cultura e Saúde é uma publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura em parceria com a FEBEC – Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer. A revista é distribuída por assinatura, pelos estabelecimentos filiados à Associação Paulista de Supermercados (APAS) e pelos voluntários das Ligas de Combate ao Câncer. Apoio

Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar

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O Almanaque de Cultura e Saúde está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores. Não estão incluídas nessa licença obras de terceiros. Para reprodução com fins comerciais, entre em contato com a Andreato Comunicação e Cultura.

Sumário 5 carta enigmática

18 eSPECIAL Brasil no Papo

29 Almacrônica por Lourenço Diaféria

6 você sabia?

22 jogos e brincadeiras

30 em se plantando tudo dá Amoreira

12 GENTE AJUDANDO GENTE Maria Terezinha

23 o teco-teco

32 Rir é o melhor remédio

13 PAPO-cabeça Amyr Klink

24 VIVA O BRASIL Paraty

33 CAUSoS de Rolando Boldrin

16 Ilustres Brasileiros Gianfrancesco Guarnieri

28 temperos e sabores Tacacá

34 muito obrigado por Renan Esteves Alves


Solução na p. 22

le nasceu num morro carioca em 1941. Estudante de colégio interno, saiu com diploma de ajustador mecânico. Depois entrou na Força Aérea Brasileira, onde ficou oito anos – ao mesmo tempo em que dava os primeiros passos na música. A alma de artista falou mais alto, e fundou o grupo Os Sete Modernos do Samba, mais tarde batizado Os Originais do Samba. Com repertório de partido alto e boas pitadas de humor, logo fizeram sucesso. A música mais conhecida conta a história de um crime marítimo: Assassinaram o camarão / Assim começou a tragédia no fundo do mar... A primeira excursão pelo exterior aconteceu em 1962. Passaram sete meses no México, sofrendo alguns perrengues financeiros. Às vezes reclamava em portunhol: “Yo tengo fueme”.

Carismático, foi convidado a participar de programas de tevê. Num primeiro momento recusou, porque “pintar o rosto para aparecer na telinha não é coisa de homem”. Mas depois aceita, e estreia no programa Bairro Feliz, da Globo. Nos bastidores, ganha de Grande Otelo o apelido com o qual se tornaria conhecido, inspirado numa espécie de peixe. Mas a fama veio mesmo ao aceitar o convite de um amigo para integrar um quarteto humorístico. Foram 25 anos de sucesso, com direito a programas semanais e 27 filmes. Morreu em 29 de julho de 1994, após um transplante de coração. Diziam que era o único do grupo que não fazia esforço para ser engraçado. Notabilizou-se por nunca recusar uma branquinha. E também pelo bordão, que soltava quando algo lhe surpreendia: “Cacildis!”.

A foto ao lado registra um momento histórico. Rio de Janeiro, 1962, restaurante Au Bon Gourmet. Pela primeira e única vez num mesmo show estão Vinicius de Moraes, João Gilberto e Tom Jobim. E se não bastasse, era a estreia de Garota de Ipanema, com direito a uma introdução que nunca mais se repetiu: João – Tom, e se você fizesse agora uma canção Vinicius para fazer a poesia; Vinicius – Para essa canção se realizar, quem dera o João para cantar; João – Ah, mas quem sou eu? Eu sou mais vocês. Que bom se nós cantássemos os três; Todos – Olha que coisa mais linda / Mais cheia de graça...

arquivo do estado

que possa nos dizer, contar o que é o amor?; Tom – Olha, Joãozinho, eu não saberia sem


9/7/1980

8/7/2002

MORRE O POETA CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ. MESMO TENDO ESTUDADO POUCO, RECEBEU VÁRIOS TÍTULOS DE DOUTOR HONORIS CAUSA.

REPRODUÇÃO/AB

MORRE VINICIUS DE MORAES. FORMADO EM LETRAS E DIREITO, VIAJOU O MUNDO. ALÉM DE POETA, FOI DIPLOMATA, DRAMATURGO E SAMBISTA.

ASSOMBRO DOS ASSOMBROS

REPRODUÇÃ

O/AB

Nossa primeira sala de cinema tinha até luz elétrica

Ca rlit o Ro ch a e

Bir iba

REPRODUÇÃO/A

udo começou quando Biriba, um vira-lata que o jogador Macaé encontrou na rua, invadiu um jogo em que o Botafogo venceu, em meados de 1948. Bastou para que Carlito Rocha, lendário presidente que amarrava cortinas para “prender” as pernas dos adversários, adotasse o cão como mascote. Biriba passou a viver a pão de ló. Mas tinha lá suas tarefas, como fazer xixi na perna dos jogadores para dar sorte ou correr atrás da bola em momentos críticos, atrasando a reposição. Teve até dirigente de outros clubes querendo sequestrar o talismã. Para assegurar sua integridade física, Macaé provava a comida do cachorro antes de ir para o pote, evitando envenenamentos. E não adiantou o Vasco proibir a entrada de animais em seu estádio. Carlito pegou o mascote no colo e esbravejou que ninguém impediria a entrada do presidente do Botafogo. Coincidência ou não, o clube sagrou-se campeão invicto no Campeonato Carioca

B

de 1948, após 13 anos sem títulos. Biriba posou na foto oficial do time e ganhou uma coleira de ouro. Era o ápice. Porém, tudo o que sobe desce. Os cartolas até que seguiram apostando no potencial do vira-lata. Chegaram até a cortar um jogador para levar o cão numa excursão. Mas a campanha do time foi pífia, e Biriba viu-se condenado ao ostracismo. Entretanto, até hoje o cachorro é tido como um dos símbolos do Fogão. No ano passado, o time relembrou a história, lançando o boneco Biriba e escalando o beagle Perivaldo como seu representante. Além de ser alvinegro como o Botafogo, Perivaldo tem uma curiosa marca de nascença nas costas: uma solitária estrela branca, como o brasão do clube.

Saiba mais Botafogo: Entre o céu e o inferno, de Sérgio Augusto (Ediouro, 2004).

As Exmas famílias desta capital encontrarão um salão de espera digno de sua recepção e [imaginem só] iluminado à luz elétrica.” Todo o luxo ficava na mais requintada casa de espetáculos do Rio de Janeiro. O Salão de Novidades Paris, primeira sala fixa de cinema do Brasil, exibia cenas de dança e do cotidiano – um homem comendo melancia, por exemplo. Foi inaugurada em 30 de julho de 1897, menos de dois anos depois do surgimento do cinema na França. Os jornalistas que estiveram na seção inaugural escreveram que “o aparelho funcionou perfeitamente, agradando bastante”. A tecnologia era o animatógrafo, invento dos irmãos Lumière. Por isso, a propaganda do salão na Folha da Tarde, a mesma que descrevia a sala de espera, começava assim: “Salve Século 19, Salve Animatógrafo Lumière – A última palavra do engenho humano. Pinturas ouvirem, chorarem, morrerem, com tanta perfeição e nitidez, como se Homens, Animais e Coisas Naturais fossem, é o assombro dos assombros”.

estação colheita O que se colhe

Abacate, coco, kiwi, lima, mandioca, mexerica, morango, pera, tomate.


arquivo/ae

Espetáculos de hipnotismo, só com fins científicos

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Jânio Quadros

ânio Quadros fez um governo meteórico. Ficou apenas sete meses à frente da presidência da República, durante o ano de 1961. Ainda assim, foi suficiente para pôr em prática seu plano de “moralizar” o Brasil. Proibiu o uso de biquíni nas praias, tornou ilegais as rinhas de galo e as corridas de cavalo, e acabou com a festa dos adeptos do lança-perfume nos bailes de Carnaval. Quando os congressos americano e brasileiro de hipnologia se manifestaram contra a falta de uma regulamentação dos espetáculos de hipnotismo e letargia que ocorriam em locais públicos, o presidente da vassourinha não teve dúvidas: em 12 de julho de 1961, assinou um decreto que regulava a prática, restringindo-a a locais fechados e conduzidos por médicos especialistas, alegando que constrangiam os espectadores. Outras exigências: só com fins científicos e didáticos, e contanto que na plateia houvesse somente pessoas com mais de 18 anos.

E

Com vocês, Elvis Presley e Little Richard do Brasil

m 1957, a União Soviética lançou aos ares o satélite Sputnik. Foi para calar a boca dos americanos e deixar de boca aberta um certo Tião Maia. Tião vibrou com o lançamento do outro lado do mundo e resolveu lançar no Rio de Janeiro um grupo que voasse alto como o Sputnik. Batizou assim o conjunto, xará do satélite, e reuniu os amigos para os ensaios. Um deles trouxe um tal Roberto, então plebeu, para a vaga de cantor. O capixaba magrinho de Cachoeiro de Itapemirim, assim como Tião, adorava rock. Era fã das baladas de Elvis Presley. Tião preferia o escandaloso Little Richard. Mas, no mesmo compasso, bem que se entendiam. Depois de ser aprovado em um teste na TV Tupi, o The Sputnik participou do programa Clube do Rock, de Carlos Imperial. Mas a apresentação marcou o início do fim. Tião e Roberto bateram boca na porta do estúdio. Sozinho, Roberto procurou Imperial e comentou que tinha talento para majestade. Sabia até imitar Elvis Presley. O apresentador gostou da ideia e convidou

REPRODUÇÃO/AB

MAIS UMA DO JÂNIO

Com violões, Tim Maia e Roberto Carlos.

o rapaz para um show. Nascia o Elvis brasileiro, Roberto Carlos. Tião, irritado com o voo solo do colega, decidiu mostrar para Imperial que também tinha estrela. O apresentador encantou-se com o Little Richard tupiniquim. Mas advertiu: para fazer sucesso, não podia ser Tião; tinha que ser Tim, Tim Maia. E assim, com o fracasso do conjunto com nome de satélite soviético, surgiram dois dos nossos maiores astros.

Saiba Mais Vale Tudo: O som e a fúria de Tim Maia, de Nelson Motta (Objetiva, 2007).

de quem são estes olhos?

Saiba Mais O Trevo e a Vassoura – Os destinos de Jânio Quadros e Adhemar de Barros, de Gabriel Kwak (Editora Girafa, 2006).

o baú do Barão

“Um padecimento pesa mais que uma pá de cimento.”

Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

O dono destes olhos desistiu da carreira na Aeronáutica quando a babá mandou anunciar pelo microfone do quartel que havia levado bolo pra ele. Nascido em 30 de julho de 1944, é economista, cantor, publicitário. Começou na televisão apresentando um programa inspirado no Pequeno Príncipe. Lançou Os Mutantes. Metrossexual assumido, foi Mãe de Gravata e hoje encanta o público feminino na tevê. Confira a resposta na página 22.


LAURA HA

DOS TEMPOS DA MONARQUIA

Banda da Lapa é mais velha do que a República!

T 31

Santa Natália Viveu durante a ocupação muçulmana em Córdoba, em meados dos anos 800. Temia pelos filhos pequenos, caso fosse descoberta cristã e levada ao martírio. Depois de deixá-los em um mosteiro, resolveu enfrentar os maometanos, aparecendo sem o véu. Foi condenada e morreu decapitada.

oda sexta-feira, a música toma conta do bairro da Lapa, em São Paulo. Na batuta da banda há quatro anos, o maestro Nestor Pinheiro rege marchas e dobrados, mas os acordes já soavam muito antes. Quando o Brasil ainda era um menino recém-saído da barra da saia de Portugal, a banda desfilava canções em festas religiosas pela cidade. Foi fundada em 1881. O uniforme ainda é o mesmo, com fardas e quepes azuis para os músicos, que têm de 80 a 8 anos. Muitos instrumentos, partituras e a sede da corporação também continuam iguais. Com o correr dos anos, só mesmo o nome mudou. Nasceu Corporação Musical Lyra da Lapa. Com a Proclamação da República, em 1889, novo

A

ACERVO PESSOAL

batismo: Banda 15 de Novembro da Lapa. E novos problemas. O maestro conta que, na primeira apresentação que a banda fez com esse nome, os músicos encontraram alguns monarquistas inconformados com a República e a nova alcunha do tradicional conjunto. As divergências políticas viraram confusão musical. Muitos instrumentos se perderam no quebra-quebra. Para respeitar os ideais de todos, nova mudança: a banda passou a ser Corporação Musical Operária da Lapa, assinatura que conserva até hoje. Mas quando soa o trompete e o bumbo marca o compasso alegrando as ladeiras lapeanas, o povo logo se esquece do nome pomposo: “Lá vem a banda da Lapa!”.

enigma figurado

figura ao lado nasceu em 1° de julho de 1946. Formou-se em Direito, mas foi com a música que fez fama. Certa vez, saiu pelo Rio no lombo de um elefante para divulgar um show. Outras tantas encarnou Maurício de Nassau, montado em um cavalo pelas ruas de Olinda. Natural do agreste pernambucano, misturou batidas de maracatu, guitarras, frevo e forró num repertório único, recheado de grandes sucessos.

R.:


Fases da Lua

1 . 2 . 3 . 4 . 5 . 6 . 7 . 8 . 9 . 10 . 11 . 12 . 13 . 14 . 15 . 16 . 17 . 18 . 19 . 20 . 21 . 22 . 23 . 24 . 25 . 26 . 27 . 28 . 29 . 30 . 31

Nesse clube só entra João

CAPITÃO DO POVO

Até Neruda se acotovelou para ouvir Prestes no Pacaembu

O/AB

odos os anos o ritual se repete. Pouco a pouco, em algum restaurante de Santa Bárbara d’Oeste, na região de Campinas, os sócios vão chegando. A data é sempre a mesma, 24 de junho, não importa em que dia da semana caia – por causa do santo do dia, obviamente. O Clube dos Joãos não cobra mensalidades, dispensa obrigações societárias e está sempre aberto a novas adesões. Carteirinha também não há. Para participar, basta carregar o nome na identidade. A fundação data de 1985, quando seis xarás decidiram promover um encontro exclusivo. Juntaram 33 Joãos, contando os músicos que se apresentaram. Ano a ano, a confraria foi ganhando corpo. O recorde aconteceu em 1986: 160 presentes. O clube é liberal. Aceita João de tudo que é jeito: João Paulo, João Fernando, João Pedro, João só. Não há notícia, entretanto, de alguma Maria João que tenha requisitado filiação. Na última edição, o mais velho tinha 88 anos; o mais novo, alguns meses. Para animar as reuniões, os organizadores promovem sorteios de brindes e concursos. Ganha prêmio o João que veio de mais longe; o que mais Joãos arregimentou; o que tem mais Joãos na família. Levam para casa canetas, bonés, camisetas, chaveiros. Tudo estampado com o símbolo da agremiação: uma casinha de João de Barro. Contrariando a vocação segregativa, o presidente João Antonio Martini Junior – 14 anos de sócio, três à frente do clube – trata de abrir as portas da confraria para a reportagem. Mas só porque o repórter se chama João.

estádio do Pacaembu, em São Paulo, estava lotado em 15 de julho de 1945. Mais de 100 mil pessoas se cotovelavam para ouvir o líder comunista Luís Carlos Prestes, recém-libertado da prisão imposta por Getúlio Vargas nove anos antes. O Partido Comunista Brasileiro vivia um raro período de legalidade, e aproveitou a ocasião para promover o grande evento. O discurso de Prestes hipnotizou o público, que só o interrompia para calorosos aplausos. “Organizemos as grandes massas trabalhadoras da cidade e do campo, fazendo uso das armas da democracia, livre discussão, livre associação de ideias e sufrágio universal”, conclamou. Entre os convidados, o poeta chileno Pablo Neruda, que leu um poema em homenagem a Prestes: “Peço silêncio à América da neve ao pampa / Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo / Silêncio: que o Brasil falará por sua boca”. Dois anos depois, o PCB voltava à ilegalidade.

REPRODUÇÃ

FOTOS JOÃO GARRIDO

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o terror dos BANHEIROs

Os projetos de Eduardo: por que os telhados têm que ficar em cima?

NOVOS RUMOS DA CONSTRUÇÃO

Advogado virou a casa de cabeça para baixo 10

O

filho de Eduardo José Lima ia se formar em Veterinária. Orgulhoso, o paizão decidiu montar uma clínica para o rapaz. Mas não podia ser uma clínica qualquer. Precisava chamar a atenção da clientela. Da janela de casa, em Belo Horizonte, Eduardo via telhados para todos os lados. Nem todos iguais, mas todos com a cumeeira para cima. Um dia veio o estalo. E assim, num sopro de renovação na arquitetura mundial, surgiram duas casas: uma de “ponta-cabeça”, com as telhas para baixo; outra “deitada”, como se a lateral fosse o teto. O advogado nunca havia se metido numa obra antes, mas investiu na criação. Desembolsou 180 mil reais nos 152 metros quadrados de área construída, além de muita dedicação. Deixou até de advogar para assumir

Leão22-7 a 22-8

integralmente a missão. O engenheiro responsável não entendeu muito bem o que o cliente queria. Responsabilizou-se pela parte estrutural e deixou por conta de Eduardo os detalhes: vasos ao contrário, portas e janelas tortas, objetos de decoração. Acontece que o filho de Eduardo, em vez de abrir uma clínica, decidiu cursar Biologia. Obstáculo que o pai não pestanejou em superar. Tratou de construir mais dois cômodos e abrir a casa para eventos. Apesar de não cumprir a função original, o espaço chama a atenção. “Até mais do que eu imaginava”, diz o advogado, que não se importa nada nada em mostrar a área interna aos visitantes. Recolhe ainda assinaturas numa espécie de livro de ouro. Já são 12 mil, “e isso porque muita gente passa sem assinar”.

É comum um leonino ser o centro das atenções. Se uma vontade sua não for aceita espontaneamente, é capaz de lutar com unhas e dentes para impô-la. Se quiser agradar um leonino, basta elogiá-lo. Ele pode parecer arredio à primeira vista, mas esbanja simpatia quando se sente seguro. O descaso é algo que não suporta. Faz questão de ser sempre um bom exemplo.

reprodução/folha imagem

ACERVO PESSOAL

Notícia falsa aterroriza crianças há mais de 40 anos

B

Primeira página de edição do Np.

ata a porta do banheiro, dê descarga e abra a torneira. Faça isso três vezes. Quem esteve em uma escola brasileira nas últimas quatro décadas sabe: surgirá uma loira, com algodão nas narinas e machado na mão. Sim, ela está morta. Mas, afinal, de onde teria surgido essa mulher? A resposta é simples e direta: de uma matéria de jornal. Ou melhor, da imaginação de jornalistas que criaram e recriaram esta que possivelmente é das mais duradouras lendas urbanas. A manchete estampou a capa do extinto jornal Notícias Populares em 1966: “Loira fantasma aparece em banheiro de escola”. Acostumados a buscar notícias polêmicas, os repórteres do NP se depararam com uma tarde sem sangrias. Ninguém fora morto a machadadas, nenhum bebê-diabo na maternidade. Mas havia uma foto borrada de uma funcionária do jornal. Loira. Tiveram a ideia da manchete, recriando a história inventada por Orlando Criscuolo para o Diário da Noite, anos antes. O borrão virou algodão, e a loira, defunta. A edição esgotou. Mário Luiz Serra, um dos “pais” da loira, conta que recebeu uma diretora do conceituado Colégio Rio Branco, de São Paulo, afirmando ter tirado uma foto da fantasma. Quando o filme foi revelado, não havia nada. “Se fosse gente, aparecia”, assegurava a educadora. A pressão aumentou, inclusive da Secretaria de Educação da cidade: por medo, as crianças não queriam mais ir ao banheiro. O jornal teve que publicar um desmentido. Tarde demais. A loira continuou cercando as escolas. Até mesmo a prima da tal funcionária que inspirou a manchete confessou: “Eu vi a loira do banheiro”. Saiba Mais Nada Mais que a Verdade – A extraordinária história do jornal Notícias Populares, de Celso de Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik Rene Lima (Carrenho, 2002).


TEM DÓ, SEU JUIZ!

Martha Rocha perdeu concurso de miss por duas polegadas. Será? nquanto a tradição italiana não pegava, houve um tempo no Brasil em que, em vez de pizza, tudo acabava mesmo era em marchinha de Carnaval. Foi assim com a fatídica noite de 24 de julho de 1954, quando amargamos o segundo vice-campeonato da década. Os brasileiros Martha nos EUA. ainda se recuperavam da derrota para o Uruguai na Copa do Mundo, quatro anos antes, por um gol a menos no Maracanã, quando duas polegadas a mais tiraram a vitória da baiana Martha Rocha no concurso de Miss Universo. A derrota causou comoção, mas acabou em tema de Carnaval. Foi ela mesma que interpretou a marchinha composta por Alcyr Pires Vermelho, Pedro Caetano e Carlos Renato: “Por

duas polegadas a mais / Passaram a baiana pra trás / Por duas polegadas / E logo nos quadris / Tem dó, tem dó, seu juiz”. A bela morena de 21 anos, que havia sido eleita Miss Brasil por unanimidade, causava alvoroço por onde passava. Seu conterrâneo Dorival Caymmi dizia não ter dúvidas: o verde dos olhos de Martha era mais belo que o mar de Itapuã. O fiel Tom Jobim lamentou estar casado à época: gostaria de ter composto uma música para a jovem. A notícia da derrota para a americana Mirian Stevenson foi dada pelo jornalista João Martins, da revista O Cruzeiro. Ele teria ouvido de um jurado a informação de que as tais duas polegadas, que equivalem a cinco centímetros, foram decisivas para a escolha. A verdade, porém, é que, como membro da criativa imprensa da época, Martins combinou a história com outros jornalistas para tornar a derrota mais polêmica. Nem Martha, hoje vivendo como pintora, sabe confirmar a veracidade dos fatos. A ex-miss, cujo nome, por ironia do destino, batiza doces receitas que incentivam a propagação de polegadas, declarou em sua autobiografia: “Nos Estados Unidos, nunca ninguém me tirou as medidas”. 11

Saiba mais Site oficial de Martha Rocha: www.martarocha.com.br

HÁ 48 ANOS NA FAMÍLIA

Sylvio dormiu, namorou, casou e teve filhos na kombi T

ransportar fogões e geladeiras pela cidade de São Paulo na década de 1960 não era fácil. Na época, o jovem Sylvio Gubitoso botava as entregas na carreta e acelerava a lambreta. Isso até conhecer a kombi verde-areia. Ele se apaixonou. Tratou logo de comprar uma, 1ª série, modelo 1961. Para garantir que ninguém fizesse mal ao carro, que passava a noite estacionado na rua, o rapaz dormia dentro da kombi. Sobre quatro rodas, Sylvio tomou coragem e pediu em namoro uma italiana sem igual: Silvana Beruzzetto. A corte aconteceu na kombi. E foi ela mesma que conduziu a noiva de véu e grinalda à igreja dois anos depois. A lua de mel foi perto de Ribeirão Preto, e para lá o casal seguiu feliz. De kombi, claro. Foi

acervo pessoal

reprodução/ae

E

ela também que levou dona Silvana ao hospital no nascimento dos filhos. Um carro fiel até nas aventuras do dono: certo dia, a kombi estragou sobre o trilho do trem. Ajudado pelos operários da ferrovia, Sylvio conseguiu inverter o carro, estreito de nascimento, e permitir a passagem dos vagões. A kombi rodou com a família Gubitoso pela Argentina, Paraguai, Uruguai. No volante dela, filhos e sobrinhos de Sylvio aprenderam a dirigir. O dono morreu em 1986, sem nunca abandonar a companheira de asfalto. Desde então, dona Silvana mantém a kombi na garagem, com faróis e bancos originais. Aos fins de semana, o carro quarentão leva a família para passear e arranca elogios por onde passa.

Sylvio, ao lado do inseparável veículo.

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Entre 150 SEGURAR VELA cionar a expressão a 0e

1600 era comum rela fortável. Depois, qualquer posição descon a amante em quem “segurava vela” era fala coloquial de Na um triângulo amoroso. anha um casal. mp aco m que hoje, designa iente da França A expressão seria proven gados eram pre em medieval, quando para iluminar as as vel r ura seg a obrigados s patrões. seu atividades cotidianas de


Terezinha ameniza nos outros o sofrimento que viveu A 12

menina nasceu num lar alegre e numeroso há 58 anos, na cidade de Vera Cruz, interior de São Paulo. Era a caçula de oito irmãos. Os sobrinhos, muitos de idade parecidas com a dela, viviam a brincar pelos quintais e ruas do pequeno município. Quando tinha 10 anos, um dos sobrinhos foi diagnosticado com um grave câncer no nariz, que logo se espalhou pelo corpo. Foram sete meses de tratamento. Em vão. A morte do menino despertou Maria Terezinha para a gravidade da doença. “Éramos crianças e imaginávamos que as pessoas só morriam quando ficassem velhas. Nunca aos 10 anos”. Hoje, Terezinha mora em Tupi Paulista, e nunca se esqueceu da morte do sobrinho. Nem da do pai, em 1996, acometido por câncer na próstata. Ao se aposentar como professora, em 1999, decidiu que dedicaria boa parte da vida a amenizar a dor dos enfermos. Entrou no Grupo de Apoio ao Paciente Oncológico de Tupi Paulista (Gapo), do qual hoje é coordenadora-geral. “Quero amenizar nos outros o sofrimento que tive”, explica. A atuação é bem variada. Desde conversar com familiares, dar conforto espiritual, até buscar donativos para trazer o máximo de tranquilidade num momento tão delicado. E adora o que faz. “Acho que herdei esta característica do meu pai. Ele era muito carinhoso com quem estava num momento de necessidade”. Às vezes, claro, é difícil. Terezinha diz que, diante da severidade da doença, lhe acomete uma certa sensação de impotência. E lembra de uma

paciente jovem, com câncer agressivo, que mexeu demais com suas emoções. Mas a luta e a dedicação permanecem, dia após dia. A sede do Gapo mantém bazares da pechincha, carnês mensais, eventos beneficentes para arrecadar fundos. Há ainda outras voluntárias, unidas, que mantêm o grupo no grande objetivo: ajudar gente. “Agradeço a Deus e às voluntárias pela força e coragem que me passam”. Terezinha explica que o trabalho do grupo de voluntários é fundamental, porque faz o papel de famílias com maior estrutura financeira. As famílias mais dedicadas e com recursos podem oferecer maior proteção e, desta maneira, o enfermo tem mais esperanças para enfrentar o tratamento e a cura da doença. Mesmo caso venha a morrer, sabe-se que foi uma morte digna, ao lado de pessoas amadas, que ofereceram a melhor estrutura para ser um momento um pouco menos traumático. “Sempre passa um filme na minha cabeça: a pessoa doente e carente de tudo, como moradia, alimentação, cuidados da família. Por isso o nosso trabalho é essencial.” Além disso, Terezinha adora visitar pacientes, conversar, auxiliálos com alimentação, remédios e exames. “Atuar como voluntária é uma bênção na minha vida”, explica. Costuma pedir a Deus fé, saúde e disposição para manter-se na missão de ajudar a quem mais precisa. Às vezes, diz, bate desânimo. Mas olhar mais um paciente a faz encontrar forças para continuar. “Eles precisam do meu apoio e atenção”, conclui.


AMYR KLINK

fotos: edi pereira

As soluções mais engenhosas não vieram da Nasa, mas de pescadores Antes de mais nada, é bom que se esclareça que a definição é dele mesmo: pulador de muros. E com muito orgulho. Mas é importante que se diga que não há nenhum sentido figurado nisso. Amyr Klink gosta mesmo de andar por aí, enxergar uma dificuldade, imaginar como faria o percurso, onde apoiaria, de onde saltaria e zap, lá está ele pulando o muro da casa de algum amigo. Casado com Marina, pai de três meninas, Amyr se atribui ainda outra profissão: um fuçador na área técnica. As inúmeras viagens que fez – a partir da solitária jornada da África ao Brasil num barco a remo, em 1984 – são apenas a prova dos nove depois de muito trabalho para desenvolver as melhores soluções náuticas. O projeto, a engenharia, os materiais e os instrumentos dos barcos fascinam este paulistano de 54 anos, filho de pai libanês e mãe sueca. Mas é claro que das viagens extrai muito prazer, além das histórias que narrou em seus nove livros. Quanto ao saber tradicional da gente do litoral e dos rios, se queixa do desdém como é tratado: “A jangada brasileira é uma embarcação genial, mas ninguém dá atenção porque ela está atrás da precariedade”.

Que história é essa que, além de tudo, você é pulador de muros? É verdade. Lembro uma vez que o Comandante Rolim [fundador da TAM] me convidou para conhecer sua nova casa. Fiquei olhando o muro e falei: “Você não tem medo que alguém invada?” Rolim disse: “Não tem problema, o muro é alto”. E eu desafiei: “Conta até 10 que você vai me ver dentro de sua casa”. O Comandante fechou o portão, contou até 10 e não deu outra: quando viu, eu já estava lá dentro. O muro era vazadinho, feito pra pulador. É a minha especialidade. Os guardas da minha rua não acreditam. Hoje em dia eu não pulo mais na casa dos outros porque pode dar problema. Mas é um jeito de me exercitar. O barco tem retrancas grandes, tenho que subir rápido para trocar as velas. E se não treinar, complica. Agora são as minhas filhas que estão aprendendo, mas confesso que fico preocupado.

O zoólogo Paulo Vanzolini costuma dizer que aventura é coisa de amador. Você também tem resistência a essa ideia de que faz aventura? O que eu faço não é aventura. Gosto de ir para a Antártica conhecer lugares que ninguém conhece. Não posso me autodenominar aventureiro. É como quem se diz poeta – pra mim, perde metade da credibilidade. Poeta é uma condição atribuída a alguém, não é auto-aplicável. Quando ouço alguém se chamar de aventureiro, digo: “Muito prazer, a porta dos fundos é ali”. Não gosto dessa turma de “aventureiros”.

Qual é, então, a sua profissão? Eu faço coisas. Às vezes complicadas, às vezes não. Mas gosto muito, faço pelo prazer, não para confrontar os elementos. Não sou pesquisador, não estudei tanto para isso. Sou um fuçador na área técnica. Gosto de fuçar em materiais. É ótimo dese-

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nhar na cabeça um projeto maluco e depois transformá-lo em papel. Daí torná-lo um objeto real, e depois administrar, usar pra rodar, navegar, voar. A viagem é apenas a consagração. É o prazer supremo, é escrever o último capítulo de um livro. É uma etapa que, às vezes, parece complicada, mas nem de longe é tão complicada quanto o começo. É o fim de um ciclo. Só que quando acaba perde a graça.

zais. Todo mundo hoje está fazendo estudos sobre os manguezais. Tem esse problema ruim da carcinicultura, que está destruindo os mangues sem que ninguém reaja ou comente. Também o problema da poluição, da ocupação irregular de terra nessas áreas, e o paternalismo: “Oh, coitadinhos, são pobres, deixa eles lá...” Está errado, tem que tirar todo mundo.

O Paratii 2 é um barco com muita tecnologia, não? O Paratii 2 é um

Como funcionam essas plataformas? São unidades habitáveis flutu-

baita barco. Quando o projeto nasceu, ninguém acreditou. Diziam: “Imagina, aquele cara não tem experiência nenhuma”. Em geral, somos tão deslumbrados, queremos sempre tecnologia de ponta. Só que quando se esquece da história, da tradição, da simplicidade, acaba-se ficando sem referência. O mundo hoje é assim. Meu primeiro barco era todo moderninho. Depois de 15 anos, já não era mais. As ideias mais simples, as soluções mais engenhosas não vieram dos engenheiros, dos caras da Nasa, dos velejadores olímpicos. Mas de pescadores. Quando fiz o Paratii 2 eu já tinha um pouco mais de coragem para sair do pensamento comum tecnológico. Começamos a resgatar a genialidade, a tecnologia de coisas que o mundo tinha perdido. Hoje é uma máquina muito respeitada na Antártica.

antes. Projetamos uma unidade flutuante que tem dois contêineres desmontados. Você põe num caminhãozinho e monta uma plataforma de 50 metros quadrados e dois contêineres em cima. Dá para seis pessoas morarem ali durante um ano sem depender de nenhuma fonte energética externa, com uma célula de combustível alimentada por um painel solar e eólico.

Onde o Brasil se situa no cenário náutico mundial? A

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Qual é o seu próximo projeto de barco? Mal havia chegado da última

A gente virou as costas para o mar, para os rios. O brasileiro urbano, a única coisa que ele pensa sobre o mar é se a praia é boa.

jangada brasileira é uma embarcação genial. A jangada de piúba é o único barco a vela de trabalho no mundo que não tem leme. Quase ninguém tem competência intelectual para conduzir uma e entender a sofisticação tecnológica que tem ali. O mestre jangadeiro emenda as peças de gororoba com linha. Ninguém da Nasa sabe fazer isso. Pode dar uma floresta de gororoba pra ele, que não vai conseguir. Há alguns anos, doamos uma jangada para um museu na Suécia. E houve um mal-estar maravilhoso. Quando receberam a jangada, telefonaram ofendidíssimos porque mandamos as tralhas de pesca, as velas, mas havíamos “esquecido” de enviar o leme. E lá estavam eles com um velejador olímpico em um lago, perto da casa do rei, e nada de a jangada andar. Hoje temos o privilégio de poder misturar o máximo de conhecimento acadêmico, tecnológico, industrial com esse conhecimento aplicado, prático, verdadeiro, mas que infelizmente ninguém dá atenção porque ele está atrás da precariedade.

Soluções simples são subestimadas? Totalmente. Por exemplo: projetei um sistema de plataformas flutuantes para marinhas e portos. Fazer um cais fixo é a coisa mais burra do mundo. A maré sobe e desce, não dá para um barco ficar conectado. Bolamos uma que é quase ridícula de tão simples. Hoje há centenas instaladas no Brasil. Fazem um baita sucesso. Montei uma empresa para fazer isso, mas graças a Deus já me livrei dela.

O que mais você tem desenvolvido? Estamos desenhando agora uma base móvel flutuante que pode ser usada, por exemplo, nos mangue-

viagem com o Paratii 2 e já tinha um rabisco dum projeto novo, que creio que será um estouro quando acontecer. Um barco feito para ir muito mais longe, custar menos e precisar de menos gente especializada. Será mais divertido, poderá encalhar quando quiser, visitar lugares loucos regularmente. Por exemplo, por que não desenhar um barco para andar com bambu, com combustível de palma? O Brasil tem mil alternativas energéticas interessantes, e o que fazemos é procurar novas possibilidades. Gostaria de não me preocupar tanto com os custos da viagem. Se você erra uma manobra e rasga um pano, lá se vão 70 mil reais. E o que você faz com 700 quilos de vela que não prestam mais? É uma bruta poluição. Onde vai jogar isso? Vou fazer barraca para as minhas filhas? Pendurar a vela na frente da minha casa? Um jogo de velas custa quase 1 milhão de dólares. Isso me paga cinco viagens para a Antártica. É lindo velejar, mas é muito caro. Mais barato é serrar o mastro e ir a motor. Velejar é um negócio bonito, romântico, mas é burro.

Vem aí um Paratii 3? A gente está trabalhando num projeto de um catamarã, que é um barco muito interessante. Os polinésios tiveram essa sensibilidade de entender onde está a eficiência de aerodinâmica máxima, e de fato o multicasco é uma embarcação muito eficiente. O problema é que os multicascos não são barcos apropriados para a navegação em alto-mar, por causa das ondas, do embate, da conexão entre os cascos. O que fizemos foi desenhar um projeto muito grande, eficiente e barato de ser operado. Nasceu um bicho meio monstruoso. Na verdade, a ideia começou quando eu estava estudando o Buckminster Fuller, o cara que inventou a matemática geodésica, a eficiência do domo geodésico. Nada no mundo tem mais força usando menos material. Esse cara era um gênio. Aos 50 anos, estava decidido a suicidar-se, mas resolveu: “Espera aí, deixa antes eu fazer alguma coisa melhor com a minha carcaça e a minha cabeça”. E, do dia para a noite, começou a desenhar os princípios da


matemática geodésica, do icosaedro. Acabou tornando-se bilionário nos Estados Unidos. Revolucionou o mundo da arquitetura, da física, da mecânica, do pensamento.

Como é esse catamarã? Para que se tenha uma ideia, cada um dos dois cascos tem 4 metros de largura. É uma área habitável. Em 4 metros, você pode fazer as cabines, por exemplo. A ideia era criar um barco de baixíssimo custo operacional, fácil de construir, que seja extremamente econômico. E, em vez de usar uma propulsão convencional, usar propulsão mista. Uma espécie de híbrido mais simples, que é uma tendência no mundo automotivo, mas no carro ninguém ainda acertou a fórmula. No barco é bem fácil, porque obviamente não há subidas no mar. Para se andar em velocidade baixa, não precisa usar a propulsão mecânica. Pode-se usar propulsão elétrica.

Pode-se gerar a própria energia elétrica? Você pode tanto adicionar energia através de geração eólica, como já fazemos, ou colocar uma célula de combustível. Essa é a razão de eu querer 22 mil milhas de autonomia. Com 22 mil milhas, não preciso comprar combustível durante pelo menos dois anos. Você dá uma enchida no tanque e tem dois anos de combustível. É uma loucura. E aí, pra que usar diesel da Petrobras, da Shell? Pô, vamos usar um biocombustível. Você pode escolher: tem promoção de biocombustível na África? Então vamos lá buscar. Aqui do lado de São Paulo, acho que em Vinhedo, tem um estoque monstruoso de biodiesel de sebo, por exemplo – um baita produto poluidor que se transforma em biocombustível. Por que não fazer uma volta ao mundo usando sebo?

Como você vê a importância dessas experiências em um contexto maior? Eu não faço nada disso com o objetivo de salvar a humanidade. Mas acho que cada pessoa que estiver atenta para essa discussão, para essas soluções, vai colaborar. Meu propósito primeiro não é esse, mas dá um certo prazer saber que muitas das coisas inúteis que a gente faz podem ter alguma aplicação. Não faço nada disso com um espírito totalmente altruísta, senão eu seria mais competente dirigindo uma fundação, uma ONG para salvar a humanidade. O que acho importante é estar atento às alternativas. Hoje tem gente comprando hotelzinho em Fernando de Noronha – grandes empresários, gente razoavelmente inteligente –, fazendo pousadas lindas de morrer, high-tech, mas com chuveiro elétrico. Isso é um crime. A região tem ventos alíseos, o regime de ventos mais apropriados para a geração de energia eólica. É um presente divino. E tem também um grau de insolação perfeito para placas térmicas que aquecem água. É um absurdo.

Como funciona seu estaleiro? No começo nós mesmos formávamos os

funcionários. Era uma alternativa mais barata treinar soldadores e técnicos do que pegá-los no mercado. E o efeito disso foi interessante porque as pessoas que passaram por esse processo mudaram de vida. Hoje um bom soldador de alumínio escolhe em que país trabalhar, quanto quer ganhar, se trabalha um dia por semana ou dois. É um astro. Tem cara que era morador de rua e hoje está fora do País. Hoje estamos com um cliente na Suíça. Nós o convencemos a optar pela bandeira brasileira. Isso viabilizou para muitos fabricantes pequenos, para muitas oficinas de tecnologia, desenvolver os equipamentos. O barco tem catracas feitas aqui por 40, 50 mil reais, que nos Estados Unidos sairiam uma fortuna. Os mastros, que precisariam ser importados da Itália, da Holanda, estão todos sendo feitos aqui.

Temos vocação para engenharia náutica no Brasil? Temos. Não necessariamente para engenharia náutica, mas para aprender a fazer coisas difíceis. O fato é que a gente virou as costas para o mar, para os rios. A única coisa que o brasileiro urbano pensa sobre o mar é se a praia é boa. Nenhum urbanista brasileiro sabe o que quer dizer borda d’água, e o mundo inteiro hoje se esforça para preservar cada metro de borda d’água, porque é um patrimônio social, econômico e histórico. Nós estamos simplesmente destruindo as bordas d’águas, fazendo esses aterros ridículos no Rio de Janeiro, em Florianópolis. Castramos todas as hidrovias navegáveis. De repente, no Brasil, automóvel é tudo. Matamos toda a nossa cultura náutica. A ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, é um caso clássico. A maior parte da cidade está numa ilha linda de morrer, mas que odeia o mar. A cidade se rasga de avenidas expressas e se fecha para aquilo que está na sua história, na sua vocação, que eram os navios. Aquela ponte tinha que ser implodida amanhã. E cedo, antes do meio-dia. É uma ponte pênsil. A razão de se fazer uma ponte pênsil é poder trabalhar com grandes vãos de altura para os navios passarem embaixo. Mas nós fizemos uma ponte pênsil baixa! E ainda por cima a tombamos como patrimônio histórico. É demais...

Há outros casos gritantes? A Bahia tem um patrimônio náutico maravilhoso, histórico, cultural. Os Saveiros de Pena são uma das coisas mais monumentais que existem. E fizemos tudo o que era possível para matar esses caras. A gente cerceou economicamente a vida deles, eliminou os mercados que ficavam à beira d’água, extinguiu os produtos de valor agregado que garantiam a sua sobrevivência, colocamos todos os centros de distribuição desenhados para caminhão e bem longe da água, para não ter chance de os caras conseguirem respirar. Hoje essa cultura só resiste por causa do espírito histórico de caras quase miseráveis. Isso é inadmissível.

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ncesco Gianfr anieri Guar

O idealismo no palco Sempre que o caminho incitou, ele fez sua escolha: pelos desvalidos, pela democracia, pela arte, pela vida. Autor de obras fundamentais do teatro brasileiro, como Eles não Usam Black-tie e Arena Conta Zumbi, Guarnieri fez do

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trabalho um instrumento disseminador

ARQUIVO/ae

de suas crenças e ideais, seja com as

A

o nascer em Milão, na Itália, em 6 de agosto de 1934, recebeu um nome pomposo: Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi de Guarnieri. Mas, de nobre, sua vida teria apenas o trabalho e os ideais. A atividade deste ator que viria a ser conhecido no Brasil apenas como Gianfrancesco Guarnieri sempre foi ligada às questões sociais. Escreveu e atuou para dar cara aos pobres, operários, malandros de morro, prostitutas, perseguidos e desvalidos. A sensibilidade social veio de família. A mãe, uma harpista consagrada na Europa, e o pai, um maestro de renome, eram antifascistas e inimigos de regimes desiguais num país comandado por Benito Mussolini. Vieram para uma temporada no Rio de Janeiro no início de 1937 e nunca mais voltaram a viver na Europa. A verdadeira pátria do pequeno Gianfrancesco passou a ser o Brasil. A estreia nos palcos aconteceu quando tinha 14 anos, no colégio Santo Antonio Maria Zacaria, no Rio. Escreveu e atuou na peça Sombras do Passado, uma comédia na qual o protagonista

palavras, nas telas ou nos palcos.

sofria de gagueira. O problema era que um dos padres (o que os alunos menos gostavam) também era gago. E a gargalhada correu solta entre a molecada. Ofendido, o padre exigiu a expulsão do garoto. Quando o diretor anunciou que Giafrancesco teria de mudar de escola, o pai apenas respondeu: “Graças a Deus”. Havia matriculado o filho no colégio conservador a contragosto.

Nada de black-tie

Já em outra escola, Gianfrancesco começou a colaborar com o jornal Novos Rumos, uma publicação da Juventude Comunista. Mas a família resolveu mudar para São Paulo. Na cidade, fundou o lendário Teatro Paulista do Estudante (TPE), em 1955. No mesmo ano foi convidado a integrar o recém-criado Teatro de Arena. Em 1958 escreveu, em apenas 30 dias, o que viria a ser um marco na dramaturgia brasileira: Eles não Usam Black-tie, mais tarde levada às telas por Leon Hirszman. A peça, que


Sobre quem o criticava por representar na tevê, respondia: “Atuo na televisão como se estivesse fazendo Hamlet”. explorava as relações trabalhistas a partir de uma greve de operários, causou alvoroço entre grupos de esquerda, sindicalistas e estudantes. O povo se via representado. Ao ver o resultado, prometeu que nunca trairia a população proletária descrita na peça.

“Ponham toda a culpa em nós!”

Pela visão socialista, teve sérios problemas após o golpe de 1964. Cacilda Becker trouxe a notícia de que os militares não tinham nada muito sério contra o teatro brasileiro, mas, sim, contra quatro figuras: ele, Flávio Rangel, Augusto Boal e Juca de Oliveira. Ao lado de Juca, decidiu fugir do País. Optaram pela Bolívia, sem antes deixar de dar um recado aos companheiros de luta: “Se alguém for preso e interrogado, seja lá por qual motivo, não esqueçam: ponham toda a culpa em nós”. A viagem foi permeada por muitas dificuldades e medo. Depois de arranjar um salvo-conduto na cidade de Corumbá – “conseguido de um funcionário de delegacia que nem olhou na nossa cara; falava conosco enquanto lia uma revista do Capitão Marvel”, lembra Juca –, atravessaram uma ponte cheia de soldados, alguns com metralhadoras. Quando alcançaram o território boliviano, aos prantos, Guarnieri berrou: “Desgraçados, a gente volta um dia!”. E voltaram. Guarnieri passou a atuar em tevê, nas telenovelas que eram sensação naquele fim dos anos 1960. Mesmo assim, jamais abandonou o teatro. Durante a carreira, escreveu 20 peças – entre elas, as emblemáticas Arena Conta

Zumbi e Arena Conta Tiradentes – e atuou em 40 novelas e 40 espetáculos, que quase sempre continham o retrato do povo brasileiro desprovido de artificialismos.

Luta pela vida

Os últimos 12 anos de vida foram difíceis. Em 1994, enquanto estava no ar com a novela A Próxima Vítima, descobriu um aneurisma na aorta. Passou por uma operação de emergência. Como sequela, um dos rins ficou comprometido, a ponto de ter que extirpá-lo. Em 2001, começou a fazer sessões frequentes de hemodiálise. As dores e o risco iminente de morte não tiraram sua tranquilidade. Continuou a atuar em peças, como a juvenil O Pequeno Livro das Páginas em Branco, de 2004. Mas, em 22 de julho de 2006, não resistiu. Morreu aos 71 anos, em função de complicações geradas pela insuficiência renal crônica. Estava internado havia 50 dias. Numa entrevista concedida poucos meses antes da morte, resumiu o trabalho no teatro: “Estar no palco nunca foi um sofrimento. O mesmo se passa com o processo de criação. Alguns autores dizem que é muito difícil. Mas, para mim, sempre foi um prazer”. E aos que que criticavam sua atuação na tevê, por considerar um veículo menor, respondia: “Atuo na televisão como se estivesse fazendo Hamlet”. SAIBA MAIS Gianfrancesco Guarnieri: Um grito solto no ar, de Sérgio Roveri (Imprensa Oficial, 2004).

O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO

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ESPECIAL

Brasil no papo O que têm em comum Einstein, Gregório de Matos e Lampião? Rainha Elisabeth e barão do Rio Branco? Dom Pedro 1º e Viola? A resposta está no papo: comida. Neste Especial, temperado com curiosidades, mitos e causos, reunimos histórias de ilustres personagens e nossas saborosas iguarias. Bom apetite.

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“Saber por que maneira um povo come é penetrar na sua vida íntima, conhecer o seu gosto, apreciar o seu caráter. Comer é revelar-se.” Se é mesmo verdade o que defende João Chagas (primeiro primeiro-ministro da Primeira República de Portugal; mas brasileiro), o Brasil é mesmo um país múltiplo. Em nosso cardápio cabe de tudo, numa mistura espetacular capaz de unir num mesmo prato receitas dos quatro cantos do mundo. O que dizer do vatapá, criado a partir de receitas africanas, com pitadas europeias e toques indígenas? Para o poeta Gregório de Matos, é o próprio Brasil em forma de comida. Por aqui, a pizza italiana ampliou seus contornos, o sushi tomou novos gostos, o hot-dog ganhou até purê de batata. Mas há também fronteiras e tradições. Os pampas são fa-

mosos pelo churrasco. Minas, pelas iguarias no fogão de lenha. Carne de sol no sertão, pato no tucupi no Pará, peixes de todo tipo no Centro-Oeste. E muitas outras delícias de Caburaí ao Chuí. Mas, a despeito de tanta variedade e fartura, há um denominador comum: “O feijão é fator de unificação brasileira”, proclamou Gilberto Freyre. Panelas de todos os cantos confirmam. Neste Especial, viajamos no tempo e pelo Brasil, ligando personagens e iguarias. Já ouviu sobre os maus modos de dom João? E, por falar em majestade, da paixão da rainha da Inglaterra por bacuri? Ou das agruras de Einstein com a pimenta? Talvez conheça as origens da feijoada nas senzalas (melhor esquecer o que aprendeu na escola...). Sente-se à mesa, o Brasil já está servido.

Einstein, vatapá e pimenta “Einstein comeu, hontem, vatapá com pimenta.” A manchete é de O Jornal de 12 de maio de 1925. Albert Einstein estava no Brasil, em meio a maratonas sem fim de homenagens, passeios e conferências – que ele achava um tanto chatas, diga-se de passagem. Num almoço, resolveram oferecer vatapá ao alemão. Com um aviso: “Cuidado com a pimenta”. Einstein, porém, não mediu a mão com o tempero. Queimou a língua e começou a suar. Educado, disse que apreciou o quitute, enquanto comia salada de folhas para aliviar o calor. Anotou em seu diário de viagem: “Visita ao manicômio, cujo diretor é mulato e uma pessoa especialmente virtuosa. Com ele, almoço brasileiro com muita pimenta”. Por

superstição, Lampião não comia vatapá. E ninguém do bando podia comer – ordem de Virgulino.

Brasil comestível

“O vatapá é o Brasil em forma de comida”, sentenciou o poeta Gregório de Matos. Não à toa. O prato foi criado a partir de receitas africanas, como muambo de galinha e quitande de peixe, com ingredientes cultivados por indígenas e outros trazidos pelos europeus. Mereceu até receita-canção de Dorival Caymmi: Quem quiser vatapá, ô / Que procure fazer / Primeiro o fubá / Depois o dendê / Procure uma nêga baiana, ô / Que saiba mexer... E trata de completar a lista de ingredientes: castanha de caju, amendoim, camarão, coco. Pra temperar, gengibre, cebola. E pimenta.


Quem nunca comeu gelado, quando come queima a língua

A rainha e o bacuri Se Einstein queimou a boca, a rainha Elizabeth 2º refrescou o paladar em terras tupiniquins. Em visita ao Rio em 1968, também cumpriu uma longa lista de eventos oficiais. Pausa só para visitar a Confeitaria Colombo. Ficou encantada com o sorvete de bacuri, fruta exclusiva da Amazônia. “Ela gostou tanto que levou várias latas Um pouco maior que de polpa da fruta para a uma laranja, doce e Inglaterra”, conta Orlando cheiroso, o bacuri já foi Duque, o garçom que atendeu sobremesa dos grandes banquetes oficiais a comitiva, hoje aos 72 anos.

Os primeiros sorvetes desembarcaram no Brasil na década de 1830. Mas não agradaram. Nossos ancestrais achavam que o alimento queimava a língua. Já o primeiro carregamento de gelo chegou quatro anos depois. Um italiano pediu autorização para produzir gelo com uma máquina pneumática. O primeiro requerimento foi negado pelo Império, por dizer sobre o “gosto sensual” do gelado. Só com o texto rescrito a autorização foi concedida. O governador Diogo de Sousa fez sorvete de chuva em Porto Alegre. Aproveitando as geadas, comuns nos idos de 1812, cristalizou um sumo de frutas cítricas em pleno ar livre.

oferecidos pelo Brasil. Era a fruta preferida do barão do Rio Branco, que acrescentou a compota ao cardápio do Itamaraty. Dizia que tinha “gosto de flor”.

Se a Colombo falasse... Se os salões em estilo art nouveau da Colombo falassem, teriam muito a contar. Ao menos sobre comida. Era lá que Getúlio Vargas deliciava-se com quindins e Rui Barbosa devorava pratos de vatapá. Villa-Lobos, filho da engomadeira da casa, adorava filé mignon com batatas, presunto e fios de ovos. Foi lá, por sinal, que começou a tocar em público. Carmen Miranda pedia camarão ensopadinho com chuchu, e a maestrina Chiquinha Gonzaga, velouté de palmito – uma espécie de sopa cremosa.

“Eles só comem esse inhame” Quando Pedro Álvares Cabral chegou por estas bandas, os índios já se esbaldavam com a mandioca – e aproveitavam da folha à raiz. Na Carta de Achamento do Brasil, Pero Vaz de Caminha explica sobre os hábitos alimentares dos índios ao rei de Portugal: “Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito”. A mandioca é chamada de formas diferentes Brasil afora. No Nordeste, é macaxeira. No sul, aipim. E ainda é conhecida em outras regiões por macamba, pau de farinha, uaipi e pão de pobre.

O cientista austríaco Johann Baptist Emanuel Pohl chegou ao Brasil em 1817. Foi o primeiro a estudar a mandioca. E pela versatilidade do alimento, cunhou o nome científico: Manihot utilissima.

Durante a primeira Assembleia Constituinte, em 1823, os eleitores tinham de provar ter ao menos 150 alqueires de mandioca para poder votar. Os candidatos a deputado, 500; os a senador, mil.

Para Câmara Cascudo, a mandioca é “a rainha do Brasil, o basalto fundamental na alimentação brasileira”.

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O monarca comilão Dom João 6º e a família real chegaram ao Brasil em 1808. À parte das questões políticas, o monarca entrou para a história por ter um apetite de leão. Era capaz de devorar seis frangos por dia, três no almoço e três no jantar. E tinha o estranho hábito de guardar os ossinhos nos bolsos. A comitiva real incluía o cozinheiro português José da Cruz Alvarenga. Quase um ídolo de dom João. “Só o Alvarenga sabe fazer os frangos como eu gosto.” Mas não eram apenas os galináceos que encantavam o rei. Após o jantar, costumava devorar três mangas como sobremesa.

Quem avisa amigo é: juntar manga com leite pode até acabar em tragédia. Será? Tudo história da carochinha... Ou melhor, dos senhores de engenho. Os escravos se alimentavam muito de manga. Para diminuir o consumo de leite, os fazendeiros propagaram o mito.

O frango foi considerado símbolo do Plano Real. O quilo custava menos de 1 real em 1994.

Pedro 1º gostava mesmo de arroz com feijão

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Se João 6º era louco por frango e manga, seu filho, Pedro 1º, não dispensava um bom prato de arroz com feijão. Certo dia, a comitiva real visitaria um fazendeiro, que mandou preparar um almoço cheio de pompa. Só que o imperador chegou antes do previsto. Sem se identificar, entrou na casa e disse à cozinheira: “Estou com muita fome. Há algo para comer?”. A resposta: “Ó moço, posso dar algo simples, porque estou esperando o imperador”. E preparou um prato rápido: arroz, feijão, carne e aguardente. O fazendeiro tomou um baita susto ao ver o imperador tomando cachaça com os empregados.

O feijão carioquinha leva este nome por lembrar as listras das calçadas de Copacabana.

Em 1997, o centroavante Viola rescindiu o contrato com o clube espanhol Valência. Confessou um dos motivos: “Tenho saudade do feijão brasileiro”.

Quem inventou a feijoada? Esta você certamente já ouviu: com as partes desprezadas do porco, os escravos criaram a brasileiríssima feijoada... Pode raspar o orgulho do prato. A iguaria consumida toda quarta e sábado, na verdade, tem origem europeia. Três evidências: Os pertences que integram a feijoada eram, sim, apreciados pela população branca brasileira. A alimentação dos escravos restringia-se a mandioca, farinha e frutas. Durante o século 19, restaurantes “respeitáveis” anunciavam a deliciosa “feijoada à brasileira” – situação que dificilmente ocorreria se o prato fosse identificado com escravos.

“Uma boa feijoada é aquela que inclui uma ambulância na porta”, sintetizou Stanislaw Ponte Preta.


O brigadeiro que inventou o brigadeiro Doce Coralina Cora Coralina vendia doces em sua terra natal, Cidade de Goiás. Fez fama pelos quitutes deliciosos, como o disputado doce de figo, e por declamar versos aos clientes. Considerava mais importante seu talento culinário que os versos que escrevia, como confessa neste poema: Sou mais doceira e cozinheira / Do que escritora, sendo a culinária / A mais nobre de todas as Artes: / Objetiva, concreta, jamais abstrata / A que está ligada à vida e à saúde humana.

Eduardo Gomes desafiou o governo no episódio conhecido como Os Dezoito do Forte, liderou a criação do Correio Aéreo Nacional e por duas vezes foi ministro da Aeronáutica. É, inclusive, o patrono da Força Aérea Brasileira. Mas o brigadeiro está mesmo na boca do povo por ter inventado um dos mais conhecidos doces nacionais: o brigadeiro. Na 2ª Guerra, o Brasil vivia o racionamento de alimentos como açúcar, leite e ovos. Foi quando o militar descobriu no que a mistura de leite condensado, manteiga e chocolate resultava. A receita se espalhou. Ainda mais quando, em disputa à Presidência, em 1945, distribuiu a guloseima aos eleitores. Não ganhou a disputa com Dutra, mas a criançada brasileira agradece até hoje.

Um apaixonado pelo açúcar Em 1939, Gilberto Freyre lançou Açúcar, em que se debruçava sobre as tradições familiares no preparo de doces. A intelectualidade torceu o nariz. Como um sociólogo vai escrever sobre bolos e quitutes? Houve até quem dissesse que o autor de Casa-Grande & Senzala era um “sociólogo de alfenim” – em referência ao doce preparado a base de clara de ovo e açúcar. “Sem o açúcar não se pode compreender o homem nordestino”, rebatia Freyre. Seu doce preferido era o coupe regional, uma mistura de cocada e sorvete de tapioca.

Segundo o escritor gaúcho Athos Damasceno, o açúcar era tão raro no Rio Grande do Sul que o chimarrão foi imposto mais por necessidade do que por gosto. “A desculpa de que doçura não é pra homem trai logo a indigência do recurso. A verdade é que não havia açúcar mesmo.”

A batida secreta de Gilberto Freyre Ninguém entrava na casa do pernambucano Gilberto Freyre sem passar pelo ritual introdutório: provar a batida de pitanga criada pelo anfitrião. E olha que muita gente entrou lá. O escritor José Lins do Rego dizia que a casa era o “Vaticano do Recife”. John Dos Passos, novelista dos Estados Unidos, consumiu um frasco todo da bebida. Roberto Rossellini, cineasta italiano, um e meio. Freyre explicava que a cachaça precisava ser de “cabeça”, o primeiro jato do alambique. As pitangas, colhidas na hora, tinham que estar bem vermelhas. Ia ainda um licor de violeta feito por freiras de um convento de Garanhuns. E um “pormenor significativo” – que ele nunca revelou qual era; nem para a mulher, nem para os filhos. Um dos poucos que não passou da primeira dose foi o cronista Rubem Braga. Bebeu meio cálice, fez um muxoxo e pediu uísque.

s*a*i*b*a m*a*i*s

História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2004).

Durante os séculos 16 e 17, Pernambuco foi o maior produtor mundial de açúcar.

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O Calculista das Arábias

ligue os pontos

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

a Tinha bagageiro na frente e motor atrás. De origem alemã, começou a ser montado no Brasil em 1953, tornando-se líder de mercado.

1

O rei Cassim convocou um sábio para escolher, entre três príncipes, o mais inteligente para casar com sua filha. O velho sábio aplicou-lhes uma prova. Mostrou cinco discos

b Primeiro carro feito no Brasil, usava motor de

de mesmo peso e tamanho – dois deles pretos; os demais,

motocicleta. JK chegou em Brasília a bordo de um, na Caravana de Integração Nacional.

c Foi o carro oficial da presidência de 1982 a 1991. Lançado em 1960, seduziu autoridades e estrelas com conforto, luxo e inovações.

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d Genuinamente brasileiro, seu fabricante dizia que era um carro “muitonacional”, frente aos multinacionais que dominavam o mercado.

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brancos. Vendou os pretendentes, pendurou um disco nas costas de cada um e explicou: “Sereis interrogados um a

acervo da família

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um. Aquele que descobrir a cor do disco que lhe coube por sorte terá a mão da linda Dahizé. O primeiro poderá ver os discos dos outros dois. Ao segundo será permitido ver o disco do último. E este terá de formular sua resposta sem ver coisa alguma!”. Os dois primeiros pretendentes, interrogados em segredo, não foram felizes na resposta. O último, sem nada ver, anunciou a cor correta do disco que trazia nas costas. Qual seria a resposta? E como o jovem felizardo poderia conhecê-la?

teste o nível de sua brasilidade

Palavras Cruzadas

República fundada em Santa Catarina em 1840: (a) Cisplatina (b) Princesa (c) Mariana (d) Juliana Primeiro papa a visitar o Brasil, em 1980: (a) Nicolau (b) João Paulo 2° (c) Bento 15 (d) Bento 16 Em 22/7/1935, estreia no rádio: (a) A Hora do Brasil (b) Jantar com o Presidente (c) Repórter Esso (d) Minuto Notícia Acontecimento de 2/7/1823, comemorado todos os anos na Bahia: (a) Nascimento de ACM (b) República Baiana (c) Independência (d) Carnaval A carioca Ana Botafogo ganhou fama como: (a) Política (b) Incendiária (c) Jogadora de futebol (d) Bailarina A estrada de ferro Central do Brasil ligava o Rio a: (a) Baixada (b) Brasília (c) São Paulo (d) Piauí

Respostas Ronnie Von DIVULGAçÃO

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS – O disco do último príncipe interrogado era branco. Assim raciocinou o felizardo: se o primeiro pretendente viu dois discos e errou, certamente não viu os únicos pretos que havia. Primeira hipótese: os dois discos eram brancos. Segunda hipótese: um disco era preto; o outro, branco. Nesse caso, seu próprio disco seria o branco. Se não fosse assim, o segundo príncipe teria visto um disco preto, concluído que o seu não era igual – já que nesse caso o primeiro acertaria – e teria dado a resposta certa.

Em 2002 morreu o cearense Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como: (a) Maré (b) Patativa do Assaré (c) Barão de Itararé (d) Domitila Jacaré

BRASILIÔMETRO – 1c; 2d; 3b; 4a; 5c; 6d; 7c; 8b.

valiação

SE LIGA NA HISTÓRIA – 1b (Romi-Isetta); 2c (Galaxie); 3d (Gurgel Carajás); 4a (Fusca). ENIGMA FIGURADO – Alceu Valença. O QUE É O QUE É? – Lápis. CARTA ENIGMÁTICA – Fundou um grupo de samba, mas ganhou fama mesmo como humorista. (Mussum)

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

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Moraes Moreira, integrou o grupo: (a) Mutantes (b) Doces Bárbaros (c) Novos Baianos (d) Velhos Pernambucanos

2 1 0

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Conte um ponto por resposta certa

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O desenhista maluquinho

E taram Zizinha (nome da mãe) e Geraldo (do pai) e ficou Ziraldo. Passou a

le é dono de um nome único – e, pra dizer a verdade, meio esquisitão. Jun-

infância e adolescência entre a cidade de Caratinga e o povoado de Lajão, dois lugares muito gostosos do interior de Minas Gerais. Era uma criança, como se dizia naquela época, levada da breca. Os muros brancos de Lajão não tinham sossego. Ziraldo pegava carvão e os preenchia com rabiscos e mais rabiscos que jurava ser grandes desenhos, para desespero dos pais e vizinhos. Vivia solto pelas ruas, se metendo em aventuras às vezes perigosas. Adorava organizar peças teatrais com os irmãos (o papel principal, claro, era dele). A molecada ia assistir às apresentações e, achando graça daquele pirralho, dizia: “Que menino maluquinho!”. Com o passar do tempo, começou a ficar craque nas ilustrações. Produzia historinhas completas que eram compradas pelos meninos mais ricos da cidade. Passava tardes inteiras com lápis e papel nas mãos. E, sempre que podia, enviava desenhos para concursos. Desta forma, ensaiava o que viria a ser a sua profissão por toda a vida.

Saiba Mais A Infância de Ziraldo, de Audálio Dantas (Callis, 2007).

-Líng va

O livro mais famoso de Ziraldo, O Menino Maluquinho, foi publicado em 1980, quando ele já tinha 48 anos. É a história de um moleque muito arteiro, esperto e, claro... maluquinho de pedra. Vive se metendo em encrenca com a família e a turma do bairro. Mas sempre tem um jeito criativo para resolver a parada. Também é um goleiro de primeira e vive rodeado de grandes amigos. Sua principal característica é estar (quase) sempre com uma panela na cabeça. Boné estranho, né?

JÁ PENSOU NISSO? Se o que o Ziraldo diz for verdade, as pernas do Menino Maluquinho têm o comprimento de 20.037 quilômetros! Calma, a gente explica. É que no livro o autor afirma que o garoto tem pernas tão grandes que podem abraçar o mundo. Como a circunferência da Terra é de 40.074 quilômetros, as pernas do Maluquinho precisariam ter ao menos a metade disso para envolver o planeta. Assim, seriam cerca de 25 milhões de vezes maior do que as de uma criança de 8 anos. Imagine o tamanho do pé...

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Nasce grande e morre pequeno

Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do A lmanaque. Descubra a letrinha colorida escondida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

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Solução na p. 22

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PAR AT Y

Para todos Podem ser muitas as motivações de quem procura essa terra onde, segundo Lucio Costa, “os caminhos do mar e da terra se entrosam”. Pode querer praias, imersão cultural ou gastronomia sofisticada. Sossego ou agitação. Badalação ou história. Paraty é generosa, se revela a todos.

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uem procura desvendar as singularidades de Paraty acaba esbarrando na grafia de seu nome: é Parati, Paraty ou Paratii? Paratii é na antiga grafia, de 1550, quando portugueses fundaram o povoado. A origem pode estar no nome do peixe parecido com a tainha, o pira’ti, que os índios da região pescavam com redes de arrasto. Ou no nome de sua baía abrigada, Para nã iuti, que no idioma tupi significa semelhante ao mar. Para os paratienses de safra, porém, a história é outra: estava o Criador entretido a distribuir terras pelo mundo quando dele se aproximou Pedro, que perguntou por seu quinhão. “A sua é es-

pecial”, teria dito o Senhor. “Aquela, entre a baía da Ilha Grande e a Serra do Mar, é para ti.” Basta olhar para a sucessão de paisagens cativantes, em que se alternam os verdes vivos da Mata Atlântica e o azul das águas da baía, polvilhada de ilhas, para comprovar que a última versão é a mais correta. Os mapas situam Paraty a 330 quilômetros de São Paulo e a 250 do Rio, bem no meio da BR-101, conhecida como Rio-Santos. Nas palavras do urbanista Lucio Costa, é “onde os caminhos do mar e da terra se entrosam”. Ponto de partida para uma viagem pelo tempo.


Cidade pé de moleque Paraty não é inventada, nem monumental. É delicada. Seu casario, todo branco com salpicos de cores nas janelas e portas, tem a beleza duplicada quando se reflete nas águas que invadem a cidade durante a maré cheia. As ruas se transformam em canais e deixam-na com parecença e ares venezianos. As casas, algumas com símbolos da maçonaria na fachada, são distribuídas em 14 ruas pavimentadas com pedras irregulares. O visual é conhecido como pé de moleque, tal a semelhança com o doce feito de amendoim. As cinco igrejas barrocas de Paraty se mantiveram como raridade, e a arquitetura colonial do centro histórico foi considerada pela Unesco a mais harmoniosa do século 18 no Brasil. A receita de bolo mais antiga do País, o Manuê de Bacia, nasceu aqui – fruto da adaptação do doce português com a criatividade das escravas. Na falta de açúcar, adicionaram melado de cana e temperaram com gengibre. A tradição de bolos e doces permanece até hoje. São famosos os pudins, cocadas e outros quitutes, vendidos em carrocinhas pelas ruas. Mas nem só de história pretende viver a cidade. Paraty viu a chegada de novos tempos quando um ar de modernidade envolveu as 128 casas do centro histórico com ateliês, charmosas pousadas, lojas, cachaçarias e restaurantes. 25

Preste atenção

O melhor de Paraty é andar pelas ruas labirínticas do centro histórico. Observe cada detalhe e descubra casas e jardins internos que se escondem em várias delas. Mas cuidado, são com olhos atentos e sapatos confortáveis que se caminha pelas ruas de pedra – estas, verdadeiras pedras no sapato. Um descuido e lá se vai o tornozelo.


Não deixe de saborear Quem se delicia com a cozinha regional e seus ingredientes típicos poderá agendar um jantar com a chef Yara Roberts. À frente de sua Academia de Cozinha e Outros Prazeres, Yara recebe os comensais em casa, no centro histórico, ao redor de uma mesa bem brasileira. Enquanto prepara o jantar, dá dicas inusitadas de temperos aromáticos, revela aspectos culturais e curiosidades sobre a adaptação de ingredientes indígenas. E ainda mostra formas diferenciadas de apresentar pratos étnicos.

Cidade cinematográfica

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Paraty já foi cenário de séries e novelas, como O Quinto dos Infernos, Dona Beija e Mulheres de Areia. Filmes rodados por lá foram mais de 60: O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco, Como Era Gostoso o Meu Francês, de Nelson Pereira dos Santos, e Gabriela Cravo e Canela, de Bruno Barreto, com Sonia Braga e Marcello Mastroiani. Conta-se que o ator italiano se enamorou não apenas da cidade, mas da boa pinga da terra. De tempos em tempos, mandava buscar algumas garrafas para descansar em sua adega, ao lado de vinhos de estirpe. São muitas Paraty. Existe a cidade que se manteve singela – apesar de cada vez mais descolada, com seus festivais de música, literatura e cinema. A Paraty criativa, que preserva tradições como a festa do Divino e encanta com o grupo de mamulengos Contadores de Estórias. E a que celebra sua vocação musical, não apenas no sonoro timbre de seu nome, mas porque canta para todos os gostos: jazz, blues e música brasileira, ouvidos à tardinha nos bares do centro. Paraty é, sem medo de errar, sinônimo de lua de mel, de passeio de escuna por uma de suas 65 ilhas, de mergulho submarino, de boa mesa e, principalmente, de sossego. Pode-se escrever de muitas maneiras Paraty. O certo é que a cidade é áurea, impregna a alma e preservou seu melhor quinhão. Para todos.

Casa de Julia da silva mann, mãe dO ESCRITOR Thomas Mann.


Paraty tem mais

Noite escura. O mar brilha O mar brilha nas noites escuras de Paraty. E não é efeito da cachaça, mas um fenômeno comum que acontece nas praias mais distantes. Chama-se bioluminescência e é provocado por um microorganismo planctônico que absorve a luz solar e brilha com mais intensidade nas noites escuras.

Casa da mãe do escritor Thomas Mann Paraty tem um passado literário muito antes da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que se realiza na primeira semana de julho. Foi nesta cidade litorânea que nasceu Julia da Silva Mann (1851-1932), mãe de Thomas Mann, o maior escritor alemão depois de Goethe.

Artesanato Uma das cartas na manga da cidade se expressa por meio de quadros, gravuras, esculturas, cerâmicas, azulejos, tapeçaria e artesanato de excelente qualidade. Paraty possui o maior número de ateliês por metro quadrado do Brasil.

s e rviç o Onde ficar

Pousada Porto Imperial Praça da Matriz, centro histórico. Tel.: (24) 3371-1205.

Pousada Flor do Mar Rua Fresa, 257, em frente ao cais. Tel.: (24) 3371-1674.

Onde comer

Banana da Terra Especialidades paratienses nos pescados e frutos do mar. Tel.: (24) 3371-1725. Restaurante do Hiltinho Não deixe de experimentar o camarão casadinho e a lula recheada. Tel.: (24) 3371-1432.

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TACACÁ

Com os lábios adormecidos Se o Norte é terra abençoada em ingredientes, não faltou inventividade do povo de lá para criar iguarias. Souberam até amansar mandioca-brava e descobriram que, quando mastigado, o jambu formigava a boca – uma delícia, pode acreditar. Prepare sua cuia para o tacacá, caldo de se tomar aos poucos, com os lábios adormecidos.

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m Manaus, Gisela foi pioneira na praça do Teatro Amazonas. Por isso, hoje, no tradicional ponto das tacacazeiras, a barraca mais conhecida da cidade lhe presta homenagem: Tacacá da Gisela. Em Belém do Pará, terra das mangueiras, também é fácil encontrar a iguaria típica da Amazônia brasileira. Foi lá que o francês Olivier Anquier conheceu a receita. Para ele, é o prato mais verde-amarelo que há. Trata-se basicamente de um caldo preparado com goma e tucupi, que são o amido e a essência tirados da mandioca-brava. É importante deixar o tubérculo de molho por várias horas, pois o nome não é à toa: ele possui substâncias tóxicas para o organismo. Bem preparado, no entanto, dá

um tucupi delicioso. A goma, também conhecida como polvilho azedo, equilibra a receita, tirando acidez. Tanto ela quanto o tucupi são encontrados prontos, caso prefira facilitar a receita. O camarão já é indissociável da mistura e representa o toque do homem branco à criação indígena. Alguns ingredientes são adicionados ao tacacá depois que o sol abaixa e o calor não é tanto: chicória, pimenta malagueta e uma certa erva, o jambu, ou agrião-do-pará, que dá um leve formigamento nos lábios. Como o chimarrão para o povo do Sul, tomar tacacá no Norte envolve certo ritual. Tem que ser servido na cuia – melhor se feita do próprio fruto da cuieira. E fique atento: tomar tacacá de colher é ofensa das maiores.

Como fazer

Ingredientes 5 ou 6 mandiocas-bravas 2 litros de água 500g de camarão salgado seco 5 folhas de chicória 4 dentes de alho espremidos 4 pimentas-de-cheiro 2 maços de jambu sal a gosto

Preparo da goma Deixe as mandiocas descascadas de molho na água por cerca de 6 horas. Depois, rale e esprema com pano de prato sobre uma peneira de palha. Deixe a água que escorreu descansar por 10 horas, para assentar a goma. Retire a água por cima da goma que assentou, e cubra novamente com água. Após duas horas, escorra de novo, reservando o líquido para o preparo do tucupi. Coloque a goma em pedaços numa panela com água para cozinhar. Vá mexendo e acrescentando água até formar uma pasta transparente e cremosa. Preparo do caldo de tucupi Leve o caldo reservado da mandioca para ferver por 20 minutos com 2 dentes de alho, 2 folhas de chicória e sal. Acrescente o camarão e deixe no fogo por mais 10 minutos.

Últimos passos

Numa panela, leve ao fogo o restante da chicória, o alho espremido e a pimenta. Quando ferver abaixe o fogo, tampe e deixe cozinhar por 30 minutos. À parte, cozinhe o jambu até ficar tenro. Retire do fogo, escorra e reserve. Lave os camarões e leve-os ao fogo numa panela com quatro xícaras de água. Deixe ferver por 5 minutos. Para montar, sirva numa cuia uma concha de tucupi, um pouco de mingau de goma, algumas folhas de jambu e os camarões.


por Lourenço Diaféria

MEMÓRIAS COM POUCO AÇÚCAR

A

o consultar o antigo Dicionário de Comunicação, de Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, editado em 1978 pela Codecri, me cai a ficha: o tempo atropela os fatos. Quando o dicionário foi lançado, chegou a ser um alvoroço. Novidade gráfica, tinha fotos, ilustrações, desenhos e até piadas. A câmera de tevê, a chapa de baixo-gravado, a juke box – velha designação genérica das atuais máquinas toca-discos automáticas que funcionam com moedas e fichas – lembravam nebulosas do futuro. Apareciam aos poucos, quase incrédulas, muita novidade. Para tentar ser exato, não se ouvia falar em diet. Quando a Coca-Cola era distribuída, de graça, para acostumar o público a consumir o sabor da bebida que lembrava remédio, o lanche era completado com cachorro-quente. Hot dog, nem pensar. No dicionário encontro o homem-sanduíche, literalmente “anúncio apresentado sob a forma de dois cartazes, justapostos, presos ao ombro de uma pessoa, um à frente e outro às costas”. O sanduíche se inclui no verbete outdoor, tipo de propaganda ao ar livre. Evidente que não tenho especialização sobre propaganda, mas a respeito de outdoors gostaria

de meter meu bedelho. Como alguns sabem, na cidade de São Paulo o abuso que se vinha cometendo com a proliferação desse tipo de anúncio já passou tanto dos limites (e do mau gosto) que, por lei municipal, tenta-se agora salvar o que restou da beleza das fachadas de prédios e casas comerciais. A cidade passa, assim, a respirar melhor, sem os miasmas visuais da poluição urbana. Há alguns anos, acreditem, uma loja comercial do centro paulistano mandou afixar um tênis enorme na parede do prédio, concorrendo com a singeleza da pequena torre da igreja vizinha, que, aliás, chegara a substituir a catedral da cidade. O tênis era uma peça acintosa, um verdadeiro trambolho. Felizmente a municipalidade se tocou, mandou descalçá-lo. É evidente que há outdoors que enriquecem a cidade. Lembro de um, alegre, bem humorado, que na minha juventude ajudou a amenizar a fome. Tratava-se da figura em néon de dois porquinhos que disputavam um naco de linguiça. O bar com o tempo fechou, os dois porquinhos devem ter-se aposentado, cresci, não mais tive sossego para ficar admirando os outdoors da mocidade.

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A MOREIR A Morus nigra L

Você gosta de amora? Saborosa e medicinal. Antioxidante, dá vitalidade à pele. Depurativa, elimina do organismo substâncias inúteis ou nocivas. Rejuvenesce. E, graças a ela, nos vestimos e paramentamos nossos ambientes com o tecido mais nobre que o homem já criou – a seda.

U

reprodução/ea

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ma parlenda: “Você gosta de amora?” “Gosto.” “Vou contar pro seu pai que você namora.” Um chiste: “Cadê fulano e fulana?” “Ah, foram catar amora...” Estas falas, carregadas de malícia, eram comuns na minha infância, num Brasil quase rural. Havia sempre por perto uma amoreira. Nos pomares, quintais, terrenos baldios, enamorados iam “catar amora”. E tratavam de voltar com umas frutinhas... Temos espécies brasileiras: a taiúva, amora-branca; a arbustiva amoraverde ou do-mato, boa mas para o gosto dos passarinhos; uma preta; e a vermelha, ou moranguinho-silvestre. Mas a predileta é a amoreira-preta de nome científico Morus nigra L., nativa da China e outros países do extremo oriente. Na Europa desde o século 12 e no Brasil desde o 17, dá a fruta mais gostosa. Na verdade, porém, a amora não é uma fruta só, e sim um aglomerado de frutinhas, uns gominhos agridoces, suculentos. Rósea-esbranquiçada quando verde, passa ao vermelho e tinge-se de um roxo quase preto, quando madura. Se você gosta ao natural, mais fácil plantar um pé. A amora é delicada (difícil transportar sem machucar) e logo perece. Dá-se bem em todo o Brasil. Atrai a passarada. O beija-flor

gosta de fazer ninho entre suas ramagens – nada como morar ao lado da comida. O primeiro papel introduzido no Japão vinha da Coreia, feito da entrecasca dos galhos da amoreira. As fortes fibras, longas e brancas, resultam num papel translúcido e resistente, que os orientais ainda produzem para vários fins: restauração, arquitetura, impressos, objetos para festas populares, artes plásticas. E é da folha da amoreira que o bicho-da-seda se alimenta. Conta-se que, há uns cinco mil anos, uma rainha chinesa tomava chá embaixo de uma amoreira, quando um casulo caiu dentro da xícara com água quente e soltou um fio. Eis a lenda da seda. Em Marília, interior de São Paulo, havia uma fábrica perto do estádio. No pós-guerra, fechou. Mais tarde a gente soube: os americanos inventaram o rayon e a seda sofreu um baque. Mas recuperou-se. E hoje exportamos seda até para a própria China. Despretensiosa no fundo dos quintais ou nas plantações, hoje ninguém imagina que, há sete séculos, a amoreira foi eminência parda de uma saga. Graças a ela, e a um aventureiro chamado Marco Polo, o Ocidente tomou contato com o esplendor da cultura oriental através da Rota da Seda.


REPRODUçÃO/EA

O fio que ligou dois mundos

V

eneza, Itália, 1295. Três esfarrapados chamam num portão. A mulher custa a acreditar que são os parentes que partiram há mais de 20 anos. Avisa a família e oferece um banquete.

À mesa, os convidados vêem entrar Marco Polo, o pai e o tio cobertos de seda escarlate. Jamais depararam com tão deslumbrante tecido. Os Polo tinham desbravado a Rota da Seda, maior aventura da Idade Média: oito mil quilômetros, que hoje podemos sobrevoar em oito horas, mas no século 13 se percorriam em até três anos, a pé, em animais, carroças, barcos. Ao cair prisioneiro numa das guerras entre Veneza e Gênova, Marco encon-

Ela dá casa e comida ao bicho-da-seda

tra na cadeia um “letrado” que reúne seus relatos em O Livro das Maravilhas. Dois séculos depois, fascinado pelas aventuras de Marco Polo, Colombo não descansou enquanto não conseguiu sair pelo mundo como seu compatriota. Quem diria que a amora teria algo a ver com a descoberta da América. Como pano de fundo estava o precioso tecido e, por trás, a amoreira, cujas folhas alimentam o bichinho que fabrica o fio da seda.

Uma amoreira em cada praça, que tal?

MALGORZATA MILASZEWSKA/WIKIMEDIA COMMONS

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O

bicho-da-seda é a larva da borboleta Bombyx mori. Depois de 40 dias comendo folha de amoreira, a lagarta segrega uma baba filamentosa e brilhante com a qual tece seu casulo. O fio, de até 1.200 metros, obtém-se com a fervura do casulo, sacrificando-se a mariposa antes que ela o rompa. Com ele se faz o tecido leve, macio e resistente. E pesquisadores japoneses implantaram genes de aranha em bichos-da-seda. O novo fio servirá para coletes à prova de bala, fios cirúrgicos, linhas de pesca etc. Vem aí a super seda.

A

amora combate radicais livres, hipertensão, diabetes, TPM, bronquite, amigdalite, afta, queda de cabelo. Ajuda a prevenir infecção urinária, úlcera e câncer no estômago. Cicatrizante, expectorante, laxante, revigorante. Tem cálcio, fósforo, potássio, vitaminas A, B e C. Erupções cutâneas? Use cataplasma das folhas. Dor de dente? Ferva a casca e faça bochechos; e uma xícara, três a quatro vezes ao dia, expulsa vermes. As prefeituras bem que podiam plantar amoreiras-pretas nos parques e praças desses Brasis.

Saiba mais Frutas Brasileiras e Exóticas Cultivadas, de Harri Lorenzi, Luis Bacher Marco Lacerda e Sergio Sartori (Plantarum, 2006). Amora, Framboesa, Groselha, Kiwi, Mirtilo e Sua Comercialização, de Fernando de la Jara Ayala (Cinco Continentes, 1999).


Procura-se Casal em litígio O grosseirão leva a esposa ao aeroporto. Quando ela já estava na sala de embarque, ele grita lá de fora: – Querida, vê se não esquece de trazer uma espanhola bem fogosa pra mim! Quinze dias depois, ela estava de volta. Ao vê-la desembarcar, ele logo dispara: – Pô! Só veio você? Cadê a minha espanhola?! – Fiz o que pude, querido. Agora é só torcer pra nascer uma menina!

Escrevendo no escuro 32

O garoto chega da escola e logo pergunta ao pai: – Papai, papai, você sabe escrever no escuro? – Não, meu filho. Por quê? – É que eu queria que você assinasse o meu boletim!

Na agência de empregos, a moça se alista para uma vaga como empregada doméstica. – Tenho uma vaga disponível, mas precisamos de uma pessoa estável –, comenta a selecionadora. – Com certeza sou a pessoa indicada. Fiquei 12 anos na última casa... – 12 anos? Puxa, que maravilha! E onde era essa casa? – A casa de detenção.

Antes do combinado Com menos de um mês de casada, a filha chega na casa da mãe toda roxa. – Mamãe, o Paulo me bateu! – O Paulo? Eu pensei que ele tivesse viajando. – Eu também, mamãe. Eu também...

No consultório Fala, Pedrão! O rapaz vai ao cinema com um amigo. A certa altura, desafia: – Duvida eu dar um tapa na cabeça desse careca? – Duvido! E tasca um tapão no sujeito sentado diante dele. – Fala, Pedrão! Quanto tempo! E o careca: – Que é isso, rapaz, quer apanhar?! Meu nome é Fernando e eu não te conheço! – Puxa, mil desculpas. É que você é a cara do Pedrão. O sujeito se enfeza e vai sentar lá na frente. E o rapaz, para o amigo: – Duvida eu dar outro tapa na cabeça desse careca? – Ah, agora é que eu quero ver... Plaft! – Ô Pedrão, você tá aqui! Te confundi com outro cara ali atrás e quase apanhei!

O rapaz anda transtornado, com delírios de que é Deus. Decide então consultar um psiquiatra: – Doutor, estou tão nervoso que não sei por onde começar... E o médico, em tom de brincadeira: – Comece pelo princípio. – Bem, no princípio eu criei o Céu e a Terra...


A vaca doente

Lógica própria O sujeito vai a uma loja de calçados. Olha daqui, experimenta dali, acaba escolhendo um sapato de cromo alemão. – Vou levar este daqui – diz para o vendedor. – O senhor fez uma bela escolha, seu Manuel! Só uma advertência: estes sapatos costumam apertar um pouco nos primeiros três ou quatro dias. – Não tem problema. Só vou usá-los no domingo que vem.

Muito triste, o caipira procura o compadre da fazenda vizinha: – Ô, Beto! Minha vaca tá doente... Lembra quando a sua ficô doente, o que foi que ocê deu pra ela? – Ah, eu dei uma ração especial! Se ocê quiser, eu te dou o que sobrou. O caipira pega a ração, agradece e vai embora. Uma semana depois, ele reencontra o compadre. – Xi, Beto... Num teve jeito! Eu dei aquela ração pra minha vaca e a danada morreu! – Óia que coincidência! A minha tamém!

Linguiça por metro, fumo por hora

D

e mentiroso eu tenho aqui na cachola uma porção de causos. Se fosse me atrever a enumerar, daria mais ou menos umas mir! Tem aquela do caçador que num tiro só matou um montão de bicho, a do hôme que perdeu o nariz, a da lanterna de baixo d’água... Mas a que eu vou contar agora é a de um caipira que adorava uma cunversa pra impressionar o cumpadi lá dele. Acontece que o ouvinte era tão ingênuo, tão ingênuo, que acreditava nos maiores disparates que lhe contava o caipira sabichão, que vinhas lá de outras bandas. Era mais ou menos assim, ó: Caipira 1 – Ô cumpadi? Cumé que vende linguiça lá na sua terra? Caipira 2 – Uai, cumpadi. Linguiça lá se vende como em quarqué lugá: por quilo. Caipira 1 – Pois é pra vancê vê como lá na minha terra o povo tá mais adiantado... Caipira 2 – E é? Pois como se vende linguiça na sua terra? Caipira 1 – Na minha terra se vende linguiça por metro. Caipira 2 – Por metro?! Mas como é que é esse negócio? Caipira 1 – Assim. Ocê chega num empório e

pede: “Me dá um metro de linguiça!”. O vendero estende aquele linguição cumprido no barcão, mede com um metro de pau, corta e embruia pra vancê um metro de linguiça. Caipira 2 – Uai, num é que é inteligência mêmo! Caipira 1 (continuando nas perguntas) – E cumé que vende fumo de corda na sua terra? Caipira 2 – Ah, esse sim é por metro! Caipira 1 - Pois na minha terra, não! Caipira 2 – E é? Mas então como é que se vende fumo pra lá? Caipira 1 – O pessoá de lá tá tão adiantado que vende fumo de corda por hora... Caipira 2 (admiradíssimo) – Por hora? Mas como assim?! Caipira 1 (na lógica dele, e bem explicado) – É assim, ó. Ocê chega lá no empório e fala pro vendero: “Me dá aí cinco minuto de fumo!”. O vendero dá a ponta do fumo de rolo pra vancê segurá, cobra o valor premero, despois manda ocê corrê rua afora. Ocê então sai desembestado, correndo. Quando dá os 5 minutos, o vendero, com um facão bem afiado, zassss... Corta o fumo ali na hora. Caipira 2 (também numa lógica lá dele) – Ué? Intão qué dizê que quanto mais depressa ocê corrê... Caipira 1 (na lata) – Mais fumo ocê leva, ué!

Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

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Aprendemos mais que palavras difíceis Por Renan Esteves Alves

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u não sabia nem o que a pala-

nha vida é uma grande vitória. Ao longo

vra “câncer” significava quan-

do tratamento, passei por Marília, São

do descobriram que eu tinha um “medulo

José do Rio Preto, Jaú e São Paulo. Tu-

blastoma”. Os psicoterapeutas logo come-

do graças à Viva a Vida, que custeava

çaram a me explicar cada procedimento

as despesas de viagem. Minha mãe, por

pelo qual eu passava, de um mundo an-

coincidência, já era voluntária da ins-

tes tão desconhecido. Medulo blastoma,

tituição há um ano, sem imaginar que

por exemplo, é o nome de certo tumor

uma das pessoas que ela auxiliaria seria

cerebral muito agressivo. Estava com 11

tão próxima...

anos em 1999, começo do meu périplo

Hoje, aos 22 anos, quando penso na mi-

por hospitais.

nha história, desde quando comecei a

Estranhei muito os ambientes de enfer-

conhecer palavras e situações complica-

marias, internações. Via pessoas com problemas gravíssimos e

das até hoje, acho que tudo que minha família passou serviu para

nada me tirava da cabeça que eu era uma delas. Sabia que estava

nosso crescimento espiritual. Agradeço muito a Deus por me aju-

em um momento difícil. Só tenho que agradecer minha família e

dar a superar as dificuldades. Tenho certeza que Ele está conosco.

meus amigos, essenciais para que eu vencesse o medo. Me faziam

Trabalho como monitor na APAE (Associação de Pais e Amigos

rir, me distraíam, me incentivavam a comer, completavam o meu

dos Excepcionais) e vejo, na verdade, essa responsabilidade como

dia. Jamais deixaram faltar amor e carinho em cinco anos de luta.

uma chance de retribuir um pouco do muito auxílio que recebi.

Devo estender o agradecimento a meus professores e colegas, que

Minha mãe, já com a felicidade da minha cura, ainda se formou

tanto me ajudaram nos períodos de afastamento. A dedicação da

em técnica de enfermagem e tem um posto no Centro de Saúde

equipe médica e de enfermagem, ao longo de quimios e radiotera-

de Rinópolis. Minha namorada também é um presente de Deus e

pias, além das complicadas operações, não poderiam ficar de fora.

podemos dizer que somos uma família muito feliz, unida, cheia

Para a liga de combate ao câncer de Rinópolis, onde moro, mi-

de fé e esperança.




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