Amanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 03

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ANO 1

2010

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Uma batalha que não permite descanso Criada em 2008, a Febec reúne mais de 40 entidades dedicadas continuamente ao combate do câncer no País. Seu principal objetivo é unir e dar todo o tipo de suporte às entidades filiadas, como associações, redes de voluntários e hospitais espalhados pelo Estado de São Paulo e também em Minas Gerais. Para viabilizar suas ações, a Febec conta com parcerias e campanhas, como as desenvolvidas junto à APAS (Associação Paulista de Supermercados) na destinação de recursos provenientes da Nota Fiscal Paulista às entidades de combate ao câncer. E também na venda, dentro dos supermercados e por assinatura, do Almanaque de Cultura e Saúde. Saiba mais no nosso site: www.febec.org.br

Rua Silva Airosa, 40. São Paulo-SP. CEP 05307-040. Fone: (11) 2166-4131


O

Um autêntico Almanaque da Silva

Almanaque de Cultura e Saúde chega à terceira edição. Como sempre, cheio de histórias curiosas, inusitadas e emocionantes deste País de amores e sabores. A revista é fruto de uma parceria bem-sucedida entre a Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec), a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e a Andreato Comunicação e Cultura. Uma união de solidariedade e responsabilidade alastrada pelos voluntários que combatem o câncer. E pelos assinantes da revista, já que a renda deste Almanaque é destinada a ações de prevenção e apoio biopsicossocial aos pacientes. No Especial do mês, uma matéria com a cara do Brasil. Descubra as histórias por trás de sobrenomes como Silva, Coelho, Pereira e Pinto. Certamente você conhece alguém com um sobrenome destes – se você mesmo não for um Silva, um Coelho... E por que os africanos traficados ao Brasil não mantiveram o sobrenome do Continente Negro? Saiba também que só 5% dos nossos sobrenomes são tipicamente brasileiros. Veja se você é um dos felizardos. As seções estão fartas de histórias da nossa terra. Logo de cara, saiba que um dos mais extraordinários nomes da música popular servia cafezinho para sobreviver. Detalhe: já com mais de 60 anos. Conheça o caso de dona Rosa, que encontrou um novo amor aos 83 anos. Da célebre frase do papa a dom Paulo Evaristo Arns: “Não podemos prejudicar o Corinthians”. E que a Seleção não entrou confiante na finalíssima da Copa de 1958 por ter Pelé e Garrincha em campo, mas por estar vestida com a cor de Nossa Senhora Aparecida. Na seção Temperos e Sabores, aprenda a preparar um autêntico acarajé. Numa entrevista exclusiva, conheça os irmãos que promovem um dos mais engajados projetos de valorização das populações ribeirinhas da Amazônia. São também imperdíveis as seções Muito Obrigado e Gente Ajudando Gente. Na primeira, a jovem Karina conta como superou a angústia de estar internada. Da dor surgiu uma escritora: “A mensagem principal está em como vivemos, e não em o que fizemos ou não para viver”, defende. E em Gente Ajudando Gente, dona Olinda dá um comovente exemplo de dedicação. A humilde e perseverante mulher economizou durante 10 anos para ajudar pacientes que sofrem de câncer. Este é o Almanaque de Cultura e Saúde. Ou Almanaque da Silva, se você preferir. Revista estritamente tendenciosa. À favor do Brasil, claro. Caso você ainda não seja assinante, pode fazer sua assinatura por apenas R$ 70,80 anuais. Faça a sua parte no combate ao câncer. E ainda saia um pouquinho mais sabido sobre as coisas brasileiras. Para assinar, acesse www.febec.org.br. Ou ligue: (11) 2166-4100.

Nada é maior do que a solidariedade e por ela a gente não agradece, se alegra. Betinho, sociólogo

Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisor Lucas Puntel Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Soledad Cifuentes Gerente administrativa Fabiana Rocha Oliveira Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)

Presidente

Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro Rua Silva Airosa, 40. Vila Leopoldina São Paulo-SP cep 05307-040 Fone: (11) 2166-4131

Departamento Comercial Rua Lourenço Prado, 218, conj. 151 Jaú-SP CEP 17201-000 Fone: (14) 3624-3854

SAC (11) 2166-4111 ASSINE (11) 2166-4100 www.febec.org.br O Almanaque de Cultura e Saúde é uma publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura em parceria com a FEBEC – Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer. A revista é distribuída por assinatura, pelos estabelecimentos filiados à Associação Paulista de Supermercados (APAS) e pelos voluntários das Ligas de Combate ao Câncer. Apoio

Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar

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O Almanaque de Cultura e Saúde está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não-comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores. Não estão incluídas nessa licença obras de terceiros. Para reprodução com fins comerciais, entre em contato com a Andreato Comunicação e Cultura.

Sumário 5 carta enigmática

18 eSPECIAL Brasileiros da Silva

29 Almacrônica por Lourenço Diaféria

6 você sabia?

22 jogos e brincadeiras

30 em se plantando tudo dá Mandioca

12 GENTE AJUDANDO GENTE Dona Olinda Arcanjo

23 o teco-teco

32 Rir é o melhor remédio

13 PAPO-cabeça Eugênio e Caetano Scannavino

24 VIVA O BRASIL Bananal

33 CAUSoS de Rolando Boldrin

16 Ilustres Brasileiros Zélia Gattai

28 temperos e sabores Acarajé

34 muito obrigado por Karina Martinelli


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a Solução na p. 22

oram 15 novelas, 10 filmes e muitos seriados de tevê. Quase todos papéis cômicos. Divertir o público era a sua especialidade, do mesmo jeito que gargalhava com uma facilidade danada. A carreira desta paulistana do bairro do Cambuci foi sempre dedicada à alegria. Mesmo com alguns sofrimentos pelo caminho. A história começou em 1949, quando, com apenas 18 anos, se mostrava à vontade nas radionovelas da Excelsior e Record. No ano seguinte já aparecia na telinha da tevê. E, no outro, nas telonas do cinema, como uma das personagens do filme Liana, A Pecadora. No longa-metragem, contracenava com a amicíssima Hebe Camargo. A consagração viria em 1959, ao dar vida à dona Santinha numa emissora de tevê. A dona da pensão que afastava indesejados à base de tamancadas ficou três anos no ar. Em cena, aprontava de

tudo. Só não aceitava beijar outro homem. “Não faço cenas de beijo em respeito ao meu marido”, dizia. Em 1975, momento de tristeza. Seu filho Manoel, de apenas 20 anos, morreu num acidente de carro. Ficou desolada, mas agarrou-se no espiritismo para superar o momento duro. “Eu pedia diariamente a Deus para voltar a rir. E Ele me ensinou que temos o direito de nos abater, mas precisamos seguir em frente.” Depois, peregrinou pelas grandes emissoras. No SBT, fez dupla antológica com Golias. Na Globo, participou de novelas como Perigosas Peruas, Torre de Babel e Bang Bang. Em 2006, passou mal e teve que ser internada às pressas. A luta pela vida durou meses. Morreria em 17 de abril de 2007, aos 75 anos. Hebe Camargo, desconsolada, afirmou: “Onde buscarei o riso largo, os palavrões ditos em alto e bom som? Onde encontrarei a alegria que a vida calou?”. (BH)

Vida de sambista não é fácil até hoje. Que dirá nos anos 1960? Cartola já havia se consagrado como fundador da Mangueira e um dos mais importantes compositores da escola. Era respeitado por gente como Noel Rosa, Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Villa-Lobos. Mas toda essa credibilidade não se revertia em conforto na vida econômica. A foto ao lado mostra o sambista, já perto dos principal função de um dos mais extraordinários nomes da música brasileira: servir cafezinhos.

reprodução

60 anos, trabalhando como contínuo no Ministério da Indústria e Comércio. A


19/4/1941

10/4/1973

NASCE O JOGADOR ROBERTO CARLOS, LÍDER DO CORINTHIANS E UM DOS MELHORES LATERAIS DA HISTÓRIA DO FUTEBOL BRASILEIRO.

reprodução

NASCE O CANTOR ROBERTO CARLOS, LÍDER DA JOVEM GUARDA E UM DOS MAIS POPULARES ARTISTAS DA HISTÓRIA DA MÚSICA BRASILEIRA.

o papa SE CURVOU

“Não podemos prejudicar o Corinthians”

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Suecos amarelaram diante do azul da seleção canarinho

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Copa de 1958, dois dias antes da final contra a anfitriã Suécia. Os jogadores da seleção brasileira estão aflitos, alguns quase aos prantos. As cores dos uniformes coincidiam, e um sorteio decidiu que os donos da casa iriam a campo de amarelo. O Brasil provavelmente jogaria de branco, a mesma cor com a qual perdeu a Copa de 1950. Para os jogadores, supersticiosos, certamente um sinal de mau agouro. O chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho, percebeu o abatimento e procurou alguma solução para animar os atletas. Nos céus. Trancou-sE no quarto e, diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida, começou a rezar. Até que surgiu a solução. Dirigiu-se à concentração e, com todos os jogadores a sua frente, disse com voz serena e segura: “Está decidido: vamos jogar de azul, a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida. Ela vai dar a força que precisamos para ganhar o título”. O entusiasmo foi geral, e a nova camisa foi encomendada às pressas a uma confecção sueca. Os números e distintivos foram retirados do uniforme amarelo e recosturados no azul pelo massagista Mário Américo e pelo roupeiro Francisco de Assis no hotel em que a equipe se concentrava. Na grande final, os suecos mal viram a cor da bola. Foram goleados por 5 a 2, e o mundo passou a conhecer os garotos Pelé e Garrincha. O Brasil conquistava o primeiro de seus cinco títulos mundiais. SAIBA MAIS Assista aos gols da final. Acesse o Youtube (www.youtube.com) e procure pelos termos “Brasil”, “Suécia” e “1958”.

rafael arbex/ae

Seleção de 1958, em foto colorizada.

cardeal Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo entre 1970 e 1998, liderou a oposição católica à ditadura, apoiou greves do ABC, encampou a luta pelas eleições diretas. Foi o “cardeal dos direitos humanos”. Nos anos de 1960, uma injustiça despertou seu caráter democrático. O então papa Paulo VI decidiu reformar o calendário litúrgico da Igreja. Pretendia excluir das comemorações oficiais os dias devotados a santos que não eram celebrados em todo o mundo, mas apenas em algumas regiões. O episódio ficou conhecido como “cassações de santos”. Paulo Evaristo Arns São Jorge, patrono da Inglaterra e do Corinthians, era um dos “cassados”. O povo achou que a Igreja não mais o consideraria santo. Houve protestos por toda parte. Dom Paulo pediu audiência ao papa: “Santo padre, nosso povo não está entendendo direito a questão. São Jorge é muito popular no Brasil, sobretudo entre a imensa torcida do Corinthians, o clube de futebol mais popular de São Paulo.” A resposta foi imediata: “Não podemos prejudicar nem a Inglaterra nem o Corinthians”, decretou Paulo VI. A Igreja corrigiu a lista de “santos cassados”. São Jorge foi mantido nos calendários litúrgicos da Inglaterra e do Brasil. E a torcida do Corinthians pôde comemorar - inclusive o corintiano Paulo Evaristo Arns.

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Origem da express

Conto-do-vigário Duas par Um dos vigários sugeriu,

óquias de Ouro Preto sagrada. disputavam uma mesma imagem de um burro e deixá-lo decidir. bo lom ardilosamente, colocá-la no ro era a do Pilar porque, dizem, o bur Deu paróquia de Nossa Senhor io de então, cair no conto-do-vigár dali e conhecia o caminho. Des a. ntir me ou uma enganação passou a significar acreditar em


hos? de quem são estes ol27

PELEJA HISTÓRICA

Lágrimas vencem Justiça

Olhos de galã nascido em 15 de maio de 1965. Cursou História, Educação Física e Fisioterapia, até escolher o esporte pelo qual se consagrou campeão. Em 1998, depois de conquistar os maiores títulos da carreira, seguiu para outra empreitada: fundou entidade para ensinar artes, cultura e esportes a crianças e adolescentes da periferia. Confira a resposta na página 22

Habitante do planeta Fome deixa Ary de boca aberta

o baú do Barão “As visitas, meu bem, Alegrias me dão... Umas quando vêm Outras quando vão.” Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

Hamilton dos Santos diante das casas que seriam demolidas.

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arquivo/ae

ão se sabe ao certo o ano de nascimento de Elza Soares. O biógrafo José Louzeiro registra 1930. Mas há quem diga 1937. A menina criada na favela Água Santa, Rio, teve infância dura. Foi lavadeira, encaixotadora, empregada doméstica. Na autobiografia Minha Vida com Mané, de 1969, lembra: “Fui doméstica na flor dos anos. O difícil é conter os avanços do dono da casa. Minhas pernas levaram muito beliscão avulso pelos corredores.” Em 1953, subiu ao palco no programa de calouros de Ary Barroso. Disseram que deveria ir bonita. Pegou uma saia da mãe e uma camisa larga. Não pesava mais do que 40 quilos. Dobrou os panos que sobraram e enfiou uma porção de alfinetes. Fez duas marias-chiquinhas. Ao entrar em cena, gargalhadas no

Edmar melo/ag. a tarde

N

Elza Soares

auditório. Ary pergunta:“De que planeta você veio, minha filha?” Mais risadas. A resposta veio seca:“Do planeta Fome, seu Ary.” A orquestra quebrou o silêncio. Lama, de Paulo Marques e Ailce Chaves: Se eu quiser fumar, eu fumo / Se eu quiser beber, eu bebo / Não me interessa mais ninguém / Se o meu passado foi lama. A figura mirrada deixou a plateia de boca aberta. Saiu com a nota máxima e a lembrança das palavras de Ary: “Senhoras e senhores, neste exato momento acaba de nascer uma estrela.”

alvador, Bahia. Maio de 2003. Uma empresa convoca o operador de escavadeira Hamilton dos Santos para mais um serviço. Deveria por abaixo as duas casas de Telma Sueli dos Santos Sena. O bairro tem o sugestivo nome de Palestina. A merendeira Telma vive com marido, sete filhos e mais cinco parentes em terreno que a mãe havia ganhado de um antigo patrão fazia 10 anos. Mas o patrão teria vendido a propriedade a um engenheiro. O suposto comprador entrou com pedido de reintegração de posse e teve o processo julgado a seu favor. A família de Telma deveria ser despejada. E lá foi Hamilton. Tomou o volante e apontou para as duas casas. Mas não conseguiu avançar. Sentada na calçada com alguns dos filhos, a merendeira chorava. Hamilton, pai de nove crianças, não resistiu. Também chorou. Desligou a máquina e se recusou a executar o serviço. Não atendeu a um dos policiais que estava lá para garantir o despejo: “Endureça seu coração e cumpra a ordem.” Hamilton não se moveu. Recebeu ordem de prisão. Hipertenso, passou mal e teve de ser levado ao hospital. A história entrou nos noticiários da noite. Hamilton teve a prisão revogada e virou herói nacional. Duas semanas depois, a Prefeitura anunciava que regularizaria o lote de Telma.


LAURA

Rosa e o “caboclo” Luis.

HA/ARQU

IVO PE SSOAL

PAIXÃO NÃO TEM IDADE

Teve prefeito que quis até proibir moça de usar minissaia T

Em 1997, o prefeito de emos uma Constituição das Bocaiúva do Sul, no Paraná, baixou mais detalhadas do mundo, com decreto proibindo o comércio de mais de 300 artigos, enquanto as de preservativos e anticoncepcionais. tantos países, como Estados Unidos e Isso porque a Prefeitura estava Inglaterra, possuem pouco mais de 20. recebendo menos verbas federais Demonstramos vocação ilimitada para com o encolhimento da população. A criar leis. O resultado se traduz neste lei foi derrubada em 24 horas. bordão: no Brasil, há leis que pegam e O ex-prefeito da paulista leis que não pegam. Aparecida do Norte, José Luís Vejamos alguns exemplos. Em 1968, Rodrigues, vulgo Zé Louquinho, São Luís do Maranhão ganhou um criou em 2002 a Lei da Coxa. Vetava pacote, o Código de Posturas. Dentre minissaia durante a Quaresma, outras leis, havia uma que proibia o com penas de até 100 reais para a uso de máscaras, exceto no carnaval. O Zé Louquinho, em Aparecida. infratora. A decisão desagradou até intuito era desmascarar bandidos. Não aos católicos: “Acho que tem coisas mais atrapalhadas na cidade do colou. Na mesma década, um deputado apresentou projeto de lei que previa que o vestuário das moças”, disse o padre Agostinho Frasson. E a Lei da a anexação das Guianas ao território nacional; e outro projeto: importação de Coxa também não pegou. um milhão de portugueses para colonizar a Amazônia. Não vingaram. Hélvio romero/ae

la nasceu nos idos dos anos 1930, na comunidade húngara da Vila Anastácio, em São Paulo. Os pais vieram da Europa em 1925, buscando nos trópicos dias sem guerras e com trabalho. Criada sob a rígida batuta da mãe, Rosa Husak cresceu menina prendada. E cedo descobriu que nascera para amar. Aos 14 anos caiu de amores por José. A paixão mal brotou e foi podada pela raiz. “Minha mãe não aceitou o namoro porque ele não tinha dinheiro para ficarmos juntos”, relembra Rosa. José prometeu voltar com fortuna no bolso quando a amada completasse 18 anos. Rosa sonhou dias a fio. Guardou o amor no peito e seguiu a vida ao desejo da enérgica mãe. Aos 17, fugiu. Casou-se às escondidas com André, na tentativa desesperada de conseguir liberdade. O enlace durou apenas três meses. O casal foi descoberto pela mãe, que obrigou Rosa a voltar para casa e esperar melhor partido. Antes de o novo pretendente aparecer, José voltou à procura da prometida. Com o coração despedaçado, a moça correu para se esconder. “Senti vergonha. Ele cumpriu

a parte dele e veio me buscar. E eu não esperei por ele”, lamenta. Aos 20 anos, Rosa aceitou o pedido de Santo, soldador com o dobro de sua idade. Era a saída para se desvencilhar da barra da saia da mãe. Juntos, construíram uma história e uma família com três crianças. Santo faleceu 17 anos depois. Deixou Rosa com os filhos para sustentar e uma dívida sem fim. Ela era mãe e pai ao mesmo tempo. Trabalhava de sol a sol na fábrica de rendas. Ali perto conheceu Luiz Carpi. Convicta de que todo dia é um novo começo, permitiu-se namorar. Não demorou para Luiz estreitar os laços e pedi-la em casamento para os filhos. Bênção concedida, 33 anos de união. Rosa amou o marido, mas amava mais a si mesma. Aos 70 anos, incomodada com as confusões do companheiro, expulsou-o de casa. Com os filhos criados, dedicou-se à assistência social. Ajudou pessoas doentes, carentes do carinho que ela sempre teve de sobra para compartilhar. Uma tarde, na sala de espera de um hospital, Rosa encontrou Somar. E, nos olhos dele, o amor que queria para si mesma. “Senti um tremelique, um relâmpago”, revela. Somar era uruguaio, um mágico que correu mundo encantando o público. Encantou Rosa. Por três anos, viveram uma paixão de cinema. Ela, aos 73. Ele, aos 85. Foram felizes até o dia em que o coração de Somar se cansou de bater. Um pedaço de Rosa partiu com ele. Para ocupar corpo e alma, ela concentrou-se no trabalho voluntário e em atividades recreativas em Campo Limpo Paulista, interior de São Paulo. Esbarrou em outro Luis. De conversa em conversa, o “caboclo” prometeu conquistá-la. “E conquistou”, admite. Aos 83 anos, de marido novo, dona Rosa agarra a felicidade com unhas e dentes. Renova sonhos a cada minuto. Ela sempre soube que nasceu para amar e vai morrer amando.


Sem pesquisa de audiência, até tevê desligada dava ibope

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uando o Ibope começou a realizar a pesquisa de “assistência” da televisão, em 5 de abril de 1954, só existiam quatro emissoras no País e os lares com receptores não chegavam a 1% do que somam hoje. Eram os próprios canais que diziam aos anunciantes quantas pessoas os assistiam. Bastava verificar o número de tevês vendidas e multiplicar por 15 – suposta quantidade de telespectadores por aparelho. Ou seja, além de não

Santo Antônio de Lisboa Um dos santos mais populares do mundo, o franciscano viveu no século 13 e também é conhecido como Antônio de Pádua, onde morou na Itália. Era chamado de “incansável martelo dos hereges” por converter milhares de pessoas ao catolicismo com pregações e milagres. Além de santo casamenteiro, é padroeiro do Brasil.

estação colheita O que se colhe

Abacate, berinjela, arroz, feijão, caqui, maçã, mandioca tangerina, chuchu.

Flagrou deputado de cueca e provocou primeira cassação por “quebra de decoro” O

fotógrafo francês Jean Manzon chegou ao Brasil em 1940. Nas mãos, uma carta de recomendação do cineasta e amigo Alberto Cavalcanti. Imediatamente foi chefiar a equipe de reportagem fotográfica do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Três anos mais tarde, troca o DIP pelos Diários Associados. Através da revista O Cruzeiro, introduz no País o conceito de ensaio fotográfico. Nos oito anos a serviço da revista (1943 a 1951), formou famosa dupla de reportagem com o polêmico David Nasser. Entre as matérias de impacto figura Barreto Pinto Sem Máscara, de junho de 1946. A pretexto de escrever um perfil, a dupla convenceu o deputado federal a deixar-se fotografar pela rolleiflex de Manzon apenas de camisa, gravata, a parte superior de um fraque e A foto fatal para Barreto Pinto. cueca samba-canção. Escândalo nacional. O parlamentar garantia que havia sido enganado: os repórteres teriam prometido divulgar apenas a parte de cima da foto. Iniciou-se então processo que culminou, pela primeira vez no País, na cassação de um mandato por quebra de decoro parlamentar. Em 1952, o francês criou a Jean Manzon Films S.A., especializada em documentários. Produziu mais de 900 curtas, a maioria enaltecendo as belezas do Brasil. Foi colaborador da agência Magnum e da revista Paris Match, que dirigiu de 1968 a 1972. Morreu em São Paulo, em 1990.

jean manzon/reprodução/o cruzeiro

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considerar o canal escolhido, também não importava ao cálculo que o aparelho estivesse desligado. Em 1954, o Ibope inseriu na medição o “flagrante domiciliar”. Apesar do nome ameaçador, o método é inofensivo: pesquisadores batem na porta da casa e perguntam o que os moradores estão assistindo. O flagrante durou até os anos 1980. Hoje a estrela é o People Meter,que repassa as informações da tevê para o instituto de pesquisa em tempo real. Arma eficaz para as constantes batalhas de audiência.


Será MIRAGEM?

Festas, desfiles de moda e peças de teatro em pleno Tietê m 2005, quem se metia no habitual trânsito da marginal Tietê, em São Paulo, devia tomar um susto ao olhar para o leito sujo e semimorto do rio que divide as duas vias expressas. Em volta de pneus velhos e detritos de toda natureza havia uma embarcação de médio porte. No Tietê? Sim, e o responsável pela miragem é o empresário Andrelino Novazzi Neto, que teve a ideia de trazer um barco para realizar passeios por baixo das pontes sempre cheias de carros e motoristas aborrecidos. Para isso, comprou o Almirante do Lago, um barco de dois andares, com capacidade para 200 pessoas. Desde então, em parceria com o Instituto Navega São Paulo, mais de 20 mil alunos de escolas públicas e particulares já realizaram um passeio de uma hora e meia pelo rio. Durante o período, aprendem sobre o Tietê e conscientizam-se sobre a importância da preservação do meio-ambiente.

Divulgação

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Almirante do Lago: passeios solitários nas águas do Tietê.

Em 2006, o barco foi palco de uma temporada do grupo Teatro da Vertigem, com um público total de 1.700 pessoas. No início de 2008 foi a vez do estilista Marcelo Sommer encher o barco de belas modelos para realizar um desfile-manifesto pela Cavalera. Mas o acontecimento mais inusitado ocorreu quando Andrelino sugeriu a um amigo que realizasse sua festa de aniversário no Almirante do Lago. O sujeito topou, e durante uma noite mais de 200 pessoas usufruíram de serviço de bar, pista de dança e três DJs. A diversão só terminou ao amanhecer, quando os motoristas aborrecidos se surpreenderam novamente com a miragem em pleno Tietê.

Saiba Mais Site do Instituto Navega São Paulo: www.navegasp.org.br

ntes de 1948, hipertensos não contavam com a bradicinina. A substância reduz a pressão arterial e melhora expectativa e qualidade de vida. Descoberta por Maurício Oscar da Rocha e Silva, é produzida pelo corpo humano em contato com enzimas do veneno da jararaca. O brasileiro previu que a bradicinina seria amplamente usada em medicamentos. Foi o que aconteceu. Carioca de família pobre, Rocha Maurício Rocha e Silva e SilVa nasceu em 1910. Formado pela Faculdade de Medicina do Rio, estudou no exterior nos anos 1940. Publicou mais de 300 trabalhos em revistas científicas internacionais. Um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), defendeu a liberdade dos cientistas durante a ditadura militar (1964-85). Dedicou a vida às pesquisas. Morreu em 1983, aos 73 anos. Dizia: “Não acredite numa coisa sem ter uma boa razão para fazê-lo.”

Médico brasileiro separou crianças xifópagas com êxito

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m 1899, o nascimento de duas irmãs no Espírito Santo causou espanto. Gêmeas siamesas, ligadas pelo tronco, Rosalina e Maria Davel representavam um desafio para a sociedade e a medicina da época. Levadas para o Rio, os primeiros exames indicaram impossibilidade de êxito na operação para separálas. Laura Chapot Prevóst, mãe de quatro médicos, comoveu-se com o Eduardo Chapot Prevóst caso e levou as meninas para casa. Eduardo, o filho cirurgião, decidiu realizar a separação das irmãs. Era 30 de maio de 1900. Seis dias depois da operação, Maria morre. Rosalina, mais forte, recupera-se. O médico e sua mulher a adotam. Em outubro daquele ano, o caso foi apresentado à comunidade médica de Paris, que 21-5 a 20-6 reverenciou o feito de Eduardo Chapot Curiosos, dinâmicos e comunicativos. Os nascidos em gêmeos nunca estão parados e não Prevóst, primeiro no mundo a separar gostam de abrir mão de nenhuma atividade. Costumam ser receptivos e tornar qualquer com sucesso irmãs xifópagas. Rosalina lugar aconchegante. Marcados pela dualidade, têm humor e opiniões inconstantes. São cresceu, casou. E o desafio para a muito ligados à família. O problema é a dificuldade em lidar com o desejo de posse pelas medicina continua atual, mais de um pessoas que amam. século depois.

gêmeos

reprodução

ARQUIVO/AE

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Ache uma razão para crer: veneno de jararaca salva vidas A

Primeiro no mundo


LIÇÃO BEM-HUMORADA

J

Pagou humilhação com a mesma moeda

BRUNA FALCI

ulho de 2001. O vendedor de peças de depósitos individuais acima de 191 reais automóvel José Luís Pereira da Silva foi em moedas. Mas a história não acaba aí. até um banco na Vila Maria, em São Paulo, Passado um mês, José Luís retornou ao descontar um cheque de 4 mil reais que havia banco. Agora, acompanhado de 34 amigos, recebido de seu tio, cliente da agência. Não cada um com um saco de moedas com valor conseguiu: caixa e gerente disseram que a inferior aos tais 191 reais. Plano meticuloso: assinatura não conferia. O cheque deveria cada saco trazia quantia diferente. Não ser trocado. Chamou o dono do cheque até o podiam facilitar a contagem... banco e só assim - e depois de duas horas de Dessa vez, não houve jeito: todos os espera - conseguiu seu dinheiro. Sujo de pó e funcionários do banco - até o gerente graxa, José Luís sentiu-se discriminado. tiveram de se mobilizar e gastar as três horas Seis meses depois, em janeiro de 2002, seguintes contando moedas. José Luís: depósito de 4.279,95 reais em moedas. resolveu voltar à agência para depositar outros O vendedor comemorou com um grande churrasco para todos os amigos. 4 mil - mais precisamente, 4.279,95 reais. Em moedas. Carregou 16 caixas de uva que pesavam, ao todo, mais de 130 quilos. Perguntaram-lhe se não pensava em mover ação contra o banco por danos Consternados, os funcionários pediram que esperasse. Três horas morais. Respondeu que seu objetivo não era tirar dinheiro da instituição, e meia depois, veio a informação: resolução do Banco Central impedia “mas evitar que outros brasileiros passem pelo mesmo constrangimento”.

“CARA CHATO!”

Hemingway não conseguia jogar Escravos de Jó

REPRODUÇÃO

E

m 1944, Getúlio Vargas colocou o Brasil para lutar na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados. A Força Expedicionária Brasileira acampava em Porreta-Terme, na Itália. Sem muito o que fazer no acampamento, o correspondente Egidio Squeff, vestindo uniforme militar a serviço do jornal O Globo, se distraía brincando de Escravos de Jó na porta da barraca. Cantava a musiquinha e ia revezando entre as mãos e o chão uma pedrinha qualquer: “Tira, bota, deixa o Zé Pereira ficar…”. Durante duas semanas uma figura

REPRODUção/álbum de família

O escritor norte-americano Ernest Hemingway.

enigma figurado

Neta de índia, nasceu a 24 de maio de 1962 em uma

palafita no Pantanal. Infância pobre. Aos 12 anos, saiu da escola para trabalhar. A beleza trouxe problemas: deixou três empregos por causa do assédio dos patrões. Aos 16, encontrou a profissão certa: modelo. Foi capa de revistas do mundo todo. Continua linda e, hoje, é símbolo de mãe e empresária bem-sucedida.

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ilustre parou por ali: o escritor norteamericano Ernest Hemingway, a caminho da Iugoslávia, vindo da Normandia. Ele atuava como espião contra fascistas em Cuba e seu faro costumava levá-lo para fronts de guerra, assunto muito presente em seus livros. Ali, em Porreta-Terme, a cena singela na porta da barraca despertou sua atenção. O autor de O Velho e o Mar se encantou com o Escravos de Jó. Só que não conseguia aprender a brincadeira de jeito nenhum. Era bem vivido nessa história de “guerreiros com guerreiros” fazendo “zigue zigue zá” e estava acostumado a desvendar coisas sublimes como em Por Quem os Sinos Dobram, seu livro mais recente na época. Mas não aprendia o jogo. Assim que chegava perto, Squeff começava a resmungar. Joel Silveira, repórter dos Diários Associados, cansou de ouvir o colega reclamando: “Lá vem o Hemingway que, além de chato, é burro. Como é que alguém consegue não aprender a jogar uma bobagem dessas?”.

R.: Confira a resposta na página 22

Saiba mais A Luta dos Pracinhas, de Joel Silveira e Thassilo Mitke (Record, 1983).


“Sei que demorei. Mas juntei, não juntei?” D 12

ona Olinda Arcanjo dos Santos, descansava”, conta. 87 anos, nasceu no Cafundó. Era O trabalho que dona Olinda fez no asilo poo nome que levava um sítio onde sua fade ser visto até hoje. Menos aparado, menos mília trabalhava, perto da cidade de Luís cuidado, mas ainda vivo. E colorido. Muitas Antônio, em São Paulo. Perdeu o pai aos flores rodeiam a capela e o jardim. quatro anos. Para a mãe, restou criar soMesmo morando no asilo e com um orzinha 10 filhos. Trabalho. Comida. Sono. çamento limitado, Olinda nutriu durante Essa era sua rotina. Desde criança, sabia muitos anos um sonho: ajudar o Hospital que não teria oportunidade para estudar, Amaral Carvalho. Ela conheceu o trabalho precisava ir à roça para ajudar no sustento da entidade depois que a doença acometeu da família. A ela, restavam as poucas horas vários de seus amigos, um deles bem próDona Olinda: doação após 10 anos de economia na noite, destinadas a sonhar. Lá, nos seus ximo, o vice-presidente do asilo onde mora. sonhos, podia viver com uma vida de fartura e educação. “Eu fiquei derrubada com aquela situação. Me lembrei de quando “Foi uma vida muito dura. Éramos pobres, mas dignos”, conta. minha filha passou pelo mesmo problema. Graças a Deus ela se Seu trabalho rendeu, além do sustento da família, um par. Foi lá curou. Por tudo isso, queria ajudar um lugar que cuida de câncer, que conheceu o marido. Frutos da felicidade do casal, nasceram e optei pelo Amaral Carvalho, porque sei do ótimo trabalho que quatro meninas. Apenas uma mora em Luís Antonio, e as outras fazem lá”, conta. três, em São Paulo. Analfabeta, Olinda teve ajuda da ex-patroa Matilde para ajudá-la A opção de ir para o asilo Solar de Porto Ferreira foi de dona Olina guardar o dinheiro. Foram 10 anos de sacrifícios no orçamenda, não muito tempo depois da morte do marido. E assim como to. “Tenho minha aposentadoria. Daquele pouquinho, tirava uma ele, todos os irmãos dela faleceram. “Eu não queria dar trabalho quantia para o Amaral. Sei que demorei, mas juntei, não junpra ninguém, então decidi que mesmo mais idosa, iria me cuidar tei?”, diz, orgulhosa. sozinha.” Há 21 anos ela fez do asilo seu lar. “O dia mais feliz que tive em muitos anos foi quando a Matilde No local, Olinda é muito querida. Mesmo com a saúde debilitada, me disse que o dinheiro já tinha sido entregue ao Amaral Carvafaz questão de mostrar o jardim que construiu com as próprias lho. Me senti realizada. Triste não é estar num asilo. Triste é ter mãos. “Enquanto eram boas”, lembra. Na capela, passou muitas uma doença como essa, sem dinheiro para cuidar. Estou orgue muitas horas. “Ganhei um rádio e sempre o ligava perto da porlhosa de mim, porque só eu sei de meu esforço. Todos deveriam ta. Aqui tem uma sombra gostosa, onde eu trabalhava e também fazer o mesmo”, afirma. 9


EUGÊNIO E CAETANO SCANNAVINO

Saúde, alegria e floresta em pé Em meados dos anos 1980, dois irmãos – um, médico; o outro, engenheiro – embrenharam-se nas matas da região de Santarém, na Amazônia, topando com gente que perdia filhos por desnutrição e nunca tinha visto um “doutor” de perto. Hoje, Eugênio e Caetano comandam o Projeto Saúde e Alegria, que envolve cerca de 30 mil pessoas em ações de saúde, educação, cultura e economia da floresta. “Há seis anos atingimos as metas do milênio da ONU”, comemora Eugênio. “E não ficamos apenas no ideal”, completa Caetano. “Temos exemplos concretos de como

fotos: Edi pereira

melhorar a vida na floresta.” Para eles, a Amazônia é

O Brasil conhece a Amazônia? Eugênio – Acho que não. A Amazônia é 60% do Brasil. Um lugar incrível, de grandes contradições. Muita gente tem uma ideia fantástica sobre a Amazônia. Mas a realidade é muito mais fantástica do que a ideia fantástica que as pessoas têm sobre o local. Lá moram 23 milhões de pessoas, 70% em áreas urbanas. Há um importante parque industrial em Manaus. Existem cerca de 70 tribos de índios que nunca tiveram contato com os brancos. Há mais de 5 milhões de pessoas que sobrevivem por meio do extrativismo, povos da floresta como índios, seringueiros, pescadores, castanheiros, catadoras de cocos. Falam-se 120 línguas. É um universo enorme, dinâmico e complexo. Por outro lado, há um processo civilizatório chegando muito rapidamente, de destruição descontrolada. É verdade que a taxa de desmatamento caiu pela metade. Antes devastávamos uma Bélgica por ano. Atualmente, derrubamos “somente” meia Bélgica...

o fiel da balança no processo de desenvolvimento do País: “Se conseguirmos resolver as questões da região, vamos mostrar ao mundo que somos o futuro”.

Quais são os motivos de tamanha devastação? Eugênio – A pecuária ainda é o grande incentivador do desmatamento. Mais recentemente, a soja, além da extração ilegal de madeira. Essa pressão econômica expulsa as comunidades do local. A frente de ocupação e destruição começou a subir pelo Mato Grosso para Santarém há uns 10 anos. Hoje, lá no Projeto Saúde e Alegria, estamos na fronteira da civilização. De um lado, a destruição dos plantios de soja; do outro, as comunidades tradicionais. As comunidades em que vocês atuam têm consciência da importância da preservação? Caetano – O recurso natural é questão essencial para a sobrevivência deles. Eles vivem numa situação de pouco dinheiro. O cara sai de manhã pra pescar o almoço, à tarde para caçar o jantar. Não há o discurso de que não se deve desmatar porque a árvore é bonitinha, os bichos são fofinhos. É não desmatar

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para permanecerem vivos. Eles vêm de uma cultura tradicional muito parecida com a que os índios isolados vivem hoje. Mas não estão numa reserva indígena, com recursos assegurados, políticas públicas próprias. Vivem o processo de degradação ambiental, de pressão sobre a terra, pecuária, latifúndio. Eles não conseguem mais ter a subsistência. Estão deixando de ser extrativistas puros para ser produtores. Precisam gerar renda. A questão social é tão importante quanto a ambiental na Amazônia? Caetano – O desafio social é mais importante do que o ambiental. O pessoal vive no meio da floresta, isolado, com difícil acesso a serviços públicos e num processo de esgotamento de recursos naturais. O foco do nosso trabalho é apoiar essa população a ter mais dignidade, mais qualidade de vida. Fixar a população é uma forma de salvaguardar a floresta. Se todos saírem de lá e migrarem para as cidades, aí sim a floresta poderá ser destruída. A melhor estratégia para salvar a Amazônia é uma estratégia social.

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ção. Há melhorias nos últimos anos, mas ainda são insuficientes. É fundamental para nós colocar a questão da juventude como uma das prioridades, porque esses meninos serão as futuras lideranças comunitárias. Quais são os desafios atuais do PSA? Eugênio – Nos últimos anos, atingimos 100% de saneamento e água tratada. Temos sistema de água por energia solar. 98% das crianças estão vacinadas. Atingimos há seis anos as metas do milênio da ONU, com exceção da parte de educação. A gente chegou num modelo social de alta resolução e custos baixos. A eficiência é alta, multiplicável e reaplicável. O novo desafio é aplicar isso tudo em larga escala. Não adianta resolver o problema de 10 comunidades se não há escala. Um trabalho consistente em escala é o que pode salvar a Amazônia. Mas isso depende de políticas públicas. Nosso trabalho não é substituir o governo, mas gerar tecnologias que inspirem o governo a fazer o seu papel. Caetano – E não ficamos apenas no ideal. Temos exemplos concretos para mostrar como melhorar a saúde, diminuir o desmatamento, manter a população no local.

A melhor estratégia para salvar a Amazônia é a social, é manter o povo na floresta.

Qual a perspectiva dos jovens das comunidades em que vocês trabalham? Eugênio – Muitos deles tinham o sonho de ir para a cidade, não trabalhar mais na roça. Só que acabavam em favelas, consumindo drogas e tendo filhos precocemente. Percebíamos que boa parte negava a cultura local, queriam ser modernos. Falamos pra eles: “Querem ser modernos? Então vamos fazer jornal, rádio, televisão”. E criamos uma rede de comunicação nas comunidades. Após os treinamentos, eles passavam a buscar pautas na própria cultura. Antes, achavam o trabalho comunitário chato. Atuando como jornalistas, fazendo matérias interessantes e divertidas, passaram a ser um dos mais importantes elementos da educação comunitária. Se engajaram. Depois montamos telecentros de internet em diversos pontos. Ao navegar na rede, começaram a perceber que o mundo exterior não é tão bom quanto imaginam. Que tem guerra, violência e, sobretudo, não há floresta. Eles passaram a valorizar o próprio ambiente.

E como esses jovens trabalham, geram renda? Eugênio – O PSA montou um trabalho de microcrédito. Muitos se tornaram padeiros, manicures, cabeleireiros, técnicos em rádio, em mecânica. Há peixe permanentemente porque há manejo. A floresta produz matéria-prima para fazerem artesanato, bolsas. Passaram a vender, a exportar. Com opção de comunicação, entretenimento e renda, viram que eram privilegiados por morar numa comunidade linda, pacífica. Estavam em casa. Nunca esqueço de um jovem que me disse: “Doutor, tinha pensado em sair, mas agora está delicioso ficar na comunidade!”. Caetano – Mas ainda há um considerável problema de educa-

Qual era o quadro quando vocês chegaram? Caetano – Antes, a mortalidade infantil era uma coisa aceitável, quase cultural. Um quadro inadmissível. Se é difícil aceitar a morte de uma criança por doenças graves, imagina por diarreia... Eugênio – As pessoas morriam por coisas muito simples. Não existiam cuidados básicos de saúde. Era um absurdo o alto número de morte por desnutrição. Eu era o único médico no meio daquele mundão de gente. Tinha de resolver todos os problemas. No meio da floresta, com gente que nunca tinha visto um médico, eu não tinha direito de falar: “Desculpa, não posso te atender porque não é a minha especialidade”. Tinha que fazer de tudo. Como foi o começo do projeto? Caetano – Começamos a criar know-how numa escala menor, com apenas 16 comunidades. Só que, a cada pessoa que treinávamos para atuar conosco, ela acabava multiplicando o saber entre mais pessoas. Surgiam voluntários, que começavam a repassar o conhecimento para comunidades vizinhas. É o processo de multiplicação horizontal, pelo simples motivo que eles se identificaram e queriam o projeto. Hoje atendemos zonas rurais de quatro municípios: Belterra, Aveiro, Santarém e Juruti. São mais de 30 mil pessoas, que devem ser ampliadas para 40 mil em dois anos. Eugênio – A população começou a confiar no projeto. O conhecimento técnico passou a se misturar ao saber popular deles. E dessa mescla foram surgindo os nossos métodos. Quando começamos, não havia modelos para nos inspirar. Nem sequer sabíamos que éramos uma ONG.


Uma das ações é montar circos nas comunidades. Como funciona isso? Eugênio – O circo é uma forma de dar equidade, de mostrar que são todos iguais. Na hora da consulta com um médico, mesmo que involuntariamente, cria-se uma relação de poder. Já no picadeiro todos são iguais. É um processo de construção coletiva, construção multilateral de saber. O saber não tem dono, não tem verdade absoluta. A verdade é construída conjuntamente. Caetano – Os nossos grupos de educadores, professores, médicos e agentes de saúde chegam na comunidade durante o dia. Às vezes, já vestidos de palhaço. Cada um tem que desenvolver suas ações normais durante o dia. Mas com um propósito: preparar alguma esquete para apresentar à noite no circo. Pode ser música, poesia, piadas, brincadeiras. É um circo-processo. E esse processo é tão importante quanto o produto final. Todo mundo é espectador e todo mundo é artista. A brincadeira é um remédio eficaz? Eugênio – Sim, e muito. Quase 80% dos casos atendidos em clínicas médicas são psicossomáticos. Ou seja, causados por fatores psicológicos. Imagina uma mulher para quem ninguém dá atenção, trabalha duro e não é reconhecida, não tem carinho do marido. Só prestam atenção nela quando fica doente. Aí chega no consultório cheia de choramingos. Se percebo que o problema não é nada sério, receito: “Prepare uma esquete para o circo”. À noite ela está numa felicidade, cantando e dançando. A dor vai embora. É importante estimular o potencial criativo das pessoas. Saúde é alegria, é capacidade de criar, é vontade de interagir com o mundo. Como funciona o barco-hospital que percorre as comunidades? Eugênio – Ele está conosco há quatro anos. É um barco-hospital de alto nível. Possui tecnologia holandesa e é adaptado para a região. Dentro da embarcação há unidades semi-intensivas, odontológicas, laboratoriais, com médicos e estagiários de grandes universidades do País. Fazemos jornadas cirúrgicas. E não é aquele papo de atender a população e voltar meses e meses depois. Voltamos a cada 33 dias. O barco atende melhor que muito hospital de São Paulo. Quais são os custos do projeto? Caetano – Em média, o projeto custa 100 reais per capita por ano. Muito pouco. Boa parte do dinheiro é investimento direto das empresas para ações específicas. Há doadores que estão há muito tempo conosco. É, de certa forma, uma relação estável. Mas, em outros tempos, já falimos três vezes.

A mais grave foi logo após o Plano Collor. Tivemos que usar a herança do nosso pai para manter o projeto em pé. Só sobrevivemos porque a população se mobilizou, se apropriou do PSA. Eles se identificaram com a gente. E teve outro lado bom: pelo trauma da falência, aprendemos a fazer ações de alto impacto e baixo custo. Hoje trabalhamos de maneira extremamente profissional. Há auditorias praticamente durante o ano inteiro. Outro destaque é a exposição itinerante sobre a Amazônia. Como ela começou? Eugênio – A exposição Amazônia Brasil surgiu quando participamos ativamente da formação do Grupo de Trabalho Amazônico, integrada por cerca de 600 ONGs e povos da floresta. Percebemos que os povos amazônicos precisavam se comunicar com o mundo exterior. Todo mundo fala de Amazônia, é uma pauta mundial, mas ninguém sabe exatamente como são as coisas por lá. Então, junto com o GTA, montamos a exposição. É uma exposição grande, com vilas amazônicas completas, maquetes, mapas interativos, cenas de queimadas. Montamos em Paris, Nova Iorque, São Paulo, Rio de Janeiro, China, Alemanha... O mundo precisa saber que ninguém vai salvar a Amazônia só com artesanato. Temos que salvar com tecnologia, design, mercado contemporâneo, tecnologias sustentáveis. A Amazônia é contemporânea, moderna, viável. Tem conceito e mercado. O que não tem é organização e incentivo da produção, capacitação dos produtores, sensibilidade do mercado. Queremos mostrar ao mundo que a Amazônia é viável ao universo contemporâneo. Pra terminar, o que é brasilidade para vocês? Caetano – Este país é muito alegre. Tanto faz se está numa comunidade amazônica, num bairro bonito do Rio ou na periferia de São Paulo. Um sujeito que ganha meio salário-mínimo, tem oito filhos para criar, pega três conduções para realizar um trabalho chato, ainda consegue voltar pra casa, olhar os filhos e ter a capacidade de sorrir. Viajo muito, e percebo que esta é uma característica brasileira. Não abrimos mão da felicidade. Continuo achando que este é o país do futuro. E esse futuro está começando a chegar. Eugênio – O Brasil tem todos os elementos que o futuro vai precisar, como natureza, alegria, humildade. Temos tudo para dar certo. E a Amazônia, para mim, é o fiel da balança. Nenhum dos países que são apontados como as novas potências mundiais têm uma “agenda ecológica”. Nós somos os únicos. Se conseguirmos resolver as questões que se colocam na região, vamos mostrar ao mundo que somos o futuro.

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Ela deu v ida a i r ó m e m à TTAI ZÉLIA GA

Por trás da esposa dedicada, braço direito de Jorge Amado, estava uma lutadora, defensora dos próprios ideais. Mais atrás – ela mesma surpreendeu-se com a descoberta, aos 63 anos –, havia a escritora. A habilidade com as letras levou LUCIANA WHITAKER/FOLHA IMAGEM

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S

eu Ernesto e dona Angelina discutiam em casa, que também abrigava uma oficina mecânica. São Paulo, 1916. Ele queria que a filha chamasse Pia. Tinha visto num romance. “Não seria melhor Bacia ou Balde?”, ironizava a mulher. Acabou prevalecendo a opinião de Maria Negra, a empregada da casa, que sugeriu Zélia. A caçula da família nasceu em 2 de julho, dia da principal comemoração da Bahia. Mais tarde adotaria o estado como lar e dele receberia as ordens do Mérito, em 1995, e o título de Cidadã Baiana, 10 anos depois. Quando era pequena, cantava de cor o hino da Internacional Comunista e vendia jornais anarquistas nos eventos políticooperários que frequentava com os pais. Só que, durante a festa da paróquia do bairro, em lugar de panfletos, vendia rifas para a igreja. Estes e vários outros causos a menina juntou, já senhora, no livro de estreia: Anarquistas Graças a Deus (1979).

Zélia a revelar todas as suas camadas e, de quebra, os contextos históricos em que viveu. Para escrever memórias, diria, só tendo memórias, oras.

Só tem memória quem viveu

A fina ironia do livro deu a Zélia o Prêmio Paulista de Revelação Literária. Teve 200 mil cópias vendidas em menos de 20 anos e rendeu uma minissérie em 1984. A partir daí, toda a vivência foi, aos poucos, se cristalizando em letras. Foram 10 livros de memória no total, mesclas de casos pessoais com a realidade do País, sem deixar de lado boas doses de humor. Criou ainda três livros infantis e um romance. A afinidade com a literatura vinha da infância. Zélia e as irmãs costumavam explorar o armário proibido da mãe, onde se guardavam preciosidades: O Inferno de Dante, teorias anarquistas de Bakunin e Koptkin. Lá embaixo, o preferido de todas, Os Miseráveis, de Victor Hugo. Durante mais de meio século ao lado de Jorge Amado, datilografando e revisando seus originais, a intimidade com os livros só se fortaleceu. Por que estreou apenas aos 63 anos? “É que quem escreve memórias precisa ter as me-


O encontro com Jorge Amado podia ser mais um romance do escritor, desses que Zélia adorava. Mas entrou para o rol de casos reais narrados por ela.

mórias.” E reforçava: “É preciso ter atingido um certo nível, uma certa maturidade para entender as pessoas.”

Sobre florestas e castelos

Aos 20 anos, Zélia casara com o militante comunista Aldo Veiga e dera à luz Luís Carlos. Depois que o pai foi preso pelo governo Vargas, a participação da moça no movimento de esquerda se intensificou. Foi quando conheceu Jorge Amado, durante o 1° Congresso de Escritores, organizado pelo Partido Comunista Brasileiro. O humorista Aparício Torelly, o Barão de Itararé, os apresentou. “Ao pousar pela primeira vez os olhos em você, meu coração disparou”, diria Jorge a ela mais tarde. Podia ser mais um romance do baiano, desses que Zélia admirava desde os 17 anos, mas a história era real, e quem contou foi ela, em Um Chapéu para Viagem (1982). Com Jorge eleito para a Câmara Federal, lá se foi o casal para o Rio de Janeiro, onde nasceu João Jorge. Um ano depois, com o PCB ilegal, partiram para o exílio. Em Paris, Zélia estudou Civilização e Língua Francesa, na Sorbonne. Depois de fazer amizade com os Pablos Neruda e Picasso, Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, o casal precisou partir novamente, expulso por ser comunista. O destino foi uma comunidade de escritores na Tchecoslováquia, experiência parecida com a dos antepassados Gattai. O avô de Zélia atravessara o oceano com os filhos pequenos, vindos da Itália, para viver numa comunidade anarquista no Sul do Brasil, a Colônia Cecília. Uma grande diferença é que os anarquistas italianos foram parar no meio da floresta, e os escritores comunistas num lindo castelo abandonado pela realeza. Nele nasceu a caçula Paloma, e as histórias ali vi-

vidas foram todas para O Castelo de Vidro (1988). Nessa época, Zélia tomou gosto pela fotografia. Guardou os registros de Jorge Amado capturados pela sua Rolleiflex para Reportagem Incompleta (1987).

“Chego a ver as cores”

Após passagens pela China, Mongólia e Rio de Janeiro, em 1963 finalmente o casal fixou-se na Bahia. As visitas de muitos amigos ilustres, sob as mangueiras do jardim, estão em A Casa do Rio Vermelho (1999). Só então, estimulada pelo marido, Zélia tomou impulso para escrever. Sempre sem consultar anotação alguma, contando apenas com as lembranças: “As coisas que vivi, que eu conto, não precisavam ter sido anotadas, porque me marcaram profundamente. E quando começo a escrever, me desligo do presente e volto a dar gargalhadas. Chego a ver as cores, os detalhes”. Por isso, depois da morte de Jorge, Zélia reviveu o romance dos dois, escrevendo sobre o amado. Faleceu sete anos depois, em 17 de maio de 2008. Ficou oficialmente imortalizada pela Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira que foi do companheiro. Na posse, em 2001, disse que trazia no sangue a qualidade de contadora de histórias. Mas revelou um segredo: “Muito cedo, comecei a entender que uma leitura ou uma história só prestam, empolgam e nos fazem sonhar quando transmitidas com prazer e emoção”. SAIBA MAIS Memorial do Amor (Record, 2004), o último livro publicado por Zélia Gattai, aos 88 anos.

O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO

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SAIBA MAIS

Dicionário das Famílias Brasileiras, de Carlos Barata e Cunha Bueno (199 9).


O Calculista das Arábias

ligue os pontos

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

a Tornou-se herói nacional ao vencer o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula-1 de 1975. Seu nome batiza nosso mais famoso autódromo.

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b Bicampeão mundial, fundou uma escuderia

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c Em pista molhada, era quase imbatível. Vencedor de 41 GPs, há quem o classifique como o melhor de todos os tempos.

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d O tricampeão se notabilizou pelas declarações autênticas. “Os pilotos correm atrás do quê?”, quis saber um repórter. “Da grana”, respondeu.

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acervo da família

na categoria. Além disso, ajudou a popularizar a Fórmula Indy no País.

O geômetro Bháskara tinha uma filha muito amada, Lilaváti. Mas a posição dos astros, quando ela nasceu, indicavam que jamais casaria. Então o pai resolveu escrever um livro matemático que perpetuasse seu nome na lembrança dos homens. E começou: A quinta parte de um enxame de abelhas pousou na flor de Kadamba, a terça parte numa flor de Silinda, o triplo da diferença entre estes dois números voa sobre uma flor de Krutaja, e uma abelha adeja sozinha, no ar, atraída pelo perfume de um jasmim e de um pandnus. Diz-me, bela Lilávati, qual o número de abelhas? Se a menina respondeu corretamente, qual foi o número que pronunciou?

Em 1983, a taça Jules Rimet, conquistada pela seleção canarinho, foi: (a) Penhorada (b) Vendida (c) Perdida (d) Roubada Foi presidente do Brasil com a renúncia de Collor: (a) Itamar (b) Lula (c) FHC (d) Sarney Primeiro nome do sambista Cartola: (a) Nelson (b) Francisco (c) João (d) Angenor Ritchie ganhou o Globo de Ouro em 1983 com o sucesso: (a) Menina Veneno (b) Eu Sou Terrível (c) Uma Canção de Amor (d) Não se Reprima Onde morreu o jornalista Vladimir Herzog: (a) Barco (b) Avião (c) Exílio (d) Prisão O craque Leônidas da Silva era chamado de: (a) Pérola Negra (b) Diamante Negro (c) Sonho de Valsa (d) Pé de Valsa Em 1956, JK apresentou o Plano: (a) Cruzado (b) Verão (c) de Metas (d) Infalível

Respostas Raí divulgação

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS O enxame tem 15 abelhas. O problema é traduzido numa expressão de 1° grau, sendo x o número de abelhas: x/5 + x/3 + 3 (x/3 – x/5) + 1 = x.

Chico Science foi expoente do movimento: (a) Mangue Beat (b) Hippie (c) Estudantil (d) Negro

BRASILIÔMETRO 1d; 2a; 3d; 4a; 5d; 6b; 7c; 8a. 1c (Ayrton Senna); 2d(Nelson Piquet).

valiação

SE LIGA NA HISTÓRIA 4a (José Carlos Pace); 3b (Emerson Fittipaldi); O QUE É O QUE É? tv a cabo . ENIGMA FIGURADO Luiza Brunet.

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CARTA ENIGMÁTICA Nair Bello

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

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Palavras Cruzadas

teste o nível de sua brasilidade

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5

6 7

Conte um ponto por resposta certa

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Há 60 anos, tudo passa pela tevê E São Paulo, começava a primeira transmissão

“A televisão não dará certo. As pessoas têm de ficar diante de uma tela, e a família não terá tempo para isto”, afirmou um jornal anos antes. Desligada para as críticas, a tevê começou a ganhar espaço nos lares brasileiros. Mudou o rumo da música por meio dos festivais das canções. Fez milhões de pessoas se emocionarem com os capítulos finais de novelas antológicas. Espremeu torcedores de futebol em sofás. Deixou o povo bem informado em momentos fundamentais da política. Ao mesmo tempo, é constantemente criticada por baixar o nível para atrair audiência. Um pequeno aparelho retangular que mudou a forma de o brasileiro ver o mundo. Para o bem e para o mal.

ra 18 de setembro de 1950 quando, num estúdio de

da tevê brasileira. A TV Tupi estava no ar. Estrelas do rádio, músicos e humoristas apresentaram pequenas atrações para celebrar o acontecimento. Um bispo até benzeu as câmeras. O dono da emissora tratou de distribuir aparelhos por pontos estratégicos da cidade, que ficaram rodeados de curiosos. Éramos o quinto país do mundo a ter transmissão diária. No começo, a novidade fez pouca diferença na vida da população. Só as famílias ricas tinham o aparelho em casa. Para agradar os amigos, era comum recebê-los para “sessões de tevê” (sempre à tarde ou à noite, porque não havia programas de manhã). Mas também havia quem torcesse o nariz para a tecnologia.

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A tevê diverte e emociona. Mas o aparelho também recebe críticas, inclusive de quem já trabalhou nela. Para o novelista Dias Gomes, “a televisão nada inventou. Ela apenas adicionou imagem à programação criada pelo rádio”. O ator Paulo Autran via pouca qualidade artística na programação: “O teatro é a arte principalmente do ator, o cinema do diretor e a televisão do patrocinador”. Já o escritor Nelson Rodrigues achava que o aparelhinho havia tomado o espaço de velhos costumes, como passar tardes olhando pela janela. Com seu jeito irônico, concluiu: “A televisão matou a janela”.

JÁ PENSOU NISSO?

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Televisão X Janela

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O tatuador tatuado na tevê tatuou a tatua no tatu

Pode acreditar: Sílvio Santos era uma das estrelas da TV Globo em 1969. Aos domingos, o dono do SBT ficava oito horas e meia no ar, das 11h30 às 20h. Se ele mantivesse seu programa semanal com o mesmo tempo de duração, teria passado dois anos no ar sem descanso! Isso porque, de lá pra cá, passaram-se 40 anos. Como cada ano tem 52 semanas, Sílvio teria ficado 17.680 horas fazendo suas palhaçadas – o mesmo que dois anos e um mês ininterruptos. É como se você ligasse a tevê hoje e visse o dono do SBT no ar até junho de 2012. E 24 horas por dia!

Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do Almanaque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

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Qual e? SoluçÃO na p. 22

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BANANAL

Vassuncê, pharmacia e crochê A gangorra do tempo é que faz a graça de Bananal. Lá o tempo é assim: o passado se misturando ao presente; uma história indo, outra vindo; um ciclo se encerrando noutro que começa. Do ouro ao café ao turismo. Das glórias ao marasmo. Da decadência à renovação.

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A

brigada num sobe e desce de montanhas na Serra da Bocaina, entre São Paulo e Rio, Bananal nasceu como pouso dos tropeiros que carregavam no lombo das mulas o ouro das Minas Gerais até o porto de Paraty. Quando esgotou o ouro, começou o café. No coração da cidade, ao lado do coreto, murmura a antiga fonte de cobre vinda da França. Emana tal quietude que é fácil voltar décadas em segundos. Quase dá para ver o comendador, na fachada do imponente palacete com 13 portas, conferindo seu escravo a lustrar o brasão. Hoje a nobre morada abriga o melancólico Hotel Brasil. Do outro lado da praça está o sobrado de dona Laurinha Sciotta,

construído em 1811. A janela em muxarabiê se destaca – em janelas assim, moças casadoiras podiam espiar meio às escondidas os jovens pretendentes. As ruas vizinhas possuem nomes de eminentes moradores, mas todo mundo só as chama pela alcunha: beco dos Velhacos, porque os fregueses viviam dando calote nos comerciantes; rua do Cantagalo, famosa pelo poderoso galicínio; da Fresca, com deliciosa brisa; Arranca Barba, onde se efetuavam negócios avalizados com fio do bigode – um dia, porém, um senhor não conseguiu honrar o compromisso e o credor, amarrando o coitado em uma cadeira, arrancou um a um os fios de sua barba.


Na página anterior, a fazenda Resgate; acima e ao lado, a mais antiga farmácia do país.

Berço do café Em Bananal quase dá para sentir o perfume de jasmim que exalava dos frufrus das sinhazinhas com chapéu francês a lhes proteger a pele delicada. Ao longe se pode ouvir o refrão ritmado da escrava vendendo o excedente das frutas do pomar das fazendas, transformado em doce de goiaba ou laranja. Em seu português trôpego, ela reduziu Vossa Mercê em vosmecê, ou vassuncê. O estalar dos cascos dos cavalos puxando tílburis e caleças ainda ecoa no calçamento de pedra lavrada à talhadeira pelos escravos. Em pouco tempo, a cidade conhecida como “berço do café” tornou-se a mais rica do Império, com oito mil escravos e moeda própria aceita até na praça do Rio de Janeiro. Havia cursos noturnos e gratuitos de inglês, francês e música, três semanários, dois hotéis, duas charutarias e botica à altura da respeitosa clientela, a “apalacetada” Pharmacia Imperial. Após a proclamação da República, achou-se de bom tom mudar o nome para Pharmacia Popular. Considerada a mais antiga em funcionamento no País – do tempo do “ph”–, exibe balcões em pinho-de-riga, ânforas em cristal belga, sais e poções em crisóis de porcelana. Para servir de cenário na novela Dona Flor, a fachada ganhou um doce tom rosa que o proprietário resolveu manter.

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Preste atenção

A elegantíssima Estação de Ferro de Bananal, importada em 1889 pelos fazendeiros para escoar a produção de café, é única na América Latina. Pré-fabricada na Bélgica, foi construída com duas mil placas de aço e chapas almofadadas. 26

Paisagens e cenários As centenárias fazendas de café da região contam histórias. Uma delas diz que a viúva Maria Joaquina, herdeira da Boa Vista, era uma mulher miúda, submissa e analfabeta, como muitas daquele tempo. Com a morte do marido, não arreou bandeira. Tomou sozinha as rédeas dos negócios e em pouco tempo triplicou a fortuna. Certa vez, hospedou o duque de Caxias e todo o seu exército a caminho da vizinha cidade de Silveiras para conter uma rebelião. Em tempos mais amenos, um dos cômodos da sede foi o quarto de Débora Falabella na refilmagem de Sinhá Moça. A fazenda foi ainda cenário da novela Cabocla e do filme O Coronel e o Lobisomem. Já na fazenda Resgate, o barão, talvez feito do mesmo material pétreo dos porões e muros da casa, mandou emparedar vivo o capataz que ousou apaixonar-se por sua filha. As paredes e portas são decoradas com mimosas pinturas de pássaros e frutas brasileiras do artista catalão José Villaronga. Móveis ingleses, mesa que daria para Cristo e seus 12 apóstolos, louça francesa e antigas formas de cobre retratam os tempos áureos. Alguns quartos são alcovas sem janelas, para que a mocinha não fugisse. Quando a terra se esgotou, no final do século 19, os fazendeiros foram à ruína, e a cidade ficou praticamente abandonada. Hoje Bananal abre as portas para um set novo – o do turismo. Os visitantes chegam ali para ver o que o tempo coloriu, assim como os sinais da passagem dos senhores e dos escravos, que deixaram heranças na cultura, na música, na gastronomia e na história.

Não deixe de se assombrar Elisabeth Brun, atual proprietária da fazenda Coqueiros, datada de 1855, conta uma história de arrepiar: certa vez, ela recebeu um grupo de estudantes que tiraram fotos junto ao fogão a lenha, de onde saem saborosos bolos de fubá. Na revelação de uma delas, apareceu a imagem de um preto velho com trajes esfarrapados de escravo. Ô-ôôô! Nem é preciso esperar por assombrações, dá para se espantar só com a visão da senzala onde os escravos dormiam amontoados: porão úmido, chão de terra batida, objetos de tortura e teto tão baixo que só é possível andar agachado.


Bananal tem mais Tortas da Lalau

Um doce aroma incensa os ares da praça Pedro Ramos: é o das tortas da Lalau, recheadas de chocolate bem escuro ou, as mais azedinhas, de maracujá ou limão.

Trilha do Ouro Em uma trilha que pode ser percorrida durante três dias, encontram-se trechos da Estrada do Ariró, pavimentada com grandes pedras por escravos no século 18. No lombo das mulas, que andavam em grupos de até 200 cabeças, circulavam ouro, café e, na volta do porto de Paraty, artigos importados para deleite dos abastados fazendeiros.

Crochê em barbante A arte de tecer tapetes e almofadas em crochê de barbante cru começou com Laura Sciotta, conhecida como Tia Laurinha. Ela ensinou o ofício a diversas jovens e até marmanjos. E assim Bananal tornou-se “a capital do crochê em barbante”.

s e rviç o Como chegar O acesso a Bananal se dá pela Rodovia Presidente Dutra, a BR-116,

Hotel Fazenda Três Barras Em viagem a São Paulo, onde proclamaria a

Onde ficar

independência do Brasil, dom Pedro I foi hóspede desta fazenda. www.hotelfazendatresbarras.com.br

duque de Caxias e foi cenário de filmes e novelas. www.hotelfazboavista.com.br

Casarão Andrade Especializado em picanha na chapa. Tel.: (12) 9102-9337. Restaurante Bananal Comida caseira e pizzas. Tel.: (12) 3116-5470.

na saída para Barra Mansa. Fica a 153 km do Rio de Janeiro e a 335 de São Paulo.

Hotel Fazenda Boa Vista A mais antiga fazenda da cidade, que hospedou

Onde comer

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Acara jé

No tabuleiro da baiana tem que ter A delícia mais típica da Bahia também serve de oferenda a Iansã. Originária da tradição africana, se tornou sinônimo de Brasil graças às baianas do acarajé. Mas cuidado com a pimenta. A iguaria pode ser uma autêntica “bola de fogo comestível”.

Acarajé Ingredientes • 1 kg de feijão fradinho quebrado • 300g de cebola • 1 colher (chá) de gengibre picado • 1 dente de alho • 1 colher (sobremesa) de sal • 1 litro de azeite de dendê para fritar

Modo de preparo Numa bacia grande, coloque 1 kg de feijão fradinho quebrado e lave várias vezes até sair toda a casca. Deixe de molho em água por 3 horas. Num liquidificador, coloque o feijão (que ficou de molho em água), 300 g de cebola, 1 colher (chá) de gengibre picado, 1 dente de alho e 1 colher (sobremesa) de sal. Bata bem até formar uma pasta. Na hora de fritar, bata novamente com o auxílio de uma colher de

pau até ficar bem fofinha. Numa panela grande, em fogo alto, coloque 1 litro de azeite de dendê e deixe esquentar. Com o auxílio de uma colher de pau e uma de arroz, molde bolinhos com a massa e frite-os no azeite de dendê. Coloque sobre papel absorvente. Corte os acarajés ao meio e recheie-os com vatapá, caruru, camarão seco, salada de tomate picadinho e molho de pimenta vermelha.

Vatapá para rechear Ingredientes • 8 pães • 1 litro de leite • 1 garrafa de azeite de dendê • 1 vidrinho de leite de coco • 1 maço pequeno de salsa • 1 pedaço de gengibre ralado • 1/2 maço de coentro • 8 dentes de alho • 1 cebola grande • 200g de amendoim • 200g de castanha • 400g de camarão (100g de camarão seco e 300g de camarão fresco)

Modo de preparo Corte os pães em rodelas. Sobre os pães acrescente 1 litro de leite e deixe em repouso. No liquidificador, bata o amendoim, a castanha (colocando aos poucos os pães umedecidos com o leite para a mistura ficar cremosa), a cebola, os dentes de alho, o gengibre ralado, a salsa, o coentro (cuidado para não deixar a mistura verde). Na panela, passe os camarões secos no azeite de dendê, depois o camarão fresco e acrescente a mistura. Depois, acrescente o azeite de dendê e o leite de coco, mexendo até dar o ponto.

acarajé da serra

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cuscuz e outras especialidades da culinária afro-brasileira. A massa do bolinho, feita de feijão fradinho e cebola, era preparada no terreiro de candomblé, onde a delícia servia também de oferenda à orixá Iansã. A tradição é africana, de onde se origina também a palavra: àkàrà (bola de fogo) mais je (comer). Por isso é sempre prudente maneirar na pimenta… Hoje as baianas se fixaram por toda a cidade, principalmente em pontos como o Largo de Santana, onde fica o Acarajé da Dinha, que, mesmo com o falecimento da dona, em maio de 2008, continua atraindo apreciadores. Sem perder o caráter sagrado, o acarajé tornou-se fonte de sustento de muitas bravas soteropolitanas. Por isso o ofício foi reconhecido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como bem cultural de natureza imaterial. O objetivo do registro é preservar a prática e impedir que ela se dissocie do conjunto cultural em que está inserida, garantindo a sobrevivência desta técnica que atravessou séculos, de geração em geração. AGÊNCIA BRASIL

C

heia de dengo, lá vem a baiana. Saia branca rodada, turbante, torso à mouresca, manto nos ombros, brincos de ouro e braceletes. Pendente à cintura, o balangandã afasta mau-olhado. No tabuleiro, a baiana traz a figa, a quartinha com arruda e guiné, cocada, doce e tamarindo, abará, vatapá, camarão seco, pimenta. E o acarajé, o maior dos quitutes, ela oferece a Iansã, seu orixá. Lá pelo mês de novembro comemora-se em Salvador o Dia da Baiana do Acarajé, símbolo de brasilidade. A festa da Baiana do Acarajé não significa pouca coisa, não. É ela que inicia o calendário oficial das festas populares de Salvador. Começa com uma missa no Pelourinho, seguida de um cortejo que, ao som de sambas-de-roda, vai até o Memorial das Baianas, na Praça da Sé. E as baianas mexem e remexem até o anoitecer. No Brasil, o ofício começou no período colonial com as “escravas de ganho”, que trabalhavam vendendo quitutes de porta em porta. Vestidas tradicionalmente, levavam na cabeça cestos recheados de beiju, acarajé,

Fonte: site do programa Mais Você


por Lourenço Diaféria

Boca suja de criança

Q

uem folga com criança acaba mijado. Não lembro onde li esta frase pornográfica. Mas quanto mais adulto e sabido fico, mais me convenço de que criança a gente tem de levar a sério. Esse negócio de pensar que crianças são uns bobinhos, bilu-bilu, ai que gracinha, já era. Criança a gente tem que olhar como gente grande. De homem para homem. Vejam o que aconteceu outro dia em que me meti a besta de tratar o João Pedro como anãozinho de jardim-da-infância. João Pedro tem seis anos. Sobrinho meu. Mora no interior. É gordinho, baixinho, bonitão. Vou pular essa parte porque tio tem mania de ficar jogando confete nos sobrinhos. Na cidade onde João Pedro mora todo mundo tem sotaque caipira. Também vou pular essa parte porque a turma da cidade pode achar grossura que um tio que mora numa metrópole, tal e coisa, fique pondo defeito no sotaque dos outros. Mas que têm sotaque, têm. Quando o João Pedro fala com sotaque sertanejo é divertido. Como eu estava contando, o João Pedro mora lá. Além de baixinho, gordinho, bonitão, o João Pedro é inteligente pra caramba. Educado pra chuchu. Se a gente fica um tempão sem se ver, como sempre acontece, ele lá e eu aqui, é só bater mais forte a saudade que pego o automóvel e vou visitar o guri. Foi o que se deu naquele dia. Eu nem tinha acabado de puxar o breque de mão da máquina, ouvi o João Pedro vindo do outro lado do portão de madeira avisando, com sotaque carregado: – O tio Rabiola chegou. Meu apelido é Rabiola porque uma vez eu coloquei um rabo de pano numa pipa do João Pedro, mas essa é outra história que não vem ao caso. Também vou pular essa parte. Puxei o breque de mão, fechei os vidros do carro, desci. O João Pedro me beijou apressado, percebi logo que ele tinha alguma coisa

importante para fazer e não podia ficar perdendo tempo dando beijos e abraços. Ele foi lá para o fundo do quintal brincar não sei do quê. Fui olhar. Era coisa de moleque. João Pedro estava riscando fósforo, pondo fogo num monte de palha perto da mangueira. Dei um chega pra lá na travessura. Mandei: – Você vai se queimar, seu tonto! Pare com isso! O João Pedro ficou olhando, olhando. Não disse nada. Virou as costas e foi lá para dentro fazer não sei o quê. Fui atrás do moleque. O João Pedro tinha pegado no colo um cachorrinho que não sei quem tinha dado para ele. É impressionante como o cachorrinho se dá bem com o João Pedro. Parecem irmãos. Fiquei olhando, olhando. Se eu tivesse uma máquina fotográfica bateria uma chapa do João Pedro segurando o cachorrinho no colo para mostrar para vocês. Aí me deu uma boa ideia na cabeça. Eu inventei: – Vou fazer o Tininho desaparecer. É claro que eu estava brincando. Se há uma coisa que não sei fazer é mágica com cachorro. O cachorrinho do João Pedro se chama Tininho. Conheço uma porção de truques. O João Pedro vive pedindo para eu fazer mágica de desaparecer botão, moeda, palito de fósforo. Sou bom nisso. Mas não sei dar sumiço em cachorro. Acontece que João Pedro achou que eu estava falando sério. Ficou pálido que nem folha de caderno novo de desenho. E armou um berreiro desgraçado: – É brincadeira, bobão! – acudi. O João Pedro não quis nem saber. Apertou o Tininho contra o peito e deu no pé. Fugiu, lágrimas descendo pelo rosto. Quis abraçá-lo, pegá-lo no colo. Em vão. Criança acredita em mentira de adulto. Ouvi sua voz assustada, com sotaque, escondendo-se na cozinha: – Tio Rabiola está enchendo meu saco, mãe.

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M ANDIOCA Manihot utilissima

Pão dos pobres, rainha do Brasil Basta um talo enterrado para ela se multiplicar. Resistente a pragas, dispensa agrotóxico. Alimenta gente e criação. Dela se extrai de álcool a plástico. Uma planta rainha, classificou-a Câmara Cascudo. Pão dos pobres, diz o povo.

M

martius in flora brasiliensis

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eu nordestino pai, Bernardo Severiano da Silva, alagoano de Viçosa, fugiu da miséria em 1935. Ouviu falar de um Eldorado: a paulista Marília. Riqueza do café. Estabeleceu-se sapateiro, casou. Cinco filhos. Prosperou com a Cidade Moça, que logo teria até serviço pioneiro, Táxi Aéreo Marília, nossa futura TAM. Comprou data de mil metros, na Santo Antônio, 254. Ergueu casa, galpão para 40 funcionários e plantou mandiocal na outra metade. Quando trustes americanos asfixiaram indústrias nossas e a Fábrica de Calçados Silva passou meses em crise até ser vendida, comida não faltou. A mãe servia mandioca cozida, purê, amassada com manteiga, ensopada, frita; tapioca, beiju, bolo. E a farinha. Vinte gerações antes, quando portugueses aqui pisaram, logo lhes serviu de sustento a manioca, cultivada por antepassados imemoriais de Bernardo. Alimento responsável pela fixação do homem branco no Novo Mundo, a democrática nutria gentios e missionários, escravos e senhores. A farinha comiam com tudo, de carnes a frutas. Rainha do Brasil, chama-a Câmara Cascudo, move tropeiros e bandeirantes. Espalha-se para a África como moeda de troca por escravos, chega à Ásia. Relata Cascudo: o pensador francês Montaigne provou dela. O autor de Ensaios (1572) achou-a “doce e um pouco insípida”. Devia ser um

beiju “exilado e nostálgico”, conclui o autor de História da Alimentação no Brasil. O primeiro a estudá-la foi o austríaco Johann Baptist Emanuel Pohl, aqui vindo em missão (18171822) depois que o futuro imperador Pedro 1º casou com a princesa Leopoldina de Áustria. Sobre o reconhecimento da importância do tubérculo radicular para a nascente nação, de sua versatilidade como alimento, diz bem o nome científico que Pohl lhe deu: Manihot utilissima. Há os que a dizem pouco rica em vitaminas ou proteínas. Cascudo desdenha desses. Chama-a de “basalto fundamental na alimentação brasileira” e cita Von Martius, colega de missão de Pohl. O autor de Flora Brasiliensis escreveu que, com um saquinho de farinha, o brasileiro vive oito dias e, nas matas e pântanos, cansaria o mais forte soldado nórdico e em guerrilha o venceria. Tal como seus antepassados, Bernardo comia tudo com farinha – até melancia. Fazia jus à anedota do nordestino a quem outro pergunta: – Tu gosta de mulé? – Mulé? É, gosto – diz ele por dizer. – E de farinha? – Viiiiixe!!!


Sabe com quem está falando?

Eu planto mandioca!

jean-baptiste debret

Na primeira Assembleia Constituinte (1823), eleitores do primeiro grau (paróquia), que elegeriam eleitores do segundo grau (província), tinham de provar renda mínima de 150 alqueires de mandioca. Os de segundo grau, que elegeriam deputados e senadores, 250 alqueires. E os candidatos, 500 alqueires (deputado) e 1.000 (senador). A questão da escravatura e dos latifúndios permaneceu intocada. Seria mexer em vespeiro.

Ela é demais

modesto brocos/museu nacional de belas-artes

Mandioca dá farinha, farofa, pirão, beiju, tapioca, tacacá, tucupi, maniçoba, bolos, doces, polvilho doce, polvilho azedo (para pão-de-queijo, secular delícia mineira). Ração animal vitaminada, que inclui a folhagem. E já pensou em plástico-filme biodegradável, comestível e antibacteriano? Pesquisadores da Politécnica paulista desenvolvem a boa nova, engendrada pela engenheira de alimentos Priscila Veiga dos Santos, de Campinas. Plástico leva 100 anos para se decompor. Mas este, a partir do amido da mandioca, pode-se até comer. Detecta alterações no alimento embalado, mudando de cor – basta adicionar ingredientes como uva e repolho roxo, ricos em pigmentos sensíveis à acidez. E diminui a quantidade de lixo no planeta. Mais: a asiática China e a africana Nigéria preparam-se para produzir álcool de mandioca, que também já experimentamos. E, mais uma vez, o planeta agradece. Que mais se pode querer da Rainha do Brasil?

Lenda da menina deusa

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M

ara, filha de cacique, contempla a Lua imaginando-se esposa e mãe. Sonha que um jovem de cabelos de ouro lhe jura amor. O sonho se repete, e se repete. Certa manhã, em seu ventre algo se mexe. Nasce bela menina toda branca, Mani. A tribo a adora como deusa vinda do céu. Um dia acorda sem vontade de nada. Vem o luar. Mani, deitadinha no chão da oca, cerra os olhos, sorri e morre, sem doença alguma. A mãe a enterra ali mesmo e todo dia chora sobre a cova. Com uns meses, algo brota. Mara escava e descobre raízes que, descascadas, revelam-se brancas e perfumadas: a manioca, oca de Mani.

Saiba mais História da Alimentação no Brasil, de Câmara Cascudo (Global, 2004) Projeto Mandioca Brasileira www.mandioca.agr.br


Loira indignada Um ventríloquo se apresenta na cidade. Com o bonequinho no colo, começa a disparar piadas sobre loiras, uma atrás da outra. De repente, uma loira grita da plateia: – Está pensando o quê? Que a inteligência de uma pessoa se mede pela cor dos cabelos? Isso é um baita preconceito! Meio sem jeito, o ventríloquo começa a se desculpar, quando é novamente interrompido: – Cala a boca aí! A conversa é entre mim e esse sujeitinho que está no seu colo!

Guerra conjugal O sujeito chega em casa de madrugada, bêbado, bate na porta, a mulher não abre. – Deixa eu entrar! Trouxe uma flor para a mulher mais bela do mundo. Sensibilizada, ela abre a porta. Ele entra cambaleando e se joga no sofá. – E a flor? – ela pergunta. – E a mulher mais bela do mundo?

Bondade infantil Mãe e filho passeiam no parque de diversão: – Manhê, me dá 10 reais pra eu ajudar um velhinho? – Nossa, que lindo, filhinho! Qual velhinho você quer ajudar? – Aquele que está gritando “Olha a pipoca!”.

Conversa esquisita

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Dois homens estão no banheiro do restaurante, cada um em uma cabine. Até que um diz: – Oi, tudo bem? – Tá tudo ótimo! – O que você está fazendo? – Er… Acho que o mesmo que você. – Posso ir aí? – Não. Tô ocupado agora. – Olha, te ligo mais tarde. Tem um tonto aqui do meu lado respondendo a tudo que eu falo.

Tombo indiscreto Na saída da aula, a professora severa toma um baita escorregão. Como está de saia, pergunta a um aluno: – Pedrinho, o que você viu? – Seu joelho, professora. – Uma semana de suspensão! E você, Paulinho? – Suas coxas… – Um mês de suspensão! Nessa hora, Joãozinho pega o caderno e vai em direção à porta: – Tchau, pessoal, até o ano que vem.

Ônibus lotado O ônibus aguardava no ponto final, no alto de uma ladeira. Após os passageiros entrarem, seguiu ladeira abaixo. Eis que um homem de bigode, de meia-idade, começou a correr atrás do ônibus. Da janela, um passageiro gritou: – Esquece, tiozinho! O busão já tá lotado. E o senhor, ofegante: – Não posso. Sou o motorista!

Aparelho fatal Imitação – Minha senhora, quer fazer o favor de pedir ao seu filho que pare de me imitar? E a mulher, ao filho: – Pedrinho, eu já disse pra parar de bancar o bobo!

O médico atende o velho milionário que se salvou da surdez total com um revolucionário aparelho de audição: – Então, que tal o aparelho? – Sensacional, doutor. – A família gostou? – Ainda não contei para ninguém, mas já mudei meu testamento três vezes.


Otimista demais Ninguém aguentava o otimismo do Candinho. Toda desgraça que contavam, lá vinha ele: – Podia ser pior. Naquela noite, na mesa de bar, Candinho chega na hora em que alguém conta: – Vocês viram? O Carlão pegou a mulher com outro na cama no domingo, deu tamanha surra no sujeito que quase o matou. – Podia ser pior. – Mas como podia ser pior, Candinho? – Se fosse sábado, quem tava quase morto era eu.

Espontaneidade infantil Pedro leva mulher e filhos para jantar. No fim, chama o garçom: – Embrulhe o que sobrou. Vou levar para o cachorro. E as crianças: – Oba! O papai vai comprar um cachorro.

Berada pra cumadri 33

V

amos começar dizendo que carreiro é quem trabalha com carro. Mas não é automóvel, não. Estou falando de carro de boi, hoje coisa que não existe mais. Pra quem não conhece, é um carroção de duas rodas grandes com um troço chamado cocão, que geme quando enfrenta uma subida. E isso é o mais bonito. O carreiro segue falando com os bois, chamando todos pelo nome – quase sempre, nomes curiosos como Pintado, Barroso, Tirolês, Atrevido... Mas eu estou falando de carro de boi pra contar um causo justamente enfocado nisso, do Dito Preto, que era meu amigo. Era o Dito, o carro de boi e uma cumadri, mulher de um cumpadi da colônia da fazenda. A dita cuja, mulher do cumpadi, pega uma carona (berada) no carro de boi do

Dito, que naquele sábado ia pra cidade a fim de fazer umas comprinhas. O Dito, sujeito educado e coisa e tal, após dar a berada pra cumadri, começa a ter uns lampejos de vontade de cantar aquela que há muito tempo vinha lhe perturbando as ideias com seu jeito de cabocla garbosa. E, como todo bom carreiro que fala com os bois, o dito ia falando com os do carro dele. Aliás, devo dizer que os bois do carro dele se chamavam Vatô e Segredo. – Vem, Vatô! Encosta, Segredo! Tô com vontade de cantá a cumadri, mas tô cum medo... Ao que a cumadri prontamente mostrou que também sabia rimar: – Vem, Segredo! Encosta, Vatô! Se o Dito Preto me cantá, eu dô... Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).


Não era primeiro de abril Por Karina Martinelli

C 34

omeçou em abril. Cirurgia. Primeiro de abril. Câncer. Primeiro de abril. Sem sair. Primeiro de abril. Seu cabelo vai cair. Primeiro de Abril. Você vai inchar. Primeiro de abril. Apenas suposições. Primeiro de abril. No meu mundo, todos os dias passaram a ser o dia da mentira. Parecia brincadeira mesmo. Uma piada sem graça na hora mais do que errada. Que começou a parecer tão certa. Depois da devida digestão de informações, acabei sendo dominada por uma paz, que resolveu participar de todos os dias da minha vida até hoje. Aos 25 anos me colocaram uma data de validade. Mas também me ensinaram a organizar meus sentimentos. Acreditei na qualidade de vida. Concentrei em me entorpecer de vida. Me comprometi em dividir vida. Em nenhum momento acreditei que morreria. Nunca me agoniei com o tal do medo de morrer. Mas os medos dos outros geravam uma responsabilidade em não morrer. Acontecia de as forças e as palavras não serem suficientes, naqueles momentos em que a dor parecia estar ganhando. Nesses momento da guerra, meu batalhão de frente era munido apenas de um frágil escudo. Eram meus pais que me davam as armas. Minha mãe levantava novos pilares para que eu não caísse, enquanto meu pai providenciava o material. Meus irmãos fundavam as bases. Um time de construtores fortes. Todos soldados de mim. A paz nasceu acolhedora na paciência da minha mãe, na força do meu pai, na teimosia dos meus irmãos, na preocupação do meu tio e primeiro médico sempre, o doutor Martinelli. Foi crescendo nos gestos do doutor Evaldo, doutor Ângelo e depois do doutor Ioran. Com muitos enfermeiros e enfermeiras. Gostaria tanto de lembrar o nome de todos do hospital Oswaldo Cruz. Depois vieram o doutor Claré, a doutora Maria Amélia. Na sequência o carinho das Lurdes.

Foram tantas pessoas que passaram pela minha vida. Fico pensando se um dia conseguirei retribuir... Escrevi Para Quem Cuida dos Doentes: Corredores e portas / Um branco sem fim / Todos vestidos à caráter / Para presenciar a mim. / Não importa a angústia da dor / Prevalece a conquista o amor / E por mais que se fique doente / Conseguem sempre seguir em frente. A partir daí, com a chata rotina de quimioterapias, percebi uma incrível nova realidade, mas nenhuma vontade de contar a ninguém. Mesmo porque não dava para contar a ninguém. Decidi então escrever. Mais tarde, sem que eu soubesse, meu pai levou os impressos a uma editora de Jundiaí, minha cidade. Nasceu aí a proposta do meu livro: Não Era Primeiro de Abril, lançado em 2009 pela editora In House. Eram muitas soluções e poucos problemas que deveriam ser brindados. Eu aprendi a viver intensamente. Naquela época, era ao que eu me agarrava: ao intenso. Não existia continuidade, cotidiano. Então coloquei tudo em um liquidificador e após bater, separei em copos diferentes. Cada um com um sabor distinto, mas que remetia aos outros sabores. Então foram as percepções, as observações, os fatos, os desabafos, as dúvidas, as respostas, as previsões, as estatísticas que detonaram a explosão das palavras. Palavras para explicar, convencer, ensinar, libertar, conduzir e principalmente mudar a visão sobre o doente – que é paciente, sim, em aguentar olhar de piedade, de conivência. O doente não espera conforto, e sim as novidades do dia. Espera que as pessoas enxerguem o “eu não vou desesperar, não vou renunciar, fugir”, como canta Chico Buarque em Cordão. Curativos, dor. Santa enfermeira. Santos pacientes. A mensagem principal está em como vivemos, e não em o que fizemos ou não para viver.




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