Uma batalha que não permite descanso Criada em 2008, a Febec reúne mais de 40 entidades dedicadas continuamente ao combate do câncer no País. Seu principal objetivo é unir e dar todo o tipo de suporte às entidades filiadas, como associações, redes de voluntários e hospitais espalhados pelo Estado de São Paulo e também em Minas Gerais. Para viabilizar suas ações, a Febec conta com parcerias e campanhas, como as desenvolvidas junto à APAS (Associação Paulista de Supermercados) na destinação de recursos provenientes da Nota Fiscal Paulista às entidades de combate ao câncer. E também na venda, dentro dos supermercados e por assinatura, do Almanaque de Cultura e Saúde. Saiba mais no nosso site: www.febec.org.br
Rua Silva Airosa, 40. São Paulo-SP. CEP 05307-040. Fone: (11) 2166-4131
Um time que joga por música
O
Almanaque de Cultura e Saúde tem o grande propósito de revelar o Brasil aos brasileiros. Esta intenção é bem-sucedida. A revista chega à quarta edição com histórias pitorescas, divertidas e comoventes sobre as coisas de nossa terra. Casos de um país que, de quatro em quatro anos, se põe em frente à tevê para ver os craques desfilarem o futebol verde-e-amarelo por campos internacionais. É, torcida brasileira, estamos em mês de Copa do Mundo. Agora são 190 milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração, numa adaptação da música que embalou os brasileiros durante a mágica Copa de 1970. Já percebeu que somos tão bons com a bola nos pés quanto com o violão nas mãos? Futebol e música são as duas grandes paixões do nosso povo. É justamente a relação entre os dois temas que o Especial do mês tenta desvendar. Chico, Noel, Lupicínio, Lamartine e outros craques da música popular trataram de exaltar o esporte bretão. Até Pelé se arriscou musicalmente. O Rei tem canções gravadas por Elis Regina, sabia? Há outras histórias sobre o esporte favorito da Nação. Na Copa de 1962, política e futebol se misturaram e Garrincha só disputou a final graças à intervenção de João Goulart. Em 1983, três gatunos com nome de boleiros derreteram a Jules Rimet e, ironicamente, a venderam para um argentino. Mas os brasileiros têm outras paixões. O último capítulo de Irmãos Coragem, por exemplo, bateu a audiência da Copa de 1970. Conheça ainda o mais popular dublador do País (“Salsiiiiicha!”) e o prefeito que construiu aeroporto para discos voadores. Saiba que o Brasil já teve pena de morte (só para os negros), que o jogo do bicho começou inocentemente num zoológico e que um candidato a prefeito amalucado jurou levar o mar para Belo Horizonte. Há também casos de superação, como a de dona Elvira. Após sofrer duas vezes com a doença, se tornou uma ativa voluntária das Ligas de Combate ao Câncer. E de dona Célia, que há mais de 20 anos ajuda pessoas carentes e portadoras de câncer. A revista Almanaque de Cultura e Saúde é uma união entre a Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec), a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e a Andreato Comunicação e Cultura. É vendida pelas voluntárias de combate ao câncer e por assinatura. O dinheiro arrecadado é totalmente revertido a ações de prevenção e apoio biopsicossocial aos pacientes. Para assinar, acesse www.febec.org.br. Ou ligue: (11) 2166-4100.
O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol. Albert Camus, escritor francês
Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisor Lucas Puntel Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Soledad Cifuentes Gerente administrativa Fabiana Rocha Oliveira Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)
Presidente
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Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar
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Sumário 5 carta enigmática
18 eSPECIAL Passes de Letra
29 Almacrônica por Lourenço Diaféria
6 você sabia?
22 jogos e brincadeiras
30 em se plantando tudo dá Maracujá
12 GENTE AJUDANDO GENTE Dona Célia do Nascimento
23 o teco-teco
32 Rir é o melhor remédio
13 PAPO-cabeça Miguel Nicolelis
24 VIVA O BRASIL Florianópolis
33 CAUSoS de Rolando Boldrin
16 Ilustres Brasileiros Chacrinha
28 temperos e sabores Manga
34 muito obrigado por Elvira Zamboni Nogueira
a
cho uma (*) fazer papel sexy.” “O INC [Instituto Nacional de Cinema] não faz nada pelo cinema brasileiro. Só faz um festival (*) que eu acho uma (*).” “Todo mundo fica achando que eu sou aquela (*) da zona.” Foram exatamente 71 palavrões, todos substituídos por asteriscos pelos editores de O Pasquim. “É por isso que a entrevista dela até parece a Via Láctea”, ironizou o ratinho Sig. Nascida em 1945 no Rio, foi professora no ensino primário. Tinha 17 anos quando fugiu de casa para morar com o cineasta Domingos de Oliveira. Foi ele quem a dirigiu no filme Todas as Mulheres do Mundo (1966). A partir daí, despontou para a fama, atuando em peças e novelas. Com atitudes pioneiras, virou símbolo da liberdade de expressão e da quebra de tabus.
Solução na p. 22
Morreu em 14 de junho de 1972, aos 27 anos, num acidente de avião na Índia. Estava no Festival Internacional de Adelaide, na Austrália, quando resolveu voltar mais cedo para matar a saudade da filha de sete meses. “Ela era uma pessoa solar numa época em que o chique era a fossa”, definiu Jaguar. Sua entrevista bombástica, em 1969, serviu de pretexto para que a ditadura promulgasse o decreto-lei 1.077, instituindo a censura prévia à imprensa. Mas ela já havia dito o que os militares mereciam ouvir: “CeNsura é ridículo, não tem sentido nenhum. Do jeito que é feita, inclusive, não tem nenhuma noção de justiça, cultura, nem nada. Foi julgada e censurada uma peça de Sófocles, lá no teatro do Rio, não foi? É um absurdo. Procuraram até o Sófocles. Aí é fogo. Acaba qualquer papo”.
Entre 1954 e 1959, Cauby Peixoto foi o cantor mais popular do Brasil. Vaidoso e elegante, estreou no fim da década de 1940, tornando-se estrela da Rádio Nacional. Seu rápido êxito, no entanto, não se deu apenas pelo talento, mas também pelo esquema publicitário armado pelo empresário Di Veras, que camente à presença do cantor. Além de gritar e desmaiar, as moçoilas eram instruídas a enviar cartas ao ídolo e eventualmente até mesmo rasgar as roupas do galã – com as costuras devidamente afrouxadas, é claro...
reprodução/AB
importou dos Estados Unidos a ideia de contratar garotas para reagir histeri-
21/6/1986
21/6/1970
Com Zico e Sócrates em campo, o Brasil é eliminado da Copa do Mundo do México pelos franceses.
O Brasil ganha o tricampeonato de futebol no México. Na partida final, vence os italianos por 4 a 1.
namoro de escarrinho
Apaixonados cuspiam no chão para impressionar donzelas
N
o século 16, as práticas amorosas eram cercadas de rígidas regras de conduta. O amor era visto como algo pecaminoso em Portugal e no Brasil. Acreditava-se que amar demais poderia causar doenças e malestares. Um escritor da época fez uma lista dos sintomas: “tristezas, suspiros, lágrimas sem motivo, síncopes, opressões, melancolias e raivas”. Até tratados sobre comportamento eram escritos, como a Carta de Guia de Casados, de 1651. Para vencer essa vigília constante, situações e recursos dos mais variados eram usados a fim de iniciar um relacionamento. Alguns se submetiam a práticas pouco ortodoxas para chamar a atenção de seu objeto de desejo. Já nos idos de 1700, os enamorados procuravam com frequência as igrejas. As cidades, muito pequenas, dificultavam a privacidade dos casais. Os flertes, então, ocorriam nas missas, um dos únicos eventos a que as mulheres podiam ir. Os rapazes lançavam olhares furtivos, risos e acenos, desviando a atenção das moças e incitando a ira dos padres. As procissões e festas religiosas eram propícias para o início dos romances. Como na Quinta-Feira Santa, na qual rapazes e moças esperavam o apagar das velas
da igreja para se aproximar. No escurinho, trocavam beliscões e pisadelas como forma de afeto. Para se conseguir um bom par valia de tudo: as cartas de amor eram recheadas de escritos carinhosos, como “benzinho da minh’alma”. Poemas, mimos e promessas de casamento eram recursos largamente utilizados. Alguns itens curiosos, como acessórios de cozinha, laranjas e palmitos, serviam de presentes. Para burlar a vigilância dos pais, recorria-se a moleques-de- recado que marcavam encontros às escondidas. Algumas técnicas mais radicais hoje soariam descabidas: feitiçaria, magias e pactos com o demônio não raro aconteciam. Bruxas especialistas nas práticas alcoviteiras eram largamente procuradas. Elas faziam as “cartas de tocar”, papéis escritos contendo o nome da pessoa que seduziam ao simples toque cutâneo.
de quem são estes olhos?
Também Deus era útil para se conquistar um par: repetir durante o ato sexual as palavras em latim que o padre dizia na missa teria o efeito de “prender” a pessoa perto de si. No “namoro de bufarinheiro”, o pretendente, agindo como bufarinheiro (mascate), aproveitava as procissões e passava pela janela da moça, distribuindo espertas piscadelas e gestos com as mãos e boca. Outra prática comum era o “namoro de escarrinho”, no qual o galanteador se colocava sob a janela e começava a fungar, como se estivesse resfriado. Caso a moça respondesse com o mesmo gesto, dava-se início a um ritual pouco higiênico de conquista, regado a tossidas forçadas, narizes assoados e cuspidas no chão. Ninguém proferia uma única palavra. Saiba Mais História do Amor no Brasil, de Mary Del Priore (Contexto, 2005).
Olhos de um jornalista nascido em 7 de junho de 1976, numa cidade baiana que não existe mais. Com o microfone na mão, encarava plateias entoando clássicos da música brega. Mas ficou conhecido mesmo em outros palcos. Despontou vivendo um personagem da peça A Máquina, de Adriana Falcão. Depois foi para a tevê e o cinema. Na telinha, viveu JK; na telona, um controverso capitão de polícia. Confira a resposta na página 22
estação colheita O que se colhe
Caqui, abacate, framboesa, melão, abacate, pepino, tomate.
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Presidente João Goulart cumprimenta Mané Garrincha, o craque da Copa.
Jango teve de interceder para Garrincha jogar na final
A
Copa do Mundo do Chile, disputada em 1962, aconteceu em um momento político um tanto complicado no Brasil. No ano anterior, os militares haviam tentado impedir a posse de João Goulart, então vice de Jânio Quadros. Nossa situação no futebol, por outro lado, era favorável. A seleção, invicta, com Garrincha e Pelé, era favoritíssima para conquistar o bicampeonato. Mas o destino pode ser traiçoeiro. Contundido logo no segundo jogo da Copa, Pelé deixou a sorte da seleção canarinho nas pernas tortas de Garrincha. Com belíssimos dribles e cruzamentos, ele ajudou o Brasil a vencer cada uma das etapas rumo à final. Com dois gols na vitória de 4 a 2 contra os anfitriões, nas semifinais, Garrincha garantiu a presença do Brasil no jogo decisivo. Mas, pouco antes do fim da partida, foi expulso. Algo raro em sua carreira - só havia levado cartão vermelho em outras três ocasiões. Sem suas duas maiores estrelas, o Brasil
chegava combalido à final contra a temida seleção da Tchecoslováquia. Isso se não dispuséssemos de uma carta surpresa: o presidente João Goulart, que na juventude fora jogador de futebol no Rio Grande do Sul. Fortemente ligado ao esporte, também havia defendido a aprovação de uma lei nacionalista para impedir a venda de jogadores brasileiros para clubes estrangeiros. Ao lado do ministro da Guerra, marechal Henrique Lott, ou do primeiro-ministro Tancredo Neves, Jango acompanhava todos os jogos da seleção. Sensibilizado, resolveu acionar o primeiro-ministro e os dirigentes do nosso futebol para interceder junto à Fifa e aos organizadores do torneio. Garrincha tinha que ser perdoado. Em 17 de junho de 1962, o Anjo de Pernas Tortas entrava em campo novamente. Apesar de não marcar nenhum gol, foi essencial na vitória brasileira por 3 a 1. Brasil, bicampeão mundial.
DUROU MAIS DE SÉCUL0
Mulher só podia abrir comércio se o marido deixasse E
m 25 de junho de 1850, o imperador Pedro 2º promulgou nosso primeiro Código Comercial, que unificava todas as leis que já existiam sobre o assunto e continha o que talvez tenha sido a primeira medida a favor da igualdade entre sexos no País. A partir daquela data, mulheres maiores de 18 anos conquistaram o direito de abrir seu próprio estabelecimento. As casadas, porém, precisavam de autorização do marido. Prevendo que alguns poderiam não gostar da ideia, o Código Comercial do Império incluiu dispositivos para que a mulher pudesse recorrer à Justiça caso se sentisse prejudicada. Já as viúvas não precisavam de permissão legal. Apenas em 1962 o chamado Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62) aboliu a tutela legal do homem sobre os negócios da esposa. O Código Comercial foi revogado em 2002, pelo novo Código Civil brasileiro.
Dom Pedro 2º: autor da primeira medida pela igualdade dos sexos.
Saiba Mais Estrela Solitária - Um brasileiro chamado Garrincha, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 1995).
data de nascimento do sergipano ao lado, 12 de junho de 1959, está um mês adiantada. Foi complicado para o pai registrar 20 filhos. Ele cresceu, virou pedreiro, esportista. Escapou do exército fingindo ser louco. Na escola, quando a professora lhe deu uma reguada, respondeu com um safanão na orelha dela. Virou peso-pesado. Ganhou e perdeu por nocaute, aposentou-se. Preencha as lacunas com o seu apelido, saído de um desenho animado.
R.: Confira a resposta na página 22
reprodução
ACERVO PESSOAL
A
enigma figurado
No coração do Brasil, um discoporto espera pelos ETs
Disco voador de lata, o único que chegou até agora.
encontro dos rios Araguaia e Garças. Além da vista privilegiada, há no local um disco voador feito de chapas de aço que diverte as crianças. Quando perguntado se acredita em ETs, Valdon disse que não. ‘‘Eu queria colocar Barra do Garças na mídia, pois aqui não tinha exploração turística nem divulgação. Como sempre teve um misticismo muito forte, aproveitei a ideia”, justificou. Em tempo: na região, nenhuma presença desconhecida foi detectada pelos radares do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo da Aeronáutica.
Joana D Arc Filha de camponeses humildes, começou a ouvir vozes divinas dizendo que deveria reconquistar a independência da França, então sob domínio inglês, durante o século 15. Persuadiu exércitos, conseguiu vitórias incríveis e coroou o rei Carlos 7º. Capturada pelos ingleses, porém, foi queimada viva, aos 19 anos. Suas cinzas foram jogadas no rio Sena. É a santa padroeira da França.
ZEBRA NUNCA SAIU
Barão criou o bicho para pagar as contas do zoológico
S
eu garçom, me empreste algum dinheiro / que eu deixei o meu com o bicheiro. Os versos de Conversa de Botequim, de Noel Rosa, são uma das inúmeras referências na cultura popular ao hoje ilícito jogo do bicho, loteria que também foi título de uma crônica de Machado de Assis. Mais: a expressão “deu zebra”, usada no futebol para se referir a resultados improváveis, é uma brincadeira com o fato de o animal não fazer parte do jogo. A loteria foi criada no século 19 por João Batista Vianna de Drummond, o Barão Drummond, dono de um zoológico no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Em 1892, o estabelecimento não ia bem das pernas. A solução foi criar um jogo para atrair o público. Diariamente içava-se em um poste um quadro com o desenho e o nome de um dos 25 animais do zoológico. Os visitantes recebiam um bilhete com um bicho. Ao fim do dia, quem tivesse o bilhete sorteado levava um prêmio em dinheiro. O jogo ganhou popularidade fora do zoológico e começou a ser adaptado para apostas, tomando a forma que permanece, clandestinamente, até hoje.
jornal do comércio/ae
odo mundo conhece alguém que acredita em disco voador. Alguns já viram objetos voadores não-identificados e até pegaram carona neles. Entre estes, há quem garanta que no Centro-Oeste do Brasil suas visitas são frequentes. Dizem que os extraterrestres (ETs) adoram maciços rochosos, como a Chapada dos Guimarães e a Serra do Roncador. Realidade ou muita imaginação? Pouco importa para o ex-prefeito matogrossense Valdon Varjão, de Barra do Garças. Ele decidiu aproveitar o potencial turístico interplanetário da região e, em 1995, anunciou a construção de um aeroporto para discos voadores num descampado no alto da Serra do Roncador, em pleno Parque Estadual da Serra Azul. Nenhum critério científico para a escolha do local: era o mais fácil para erguer o discoporto, como ficou conhecida sua mais famosa obra. Os alienígenas ainda não chegaram. Mas, enquanto isso, curiosos e esotéricos que aguardam o desembarque de seres de outros planetas podem desfrutar de uma bela sala de espera: o
ulisses capozolli/Ae
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Banca de jogo do bicho nos anos 1950.
A loteria, ao lado de outros jogos de azar, foi declarada ilegal em 1941 por meio do decreto-lei nº 3.688. Sancionado pelo presidente Getúlio Vargas, o decreto previa “prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a 20 contos de réis” para quem “explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho”. Atualmente, o jogo é considerado, além de contravenção, crime de formação de quadrilha e corrupção.
Saiba Mais O Jogo do Bicho: A saga de um fato social brasileiro, de Simone Simões Ferreira Soares (Bertrand Brasil, 1992).
O
brigadeiro Eduardo Gomes nasceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1896. Em 1922, com colegas, desafiou a República Velha (1889-1930) sublevando o Forte de Copacabana, no heróico episódio Os Dezoito do Forte. Depois da Revolução de 1930, liderou a criação do Correio Aéreo Nacional. Foi duas vezes ministro da Aeronáutica. É o patrono da nossa Força Aérea. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), enquanto ele coordenava a defesa da costa, descobria-se a solução para o racionamento de açúcar, leite, ovos: a mistura de leite condensado, manteiga e chocolate dava um doce delicioso. Em 1945, Gomes candidatou-se à Presidência. Suas eleitoras distribuíam a guloseima, que ganhou o nome do candidato: brigadeiro. Ele morreu em 13 de junho de 1981 sem ganhar essa nem a outra eleição, em 1950. Já o brasileiríssimo doce com seu nome caiu no gosto de todo o País.
U
ma réplica de navio flutuava em plena lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, em 1962. Era parte da campanha de Nelson Thibau à Prefeitura. O candidato resolveu inovar: prometia levar o mar à capital mineira. Impossível? Ele dava jeito: “A gente constrói um aqueduto para trazer a água de Angra dos Reis para Belo Horizonte, retira a água que se encontra represada na Lagoa da Pampulha e faz uma chapada de brita com piche para proteger”. E se animava: “Aí é só quebrar champanhe quando o mar chegar”. Para tristeza dos surfistas, o advogado, radialista e administrador perdeu a eleição. Mas ganhou popularidade. Insatisfeitos com os candidatos, estudantes organizaram passeatas para Thibau. Tudo em clima de deboche. Anos mais tarde, em tempos de ditadura militar,
o voto de protesto lhe rendeu uma vitória. Conseguiu uma cadeira na Câmara Federal pelo MDB, partido de oposição, em 1974. Dessa vez a campanha estendeu-se também a crianças. Prometia criar a Thibaulândia, nos moldes da Disney. Numa reunião do partido, um colega de bancada ironizou o projeto do “mareduto”, que atravessaria o Espírito Santo em 650 quilômetros subterrâneos. Thibau não pensou duas vezes. Partiu pra cima dele. O mineiro deixou imagem folclórica na política nacional. Apesar de tudo, apresentou sugestões louváveis ao plenário, como transporte público e assistência odontológica gratuita para os estudantes. Talvez por um histórico de incompreensões, os projetos foram recusados.
A primeira-dama botou fogo nos salões
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Candidato a prefeito prometeu levar o mar para Minas Gerais
air de Teffé, primeira mulher caricaturista do País, fez teatro, tocou violão e, à frente de seu tempo, usou calças compridas. Filha do Nair de Teffé: revolução no Palácio do Catete. Barão de Teffé, nasceu no Rio de Janeiro em 10 de junho de 1886. Aos nove anos, fez uma caricatura ridicularizando uma freira. As colegas caíram na gargalhada, mas a religiosa, como era de se esperar, não gostou nada da malcriação. A menina acabou de castigo num quarto escuro, mas não perderia o gosto pelos desenhos debochados. Já maior e sob pseudônimo Rian, inversão de Nair, criticava autoridades em revistas como Fon-Fon, Careta, Revista da Semana e O Malho. Aos 27 anos, apaixonou-se pelo então viúvo e presidente da República, marechal Hermes da Fonseca. Detalhe: ele era 31 anos mais velho. Casaram-se em 1913. Jovem e irreverente, Nair revolucionou a vida no Palácio do Catete. Contrariando o dito bom gosto da elite daquele tempo, introduziu música popular, como o Corta Jaca, de Chiquinha Gonzaga, no repertório de festas a rigor. Por suas caricaturas, certo dia provocou irado discurso do senador Rui Barbosa: “Certas mocinhas se divertem fazendo gracejos à custa de homens sérios como eu.” Com a morte de Hermes em 1923, Nair disse: “Enterrei meu retrato favorito com o homem que amei.” Ficou 20 anos sem desenhar. Morreu em 1981, no Rio de Janeiro, aos 95 anos. reprodução/ae
Arquivo do Estado
Brigadeiro entrou para a história como herói e nome de doce
Novela bateu a audiência até da final da Copa de 1970 scrita por Janete Clair e dirigida por Daniel Filho e Milton Gonçalves, estreava em 29 de junho de 1970 a novela que resultou em um dos maiores sucessos da TV Globo. Irmãos Coragem era uma mistura de faroeste, futebol e romance. Na cidade de Coroado, interior de Goiás, João Coragem acha um diamante, que é roubado pelo vilão, coronel Pedro Barros. Assim tinha início a trama. Com personagens vividos por Tarcísio Meira, Cláudio Cavalcanti e Cláudio Marzo (os
três irmãos coragem), a autora conquistou o público e uniu os dois pares românticos mais famosos na época: Tarcísio Meira e Glória Menezes e Cláudio Marzo e Regina Duarte. Foi a primeira novela que os homens admitiam assistir. Exibida no ano em que o País ganhou a Copa do México, teve audiência maior do que a final da competição. O Brasil e Itália, transmitido em 31 de junho de 1970, não alcançou os 85% de televisores ligados no derradeiro capítulo da novela, que estreou uma semana depois.
MONICA
ZORATINI
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Rá-Tim-Bum colocou de cidadania a ecologia no prato da criançada
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xibido pela TV Cultura a partir de 1989, Rá-Tim-Bum foi um marco dos programas televisivos infantis. Com cenários e figurinos considerados arrojados e modernos até hoje, o programa era dedicado a crianças em fase de pré-alfabetização. Sua abertura, em que um simpático ratinho disparava uma amalucada engrenagem, deixou saudades. Em formato de revista eletrônica, com quadros sem ligações entre si, Rá-Tim-Bum ensinava de forma lúdica noções de higiene pessoal, ecologia, cidadania, Português e Matemática. Tornaram-se clássicos da televisão infantil o quadro Senta que lá vem a história e personagens como a Cobra Sílvia e o Professor Tibúrcio. O programa foi realizado pela produtora paulistana Olhar Eletrônico. A equipe contava com profissionais consagrados e outros que viriam a se destacar mais tarde.
Na direção, Fernando Meirelles (que depois fez Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel). No elenco, Marcelo Tas (atual apresentador do CQC) interpretando o Professor Tibúrcio e o garotopropaganda Carlos Moreno como o Detetive Euclides. A trilha sonora reunia os intérpretes e compositores Edu Lobo, Caetano Veloso e Arnaldo Antunes. A série, de 180 episódios, recebeu medalha de ouro no Festival de Cinema e Televisão de Nova Iorque, além de muitos outros prêmios, aqui e no exterior. Deu origem ainda a duas séries consagradas: Castelo Rá-Tim-Bum e Ilha Rá-Tim-Bum. Atualmente, o programa pode ser visto no canal a cabo TV Rá-Tim-Bum. divulgação/ae
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Álbum de figurinhas da novela.
o baú do Barão “Com dinheiro à vista, toda a gente é benquista.” Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
era nossa N
PRENSA TRês
o dia 21 de junho de 1970, o povo cantou pelas ruas: “A taça do mundo é nossa…” Comemorava a conquista da terceira Copa do Mundo e a posse da taça Jules Rimet. “Essa, definitivamente, ninguém mais nos tira”, diz João Saldanha, técnico que classificou a seleção para a Copa no México. Mas, 13 anos mais tarde, num ataque pelos fundos, o trio formado por Peralta, Bigode e Barbudo, arrebata definitivamente um de nossos símbolos nacionais. Ladrões com apelidos de jogadores de futebol roubaram a taça. Outra ironia da história: a taça verdadeira estava exposta, enquanto a réplica permanecia no cofre de aço da CBF. Vitrina à prova de bala, mas com moldura de madeira fixada à parede. Nada que um pé-de-cabra não resolvesse. Derretida, virou lingotes de ouro vendidos por um argentino. Anos depois, prenderam os ladrões. Ficamos com a glória, mas a taça não existe mais. Você sabia?
Em 1963, vinte anos antes do roubo da Jules Rimet, o cineasta Vitor Lima lançou O Homem que Roubou a Copa do Mundo, no qual dois detetives, Ronald Golias e Grande Otelo, desvendavam o crime praticado pela atriz Renata Fronzi.
Página infeliz
O Brasil já teve pena de morte
(só para escravos…)
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ão bastavam a escravidão, os açoites e as condições subumanas com as quais os negros eram tratados. Em 10 de junho de 1835, uma lei determinou a pena de morte para “escravos ou escravas que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer grave ofensa física a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes”. A pena capital era aplicada por enforcamento. Outro artigo estipulava uma pena “branda” em casos menos agressivos: “Se o ferimento ou ofensa física forem leves, a pena será de açoites”. Uma chacina cometida por escravos contra a família de um deputado mineiro disparou a discussão da lei. Outra motivação foi a Revolta dos Malês, em que negros muçulmanos se rebelaram contra seus senhores em Salvador. Na prática, a pena de morte durou até 1876, quando ocorreu o último enforcamento de um escravo em Alagoas. Entretanto, só seria extinta com a sanção da Lei Áurea, 12 anos depois.
Saiba Mais No Meio das Galinhas, as Baratas Não Têm Razão: A lei de 10 de junho de 1835, de João Luiz Ribeiro (Renovar, 2005).
Homem de mil vozes
Já foi cachorro, marinheiro, alienígena, pateta...
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os 90 anos e 67 de carreira, Orlando Drummond pode se gabar de ser o maior dublador do Brasil. Há 45 anos faz vozes de personagens de todo tipo em séries e desenhos como Os Três Orlando Drummond Patetas, O Gordo e o Magro, Os Smurfs, Jornada nas Estrelas, Casal 20, Zorro. Seus personagens inesquecíveis: o alienígena Alf, o marinheiro Popeye e o cão Scooby-Doo. Conta que até hoje é reconhecido e assediado graças a eles, mesmo tendo criado suas vozes nas décadas de 1960 (Popeye), 1970 (Scooby-Doo) e 1980 (Alf). “A do Scooby-Doo é minha voz mais famosa, faço há mais de 30 anos. Fui o único dublador dele no Brasil”, orgulha-se. Até para as recentes versões cinematográficas do personagem foi chamado. Orlando é homem de múltiplas facetas. Começou no rádio, como contra-regra, em 1942. Ganhou intimidade com o microfone e com as possibilidades de sua voz. Virou ator de rádioteatro e pioneiro na televisão brasileira. Fez cinema. Na época, terminadas as filmagens, normalmente os atores entravam em estúdio para gravar as próprias vozes. Dublavam diálogos que já haviam falado em cena. Como ator de carne e osso, sua criação mais famosa deu-se no programa Escolinha do Professor Raimundo, de Chico Anysio. Orlando era o Seu Peru. “Há personagens que se tornam indissociáveis dos atores que os interpretam. É normalíssimo as pessoas virem falar comigo tratando-me de Seu Peru”. CARLOS IVAN/AG. O GLOBO
A taça do mundo
câ21-6nca e21-7r Os sentimentos movem os nascidos em câncer, signo de água regido pela Lua. Cancerianos confiam na própria intuição. Não costumam aceitar sugestões, apesar da sutileza na hora de rejeitá-las. De tão sutis, há quem não entenda suas colocações. Para se dar bem com um deles, além de compreensão, é preciso oferecer segurança. E ter paciência com mudanças repentinas de opinião.
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Célia dá uma mão para que outras se unam F
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oi quando se aposentou que Célia do do Rotary Clube e foi presidente da Casa da Nascimento Martineli passou a parAmizade por três vezes. ticipar de um grupo de ajuda a pessoas caEm 1996, a Rede Promissense de Combarentes e portadoras de câncer em Promiste ao Câncer foi fundada. Célia assumiu a são, São Paulo. O grupo seria a origem da coordenação. Diferente de muitos voluntáRede Promissense de Combate ao Câncer, rios da rede, nunca tinha tido um caso de entidade bem organizada e estruturada, câncer próximo. Na função, porém, teve a coordenada por ela. Vão-se aí mais de 20 exata noção, conta, de quão importante era anos. Mas engana-se quem pensa que só na o trabalho para “amenizar a dor daquelas pessoas sofridas que não tinham a quem aposentadoria Célia conseguiu tempo para Dona Célia, voluntária há mais de 20 anos. causas que não dizem respeito a ela mesma recorrer”. Mantém o compromisso até hoje, ou a gente de sua família. frequentando a sede todos os dias. “Temos que ter muita responsabilidade pois lidamos com seres humanos.” A história começa na “querida” Pirajuí, onde formou-se e conheceu A Rede auxilia o acesso e o tratamento das pessoas no Hospital o marido José, então colega de classe. Promissão entrou na vida do Amaral Carvalho, em Jaú, referência em oncologia. É preciso casal em 1972, sem negar o nome. José assumiu cargo de diretor agendar consultas, cuidar do transporte dos pacientes e verificar de escola e Célia, de professora. E nunca mais deixaram a cidade se precisam de auxílio com cestas básicas, medicação, hospedaonde criaram três filhos – “Nosso orgulho”, diz. Célia sempre regem. Emprestam ainda cadeiras de rodas, andadores e muletas. cebeu cumprimentos de pais e avôs de alunos, que queriam saber Por isso a rede promove também campanhas de doação. quem era a professora de que seus filhos ou netos tanto falavam. Célia diverte-se quando lembra de um cidadão que, para comeEra o resultado do gosto que sempre teve por lecionar. morar o aniversário, levou uma caminhonete cheia de cadeiras No meio de tudo isso, ela encontrou tempo e disposição para dedicar o mesmo respeito e carinho a problemas de outras pessoas. de rodas para a instituição. Alegra-se ao concluir que a cidade confia no trabalho da entidade, sempre estendendo a mão, e que Integrou um grupo de casais que faziam visitas a famílias, oranpode contar com muitos colegas dedicados e guerreiros. “Quando do, orientando e ajudando no que fosse necessário. Reunia-se as mãos se unem e nos inclinamos para enxugar uma lágrima, a com outras senhoras para ensinar artesanato, que rendiam disdor diminui”, reflete. tração e renda aos necessitados. Há mais de 30 anos é membro
MIGUEL NICOLELIS
Fotos: LAURA HUZAK ANDREATO
Temos que construir uma ciência tropical Ele é um dos mais importantes cientistas do mundo. Mas, quando começou a despontar no cenário internacional, as coisas não eram bem assim. Enquanto especialistas ganhavam prêmios Nobel descrevendo características de neurônios isolados, Miguel Nicolelis batalhava para provar que a ciência estava equivocada. De lá pra cá, estimulou bigodes de rato, ensinou macacos a jogar videogame e revolucionou a neurociência, mostrando que os princípios funcionais das populações neurais têm tudo a ver com futebol. Como resultado, seus estudos estão prestes a possibilitar a cura do mal de Parkinson e que paralíticos voltem a andar. Mas ele não se contenta. Arranjou tempo e disposição para instalar no Rio Grande do Norte um projeto que pretende transformar a região numa espécie de Vale do Silício da neurociência, com centros de excelência em atendimento, ensino, pesquisa e desenvolvimento industrial. E quer replicar o modelo pelo País. “Não dá para desperdiçar o talento intelectual de 190 milhões de pessoas.” Você costuma usar imagens inusitadas, por vezes líricas, para defender seus pontos de vista. Quanto há de poesia na ciência? A ciência é muito poética. A maioria dos pesquisadores não se sente bem escrevendo de uma maneira mais lírica o que eles fazem. Eu me sinto muito bem. A ciência é uma forma de ler a natureza. Tem gente que lê a natureza com religião, com dinheiro, de várias maneiras. A ciência lê a natureza de um jeito poético. Mas ela usa métodos quantitativos. Não tem muito lero-lero no método científico. O que é proposto tem de ser provado. Alguém já havia escrito sobre jogadas de futebol na Nature? Provavelmente não. Essa é uma das revistas em que qualquer cientista sonha publicar artigos. É uma das mais antigas e de mais prestígio na área. Em 2000, me pediram
um artigo sobre a interação cérebro-máquina para um dos primeiros encartes da revista acerca do que o futuro da ciência iria trazer. Para ilustrar sobre o que eu falaria, decidi descrever o contexto do estádio Azteca no primeiro gol da final da Copa de 1970. Quando o Rivellino levantou a bola para a área, depois de uma cobrança de lateral de Tostão, a torcida já começou a se levantar. Afinal, na frente de um coitado chamado Fachetti, o defensor italiano, subia um cara chamado Pelé. Do outro lado do estádio a torcida deve ter visto a cara de desespero do goleiro Albertosi. Com a bola ainda viajando para a cabeça de Pelé, a torcida já estava de pé. É isso também o que o cérebro faz: planeja o movimento, a ação e também a expectativa do resultado futuro. Ele é o modelador do futuro. Evidentemente, depois
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dessa introdução, o resto era estritamente científico. Mas fiz questão de escrever para o editor: “Do terceiro parágrafo pra baixo você pode mudar o que quiser. Os dois primeiros são inegociáveis”. E ele publicou.
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taneamente famoso na escola. A molecada queria saber em que lugar eu tinha estudado para me tornar “neurocirurgião de ratos”.
O que você alcançou com essa especialidade? Você pretende usar imagens como esta nos próximos trabalhos? O objetivo era aferir qual vibrissa tinha sido estimulaPara um artigo que estou preparando agora, vou usar o da, por meio da atividade elétrica do cérebro dos ratos. E conseguimos. Publiquei o trabalho na revista Science último gol dessa mesma partida, do Carlos Alberto. É o gol mais impressionante da história do futebol, principalmene foi um deus nos acuda. Numa experiência posterior, te por ter sido feito em uma Copa do Mundo. Tostão rouba em vez de por a língua pra pegar água, tinha um bracia bola na área brasileira, passa para o Piazza, que entrega nho mecânico que buscava água num bebedouro para o para o Clodoaldo. Clodoaldo dá para o Pelé, que olha parato. No começo ele tinha que fazer isso apertando uma barra com a pata. Depois, ligamos sua atividade cerebral ra um lado e devolve para o Gérson. Gérson rola para Clodoaldo, ele dribla quatro italianos e entrega para Rivellino com o braço mecânico e desligamos a barra. Quando que, já morto de cansaço, passa para o Jairzinho. Jairzinho ele a apertava, não acontecia nada. Até que, de repente, dribla um cara e, quando vai perder a bola, dá de bico o bicho chegou à conclusão de que algo estava errado. de pé para o Pelé, na porta da área. Um biParou. Provavelmente pensou. Aí o robolhão de pessoas assistindo ao jogo – incluzinho foi lá e trouxe a água. Estava realisive eu, ainda moleque – achava que o Pelé zado o sonho de todo ser humano: ganhar iria em direção ao gol. Mas ele para a bouma recompensa sem esforço algum. la num pé, deixa ela ir para o outro. Olha “O mal de pra frente. O Tostão aponta, desesperado, Qual foi a repercussão? que o Carlos Alberto estava passando. PeFoi um estardalhaço no mundo inteiro. Mas Parkinson e lé não olha. Há 10 anos ele jogava com o não paramos. Começamos a treinar a maos problemas Carlos Alberto; não precisava vê-lo. O cécaca Belle para realizar uma série de movirebro dele sabia que o Carlos Alberto viria mentos. Num primeiro momento, com um de locomoção com tudo. E Pelé dá um tapa para a direijoystick; depois sem. Tudo em troca de um ta na bola, que, por um defeito do gramasuco de laranja, que ela adorava. Um dia podem ser do, dá uma levantadinha justo no momento deu certo. Belle pensou, a atividade elétricombatidos em do chute. Carlos Alberto pega ela no ar, de ca do cérebro foi registrada, decodificada chapa. A bola vai feito um foguete para o num algoritmo muito simples e transfor5 ou 10 anos. gol. É um exemplo de como o cérebro funmada num código digital que disparou o ciona. Ninguém explicaria esse gol falanmovimento de um braço mecânico. Gosto Ou ainda do de jogadores individualmente. A jogada de dizer que este foi o primeiro momento mais rápido.” é uma propriedade que emergiu da colaem que um cérebro de primata se libertou boração dos jogadores. Um gol igual nunde seu corpo. ca vai sair de novo. No cérebro acontece o mesmo. A combinação de como os neurôA esperteza de uma macaca mudou o rumo nios participam para gerar um comportada ciência contemporânea? mento ocorre muito provavelmente uma só vez na vida. De certo modo, sim. Quem fechou o ciclo foi a Aurora, que ensinamos a jogar uma espécie de videogame com Os ratos foram importantes para suas pesquisas, não? um joystick. Toda vez que ela acertava um alvo, ganhaHoje eu não sou mais, mas por 10 anos fui o maior espeva uma recompensa. Um dia tiramos o joystick, ligamos cialista do mundo em estimular bigodes de rato. Claro, a interface cérebro-máquina e ela passou a comandar tudo cientificamente. Eu era o único que conseguia fauma mão robótica que manipulava o joystick em uma zer os ratos ficarem quietos, olhando de frente para outra sala, enquanto via o jogo diante dela, numa tela. mim. Eles possuem 31 vibrissas de cada lado. A genAgora ela comandava o jogo apenas com a mente. Ficou te aparava os bigodes em ângulo, para eu poder aceruma hora jogando sem se mexer. No momento em que tar cada um deles com a sonda que usávamos. Passei 10 fez isso, Aurora mudou completamente a neurociência. anos da minha vida fazendo isso... Uma vez, na escola do meu filho, a professora perguntou a profissão dos Daqui a quanto tempo você acredita que essa tecnologia pais. Uma criança falava: “advogado”. A outra: “geólopoderá ser utilizada por humanos? go”. Quando chegou a vez de meu filho responder, ele Meses atrás, um robô lá no Japão andou, sem nada a não teve dúvida: “neurocirurgião de rato”. Fiquei instansegurá-lo, comandado pela Aurora. O mal de Parkinson
e os problemas de locomoção talvez sejam as coisas mais possíveis de serem combatidas num futuro próximo. Trabalhamos num horizonte de 5 a 10 anos. Pode ser mais rápido ainda, dependendo de outras tecnologias. Estamos construindo um consórcio mundial chamado Walk Again (Andar de Novo, em português). A isso eu gostaria de me dedicar nos próximos anos, com grupos na Europa, Estados Unidos e Brasil. A distância entre o universo científico e a sociedade brasileira te incomoda? As faculdades por muito tempo mantiveram a tradição de suas origens, nos mosteiros da Idade Média, dissociadas da realidade. Num país como o nosso, com um potencial humano e natural tão grande, isso é inaceitável. Temos hoje a chance de liderar as indústrias que vão mudar o século 21. Aqui há energia renovável, fitoterápicos, controle do clima, formas sustentáveis de desenvolvimento, produção de alimentos. São as grandes áreas em que o mundo vai se concentrar daqui pra frente. A ciência tem um papel vital nesse processo. As pessoas precisam dominar a ciência a fim de enfrentar questões fundamentais para o futuro da democracia que estamos construindo. Democracia não é só votar de quatro em quatro anos. A política do futuro estará cada vez mais imersa em questões científicas. Você acredita no potencial da ciência brasileira? Temos um talento intelectual de 190 milhões de pessoas que não pode ser desperdiçado. Talvez haja milhões de mentes brilhantes que se apaixonariam pela ciência e contribuiriam para a ciência nacional. Se concentramos 70%, 80% da produção científica no estado de São Paulo, estamos alijando dezenas de milhões de mentes que de alguma forma poderiam se transformar em geradores de conhecimento, e não de consumidores de algo pronto. A ciência tem que ser desmistificada como algo que só os eleitos podem fazer. O Brasil está cheio de gente para construir uma ciência tropical. Não seria um modelo norte-americano, um modelo europeu, mas um modelo nosso. Como está estruturado o Instituto Internacional de Neurociências de Natal, que você criou? Atendemos mil crianças de 10 a 15 anos, paralelamente a suas atividades escolares regulares. É um outro con-
ceito de escola. Quando o presidente Lula esteve lá, perguntou a uma das meninas o que ela achava da escola. “Que escola?”, ela respondeu. Além disso, damos atendimento na área médica e formamos um importante centro de pesquisa em neurociência. Isso tudo em Natal e em Macaíba, uma pequena cidade do Rio Grande do Norte, estado que tem a pior rede de ensino público do País. Pretendemos mostrar que a ciência pode ser um importante agente de transformação social. Como funcionará o chamado Campus do Cérebro? Ele está sendo construído em Macaíba. Terá 25 laboratórios voltados aos estudos da neurociência e uma escola de ensino regular onde serão atendidos mil estudantes, do berçário ao ensino médio, em período integral e gratuitamente. No futuro, lá teremos graduação e pós-graduação. Trabalhamos também para a criação de um distrito de pesquisa industrial como Palo Alto, na Califórnia. A ideia é gerar o produto final, econômico, da ciência, de tal modo que possa autossustentar e gerir toda essa atividade social e de pesquisa básica. Esse é um quarto nível que ainda não começamos. Brinco que essa seria a demonstração de que o Nordeste pode ser a Califórnia brasileira. Na verdade, acho que, diante das nossas oportunidades, podemos ser muito melhores. É possível conciliar em sua vida profissional o empreendedorismo social e a alta ciência? Gosto muito de fazer ciência do jeito que faço. E descobri um outro nicho: mostrar como o método científico e a prática da ciência podem escapar do laboratório e ser usados amplamente pela sociedade. Acredito que as duas coisas podem perfeitamente ser conciliadas. É complicado, dá trabalho, mas ambas vão fazer parte da minha vida até o fim. Enfim, o que é ser cientista? As pessoas não costumam compreender isso muito bem, mas ciência não é “Eureka!” todo dia, não é gente andando de jaleco branco com fórmula matemática na cabeça. É uma rotina muito dura, pesada. É uma vida difícil. Mas é algo que em um minuto pode mudar o mundo. VOCÊ PODE AJUDAR Para saber como contribuir financeiramente para os projetos do Instituto de Neurociências de Natal, acesse o site: www.natalneuroscience.com
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Louco Velho G u er r ei r o ha Chacrin
Ele transformou a televisão em circo. Tocava buzina, distribuía abacaxis e bacalhaus. Desfilava pérolas como “Vim aqui para confundir, não para explicar”. Ser chamado de louco era o maior elogio que poderia receber. Para Nelson Rodrigues, era LUCIANA WHITAKER/FOLHA IMAGEM
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ozinho em um estúdio da Rádio Tamoio, só de cuecão, Abelardo Barbosa apresentava o Cassino do Chacrinha. O “louco da madrugada”, como era conhecido, fazia tamanho estardalhaço que dava a impressão de interagir com uma multidão. De quando em quando o assistente vinha com a mesma conversa: “Abelardo, os gringos de novo.” Era comum que turistas batessem à porta do estúdio procurando um cassino de verdade. A voz nada harmônica, comparada às dos locutores convencionais, levou o jovem pernambucano a ficar por muito tempo apenas como discotecário. A experiência seria fundamental quando, já fazendo sucesso na tevê, passou a selecionar calouros para a Discoteca do Chacrinha. Buzina, cores e bordões marcaram a trajetória do Velho Guerreiro, que tinha grande sensibilidade para descobrir talentos. Roberto Carlos, Celly Campello, Elis Regina e Elba Ramalho são alguns dos nomes que despontaram diante de seu microfone.
nosso Chaplin subdesenvolvido. Para Gilberto Freyre, democratizou, abrasileirou, miscigenou como ninguém o mais poderoso meio de comunicação.
Rota da comunicação
Abelardo Barbosa de Medeiros, pernambucano, nascido a 30 de setembro de 1917 em Surubim, chegou ao Rio de Janeiro em 1940, a bordo do navio Bagé. Estudante de medicina no Recife, tinha deixado a faculdade para acompanhar, como baterista, uma banda que faria turnê pela Europa. Não puderam desembarcar no Velho Continente por causa da guerra. De volta ao Brasil, porém, o comandante pediu que animassem os passageiros até que a embarcação aportasse no Rio. Abelardo desembarcou, e ali decidiu ficar. Já havia flertado com o rádio na universidade. Na então capital federal, fez desse caminho o seu. O início não foi fácil. Locutor na Rádio Vera Cruz, ouviu a sentença do chefe: “Sua voz é terrível e você não tem talento para a comunicação”. Demitido, deu a volta por cima na Rádio Clube de Niterói com o programa O Rei Momo na Chacrinha – a emissora funcionava numa pequena chácara,
Outra excentricidade era atirar bacalhau para a plateia. A brincadeira começou quando o produto encalhou nas lojas do principal anunciante, as Casas da Banha. entre gansos e galinhas. O apelido pegou: Chacrinha. A partir dali, passou por inúmeras rádios. Para conseguir se manter, trabalhava em mais de uma ao mesmo tempo, além de fazer corretagem de anúncios. O mesmo vaivém aconteceu na tevê, onde estreou em 1957. Vieram programas na Tupi, TV Rio, Excelsior e Globo. Nesta última, estreou com proposta inusitada: um concurso para eleger o cachorro mais pulguento. O vencedor, com a incrível cifra de 7 mil insetos saltitantes, despertou a ira dos concorrentes. As pulgas, até então presas em frascos de vidro, ganharam alforria em pleno estúdio de tevê.
Nosso Chaplin
Chacrinha ficou famoso pelos bordões particulares: “Eu vim para confundir, não para explicar”; “Quem não se comunica, se trumbica”. E o mais famoso deles: “Teresiiiiiinha... u-uuu”. Sobre a personagem fictícia, Nelson Rodrigues escreveu: “Ela mora em Cordovil. Já se matou 15 vezes na Praia de Ramos e espantou moscas do próprio velório. É namorada, esposa e viúva.” Outra excentricidade do Velho Guerreiro era atirar coisas inusitadas para a plateia. “Vocês querem bacalhau?”, provocava. A brincadeira começou quando o produto encalhou nas lojas do principal anunciante, as Casas da Banha. Para completar a bagunça, costumava reunir jurados excêntricos como Aracy de Almeida, Rogéria, Elke Maravilha e Pedro de Lara. As chacretes jogavam uma
pitada a mais de tempero na imaginação dos telespectadores. Gerações de homens sonharam com as dançarinas de nomes exóticos como Fernanda Terremoto, Índia Amazonense, Fátima Boa Viagem e Rita Cadillac. A popularidade do apresentador chamava a atenção mesmo daqueles pouco afeitos à televisão. Para Gilberto Freyre, Chacrinha democratizou, abrasileirou, miscigenou como ninguém esse poderoso meio de comunicação. Opinião compartilhada pelos integrantes do movimento tropicalista, que elegeram o apresentador como símbolo. Gil o homenageou na música Aquele Abraço: Chacrinha continua balançando a pança / E buzinando a moça e comandando a massa / E continua dando as ordens no terreiro. A simpatia era mútua. Em 1968 o apresentador pôs no ar o especial Noite das Bananas, com o palco todo enfeitado de frutas tropicais. Caetano Veloso não faltou, vestido num camisolão estampado. Nessa noite, mais um de seus concursos excêntricos premiou aquele que plantou bananeira por mais tempo. “O maior elogio que posso receber é ser chamado de louco”, dizia. Nosso Chaplin subdesenvolvido, como o chamava Nelson Rodrigues, apresentou programas na tevê durante 30 anos. Morreu no Rio, após um infarto, em 30 de junho de 1988. Cerca de 30 mil pessoas acompanharam seu enterro.
SAIBA MAIS Quem não Se Comunica, Se Trumbica, de Florinda Barbosa e Lúcia Rito (Globo, 1996).
O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO
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ESPECIAL PA S S E S D E L E T R A
A tabelinha é conhecida: música e futebol. Ao longo da história, dezenas de importantes compositores trataram de levantar a bola do esporte em suas canções. De Lamartine Babo a Jorge Ben Jor, de Chico Buarque a Lupicínio Rodrigues, todos amaciaram a redonda e deram passes de letra para exaltar essa paixão nacional.
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ão há como negar: futebol e música são as duas grandes paixões nacionais. Também é motivo de orgulho para uma nação que sempre sofreu “de complexo de vira-lata”, como definia Nelson Rodrigues. Somos o país que mais vezes conquistou o mundo e mais encantou com craques legendários, como Pelé, Rivellino, Zico, Romário e Ronaldo. Na música não ficamos para trás: criamos o chorinho, o samba, a bossa nova, uma nova música popular. Era inevitável que ambos os temas se juntassem em determinado momento. E, quando ocorreu, surgiram canções divertidas e emotivas, contando sonoramente a história do futebol brasileiro ou narrando a paixão que ele desperta. Como prova da importância dos assuntos na identidade nacional, é célebre o encontro entre Chico Buarque e Garrincha na Itália, em 1969. Eles não se entendiam. Garrincha, amante da bossa nova, só queria saber de João Gilberto; Chico,
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apaixonado por futebol, só falava de histórias da bola. Como se sabe, há muitos cantores arriscando pontapés. E muitos boleiros testando o microfone. O Rei do futebol é um deles. Além de ter composições interpretadas por artistas como Jair Rodrigues, Pelé gravou até um compacto simples com Elis Regina. As canções – Perdão Não Tem e Vexamão – eram do Rei. Músicas populares foram ainda parar nas arquibancadas, com adaptações feitas pelas torcidas. Em geral, colocam o nome do time em determinado verso, uma provocação ao adversário em outro e um palavrão para fechar a história. Impublicáveis. Neste Especial reunimos histórias inusitadas, emotivas e saborosas de 11 músicos que, a partir de sua arte, exaltam o esporte bretão. Uma seleção que joga por música. Está lançado o time dos sonhos do Almanaque. Que role a bola.
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Já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão
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Wilson Batista
O sambista Wilson Batista era fanático pelo Flamengo. Num certo domingo, foi assistir a uma partida entre o time do coração e o Botafogo, no estádio de General Severiano. O Flamengo foi derrotado. Wilson se revoltou, saiu xingando todo mundo e até se recusou a pagar a passagem do bonde. O amigo Antônio Almeida tentou acalmá-lo, mas recebeu uma resposta de bate-pronto: “Pô, eu tiro o domingo para descansar e vejo meu time perder?”. Com o mote, ali mesmo compuseram E o Juiz Apitou: Eu tiro o domingo para descansar / Mas não descansei / Que louco fui eu / Regressei do futebol / Todo queimado de sol / O Flamengo perdeu pro Botafogo / Amanhã vou trabalhar / Meu patrão é vascaíno e de mim vai zombar. Wilson também compôs, em parceria com Jorge de Castro, Samba Rubro-Negro. Era uma exaltação aos jogadores da época: O mais querido tem Rubens, Dequinha e Pavão / Eu já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão. Nos anos 1980, João Nogueira atualizou os craques: O mais querido tem Zico, Adílio e Adão... Recentemente, foi a vez de Diogo Nogueira, com alguma boa vontade na rima (e nos “craques”): O mais querido tem Souza, Obina e Juan / Eu já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão...
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Lupicínio Rodrigues
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Até a pé nós iremos Em 1953, uma greve de bondes paralisou Porto Alegre. Operários faltaram ao trabalho, casais deixaram de se ver e torcedores não puderam acompanhar as equipes no estádio. Entre eles, um gremista chamado Lupicínio Rodrigues. Desconsolado, sentou-se à mesa de um bar, sacou a caneta e lá mesmo compôs o que viria a ser um dos mais emblemáticos hinos de time de futebol: Até a pé nós iremos / Para o que der e vier / Mas o certo é que nós estaremos / Com o Grêmio onde o Grêmio estiver...
Noel era vascaíno?
Ninguém sabe para qual equipe torcia Noel Rosa. Mas especula-se que seja o Vasco da Gama, por citá-lo em Quem Dá Mais: Ninguém dá mais de um conto de réis? / O Vasco paga o lote na batata / E em vez de barata / Oferece ao Russinho uma mulata. O futebol também se faz presente em Conversa de Botequim, considerada uma das mais elaboradas crônicas musicais da história. Entre as ordens do personagem ao pobre garçom, está: Vá perguntar ao seu freguês do lado / Qual foi o resultado do futebol.
Ai, Corinthians, cachaça do torcedor...
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Paulinho Nogueira
mais 11 craques da música e seus times Tom Jobim
Fluminense
Vinicius de Moraes
O surgimento de Pelé foi um calvário para o Corinthians. O Rei tinha no time do Parque São Jorge sua vítima preferida (detalhe: dizem que Pelé era corintiano na infância). Durante o período, a equipe não ganhou nada. Foram 22 anos, oito meses e sete dias sem gritar “É campeão!”. A fiel torcida, no entanto, só crescia. Mas a cada ano, a cada título perdido, a cada bola na trave, a angústia aumentava, como mostra Paulinho Nogueira em Meus 20 Anos: Até um simples empate que podia consolar / Geralmente é conquistado quando é preciso ganhar / Mas nessas poucas vitórias / Algumas sensacionais / A gente esquece de tudo / Não desanima jamais / Ai, Corinthians, cachaça do torcedor... Também cansado de sofrer pelos anos de fila, Sílvio Santos decidiu trocar o malfadado coração corintiano. A operação não deu certo: Ai, doutor, eu não me engano / Botaram outro coração corintiano.
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Renato Barros
Botafogo
João Gilberto
Adoniran Barbosa
Cartola
Vasco
Corinthians
Fluminense
Gilberto Gil
Chico Science
Mano Brown
Bahia
Santa Cruz
Tom Zé
Cássia Eller
Roberto Carlos
Corinthians
Atlético Mineiro
Vasco
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Santos
Quem não falar do Sport é mudo
Renato e seus Blue Caps eram os alvos dos gritos femininos durante os anos 1960, com repertório e estilo de vida Jovem Guarda. Mais tarde, um outro público passou a adorá-los: os torcedores do Sport Recife, que se animam ao som do viciante frevo Sport Estremece a Terra, composto por Renato Barros. Para muitos, um hino não-oficial do clube: Vivendo com o Sport essa emoção / A galera se engrandece muito mais / Quem não falar do Sport é mudo / Cazá! Cazá! / E pelo Sport, tudo!
O homem dos 11 hinos
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Lamartine Babo
Lamartine Babo entrou na história da música brasileira pelas marchinhas. Mas também tem lugar de destaque por ter criado o hino de 11 times do Rio: Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, América, Bangu, São Cristóvão, Olaria, Bonsucesso, Madureira e do extinto Canto do Rio. Todos foram compostos em 1949, após ter sido desafiado pelo dono de uma gravadora a fazer os hinos para os principais clubes cariocas. Há versos inusitados, como o do Bangu (Em Bangu se o clube vence há na certa um feriado / Comércio fechado, a torcida reunida até parece a do Fla-Flu). O hino do Botafogo é o único que aparece a palavra perder (Não pode perder, perder pra ninguém). No do Canto do Rio, o futebol fica em segundo plano: Aquela morena / Do Canto do Rio / Que torce e faz cena / E causa arrepio / Queimada da praia... Propositalmente, o último hino composto foi o do América, clube de coração de Lamartine: Hei de torcer, torcer, torcer / Hei de torcer até morrer, morrer, morrer / Pois a torcida americana é toda assim / A começar por mim...
Se garante na cozinha. E ainda é Vasco doente
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Aldir Blanc
Após ela gritar “Mengo” num gol do Zico, o marido tira o cinto e a espanca. A comemoração era um gesto irrefutável da falsidade da esposa. Assim começa Gol Anulado, com letra de Aldir Blanc e música de João Bosco. O marido sentia-se traído pela mulher que, para ele, era honrada, trabalhadora e, acima de tudo, vascaína:
Suas pernas cansadas correram pro nada Mané Garrincha viveu seus últimos anos de forma amargurada, entregue à bebida. Em 1973, Moacir Franco fez Balada nº 7 (a camisa que Mané usava em seu tempo de jogador). O tom da letra, como não podia deixar de ser, era melancólico: Mas pela vida impedido parou / E para sempre o jogo acabou / Suas pernas cansadas correram pro nada / E o time do tempo ganhou / Cadê você, cadê você, você passou...
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5 Moacir Franco
Eu sempre disse contente / Minha preta é uma rainha / Porque não teme o batente / Se garante na cozinha / E ainda é Vasco doente... A canção se encerra com uma genial analogia entre o término do amor e o maior anticlímax do futebol: Eu descobri que a alegria / De quem está apaixonado / É como a falsa euforia / De um gol anulado.
Nasceu desse jeito uma outra tricolor Ao nascer a primeira filha de Chico Buarque, Sílvia, o compositor Cyro Monteiro mandou uma camisa do Flamengo de presente à recém-nascida. Chico, torcedor fanático do Fluminense, compôs como resposta Receita para Virar Casaca de Neném, subvertendo as cores do time: Pintei de branco o teu preto / Ficando completo / O jogo de cor / Virei-lhe o listrado do peito / E nasceu desse jeito / Uma outra tricolor. Mera ilusão. Sílvia tornou-se flamenguista.
Só não entrou com bola e tudo porque teve humildade
11 Jorge Ben Jor
Parecia uma narração radiofônica: Tabelou, driblou dois zagueiros / Deu um toque, driblou o goleiro / Só não entrou com bola e tudo porque teve humildade em gol. Dessa forma Jorge Ben Jor exaltava um atacante do Flamengo do começo dos anos 1970. Com o visual peculiar e os
dentes saltados, Fio Maravilha ganhou a simpatia dos torcedores e de Ben Jor. Anos mais tarde, entretanto, o jogador processou o compositor. Queria receber algum por ter o nome citado na canção. Ben Jor então mudou o nome do protagonista da música: Filho Maravilha. E acabou com a conversa.
Num terreno tão baldio, o quanto a vida é dura
O clima do Festival da Record de 1967 era quase de estádio. Os artistas eram recebidos com aplausos descomunais ou com vaias retumbantes. A apresentação da música Beto Bom de Bola, de Sérgio Ricardo, sobre as agruras de um jogador de futebol, incluiu-se no segundo caso. Ao cantar os versos Num terreno tão
baldio / O quanto a vida é dura / Onde outrora foi seu campo, resmungou aos músicos: “Não consigo nem ouvir o som”. Levantou-se e bradou, enfurecido: “Vocês ganharam!”. Arrebentou o violão e arremessou-o contra o público. Foi desclassificado.
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Sérgio Ricardo
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O Calculista das Arábias
ligue os pontos
Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan
Rosa, cujo centenário comemora-se em 2010.
1 b Um dos mais constantes parceiros de Noel. É coautor de Conversa de Botequim.
2 c Principal intérprete do Poeta da Vila, eternizou o clássico Último Desejo.
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Cartola
d Noel sempre o visitava no morro da Mangueira, seja para fazer samba ou tomar porres homéricos.
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acervo da família
Wilson Batista
Aracy de Almeida Vadico
a Protagonizou uma famosa briga musical com Noel
Um homem trabalhava para um califa cuidando de seus camelos. Apesar da função não lhe desagradar, era encantado por números. Depois de uma vida no mesmo posto, resolveu oferecer seus serviços como calculista. O chefe aceitou, desde que o homem cumprisse uma tarefa. O serviçal deveria tocar o sino da propriedade em exatamente 11 minutos. Para medir o tempo, teria a seu dispor apenas duas ampulhetas: uma maior, que contava 8 minutos, e outra menor, de 5. O sábio homem não teve dificuldades para superar o desafio. E você, teria? Como afinal ele ministrou as duas ampulhetas para contar exatos onze minutos?
Tradicional escola de samba do Bixiga, em São Paulo: (a) X-9 (b) Vai-Vai (c) Camisa (d) Rosas de Ouro Cantora que apresentou O Fino da Bossa: (a) Maria Bethânia (b) Nara Leão (c) Gal Costa (d) Elis Regina Sobrenome do meio de Noel Rosa: (a) de Medeiros (b) Manuel (c) Batista (d) de Francisco Acordo entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai firmado em 1994: (a) Libertadores da América (b) Itaipu (c) Ponte da Amizade (d) Mercosul Lei que proibiu o tráfico de escravos: (a) do Sexagenário (b) do Ventre Livre (c) Áurea (d) Eusébio de Queirós Autor da poesia Os Sapos: (a) Manuel Bandeira (b) João Cabral (c) Drummond (d) Vinicius de Moraes Profissão de Zuzu Angel: (a) Estilista (b) Jornalista (c) Cantora (d) Modelo
Respostas Wagner Moura divulgação
O CALCULISTA DAS ARÁBIAS O homem virou as duas ampulhetas ao mesmo tempo. Quando a areia da menor terminou de cair, ela foi novamente virada. Nesse instante restavam 3 minutos para acabar a areia da maior. Logo, assim que o tempo da maior se esgotou, a exatos 8 minutos do início da contagem, restavam 2 para o da menor chegar ao fim. Bastou, então, que o homem a virasse, para que ela cronometrasse 3 minutos. Somados aos 8 que haviam passado, chegou-se aos 11 desejados.
Jogador que atuou nos quatro grandes times de São Paulo: (a) Edmundo (b) Casagrande (c) Viola (d) Neto
BRASILIÔMETRO 1b; 2d; 3a; 4d; 5d; 6a; 7a; 8d.
valiação
SE LIGA NA HISTÓRIA 3a; 1b; 2c; 3d. O QUE É O QUE É? Quadrilha . ENIGMA FIGURADO Maguila. CARTA ENIGMÁTICA “Ela era uma pessoa solar numa época em que o chique era a fossa” (Leila Diniz).
DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?
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Palavras Cruzadas
teste o nível de sua brasilidade
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Conte um ponto por resposta certa
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Aproveite: Festa Junina só tem uma vez por ano
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elementos da cultura católica. Passou-se a homenagear três santos do mês: são João, são Pedro e santo Antônio, o santo casamenteiro (sabia que muita gente põe a imagem do santo de ponta cabeça para arranjar um casamento?). Novas maneiras de festejar entraram na roda com o passar dos anos, como as biribinhas, os perigosos balões e novos ritmos musicais. Entre eles, o forró. Mas o mais legal são as brincadeiras. E dá-lhe a molecada tentando subir em pau de sebo, pescar peixinhos de papel fincados na areia, derrubar latinhas com uma bola e acertar argolas em pinos. A única coisa chata é que toda essa diversão só acontece mesmo nas festas juninas. Quem brincou, brincou. Quem não brincou, só no ano que vem.
O maior são João do mundo
JÁ PENSOU NISSO?
Campina Grande, na Paraíba, se orgulha de ser anfitriã do que é considerada a maior festa de são João do mundo. Em 2009 a festança levou mais de um milhão e meio de turistas para a cidade. E atrações não faltaram. Só de trios de forró foram mais de 130! E tem para todos os gostos. Já ouviu falar de forró eletrônico? Pois lá tem. Um dos momentos mais divertidos é a tradicional corrida de jegue, que ocorre no “jegódromo” da cidade. Os nomes dos bichinhos são uma atração à parte. Em 2008 havia até um “Mikael Xumaker” entre os competidores... Será que o “Rubinho Barrikelo” chegou em segundo?
E se, em vez de jegues, a corrida da festa de Campina Grande fosse entre outros animais da fauna brasileira? Na certa a vencedora seria a onça pintada. O bichano cumpriria os 200 metros em apenas 10,2 segundos. O lobo-guará chegaria logo atrás, em 16 segundos. A tartaruga gigante, pobrezinha, buscaria sua medalha de honra com a sonolenta marca de 44 minutos, numa emocionante disputa cabeça-a-cabeça com a preguiça. Caso o campeão brasileiro dos 200 metros, Claudinei Quirino, entrasse na batalha, ele chegaria em terceiro lugar, com um tempo de 19,89 segundos. Resta saber se, ao lado da onça pintada, para qual direção ele correria...
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Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do Almanaque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.
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s festas juninas são tão tradicionais quanto o Carnaval e atraem milhões de apreciadores pelo País. Todo ano é a mesma coisa: quadrilhas, rodas e brincadeiras; barracas vendendo deliciosas guloseimas, como pé de moleque, pamonha e canjica; roupas típicas; e, para alívio dos mais tímidos, o correio elegante, para demonstrar interesse pela menina (ou menino) mais interessante do baile. A história dessa comemoração começou há muitos séculos. Os povos europeus celebravam o início da colheita com grandes festas no mês de junho. Tal qual hoje em dia, fogueiras, danças e comidas faziam parte do ritual. O costume foi trazido pra cá pelos portugueses, com acréscimo de
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festa bala dava, o sino badalava.
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SoluçÕES na p. 22
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Florianópolis
Incas, bruxas e Zé Perri Uma viagem a Florianópolis revela um roteiro sem fim. É a natureza que participa de cada ação, escondendo e revelando histórias que se confundem com lendas. E lendas que fizeram história.
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or que Florianópolis arrebata o coração dos visitantes que ali chegam pela primeira vez? Não foram poucos os turistas que, embalados pela paixão que a ilha desperta, fincaram pé ou criaram dependência. Sempre se ouve que é lugar de belas praias, de uma diversificada gastronomia, de esportes de aventura, de história farta e hospitalidade. E não é de hoje. Já em 1807, segundo o escritor Laurentino Gomes, em seu 1808, o comerciante John Mawe, vindo de Buenos Aires para o Rio, caiu de amores pela cidade. A descreveu como excelente para morar e ótima para investimentos. Outros dizem não saber explicar a atração, que é quase um mistério, e fecham
questão: a cidade é sedutora como um feitiço. Não é por menos que Floripa, como carinhosamente denominam a capital catarinense, também é conhecida como Ilha da Magia. Será o encantamento das paisagens que criam histórias? Ou o contrário?
Primeira parada 5.000 a.C. Aqui começa a verdadeira história de Florianópolis. Os primeiros a chegar foram os homens dos sambaquis. Pouco se sabe desses não-indígenas que deixaram 65 sítios arqueológicos com pinturas rupestres e monólitos – pedras orientadas para os pontos
cardeais e para as direções do nascer e pôr do Sol, da Lua e de certas estrelas. As mais impressionantes estão na Ilha do Campeche, já comparada à Ilha de Páscoa, no Atlântico. O mistério ganha mais contornos com o Caminho de Peabiru. Tido como sagrado, ele ligava a Ilha de Santa Catarina ao Pacífico, passando por Cuzco, a capital do Império Inca. Quem indica o caminho são os petróglifos. A memória e a ficção se confundem: a trilha é citada nos relatos do primeiro governador do Paraguai, Cabeza de Vaca, que, em 1555, narrou sua caminhada da Ilha de Santa Catarina até Assunção, usando “o caminho milenar feito pelos índios”. O trajeto voltou a ser mencionado muitas vezes em depoimentos de outros viajantes do século 17. O nome Peabiru, em tradução livre do tupi-guarani, pode significar “caminho que leva ao paraíso”, “caminho cheio de voltas”, “caminho que leva e trás”. Não seria por isso que Floripa sempre nos quer de volta?
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Não deixe de saborear
Sabás sem o diabo Outra virada ocorreu pelos idos de 1750, quando açorianos colonizaram a ilha. Com eles desembarcaram as bruxas, já cansadas de tanta guerra na Europa. A história é boa, sobretudo quando contada por quem entende do riscado: o historiador e museólogo José Coelho, o Peninha. “Por alguma razão, quando as bruxas chegaram aqui, se modificaram. Não faziam maldades, só incomodavam os bêbados e vagabundos. Se revelaram morenas bonitas, de olhos verdes. Não vieram espalhar o pânico, e sim a alegria.” Segundo Peninha, as bruxas só pensavam em festas e diversão. Tanto é que nunca convidaram o diabo para os seus sabás. Um dia, porém, o capeta descobriu. Fulo da vida, não perdoou. Transformou as boas bruxas em pedras, as mais belas da ilha, as de Itaguaçu.
Floripa não se faz de doce quando se trata de gastronomia, principalmente aquela à base de peixes e frutos-do-mar. Não dá para deixar a cidade sem provar a sequência de 28 espécies de ostras e 14 tipos de preparo. Inicia o banquete: no bafo, à milanesa, gratinada, ao alho e óleo, com gengibre e mel, com dois a cinco queijos e, a especial, com leite de coco. Ao lado, um suco de frutas com uva ou morango, preparado com a melhor cachaça da ilha. É ou não é para ficar enfeitiçado?
Zé Perri, o amigo de Deca Lá pelas tantas chegou do céu Saint-Exupéry. Antoine de SaintExupéry, autor de O Pequeno Príncipe. Entre 1927 e 1931, em suas viagens aéreas para a Patagônia como piloto do correio aéreo francês, onde é que o sujeito aterrissava? Na Praia do Campeche, em frente à ilha homônima. Casualidade? Dos 9.198 quilômetros do litoral brasileiro, algo existia ali para imanizar esse homem tão especial, atraindo-o exatamente para a ilha das pedras sagradas. Zé Perri, como os pescadores o chamavam, acabou batizando a praia onde chegava como Champ de Pêche – campo de pesca, em francês; ou Campeche, na língua de Deca, um pescador amigo. Dizem que Deca não subia por nada no avião do francês; e Exupéry não entrava no barco do manezinho de jeito nenhum. Mesmo assim, a amizade durou anos. Assim é Florianópolis. Quando o mistério e a magia invadem a vida, a realidade se apresenta de várias maneiras. É como se a sedutora cidade abrisse um leque de possibilidades para atrair o visitante, dando-lhe liberdade de escolher o que mais agrada para depois fisgá-lo definitivamente.
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Preste atenção
Embora badalada, a cidade não perdeu seu jeitão provinciano. Lugares como Santo Antônio de Lisboa e Ribeirão da Ilha, principal ponto da colonização açoriana, guardam ainda uma atmosfera bucólica, com casario colonial preservado e as belas igrejas de Nossa Senhora da Lapa e Nossa Senhora das Necessidades. A região é hoje importante centro de maricultura – criação de frutos-do-mar.
Florianópolis tem mais
Bar do Arante
Mercado Público Municipal
De frente para o mar, na Praia do Pântano do Sul, fica o Bar do
Quer colher a essência de uma cidade em poucas horas? Conver-
Arante. O que ele tem de especial? Nada. A não ser os quase 200
se com um motorista de táxi ou passeie num mercado. Ambos
mil bilhetinhos que decoram todas as paredes, portas e janelas. São
oferecem ao viajante uma rara janela para a vida local. A segunda
recados para não sei quem, declarações de amor, convites, e por
alternativa, porém, é mais saborosa. O mercado de Floripa, de ca-
aí vai. Tem até poemas. Tudo começou no início dos anos 1970,
racterísticas ecléticas, foi construído em 1889. Lá está um dos íco-
quando jovens iam acampar na região e sempre passavam pelo bar
nes da gastronomia florianopolitana, o Box 32, importante ponto de
pra pegar uma cachacinha, que ali é de graça, e deixar um recado
encontro dos manezinhos-da-ilha. No cardápio, pasteis de camarão,
para os amigos dizendo onde armariam suas barracas.
bolinhos de bacalhau e petiscos de presunto cru.
Conjunto de fortalezas Um forte e quatro fortalezas formavam o sistema de defesa da ilha. Alguns, como a fortaleza de São José da Ponta Grossa, na praia de Jurerê, mostram por que os piratas não davam as caras por aqui. Construídos quase todos na mesma época, por volta de 1740, mostram-se à prova de qualquer ataque. Já na fortaleza de Santa Cruz, na ilha de Anhatorim, há detalhes de grande beleza, como o pórtico de acesso, de inspiração oriental, e a escadaria em lioz português.
s e rviç o Onde ficar
Onde comer
Costão do Santinho Primeiro resort no Sul do País a harmonizar o turismo autossustentável com a integração à natureza e com a população local. Estrada Vereador Onildo Lemos, 2.505. Praia do Santinho. Tel.: 0800 48 1000. www.costao.com.br Pousada do Museu Assentada numa antiga propriedade rural com arquitetura do século 19, fica de frente para o mar. Ribeirão da Ilha. Tel.: (48) 3237-8148. www.pousadadomuseu.com.br
Porto do Contrato Excelência na sequência de ostras. Rodovia Baldicero Filomeno, 5.544. Ribeirão da Ilha. Tel.: (48) 3337-1026. www.portodocontrato.com.br Ostradamus Magia pura. Rodovia Baldicero Filomeno, 7.640. Ribeirão da Ilha. Tel.: (48) 3337-5711. www.ostradamus.com.br
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MANGA
Gostosura dos trópicos Pura tentação: perfumosa, suculenta, saborosa. Digestiva. Depurativa. Fortificante. Indianos, primeiros a deleitar-se com a manga, a consideraram fruta destinada aos deuses. Ao chegar aqui no fim do século 17, a tropical mangueira sentiu-se em casa.
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Foram os portugueses que, durante o ciclo das navegações, espalharam a manga pelas regiões tropicais de todo o planeta. A fruta fresca mais consumida no mundo chega ao Brasil em 1699, “importada das Índias” direto para Salvador, informa Câmara Cascudo, que arremata: “Começariam então os plantios nos quintais”. O historiador Pio Corrêa anota que a mangueira foi “a árvore asiática que melhor se adaptou ao clima brasileiro”. Das mais de 500 variedades, cultivamos uma dezena, como as populares espada, rosa, bourbon, coração-de-boi. Hoje o Brasil é um dos 10 maiores produtores do mundo. Tal como a banana, “yes, nós temos manga, manga pra dar e vender”. E um dos maiores compradores, veja só, é quem a trouxe para cá: Portugal.
A gente se lambuza, mas pode também não se lambuzar Em português, a menção mais antiga data de 1537. Em Colóquios dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia, o naturalista português Garcia da Orta elogia a fruta e lista vários jeitos de consumir: “Em conserva de açucare, em conserva de vinagre, em azeite e sal; recheadas dentro com gengivre verde e alhos; salgadas, cozidas; e de todas estas maneiras as vistes já, e provastes nesta caza”. O brasileiro em geral come ao natural – é o melhor, mas não sabe o que perde por não experimentar doutras mil formas.
Creme de manga com hortelã Ingredientes • 1 caixinha de creme de leite • Polpa de 2 mangas (550g) • 6 folhas de hortelã • 1 colher de suco de limão • Meia xícara de açúcar • 5 gemas passadas por uma peneira • 2 colheres de gelatina em pó incolor sem sabor (dissolvida conforme as instruções).
Modo de Preparo No liquidificador, bata a polpa da manga com o hortelã e o suco de limão. Reserve. Coloque em uma panela o creme de leite e o açúcar, e leve ao fogo baixo. Ao ferver, incorpore as gemas e cozinhe sem parar de bater com o batedor manual por dois minutos (não deixe ferver). Adicione a manga e a gelatina já dissolvida, misture e distribua o creme em taças e leve para gelar por duas horas. Decore com hortelã.
Iolanda Huzak
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omo resistir à sedutora fruta? A forma ovóide que enche a mão; a maciez da casca – amarela, ou rosa, vermelha, verde-escuro com pintas pretas; cheiro e sabor qual nenhuma outra. E a polpa carnuda, que a gente denta, e o sumo escorre boca adentro e boca afora e pelos dedos. Só quem já se atracou com a fruta da mangueira sabe. E feliz a criança que pode chupar manga no pé. A mangueira adora sol e detesta frio. Frequentemente passa dos 15 metros e pode atingir 50 metros – altura de um prédio de 16 andares. A copa chega a abarcar 20 metros de diâmetro, fornecendo sombra permanente, pois tem folhas o tempo todo. As perfumadas florzinhas vão do branco ou amarelo-esverdeado ao cor-de-rosa, agrupadas em cachos. A polinização é feita por insetos, pelo vento ou por autopolinização. Pertence à família das anacardiáceas, de árvores poderosas, como pau-ferro, aroeira, cajueiro. Não faz luxo para nascer. Dois caroços atirados a esmo no fundo do quintal, num trecho de mata nativa, de repente surpreendem com arvoretas. A palavra manga vem de mankay, do tâmil, língua do sul da Índia, lugar de origem da Mangifera indica, na classificação do botânico sueco Lineu (1707-1778). Ela é “alguns” aninhos mais velha que nós: quando o Homo sapiens surge neste planeta 250 mil anos atrás, a mangueira já existe há pelo menos 25 milhões de anos. Na Índia a consideram sagrada; no Natal, indianos cristãos – como fazemos no ocidente com os pinheiros – decoram as mangueiras. Também enfeitam as casas com suas folhas.
Fonte da receita: site do programa Mais Você
por Lourenço Diaféria
Sogra é quase mãe, às vezes
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o contrário da mãe da gente, que é uma só, no singular, sogra pode ser até um monte, no bom sentido. Sogra é coisa importante. Até existe o Dia da Sogra. Reparem: todo o mundo comemora, badala o Dia das Mães, no plural. Mas ninguém festeja o Dia das Sogras. O que conta no calendário gregoriano é sogra, no singular. Como se houvesse rigorosamente uma única. No entanto sogra varia em número e tipos. Se um dia eu tiver mais tempo, escreverei cientificamente sobre o assunto. Hoje fico nas abobrinhas. Em primeiro lugar, sogra não é parente. Sogra é acidente. Quando um casamento entre um homem e uma mulher (ou vice-versa) dá certo, digo um casamento de diamante, um casamento eterno, é de bom tom dizer que a sogra é um brinde que vem junto. Vou explicar melhor: se a gente vai ao supermercado e tem uma oferta de xampu, com direito a ganhar um pente de graça; ou se a gente compra um pente e concorre ao sorteio de uma viagem gratuita ao Afeganistão, isso são brindes. Exatamente como acontece com a sogra. O sujeito casa com uma loira, uma ruiva, uma mulher mais ou menos, e vem no kit a mãe dela, que por acaso faz dança do ventre. Isso é brinde. Sogra é brinde casual. Ninguém casa de olho na sogra, a não ser caso patológico. De modo que, quando um fulano decide convolar núpcias, ou juntar os trapos, ou conviver uns tempos com uma dama, é interessante, antes de mais nada, pedir informações ao Serviço de Proteção ao Crédito sobre a sogra que lhe vai caber daí em diante. No século retrasado, sogra era acidente para toda a vida. Com a mudança dos costumes e a emancipação feminina, a sogra moderna pode ser fixa, rotativa, fugaz ou simbólica. Há sogras que não chegam a tomar posse do cargo e já se tornam mais descartáveis que copinho de sorvete por quilo. Outras sogras não estão nem aí. São vagas, como fiadores
profissionais. Muitas não querem nem saber quem é o genro, a nora, a amiga-do-meu-filho. Volatéis, imprecisas, nebulosas. Há as sogras-avós, em geral as mais terríveis, que vivem estragando os netos, falando mal de tudo, se queixando de dor nas cadeiras, se metendo na vida do casal, fuxicando, azucrinando, aporrinhando, mas que não podem ficar uma semana longe dos pestinhas e já começam a sentir os efeitos da menopausa. Não se deve esquecer também a sogra pau-para-toda-obra. A que acolhe os destroços e sucatas que restaram de relações conjugais de filhos, noras e genros, que pareciam imunes a maremotos e aludes. Mas não serei indelicado a ponto de esquecer dona Genoveva. Foi a sogra mais sogra que conheci, a começar pelo nome. Ser dona Genoveva é ser sogra desde a pia batismal. Foi sogra do Deocleciano. Dona Genoveva era uma criatura tão sensível que jamais, nem em particular, menos ainda em público, chamava o Deocleciano de Deocleciano. Dizia, carinhosamente, Dodô. Não é lindo? Dodô gostava demais da mulher dele. Gostava em tudo, menos quando a mulher fazia peixe pro almoço ou pro jantar. Dodô detestava peixe. Qualquer peixe. Podia ser pargo, vermelho, sardinha portuguesa, robalo, esturjão, cachalote. Tinha antipatias por peixe. Não podia sentir o cheiro nem de lambari tira-gosto. Enjoado como só ele. Quando a mulher cismava de fritar peixe, Dodô pedia socorro na casa de Dona Genoveva. A sogra, que Abraão a tenha em seu seio, acolhia Dodô com os dois braços nédios e ternos, dizia: “Que bom que você veio, Dodô! Fiz paçoca de carne seca com ensopadinho de quiabo.” Dia de corvina, bagre ou salmão no próprio lar, Dodô refugiavase na casa de Dona Genoveva. Lambendo os dedos, suspirava: “Não sei o que seria do meu quinto casamento não fosse minha sogra.”
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M AR ACUjÁ Passiflora edulis flavicarpa
Flor da paixão Os índios chamavam de mara kuya: alimento na cuia. Contém passiflorina, um calmante; pectina, um protetor do coração, inimigo do diabetes. Rico em vitaminas A, B e C; cálcio, fósforo, ferro. A fruta é gostosa de tudo quanto é jeito. E que beleza de flor.
O 30
maracujá não pede licença para nascer – é “espontâneo”, dizem os botânicos. Assim é que, de repente, no começo do inverno, dou com uma trepadeira já taludinha escalando com suas gavinhas a coluna da varanda. Pelas folhas de três pontas, de um verde-escuro brilhante, vi que era um pé de maracujá. E pela ilustração de um velho livro, vi que se trata de Passiflora edulis flavicarpa. Latim: flor da paixão comestível de frutos amarelos. Ou seja, maracujá-amarelo – uma das 150 variedades, originárias do nosso torrão, que crescem nos trópicos da América. O Brasil, aliás, é o maior produtor mundial dessa fruta fecunda – cada uma contém duas centenas de sementes. Meu maracujá confirma os manuais. Brotou espontaneamente de alguma das sementes que atirei no jardim com o resto de um drinque. O lugar não podia ser mais propício: solo de argila meio arenoso, fértil e, como ele gosta, ensolarado – só floresce com mais de 11 horas diárias de luminosidade. Seguindo o aramado que estendi para facilitar-lhe a vida, avança tão rápido que a gente nota a olhos vistos. Marquei a lápis no lugar em que a folha dianteira estava e, 24 horas depois, medi: cresceu
mais de dois centímetros num dia! Seguirá nesse ritmo inverno e primavera afora e, vizinhando o verão, terei uma cortina natural para proteger a varanda do sol. Conto com as mamangabas, essas abelhonas pretas, principais responsáveis pela polinização cruzada do maracujá – só frutifica se as flores forem fertilizadas com pólen de outro exemplar. Então, ele me presenteará com seus frutos agridoces. Não preciso me preocupar em saber quando colher: caiu no chão, está maduro. E ainda vou usufruir do prazer estético proporcionado por suas flores, que inspiram poetas através dos tempos. O mais antigo poema a saudá-lo está em As Frutas e os Legumes, do baiano Manuel Botelho de Oliveira (16361711): O maracujá também gostoso e frio / Entre as frutas merece nome e brio; / Tem nas pevides mais gostoso agrado / Do que açúcar rosado, / É belo, cordial e, como é mole, / Qual suave manjar todo se engole. Mas foi o fluminense Fagundes Varela (1841-1875), nosso primeiro grande lírico, quem lhe dedicou os mais belos versos, apaixonados e carregados de reverência cristã (observe os penúltimos versos de cada estrofe, na página ao lado).
A FLOR DO MARACUJÁ
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elas rosas, pelos lírios, Pelas abelhas, sinhá, Pelas notas mais chorosas Do canto do sabiá, Pelo cálice de angústias Da flor do maracujá!
Fagundes Varela
Pelo jasmim, pelo goivo, Pelo agreste manacá, Pelas gotas de sereno Nas folhas do gravatá, Pela coroa de espinhos Da flor do maracujá.
Pelas azuis borboletas Que descem do Panamá, Pelos tesouros ocultos Nas minas do Sincorá, Pelas chagas roxeadas Da flor do maracujá.
Por tudo que o céu revela! Por tudo que a terra dá Eu te juro que minh’alma De tua alma escrava está! Guarda contigo este emblema Da flor do maracujá.
Pelas tranças da mãe-d’água Que junto da fonte está, Pelos colibris que brincam Nas alvas plumas do ubá, Pelos cravos desenhados Da flor do maracujá.
Pelo mar, pelo deserto, Pelas montanhas, sinhá! Pelas florestas imensas Que falam de Jeová! Pela lança ensanguentada Da flor do maracujá.
Não se enojem teus ouvidos De tantas rimas em – a – Mas ouve meus juramentos, Meus cantos ouve, sinhá! Te peço pelos mistérios Da flor do maracujá.
No princípio, elas eram brancas
Diabéticos, hipertensos e obesos, cheguei!
MARCELO COSTA BARROS
REPRODUÇÃO/Ab
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R
eza a lenda cristã que um pé de maracujá surgiu ao pé da cruz e o sangue de Jesus tingiu-lhe as flores, que eram brancas. A planta chegou a Roma no século 17, levada por sacerdotes brasileiros e oferecida ao papa Paulo V (1605-1621), que se ajoelhou diante da “revelação divina”. A flor, um cálice; cinco anteras: as chagas de Cristo; três estigmas: os cravos na cruz; filamentos: a coroa de espinhos; o roxo: sangue de Jesus. Daí o nome científico começar com “flor da paixão”: a paixão de Cristo.
O
suco é calmante, diurético, depurativo do sangue. A infusão das folhas é sedativa, antifebril. A casca contém pectina, bloqueador de gordura e redutor da taxa de glicose no sangue: torrada, triturada e peneirada, fornece uma farinha; em sucos, no leite ou nas refeições – duas colheres de sobremesa – traz bons resultados ao diabético, como mostram trabalhos das universidades federais do Rio de Janeiro e da Paraíba. Contra-indicação: pressão baixa. Como dizem as bulas, não use sem consultar o médico.
Saiba mais As Frutas na Medicina Doméstica, de Alfons Balbach (Edel, 1971). Ervas e Plantas – A medicina dos simples, de Ivacir João Franco (Vida, 1997).
O que quiser
Marido milionário
O garoto repara no relógio estiloso no pulso do irmão: – Como você conseguiu esse relógio? – Sabe a vizinha bonitona do quinto andar? Então, quando você não estava, ela bateu aqui na porta, tirou toda a roupa e disse: “Pegue o que quiser”. – Não acredito! E você pegou o relógio?! – É que eu achei que as roupas não iam servir…
As duas dondocas, andando no shopping: – Pois saiba que eu que fiz meu marido ser milionário! – Nossa, que máximo! E como ele era antes? – Bilionário…
Biologia ou lógica?
Jogo sagrado
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O corintiano nunca tinha ido à missa. Ao chegar, o padre lê um trecho da Bíblia: – Acabamos de ouvir Coríntios 1, versículo 6. E o cara, lá de trás: – Pô, até na Bíblia o Corinthians está perdendo?!
– Juquinha, quantos rins nós temos? – Quatro, professora. – Nada disso. Pode ver no livro de biologia. Temos dois rins. – O de biologia eu já vi, fessora. Mas você devia ver o de matemática. Se cada um tem dois, nós temos quatro, oras!
Tem explicação
O maior da cidade
O padre bate na porta da mansão: – Bom dia, seu Adolfo. Organizando os livros da paróquia, percebi que, apesar de ser o mais rico da região, o senhor é o único que nunca deu donativos para caridade… – Por acaso consta nesses livros que minha sogra é surda-muda, minha mãe sofre de uma doença incurável e meus três irmãos são paraplégicos? E o padre, morto de vergonha: – Sinto muito, seu Adolfo. – Pois é… Se eu nunca dei um centavo pra eles, por que doaria pra paróquia?
Um engravatado entra numa loja mequetrefe e faz a maior cara de desdém. Roupas em ganchos, mercadorias amontoadas em caixas, tudo bagunçado… – Não olhe assim para minha lojinha!, diz o homem atrás do balcão escuro. E continua: – Por causa dela eu tenho uma casa na praia, uma no campo, dois filhos estudando na Europa… – O senhor sabe quem eu sou? Sou fiscal da Receita Federal! – Ah… Muito prazer. Sou Salim, o maior mentiroso da cidade.
Um gatuno em casa A central de polícia recebe um telefonema: – Por favor, mande alguém urgente! Entrou um gato em casa! – Mas como assim? Um gato? – Sim, um gato! Ele invadiu a casa e está vindo na minha direção! – Calma. O senhor está disfarçando, querendo dizer que entrou um ladrão aí? – Não! Um gato mesmo, desses que fazem miau, miau. Ele vai me matar, e a culpa será de vocês. Venham agora! – Mas qual é o problema de um mero gatinho ter entrado na sua casa? Quem está falando? – O papagaio, caramba!
Traição por amor O casal de velhinhos está há 60 anos junto. A mulher resolve confessar que traiu o marido três vezes. Mas salienta que todas foram por amor a ele. – Como assim? – pergunta o velhinho. – Lembra quando você estava desempregado? Saí com o dono da fábrica e o convenci a te oferecer um emprego. – Nossa… Não sei o que falar. E a segunda? – Lembra quando você estava doente? Conheci aquele médico que te operou, e também tive que passar uma noite com ele. – E a terceira? – Bem… Lembra quando você foi candidato a vereador e precisava de três mil votos pra se eleger?
Jantar romântico Um casal janta à luz de velas num restaurante de luxo. De repente, o garçom nota que o homem começa a escorregar lentamente para debaixo da mesa. Sutilmente, ele repreende a mulher: – Perdão, senhora, mas acho que seu marido está debaixo da mesa. E ela, quase cochichando: – Não está, não… Meu marido acabou de entrar no restaurante.
Candidato a deputado 33
S
empre que chega uma eleição me vem uma saudade danada do Genésio. Ele era do sertão da Bahia, chegou com uma trupe de migrantes e se acostou lá na minha terra. Genésio devia ter uns 50 anos quando resolveu, por ser muito popular, se candidatar a deputado. É preciso que se diga que era analfabeto de pai e mãe. Apesar de viver há 36 anos em São Joaquim da Barra, não perdia aquele sotaque de baiano da molesta. Isso posto, vamos à campanha política. Nos discursos, ele estava sempre acompanhado, como é natural, por seus cabos eleitorais – sempre tem aquele que dá os palpites apelativos ao pé do ouvido do candidato: Cabo eleitoral (ao ouvido do Genésio) – Fala da fome, Genésio. E ele falava… Mas o que atraía mesmo a multidão era
o bordão que o Genésio usava para abrir cada comício: Genésio (com sotaque do sertão da Bahia) – Eu sou a fulô que nasceu na Bahia… E veio dá o botão aqui em São Joaquim da Barra. Era risada geral. Nessas caminhadas discursivas, eis que Genésio chega na cidade de Ituverava. Genésio – Eu sou a fulô que nasceu na Bahia e veio dá o botão em São Joaquim da Barra. Povo de I-ga-ra-pa-va… Cabo eleitoral (corrigindo ao pé do ouvido) – Genésio! Não é Igarapava, é Ituverava! Genésio – Povo de I-tum-bi-ara… Cabo – Genésio! Você errou de novo. Não é Itumbira. É Ituverava! Genésio (ainda no microfone) – Dêxa de sê burro, ô cabo! Pois tu sabe que cidade do interiô é tudo a mêma merda… É claro que o querido Genésio perdeu as “inleição” Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).
“Não abro mão de ser feliz” Por Elvira Zamboni Nogueira
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inha vida estava calma em 1993. Eu tinha 41 anos, era revendedora de produtos de beleza e casada com um homem muito amável. Também tinha meu filho, Aparecido Leandro, com 13 anos, o maior tesouro da minha vida. Tudo seguia tranquilamente quando, no banho, senti um nódulo no seio esquerdo. Logo pensei que poderia ser algo perigoso. Procurei um médico, fiz os exames e nada apareceu. Ufa. Alívio. Só que, pouco tempo depois, percebi outro carocinho, agora no seio direito. Voltei ao doutor e recebi a dura notícia: estava com câncer de mama. É difícil explicar a sensação ao receber uma notícia como essa. A frase é desgastada, mas de fato parecia que o mundo ia desabar. Era como estar sem chão. Só me sentia desesperada, desnorteada. Eram muitas emoções negativas de uma vez só. Depois do baque, saí com a cara e a coragem em busca de tratamento. Um dia, conversei com uma senhora muito boa, que me encaminhou ao Hospital Amaral Carvalho, em Jaú. O tratamento era gratuito, e não imaginava que, de graça, poderia ser tão bem atendida. A equipe foi cuidadosa, humana. Os equipamentos eram os melhores. Tudo foi maravilhoso. Lembro até o nome do médico, doutor José Caldeiras. Claro que a cirurgia e as inúmeras sessões de quimioterapia e radioterapia eram um transtorno. Muitas coisas passam pela cabeça. Às vezes, pensa-se no pior. Fiquei seis meses na instituição e, graças a Deus, saí de lá curada. O corpo clínico do Amaral Carvalho foi extremamente cuidadoso comigo. Mas meu anjo da guarda foi meu filhinho Aparecido.
Com aquela idade, nem parecia um filho, mas um enfermeiro da melhor qualidade. Sempre esteve a meu lado, me cuidava de um jeito comovente. Nem parecia o pequeno menino que há pouco vivia no meu colo. Com a minha vida restabelecida, quis retribuir quem tanto fez por mim. Tornei-me uma voluntária da Liga de Combate ao Câncer da minha cidade, Santa Cruz do Rio Pardo, interior de São Paulo. Faço tudo que está ao meu alcance, desde arrumar donativos até encaminhar pacientes à instituição. Em 2004, porém, novo baque. Meu marido morreu e, dois meses depois, descobri um outro câncer. Mais um drama para meu filho que, de uma hora para outra, se via novamente no centro de um furacão. E de novo me comoveu com sua dedicação. Claro, voltei a me tratar no Amaral Carvalho. Antes da cirurgia, fiquei na Casa de Apoio. Estava assustada de ter que passar por tudo de novo. O médico, porém, além de competentíssimo, sabia lidar com o lado emocional. Eram seis semanas de tratamento e, em cada uma delas, o doutor me falava: “Pronto, agora só faltam cinco”; “Viu? Está passando rápido. Só faltam quatro”. Foi muito importante para quem estava num momento como aquele de fragilidade. Novamente saí de lá curada. Hoje, aos 57 anos, estou ativa, trabalho, tenho disposição. A melhor lição que tirei dos momentos duros foi saber encarar a vida de outra forma. Hoje faço tudo para viver a vida intensamente, já não me abalo por pequenas dificuldades e não abro mão de ser feliz.