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Tributos continuam no foco das discussões
Carga tributária dos combustíveis deve gerar muitas discussões para os próximos meses, principalmente da gasolina
O ano começou com a prorrogação da desoneração do PIS/Cofins sobre os combustíveis pelo governo federal até dezembro, porém gasolina, etanol e GNV ficarão isentos até o final deste mês. Em relação ao ICMS, alguns estados vão aumentar as alíquotas gerais entre março e abril. Além disso, o governo deverá dar o pontapé inicial à reforma tributária
POR MÔNICA SERRANO
Entra ano e sai ano e o tema dos impostos sobre os combustíveis continua sendo a grande questão do setor. Mesmo com a prorrogação da desoneração do PIS/Cofins, estabelecida pela Medida Provisória 1.157/2023, incidindo sobre o óleo diesel, biodiesel, gás liquefeito de petróleo (GLP) até 31 de dezembro de 2023, ainda paira a dúvida sobre a cobrança de gasolina, etanol e gás natural veicular (GNV), cuja isenção vai até 28 de fevereiro.
Além do PIS/Cofins, outra pendência é em relação ao ICMS cobrado pelos estados, cujos governadores pedem ao governo federal uma compensação das perdas da redução das alíquotas cobradas sobre os combustíveis, energia, transporte e comunicações, segundo a Lei Complementar 194/2022, que considerou a regra da essencialidade e estabeleceu um teto entre 17% e 18%. No caso dos combustíveis, esta legislação, implementada pelo governo passado, impactou principalmente a gasolina, cujas alíquotas tinham variação entre 23% e 34%, dependendo do estado.
De acordo com levantamento da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), o impacto da Lei Complementar 194/2022, que trouxe a redução das alíquotas de ICMS no segundo semestre de 2022, resultou em perdas de arrecadação de R$ 44,2 bilhões aos estados. Já pelas contas do Tesouro Nacional, as perdas poderão custar à União até R$ 36,9 bilhões. Os estados querem saber como será feita a compensação e passam a conta para o governo federal.
Em 27 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se com os governadores para tratar do assunto. Nesta reunião foi estabelecido que Fernando Haddad, ministro da Fazenda, será o coordenador de uma nova comissão para negociar um acordo com os estados, tendo a participação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Enquanto não se sabe qual será a definição da questão tributária sobre a gasolina e etanol, cerca de 12 estados, no final do ano passado, se anteciparam para garantir o aumento das alíquotas gerais de ICMS, entre 19% e 22%, como forma de compensar o teto fixado para bens e itens essenciais (entre 17% e 18%).
“Cada estado é livre para estabelecer as alíquotas de ICMS nas operações internas, que é chamada de alíquota-base, a qual inclui todas as mercadorias. Até o final do ano passado, em boa parte dos estados, essa alíquota era fixada em torno de 17% e 18%. Ou seja, esses estados aumentaram as alíquotas gerais como forma de elevar a arrecadação”, explicou Felipe Gerkel, sócio do escritório Villamil Advogados. “O que não pode ocorrer é a alíquota da gasolina aumentar acima da alíquota-base estipulada por cada estado que aprovou a majoração tributária”, complementou.
Vale destacar que, em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal homologou um acordo com os estados que excluiu a gasolina como item essencial, mas manteve a regra da essencialidade sobre óleo diesel, gás natural e GLP.
Gerkel explica que o aumento dos impostos deve obedecer a lei da anterioridade do exercício. Ou seja, ela só poderá valer para o ano seguinte após aprovação no Legislativo. Além desta regra, também devese seguir o princípio da noventena, que representa 90 dias de espera. Por conta disso, o aumento das alíquotas gerais dos 12 estados entrará em vigor entre março e início de abril. As demais unidades da Federação que não utilizaram este recurso não terão chance de elevar as alíquotas neste ano, exceto se ocorrer uma grande mudança via reforma tributária.
A partir de 1o março, o governo federal deverá definir a cobrança do PIS/Cofins sobre gasolina e etanol. Porém a complexidade do sistema tributário deverá aumentar por conta das medidas distintas que serão aplicadas para o ICMS neste ano, com modelo de tributação diferenciados para os combustíveis. No ano passado, a Lei Complementar 192/2022 estabeleceu a monofasia tributária para os combustíveis. Em 22 de dezembro, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) decidiu que o modelo ad rem será aplicado para o diesel, biodiesel e o GLP, ou seja, um valor fixo por unidade de medida. Todos os estados e o Distrito Federal terão alíquotas únicas por produto, e deverão valer a partir de 1o abril de 2023, para respeitar a regra da noventena. No entanto, a gasolina e o etanol permanecerão sendo cobrados no sistema ad valorem, no modelo atual de substituição tributária, com diferentes alíquotas entre os estados.
Na Expectativa Da Reforma
Neste primeiro semestre, também está em pauta um tema aguardado há anos pelos empresários do setor: a reforma tributária. De acordo com Fernando Haddad, a reforma será a prioridade do Congresso.
Há muito tempo, a reforma tributária é um pleito da Fecombustíveis e de vários agentes do setor. A revenda busca a simplificação tributária, principalmente do ICMS, para minimizar o impacto dos custos na composição de preços dos combustíveis. “A Fecombustíveis defende a monofasia tributária, com recolhimento na produção, com alíquotas únicas em todo o território nacional, diferenciadas por produto. Ou seja, uma para o diesel, uma para a gasolina, uma para o etanol, com a cobrança em reais por litro no modelo ad rem”, disse James Thorp Neto, presidente da Federação.
Ainda não se sabe qual será a cobrança do PIS/ Cofins sobre a gasolina, com o fim da isenção em 28 de fevereiro
“Sabemos que será um desafio chegar num consenso para a reforma. Como representantes da revenda, estamos dispostos a contribuir para esclarecer as complexidades tributárias do setor, pois esperamos melhorar o ambiente de negócios, ampliar investimentos e simplificar o sistema de cobrança dos impostos não só para o nosso setor, como para todo o país”, disse.
Valéria Amoroso Lima, diretora de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), entende que a simplificação tributária no segmento de combustíveis é de fato a medida fundamental e estruturante para o setor e a sociedade. “Nosso posicionamento quanto à questão tributária é pela equidade, simplicidade e transparência. Com a aplicação destes três princípios o consumidor terá um melhor entendimento da carga tributária agregada a cada produto. Além disso, com essa mudanças evitamos assimetrias tributárias, reduzimos o custo e as obrigações acessórias das empresas. Estes princípios contribuem, ainda, para a redução do mercado irregular decorrente do não pagamento de impostos”, destacou.
Para Sérgio Araújo, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), a reforma tributária se faz necessária e prioritária. “Torcemos para que seja implantada o mais rápido possível. Defendemos a monofasia tributária no sistema ad rem, para facilitar as apurações e os recolhimentos dos impostos, com redução de despesas administrativas, maior eficiência na fiscalização, diminuição das sonegações fiscais e possibilidade de otimização logística, com menor custo Brasil”, disse.
Pre Os Dos Combust Veis
Outro tema em foco, que deverá ganhar extensão no setor de combustíveis, é a possibilidade de alteração da política de preços da Petrobras ou alguma medida para proteger o mercado interno da volatilidade de preços internacionais, após Jean Paul Prates ter assumido a presidência da empresa, em 26 de janeiro.
Segundo Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), há duas possibilidades que poderiam ser trabalhadas para diminuir a volatilidade dos preços dos combustíveis no mercado interno. “A primeira seria política/tributária, que pode ser feita via reforma tributária, mas resta saber qual será o modelo adotado, se mais parecido com o norte-americano ou com o europeu (se irá tributar muito ou pouco). O segundo aspecto é a política pública sobre os preços da Petrobras. Jean Paul defende um fundo de estabilização a ser discutido no Congresso, que vejo como uma forma de montar uma política de preços”, disse.
Reforma tributária é aguardada há anos pelos agentes do setor, que defendem simplificação, monofasia tributária e modelo ad rem para todos os combustíveis
Pires destaca que a questão tributária é importante porque pode aliviar o peso dos impostos e se refletir em menor volatilidade de preços na bomba. Outro impacto esperado é a redução da sonegação. “Três empresas do setor sonegam R$ 20 bilhões por ano. Esse volume é quase o mesmo que o governo deixa de arrecadar com a isenção do PIS/Cofins da gasolina. Caso a cobrança dos tributos federais desse combustível retorne, o governo arrecadará cerca de R$ 24 bilhões”, comentou.
Em relação à política de preços da Petrobras, de acordo com Valéria, do IBP, é importante que se mantenha a livre formação e negociação de preços entre os agentes do mercado, como definido na Lei do Petróleo. “Os derivados e biocombustíveis são commodities comercializadas globalmente e o mercado nacional não pode ficar desconectado da dinâmica externa”, disse. “Entendemos preços de mercado (que é global) como condição fundamental para assegurar o abastecimento nacional e a manutenção de um mercado competitivo, equilibrado e atrativo aos investimentos”, destacou.
Sergio Araújo, da Abicom, não acredita em mudança significativa na política adotada pela Petrobras, considerando a condição do capital social misto, que segue as regras de governança corporativa. “Hoje, os preços dos combustíveis já são regionais. A Petrobras tem mais de 30 pontos de entregas de combustíveis com custos diferentes. Não seguir o PPI impactaria não só nas operações dos importadores, como também de outros produtores do mercado de derivados. Lembramos que os preços artificiais impactam também na competitividade dos combustíveis alternativos, principalmente no etanol hidratado, podendo inviabilizar ou retardar a necessária transição energética”, comentou.
Em princípio, para o curto prazo, Jean Paul Prates defende que seja criada uma Conta de Estabilização (CEP-Combustíveis). Esta alternativa já havia sido ventilada no governo passado e não foi adiante, mas seria uma forma de blindar o impacto da volatilidade de preços in- ternacionais no mercado interno. Outra possibilidade, para tentar minimizar os reflexos das cotações internacionais, seria aumentar a capacidade de refino da estatal, para reduzir a dependência de importação de derivados.
Pela avaliação de Pires, a preocupação do mercado hoje é com a defasagem de preços internacionais, conforme a atual política de paridade internacional (PPI). “Se a defasa-
E o etanol?
Os tributos sobre os combustíveis, a precificação interna dos derivados, os preços internacionais do petróleo, entre outros fatores, também podem trazer alterações para a dinâmica competitiva do etanol hidratado.
Luciano Rodrigues, diretor de Economia e Inteligência Setorial da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), observa que no momento em que o mundo discute medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, deveria haver medidas tributárias mais equilibradas para o biocombustível. “Não faz sentido reduzirmos os tributos da gasolina de maneira desproporcional à redução praticada para o etanol”, disse.
Segundo Rodrigues, o setor sucroenergético busca o restabelecimento da condição ofertada antes das mudanças no mercado gem ficar acima de 10% é preciso aumentar o preço no país, porque pode haver risco de desabastecimento”, comentou.
Pires não acredita que o PT possa cometer os mesmos erros do passado, como ocorreu no governo Dilma Rousseff, quando a Petrobras importava derivados a preços altos e vendia mais barato no mercado interno. “Eu espero que o governo Lula de combustíveis, quando a diferença de tributos entre etanol e gasolina era de R$ 0,45.
Ele observa que o setor produtivo vem investindo em canaviais, novas usinas, capacidade de produção das usinas existentes, novos energéticos como o biogás e o biometano, entre outros. “Uma mudança dessa magnitude na estrutura tributária impacta a competitividade do etanol e gera insegurança desnecessária para os investimentos. Não estamos falando de nenhum benefício aos biocombustíveis, apenas da preservação da relação de tributos que tínhamos no país, há mais de quatro anos”, destacou.
Além da questão competitiva, há anos o segmento é alvo de fraudes tributárias, pela ação de empresas conhecidas como barrigas de aluguel, que são distribuidoras cria- não siga nesta direção. Acho que esse risco é menor, porque a gente viu todos os efeitos desastrosos que aconteceram naquela fase”, disse.
O consultor também sugere que a Petrobras poderia implementar uma política de preços para vender mais barato no mercado interno, sem incorrer em prejuízos, apenas quando o petróleo estivesse muito caro. “A parte da importação poderia deixar por conta dos importadores. O que não pode é a Petrobras virar monopolista de importação, cometendo abuso de poder econômico”, advertiu.
Exceto se ocorrer algum evento internacional de grande impacto mundial, pelas projeções do Cbie, para este ano, o preço do barril do petróleo deve se manter, em média, em US$ 85. n das em nomes de laranjas, que fazem o trajeto do combustível, da usina até o posto, sem pagar tributos. Basicamente, esse agente irregular se favorece do não pagamento de tributos entre as fronteiras dos estados, em função do modelo tributário, que acaba estimulando o ganho ilegal via comércio clandestino nas divisas entre os estados.
O problema do barriga de aluguel também poderia ser solucionado com a com a aprovação do Projeto de Lei 284/2017, que tem como proposta identificar e punir o devedor contumaz, que é a empresa que sobrevive do não pagamento de impostos e faz disso o seu ganho. Este PL recebeu apoio da Fecombustíveis e de vários agentes do setor, porém, passados quase cinco anos, ainda permanece no Congresso.
Em tempos de transição energética, a Unica também chama atenção para maior inserção do etanol na matriz como um propulsores da economia verde de destaque no país. “No passado eram produzidos apenas etanol e açúcar. Agora, a indústria produz etanol de cana-deaçúcar, etanol de milho, etanol de segunda geração, crédito de carbono, biogás, bioeletricidade e biometano. No futuro próximo, teremos a oportunidade de ampliar o portfólio do setor com captura de carbono, combustível sustentável de aviação e hidrogênio.Temos vantagens comparativas e competitivas que podem posicionar o Brasil na vanguarda do movimento mundial da economia de baixo carbono”, destacou Rodrigues.