OLD Nº 35

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Nยบ 35 Julho de 2014


Revista OLD Número 35 Julho de 2014 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista

Capa Fotografias

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Angelo José da Silva, Camila Martins, Felipe Abreu, Juliana Biscalquin e Luciana Dal Ri Pedro Ângelo Alexandre Gennari, Guilherme Bergamini, Pedro Ângelo, Pedro Cruz e Wilian Olivato

Entrevista

Ivan Padovani

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Livros

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Cidades Invisíveis Exposição

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Pedro Ângelo Portfolio

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Wilian Olivato Portfolio

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Alexandre Gennari Portfolio

50

Ivan Padovani Entrevista

60

Pedro Cruz Portfolio

72

Guilherme Bergamini Portfolio

86

Reflexões Coluna

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Fissuras Coluna

22

10

36

60

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EDITORIAL

A OLD volta a estar inteira em tons de cinza 30 edições depois do seu primeiro número inteiramente dedicado à fotografia PB.

Depois de 30 edições a OLD volta a ter um número somente com trabalhos em Preto e Branco. Nem preciso falar que muito mudou aqui na revista entre Outubro de 2011 e agora. Os trabalhos em PB sempre estiverem presentes na OLD, mas é só a segunda vez que fazemos um número somente em tons de cinza. Nesta nova edição nós exploramos a fotografia documental, de natureza e produções mais subjetivas ou experimentais. Como de costume, uma grande gama de estilo fotógraficos ocupa as nossas páginas. A capa desta edição é assinada por Pedro Ângelo e seu ensaio O Olhapim. A série é uma espécie de encarnação do flaneur brasileiro, em busca da fotografia cotidiana, mas agora com um olhar um pouco mais pessimista do que o clássico trazido na Europa da metade do século passado. O Olhapim é mais soturno, mais escuro e direto. La Chureca, ensaio de Wiliam Olivato, apresenta a dura realidade no lixão que dá nome ao trabalho. Esta foi a primeira série de fôlego produzida por Olivato, que já mostrava a qualidade da sua fotografia social. Voltando ao Brasil, temos o ensaio Noronha Monocromático. Com nome autoexplicativo, a série mostra um lado não óbvio de Fernando de Noronha, através do olhar de Alexandre Gennari. O ensaio recebeu um tratamento diferenciado em nossas páginas, com uma série de imensos pôsteres, tomados pelas águas de Noronha.

Na segunda metade de nossos portfolios temos dois trabalhos mais introspectivos, que caminham por rumos diferentes na fotografia. Pedro Cruz apresenta Miudezas, uma série de fotografias que exploram a sua profunda relação com a natureza, trazendo imagens escuras e densas de paisagens naturais. Fechando nossa seleção de Julho temos Desconstrução, de Guilherme Bergamini. Com imagens corroídas, alteradas por seus processos ou pelo tempo, Desconstrução é uma crítica visual e temática aos símbolos da cultura brasileira. Ivan Padovani é o responsável por fazer o meio de campo desta edição PB da OLD. Com um entrevista densa, o fotógrafo paulista fala sobre seu recente trabalho Campo Cego e sobre os desafios do F+, o centro de estudos da Fauna Galeria. Agora chega de conversa e vamos a mais uma edição da OLD!

Felipe Abreu


War game drill on SEATTLE / Bain News Service,, publisher.


LIVROS

THE PHOTOGRAPHY OF NATURE & THE NATURE OF PHOTOGRAPHY

DE JOAN FONTCUBERTA

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A fotografia científica é a representação visual perfeita para novas descobertas, certo? A princípio sim, mas nem sempre. Toda imagem pode ser manipulada e as científicas não são diferentes. Mais do que isso: toda imagem é uma representação e, portanto, nem sempre é objetiva. Há espaço para todo tipo de criação dentro do enquadramento fotográfico. Joan Fontcuberta se aproveita disso em seu recente lançamento. A narrativa do livro se apresenta como um diário científico, como uma coleção de imagens que apresenta diversas descobertas incríveis. A questão aqui é que tudo é uma grande ficção, apoiada no gênero “mais verdadeiro” da fotografia. Fontcuberta busca uma série de imagens produzidas por ele nos anos oitenta com plantas e animais fantásticos: macacos centauros, cobras com pernas e muito mais. Com esse conjunto de imagens ele põe em cheque os conceitos que dão nome ao livro: a fotografia de natureza e a natureza da fotografia. A obra é ao mesmo tempo divertida e muito instigante, já que nos faz pensar sobre a própria natureza da imagem, sobre o que consideramos como verdade e documento. Um belíssimo livro para se ter na estante.

Disponível no site da MACK Valor Médio: R$ 120,00 224 páginas


LIVROS

FIELD TRIP DE MARTIN KOLLAR

Israel e Palestina vivem em um conflito constante. No início deste mês vimos o confronto se intensificar novamente e muitas vidas sendo tiradas. Neste local que é um dos mais importantes histórica e politicamente para o mundo nada é simples, tudo é repleto de tensão, inclusive na fotografia. As imagens de Martin Kollar falam dessa tensão de uma maneira não óbvia. Elas exploram como o conflito transforma o cotidiano e a geografia da região. As fotografias em Field Trip são profundamente impactantes, algumas são um soco na cara, outras vão fazer efeito dias depois de você as ter visto. O ensaio faz parte do projeto This Place, uma iniciativa para investigar novas formas de se produzir imagens documentais, com um foco especial em Israel e na Faixa de Gaza. O projeto é curado por Frédéric Brenner e tem como principal destaque até agora a produção de Martin Kollar. O livro, editado pela MACK, foi lançado no final do ano passado e foi um daqueles que já nasce consagrado. Neste ano a publicação ganhou o Oskar Barnack Award, oferecido pela Leica. É fácil de se reconhecer a força subjetiva das imagens de Kollar e o mais impressionante é sentir o peso delas se estabelecendo no sua mente, deixando todo o seu conteúdo mais profundo transbordar.

Disponível no site da MACK Valor Médio: R$ 120,00 76 páginas

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EXPOSIÇÃO

CIDADES INVISÍVEIS NO MASP O Museu paulista continua a valorizar seu acervo fotográfico e a buscar novos espaços para a fotografia dentro de sua programação com novas exposições

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A fotografia vem ganhando uma importância cada vez maior dentro do acervo do MASP. A Pirelli fez sua parte ao ajudar na construção da coleção e agora o museu paulista busca novas e instigantes formas de apresentar sua coleção para o público. No ano passado o MASP organizou a primeira Foto Bienal, que trazia trabalhos que transitavam entre as mais diversas maneiras de se usar a fotografia como suporte artístico e visual. Neste ano a fotografia volta a ser centro de uma exposição no MASP, mas como uma abordagem mais conservadora, que buscou apresentar um recorte mais tradicional do acervo. Cidades Invisíveis apresenta a visão de 50 fotógrafos do acervo Pirelli MASP sobre 20 cidades no Brasil e no mundo. A principal questão curatorial aqui é que a cidade é sempre representada por uma metonímia - um prédio, uma rua, uma praça - por isso são sempre visíveis e invisíveis. Assim, as imagens apresentadas buscam reconstruir cidades através dos recortes visuais que se encontram no acervo do museu. Estão entre os fotógrafos da exposição grandes nomes da fotografia nacional como Cláudia Andujar, Geraldo de Barros, Gautherot, José Medeiros, Miguel Rio Branco, Thomas Farkas, Pierre Verger e

German Lorca, todos com trabalhos produzidos desde 1933 até hoje. É fácil perceber a amplidão visual que Cidades Invisíveis apresenta. A proposta do curador Teixera Coelho é ao mesmo tempo interessante e vaga, trazendo um dos principais temas da fotografia mundial com um recorte temporal e visual imenso. Apesar das questões coladas aqui, a exposição se presta a trazer à luz uma parte considerável da fotografia brasileira que o MASP possui. Também vale frisar a possibilidade de estudo e comparação entre as mais diversas correntes visuais apresentadas nas paredes de Cidades Invisíveis. É sempre bom ver a fotografia sendo destaque em um dos principais museus do país, mas não é possível deixar de sentir a vontade de ver propostas mais arrojadas, buscando explorar os cada vez mais tênues e distantes limites da fotografia.

O MASP fica na Av. Paulista, 1578, em São Paulo. A exposição não tem data para terminar.


Cristiano Mascaro


Pedro Ă‚ngelo O Olhapim



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O Olhapim é a representação do fotógrafo de rua, que observa ao seu redor personagens e situações que podem parecer comuns, mas são cheias de alma. Pedro Ângelo encontra este tipo de imagem em sua produção, trazendo uma fotografia de rua viva e contagiante. Pedro, conte sobre seu começo na fotografia. Meu primeiro contato com a fotografia foi ao descobrir os álbuns de família, guardados em uma parte mais obscura do armário dos meus pais. A partir daí, comecei a visitar esporadicamente essas imagens. Mesmo sendo uma criança, as conexões e narrativas que aqueles álbuns produziam na minha cabeça tinham uma complexidade singular. Penso que meu fascínio por essas fotografias se deve ao fato de ter perdido meu pai ainda menino. Eu devo muito da minha relação com ele a essas imagens. Depois disso, houve um longo hiato, até o momento em que eu me reencontro com a fotografia na universidade. E aí essa presença se torna sistemática na minha vida, tanto no meu cotidiano profissional como jornalista, como nas minhas reflexões sobre o mundo e projetos mais pessoais.

Como surgiu o ensaio O Olhapim? O ensaio é parte de uma publicação maior, com crônicas, fotografias e ilustrações, que desenvolvi com um amigo, Diego Suriadakis. O trabalho teve sua fagulha a partir da leitura do texto “O narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, de Walter Benjamin. A ideia era recuperar a antiga faculdade de escutar, base dos relatos do passado e da tradição oral. Para isso, colocamos na rua o Olhapim, palavra que significa “pessoa que tudo vê e observa; curioso”. Passamos um período de 2011 percorrendo Belo Horizonte durante a madrugada e nos relacionando com a cidade. A noite é envolvida por uma atmosfera diferenciada, capaz de levar acontecimentos ordinários a escalas extraordinárias. A escassez de claridade é um estímulo. Nesse período, há pontos de luz e pontos de total penumbra, marcando, assim, um forte contraste. Nos pontos iluminados, as imagens são formadas no nervo óptico humano, porém, onde não há luz, a imagem se cria no imaginário.


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A fotografia de rua vive um novo grande momento, com uma série de novas abordagens. O que você busca quando fotografa na rua? Eu vejo a rua como um local onde as histórias estão em constante processo de formação e, também, de extinção. Portanto, busco uma compreensão menos efêmera do que acontece nela. E a fotografia me proporciona isso; seja no ato, com a câmera, ou depois, quando as imagens já estão prontas.

Como você encontra seus personagens? Qual a relação que mantém com eles? Falando especificamente desse trabalho, os encontros ocorriam, na maioria das vezes, por uma curiosidade de compreender ou sentir a experiência de quem estava ali. Não havia somente o interesse de fazer o registro fotográfico daquela pessoa ou situação, um contato mais profundo ou uma conversa mais prolongada era essencial. Você vê a fotografia de rua como uma oportunidade para criar um diário sobre a cidade? A palavra “diário” tem muitos significados. Gosto de pensá-la enquanto caderno de segredos. Nesse sentido, a fotografia de rua tem um grande valor - desvendar o que, corriqueiramente, passa despercebido pelos olhos.

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Wilian Olivato La Chureca



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La Chureca foi o primeiro grande trabalho documental desenvolvido por Wilian Olivato. Na imersão em um lixão na Nicarágua, William busca apresentar o cotidiano e o impacto sofrido pelas famílias que vivem na área. Wilian, nos conte sobre seu começo na fotografia. Quando tinha uns 15 anos trabalhei por dois anos em um jornal em minha cidade natal, Igaraçu do Tietê. Ali acompanhei a rotina de dois fotógrafos, tive contato com câmeras, filmes, inclusive uma Sony Mavica que usava disquetes, na transição pro digital. Mais tarde, em 2005 aprendi o básico e comecei a fotografar. Não parei mais.

Como surgiu La Chureca? Qual a história por trás do ensaio? A ida pra Manágua, capital da Nicarágua, veio a convite de uma ONG que estava se estabelecendo no lixão público da cidade, chamado La Chureca. Passei 10 dias conhecendo o lugar, as pessoas e fotografando em 2008. Além de cobrir as ações da ONG, eu queria contar um pouco da história daquelas pessoas.


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Qual a sua relação o local? Como você buscou se relacionar com os personagens fotografados?

O que você buscou com a produção deste ensaio: denúncia, transformação, registro de uma realidade?

Eu já tinha visto lixões em outras cidades, mas nunca tinha fotografado em um. La Chureca é diferente porque as famílias vivem dentro do lixão. Eles tem barracos construídos, ruas, ali no meio do lixo. Na época eram mais de 200 famílias vivendo ali sem nenhuma condição. Os dias ali foram de muito aprendizado e reflexão tbem. Não tem como não ser marcado num lugar desses. Sobre a relação com as pessoas, foram vários as dificuldades. Eu era muito cru, era meu primeiro trabalho fora do Brasil e o espanhol não era aquele espetáculo. Eu me aproximava das pessoas, contava porque eu estava ali. Em alguns casos, falei com as pessoas depois de fotografá-las, como no caso da foto do casal em que o rapaz beija a esposa. Quando tentei enquadrar a foto, ele beijou a esposa espontaneamente. Eu acenei com a cabeça e depois fui agradecer.

A princípio eu tinha muito essa ideia da realidade. Era isso que eu tinha em mente quando fiz as fotos. Depois, editando, percebi que as fotos tinham uma busca por esperança no meio daquele caos. Um sorriso, as crianças brincando, a bandeira do país na bicicleta com o pai e o filho e finalmente o beijo do casal. Confesso que vi isso só depois. Acho que eu fotografei um pouco da dignidade das pessoas ali. A fotografia pode servir como motor de transformação social? Como motor sim. Ela é um botão na mente das pessoas. Quando vemos uma cena somos provocados, isso pode desencadear uma reação do espectador que pode ir na direção da transformação, ir na direção do outro.


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Alexandre Gennari Noronha Monocromรกtico



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As imagens de Alexandre Gennari fogem da exuberância óbvia da natureza de Fernando de Noronha. Suas fotografias escolhem olhar para o que está nas beiras da ilha, na água, em suas ondas e em quem as pega. Noronha Monocromático é um registro de um espaço geográfico restrito, mas também um exercício sobre a expressão do mar, das ondas dentro da fotografia. Ao abrir mão da cor Gennari nos traz grafismos, texturas e contrastes que nos levam até as praias que ele fotografou.


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OLD EN

IVAN PA


NTREVISTA

DOVANI


Ivan Padovani é fotógrafo, um dos coordenadores do F +, o centro de estudos da Fauna Galeria e vem recebendo uma série de prêmios e ótimas resenhas sobre seu recente trabalho Campo Cego. A trajetória de Ivan mostra a importância de se transitar pelo maior número de campos possíveis dentro da fotografia, sempre buscando novos conceitos e inspirações. Ivan, como surgiu seu interesse pela fotografia? Como foi a migração da Administração, sua graduação pela FAAP, para o campo visual?

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Meu interesse pela fotografia surgiu aos 17 anos. Na época, eu cursava o segundo grau. Minha escola oferecia algumas atividades extracurriculares e, curiosamente, optei por fazer um curso de astrofotografia. O que me atraiu, a princípio, não foi nem a fotografia nem a astronomia, mas sim, as viagens que o curso propiciava. E digo isso porque acredito que este fato represente uma das principais características da maioria dos fotógrafos - a curiosidade e o interesse por estabelecer um olhar sobre o mundo. Fomos a São Carlos, e lembro-me de fotografar no observatório utilizando o telescópio. Isso foi uma experiência marcante e reveladora para mim. Em seguida herdei uma Pentax Spotmatic da minha irmã. Passei a buscar mais informação e a estudar por conta própria. Montei um laboratório em casa e não parei mais. Durante toda minha adolescência fui atleta. Praticava uma modalidade de ciclismo chamada downhill. Viajava muito com minha equipe e isso me possibilitava estar sempre fotografando, tanto a própria atividade esportiva, quanto as localidades que eu ia conhecendo. Fato é que a fotografia esportiva e a documental me acompanham até hoje. Em seguida comecei a cursar Administração com ênfase em hotelaria. Novamente, optei por essa faculdade por acreditar que poderia levar a conhecer outros lugares. Realmente, foi isso o que ocorreu. A hotelaria me levou a morar em Fernando de Noronha, Bahia e Colorado. Passei a trabalhar nesta área e paralelamente realizar

meus primeiro trabalhos comerciais com fotografia. Cobria atividades esportivas ligadas ao turismo de aventura, vendia imagens para guias de viagem, fotografava para hotéis, pousadas e restaurantes. Em 2004 resolvi largar de vez a hotelaria e me aventurar a trabalhar somente com fotografia. Naturalmente que, se eu estou fazendo isso até hoje, muito se deve aos fundamentos adquiridos em administração. Você é um dos muitos oriundos de sucesso da Pós-graduação em Fotografia da FAAP. Como o curso mudou sua visão sobre a fotografia? Como ele contribui para o seu trabalho? Realmente, eu tive a grande felicidade de fazer parte de uma turma muito especial dentro da pós-graduação da FAAP. Um grupo muito generoso, disponível e empenhado. Todos se davam muito bem, e fizemos grandes amizades ao longo do curso. Acredito que estes foram alguns dos fatores que proporcionaram trocas muito ricas e francas entre alunos e professores. Sinto-me privilegiado por ter feito parte deste projeto tão importante conduzido pelos professores Rubens Fernandes Junior, Lívia Aquino e Ronaldo Entler. Todos eles foram grandes incentivadores da minha pesquisa. Sem dúvida, esse curso foi responsável por uma forte guinada na minha trajetória enquanto fotógrafo. Ali foi possível entrar em contato com todo um repertório histórico e conceitual que expandiram de forma determinante meu olhar sobre a fotografia, além de me tornar capaz de ter um posicionamento muito mais crítico a respeito da minha própria produção. Foi fundamental ter passado dois anos debruçado sobre meu trabalho, e trabalhos de colegas, a partir da lógica de pesquisa acadêmica. Isso fez com que eu me aproximasse ainda mais das minhas principais questões. Você é um dos coordenadores do F+, o centro de estudos voltado para arte contemporânea da Fauna Galeria. Como surgiu esse projeto?


O F+ foi um dos projetos que surgiram em decorrência dos encontros gerados dentro da pós-graduação. Na FAAP, conheci Carolina Magano, dona da galeria. Juntamente com Juliana Vasconcelos, colega de turma e que também passou a trabalhar na Fauna, começamos a discutir a importância de um espaço de reflexão anexo ao espaço expositivo. Achávamos essencial não haver a limitação de apenas apresentar exposições com o resultado final de uma produção artística, mas que também fosse possível sediar um núcleo de discussão, estudos e práticas voltados para arte contemporânea. Passamos cerca de seis meses tendo reuniões com diversas pessoas que achávamos importantes no mercado, o que foi fundamental para definirmos a proposta do F+ enquanto núcleo educativo da Fauna. Ao mesmo tempo, convidamos Mariano Klautau para nos auxiliar na curadoria das atividades que oferecemos. Vocês contam com um time incrível de professores no F+. Como é formada a grade? Como surgem os novos cursos? Desde o início pensamos em oferecer uma programação de atividades complementares, e que transitassem por diversas linguagens, sem necessariamente se restringir ao campo da fotografia. Na verdade, não acreditamos muito nestes limites e procuramos entender a imagem fotográfica em um sentido mais amplo. A espinha dorsal da nossa grade de cursos está baseada nos grupos de estudos. Todos eles são módulos que duram em média 4 meses e envolvem a reflexão e a prática com base na produção dos alunos. Investimos muito neste formato, pois nos permite criar uma dinâmica de troca mais comprometida e horizontal entre professores e alunos. Os novos cursos são criados em parceria com artistas, curadores e pesquisadores atuantes, interessados em compartilhar investigações artísticas e orientar seus desdobramentos no repertório de cada aluno. Este ano, por exemplo, contamos com o Laboratório de Projetos, ministrado por Galciane Neves, o Acompanhamento de

Minha estratégia, neste caso, é esvaziar a imagem de tal forma a não estar mais falando somente da minha relação com a cidade ou de uma experiência pessoal. Penso que esta lógica da negação e do apagamento promove a dúvida, e é exatamente esta dúvida que abre espaço para o espectador se colocar.




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Artistas, com Pio Figueiroa e Carol Lopes, e o MOLA (grupo de estudos com foco em arte e tecnologia) orientado por Fernando Velázquez e Lucas Bambozzi. No próximo semestre lançaremos mais duas turmas, com Denise Gadelha e o coletivo Garapa. Paralelamente a esta programação, ocorrem cursos mais pontuais e específicos, como Experiências de Artistas, com a Fernanda Grigolin, que procura discutir a relação entre o livro e a fotografia. Já as oficinas Vários Territórios, com Juliano Gouveia a Patrícia Osses, é um desdobramento do programa de Residência Artística e Seminários de Investigação no âmbito de intercâmbio internacional entre a École Supérieure des Beaux-Arts de Tours (ESBAT, França) e a Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

perdia. Passei a criar certa familiaridade com essas fachadas. Muitas delas, hoje em dia, são para mim pontos de referência. Esta busca me proporcionou incontáveis histórias fosse pedindo permissão para entrar em prédios vizinhos, ou acessando locais proibidos, construções e terrenos baldios. Mas estas são camadas que não estão explícitas no resultado da trabalho, e certamente não é meu principal objetivo, embora, de certa forma, esteja subentendido.

Seu trabalho Campo Cego vem sendo muito bem recebido e premiado. Conte-nos sobre a criação do ensaio.

Minha estratégia, neste caso, é esvaziar a imagem de tal forma a não estar mais falando somente da minha relação com a cidade ou de uma experiência pessoal. Penso que esta lógica da negação e do apagamento promove a dúvida, e é exatamente esta dúvida que abre espaço para o espectador se colocar. Este esvaziamento e isolamento do contexto são assumidos ao ponto de permitir que cada um possa projetar sua respectiva carga subjetiva sobre estas imagens. Sendo assim, não procuro tratar o trabalho me apegando a questões específicos. Estas imagens podem sugerir diversas questões, sejam elas arquitetônicas, urbanísticas, sociais e artísticas, dependendo da maneira como são recebidas por quem entra em contato com o trabalho. Até mesmo para mim o trabalho adquiriu novos sentidos ao longo do tempo.A frontalidade e a composição fechada é assumida de forma a erguer esse muro que não permite ao olhar fluir pelas margens da fotografia, numa tentativa de fazer com que nos confrontemos com essa parede, explorando sua concretude e sua transparência. A ordem presente nestas imagens tem muita a ver com minha personalidade. Estou a todo momento procurando organizar as coisas em minha volta. Gosto muito de trabalhar com o equilíbrio, as linhas e as nuances de tons. Busco ter

Este projeto teve início em 2010. Sempre me interessei por estas empenas, provavelmente porque, de certa forma, eu me identifico com elas. Há quem diga que são autorretratos. A verdade é que sempre tive grande dificuldade de fotografar São Paulo. Não me atraía capturar a cidade do caos, dos contrastes, das sobreposições, da velocidade, da multidão. Mas ao olhar estas fachadas, percebi a possibilidade de encontrar um respiro visual, um silêncio, uma ordem e tranquilidade que eu não encontrava facilmente. Paradoxalmente, uma imagem que nega e afirma muito do que esta ao seu redor. Defini um procedimento muito específico para produzir o trabalho, e o segui durante estes últimos quatro anos, ao ponto de criar uma coleção de cerca de 150 imagens. Esta tarefa determinou toda uma nova postura frente à cidade, caracterizada por um olhar mais atento e um caminhar mais lento. Um exercício que me levou a ampliar meu ponto de vista para o alto, e perceber outra série de particularidades da cidade que eu antes

Você encontra uma visão específica dentro da cidade, que mostra a imposição das construções sobre a paisagem e ao mesmo tempo a fusão entre dois cinzas, do céu e dos prédios. Como foi construída essa abordagem visual? Como você encontra as construções que fazem parte do ensaio?


domínio sobre todo o processo fotográfico, desde o registro até a impressão. Realizo todo este procedimento de forma independente e investi bom tempo fazendo testes de papel e impressão para chegar nestes tons de cinza. Queria uma imagem sem contrastes, onde não houvesse extremos de baixas e altas-luzes. Isso resulta em uma fotografia lavada, que sugere uma certa leveza, definindo assim uma das dualidades do trabalho. Ao mesmo tempo, este projeto é objeto de uma pesquisa pessoal no campo da fotografia, que se deu a partir do momento em que eu passei a tentar decompor esta linguagem. Neste caso abdico de vários aspectos que caracterizam a fotografica tradicionalmente, como a perspectiva, o instante, a performance do fotógrafo, um domínio explícito da habilidade em trabalhar com a luz e a composição enquanto organização dos elementos que formam a imagem por exemplo. Talvez pudesse arriscar-me a dizer que, de certa forma, é uma fotografia não fotográfica. Agrada-me lidar com estas contraposições. Entendo que poucas destas imagens sobrevivem sozinhas. Elas se afirmam no conjunto, e seguem uma lógica de discurso baseado em uma narrativa não linear, fragmentada e com base na repetição. Neste caso, lanço mão de um processo objetivo e documental para produzir matéria-prima para outras possibilidades de construções. Somado a isso, está muito presente a procura por explorar a materialidade que tais imagens sugerem, apresentando as mesmas em suportes que mimetizam blocos de concreto, ou em um livro composto somente por páginas de folhas vegetal. Em resumo, uma fotografia que se confunde com desenho, apresenta um tema sob o ponto de vista escultórico e gera um resultado na forma de objeto. Tenho muito a necessidade de trazer a fotografia para um campo mais manual, voltado para a construção física do trabalho. Essa pesquisa define uma via de mão dupla, na qual em um primeiro momento ocorre a decomposição dos elementos fotográficos e da cidade. Mas, em seguida, volto a retrabalhar estes aspectos sob uma outra abordagem. Ou seja, tanto no livro quanto no projeto expositivo, as questões da sobreposição, da materialidade, da paisagem e de alguns aspectos fotográficos

voltam a estar presentes a partir da escolha do suporte, da iluminação e da disposição das peças. De forma geral, encaro este trabalho como um campo de investigação, descoberta e revelação do mundo que me cerca e da fotografia. O processo de localização destas fachadas parte da minha vivência do dia a dia na cidade. Sempre estou atento, não só a essas ocorrências, mas a muitas outras que me interessam. A princípio, registro as fachadas com o celular, e compartilho as mesmas no instagram, anexando sua geolocalização. Desta forma, a ferramenta me oferece a possibilidade de criar um mapeamento destas empenas, que posteriormente serão revisitadas, já com uma câmera DSLR, a fim de produzir a imagem final que compõe a série propriamente dita. Não raras vezes, eu preciso retornar ao mesmo local e refazer a foto até chegar ao resultado que procuro. O Campo Cego já foi para Belém e para a Espanha. Como foi a recepção do trabalho nestas duas cidades, longe da origem do ensaio? O que você tem aprendido nessa troca de experiências e observações? Durante a exposição dos selecionados do Prêmio Diário Contemporâneo, em Belém, eu estava muito curioso para saber como o trabalho seria recebido. Fiquei um bom tempo no museu perto de onde ele estava exposto, apenas observando a reação das pessoas. E confesso que me surpreendi com o interesse da maioria. Muitos ficaram um tempo prolongado observando sob diferentes pontos de vista, se aproximando e distanciando, folheando o livro vagarosamente, tentando entender como tudo foi construído e fazendo perguntas muito pertinentes. Percebi também que muitas pessoas se interessavam, mesmo sem ter algum tipo de relação com São Paulo, pois acessaram o trabalho a partir de outro viés, independente de questões mais objetivas referentes ao contexto espacial. Muito contribuiu o fato de o projeto ter sido escolhido para ilustrar a capa do tabloide da exposição, o que também ajudou a

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atrair a atenção do público. Já durante o festival PhotoEspaña, para minha surpresa, o projeto teve uma ótima aceitação. Talvez a Europa esteja mais acostumada a uma estética mais limpa e a esta lógica do colecionismo. Notei que se mostram quase sempre muito curiosos em entrar em contato com aspectos arquitetônicos distintos daqueles que estão acostumados a encontrar. Este tipo de experiência vem agregando muito à minha pesquisa. Como comentei anteriormente, gosto muito de compartilhar meu trabalho e ouvir as opiniões das pessoas. E se Campo Cego está sendo bem-sucedido, isso se deve muito a esta troca. Acredito que o processo artístico se torna completo quando este ciclo se fecha entre produtor-obra-espectador-produtor, principalmente durante o desenvolvimento do projeto. Venho compartilhando este processo de forma tão insistente, que muitas pessoas passaram a lembrar do trabalho quando se deparam com estas fachadas nas ruas. Algumas enviam fotos, outras revelam 58 que passaram a ficar mais atentas a elas. Obviamente, este não é um assunto exclusivo do meu trabalho, é possível encontrar muitos outros fotógrafos que tratam temas semelhantes. De qualquer forma, percebo que algumas pessoas passaram a relacionar estas imagens com suas experiências visuais em meio a cidade. Esta repercussão vem me trazendo resultados bem objetivos, como é o caso da oportunidade de conceder esta entrevista, e o convite para integrar o time de artistas representados pela Galeria da Gávea, com abertura da exposição marcada para o dia 05 de agosto. Você é colaborador da Digital Photographer, uma publicação que aborda a fotografia de uma forma mais técnica. Como você vê essa experiência em relação ao restante do seu trabalho: oposição ou complemento? Hoje em dia as minhas colaborações com a revista são mais pontuais, sugerindo pautas e fotógrafos, além, é claro, da seção Marcador, que é veiculada todos os meses. Mas quando a revista

chegou ao Brasil, eu tinha mais tempo e produzia matérias mais extensas. Gostava muito de eleger um tema e convidar fotógrafos que trabalhavam questões semelhantes para discutir a forma de abordagem de cada um. Foi o caso dos artigos “Visão”, com Cassio Vasconcellos, Claudio Edinger e Luiz Braga, ou “Fotografia de Intimidade”, com a Candice Japiassu, Gui Mohallem, Julia Moraes, Marília Vasconcelos e Fernanda Prado, ou ainda, “Meu Momento Decisivo”, que fiz com Caio Guatelli, Pedro Martinelli, Tuca Vieira, Armando Prado e Klaus Mitteldorf. (todos disponíveis na íntegra em meu blog www.ivanpadovani.wordpress.com) São artigos que tinham o foco voltado mais para o processo criativo, a trajetória e as motivações dos entrevistados, e que complementavam o conteúdo mais técnico do restante da revista. Em resumo, entendo ser esta uma atividade complementar às outras que realizo na fotografia. Está muito ligada a um papel pedagógico que exerço, seja coordenando o F+, seja colaborando para a revista, ou ainda nos cursos técnicos de fotografia que ministro no Hermes Artes Visuais. Sou um fotógrafo que se baseia muito em procedimentos predefinidos, sejam aqueles oferecidos pelos equipamentos fotográficos, ou os que imponho a mim mesmo. Gosto de saber como as coisas funcionam e procuro utilizar esse conhecimento técnico para me auxiliar a atingir a proposta estética e conceitual dos meus trabalhos. Por este motivo não consigo enxergar minha produção independentemente de uma forte presença da técnica. O Marcador é um projeto muito legal da sua autoria, que lista as principais referências dos fotógrafos participantes. Como surgiu o projeto? Quais são as próximas etapas dentro dele? Sempre que estou passeando por sites e blogs que considero importantes, costumo ver se o autor oferece uma lista de outros endereços recomendados. A partir dai pensei: Porque não fazer o mesmo com fotógrafos que eu admiro e compilar tudo em um mesmo blog? O Marcador surgiu desta motivação de tentar traçar um


pequeno perfil do colaborador a partir de suas referências, e ainda reunir conteúdo que possa servir de fonte de informação e inspiração para as pessoas. Todas as edições são publicadas paralelamente na revista Digital Photographer Brasil e na página do Marcador no Facebook. Para ser sincero, ainda não planejo desdobrar outras etapas deste projeto. Qual o peso da reflexão e do estudo na fotografia? E qual o peso da intuição dentro deste processo? Me parece que existem tantas “fotografias” e tantas formas de fotografar que seria impossível tentar afirmar genericamente qual o peso da reflexão e qual o da intuição. Posso dizer em relação às fotografias que eu produzo atualmente ou as que estão me interessando neste momento. Acho fundamental ter uma consciência do contexto histórico, saber identificar como um trabalho se insere em meio a produção contemporânea, com que autores é possível traçar diálogos, e as maneiras pelas quais um trabalho pode ser traduzido em projeto. Neste sentido, o aspecto racional e reflexivo toma fundamental importância dentro da minha produção. Mas, simultaneamente a este processo, existe o lado intuitivo. Aquele que te move a fazer determinada coisa, sem que a princípio se tenha total consciência do que se está fazendo. Eu trabalho muito com base em um processo de colecionismo, recortando o mundo visível de forma muito intensa. Muitas vezes, não estão claros para mim quais são meus interesses quando estou fotografando. Somente depois, quando me debruço sobre este material, percebo as recorrências, e começo a enxergar uma busca comum. Posso dar como exemplo o Campo Cego. Durante muito tempo eu sempre me perguntava enquanto estava fotografando: Porque estou gastando tanta energia registrando este tema? Eu realmente não sabia responder de forma clara e objetiva. E confesso que quase desisti por diversas vezes. Sempre foi uma experiência um tanto engraçada perceber a reação das pessoas nas ruas enquanto faço estas fotos. Normalmente

elas ficam movendo o olhar entre eu e a fachada sem entender o que estou fotografando. Ou ainda, quando preciso pedir permissão para entrar em algum local para fazer a foto, é muito difícil explicar porque preciso fotografar uma fachada cega, exatamente de um determinado ponto de vista. Isto fazia com que eu me sentisse um pouco louco, no bom sentido. Tantas pessoas ali, na rua, correndo atrás de demandas tão fundamentais do cotidiano, e eu fotografando empenas. Mas há momentos em que é preciso seguir a intuição. Além disso, durante os primeiros anos do projeto, muitas pessoas próximas não entendiam também porque eu ficava fotografando estas fachadas. Mas provavelmente a pesquisa ganhou força a partir do momento em que continuei afirmando este objetivo ao longo do tempo, compartilhando o processo criativo em redes sociais ou em grupos de estudos. É um enorme prazer perceber que depois de todo este percurso de quatro anos, agora o trabalho começa a ser reconhecido e a superar minhas expectativas quanto a seu alcance.

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Pedro Cruz Miudezas



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Miudezas é um caminho exploratório, uma busca por detalhes, por pequenas coisas que preencham uma bela fotografia. As fotografia de Pedro Cruz são densas, escuras, criando uma realidade soturna que ao mesmo tempo nos envolve e nos repele. Pedro, como surgiu seu interesse pela fotografia? Quando dois amigos, o Rafael Milani e o Thales Schäfer, mostraram as fotos que haviam feito eu fiquei muito curioso pra saber como nasciam imagens tão bonitas. Resolvi tentar também. Aos poucos descobri que a câmera podia funcionar como um instrumento de descobrir lugares. Aí então o gosto criou sustância.

Como você buscou construir o caminho narrativo do ensaio Miudezas? Foi um pouco às cegas. Enquanto aprendia a fotografar vinha um ímpeto de regresso, vontade de ir pra bem de perto daqueles lugares que resistiam na minha lembrança. Seja, os arredores de onde morava e uma mata de restinga que conheci criança. Só que ao chegar lá a terra era outra: dei com os restos despidos de eloqüência. Foi o que fotografei.


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Você constrói uma fotografia abstrata, usando elementos da natureza ao seu redor. Como é a busca por essas imagens? Que associações você busca criar com elas? De começo notei que ao fotografar vinha uma insistência por formas geométricas, para composições cada vez mais elaboradas, mas olha, eu não sou nenhum pintor. O que me serve é abrir-me à imagem, até que ela se espalhe mais do que o meu raciocínio. Portanto se há algo abstrato, é externo, ou seja, natural.

A natureza, nas suas imagens, é bastante sombria e melancólica. Quais os sentidos dessa opção na sua fotografia? Pois não são sombrias nem melancólias por assim querer que sejam. Eu erro no gesto. Tateio, apalpo, amoldo bem. Na vontade de apertar tanta largura no estreito do tempo, tudo se explicita, inclusive os sentimentos. Então sentido, sentido não há: só sobra o que é da foto, propriamente. Você trabalha com diversos formatos dentro do ensaio. Você se impõe algum limite técnico ou estético quando está criando? A fotografia analógica é a que mais me apraz, por menos me aperrear, e a câmera vario conforme a ocasião. Na estética não elaboro de antemão, ela é espontânea.

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Guilherme Bergamini Desconstrução



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Guilherme Bergamini une a falta de estrutura de seus temas à destuição proposital de seu suporte ao criar suas imagens. Desconstrução não apresenta somente questões estéticas, o ensaio questiona seu conteúdo, apresentando uma visão crítica sobre o que está enquadrando. Guilherme, nos conte sobre seu começo na fotografia. Um laboratório preto e branco desativado no quartinho da casa de minha avó aguçou minha curiosidade. Consegui emprestada uma Pentax MX mecânica e comecei a pesquisar e experimentar. Foi amor à primeira vista. Digo que a fotografia me proporcionou foco na vida. De um simples hobby tornou-se minha profissão. Desde o primeiro clic, já se vão alguns anos. O mais interessante em todo o percurso é que a cada dia percebo uma mudança de olhar e a certeza de que há muito o que aprender, um universo ilimitado a percorrer.

Como surgiu o ensaio Desconstrução? Em 2008, separei alguns rolos de filmes preto e branco e deixei-os na umidade por quatro meses. Eu me propus fazer as fotografias em Brasília abordando os três poderes. Quando fui revelá-los, obtive êxito em apenas um rolo de filme. No restante, as emulsões estavam bem danificadas e não consegui o resultado que pretendia. Em junho de 2013 acompanhei as manifestações em Belo Horizonte e fotografei o percurso da Praça Sete até a avenida Antônio Carlos, próximo ao estádio Mineirão. A proposta foi fotografar de forma trêmula, zoom in, zoom out, com o objetivo de transparecer instabilidade visual. Estas duas linguagens distintas uniram-se de forma a construir uma narrativa, a partir de ruídos imagéticos.


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Seu ensaio conta com diversas camadas visuais e de significado. Como você buscou casar essas camadas dentro de cada fotografia? 84

Utilizei a película preto e branco umedecida, ocasionando a ploriferação de fungos e deslocamento da emulsão. Um processo demorado onde não há o controle prévio do resultado. Essa instabilidade do processo dialoga com a proposta do ensaio. O homem público nos é apresentado como uma embalagem de primeira linha, somente com qualidades.Com a ação do tempo é que saberemos realmente se o nosso voto foi certo ou errado, se o filme fora revelado corretamente ou velado propositalmente. Desconstrução tem em sua base visual uma forte experimentação técnica. Buscar novas técnicas e linguagens é essencial no seu trabalho? Experimentar é a base do conhecimento e aperfeiçoamento da linguagem fotográfica. Erros e acertos permitem mais compreensão, a busca de um caminho ou identidade. A tecnologia hoje nos apresenta inúmeros suportes e possibilidades de experimentação. Utilizar esses recursos é um caminho a ser trilhado na atual conjuntura contemporânea.

Desconstrução conta com movimento, com quadros cheios, com pouco respiro. Quais os objetivos dessa construção visual? Para você, o espaço urbano é sufocante? Ocupar o maior espaço do retângulo de um fotograma, com ruídos e movimentos imprevisíveis é o ponto que norteia a série Desconstrução. Parto do princípio de que parte significativa da população está insatisfeita com nossos representantes. A causa pública torna-se privada. Interesses escusos, corrupção, promessas não cumpridas, propina, enfim, inúmeros fatores que comprovam a imaturidade de nossa democracia. Legislativo, Executivo e Judiciário transformam-se em um emaranhado de disputas de poder, ego, competências e incompetências. Saber votar é pesquisar, valorizar o poder que está implícito no ato de escolhermos nossos representantes. Embora o voto seja obrigatório, o erro de hoje em escolher um político que não honre a causa pública perdurará por quatro anos, tempo suficiente para desconstruir a expectativa de todo um processo de mudanças, reformas, organização política e social. O que sufoca não, necessariamente, está no espaço urbano. Está na falta de planejamento, saneamento básico, transporte público eficiente e, é claro, saúde e educação: pontos fundamentais para que o espaço urbano seja equilibrado e compartilhado. Da forma como está, esse espaço sufoca, angustia e deprime. Não podemos deixar que essa instabilidade política domine o que é de todos e para todos.


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REFLEXÕES

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As fotos mais marcantes do século passado formaram uma visao de mundo, construíram uma memória coletiva. De Iwojima à Praça da Paz Celestial temos exemplos disso. Com a foto turística temos uma apropriação pessoal para exibir para familiares e amigos. O coletivo passa para um plano secundário.


COLUNA

FOTOGRAFAR E VIAJAR

Viajar e ser feliz. Creio que este é um desejo que passa pela cabeça de muita gente e, talvez, mais agora do que jamais antes. Todos queremos guardar nas imagens esses momentos inesquecíveis. A foto aparece como a maneira mais simples de “guardar” esses momentos. Nesse ritmo acabamos por chegar ao fotografar e ser feliz. Hoje fotografo e viajo, nao necessariamente nesta ordem. Diferentes equipamentos, analógicos e digitais, me servem para esse trabalho de recorte e memória. Mas a foto com celular é o caminho do século XXI. Podemos pensar que no século XIX, a fotografia era uma janela para descobrirmos o mundo. No século seguinte tratava-se de construir um mundo com imagens. Já neste, tratamos de nos inserirmos na realidade com milhões de imagens eletrônicas. A apropriação do mundo visível feita pelos fotojornalistas buscava transmitir um ponto de vista para a coletividade. Além disso, alcançou formar uma imagem do mundo. As fotos mais marcantes do século passado formaram uma visão de mundo, construíram uma memória coletiva. De Iwojima à Praça da Paz Celestial temos exemplos disso. Com a foto turística temos uma apropriação pessoal para exibir para familiares e amigos. O coletivo passa para um plano secundário. Os autorretratos com um fundo turístico constituem o padrão. Reflexo das mudanças sociais os usos da fotografia nesse campo se alteram no mesmo sentido daquelas. A indústria do turismo, do entretenimento e da imagem se entrelaçam cada vez mais estreitamente fazendo com que a imagem torne-se mais e mais vazia de significados para poder ser dispensada e substituída por outra. Chegamos, assim, ao domínio dos celulares que migraram do telefone móvel para o computador de mão com uma excelente câmara fotográfica. Tudo isto conectado à rede.

O fotógrafo Martin Parr, provavelmente, deve encontrar muito trabalho pela frente uma vez que um dos seus temas é a crítica social feita por registros fotográficos de locais ocupados por turistas com suas câmaras, com ou sem telefone acoplado. O que me parece mais atraente nesse momento, como fotógrafo, é a multiplicação de reflexos e reflexões que o uso universalizado da fotografia, imagem digital ou qualquer outro nome que possamos dar, nos oferece. Quando viajamos tomamos contato direto, pessoal, com outros indivíduos e lugares que nos oferecem possibilidades de balanço, 87 avaliação, de nossa própria existência. Nada como nos afastarmos de algum assunto para melhor compreendê-lo. Assim, quando saímos por esse mundo quase redondo temos a oportunidade de conhecer melhor o nosso próprio mundo, nosso trabalho, nossos amigos e, por supuesto, a nós mesmos. No momento em que escrevo essas palavras estou aqui em um terraço em Coyoacan, depois de ter feito algumas fotos, sentindo a brisa, o calor do sol e vendo passar por minha mente as lembranças calorosas dos amigos que aqui tenho e dos lugares por onde passei. Ajudado pelas fotos que fiz e pelas relações que estabeleci busco dar um sentido humano, amoroso a tudo isso. Daí, como me imita minha amiga Keiko, não sai da minha cabeça uma frase escrita em uma garrafa de mezcal que vi em Oaxaca de Juárez: ¡Otra vez esta maldita felicidad!

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.


FISSURAS

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Entre um jogo da Copa e outro (ai, a Copa), conversamos com Fábio Messias, Renata Baralle e Walter Costa, as pessoas por trás do TRAMA. A caminho do quarto encontro, o grupo é formado por entusiastas e pesquisadores de fotolivros, colocando esse suporte em discussão.


COLUNA

FOTOLIVROS NA MESA

Entre um jogo da Copa e outro (ai, a Copa), conversamos com Fábio Messias, Renata Baralle e Walter Costa, as pessoas por trás do TRAMA. A caminho do quarto encontro, o grupo é formado por entusiastas e pesquisadores de fotolivros, colocando esse suporte em discussão. “Fotolivros não são novidades, claro, mas a maneira como são pensados hoje os tornam um ponto chave no cenário da Fotografia”, dizem. Confira a entrevista. O que é o Trama? São encontros nos moldes dos Photobook Clubs com o intuito de falar sobre, discutir e, acima de tudo, ver e folhear fotolivros. O Walter Costa, fotógrafo, colecionador de fotolivros e principal idealizador do TRAMA, já havia criado com outras pessoas um Photobook Club em Madrid, e agora que está morando no Brasil sugeriu que criássemos um grupo desse por aqui. Ele chamou a Renata Baralle, que cuida das pesquisas e pedidos de fotolivros pra Livraria Madalena, e eu para pensarmos em algo do tipo. Sabíamos que já existia um Photobook Club oficial de São Paulo, mas resolvemos partir com a nossa visão de Fotolivros e fazer o TRAMA. Discutir fotolivros, de alguma maneira, já não faz parte dos outros grupos de estudos que temos? Por que a criação de um grupo totalmente dedicado ao tema? Vale frisar que o TRAMA não é exatamente um grupo de estudos. Talvez o Walter não saiba muito sobre os grupos de estudos aqui

de São Paulo, mas, na minha opinião, essa discussão não tem feito parte dos nossos grupos o tanto quanto deveriam fazer. Fotolivros não são novidades, claro, mas a maneira como são pensados hoje, os tornam um ponto chave no cenário da Fotografia. Por isso achamos que deveríamos falar mais e pensar mais sobre eles. O ponto de partida do primeiro encontro do TRAMA foi a pergunta: “afinal, o que é um fotolivro?”. Chegaram a algum ponto comum? O que para vocês é um fotolivro? A tal pergunta foi muito mais uma provocação para o primeiro encontro, não exatamente para chegarmos a respostas. O Walter sugeriu que todos os presentes escrevessem uma palavra que representasse o que era um fotolivro. Inúmeras coisas surgiram, mas os conceitos de “autoria” e “liberdade” foram pontos em comum. Não sei se deveríamos definir exatamente o que é um fotolivro, mas nos baseamos em quatro conceitos elaborados por um dos grandes fotógrafos e fazedores de livros do nosso tempo, John Gossage. É um mantra que deveria ser conhecido por todos: Um fotolivro deve conter um bom trabalho fotográfico; um fotolivro deve fazer com que o trabalho funcione como um mundo fechado dentro do livro em si (fechado no sentido de que ele deve ser resolver no espaço do livro, utilizando seus recursos e limites); o design deve complementar o discurso e; por fim; o fotolivro deve ter um conteúdo que se sustente ao longo do tempo. Esse é o ponto.

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Qual a metodologia que vocês pretendem utilizar nos encontros? A ideia é que os encontros tenham temas definidos. A metodologia é não ter uma metodologia definida, o que nos deixa livres pra pensar algo de acordo com a temática do encontro. E a intenção é que os encontros sejam sempre em locais diferentes, pra muita gente conseguir participar. As feiras de publicações independentes, como a Feira Plana, servem como incentivadores para as produções de fotolivros?

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Talvez não exatamente um incentivador, porque podemos cair na ideia de que alguém faz o trabalho pensando em estar na feira, mas certeza que tais feiras são principalmente um ótimo canal de difusão da produção atual.

Vocês acham possível dizer que há trabalhos que nascem para se tornarem fotolivros? Se sim, como isso se dá e em que isso implica em termos de processo de criação? Sem dúvida que sim, mas as formas e processos de chegar a esse resultado são muitas. Ficamos lembrando aqui de algumas palestras e cada autor tem uma forma muito particular de trabalho, mas mesmo pensando em um livro, a maioria diz que primeiro fotografa, apenas fotografa muito, sem pensar em nada com relação ao livro em si. É principalmente na edição, com o trabalho fotográfico já completo, que o livro vai começar a nascer. Editar um livro é entrar num processo criativo completamente diferente, onde pessoas de outras áreas como o designer gráfico ou um editor mais participativo entram em jogo.

A produção de fotolivros no Brasil ainda é mais tímida comparada a outros países? Não sei se mais tímida. Temos muitos livros sendo lançados no Brasil e, no ano passado, a Rosangela Rennó chegou a ganhar um dos principais prêmios de fotolivros do mundo. Talvez tenhamos demorado um pouquinho no entendimento da mídia Fotolivro e todos os seus recursos e possibilidades, mas acho que isso está começando a ser superado. Acho que o nosso maior problema vem da questão econômica, é aí que a coisa pega. Não é fácil fazer um livro no Brasil com todos os recursos que europeus e norteamericanos tem em relação a qualidade dos papéis, gráficas etc. Nossa melhor gráfica tem preço duas vezes maior que na Europa e nossos editais não dão tanto dinheiro pra se conseguir imprimir nela. Não é nada fácil...

Ágata é um coletivo multidisciplinar, um encontro de afinidades que tem na fotografia um campo fértil para a investigação do processo criativo e da expressão artística.


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Leonardo Ramadinha


War brides learn about Australia, 1952


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