Nยบ 36 Agosto de 2014
Revista OLD Número 36 Agosto de 2014 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista
Capa Fotografias
Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Angelo José da Silva, Camila Martins, Felipe Abreu, Juliana Biscalquin e Luciana Dal Ri Gio Soifer Edgar Oliveira, Gabriel Vinícius Cabral, Gio Soifer, Hugo Martins e Leonardo Ramadinha
Entrevista
Fábio Messias
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Livros
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Arqueologia de Ficções Exposição
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Gio Soifer Portfolio
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Edgar Oliveira Portfolio
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Gabriel Vinícius Cabral Portfolio
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Fábio Messias Entrevista
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Hugo Martins Portfolio
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Leonardo Ramadinha Portfolio Reflexões Coluna
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EDITORIAL
É sempre bom ver uma iniciativa que libera o fotógrafo, que o dá ferramentas para criar e escolher o que funciona melhor para o seu trabalho.
Este Agosto promete ser um ótimo mês para a fotografia no Brasil. Temos uma série de belas exposições, lançamentos de livros, editais e festivais abertos ou em preparação. Parece que a cada dia que passa o cenário fotográfico no Brasil se expande e se fortalece, ficando cada dia mais sólido. Isso é uma grande alegria para quem, como a gente, sempre acompanhou atentamente este processo. Nesta edição temos trabalhos dos mais variados, tanto estética quanto geograficamente. Nossa capa é assinada por Gio Soifer, fotógrafa curitibana. Seu ensaio Verdade de Pedra Opaca buscou a construção de um diário visual à partir de seu arquivo fotográfico. Além de Gio, temos ensaios de Edgar Oliveira e Gabriel Cabral, de São Paulo, Hugo Martins, de Salvador, e de Leonardo Ramadinha, que apresenta sua visão sobre as ruas de Nova Iorque. Projetos variados, que mostram a pluralidade da nossa fotografia. Nosso entrevistado do mês é Fábio Messias, que passou rapidamente pela edição de Julho da OLD com uma pequena entrevista para a coluna Fissuras, sobre o TRAMA, seu grupo de estudos de fotolivros. Neste mês, conversamos com Fábio sobre sua produção fotográfica, suas inquietações e processos criativos. Também ganham destaque em nossas páginas dois recentes e marcantes lançamentos: Albinos, de Gustavo Lacerda, e The Photographer’s Playbook. O primeiro promete ser um dos grandes livros nacionais do ano. Com um belo trabalho gráfico, o livro dá
ainda mais força ao ensaio de Gustavo, o trazendo mais uma vez ao centro das atenções. The Photographer’s Playbook é um guia de ensinamentos fotográficos. São pequenos exercícios e pensamentos para a criação fotográfica. O livro é, de certa, uma série de regras para se libertar de regras. Uma leitura leve, divertida e que te mostra conceitos e exercícios executados por fotógrafos de grande destaque como Stephen Shore, Alec Soth, entre tantos outros. É sempre bom ver em um mundo que sempre está em conflito em busca da exploração da criatividade e de criação de conceitos e encaixes para ela uma iniciativa que libera o fotógrafo disso, que o dá ferramentas para criar e escolher o que funciona melhor para o seu trabalho. Esta edição da OLD já não conta mais com a coluna Fissuras. A entrevista publicada na edição de Julho foi a última participação da coluna na OLD, pelo menos nesse formato. Fica o agradecimento às meninas do Ágata, que por mais de um ano participaram ativamente da OLD, nos ajudando a crescer a cada mês. Ficamos agora na espera de novidades do coletivo, que sei que estão por vir!
Felipe Abreu
Detalhe de Dog Training / William M. Vander Weyde (American 1871–1929)
LIVROS
ALBINOS DE GUSTAVO LACERDA
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Existem temas delicados na fotografia. Dentro destes temas existem abordagens que os ajudam e que os atrapalham. Especialmente quando se tratam de temas que envolvem a imagem de outras pessoas, pensar bem sua abordagem é sempre algo essencial. A série Albinos, de Gustavo Lacerda, se destaca pela bela abordagem de uma tema tão delicado. O projeto ganhou grande destaque nos últimos anos e acaba de ser lançada como livro, pela Ed. Madalena. Gustavo produz há mais de três anos retratos de Albinos no Brasil, sempre com uma visão muito delicada e preocupada em destacar as qualidades de cada um de seus personagens e não explorar o que há de possivelmente inusitado neles. O set fotográfico de Lacerda sempre primou pelo conforto de seus fotografados, com luzes suaves e que não agredissem a delicada pele de seus modelos. Com este primeiro passo, o fotógrafo conseguiu criar uma relação próxima com seus fotografados, algo se transmite claramente nas fotografias. O livro está recebendo um destaque imenso, sendo muito elogiado pela sua produção e acabamento. A publicação acaba de ser lançada e já teve grande sucesso em sua pré-venda de uma série limitada, assinada pelo autor. Albinos promete ser um marco na história da produção de fotolivros no Brasil. Tomara que assim seja!
Disponível no site e na livraria Madalena Valor Médio: R$ 90,00 68 páginas
LIVROS
THE PHOTOGRAPHER’S PLAYBOOK DE JASON FULFORD E GREGORY HALPERN
O mundo fotográfico - e artístico em geral - costuma ter um gosto por regras, separações e categorizações. Esse processo ajuda a entender e a criar trabalhos, mas muitas vezes pode ser um mutilador de criatividade. Nós, fotógrafos, também gostamos de listas, metas de produção e outros disfarces para nos incentivar a produzir. The Photographer’s Playbook fala sobre esse gosto, sobre esse desejo de transformar tudo em listas e lições. O bom, ou melhor, o fantástico do livro, é a forma como ele subverte esta lógica, buscando em uma lista imensa de grandes fotógrafos conselhos dos mais variados para se melhorar na fotografia. No livro há de tudo, desde de pequenas tarefas até grandes pensamentos sobre o fazer fotográfico. Cada página é um ensinamento enorme, até sobre não procurar em livros o que fazer com a sua fotografia. Tudo ali é um grande elogio à liberdade e à criatividade, nas palavras de ídolos e referências da maioria dos fotógrafos atuais. O livro, lançado pela Aperture, funciona como uma espécie de agregador de mantras, a ser lido randomicamente, buscando a cada dia um novo e liberador ensinamento fotográfico.
Disponível no site da Aperture Valor Médio: R$ 43,00 440 páginas
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EXPOSIÇÃO
ARQUEOLOGIA DE FICÇÕES NA DOC GALERIA O trabalho de Gilvan Barreto chega à São Paulo através da DOC Galeria com curadoria de Georgia Quintas.
Moscouzinho e o trabalho de Gilvan Barreto já foram pauta aqui na OLD faz um certo tempo. A coluna Fissuras começou suas 08 investigações sobre processos criativos analisando a criação deste ensaio. Agora, mais de um ano depois, o trabalho volta à nossa pauta como exposição. A DOC recebe as fotografias de Gilvan com curadoria de Georgia Quintas na exposição Arqueologia de Ficções. As imagens da exposição são oriundas de Moscouzinho, um mergulho nas lembranças e memórias do fotógrafo, filho de um ativo militante de esquerda. As fotografias de Gilvan constroem um universo em que memória e imaginação se misturam, criando a República do Afeto, nome dado pelo próprio fotógrafo para o local criado por ele para sustentar suas fotografias. Com este processo, Gilvan se libera do compromisso estrito com a realidade e se vê livre para criar um mundo próprio, unindo fotografias de acervo, intervenções e imagens contemporâneas feitas pelo fotógrafo no sertão nordestino. Moscouzinho foi imensamente elogiado como livro e ensaio. Seu
lançamento se deu como um marco liberador para a fotografia brasileira, que se viu cada vez mais disposta a se liberar de qualquer amarra possível. A exposição deve receber a mesma atenção, trazendo uma nova dimensão e um novo público para a obra. Com a abertura de Arqueologia de Ficções a DOC mostra mais uma vez a sua força como divulgadora da fotografia brasileira e a feliz combinação entre a galeria e Georgia Quintas e Alexandre Belém. A parceria, iniciada com a exposição de Ricardo Labastier, parece se desdobrar cada vez mais, criando um novo pólo para apresentação de belos e promissores fotógrafos brasileiros. A exposição fica em cartaz na Vila Madalena até o dia 29 de Agosto, em uma curta temporada, com pouco menos de um mês. É melhor você não perder tempo e visitar logo o documentário fantástico criado por Gilvan Barreto.
A DOC Galeria fica na Rua Aspicuelta, 662, na Vila Madalena. Arqueologia de Ficções fica em cartaz até o dia 29 de Agosto.
Gilvan Barreto
Gio Soifer Verdade de Pedra Opaca
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Gio Soifer mergulhou em seu arquivo e nele encontrou uma série de imagens que conversavam entre si. Sem um tema específico, mas com uma abordagem clara, Verdade de Pedra Opaca se apresenta como um diário visual da fotógrafa, uma parte do caminho percorrido dentro da sua criação visual. Gio, nos conte sobre seu começo na fotografia. Entendo que meu interesse pela imagem seja resultado do ambiente estimulante em que cresci. Tenho dentro da minha família pessoas bastante criativas e que me incentivaram nessa minha vontade de criar um universo imagético. Minha avó materna ,que é artista plástica, hoje com quase 80 anos, ainda produz de forma quase obsessiva e bastante experimental, e é com ela que eu compartilho hoje um ateliê, o qual, junto com um amigo , abrimos e disponibilizamos para a cidade como um ambiente de troca entre artista. Esses tempos também descobri as colagem de meu avô paterno, que trabalhou como cirurgião plástico, mas que na verdade, construiu ,lá no sótão da sua casa, obras incríveis simplesmente pelo prazer de as fazer. E então me vejo entre essas pessoas que admiro e penso que não podia ser diferente. Em termos práticos, posso dizer que comecei a fotografar quando fui viver um ano em Israel, em 2009, onde levei uma câmera recém comprada pelo meu
pai e acabei por virar a fotógrafa do meu grupo de amigos. Quando voltei, estava matriculada na faculdade de Jornalismo, a qual durei apenas 1 semana, transferindo para faculdade de Publicidade e depois Design Visual, o que durou mais dois anos no total. Finalmente, depois dessas inquietações, entrei no curso de Fotografia, no qual me formei esse ano. No meu percurso dentro da fotografia, foi bastante rápido que me encontrei na fotografia de autor. Me interessa trabalhar assuntos que venham de mim ou passem por mim e que ao mesmo tempo se conectem com os outros, com o que sentimos e vivemos ,que me desequilibrem de alguma maneira e que exijam algo de mim, resultando muitas vezes em fotografias, vídeos, colagens ou textos. Como surgiu o conceito para o ensaio Verdade de Pedra Opaca? Verdade de Pedra Opaca surgiu quando percebi, ao olhar meu próprio arquivo ,que estava imersa em um processo de afrontamento e aceitação da finitude. Verdade de Pedra Opaca é , mais que um trabalho fechado,uma forma de diário, uma pesquisa à natureza das coisas, procurando algo que nelas exista sem que possa ver ou tocar, somente sentir e entender. Trata-se de uma outra realidade, que supera a aparência formal dos objetos e os significados literais dos seus nomes.
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entendo os personagens, tanto os não humanos como humanos, como sujeitos do tempo, de natureza perecível.
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Vejo dois momentos no ensaio, um com personagens “não humanos” e um segundo com personagens humanos. Você concorda? Qual o papel de cada um desses momentos no ensaio? Entendo essa separação , até porque a fotografia faz essa distinção o tempo inteiro , mas nesse trabalho em especial, entendo os personagens, tanto os não humanos como humanos, como sujeitos do tempo, de natureza perecível. Suas imagens tem um tempo mais lento, contemplativo. O quanto é essencial para a sua narrativa essa construção temporal? O conjunto sugere algo que não vemos ou antecipa algo que vai acontecer. Tudo isso transcende o concreto das imagens, aproximando-as do universo conceitual do que não conseguimos
atender diretamente, como a morte, cujos sinais se instalam com o tempo mas nunca de um modo que possamos apontar e dizer: eis a morte. As imagens nos convidam a ir além delas mesmas. Há um silêncio que delas emana,que é aqui encarado como um ritual místico de transformação, desafiando a matéria perecível do tempo, olhando de frente o fato de que as coisas somem e aquilo que perdura é o que escolhemos evocar. Como você buscou construir a narrativa entre as imagens do ensaio? Essa é uma preocupação enquanto você o produzia ou ela apareceu na hora da edição somente? Pelo fato das imagens sugerirem mais do que representarem, busco nesse jogo de apropriação do próprio arquivo construir uma narrativa não formal, tentando estender o máximo de tempo em cada imagem. Além disso, tratando- se de um diário imagético, a forma como as imagens se relacionam entre elas é mais flexível e até mais livre.
Edgar Oliveira A ImpermanĂŞncia das Coisas
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A Impermanência das Coisas é um projeto de narrativa delicada, que se apoia mais profundamente em sensações do que em fatos ou representações objetivas. Suas imagens são um passeio por uma metrópole própria, cheia de nuances e significados. Edgar, conte sobre seu começo na fotografia. Sou muito inquieto, ainda que tranqüilo. Em meados dos anos noventa, trabalhei numa petroquímica de grande porte, mas mesmo com sinais de um futuro promissor na empresa, me sentia perdido e mais inquieto, até angustiado. Foi neste período de confusão interior que descobri a fotografia, me matriculei na Escola Panamericana de Arte. O curso durou dois anos, mas quando terminei, resolvi não prosseguir, senti que ainda não era o momento. E como desde os dez anos de idade tinha também uma relação forte com a música, acabei me aprofundando no lado b da música alternativa, especificamente a eletrônica, comecei a tocar em 1997 e sou DJ até hoje. Em 2009, após tais experiências, senti uma enorme vontade de
me expressar, de entrar em contato com o meu algo definitivo, que sempre esteve ligado a minha constante inquietação, então retornei inteiramente à fotografia. Seu trabalho é composto de pequenos recortes do cotidiano. Como você busca esses momentos? Como é sua rotina fotográfica? Eu não me programo para fotografar. Ando sempre com a câmera, e, de repente, nalgum lugar, percebo o potencial de uma situação. Estou constantemente à espreita, é isso.
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Sempre fui introspectivo, acho o silêncio instigante e inspirador, melancólico ou não. E, claro, tais idiossincrasias, influenciam o meu trabalho.
Como você busca construir a narrativa no seu ensaio? Como é o processo de edição do seu material? Todo o meu processo na fotografia tem a ver, sobretudo, com um estado de espírito. É algo muito subjetivo e abstrato, que me provoca sentimentos e idéias, que às vezes estão suscetíveis a transformações. É um período de maturação, de experimentos, de descobertas, através da própria fotografia. Até chegar no cimo, no instante no qual tudo se torna claro, a partir daí acontece um desencadeamento, um fluxo misterioso, que substitui as dúvidas pelas certezas. Suas imagens tem um toque melancólico, sombrio em alguns momentos. Estes elementos são centrais na sua fotografia? Eu gosto do escuro. O preto é a minha cor preferida. Entre a caverna e o descampado, fico a princípio com a caverna, como uma possibilidade de conhecer o descampado de uma forma
mais genuína. Sempre fui introspectivo, acho o silêncio instigante e inspirador, melancólico ou não. E, claro, tais idiossincrasias, influenciam o meu trabalho. Muitos dos seus personagens passariam batidos para a maioria das pessoas nos grandes centros urbanos. Para você é importante alçar essas pessoas ao papel de protagonistas? Antes de retomar a fotografia eu não olhava tanto para o outro. E o exercício de observar o outro é muito enriquecedor. Gostaria de agradecer as pessoas que fotografei, por me proporcionarem personagens e histórias. Existe muita generosidade em tal troca, na qual a fotografia é o instrumento primeiro.
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Gabriel VinĂcius Cabral Fauna
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Gabriel Cabral é um dos fotógrafos do selvaSP. O coletivo, que vem transformando a fotografia de rua no Brasil, tem uma mistura de união e independência, estimulando o desenvolvimento de cada um de seus fotógrafos. Na OLD, Gabriel apresenta o ensaio Fauna, uma busca por referências a animais na selva paulistana. Gabriel, conte sobre seu começo na fotografia. Meu primeiro contato real e constante com a fotografia foi aos 16 anos, quando comprei uma câmera digital em uma viagem. A partir deste momento nunca deixei de ter uma câmera comigo.
Como surgiu o ensaio Fauna? Fauna foi meu primeiro ensaio para o selvaSP. Na época em que entrei para o coletivo, preferi produzir um novo trabalho, a usar um já pronto. Costumo sempre definir algumas metodologias para cada trabalho que faço. No caso do Fauna eu não fazia ideia do que iria acontecer. Me propus, então, a sair antes do sol nascer e fotografar o ensaio em um dia. No caminho da minha casa até a Praça da Sé, lugar de onde decidi que iria começar meu dia, pensei nos muitos significados de ‘selvaSP’. Quando cheguei à Praça da Sé a primeira coisa que vi de interessante foi um pequeno pônei de brinquedo, que pertencia aos mendigos do local. Sabia que só teria a chance de fazer uma foto, antes que eles se incomodassem. No momento em que fiz essa foto entendi que era isso que eu deveria fazer. Procurar por ‘animais de mentira’, mas que tivessem presença, se destacassem no ambiente onde estavam, e ao mesmo tempo, fossem objetos que muitas vezes passam despercebidos. Já tinha então um objetivo, e também um nome. “Se é selvaSP, precisa ter uma ‘Fauna’”, pensei, na mesma hora que cliquei o pônei.
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para mim é preciso dedicação para se aventurar todos os dias pelas ruas à procura de algo que nem sempre sabemos o que é. Qual é a importância de fotografar a rua no momento em que vivemos? Cada momento da história tem sua importância em ser retratado. Há quem acredite que todo mundo é um fotógrafo de rua. Não faço parte desse grupo, para mim é preciso dedicação para se aventurar todos os dias pelas ruas à procura de algo que nem sempre sabemos o que é. Temos passado por eventos especialmente curiosos, como as manifestações por exemplo. Se elas acontecem na rua, então documenta-las também é fotografar a rua. Durante esse tipo de momento histórico, a fotografia documental de rua cresce, pois vai além do factual, e se aprofunda em busca da essência do tema. Como você encontrou essas imagens? O quanto é importante vagar sem rumo para que este encontro aconteça? Depois que fotografei o pônei e entendi o que eu deveria fazer, comecei a buscar por essas criaturas. A principio não tinha ideia de como elas deveriam ser, então fotografava todos ‘animais’ que encontrava. Mas não estava dando certo, pois não havia uma presença que me chamava atenção. Até que me deparei com uma escultura de leão e ela imediatamente se destacou do meio. A partir
daí o processo se tornou fácil, porque eu já sabia o que buscar. Meu olhar se condicionou a procurar pelos animais, como quem procura por uma cor específica. Tudo o que eu precisei fazer foi realmente vagar até achar um número de animais que eu considerava suficiente 53 para montar o ensaio. De fato, vagar é tudo o que um fotógrafo de rua necessita. A rua, como sabemos, apresenta todos os tipos de palcos e cenas, só precisamos estar dispostos a sair de casa, recortar essas cenas do mundo real, e transpor para o mundo da fotografia. Você constrói uma relação bem interessante entre natureza artificial/criada pelo homem e a cidade. Este natureza é a única que consegue prosperar nos grandes centros? Não. Só a natureza real tem força para prosperar. Nós, homens das cidades, sobrevivemos. A interferência do homem na natureza sempre esteve presente no meu trabalho por que acredito ser importante destacar o quanto nos deixamos levar por um conceito errôneo de que o artificial pode nos satisfazer por completo. “Fauna” é sobre isso, sobre apontar o dedo para nós mesmos, a falsa fauna da selva de pedra, que vive em um mundo de mentira.
OLD ENT
Fテ。IO M
TREVISTA
MESSIAS
Fábio Messias passou rapidamente pela última OLD. Ele foi entrevistado para a coluna Fissuras, falando sobre o TRAMA, o grupo de estudos de fotolivros que ele ajudou a criar. Agora, voltamos a conversar com ele com um escopo mais amplo, abordando seus trabalhos, sua carreira e suas inquietações fotográficas. Fábio, como começou seu interesse pela fotografia? Minha primeira formação é como ilustrador e designer gráfico e trabalho com design gráfico ainda hoje, portanto tive contato com a fotografia desde que me interessei pelo design. Sempre entendi que o próprio design gráfico precisava de boa fotografia pra funcionar, portanto sempre gostei de ver boa fotografia e utilizar boa fotografia em trabalhos. Mas quando estudei design gráfico e comecei a trabalhar, não tinha exatamente muito conhecimento sobre a 56 fotografia, cultura fotográfica, etc, apenas gostava de ver. Sempre gostei muito das revistas com boa direção de arte e fotografia, como Ray Gun, I-D. Em 2008 um amigo anunciou na internet uma câmera digital dessas chamadas “de entrada”, com baita zoom, etc, e eu acabei comprando, meio que para brincar. Mas comecei a ler sobre o assunto, a pesquisar, a me interessar mais e mais, e acabei indo estudar fotografia na Escola Panamericana de Artes, onde também tinha estudado Design Gráfico. Depois de lá, fui fazer um curso de alguns meses com o curador Eder Chiodetto no MAM-SP e a partir dali minha cabeça foi tomada por completa pela fotografia. Uma das coisas que me chama atenção no seu trabalho é a variação de abordagem visual de um ensaio para outro. Como é seu processo de desenvolvimento criativo? Um caos! Haha Acho que justamente por isso que os meus trabalhos tem essa variação de abordagem visual de um para o outro.
Mas veja bem, não tenho tantos trabalhos finalizados assim, portanto sei que ainda estou descobrindo meu próprio processo criativo, entendendo como ele funciona. Mas penso que eu reajo um pouco de acordo com a questão que me leva a desenvolver tal trabalho. Por exemplo, no trabalho ‘Vital’, que é constituído de objetos que meu avô guardava ao invés de jogá-los fora, a questão vinha justamente do ato de guardar tais objetos. Começar a prestar atenção naquele comportamento, ver que era algo repetitivo, contínuo, praticamente me direcionava para o tipo de abordagem que utilizei. Mas é verdade, meu processo criativo é realmente caótico. Me interesso por um tema, uma questão interna, que me mova, algumas imagens aparecem na cabeça, começo a tentar fazê-las, nascem outras diferentes que levam a outros lugares, leio coisas relacionadas ao tema, pesquiso um pouco, faço mais imagens, desisto de várias imagens, faço outras, volto àquelas que desisti, edito... Vejo isso como caótico, mas funciona pra mim. E algo que tenho percebido mais recentemente é que meu processo funciona muito em cima da imagem em si, do que consigo criar de imagem sobre o tema, se imagens que realmente me interessam nascem ou não... Isso meio que determina o andamento do trabalho. As vezes elas não nascem, não chegam, não me convencem, e o trabalho começa a minguar. Em meu novo trabalho, que está ainda em uma fase final de desenvolvimento, a questão era tanto pessoal quanto fotográfica. O tema era é o amor, que é o próprio nome do trabalho, mas iniciei já com uma questão fotográfica que eu queria tocar, que era o retrato e que eu ainda não tinha trabalhado nos projetos anteriores. Achava que sempre tinha falado de gente sem o retrato, sem mostrar essas pessoas. Nesse novo projeto, o retrato teria que ser algo importante a ser trabalhado, pensado. Então isso já definiu bastante o processo de criação do trabalho. Você acha que um fotógrafo deve seguir um estilo/abordagem ao longo de sua carreira ou deve buscar arriscar sempre que possível?
Eu acho que fotógrafos e artistas tem processos criativos tão particulares que não sei se devo tentar especular sobre isso. Nos termos de fotografia mais clássica, a gente se acostumou a ver fotógrafos que tem “seu estilo”, uma estética própria, um jeito de fotografar muito particular, mas hoje em dia a gente vê uma Anouk Kruithof, uma jovem fotógrafa holandesa que se considera fotógrafa e não uma “artista que trabalha com fotografia”, trabalhando de uma forma completamente diferente em cada um de seus trabalhos. Talvez o que define o estilo dela é a forma de pensar a fotografia, a forma como ela enxerga a fotografia e suas possibilidades como mídia, mas não parece estar nem aí para seguir uma abordagem que a identifique. Acho que é o mesmo caso dos suíços Taiyo Onorato e Nico Krebs. Mas também vemos fotógrafos contemporâneos que parecem ver importância na estética bem definida, que acaba os identificando rapidamente quando vemos uma de suas fotografias, como uma Viviane Sassen por exemplo. Mas acho que isso é muito particular, não há fórmula. Seu trabalho Vital foi muito elogiado e premiado. Nos conte um pouco sobre a sua história. Como comecei a contar na resposta da segunda pergunta, ‘Vital’ meio que nasceu de uma curiosidade, de eu começar a prestar atenção nesse comportamento curioso do meu avô, que não joga nada fora quando devia jogar. Coisas sem uso, papeis amassados, pratos de bolo de padaria, trapos, etc. Nada ele jogava fora, apenas ia guardando, colocando em armários, em gavetas. Demorei inclusive pra resolver fazer o trabalho, fotografá-lo. Era apenas uma observação de um comportamento. Mas um dia resolvi olhar em vários outros armários antigos e descobri o tanto de coisa que tinha guardada, coisas muito antigas também, ferramentas de seu antigo trabalho como pedreiro, um emaranhado louco de coisas. Comecei a pensar que aquilo, aqueles objetos que passaram por sua mão, podia constituir uma espécie de retrato de uma vida. Decidi fotografar
então. Fiz em dois dias. Fotografei mais de 100 objetos, mas como meu avô completava 80 anos naquele ano, selecionei 80 das fotografias para constituir a edição final. O nome do trabalho, como o texto que o acompanha explica, veio do nome do meu avô, que é Enedino Vital. Como as premiações impactam seu trabalho? Você ganha novo fôlego quando vê seu trabalho reconhecido por prêmios de grandes relevância? Acho que o mais legal de ganhar um prêmio ou ser selecionado pra exposição de um salão, é ter uma espécie de confirmação de que o que você está fazendo está trilhando um caminho interessante e tem certa relevância artística. Porque enquanto você é novato –e me incluo nessa– é difícil você ter total segurança de que está produzindo algo que interesse a outras pessoas, que tenha relevância. Claro que o prêmio e seu júri representam apenas um ponto de vista diante de tantos outros, mas júris de prêmios relevantes são sempre compostos por gente interessante e é importante ter esse retorno. Você foi um dos selecionados do FOAM Talent de 2012. Como foi essa experiência? O que você aprendeu nesta troca com a equipe da revista holandesa? Acho que o mais legal nessa história com a FOAM foi a visibilidade dada ao meu trabalho. A revista foi lançada dentro da feira UNSEEN, acabou tendo duas exposições em locais abertos, parques muito legais, então muita gente pode ver o trabalho fora da revista também. Mas eu não fui pra lá no evento de lançamento, portanto não tive muito mais contato que por e-mail na época, não falamos tanto assim. Mas o legal da FOAM é que eles apostam muito nessas pessoas que aparecem na edição Talent e vivem fazendo eventos, ações, divulgam eventos ou exposições que os selecionados
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estiverem participando, etc. Recentemente eles abriram uma exposição em comemoração à edição Talent, com todas as revistas em exposição e também projeções com os trabalhos. Também neste ano estão fazendo uma ação no Instagram, em que convidam selecionados da Talent para postar pelo Instagram da FOAM durante uma semana com o tema ‘Inspiração’ e eu fui convidado a postar entre os dias 14 e 21 de julho. Você é um aficionado por fotolivros, certo? O que mais te cativa neste tipo de suporte? Sim, bastante! Para mim, o livro é o suporte perfeito e ideal para a fotografia, muito mais que a parede. Se pensarmos que a fotografia nasceu e algum tempo depois estava nos álbuns de família e se popularizou muito por isso, fica óbvio que a fotografia pertence muito mais ao “virar de páginas” do que a parede. O que me fascina no livro é o controle da narrativa que ele permite, seja através da edição/ sequência/ritmo das imagens ou até no uso de suas ‘limitações’, se podemos chamar assim, como o seu tamanho, o virar de páginas, etc. E o livro ainda possibilita que suas características materiais e táteis como o papel utilizado, a capa mole ou dura, de tecido ou não, sua encadernação, o seu design, tipografia, etc, reforce e amarre por completo o conceito do trabalho e isso é maravilhoso. E claro, você pode carregá-lo para onde quiser, para ver quando quiser! Como você avalia o futuro dos fotolivros? Há uma necessidade de experimentação cada vez maior no formato das publicações? Se pensarmos que indústria está sempre se atualizando, se aperfeiçoando, dá pra imaginar que possibilidades e recursos gráficos serão sempre maiores. É justamente esse aperfeiçoamento e modernização da indústria gráfica que permite que se possa ousar e experimentar cada vez mais ao se produzir um livro hoje. Mas também não vejo a necessidade de experimentação como
algo prioritário. Acho que a prioridade deveria ser a de fazer livros que contem bem o que se quer transmitir com aquele trabalho. Se ele precisa ser experimental (em recursos gráficos, formato, papel, design, o que for) para reforçar o discurso do trabalho, que assim seja. Mas se ele precisa ser clássico, capa dura forrada em tecido, papel maravilhoso, porque isso também reforça o discurso do trabalho ali contido, que assim seja. Os recursos gráficos, de tintas, de papeis, de dobras, o que for, não podem passar por cima do discurso e do trabalho fotográfico. O mais necessário de ser entendido sobre o folivro é o mar de possibilidades criativas que ele te dá como suporte. A segunda questão é o mercado. Já existiam colecionadores de fotolivros antigamente, claro, mas hoje isso é um grande boom. E o mais legal: pessoas estão colecionado fotografia através dos fotolivros! E como toda cultura de coleção, gera especulação acerca de valores. Fotolivros super esperados (principalmente de alguns 61 autores que já tiveram sucesso prévio com algum outro fotolivro anterior) tendem a esgotar em poucos dias (alguns até em suas pré-vendas) por terem tiragem limitada, e depois são vendidos por centenas ou muitos mil dólares em e-bays da vida ou leilões e livrarias especializadas mundo a fora. Talvez isso não pareça super legal, mas é interessante a ideia de que a fotografia tenha uma forma particular, sua, de ser colecionada. A terceira questão para futuro, e talvez a mais importante, é a forma como a cultura do fotolivro pode ser disseminada. Com o boom atual sobre os livros de fotografia, com centenas de eventos, festivais, concursos e prêmios, iniciativas mais sólidas são necessárias como por exemplo o projeto ‘The PhotobookMuseum’, criado pelo editor/curador/livreiro Markus Schaden (que é um dos grandes conhecedores de fotolivros do mundo), que deve ser colocado em prática no ano que vem e que pretende ter um museu online, um museu itinerante e um museu físico para os fotolivros. Formar público, educar, disseminar a cultura, esse é o futuro.
Hugo Martins A Alma da Feira
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Hugo Martins registra a Feira de São Joaquim, em Salvador, há mais de nove anos. Apresentamos um pequeno recorte de sua imensa produção sobre o local, tão vivo e cheio de possibilidades fotográficas. Nos conte sobre a criação do ensaio A Alma da Feira. A Alma da Feira é um projeto composto por quatro series e mais de 120 imagens, capturadas na Feira de São Joaquim na Cidade de Salvador – BA nos últimos 9 anos. Uma poesia visual contando parte de uma história que vale a pena ser conferida no próprio local. O projeto A Alma da feira é uma possibilidade visual de dissecação da feira de São Joaquim a partir de quatro pilares definidos: o comércio de artigos religiosos, a feira de frutas legumes, verduras e iguarias, o açougue a céu aberto, comércio de carnes e o ser humano como elemento de sustentação das atividades da feira. Andar pela feira de São Joaquim a primeira vista é se ver em um labirinto formado pelas estreitas vielas e o movimento constante das pessoas e foi necessário um profundo trabalho de campo no local para compreender como a divisão em meio a um caos superficial se daria. O que antes era visto como simplesmente orgânico, passou a ter um sentido lógico e um formato mais geométrico do espaço. Tendo
a preocupação com o mapeamento resolvida, possibilidades de séries fotográficas mais delineadas foram descobertas e os quatro pilares da feira foram tomando uma forma mais sólida, uma vez que o enredo era evidente. Recentemente, um projeto de melhoria para a feira de São Joaquim começou a tomar forma e a ser executado, o que trouxe também a queda de algumas tradições e do formato da feira como se conhecia a mais de 50 anos, o que motivou ainda mais a consolidação e estruturação do projeto fotográfico. Os corredores organicamente e “desorganizadamente organizados” agora dão espaço a galpões no estilo “mercadão municipal” e muito do que se chama cultura popular começa a tomar novas formas neste momento de transformação para esta nova era da feira. Documentar fotograficamente a feira é não só homenagear estes 35mil metros quadrados de cultura popular Baiana, mas também, transformar esse movimento contemporâneo em história visual para as gerações futuras, pois patrimônios da cultura popular como este não se criam do dia para noite e a Alma da Feira mostra que independente do espaço que ocupe, as feiras populares terão sempre uma importância social relevante, pois mostram que, apesar de muitas vezes com dificuldades, pessoas estão comprometidas com o trabalho e com o amor a cidade e tradições culturais.
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as pessoas que mantém vivo o organismo da Feira de São Joaquim foram de fundamental importância na definição do projeto.
Como você construiu sua relação com os personagens do ensaio?
As cores tem um papel importante na construção da sua narrativa?
Um fator fascinante de qualquer cultura, é o fator humano, e as pessoas que mantém vivo o organismo da Feira de São Joaquim foram de fundamental importância na definição do projeto. Por diversas vezes frenquentava a feira como consumidor de seus produtos, experienciando o contato com as pessoas, entendendo as dinâmicas de vendas dentro da feira, as maneiras como as pessoas atendiam as outras, observando que além do comércio, existiam relações muitas vezes profundas entre as pessoas daquele organismo. Houve uma mescla entre ir a feira para consumir os produtos e ir a feira para consumir as imagens da feira, e por este último aspecto a necessidade de incluir as pessoas dentro destas imagens. Chegar a feira cedo, tomar cafezinho nos “carrinhos” cumprimentar os mais chegados, indo de tenda em tenda, antes de começar o trabalho de captura visual, fazer uma pausa para uma cerveja próximo a hora do almoço em um dos diversos botecos, foi fundamental para que um sentimento de integração ocorresse, pois eram nestes momentos que os “causos” surgiam e as histórias de vida das pessoas e consequentemente da própria feira eram contadas, enriquecendo ainda mais o projeto.
Este organismo oferece um deleite visual e um grande desafio, pois 75 as condições de luz na feira são muito interessantes para qualquer fotógrafo, o desafio é buscar a luz ideal para que a riqueza das cores possam sobressair. A feira é o local das cores, cada local tem uma situação de cor impressionante e a busca das cores se tornou algo obsessivo no projeto. Durante o dia, e com a movimentação natural do sol, locais diferentes da feira ganham uma iluminação diferente, pois os telhados esburacados permitem a entrada de fachos de luz que criam condições de luz e cor impressionantes, porém, é preciso de paciência e bastante observação para reproduzir o cenário que os olhos vêem, através da câmera e muita curiosidade e disposição para visitar locais com essas possibilidades. A condição saturada de cores da feira, é o elemento chave desse projeto, que traz uma narrativa poética e romântica nas histórias contadas pelas imagens. Os contrastes trazidos pelas cores aliadas a condição de luz na feira transformaram o projeto que inicialmente foi formatado para um formato P&B. Em cada série construída no projeto existe uma característica associada a tonalidades específicas de que coincidentemente ou naturalmente diferenciam uma série da outra.
Leonardo Ramadinha NY
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Leonardo Ramadinha apresenta um diário visual de uma das cidades mais complexas e cativantes do mundo. Seus passeios fotográficos por Nova Iorque produziram uma série de belas imagens, que mostram a visão cara do fotógrafo a esta grande cidade americana. Ramadinha, nos conte sobre seu começo na fotografia. Na verdade isso acabou acontecendo, não foi um desejo direto. Eu sempre gostei de fotografar, mas não passava pela cabeça levar isso a sério como forma de expressão ou carreira artística. Foi tudo meio sem querer no início, uma descoberta. Durante um período da faculdade comecei a estudar fotografia por curiosidade. Fui fazer um curso de 3 meses e fiquei dois anos estudando. Emendava um curso no outro. A fotografia me abriu a cabeça para ver outras coisas e mais ainda para ver as coisas de uma outra maneira. Aí, não tinha mais como largar. Eu comecei a ver que aquilo poderia ser uma forma de expressão de muita força que me interessava bastante. Eu
queria isso. Depois entre outras coisas foi uma pós-graduação em Fotografia e Ciências Sociais e outra em Artes Visuais, grupos de estudos, cursos com artistas, curadores e por aí vai sendo... Qual a sua relação com Nova York? Como ela influencia sua fotografia? Fiz esse trabalho num período de férias. Fui para NY só com a intenção de correr museus e galerias. Sem nenhum deslumbramento, mas não há como negar a importância dessa cidade para a arte e fotografia contemporânea, isso para o bem e para o mal. Você vai do incrível ao tenebroso em segundos. O exercício de estranhar e essa vivência com o “diferente” é importante pra mim. E tem uma coisa legal em NY, ali estão os mais importantes museus do mundo e ao lado na mesma calçada se pode encontrar jovens e excelentes artistas em início de carreira expondo em galerias menores. Essa experiência de troca é necessária e sempre influencia.
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depois da foto feita surge um outro processo criativo tão intenso quanto o ato de fotografar. Quais foram os desafios de contar uma história através da cidade? Nova York se apresenta com infinitas caras. Cheguei em NY dois dias depois da passagem do furacão Sandy. Tudo estava muito estranho. Alguns lugares sofriam bastante com alagamentos, falta de energia, destruição e outros pareciam que nada havia acontecido e a vida seguia dentro da normalidade. Isso me impressionou muito. Nova York tem a pompa de cidade mais importante no mundo e naquele instante eu via de um lado uma coisa frágil, assustada, pouca gente na rua e do outro a tal metrópole imbatível com todo o seu neon piscando e vitrines impecáveis. Essa NY dúbia com certeza influenciou diretamente. Eu vi isso muito forte e corri nesse caminho sem me preocupar em contar uma história linear com começo meio e fim. Eu queria muito mais descrever a sensação daquele instante do que localizar aquele frame no espaço. Tudo é muito complexo e isso faz de Nova York uma experiência, pode-se voltar lá quantas vezes for que ela se fará diferente. Imagino que você tenha produzido uma quantidade imensa de fotografias para este ensaio. Como foi pensada a edição das imagens? Foi um processo complicado? A edição final de qualquer trabalho pra mim sempre é um processo sofrido, mas de descobertas incríveis e quase tão importante quanto
o instante da fotografia. Esse não foi diferente. Quase sempre, depois da foto feita surge um outro processo criativo tão intenso quanto o ato de fotografar. Uma imagem pode levar anos guardada. Acho que é daí que vem a questão da não identificação dos espaços, do vazio, do não-lugar da imagem. Esse processo de criação me permite descobrir outras coisas subjetivas que muitas vezes se mostram fortes nesse instante. O processo de edição e escolha 91 e construir a partir de imagens de meus arquivos, é quase como um garimpo, ir olhando juntando pedacinhos de outra história e reescrever a partir daí, criando uma poesia visual. Me sinto como se tivesse fotografando novamente, olhando para dentro do trabalho, mergulhando mais fundo naquele universo. E quando essas séries começam a aparecer e o trabalho tomar corpo é uma descoberta e uma surpresa pra mim. Toda essa loucura me permite juntar imagens que no ato fotográfico não foram pensadas para trabalhar juntas e criar uma outra história. Algumas são imagens da vida cotidiana, cenas banais, vestígios que quando saem das circunstâncias banais acabam por criar outro valor e juntas viram uma nova possibilidade de interpretação. Minhas fotografias não têm uma leitura única. Eu não sou ingênuo de achar que alguém que veja o meu trabalho vai pensar exatamente aquilo que pensei quando criei. Nem quero isso! Existe uma poética e uma carga emocional grande ali, é a minha maneira de ver as coisas. E fico feliz de poder expor isso e as pessoas buscarem referências em si mesmas para criar uma nova leitura.
REFLEXÕES
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Tomando a imagem como linguagem torna-se possível “conversar” com qualquer pessoa no planeta, mesmo que não falemos a mesma língua escrita. Neste sentido as imagens se constituem em uma espécie de linguagem universal.
COLUNA
SENTIDOS Algumas vezes uma pergunta nos ajuda a organizar algumas idéias. Pensar a relação entre texto e imagem torna-se mais fluente se parto de uma questão mais precisa. Assim, pensar qual o papel do texto na criação do sentido de uma fotografia se constitui em um start produtivo. Começo a refletir diante da pergunta acima e me vêm à mente legendas, palavras frases, letras. Primeiro reflexo – a imagem é uma linguagem. Perdoem-me Camões e demais semióticos. Ou melhor, tomo as imagens como uma linguagem uma vez que tomo as linguagens como uma construção que nos permite dialogar com os outros a partir de um recorte do mundo visível. Eu e os outros minimamente compartilhamos os códigos de decifração e conseguimos, com mais ou menos esforço, conversar. É mais fácil “conversar” com um falante e escrevente de “português brasileiro” do que com alguém que domine o mandarim, se pensarmos essa “conversa” via linguagem texto. Tomando a imagem como linguagem torna-se possível “conversar” com qualquer pessoa no planeta, mesmo que não falemos a mesma língua escrita. Neste sentido as imagens se constituem em uma espécie de linguagem universal. Pensar dessa maneira não significa hierarquizar nem tampouco apagar as diferenças existentes entre elas. Talvez, podemos partir da idéia de que texto e imagem associados nos levam mais longe... Segundo reflexo – as imagens sintetizam narrativas visualmente. Olhando uma foto tenho ali uma história. Lendo um texto encontro uma história também. Em ambos os casos, seguindo caminhos diferentes, chego a um lugar próximo, com imagens e com textos. Temos uma narrativa visual escrita e imagética. Ao unirmos duas linguagens começamos a criar uma coisa distinta de uma simples soma. As duas formas de produzir uma história dialogam entre si e nos fazem mover outros elementos da nossa imaginação que se chocam, complementam, produzem faíscas e estrelinhas.
E, se pensarmos nas famosas entrelinhas do texto e da imagem potencializamos, turbinamos a quantidade de informações, ou talvez, de possibilidades de trilhar o caminho da leitura. Mais um reflexo – Pensando o texto como o caminho de um trem sobre os trilhos abrimos janelas para o nosso caminho linear olhando a paisagem do lado de fora do trem, olhando a paisagem de dentro do trem e nossa própria paisagem exterior e interior. O caminho do trem/texto segue os trilhos. Nossa imaginação transforma a linearidade do percurso em algo mais colorido, digamos assim. Pensando a imagem como um vagar vagabundo por aí, as possíveis paisagens se multiplicam, infinitas, como as não menos famosas estrelinhas no céu. O enlace 93 das linhas do texto com o flanear dos nossos olhos produz um outro tipo de caminho, de caminhar, de imaginar, contar histórias, de dar sentido para as fotografias. O contar da nossa história caleidoscópica abre infinitas janelas em nosso trem e nos oferece incontáveis linhas para seguir. Seguimos uma parte do percurso conversando e olhando ao redor, vendo o mundo passar correndo pelas janelas do nosso vagão. Descemos do trem ou voamos pelos céus feito passarinho para atender nosso desejo de buscar outros caminhos. Sim, o texto dá, retira, altera o sentido da imagem ao qual está relacionado. Texto e imagem podem se entrelaçar em um conjunto infinito de tramas e sentidos que tornam as nossas histórias mais divertidas. Só há que cuidar, sempre, quando sair ou entrar no trem, quando voar na imagem ou caminhar por aí, da harmonia, da elegância, da simplicidade. Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.
INSTITUTO INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA FINE ART: PÓS-PRODUÇÃO E MERCADO $ YHQGD GH IRWRJUDƬDV LPSUHVVDV FRP DOWD TXDOLGDGH H GXUDELOLGDGH Ä XPD RS¾R DLQGD SRXFR H[SORUDGD SRU PXLWRV IRWÎJUDIRV XPD YH] TXH D DWXD¾R QHVWH QLFKR UHTXHU XPD VÄULH GH FRQKHFLPHQWRV HVSHFÈƬFRV $R SHUFHEHU HVVD GHPDQGD R ,,) FULRX R FXUVR Fine Art: Pós-Produção e Mercado PLQLVWUDGR SRU $OH[ 9LOOHJDV TXH RIHUHFH XPD IRUPD¾R FRPSOHWD QR TXH VH UHIHUH DR WUDWDPHQWR D SÎV SURGX¾R LPSUHVV¾R H FRPHUFLDOL]D¾R GHVVH WLSR GH SURGXWR 'XUDQWH R FXUVR R DOXQR WHP D RSRUWXQLGDGH GH FRPSUHHQGHU HVWH DPSOR PHUFDGR TXH LQFOXL JDOHULDV GH GHFRUD¾R JDOHULDV GH DUWH FROHFLRQDGRUHV H PXVHXV ¤ RIHUHFLGR XP SDQRUDPD PHUFDGROÎJLFR TXHP V¾R RV FRPSUDGRUHV H TXDLV V¾R RV WLSRV GH WUDEDOKR TXH OKHV LQWHUHVVDP $ SDUWH WÄFQLFD LQFOXL R FRQKHFLPHQWR GH WRGRV RV SURFHGLPHQWRV QHFHVV¼ULRV SDUD UHDOL]DU DV LPSUHVVÐHV GHVGH R WUDWDPHQWR GD LPDJHP
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Celeste Ortiz
Timberwolves / William M. Vander Weyde (American 1871–1929)