Nยบ38 Outubro de 2014
Revista OLD Número 38 Outubro de 2014 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista
Capa Fotografias
Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki Luisa Dörr Benoit Fournier, Bruna Valença, Luisa Dörr, Ricardo Ara e Valda Nogueira
Entrevista
Gustavo Lacerda
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Livros
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Centro 738 Exposição
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Luisa Dörr Portfolio
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Bruna Valença Portfolio
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Ricardo Ara Portfolio
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10 50
Gustavo Lacerda Entrevista
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Valda Nogueira Portfolio
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Benoit Fournier Portfolio
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Reflexões Coluna
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Às vezes penso se nós falamos de fotografia ou de fotografia contemporânea na OLD. Não sei se essa distinção é necessária ou se é correta ou o que ganhamos com ela. Sei que apresentamos novos trabalhos, de novos fotógrafos e que correm algum tipo de risco, buscam algum tipo de inovação e tem uma assinatura forte em suas imagens. Nesta edição conversamos com Gustavo Lacerda, que vem sendo muito elogiado pelo seu trabalho Albinos. O fotógrafo mineiro não acredita que ganhamos ao tentar entender o que é ser contemporâneo. Para Gustavo, devemos aproveitar as quase infinitas possibilidades artísticas que temos ao nosso dispor e não nos preocupar se estamos sendo ou não contemporâneos. É graças ao pensamento que Gustavo desenvolve em nossa entrevista que vemos uma inovação constante na fotografia, um desejo de criar e transformar, sem seguir os padrões que nos são apresentados. Acredito que os cinco fotógrafos apresentados nesta edição tem uma busca intensa por qualidade e inovação em seus trabalhos. Começamos a edição com dois ensaios de Luisa Dörr. A fotógrafa, atualmente radicada em São Paulo, constrói em Entre Olhares um mundo fantástico, permeado pelas mulheres e amigas à sua volta. Em Selfie, menção honrosa no Paraty em Foco deste ano e amplamente divulgado ao redor do mundo, Luisa explora em parceria
com Navin Kala as selfies feitas na avenida das estrelas de Hong Kong. Seguindo temos Bruna Valença e Ricardo Ara que exploram fotograficamente seus períodos de estadia no exterior, com a fotografia de rua e união de amigos e paisagem, respectivamente. Após a entrevista com Gustavo Lacerda temos o trabalho Porto, de Valda Nogueira. O ensaio é um retorno para a região de origem da fotógrafa, uma investigação afetiva em que a espera pela imagem certa é fundamental. Fechando a nossa edição de Outubro temos o trabalho de Benoit Fournier. Apaixonado pela água brasileira, Benoit apresenta a relação entre homem e água, criando um ensaio delicado e visualmente impressionante. Assim chegamos à nossa décima edição no ano, com muitas dúvidas, algumas certezas e sabendo que sempre teremos muita fotografia para discutir por aqui.
Felipe Abreu
A fine display of pig herding skills on Friar Street in Youghal, Co. Cork.
LIVROS
ÁGUA ESCONDIDA DE CAIO REISEWITZ
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Caio Reisewitz é um dos grandes nomes da fotografia brasileira. Seu trabalho vem recebendo uma grande quantidade de atenção e ele se tornou recentemente o primeiro brasileiro a expor no ICP, em Nova Iorque. O trabalho de Caio lida com cidade e natureza e nesses temas Caio encontra a liberdade para construir colagens e novas realidades visuais que criam espaços fantásticos, trazendo novos e mais complexos significados para as imagens que os criaram. Seguindo esta lógica visual e temática, Caio desenvolveu seu recente trabalho, Água Escondida, explorando a relação de dois distintos centros urbanos com a água: São Paulo e Belém. A capital paulista esconde, soterra e maltrata a maioria das suas fontes de água, enquanto Belém é regida por elas, em uma relação muito mais profunda com a água que envolve toda a cidade. Água Escondida é uma parceria entre o Instituto Moreira Salles e a BEÏ Editora e acaba de ser lançado, durante o evento Arq.Futuro. Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea no IMS, participou ativamente do projeto e apresenta parte das estratégias usadas por Caio Reisewitz: sequências aéreas, colagens e um “final apocalíptico”. Água Escondida parece ser mais um grande acerto dentro da trajetória de Caio Reisewitz. Disponível nas principais livrarias do país Valor médio: R$ 120,00 144 páginas
LIVROS
THIS EQUALS THAT DE JASON FULFORD E TAMARA SHOPSIN
Este é um livro para crianças à partir de cinco anos de idade. Isso mesmo, de cinco até o infinito. O divertido e impecável projeto This Equals That é encabeçado por Jason Fulford e Tamata Shopsin, o primeiro é fotógrafo, a segunda designer. O pequeno livro é uma iniciação na linguagem visual, trata de associações, cores e da construção de uma narrativa através de imagem. O livro, lançado pela Aperture, tem fotografias belíssimas e um design simples e consistente, fazendo com que ele posso ser apreciado por pessoas de todas as idades, entre fotógrafos e não fotógrafos, criando uma jornada visual que pode ser dividida, transmitida ou apreciada de maneira solitária, mergulhando em cada uma das quarenta imagens da publicação. A narrativa de This Equals That vai construindo associações entre uma imagem e a próxima, sempre trazendo novos elementos centrais e mantendo uma consistência e uma criatividade nas associações que tornam o livro ainda mais divertido. Sua narrativa é circular, trazendo o leitor de volta para o começo do livro, o convidando para mais uma volta nesse belíssimo mundo visual.
Disponível no site da Aperture Valor Médio: R$ 50,00 80 páginas
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EXPOSIÇÃO
O CENTRO E A FOTOGRAFIA Felipe Russo e Nicolas Silberfaden apresentam suas visões do centro de suas metrópoles na nova exposição na Fauna Galeria.
O Centro muitas vezes é um lugar pouco chamativo para o habitante comum das cidades modernas. Com muito trânsito, muita confusão, 08 às vezes violento, às vezes sujo, acaba ficando para trás e vendo seus antes habitantes migrando para outras partes da cidade. Por conta dessa migração e da importância histórica de seus centros, muitas cidades ao redor do mundo começaram um movimento de recuperação de suas áreas centrais, trazendo de volta quem havia abandonado a região. Se muitos o abandonaram, o Centro é essencial para a fotografia de Felipe Russo e Nicolas Silberfaden. Felipe em São Paulo e Nicolas em Los Angeles, ambos investigando visualmente o espaço central das cidades em que habitam. Os dois fotógrafos, um brasileiro e o outro argentino, buscaram uma visão diferente do senso comum central: os dois trabalhos apresentam um Centro vazio, calmo, repleto de empenas, viadutos e grandes avenidas, mas sem gente. Para conseguir este resultado Felipe vagou pelo Centro de São Paulo durante as manhãs, antes da massa de trabalhadores chegar para mais um dia de serviço. O ensaio, chamado simplesmente de Centro, mostra a beleza pitoresca de São Paulo e o non sense típico
da metrópole paulistana. Além da exposição na Fauna, Centro acaba de ser lançado como livro, financiado de maneira coletiva através da pré-venda de exemplares especiais. O trabalho de Nicolas Silberfaden tem uma sinergia impressionante com a produção de Russo. O ensaio 738 foi desenvolvido durante a estadia do fotógrafo em Los Angeles e busca construir uma cidade cheia de deslocamento, mudanças e na constante busca por pertencimento. A cidade californiana é repleta de imigrantes, com um trânsito intenso de pessoas e culturas, o que a torna uma imensa mistura, que se faz visível nas fotografias de Silberfaden. A mostra na Fauna é um elogio a uma visão mais complexa da metrópole. Os dois ensaios unidos criam uma visão plural do Centro, mas que conta com diversos pontos de união. Em Centro 738 fotógrafos e galeria nos mostram vários motivos para apreciar e reocupar o centro de nossas cidades.
Centro 738 está em cartaz na Fauna Galeria, nos Jardins, em São Paulo. A mostra segue em cartaz até o dia 19 de Outubro.
Felipe Russo
Luisa Dรถrr Entre Olhares e Selfie
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Luisa Dörr assina a capa desta edição e apresenta dois ensaios nesta OLD: Entre Olhares e Selfie. O primeiro apresenta uma sutil narrativa fantástica, acompanhando as amigas de Luisa. O segundo é a uma fina representação visual do ramo fotográfico de maior produção na atualidade: a selfie.
a ver menos os meus amigos e naturalmente quando os via, estes momentos eram sempre especiais. Entre uma viagem e outra surgiu o Entre Olhares, estes momentos curtos eram como sonhos para mim, aproveita para retratar estas amizades que já duram mais de 18 anos.
Luisa, como começou sua relação com a fotografia?
Qual a importância do sonho, da fantasia, neste ensaio?
Minha relação com fotografia surgiu quando era criança, tenho familiares que trabalham na área. Me lembro que por fazer aniversário perto do natal, durante muitos anos ganhava uma câmera fotográfica, era uma festa, guardava toda a minha mesada para imprimir as fotos e roubava frequentemente a filmadora do meu pai para filmar amigos e fazer “documentários.” Isso começou quando tinha sete anos, mas apesar deste carinho pela fotografia, ela virou profissão somente em 2010, antes disso trabalhava com design gráfico.
Este ensaio é sobre sonhos e fantasias, ele retrata nosso passado em lugares que costumávamos ir para brincar, e o futuro. É como se o presente não existisse por ser tão curto. Entre o respiro dos retratos podemos ver a nuvem que representa o sonho, a bela flor típica do Rio Grande do Sul que representa a beleza destas mulheres e vento que levanta as roupas infantis penduradas no varal e a mulher hoje nua na frente dele.
Luisa, nos conte sobre a criação do ensaio Entre Olhares. Sempre fotografei muito as pessoas que gosto, acho que todo fotógrafo faz o mesmo. Quando sai de casa para estudar comecei
Para você, qual a importância de abordar o feminino na fotografia? Este trabalho não é apenas sobre o feminino, mas sim sobre amizade, o qual pretendo dar continuidade a vida inteira, sempre retratando elas Entre viagens, entre olhares.
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Os selfies são uma maneira de se auto representar é o fato de eu falar: eu sou, eu existo, eu estou aqui eu me fotografo
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Como surgiu o conceito para o ensaio Selfie? Esta série de fotografias surgiu em uma viagem para Hong Kong onde eu e Navin Kala (artista indiano e parceiro comigo neste projeto) nos deparamos com milhares de chineses se auto retratando constantemente. Passamos dois dias observando de maneira curiosa estas pessoas que tinham a tira colo seus celulares e tabletes para fazer um novo selfie: ônibus, metro, rua, supermercado não importava o momento, até chegarmos na Av Das Estrelas ponto turístico de Hong Kong, e ali nos surpreendemos ainda mais. No terceiro dia levamos nossas câmeras e começamos a fotografar. No Brasil e no resto do mundo o Selfie não é novidade, porém em HK é muito natural, todos faziam selfies, jovens e idosos, em alguns casos até crianças, sentíamos que era preciso documentar. Não pensamos neste ensaio antes da viagem, ele simplesmente estava na nossa frente e soubemos usar nosso tempo e a fotografia e criamos esta série.
O ensaio tem ganhado grande destaque, sendo publicado em diversos veículos e ganhando uma menção honrosa no Paraty em Foco deste ano. Você acha que a metalinguagem de uma série de fotografias sobre fotografias é o grande ponto deste projeto? Não de maneira nenhuma. Os selfies são uma maneira de se auto representar é o fato de eu falar: eu sou, eu existo, eu estou aqui eu me fotografo porque quero me conhecer e quero que me conheçam. Esta série de fotografias não pode ser definida de maneira direta, ela se aplica a cada pessoa, a cada selfie, a cada representação.
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Bruna Valenรงa NY Is Timeless
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Bruna Valença investigou as mais variadas caras de Nova Iorque. Deste estudo nasceu um ensaio de rua, que mostra uma cidade plural, imensa e difícil de ser definida. Bruna, conte sobre seu começo na fotografia. Comecei a fotografar com 14 anos quando ganhei a minha primeira câmera de presente do meu pai. Para mim era um universo interessante onde eu poderia me expressar através de imagens. Aos 16, fiz um curso caseiro com uma ex-professora de fotografia da minha atual Universidade. A partir daí, percebi que era um caminho sem volta, a fotografia virou um vício e eu pensava em fotografar dia e noite. Comecei fotografando shows, fotos promo para bandas amigas, e fui desenvolvendo meu lado autoral desde então, com produção de séries específicas e editoriais de moda.
Qual a sua relação com Nova York? Como surgiu a ideia de produzir este ensaio? Passei a visitar a cidade pelo menos uma vez por ano, seja através de trabalhos, eventos ou motivos de estudo mesmo. A minha relação com a cidade é de total amor. Sinto que levo uma injeção de inspiração e arte cada vez que visito. Sempre caminho pela cidade com a câmera no pescoço, pronta para fotografar os diversos personagens que habitam por lá. É um lugar infinitamente inspirador e eu queria criar uma série de registros tanto de pessoas, como de lugares e situações inusitadas que pudessem ser vistas e fáceis de se relacionar não importando o ano em que foram tiradas. A ideia foi criar imagens que fossem atemporais e que pudessem pertencer a um ambiente de cidade grande. A sensação de estar em Nova York é como estar dentro de uma bolha gigante, quase como uma atmosfera de sonho, e foi isso que eu quis passar através das imagens.
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Tive que incorporar um pouco da energia do local e também me tornar invisível no meio daquela multidão
Quais são os desafios de se produzir um ensaio de fôlego, como esse? É difícil manter o foco?
Quais são as dificuldades e os interesses de fotografar NY e seus personagens?
De início tive a dificuldade de buscar definir para mim mesma que linha eu gostaria de seguir com a produção das minhas imagens. Sabia que queria fazer uma espécie de “diário” da cidade mas precisava de um foco. E o foco surgiu justamente na observação das pessoas e no contexto que eu sentia que gostaria de inserí-las. É sempre um pouco difícil de manter o foco em Nova York com a quantidade de informações que a gente enxerga, sempre acho que em cada visita lá eu poderia ter fotografado mais, mas tento focar apenas no que o meu olho exige que seja fotografado no momento, para manter um equilíbrio.
O meu maior desafio foi na hora de retratar as pessoas, os 49 “personagens” que circulam pela cidade. Os nova-iorquinos têm muita personalidade e alguns não gostam de ser fotografados. Tive que incorporar um pouco da energia do local e também me tornar invisível no meio daquela multidão de pessoas que passam pelas ruas e avenidas. Também tive que manter o olho afiado e tentei ser o mais rápida possível na hora de clicar para não perder a veracidade de algumas situações que encontrava. Procurei não invadir o ambiente das pessoas que foram fotografadas e sim inseri-las em um contexto mais geral e visual dentro do espaço em que cada uma se encontrava, e esse foi um grande desafio também já que tenho um grande vício em retratos fechados. Fotografar os “personagens” de NYC é uma coisa muito gratificante, pois a troca de energia é bem intensa. Consegui me sentir invisível mesmo diante deles e essa foi uma experiência que quero estar preparada para repetir bastante. Foi só quando me senti completamente camuflada que consegui atingir o meu objetivo como fotógrafa.
Porque você escolheu a fotografia analógica para produzir essa série? Escolhi o analógico pois é o formato que utilizo mais para projetos autorais. Ele me dá uma liberdade muito grande na hora de clicar, pois não há o mesmo apego com a perfeição como existe no mundo do Digital. Queria utilizar também a textura e o grão do filme para criar uma linha de harmonia na estética da série.
Ricardo Ara Sobre Por
Ricardo Ara explora a união de imagens na série Sobre Por, unindo retratos e cidade o fotógrafo explicita a intrínseca união entre habitante e metrópole. Ricardo, como você começou na fotografia? 52
Acho que o me tornar fotógrafo foi um processo que começou ainda quando eu era criança. O tempo passou e na hora de escolher uma faculdade optei pelo jornalismo por gostar de escrever (acho que muita gente comete esse erro). Foi na faculdade que tive as primeiras aulas de fotografia de fato, começando com câmera analógica e depois passando pro digital. Acabei a faculdade, mas desde o terceiro semestre sabia que não era bem no jornalismo que tava interessado. Experimentei a literatura, rabiscando contos, poemas e peças de teatro sempre em busca de imagens, meus textos eram muitas imagens e cenas que via transformadas em palavras. Mas também não era isso. Aí, formado e meio sem saber pra onde ir, fui pra uma temporada em Montreal. Saí do Brasil com um amigo, algumas mochilas nas costas e o dinheiro exato pra chegar lá e comprar uma câmera. Fiz isso no terceiro dia e aí as coisas começaram a fazer mais sentido. Lá aproveitei pra fotografar tudo o que não tinha fotografado até então e, quando vi que era mesmo isso que queria, resolvi me aperfeiçoar. Fiz um curso de fotografia documental, fotografei os protestos estudantis que estouraram naquele ano parando a cidade e comecei a me arriscar
em novas ideias, deixando o lado documental que veio junto com a faculdade e tentando ver o meu trabalho mais como arte do que fotojornalismo. Voltei pro Brasil decidido e aqui acabei fazendo outros cursos, estudando e trabalhando com fotografia. Nos conte um pouco sobre a criação do ensaio sobre por. O sobre pôr é fruto dessa temporada fora do país. Quando voltei pra Porto Alegre precisava dar um jeito de lidar com as saudades de tudo que tinha passado. Vendo as pilhas de imagens que tinha feito, das pessoas que tinha conhecido, das cidades que tinha passado, resolvi unir essas vivências num lugar só pra que fosse mais fácil voltar quando quisesse reviver tudo isso. A solução que encontrei foi sobrepor algumas fotografias. Mais do que sobrepor cidade e pessoas, nessas fotos tem muito de sentimentos misturados: sorrisos e lágrimas, lembranças e delírios, amores e decepções. Também achei importante criar algo que valorizasse as cidades nesse trabalho. A experiência lá fora foi muito boa por ter podido viver as cidades com segurança e qualidade de vida, o que é muito difícil hoje no Brasil e, principalmente, nas grandes capitais. Então fiz esse trabalho também pra mostrar que viver a cidade a pleno e sem receios é muito importante pra construirmos memórias agradáveis. As cidades são feitas para as pessoas e de pessoas, isso nunca pode ficar em segundo plano. Temos que pensar as cidades tendo a certeza de que elas são essenciais na nossa qualidade de vida.
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Acho importante ver e sentir as coisas pra realmente criarmos as lembranças
Como você idealizou a construção das duplas exposições? Há um elemento randômico nessas criações?
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Foi meio intuitiva a criação dessas imagens. Comecei do básico, tentando associar lugares a pessoas. Mas depois comecei a associar sentimentos aos locais, tentando mostrar o estado de espírito das pessoas naqueles lugares, naquele momento. Mas logo fui me desprendendo de tentar criar uma lógica na criação das imagens e me apegando as sensações que elas transmitiam. Vejo uma oposição nas imagens entre ações quentes dos personagens e uma cidade fria, apática. Quais os objetivos dessa união? Acho legal esse teu ponto de vista, mas nunca pensei em opor as cidades as pessoas. Acho que são esses dois elementos que formam o personagem dessas histórias, que dão sentido a essas lembranças. Mas entendo essa tua observação. Na hora de fechar esse trabalho me preocupei bastante em não torná-lo apenas uma egotrip das minhas lembranças. Foi por isso que decidi não nomear muito as imagens. Os títulos delas ou remetem a sensações ou a nomes sem sobrenomes – podendo ser qualquer Maria, qualquer Julia, qualquer Thiago. Também não quis nomear as cidades e os locais das fotos por causa disso, pra tentar passar a sensação de que em qualquer
cidade você pode se deparar com pessoas incríveis que vão criar lembranças fantásticas na sua vida, mas pra isso é preciso viver a cidade. As cidades das imagens podem ser vistas como apáticas por serem comuns, mas é justamente essa a sensação que tentei passar: do lugar comum, dos sentimentos comuns, de que essas lembranças podem ser comuns pra várias pessoas. E acho que as pessoas são quentes por elas mesmas, pelo o que são mesmo. Então se cria esse contraponto, mas não uma oposição. Você vê a fotografia como uma ferramenta poderosa para a memória? Qual o papel das imagens na sua memória? Fundamental! Não dizem por aí que uma imagem vale mais do que mil palavras?Pra mim em específico isso é muito verdade. Minha memória visual é muito forte. Quando trabalhava em jornais lembrava de textos e informações primeiro visualizando a página do que propriamente tentando lembrar o que tava escrito. E hoje em dia somos tão bombardeados com imagens que a nossa memória tá sendo construída em cima do que vemos. Acho importante ver e sentir as coisas pra realmente criarmos as lembranças, mas sem dúvida a imagem é tudo na minha memória e nas minhas referências na hora de aplicar algumas ideias. Até na literatura, aqueles textos que tu lê e parece que a imagem tá perfeita ali na tua cabeça, isso me fascina!
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OLD ENT
GUSTAVO
REVISTA
LACERDA
Gustavo Lacerda é o fotógrafo responsável por um dos ensaios mais tocantes e mais premiados da história recente da fotografia brasileira. Albinos foi recentemente lançado como livro em parceira com a Ed. Madalena e também vem recebendo um sem fim de elogios em seu novo formato. Conversamos com Gustavo por email para conhecer mais profundamente seus processos e sua visão sobre a fotografia. Gustavo, nos conte um pouco sobre seu processo de criação. Como você define seus projetos? Como seus ensaios costumam tomar forma?
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Meu processo de Criação sempre foi muito ligado a paixão, aos meu sentidos... Eu preciso me sentir bastante instigado e envolvido pelo assunto que pretendo trabalhar, senão não aprofundo. Sou totalmente aberto ao “acaso” e às possibilidades que vão surgindo ao longos das pesquisas e descobertas de caminhos criativos. Gosto de pesquisar e aprender mais antes de partir para a execução em si. Quando sinto que o lado mais emocional (que me liga ao trabalho) começa a se conectar com a parte mais racional (conceituação e logística, sobretudo) costuma ser o momento em que , naturalmente, começo a fotografar, propriamente falando...Mas, normalmente, não gosto de seguir regras, fórmulas. Vou muito pela intuição. Ela e a sincronicidade sempre vão me norteando, dando rumos e redefinindo possibilidades. Como surgiu o ensaio Albinos? Como foi o processo até chegar na estética final do ensaio? ALBINOS surgiu da minha curiosidade e de uma tendência que sempre tive em admirar e buscar beleza nas coisas que fogem aos padrões. Quando comecei a me interessar pelo albinismo e vislumbrei um trabalho artístico nesse universo, eu ainda não tinha definido o viés estético do projeto. No início fiz alguns testes,
cheguei a experimentar um caminho que seria, inclusive, o mais “cômodo” a se seguir em termos de arte contemporânea, o do projeto mais documental. Realista. Cru. Porém quando testei fotografar os primeiros albinos num ambiente controlado, de estúdio, escolhendo cada figurino e fundo cenográfico de forma mais pictórica, percebi que aquilo mexia de verdade com os retratados e a reação deles diante da câmera mudava totalmente. Quando descobri a tênue mistura de sentimentos (orgulho, vaidade, desconforto, tensão) que toda essa mise en scène da fotografia construída criava nos meus personagens percebi que esse era o meu caminho para o projeto. Você tem uma relação muito forte com os seus retratados. Como as histórias deles influenciam sua fotografia e sua vida? Não só com os personagens desse projeto, mas em todos os outros trabalhos me envolvo pelas estórias e acho isso importante no meu processo, inclusive criativo. Gosto de sempre imaginar que a minha fotografia não é algo “de resultado”. Gosto muito do processo, das trocas de experiências, vivências. No caso específico de ALBINOS o resultado foi bem além do que eu vislumbrava...talvez por falar de algo que está aí para todo mundo ver mas ninguém nunca vê... até porque é muito raro encontrar um albino pelas ruas... talvez a forca do trabalho foi trazer para a luz quem geneticamente precisa se afastar dela (fotofobia). E ainda tem a questão da invisibilidade social desse grupo de pessoas. Todas as experiências que vivencio nos meus projetos me influenciam. Acho que sou movido muito a elas... Você valoriza muito as pessoas que fotografa, sempre buscando a melhor e mais gentil abordagem para com elas. Essa deve ser uma preocupação de todo fotógrafo? Quando você percebeu que era importante pensar um retrato dessa forma? Eu prefiro não pensar que haja fórmulas que sejam ideais ou melhores do que outras para se fotografar ou se fazer um retrato.
O que eu acho que realmente é importante é cada pessoa tentar encontrar uma forma que lhe seja particular de se expressar. Acho que a arte nos proporciona essa possibilidade maravilhosa de tentar nos conhecermos cada vez mais e, se possível, acharmos a nossa forma de ser essa somatória de mistérios que cada um sempre é. Como foi o processo de criação do livro Albinos? Como o ensaio se transforma neste novo formato? O desejo de fazer um livro vem da gênese desse projeto. No fundo, sempre vislumbrei o trabalho como uma narrativa fotográfica impressa. No início era um apenas um sonho. Numa segunda fase passei a tentar buscar parceria para viabilizar o livro, mas logo percebi que eu estava lidando com um assunto “delicado demais”... muitos admiram, vários elogiam, mas ninguém assina embaixo. Num terceiro momento, o trabalho já havia ganhado muito reconhecimento e visibilidade e, nesse processo, fui maturando a coragem para bancar tudo sozinho. Investir do meu próprio bolso o que fosse possível e necessário para fazer um livro de arte. E, o principal, um livro de autor! Livre...em que eu poderia convidar o designer que eu quisesse e bancar todas as escolhas gráficas. Nesse sentido a editora Madalena foi uma escolha maravilhosa. Eles só agregaram ao projeto, em momento algum vender foi o foco. O objetivo era ter um bom livro e algo que fizesse jus a delicadeza e a intensidade do trabalho. O seu novo livro tem sido muito elogiado e vem avaliado nos mais variados meios. Você vê uma segunda vida para Albinos como livro ou a publicação foi uma etapa natural dentro do pensamento do ensaio? A princípio vejo ALBINOS , da forma que foi pensado esse projeto, como algo finalizado. Mas nada impede que eu venha abordar um dia alguma nuance de tudo que esse projeto deixou em mim. Te
confesso que não saberia responder agora... Apesar de estar aberto a possíveis e naturais desdobramentos do trabalho, foram 5 anos de um processo tão intenso que sinto que preciso de uma arejada, pensar coisas novas...deixar novos espaços tomarem conta de mim, talvez...(E já tenho feito isso, desde o início do ano tenho trabalhado num novo projeto.) Nos conte um pouco sobre seu ensaio Betânia, sobre sua trajetória e sobre o papel da memória em sua criação. Betânia é uma busca de parte das minhas origens. O lado paterno. Meu pai nasceu no sertão de Pernambuco, num até então vilarejo chamado Betânia, onde viveu apenas os primeiros 10, 11 anos. Mas esse sertão nunca saiu de dentro dele e eu cresci escutando, principalmente do meu avô, as estórias míticas desse espaço: Lampião, cangaceiros, coronéis e a minha jovem avó, que viveu e morreu muito cedo nesse lugar tão distante para uma criança do sudeste. Em 2007 resolvi ir a Betânia e o trabalho nada mais é do que a minha descoberta dessa lugar (que na verdade mais do que Betânia em si, é o próprio sertão, o sertão dos silêncios do meu pai, a minha raiz sertaneja). O fotógrafo contemporâneo deve pensar além da imagem, considerando formato, apresentação, novas linguagens? Te confesso que a fotografia e a arte como um todo, no fundo no fundo, só perdem com tanto falatório do que é ou não é “ser contemporâneo”. Penso que temos, cada vez mais, infinitas possibilidades, tanto de formatos, suportes. Enfim, a tecnologia nunca esteve tão sem limites...mas, paradoxalmente, sinto que parecemos tão limitados no que diz respeito ao aprofundamento das coisas. Posso estar enganado...mas tenho sentido muito isso: acho que essa obsessão em querer ser “arte contemporânea” só nos limita e nos faz seguidores de rebanho.
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Valda Nogueira Porto
Porto é um ensaio que lida com memória, com transformação e com buscar o lado humano dentro de um espaço em profunda transformação social. Valda Nogueira realiza uma série sensível, muito bem executada e com diversas camadas de significado. 72
Valda, nos conte sobre seu começo na fotografia. Comecei a fotografar em 2009, sem muitas pretensões, numa época em que eu estava desestimulada com a graduação que eu estava cursando. Foi uma época em que eu comecei a buscar outros caminhos, aprender coisas novas. Ganhei uma câmera e andava sempre com ela, fotografando por aí. Não ficava pensando se seria fotógrafa ou não. Mas o meu interesse só crescia, e me vi fazendo cursos, pesquisando autores, lendo sobre fotografia e querendo fotografar cada vez mais. Então aconteceu. Depois de um tempo praticando bastante, comecei a pegar pequenos trabalhos para amigos e para amigos de amigos. Tive muita sorte, cruzei com muitas pessoas bacanas nesse caminho que me estimularam e me ensinaram muito, e que o fazem até hoje.
Como surgiu o conceito para este ensaio? Surgiu quando ingressei na Escola de Fotógrafos Populares, do programa Imagens do Povo, um projeto incrível idealizado pelo fotógrafo João Roberto Ripper e que funciona no Observatório de Favelas, na Favela da Maré. Durante a escola, os alunos tinham que desenvolver um projeto fotográfico para ser apresentado como trabalho de conclusão de curso. Optei por fazer um trabalho sobre o lugar onde cresci. Eu já havia feito algumas imagens desse lugar antes de entrar pra escola, mas o trabalho foi ganhando mais corpo durante o curso, onde os professores acompanhavam a nossa produção dando idéias, nos provocando, nos ajudando a editar, enfim, nos orientando nesse percurso. “Porto” é uma série sobre um pequeno bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro chamado Sepetiba, cujas praias, há algumas décadas, eram muito procuradas por sua tranqüilidade e beleza. Hoje é um paraíso degradado, por conta da atividade portuária na região e outros desastres ambientais. Morei lá durante muitos anos da infância e adolescência e minha família ainda vive lá, de modo que estou sempre regressando. A cada retorno, descubro coisas, novas questões surgem e antigas se reafirmam, como a religiosidade, o modo de vida local, a natureza. Procuro fazer uma leitura sobre esse espaço a partir dessas minhas descobertas e também a partir do vínculo afetivo que tenho com esse lugar.
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uma das principais lições que a produção desse trabalho me trouxe é a importância da paciência.
Qual a sua relação com o espaço e com os personagens apresentados? Ela mudou depois que você produziu as imagens? 84
Sepetiba é um lugar onde me sinto à vontade como não me sinto em lugar nenhum. Conheço bem a região e tenho uma relação de afeto e intimidade, já que é o lugar onde cresci. Sendo um espaço que está em constante transformação, meu deslocamento por lá é movido também pela curiosidade, pela busca do que mudou e do que restou - uma espécie de “investigação afetiva”. Cruzo com muitas pessoas nas minhas andanças por lá. Muitas tardes conversando com turistas e moradores, que muitas vezes são também pescadores, barqueiros, marisqueiros e religiosos. Na maioria das vezes nem fotografo, mas gosto quando acontece. Ainda estou conhecendo essas pessoas. O Seu Erasmo, o velho da barba branca, por exemplo, é um dos pescadores mais antigos da região. É muito querido e respeitado por todos de lá.Às vezes, pessoas vêem essas fotos e dizem: ”Nossa, ficou tão bonito isso, nem parece Sepetiba!”. Então, passei a ter o desejo de incentivar uma nova leitura acerca dessa paisagem, numa tentativa de recuperar a auto-estima da população local. Ainda que o meu olhar sobre esse lugar seja permeado por uma experiência muito íntima, espero que as pessoas que virem essas imagens tenham orgulho do lugar onde elas vivem.
Quais os desafios e interesses de se dedicar a um ensaio em um espaço geográfico restrito? Olha, algumas poucas vezes eu fui pra lá e voltei sem foto. Me perguntei se já havia esgotado todas as possibilidades e se já estava na hora de partir pra outra. Reparei que isso aconteceu nos momentos em que o meu tempo estava restrito. Então o desafio maior não é nem tanto a restrição de espaço, é mais a restrição de tempo. Eu tenho que investir tempo pra acompanhar esse movimento, perceber a rotina, entender as transformações e assimilar as novidades. Então, nesse caso, é questão de dispor tempo, se entregar, de vivenciar o espaço e ter calma naqueles dias que a foto não vem. Mas é claro que a restrição do espaço também representa um desafio. Dia desses estava relendo uma espécie de diário de bordo que comecei a fazer numa das vezes que fui lá e me deparei com a seguinte frase: “Fotografei o pedestal sem a Iemanjá pela milionésima vez.” Fui ver as fotos e nenhuma delas é igual. Bom, isso é meio óbvio, uma fotografia nunca será igual à outra, mas isso mostra que um mesmo espaço pode te oferecer coisas novas. Observar é essencial. Não que a minha prática fotográfica seja meramente contemplativa. É que uma das principais lições que a produção desse trabalho me trouxe é a importância da paciência.
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Benoit Fournier Memórias da Água
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Benoit Fournier se encantou pelas águas cariocas quando se mudou para o Brasil em 2006. Em Memórias da Água o fotógrafo mostra sua paixão pelo tema e a profunda relação entre homem e água em diversas partes do país. Benoit, nos conte sobre seu começo na fotografia. Comecei a fotografar aos 20 anos de idade, meu pai, jornalista e amante da fotografia me deu minha primeira câmera, uma reflex da Nikon, analógica. No começo fotografava durante minhas viagens, morei no México e na Espanha. Cheguei a fazer um estagio com os fotógrafos do jornal no qual meu pai trabalhava (Dauphiné Libéré na França). Mas foi quando vim morar no Brasil que comecei a trabalhar mesmo com fotografia.
Como surgiu o ensaio Memórias da Água? Cheguei no Rio de Janeiro em 2006, e me apaixonei pelo mar, comecei a surfar com amigos, e a tirar fotos de fora da água do surfistas.. vendendo de vez em quando minhas fotos para revistas e patrocinadores de surf. Comecei a comprar equipamento para fotografar dentro da água, foi ai que deixei de fotografar surfista para focar na água em si e a relação das pessoas com o elemento. Fotografei com muita frequência no mar do Rio e resolvi me dedicar ao tema, conheci uma turma de fotógrafos de Belém no Paraty em foco em 2011, comecei a viajar para lá, na ‘terra d’água’ que representa a região amazônica. Conheci muito lugares diferentes, e muitas águas, também, os rios, igarapés, igapós, etc. A água da o ritmo do dia a dia dos ribeirinhos. Ultimamente, tenho viajado na chapada dos veadeiros, que é também um lugar muito especial, no qual tem muitas nascentes e cachoeiras. É um ensaio sem roteiro de percurso geográfico preestabelecido, mas de memórias sensoriais ordenadas através da textura do líquido.
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choramos e suamos água salgada, testemunho do fato de que toda vida teve princípio nos mares.
Você constrói uma nova perspectiva no ensaio, sempre à partir da água. Como ocorreu esse processo criativo? 98
Vem do meu fascínio pela visão que oferece a perspectiva a partir da água, tanto a visão submersa do que a visão na superfície. é esteticamente incrível como tantas formas nascem e surgem da água. É a câmera inserida em uma caixa estanque que permite a entrada no elemento liquido, potencializando a construção dessa nova perspectiva. Há imagens que se apóiam na abstração e outras que se valem de seus personagens para transmitir seu sentido. Quais os motivos dessa escolha? A maioria das vezes, não visualizo no visor o que eu fotografo, São fotografias construídas em contato direto com o elemento liquido, de forma intuitiva. O resultado traz sempre muita surpresa, A água em si produz experiências sensoriais, sinto isso no ato de mergulhar. Minha proposta artística vem se desenvolvendo a partir desta sensação, com o proposito de criar para o observador um universo imaginário, no qual pode se abandonar ao próprio devaneio.
O projeto parte de uma proposta estética e temática; eu diria que se enquadra na categoria de “Documental Imaginário”, com o intuito de alcançar uma representação de um sentimento, de um conceito que se forma no espírito, invisível. Como os espaços que você visitou ajudaram a criar este ensaio? Eles foram essenciais? Nessa busca por esse universo imaginário, eles foram essenciais sim. São lugares repletos de lendas e mitos, como a região amazônica, com histórias de vida e de morte, botos, cobras-grandes, iaras, que pontuam as narrativas, experiências amorosas que unem humanos e seres encantados, etc. Por outro lado, visitei as águas da chapada dos Veadeiros, que é um lugar que transmite muita energia (No subsolo existe uma enorme placa geológica de milhões de toneladas de cristal de quartzo), de muitas nascentes e cachoeiras. Sem esquecer o mar, onde tudo começou, choramos e suamos água salgada, testemunho do fato de que toda vida teve princípio nos mares.
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REFLEXÕES
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O retratado diante do aparelho, na maioria das vezes, duvida que aquilo tudo faz uma foto ou nem imagina como acontece. É mais fácil prever com pixels.
COLUNA
O APARELHO II OU DE COMO O RETRATO EM GRANDE FORMATO É OUTRA COISA
Pudemos refletir sobre o aparelho e o fotógrafo anteriormente. Vamos agora lidar com a relação entre o aparelho e o fotografado sem deixar de lado mais duas relações: o fotógrafo e o aparelho e o fotógrafo e o fotografado. Tudo isso mediado pela coisa em si do aparelho, ou seja, o grande formato é grande e lento. As fotos do século XIX necessitavam de poses muito longas e, por causa disso, o sorriso sumia uma vez que manter um sorriso por dez minutos é difícil. Naquela época o povo tinha até apoio para a cabeça, pense!! Hoje, em pleno XXI, fazemos fotos com exposição de um segundo e já se complicam os sorrisos da moçada. Isso nos dá alguns elementos para pensarmos as diferenças no processo todo, desde esse ponto de vista, entre a chapa de 4 por 5 polegadas e o filme 135 que “trabalha” com 24 por 36 milímetros. Chegando ao digital então, o contraste aumenta muito. Uma foto em grande formato toma muitos minutos para ser feita. No formato 135 (digital ou filme) é possível fazer entre 8 e 11 fotos por segundo. Parece-me tranquilo perceber aquelas diferenças mencionadas acima. O fotógrafo, mediado pelo aparelho, precisa entrar em outro ritmo para fazer a coisa acontecer. Tudo anda em baixa velocidade e um outro tipo de relação entre ele e o aparelho se estabelece. O indivíduo faz tudo menos a magia que pertence à caixa preta de madeira ou metal e a emulsão química. O pano preto, o tripé, os mecanismos de foco, o conjunto todo cria uma “proteção” para que o fotógrafo possa agir em relação com o fotografado intermediado pelo aparato todo. Na velocidade deste século a mediação do aparelho acelera o gesto do retrato diminuindo o tempo para pensar, sentir e imaginar. No interior do processo grande formato é necessário que um outro tipo de vínculo se
estabeleça entre as pessoas colocadas ali frente a frente. O retratado diante do aparelho, na maioria das vezes, duvida que aquilo tudo faz uma foto ou nem imagina como acontece. É mais fácil prever com pixels. E, depois de feito o disparo, temos uma imagem latente que pode demorar dias para ser vista. Assim, aquele sorriso expontâneo praticado nos infinitos selfies se desmancha enquanto o foco e o enquadramento são feitos. Uma primeira camada de proteção do fotografado evapora. Depois disso vem uma “demonstração” do disparo... Um segundo sem se mover para não borrar... Outra nuvenzinha de vapor levada pela brisa... Além das diferenças de velocidade, aparatos e aparelhos a relação entre essas partes, aparelho e pessoas, também é diferente. Não é como mandar uma mensagem ou tirar uma foto no celular, digamos assim. Esse aparelho fotográfico grande engendra uma relação entre as pessoas, mediada por ele, que derruba algumas máscaras e cria outras. Esse inesperado, desconhecido tempo de exposição como que recupera determinado tipo de relação entre as pessoas que se perdeu em grande parte pela velocidade rápida dos aparelhos de pequeno formato. Talvez tenhamos nessa relação mais lenta a possibilidade de mantermos o essencial, o diálogo entre as pessoas.
Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.
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Daniela Agostini
Frank Thone (1891-1949)