OLD Nº 44

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Nยบ44 Abril de 2015


Revista OLD Número 44 Abril de 2015 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista

Capa Fotografias

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki Rafael Martins Clarissa Gomes, Jéssica Costa, Leco Jucah, Rafael Martins e Thiago R. Caetano

Entrevista

Vibrant Editora

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Livros

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Roger Ballen Exposição

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Rafael Martins Portfolio

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Leco Jucah Portfolio

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Clarissa Gomes Portfolio

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Vibrant Entrevista

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Thiago R. Caetano Portfolio

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Jéssica Costa Portfolio

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Reflexões Coluna

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Desde o começo do ano estamos anunciando que novidades virão. Agora finalmente podemos revelar o que virá de novo neste ano: teremos uma série de novos colaboradores no nosso blog, alguns já até estreiaram antes desta edição chegar até você, que escreverão sobre os mais variados temas, de festivais na Europa até as relações entre fotografia e outras áreas da criação artística. Além do grande reforço no blog, teremos mudanças na revista também, serão mudanças de estrutura e conteúdo, que vocês ficarão sabendo no mês que vem, em nossa edição de aniversário! O site também passará por mudanças ao longo do ano, daremos mais detalhes para vocês nos próximos meses. Nossas edições também terão suas entrevistas apresentadas em áudio, tornando nosso conteúdo ainda mais acessível. Todas essas novidades foram possíveis pela OLD ter sido aprovada no Edital Proac do Governo do Estado de São Paulo. O edital nos ajudará a trazer uma série de melhorias ao longo dos próximos dez meses. Esta nova estrutura vai nos ajudar a melhorar nosso conteúdo e nossa apresentação. Temos que agradecer aqui o apoio da Frida Produções Culturais, que nos ajudou muito na estruturação e criação do projeto para o Proac! Agora, com anúncios feitos, vamos ao conteúdo desta edição! Nossa capa é assinada por Rafael Martins e seu projeto Alumiar. Seguindo, temos o ensaio Ilse’s Savannah, de Leco Jucah, que explora

realidade e ficção na Amazônia. Clarissa Gomes traz para a OLD um diário visual analógico do período que viveu na Europa e Thiago R. Caetano apresenta também um diário, mas desta vez sobre a vida em uma caravana, atravessando as estradas do Brasil.Jéssica Costa encerra nossa edição de Abril com seu ensaio sobre a Copa do Mundo dos Refugiados, que ocorreu ao mesmo tempo que a Copa do Mundo da FIFA. É claro que não podemos nos esquecer da entrevista deste mês: conversamos com o time da Vibrant Editora, que têm publicado alguns dos melhores fotolivros brasileiros dos últimos tempos. Um papo leve e divertido, sobre a trajetória da editora e sobre o cenário nacional. Aproveite esta edição e fique ligado, muitas novidades virão!

Felipe Abreu


Dancers at McGuffey School May Day celebration 1912


LIVROS

CONGO DE ALEX MAJOLI E PAOLO PELLEGRIN

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Este é um livro de respeito. E de peso, figurativa e literalmente falando. O volume, lançado pela Aperture, reúne fotografias de dois fotógrafos da Magnum, Alex Majoli e Paolo Pellegrin, sobre suas experiências no Congo. O projeto foi impresso na mais alta qualidade, em um livro que tem 30 x 40, 260 páginas e 256 imagens. Congo apresenta um repertório amplo, tanto de temas quanto de técnicas, de registros do país que dá nome à obra. São retratos, imagens urbanas, de natureza e até experimentações com colagem e abstração. O livro uniu as produções dos dois artistas em um único e grandioso trabalho, eliminando créditos e criando uma narrativa muito mais livre e fluida. As imagens de Congo flertam constantemente com o surreal. Há uma liberdade muito grande na produção das imagens e um interesse e aproximação genuínos em cada um dos retratos apresentados. As imagens se livram de qualquer estereótipo ou de qualquer meta documental, há no livro uma visão - interessantíssima, diga-se de passagem - autoral e pessoal de um país e de uma comunidade. A única tristeza deste trabalho é que o livro foi apresentado como uma publicação de luxo, com exemplares limitados e preço, obviamente, muito alto. Agora, se você tiver os recursos, vale a pena investir em Congo.

Disponível no site da Aperture Valor: R$ 750,00 260 páginas


LIVROS

KIN DE PIETER HUGO

Pieter Hugo ficou conhecido por seus retratos e pelo registro de situações extremas na África do Sul e em suas países vizinhos. Hugo sempre soube unir precisão e conteúdo em sua produção, dando um grande impulso para a nova fotografia documental. Em seu novo livro, Kin, o fotógrafo sulafricano esquece sua própria tradição temática e se volta para sua família e para os aspectos mais privados da sua vida e realidade. Hugo mantém o olhar aguçado e sua técnica precisa, mas agora seus retratos se concentram em personagens conhecidos, na sua família e em si mesmo. As imagens, ao contrário do que poderia acontecer, não perdem força. Suas imagens mantém a pompa - no melhor dos sentidos - tradicional e criam um retrato contemporâneo da vida na África do Sul. O livro, lançado pela Aperture, é uma bela reflexão sobre as dificuldades de se construir e manter uma família no mundo atual. Em Kin, Hugo consegue realizar a árdua missão de contar uma história que fala com todos apresentando somente um pequeno grupo de pessoas.

Disponível no site da Aperture Valor Médio: R$ 190,00 164 páginas

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EXPOSIÇÃO

REALIDADE E FICÇÃO NA OBRA DE ROGER BALLEN MAC USP recebe imensa exposição com trabalhos do fotógrafo americano que registrou a África do Sul unindo realidade e fantasia.

A mudança de casa do MAC, que saiu da USP e foi para o antigo prédio do DETRAN, parece ter feito muito bem para cidade - que 08 agora tem a quadra Oca, MAM, Bienal e MAC - e para o museu que renovou sua programação e adquiriu um papel muito mais central no circuito de museus da capital paulista. O programa de fotografia também merece grande elogios, trazendo trabalhos inéditos e mostras que colocam em xeque conceitos estabelecidos da fotografia. A mais recente empreitada do museu é a exposição Roger Ballen: Transfigurações, fotografias 1968-2012, que acabou de entrar em cartaz e segue em exposição até meados de Setembro. A mostra traz pela primeira vez para o Brasil o trabalho do fotógrafo americano Roger Ballen, que desde os seus 30 anos vive e cria suas imagens na África do Sul. A exposição já havia passado por Rio de Janeiro e Curitiba e agora chega em São Paulo para uma merecida longa temporada. Ballen registra em suas fotografias a vida na África do Sul, sempre unindo realidade e ficção em suas imagens. Há uma constante, e importante, preocupação por parte do fotógrafo de manter seu

trabalho neste meio termo, entre o real e o imaginário, usando elementos dos dois reinos para construir suas fotografias. As suas imagens são de um preto e branco áspero, que agrega mais uma camada de significado e tensão às suas fotografias. Seus retratos impressionam pela força e pela sensação de que algo muito ruim pode acontecer a qualquer momento. Suas imagens são uma grande corda bamba visual, cada uma é uma dose extra de adrenalina ao trajeto. Curiosamente Ballen demorou muito tempo para se consolidar como fotógrafo profissional. Sua produção visual tem mais de 50 anos, mas sua trajetória profissional só começou em 1994, justamente no momento em que essa estética entre o sonhar e o consciente foi desenvolvida pelo fotógrafo. Deste universo foram selecionadas mais de 150 imagens para compor a exposição no MAC. Não perca a chance de entrar no mundo tenso e impressionante de Roger Ballen.

O MAC USP fica na Av. Pedro Álvares Cabral, 1301 e a exposição Transfigurações, fotografias fica em cartaz até 27 de Setembro.


Roger Ballen


Rafael Martins Alumiar



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Rafael Martins explora em Alumiar a relação tensa e profunda entre Homem e o semi-árido baiano. No ensaio, Rafael encontra uma nova maneira de destacar personagens e espaço em uma série de fotografias noturnas. Rafael, nos conte sobre seu começo na fotografia. Tive o privilégio de ver a fotografia acontecer dentro de minha casa. Cresci cercado por um universo fotográfico que muito me influenciou: desde o laboratório preto e branco com seus odores inesquecíveis, passando por uma biblioteca extensa de publicações fotográficas até um estúdio de fotografia com equipamento e pai sempre presente e disposto a ensinar. Sou filho de Marco Aurélio Martins, fotojornalista baiano. Sem dúvida este fator é fundamental para despertar em mim o interesse pela linguagem fotográfica, assim como, também, a convivência com minha Avó materna que sempre construiu verdadeiras narrativas visuais através dos seus álbuns de família. Estes álbuns me ensinam muito sobre o lugar da fotografia na identificação com o outro. Assim, estou convencido que meu pai me ensina a fotografar e minha avó me ensina a ver.

Como surgiu o ensaio Alumiar? No ano de 2013 a Bahia passava por uma grave seca em toda sua região semi-árida. A pior dos últimos 30 anos. Fato que não é exatamente novo, já que as secas são recorrentes em muitas áreas do Nordeste e agora também do Sudeste brasileiro, mas, como o Jornal vive de refazer notícias, está foi uma pauta forte em quase todos os Jornais baianos. Eu não fui escalado para fazer uma matéria sobre o assunto, mas tive a ideia de fazer algumas fotos noturnas das carcaças dos animais mortos pela seca. Assim, quando tive férias fui por conta própria ao semi árido fazer algumas fotos e conhecer a realidade local. O projeto cresceu e se distanciou deste fenômeno que é a seca e começou a pesquisar a relação do Homem com este espaço escasso, onde os ciclos de renovação são muito intensos. O Homem sertanejo é muito forte, tem fé em sí próprio, possui uma dignidade construída de quem tem pouco ,mas reconhece o valor do que tem. Alumiar surgiu como uma pauta fotojornalista, mas logo se tornou uma pesquisa pessoal, fruto de uma admiração, de uma curiosidade minha em encontrar vivências junto com as pessoas que formam este espaço.


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Experimentar é fundamental para poder criar novas possibilidades visuais a partir de ferramentas luminosas. A técnica é o amadurecimento da livre experimentação.

Qual a importância da técnica e da experimentação na sua produção? 24

Acredito que toda técnica artística surge da experimentação. O interessante é que o primeiro uso do light painting na fotografia foi para estudar o movimento de operários em uma linha de produção industrial, assim puderam entender melhor como repetiam determinado movimento e aperfeiçoar o serviço destes trabalhadores, um uso quase científico. Mas este era só o começo. A adição de luz à cena surge das experimentações de fotógrafos desde o começo dos tempos. Man Ray, Philipe Halsman e Gjon Milli são influências muito fortes em meu trabalho. Acredito que são verdadeiros mestres na arte de experimentar e ir criando métodos a partir dos resultados obtidos. Neste sentido, faço o mesmo. Experimentar é fundamental para poder criar novas possibilidades visuais a partir de ferramentas luminosas. A técnica é o amadurecimento da livre experimentação. Como os personagens se relacionaram com a produção das imagens? Você apresentou o resultado final para eles? Neste tipo de fotografia sempre montamos o retrato. Não existe nenhum clique espontâneo. Escolhemos o lugar e é preciso ficar

parado enquanto ilumino a cena. Todas as fotos são feitas a noite, o que causa certa estranheza. Além disso, as pessoas dormem cedo nas regiões mais interioranas do País, então é preciso antes estabelecer um vínculo com o fotografado, para que ele me permita ficar até a noite para fazer a foto. Por isto, sempre chego aos lugares que quero fotografar ainda de dia, converso com as pessoas e penso onde posso fazer as fotos a noite. É um ato performático iluminar o personagem e o cenário, tenho que percorrer a cena dando luz a tudo que quero que apareça na fotografia. Isto sempre cria certa curiosidade de quem assiste este momento e o do próprio retratado. Certa vez, uma senhora disse que se sentia sendo rezada por mim, realmente faz sentido, pois é um ato de iluminar e dar foco aos personagens e seus contextos. Certa vez, quando levei algumas fotos impressas para Canudos Velho, tive uma resposta muito espontânea de uma jovem menina: “Tão escuras estas fotos...”. Realmente, as fotos estavam bastante escuras para o que é reconhecido como uma boa fotografia. Ainda em Canudos Velho, conversando com Seu Júlio, uma das pessoas que fotografei, ele me perguntava o que eu fazia da vida, expliquei então que era fotógrafo e vivia viajando por algumas regiões do Brasil fotografando pessoas e seus contextos sociais, que me interessava pelas diferentes formas de viver e que todo este processo me enriquecia muito. Ele me olhava e ouvia atentamente e quando terminei de falar me perguntou fatalmente: e de trabalho, você faz o quê !? Rs. Não tive resposta.


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Leco Jucah Ilse’s Savannah



Ilse’s Savannah é uma exploração entre ficção e realidade, criando uma jornada imaginária baseada em uma união de imagens documentais e construídas. 28

Leco, como começou seu interesse pela fotografia? O interesse geminal pela fotografia veio em 95 em Fortaleza, eu tinha começado a praticar scuba diving, estava bastante empolgado com os mergulhos e em uma viajem a Fernando de Noronha conheci uma fotógrafa sub aquática, fiquei encantado com o equipamento fotográfico e com a fotógrafa, resolvi que na próxima ida à ilha eu levaria uma câmera sub aquática, até que uns 6 meses depois eu consegui comprar uma NikonusV. Fiz algumas fotos com a câmera, inclusive um tubarão galha branca bem grande, todo desfocado, eu não sabia usar o flash, era muito verde, tentava aprender na marra, sem dicas.. ficava muito difícil, aos poucos fui me desempolgando com a idéia e parando de mergulhar. Ali ficou plantada a idéia da fotografia, mas eu não a desenvolveria da forma que desenvolvo hoje em dia até a metade dos anos 2000. Foi quando eu, após anos de dedicação à música, me reaproximei quase por acaso da fotografia. Eu estava visitando o amigo e fotógrafo cearense radicado em São Paulo Márcio Távora e ele me mostrou alguns livros que havia acabado de comprar, um deles era o Tennesse’s Faulkner, ou

algo parecido, do William Weggleston, e então de repente eu me vi completamente fascinado por aquilo. Troquei muitas idéias com o Márcio, foi então que ele me levou um dia no seu grupo de estudo, orientado pelo fotógrafo Marcelo Grecco, logo depois fiz alguns workshops com dois fotógrafos holandeses, o Léo Divendal e o Machiel Botman. Foi aí que vi que gostaria de fazer isso o resto da vida. Nos conte sobre o desenvolvimento do ensaio Ilse’s Savannah. O ensaio “Ilse’s Savannah” começou em uma viagem pelo Rio Negro, eu estava a bordo de um barco de uma ONG fotografando algumas comunidades. Conheci nessa viagem a bióloga suíça radicada no Amazonas há 50 anos, Dr. Ilse Walker. Nesses três dias tivemos várias conversas, principalmente sobre ela, eu estava bem interessado naquela senhora de 90 anos que conhecia a fundo a fauna e flora da região e se embrenhava sem medo por dentro dos Igapós, lugar habitado principalmente por jacarés, Ilse sussurrou um dia: “ É no Igapó que gosto de estar”. Isso se revelou a espinha dorsal do meu ensaio, comecei a chamála de Lady Delphine, em alusão aos botos com que Ilse trabalhava. Fiquei encantado com ela e comecei a fotografá-la, apesar de um pouco esgueira, consegui fazer algumas fotos.


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ilvino Santos






Silvino Santos




O processo analógico foi essencial principalmente por esse diálogo com o tempo, parece até meio clichê, mas isso faz diferença, não há imediatismo, isso não faz parte desse tipo de processo

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Passei um tempo vendo e revendo os retratos de Ilse, até que em um dos Workshops com o fotógrafo holandês Leo Divendal, fiz um apequena seleção que intitulei Fauna e Flora, nessa série introduzi três imagens de arquivo do fotógrafo e documentarista português radicado em Manaus, Silvino Santos (1886-1970), essas fotos chegaram até mim herdadas por um tio no interior do ceará ainda pequeno, e passei alguns anos folheando esse álbum de Silvino Santos. As fotos são incríveis, mostram o norte do país, principalmente o Amazonas, são imagens que retratam as caçadas de porcos selvagens, a pesca do peixe boi, a pesca do boto, tribos indígenas, pirarucus de 2 metros, aventureiros estrangeiros desbravando a Amazônia, era um mundo mágico selvagem… As fotos são em preto e branco, mas coloridas a mão pelo próprio fotógrafo. Foi nesse dia que por indicação do Leo Divendal eu condensei o mundo da fauna e da flora de Ilse, idealista e romântico, com o passado ainda bruto sendo modificado, refletido e distorcido, uma miragem. É onde encontramos a Savannah de Ilse… Ilse’s Savannah!! Como você buscou intercalar espaço e personagens nesta série? Algum tem maior importância para você? Uma ótima pergunta, os espaços na minha fotografia, quando se

formam, digo em fotografia, é o resultado de uma busca quase frenética pelo espaço idealizado, na verdade a fotografia já existe, eu sei qual é, já tinha pensado faz é tempo, mas o problema é que vou ter que descobrir onde raios é isso, esse tipo de conexão que faço é a parte estética. Os personagens surgem desses espaços, quem pertence a quem, ou vice versa, pode-se começar também pelo personagem e daí imaginar a que mundo ele pertence. Essa é a magia! Quanto à importância, ambos são o objeto, como se estivessem unidos, ambos têm o mesmo valor… O tempo diferenciado da fotografia analógica influenciou na produção desta série? O processo analógico foi essencial principalmente por esse diálogo com o tempo, parece até meio clichê, mas isso faz diferença, não há imediatismo, isso não faz parte desse tipo de processo, enfim, é sempre melhor pesquisar mais, e o análogo te dá essa chance. O trabalho se torna mais longo e mais envolvente também, te dá mais tempo de descobrir e pesquisar..


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Clarissa Gomes Sem TĂ­tulo



Clarissa Gomes apresenta recortes de um período de vivência na Europa. Sua fotografia analógica traz um novo tempo aos assuntos fotografados, criando um espaço único, apresentado pela fotógrafa. Clarissa, nos conte sobre seu começo na fotografia. 48

Durante a faculdade de Jornalismo, tive meu primeiro contato com a técnica fotográfica ao cursar as disciplinas de fotografia da grade curricular. Nesse período, comecei a viajar com alguma frequência e a colocar em prática o que estava aprendendo na graduação, sempre atenta ao estilo mais documental que a própria profissão sugere. Depois de formada, decidi fazer outros cursos livres de fotografia em busca de um aperfeiçoamento maior. A partir daí, fui amadurecendo minha linguagem visual, percebendo com que tipo de registro eu me identificava. Em 2014, passei uma temporada em Londres, onde tive a oportunidade de mergulhar mais a fundo na fotografia, dando prioridade para a vertente analógica. Participei de um workshop de Fotografia de Rua em uma escola londrina e me vi cada vez mais envolvida com o estilo. De volta ao Brasil, publiquei no Diário de Pernambuco meu primeiro material fotográfico, fui selecionada para um curso de fotografia autoral e simultaneamente inaugurei minha primeira exposição.

Como foi o processo de criação destas imagens? Quais os seus objetivos durante a produção delas? Todo meu acervo atual consiste em imagens produzidas em outros países. As imagens desta série constam do semestre em que eu estava morando em Londres, um divisor de águas para mim. Os meses na Inglaterra foram extremamente inspiradores, um período no qual me abasteci de referências e aprendizados. Nas viagens que fiz nesse período levei comigo uma câmera analógica adquirida em Londres. O acesso a filmes por lá é muito mais fácil do que no Brasil, e isso foi fundamental no meu processo de criação - pude experimentar modelos diferentes e testar resultados. Ao mesmo tempo, a escolha do analógico imprimiu às fotos um compasso próprio: diferente do ritmo frenético das fotos turísticas digitais, busquei fotografar com tranquilidade, pensando com mais cuidado nos cliques e observando bem antes de me decidir por um registro. A escolha do analógico traduz um pouco do meu sentimento no processo de criação: a experiência de sentir antes de capturar, uma certa nostalgia e consciência da transitoriedade do que eu estava vivendo. Em breve estaria de volta ao Brasil. A efemeridade da viagem e dos momentos capturados traz consigo uma reflexão sobre a efemeridade da nossa própria existência. Minha criação, portanto, estava mais ligada a um estado de espírito do que propriamente a uma tentativa de cobertura fotográfica de pontos turísticos, como vejo acontecendo com frequência em fotos de viagem.


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sinto que há uma obsessão por tratar as fotos de turismo como troféus, reduzindo a experiência a uma necessidade de reprodução de registros pré-formatados e concebidos para mostrar aos outros apenas uma mensagem de “estive aqui”

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Qual a importância da viagem, do deslocamento para sua produção fotográfica? Viagem e fotografia sempre caminham de mãos dadas, pois é a partir das imagens que a memória do deslocamento pode ser acessada por você e pelos outros. É comum que a experiência da viagem seja legitimada por meio dos registros fotográficos. Mas, por outro lado, sinto que há uma obsessão por tratar as fotos de turismo como troféus, reduzindo a experiência a uma necessidade de reprodução de registros pré-formatados e concebidos para mostrar aos outros apenas uma mensagem de “estive aqui”. Tento fugir um pouco dos clichês nesse sentido. Para mim, a importância da viagem consiste em me fazer observar as situações a partir de um olhar estrangeiro, mais atento, sensível. Uma postura que, aliás, pode e deve ser mantida mesmo em sua terra natal. A viagem me desperta esse estado de espírito aberto ao novo, ao desconhecido. Ao mesmo tempo, o ato de deslocar-se tende a colocar as coisas em novas perspectivas. Minhas temporadas fora do país ajudaram a definir minha postura diante do mundo, e a câmera em todas as ocasiões serviu (e serve) como instrumento de compreensão dessas novas

realidades; é a partir da fotografia que consigo entender e traduzir sensações inéditas e é ela que me estimula a abrir os olhos e perceber melhor o que estou vivendo. Há uma relação interessante entre grandes planos gerais e planos detalhes nesta série. Como você busca organizar este elementos na sua produção? Talvez o grande objetivo da minha composição seja transmitir uma atmosfera, de forma um tanto quanto intuitiva. Gosto de fotografar pessoas em contextos urbanos, mas ao mesmo tempo há uma tendência a capturar detalhes que sejam leves, harmônicos e digam algo de sensível. Nesses detalhes, muitas vezes não há a beleza óbvia de uma determinada paisagem, mas um percepção mais sutil. Ao final, acredito que é a combinação entre os planos o que torna uma narrativa coerente. Por isso, busco fotografar de diferentes pontos de vista - para que as possibilidades de produção de sentido sejam também variadas. Minha organização se dá de maneira que as fotos estejam abertas a interpretações e significados diversos, e não sejam registros fechados em si mesmos.


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OLD ENT

VIBR


TREVISTA

RANT


A Vibrant é uma editora independente de publicações ligadas à fotografia, capitaneada por Isadora Brant, Martina Brant, Olivia Brant e Luisa Sigulem. As publicações do grupo têm ganhado imenso destaque, colocando a Vibrant como um dos destaques da agitada cena de editoras independentes de São Paulo. Como vocês começaram a se interessar por fotografia? Antes de iniciarmos a Vibrant, tínhamos entrado em contado com o universo dos fotolivros por meio de viagens e festivais, como o Les Rencontres d’Arles. Mas muito também porque a Isadora e a Luiza, que integram a Vibrant, são fotógrafas. Nossas primeiras publicações foram com ensaios delas.

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Como surgiu a Vibrant? Como foi o processo da ideia até a criação da editora? A Vibrant começou porque sentimos a necessidade de materializar nossas produções. Quando fomos à primeira Feira Plana entramos em contato com muitos artistas que estavam trabalhando com isso e, então, decidimos publicar coisas nossas também: ensaios de fotos e algumas ideias era o que tínhamos. Ao mesmo tempo a Martina estava terminando um projeto de mestrado que envolvia o universo da publicação, o “Desire Project”. Podemos dizer que este foi o começo de tudo... Bom, e o nome “Vibrant” surgiu do nosso sobrenome mesmo “Brant”, estávamos “guardando” ele há algum tempo para algo que fosse especial e que fizéssemos juntas, unindo fotografia e design. Porque foi importante para vocês criar uma editora? O surgimento da editora aconteceu quando outros artistas vieram nos procurar para editar seus trabalhos. Primeiramente, pretendíamos

apenas produzir nosso projetos, mas acabamos abrindo essa frente, e isso acabou possibilitado um desenvolvimento maior da Vibrant. Foi interessante mudar a perspectiva e trabalhar como um certo tipo de “ponte” entre artista e publicação. Zines, livros, fotolivros, enfim, são objetos incríveis, capazes de transmitir uma ideia, uma pesquisa; é um objeto que pode ficar no tempo, que pode durar, que vai para casa da pessoa, faz parte da vida dela. A experiência material do livro é importante, assim como as editoras, os artistas, as feiras, etc. Como vocês vêem o cenário atual de publicações no Brasil? Às vezes somos otimistas... às vezes não... hahaha. Este cenário de publicações começou de uma maneira bem animada no Brasil, isso é bom, existe interesse e público. As dificuldades estão mais na área de produção: existem poucas gráficas, os custos de produção ainda são altos e não temos todos aqueles papéis japoneses lindos por aqui ainda. Ao mesmo tempo, esses limites nos estimulam a criar soluções, talvez isso acabe por reforçar uma identidade. O mais importante disso tudo é que as pessoas estão pensando em novas maneiras de produzir e conhecer trabalhos por meio das publicações. Essa circulação é muito legal. Os livros de fotografia já tem um bom mercado? É um bom negócio produzir livros de fotografia hoje? As publicações ainda não garantem um meio de subsistência para nós, mas ainda estamos no começo! Funcionamos na jornada dupla mesmo. Produzir livros no Brasil, em geral, é caro; e o mercado de publicações do qual participamos é independente, por isso nossa avaliação é muito mais pelos trabalhos em si e suas experiências do que pelo retorno financeiro; nesse sentido, estamos “rycas”.


Como se dá o desenvolvimento dos projetos dentro da Vibrant? Cada projeto é uma história, cada um tem sua particularidade. Conversamos muito com os artistas para compreender o trabalho e pesquisar qual a melhor maneira da realizá-lo; são muitos encontros e discussões até se chegar em algo que atenda todas as qualidades conceituais e gráficas de um projeto. Nada é a toa numa publicação. Existem dois momentos: da edição e do design; e durante o processo, vários bonecos são feitos e muitos almoços de domingos acabam virando trabalho. Quando chegamos em uma combinação que comtemple todas as ideias do projeto, começamos o processo da impressão. Temos parceria com algumas gráficas, e dialogamos bastante com para tornar nossas ideias reais. Depois da impressão ainda tem o acabamento, que envolve os últimos detalhes do projeto gráfico, aí sim fica pronto. A Vibrant vem recebendo grande destaque, logo no começo de sua vida. Como vocês selecionam os trabalhos que serão publicados? Este destaque serve como impulso para seguir com o trabalho? Essa é uma parte difícil! Queremos fazer todos os projetos que aparecem! De certa maneira, os artistas que nos procuram já têm um jeito que acaba combinando com o nosso, rola uma identificação; e sim, essa demanda nos estimula muito. Como é o processo de busca por novos trabalhos? O que vocês já têm planejado para 2015? Normalmente, muitas pessoas nos conhecem nas feiras e vários contatos são feitos nessas ocasiões. Também convidamos jovens artistas, que nos interessa publicar o trabalho. Acabamos recebendo muitas propostas via e-mail e facebook. Para 2015 já temos vários

esses limites nos estimulam a criar soluções, talvez isso acabe por reforçar uma identidade. O mais importante disso tudo é que as pessoas estão pensando em novas maneiras de produzir e conhecer trabalhos por meio das publicações. Essa circulação é muito legal.





projetos para fazer, entre eles os livros dos artistas Tiago Mestre, Paloma Mecozzi, Daigo Oliva, Gian Spina, Carina Paolleti, André Penteado, etc. As publicações da Vibrant tem tiragens pequenas, entre 50 e 300 exemplares. Como vocês definem as tiragens? Esta é a melhor estratégia para um lançamento independente? Sim, varia entre esses números mesmo. Pequena tiragem é o que conseguimos fazer por enquanto; é uma questão econômica e também de distribuição. Existe um calendário fixo de feiras no Brasil e têm surgido oportunidades independentes em outros países também, mas ainda não é uma demanda de larga escala. Alguns exemplares nossos estão esgotados, estamos pensando em publicar segundas edições em breve. A fotografia ainda precisa construir seu público? Vocês acham que há mais produtos do que consumidores no cenário atual? Isso é uma discussão que tem aparecido bastante. Temos a impressão que a fotografia tem intensificado sua presença no Brasil assim como nas artes em geral já há algum tempo, mas os fotolivros tem colaborado para uma renovação dentro desse discurso. O objeto livro é democrático e possui mobilidade, nesse sentido abrange mais pessoas, e acaba criando mais público, mais pensamentos e apropriações – o livro pode chegar em diversos lugares. Através

do formato “publicação” a fotografia pode ser discutida de outras maneiras, que não somente um produto da própria fotografia; mas sim como uma linguagem das artes visuais, contemplando questões mais contemporâneas. Vocês consideram que o livro seja o melhor suporte para a fotografia? Depende do tipo de trabalho que você deseja realizar. Mas de certa forma, sim, livro e fotografia combinam muito. Ler um fotolivro é uma experiência individual, traz intimidade; papel e tinta evocam uma natureza primordial da fotografia - ela foi feita para estar no papel originalmente; livro pode ser secreto, pode ser seu, pode guardar memória; tudo isso tem a ver com fotografia e a construção de registros.

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Thiago R. Caetano Da Vida Caravaneira



Thiago R. Caetano apresenta um ensaio sobre a vida na estrada e sobre a vida em comunidade. Da Vida Caravaneira é um belo diário visual sobre este estilo de vida. 72

Thiago, como começou seu interesse pela fotografia? Comecei a fotografar bem cedo, quando ainda criança e meio que as escondidas surrupiava a monoreflex do meu pai e saia à procura de pequenos mundos secretos e ali “queimava” todo o filme fotográfico da câmera. Porém considero meu real interesse e início na fotografia em meados de 2010 quando enfim comprei minha primeira DSLR e retomei minha jornada atrás destes “mundos” que tanto me encantavam. Ao fotografar descobri um meio de registrar e criar mundos que antes, de certa forma, se restringiam apenas a minha mente.

Nos conte sobre a realização do ensaio Da Vida Caravaneira? “Da Vida Caravaneira” faz parte de um universo que sempre me encantou. Não sei dizer quando nem onde, mas sei que desde que entendo de mundo, tenho essa fascinação por vidas alternativas, livres e um tanto místicas. Existe algo meio cigano, pagão em mim que sempre me leva de volta a estes mundos. O ensaio propõe um discurso visual sobre a vida na estrada, mais precisamente a vida se desenrolando dentro e ao redor de uma caravana. Mostra um meio alternativo de vida onde o senso de comunidade, afeto e irmandade é primordial para a convivência dentro de um espaço limitado de alguns poucos metros quadrados. Metros quadrados estes que se tornam uma explosão de cores e sentimentos, melindrosamente enquadrados para traduzir a emoção daqueles vívidos momentos. Foram em torno de vinte dias de viagem, sete estados cruzados, chegamos a vinte e três caravaneiros vivendo dentro de um ônibus chileno de cinquenta anos de idade. “Da Vida Caravaneira” é uma ode aos anos de ouro de muitas vidas que ali se passam e de sonhos de quem um dia desejou assim viver.


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vivenciar dessa forma esse projeto me deu um respaldo muito maior ao executá-lo e ao me expressar sobre ele, pois falando sobre ele, falo sobre mim. Como foi a experiência de estar imerso no tema do seu ensaio? O fato de estar tão próximo ajuda ou atrapalha?

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Considero essa uma jornada muito mais interior que exterior. Foi uma viagem principalmente para dentro de mim. Foi uma experiência forte, enriquecedora e apaixonante. Imergi totalmente na jornada. Fui sozinho, sem antes conhecer uma alma ali presente. Desliguei meu celular para não ter interferências externas. Mudei minha alimentação, meus hábitos e me deixei respirar e viver tudo o que ali se passava. Não fui meramente um fotógrafo querendo registrar um mundo, fui de alma aberta a entender e viver este mundo e assim, ao fotografar, não registrar apenas uma imagem e sim todas as emoções e particularidades ali vividas. Uma das coisas que mais me encantaram foi a naturalidade com que aconteceu, pois, no caso, não fiquei tão próximo do tema, eu estava lá, eu também era o tema e vivenciar dessa forma esse projeto me deu um respaldo muito maior ao executá-lo e ao me expressar sobre ele, pois falando sobre ele, falo sobre mim. Imagino que a quantidade de imagens produzidas para este ensaio tenha sido enorme. Como foi o processo de edição e de construção da sua narrativa? Como não me restringi a documentarista, deixei o ensaio acontecer naturalmente e ele se desenvolveu por si só. Deixava a câmera

sempre à vista pra não perder momentos preciosos, mas também, eventualmente, a deixava fora pra não me tornar um intruso e inibir a vida que ali se desenrolava. Certamente poderia ter produzido uma quantidade bem acima do que fiz mas com certeza o resultado seria diferente. Talvez não tão natural, pois me tornaria assim o “Big Brother” e não queria isso. Com o acervo que voltei estou desenvolvendo pequenos outros ensaios fantásticos, pois haviam vários “microcosmos” dentro desse grande universo. Um destes ensaios é este apresentado, que foi um dos motivos principais da jornada e sua narrativa foi construída de forma a apresentar a rotina, que de forma literal se fazia inexistente, e as particularidades deste mundo quase invisível aos olhos da sociedade. O quão importante foi para você registrar este momento da vida de seus personagens? Os personagens, que antes eram seres desconhecidos por mim, se tornaram em um curtíssimo período de tempo as pessoas mais próximas da minha vida. Compartilhávamos praticamente às 24 horas do dia juntos. Dormíamos, acordávamos, cozinhávamos, alimentávamos, riamos e passávamos o tempo todo em conjunto. A importância de falar sobre eles, melhor, sobre nós, é imensa, cheia de carinho e afeto. Era como se em vez de sermos uma caravana com vinte e três diferentes vidas, éramos na verdade um grande ser vivo.


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JĂŠssica Costa Copa do Mundo dos Refugiados



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Jéssica Costa fugiu da confusão e do alto volume dos jogos oficiais da Copa do Mundo e registrou um torneio muito mais modesto, mas profundamente disputado: a Copa do Mundo dos Refugiados. Jéssica, nos conte sobre seu começo na fotografia. A fotografia até que chegou “tarde” pra mim. Mas eu sempre fui muito ligada a imagens. Durante a infância eu desenhava bastante, quase o dia todo. Só que aos 16 anos acabei deixando isso de lado, por conta de trabalho, faculdade, essas coisas. Passado alguns anos, esse gosto por criar imagens voltou – comecei a fotografar meu cotidiano, minhas andanças em SP, a flanar, mesmo, com a câmera de celular. Daí acabei me aproximando da fotografia, conhecendo fotógrafos, comecei a fazer cursos, estudar técnicas... Em seguida me aproximei do jornalismo, voltei a estudar Artes, e não parei mais.

Como surgiu o ensaio Copa do Mundo dos Refugiados? O evento foi criado por uma ONG, que aproveitando o clima da Copa do Mundo teve a ideia de criar uma Copa com seleções de refugiados – vindos do Haiti, Mali, Congo, entre outros países. Fiquei sabendo do evento pelo Facebook, meio que por acaso. Eles ainda estavam nos preparativos e precisavam de voluntários, incluindo fotógrafos. Desde o começo senti que ia render uma história bonita, por isso resolvi cobrir o evento pra eles. Então, além de entregar o registro do evento, como voluntária, fiz este ensaio em paralelo.


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Em todo o evento eles me deram liberdade de fotografá-los. Acho que essa abertura que recebi foi essencial pra traduzir a situação deles.

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Como o fotojornalismo influencia sua produção visual? Pensando Ansel Adams: é difícil dizer no que a gente se influencia exatamente na hora de produzir imagens - São músicas, filmes, pessoas, histórias... E muitas pinturas, no meu caso. O que eu posso dizer é: o que me toca num bom trabalho em fotojornalismo é o saber contar histórias, e ao mesmo tempo imprimir uma identidade visual marcante. Acho que são poucos os que conseguem unir esses dois elementos com maestria. Quais foram os desafios de produzir um ensaio com um tempo tão reduzido à disposição? A Copa rolou durante um domingo todo. Sinceramente eu não encarei o tempo como “desafio”, no sentindo de algo problemático. Quer dizer, naturalmente desejamos um tempo à nossa disposição, para construir ensaios fotográficos consistentes, mas também acho que a gente precisa aprender a equacionar tempo e narrativa. Os fatos estão ali correndo, e precisamos decidir quais deles vão

compor nossa história. Essas histórias, às vezes, acontecem em minutos, ou em horas, outras levam anos. Em cada um delas damos a abordagem devida. Como você buscou traduzir a alegria e ao mesmo tempo a seriedade da situação dos seus personagens em suas fotografias? Eu senti uma cumplicidade muito boa de quem eu retratei. Eram refugiados de diversos países, naturalmente numa situação séria, pois são estrangeiros mais por condição do que por escolha. Mas ao mesmo tempo era um dia de celebração. Eles se sentiam sortudos por estarem ali, reunidos com amigos, jogando bola, ouvindo a música do país deles. Era uma delícia ver os haitianos dançando. Então tinha uma seriedade ali sim, mas definitivamente não havia tensão – tirando a tensão do futebol, claro (risos). Em todo o evento eles me deram liberdade de fotografá-los. Acho que essa abertura que recebi foi essencial pra traduzir a situação deles.


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REFLEXĂ•ES

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Por que fotografo ou para quem fotografo? Essa busca de algo que me escapa e necessita ser reencontrado. Esse tipo de fotografia para se descobrir e depois para se contar.


COLUNA

JANELA DA ALMA

Para quem eu fotografo? Essa pergunta me motivou a escrever este texto. Ainda sigo me impressionando com A natureza das fotografias, de Stephen Shore. Essa foi outra motivação. Nesse livro de teoria/ filosofia da foto não se lidou com o tema da distância focal. Por algum motivo isso me produziu algum tipo de inquietação. Não vou lidar com esse tema do ponto de vista da técnica mas sim de uma relação possível entre objetividade, objetos, objetivas, sentimento e inquietação. Afinal, teremos aqui algumas reflexões sobre o fotografar. Por que fotografo ou para quem fotografo? Essa busca de algo que me escapa e necessita ser reencontrado. Esse tipo de fotografia para se descobrir e depois para se contar. Contar para os outros. Creio ser esse o tipo de foto que eu faço. Fotografo para me descobrir. Fotografo para me contar para os outros. Para mim, fotografar com uma lente chamada normal, independente do formato da câmara, 50 mm para filmes 135, é o mais confortável, o mais normal. A mão e a luva como diria Machado de Assis. A lente 50 é o meu número talvez porque mostre para mim um recorte da realidade mais objetivo, mais próximo do enquadramento feito por meus olhos. Essa preocupação com a transparência revela um pouco do que somos, do que buscamos, do que queremos mostrar aos outros, da imagem que pretendemos passar/deixar. Por que fotografamos? Para congelarmos o tempo, buscando a eterna juventude. Nosso complexo de vampiro que suga esse rio de imagens. Mas não é só por isso... Queremos descobrir algo sobre nós. Aquilo de nosso que projetamos nesse mundo invisível e o que colhemos ao tomar fotos diz muitas coisas que se tornam

reais/perceptíveis porque estão mediadas por fotografias. Queremos também, como em Blade Runner, construir memórias. E, as tomamos, as fotos, para dizer a nós e aos outros quem somos, o que somos. Talvez sejamos todos, fotógrafos e não fotógrafos, contadores de histórias. Tomamos primeiro e depois devolvemos as imagens para o mundo. O olhar da câmara, nosso olhar, nosso olho, a janela da alma, o espelho do mundo, antigas considerações de Da Vinci. Uma troca que nos alimenta ao nos conectar com os outros e nos dá um sentido para a existência. E cada um de nós que fotografa abre mais uma janela para o mundo. Mais um olho, mais um olhar. Cinemaolho, como dizia Dziga Vertov. Câmara-olho, como digo eu... Essa distância focal normal é a que me permite lidar com a pergunta inicial, primordial: fotografo para encarar a mim mesmo. Fotografo com lente 50 para contar o que meu olho viu.

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

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