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expediente
revista OLD #número 51
equipe editorial direção de arte texto e entrevista
Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki
capa fotografias
Shai Andrade Carolina Amorim, Isis Gasparini, Kelly Andrade, Miguel Soll e Shai Andrade
entrevista email facebook
Lívia Aquino revista.old@gmail.com www.facebook.com/revistaold
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tumblr
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índice
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livros
constelações exposição
flanares especial
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lívia aquino entrevista
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reflexões coluna
carta ao leitor
A edição de Novembro da OLD está plural. A rua, corpos, luz e entornos tomam nossas páginas e constroem o nosso panorama fotográfico deste mês. Começamos com um especial sobre o coletivo Flanares que, com seus onze fotógrafos, busca construir uma narrativa continua sobre a experiência pública nas grandes cidades que habitam. Depois da rua, temos o corpo. Primeiramente com Shai Andrade, que faz do corpo negro poética central de sua produção. Carolina Amorim segue com uma série de intervenções visuais sobre corpos livres em seus cotidanos, em uma delicada série sobre a naturalização da nudez. Miguel Soll se ausenta de sua zona
de conforto urbana e vai à natureza para apresentar um conjunto de fotografias que discute nossa relação com corpo, nudez, desejo e amor. A luz é o ponto central em Diáfano, de Isis Gasparini. A série explora como a luz molda os espaços e as escolhas nos museus de Paris. Kelly Andrade fecha esta edição apresentando uma série de imagens sobre seu entorno, seus detalhes e suas belezas. Entre estes plurais trabalhos fotógraficos está uma incrível entrevista com Lívia Aquino. Uma conversa rica sobre pesquisa, orientação e produção fotográfica. Aproveite!
por Felipe Abreu
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livros
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THE WHITENESS OF THE WHALE de Paul Graham
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aul Graham apresentou recentemente uma grande retrospectiva da sua produção visual nos EUA. A mostra foi realizada no Pier 24, em São Francisco, um dos principais centros fotográficos do mundo. Na exposição, Graham apresentou três séries: American Night, a shimmer of possibility e The Present, desenvolvidas entre 1998 e 2011. A exposição que apresentou esta trinca foi chamada de The Whiteness of the Whale e ela acaba de ser lançada em livro, com o mesmo nome. O projeto, desenvolvido em parceria pela MACK e pelo Pier 24, apresenta as três grandes séries de Graham sobre a vida contemporânea nos EUA. As imagens são acompanhadas por textos de David Chandler, Herman Melville e Stanley Wolukau-Wanambwa que potencializam ainda mais as reflexões visuais de Graham.
Disponível no site da MACK valor R$ 300 240 páginas 6
livros
TOUT VA BIEN de JH Engström
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ngström é um dos grandes criadores de fotolivros das últimas décadas. Seus trabalhos e seu processo de edição são referência para grande parte dos apreciadores da fotografia europeia contemporânea. Depois de publicar uma série de títulos que lidavam com a mudança e com a adaptação em novos lugares, JH Engström volta ao seu processo mais livre de produção e edição, na busca de construir poesias visuais com a sua fotografia. Seu novo livro, lançado pela Aperture, é um retorno triunfal a esta estratégia. Tout Va Bien reúne imagens autobiográficas e metafóricas e sua edição é carregada de contrastes, caminhando entra a paz de paisagens bucólicas e a tensão de noites urbanas. Este novo trabalho foi premiado com o Leica Oskar Barnack Award de 2015.
Disponível no site da Aperture valor R$220 152 páginas 7
Detalhe de fotografia de Carol Krieger.
exposição
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CONSTELAÇÕES, INTERMITÊNCIAS E ALGUNS RUMORES Eder Chiodetto reune parte dos fotógrafos de seu grupo de estudos no Ateliê em Fotô em uma bela exposição coletiva na Zipper Galeria.
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curador Eder Chiodetto coordena, já faz um certo tempo, um grupo de estudos em seu Ateliê Fotô no centro de São Paulo. Os encontros semanais visam acompanhar e estimular a produção de cada um dos artistas envolvidos, trazendo discussões, leituras dos trabalhos e um constante desejo de vê -los ir mais longe em suas produções. É deste cenário que surgem os sete artistas visuais que compõem a mostra Constelações, intermitências e alguns rumores na Zipper Galeria. Com Eder na curadoria, a mostra explora os processos psicológicos por
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trás da criação artística, as obsessões e motores responsáveis pela criação de cada uma das obras na parede.Em seu texto curatorial Eder aponta que “esta exposição apresenta a produção de sete artistas visuais cujos repertórios, embora distintos, assinalam uma orientação pelo vértice da potência do pensamento em imagem. Os artistas aqui selecionados se reúnem sob o signo da busca subjetiva – sejam esses motivados por questões autobiográficas, citações à história da arte e da fotografia ou por releituras de cunho metafísico sobre a existência.” Participam de Constelações... Ana
Lucia Mariz, Carol Krieger, Elaine Pessoa, Marcelo Costa, Marilde Stropp, Natasha Ganme e Sheila Oliveira. Juntos, este time de artistas constrói um universo próprio para a mostra, no qual cada um de seus desejos e obsessões se faz presente e se multiplica, criando uma narrativa coesa e instigante, envolvendo o espectador que passa pela galeria.
A Zipper Galeria fica na Rua Estados Unidos, 1494. A mostra Constelações... segue em exposição até o dia 21 de Novembro.
especial
UMA NOVA VOZ DA RUA Depois de passado o olho do furacão, os principais fotógrafos deste movimento continuam a produzir, apresentando sua visão sobre a situação atual da vida brasileira, sobre o que se faz público ao estar na rua.
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efervescência das ruas que marcou o Brasil em 2013 passou. Nossas ruas continuam tensas, mas a violência e os grandes movimentos sociais de dois anos atrás já não se fazem ver tão claramente. Foi em 2013 que a fotografia de rua brasileira se viu transformada, em um período em que uma série de jovens fotógrafos registrou as tensões sociais, a vida cotidiana e o surrealismo marcante dos centros urbanos brasileiros em suas fotografias.
Depois de passado o olho do furacão, os principais fotógrafos deste movimento continuam a produzir, apresentando sua visão sobre a situação atual da vida brasileira, sobre o que se faz público ao estar na rua. Foi dentro deste cenário que surgiu o coletivo Flanares, reunindo onze fotógrafos de rua e suas visões particulares de seus caminhos diários. O grupo nasceu de uma troca de e-mails entre Ricardo Perini e Gustavo Gomes. “Foi a partir de uma
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Há um caminhar constante, que não depende de eventos conversa sobre nossas influências de fotografia de rua que percebemos a falta de um coletivo no Brasil que reunisse fotógrafos com um estilo contemporâneo, que é mais presente nos coletivos estrangeiros”, aponta Ricardo. Flanares carrega em seu nome sua abordagem e seu estilo em relação à rua. Há um caminhar constante, que não depende de eventos marcantes para produzir. É uma busca pelo cotidiano urbano, por apresentar a visão única de cada fotógrafo sobre o seu entorno. Os fotógrafos do grupo estão espalhados por Brasil e Europa, convivendo em distintas realidades urbanas. Apesar da distância geográfica, há uma união visual forte entre os trabalhos do coletivo. Há um forte jogo com luz e sombra, reenquadra-
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marcantes para produzir. É uma busca pelo cotidiano urbano, por apresentar a visão única de cada fotógrafo sobre o seu entorno.
mentos e uma narrativa que, muitas vezes, se baseia no surreal ou no absurdo para se construir. Com esta abordagem os fotógrafos do Flanares transmitem o caos urbano em que estamos inseridos com uma poética delicada, que foge do óbvio e busca seus próprios caminhos visuais. “Curto sair de câmera na mão e fotografar sempre que possível. Entre um deslocamento e outro a cidade vai se revelando pra mim. Tento, na medida do possível, andar por ai como se nunca tivesse transitado por ali antes, é aquele olhar livre que busca um enquadramento incomum, ou às ve-
zes situar, às vezes individualizar localidades, pessoas, etc. Eu acredito, e tenho fé, que o que motiva um grupo a por os pés nas ruas e fotografar é o fato de as pessoas estarem dispostas a construir processos juntos, de maneira horizontal, umas ligadas às outras a fim de conversar, discutir, produzir, construir, dialogar, e sempre buscar aquela desculpa pra tomar a cerveja no bar.” Assim Wesley Barba, um dos membros do coletivo, resume suas metas e as do Flanares nos momentos de produção visual. É marcante perceber como nos últimos anos a fotografia de rua ganhou
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um novo fôlego e se tornou peça fundamental na compreensão da fotografia contemporânea. Há uma mudança visual clara, que foge da estética mais formalista, que busca o instante decisivo a todo custo. Agora o que se vê é uma produção mais pautada pela cor, pelos detalhes e por uma construção mais subjetiva da rotina urbana. “Importante notar que este renascimento teve início mais ou menos 5 anos atrás, sobretudo por causa da Internet, onde sites de compartilhamento de imagens, como o Flickr, possibilitaram um encontro de fotógrafos do mundo todo que já praticavam a fotografia de rua e de outros que se iniciavam no gênero. De fato vivemos em um tempo onde os conceitos tradicionais já não são os grandes motivadores da produção que vem surgindo atualmente.” Marcelo Argolo e Wesley Barba comentam este processo de transformação
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visual no qual estão profundamente envolvidos. Assim os onze fotógrafos do Flanares vão construindo uma imensa narrativa visual da vida urbana no ocidente. Há na produção do time uma busca pela construção de um diário visual, que não se fecha em pequenos ciclos narrativos, mas que busca construir um grande e complexo panorama de nossas cidades. É desta forma, mais livre e complexa, que a fotografia de rua se transforma e se reinventa, sempre trazendo novos e talentosos fotógrafos à nossa atenção. Fotografias de: Pedro Ferrarezzi, Gustavo Gomes, Fabio Costa, Arnon Gonçalves, Victor Dragonetti, Guilherme Botelho, Kelson Fontinele, Marcelo Argolo, Wesley Barba, Ricardo Perini e Paulo Marinuzzi. Texto por Felipe Abreu
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SHAI ANDRADE Sem título
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hai Andrade apresenta uma série de complexos retratos na OLD. Com o corpo negro como centro da sua poética visual, a fotógrafa apresenta seus personagens em contato constante e profundo com o ambiente ao seu redor, construindo uma delicada interação entre homem e natureza. Seu olhar direto busca apresentar o que há de mais profundo em cada um de seus retratados, trazendo não só o exterior para as imagens apresentas, mas uma personalidade, desejos e aflições para cada uma das pessoas que se posta em frente à sua câmera.
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O corpo negro é a poética do meu Shai, nos conte sobre o seu começo na fotografia. A fotografia sempre foi muito presente na minha infância. Lembro de minhas tias e minha mãe com a câmera na mão, registrando meus momentos pela casa, e delas me deixarem bater as ultimas duas poses do filme. Eu adorava caçar rolos de
Quais são os temas que mais te interessam na fotografia?
negativos pelas gavetas da casa de minha avó e correr pra luz pra tentar adivinhar qual imagem se revelaria ali. Cada filme uma ansiedade, uma surpresa. Aos 15 anos decidi procurar um curso de fotografia, e nunca mais parei. Não sei que caminho seguiria se não fosse o de sentir e registrar.
documental e no autoral que melhor se encaixam a minha produção hoje em dia, são temas onde me sinto livre pra retratar, fantasiar.
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Logo que iniciei na fotografia, produzia muitos auto-retratos. Foi um bonito processo de reconhecimento do meu corpo, e que muito colaborou para o reconhecimento do corpo do outro no meu trabalho. Mas é no
trabalho. É onde me reconheço e transponho o registro: estou ali. Qual o papel do corpo na sua produção visual? O corpo negro é a poética do meu trabalho. É onde me reconheço e transponho o registro: estou ali. Cada traço e cada marca passados de geração em geração carregam a minha identidade. Então para mim, o corpo é pertencimento e ancestralidade, tanto na existência quanto na fotografia.
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Suas fotografias têm uma integração constante entre corpo e ambiente. Quais são seus objetivos com esta construção? Os ambientes são em sua maioria passagens, paisagens tangíveis, que ali estão e ali permanecerão. O meu papel naquele instante é registrar o corpo em fusão com o espaço, seja ele qual for. A fotografia são sentidos aguçados. O quanto de você está presente em cada um destes retratos? Eu estou por inteira em cada um dos meus retratos. É como construir um álbum de família.
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CAROLINA AMORIM
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tempo é um ponto crucial na produção visual de Carolina Amorim. Suas fotografias não tem pressa. Cada imagem produzida pela fotógrafa é feita com calma e dedicação essenciais para traduzir a delicadeza das rotinas e dos corpos apresentados. Suas intervenções visuais trazem um aspecto lúdico às imagens, que ganham nova camada de sentido com cores, costuras e desenhos. Nuances é uma série sobre o corpo, mas mais do que isso, é um trabalho sobre intimidade, confiança e dedicação.
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O tempo faz refletir, questionar, e antes uma Carolina, como começou seu interesse pela fotografia? A partir do momento que comecei a registrar despretensiosamente a minha família quando criança, notei meu encanto pela imagem criada com o aparato da máquina fotográfica. Pela fotografia descobri que podia criar uma nova realidade. Durante a faculdade de Comunicação Social estagiei como cinegrafista e isso reforçou mais o meu interesse pela imagem. Posteriormente fiz uma especialização em Comunicação em Imagem na PUC RJ, onde pesquisei a fotografia como espelho distorcido da sociedade. Percorri vários temas na minha fotografia, e na prática me especializei em fotografia para o setor de alimen-
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tação e cultura na empresa Malagueta Comunicação, da qual sou sócia. Hoje, estudo os limites da fotografia enquanto linguagem, a importância em considerar os contextos de produção e as intervenções antes, durante, e após a realização de uma imagem de base fotográfica. Nos conte sobre a produção do ensaio Nuances. O projeto Nuances começou há dois anos, a partir de estudos fotográficos com o tema corpo. Todas as fotos foram feitas com máquinas analógicas. Hoje tenho um pequeno laboratório em casa, que me permite pensar e explorar as imagens produzidas. Fotografei amigos, atores, artistas, minha família, outras famílias, e para cada
imagem que era “reflexo” do retratado, acaba sendo um “reflexo” de mim mesma. ensaio usava até dois filmes de 35mm e um de 120mm. Como você definiu o processo de intervenções nas fotografias? Como elas alteram o significado da imagem original? Seja dentro do laboratório, ou pintando, costurando, percebo a importância do tempo no processo de produção da imagem. Olhar para uma imagem e explorar suas potencialidades narrativas. Um processo criativo que se inicia através de estudos e pesquisas, entra no campo imaginativo, depois a escolha do aparato e
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revelação, para assim entrar nos processos de ampliação e intervenções. O tempo faz refletir, questionar, e antes uma imagem que era “reflexo” do retratado, acaba sendo um “reflexo” de mim mesma. Você diria que o corpo é o objeto central do seu trabalho? Hoje, posso dizer que sim, que meus olhos estão voltados para os corpos, mas amanhã não sei. Como eu venho trabalhando há um longo tempo com fotografia de comida, precisei explorar outros temas, me desafiar. Antes de voltar para a fotografia analógica, produzi e vivi muito o imediatismo das imagens digitais. Com o nascimento da minha filha comecei a explorar mais o tema corpo. A maternidade fez com que eu questionasse o tempo no corpo, desta for-
ma o despir foi inevitável. Continuo hoje com meus estudos em fotografia expandida, duplas exposições, pinhole e processos manuais. Quais foram os principais desafios na produção e construção deste ensaio? Tive o apoio de grandes amigos fotógrafos e da minha família, que me incentivaram a dar segmento ao projeto. Altos e baixos fazem parte de todo processo criativo. Entender a importância do tempo no trabalho analógico, e lidar com a ansiedade e criação são um aprendizado, que só o tempo ensina. Próximo passo é ter o livro em mãos. Agüenta coração!
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iguel Soll apresenta corpos nus, livres, em busca de contato e conhecimento. Suas fotografias são leves, rápidas e sem pudores. Com esta série, Miguel sai de seu ambiente de conforto essencialmente urbano e se arrisca a fotografar na natureza, buscando construir um “natural” contemporâneo, unindo o idealismo dos anos 70 ao niilismo urbano dos anos 2000. Natural explora não só os corpos, mas como lidamos com a nudez em tempos cada vez mais pudicos.
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Não há nada menos naturalizado Miguel, nos conte sobre o seu começo na fotografia. Comecei a fotografar com uns 14 anos, usando a primeira câmera digital que tive, uma Nikon Coolpix. Nesse inicio era algo muito lúdico, muita foto de paisagem e macro, o que enchia meu flickr e me incentivava a ir fotografando e compartilhando cada vez mais. Em 2009 o grêmio do meu colégio ofereceu um curso de fotografia bem básico, mas que me uniu com amigos que também já fotografavam e me trouxe alguma base de composição, enquadramento, etc, o que me fez me apaixonar cada vez mais. Foi só no fim desse ano (2009) que realmente comecei a “levar mais a sério”, quando comecei a fotografar com uma câmera analógica do
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meu pai, uma Pentax K1000. A partir daí fui agenciado pela foto e nunca mais saí. Como o desenvolvimento da série Natural? O desenvolvimento dela foi todo completamente orgânico. A série foi feita pra uma zine digital que criei com amigos no colégio, a FCMag. A cada edição nós lançávamos um tema e cada membro criava um ensaio se baseando naquilo e o dessa edição era justamente “natural”. Eu sou uma pessoa absurdamente urbana, e grande parte das minhas referências são do meio urbano, principalmente o snapshot e toda tendência jovem de uma fotografia crua, meio futurista, sobre a relação e a transformação
do que corpos nus, ao menos fora das artes, cotidianamente. do corpo na cidade e eu sempre me sentia um pouco incomodado com essa ideia comum nas artes de que a representação do natural necessita passar pelo nu e pela natureza. Eu acho que a nossa natureza de agora é o oposto disso, nós não nos sentimos confortáveis com os nossos corpos, não nos sentimos confortáveis com o nosso ambiente e a fuga para a natureza representa também uma fuga de nós mesmos, uma tentativa de não reconhecer de que a nossa relação com a natureza e com o que julgamos ser o natural mudou. Não há nada menos naturalizado do que
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corpos nus, ao menos fora das artes, cotidianamente. Eu queria de alguma forma retratar a necessidade de buscar formas de mediar a realidade “natural” que vivemos e a idealização que fazemos dela, e acho que uma das únicas maneiras de quebrar isso é através de drogas, de buscar formas de artificializar a nossa percepção do mundo e se conectar com algum suposto transcendente. Eu tinha como referências o trabalho dos fotógrafos Ryan McGinley e Ren Hang e sabia que queria trabalhar com o nu, justamente por essa questão, e também porque era algo que nunca tinha feito. Chamei alguns amigos que sabia que iriam topar e, sem muita preparação, fizemos as fotos na casa da minha mãe e fomos organicamente criando cenas e situações, bebendo, fumando, se explorando.
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Há uma sensualidade e uma leveza muito grandes nas série. Qual o clima que você buscou criar na sua construção? Clima de amizade, de confraternização. Não deixei a história fechada em “temos que criar isso”, fomos simplesmente agindo. Era algo como “nossa, que luz bonita, podem deitar aí?”. Até o momento dos cliques eu não procurava controlar tanto, só sugeria situações e deixava o modelo e as modelos livres para agir como quisessem.
não tinha em mente um resultado final, um discurso, só a vontade de explorar aquela situação, de criar territórios onde pudéssemos interagir livremente. Acho que o equilíbrio possa ter se dado justamente por isso. Embora soubesse o que queria falar, não tentei limitar a experiência para criar aquilo, mas busquei em criar uma verdade na situação que estava acontecendo. Acho que essas fotos de um pouco de performance nelas: criar um espaço, uma realidade, para então documentar ela.
Como você buscou equilibrar estética e manifesto na produção desta série? Não foi nem um pouco algo pensado. Como disse, o ensaio aconteceu muito organicamente, nunca tive a pretensão de fazer uma série política ou algo do tipo. Tudo foi muito livre,
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LĂ?VIA AQUINO OLD entrevista
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Lívia Aquino é uma das grandes pesquisadoras de fotografia no Brasil. Editora do blog Dobras Visuais, foi professora no SENAC entre 2000 e 2008, e agora é coordenadora da pósgraduação em fotografia na FAAP, importante centro de formação de jovens e talentosos fotógrafos. Recentemente Lívia foi uma das contempladas no Prêmio Marc Ferrez e publicará sua dissertação de doutorado: Picture Ahead: a Kodak e a construção de um turista-fotógrafo. Sua formação inicial é em psicologia, mas logo você migrou para as artes, com um foco especial na fotografia. Como se deu essa mudança? O que te moveu a concentrar seus estudos na fotografia? Minha aproximação se deu primeiramente com a fotografia, depois com a arte. Logo após o término da gradu-
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ação eu me mudei para São Paulo e isso acarretou muitas mudanças, entre elas uma busca por outro campo de atuação. Trabalhei por três anos em uma produtora de animação e lá percebi algum interesse em fotografia quando comecei a operar os programas de edição, como o photoshop. A partir dessa experiência fui estudar fotografia em cursos livres no Senac, onde atuei profissionalmente por dez anos, inicialmente como assistente e depois como professora. O que me moveu e me move ainda é esse espaço de aprendizagem, o lugar da pesquisa que se desdobra em distintas práticas e que produz sentidos na minha trajetória. Você foi uma das contempladas com o Prêmio Marc Ferrez deste ano, que possibilitará a publicação da sua pesquisa de doutorado. Nos conte um pouco
sobre sua pesquisa e sobre o livro que será publicado. Na tese Picture Ahead: a Kodak e a construção de um turista-fotógrafo, que eu defendi no ano passado no Instituto de Artes da Unicamp, com apoio da Fapesp, eu trato da fotografia do amador e sua construção histórica no campo do turismo. Reflito principalmente sobre a criação de práticas sociais e sobre as transformações na percepção da experiência da viagem entre fins dos séculos XIX e XX. Eu nomeio como turista-fotógrafo um sujeito que comporta tanto o turista quanto o fotógrafo amador, mas se constitui, sobretudo, no entrelaçamento dos dois já que se encontram implicados na compreensão do uso do tempo livre, dos deslocamentos no mundo moderno e de rituais de afirmação social com base na demonstração de poder econômico
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e conhecimento. Parto de uma relação entre a fotografia e o turismo operando como dispositivo, conceito elaborado por Michel Foucault. Essa dupla atua em conjunto ao logo desse período criando discursos e delimitando modos de ação relacionados aos registros da viagem, como o desejo de conhecer e guardar os lugares e, com isso, apoderar-se deles como conquistas. Desse modo, eu chego na Kodak como uma peça fundamental no processo de popularização da fotografia no mundo e, consequentemente, na construção dos modos de produzir, consumir e compreender imagens. Por meio da publicidade, de estratégias de negócio, da elaboração de um sistema educativo e de ampla cadeia de produção, a Kodak atua na criação de valores relativos à importância do registro da viagem e destaca o fato de que sua rememora-
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ção pode ser obra do amador. Reflito, portanto, como o turista-fotógrafo torna-se um sujeito produtor de parte do mundo-imagem, pelo desejo de posse e status que a fotografia e o turismo carregam, mas, especialmente, pela busca de uma fotografia que está sempre a sua espera. Susan Sontag em Sobre fotografia já apontava nos anos 1970 a ideia de mundo-imagem e o lado predatório da fotografia na sua relação com o turismo. A proposição para o Prêmio Marc Ferrez envolve a publicação da tese em livro. Estou editando o formato, limpando o que é especifico para uma pesquisa acadêmica e adaptando para o livro. Também propus um posfácio já que a tese tem um foco na Modernidade, assim, a ideia é poder refletir um pouco como o debate que atravessa aquele momento respinga na atualidade.
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No seu doutorado você pesquisa a relação entre a Kodak e criação da figura turista-fotógrafo. Você vê essa relação profundamente transformada na contemporaneidade? Você vê uma banalização do ato fotográfico e uma desvinculação da fotografia como um objeto de memória? Sobre a primeira pergunta, se compreendo esse contemporâneo atrelado à fotografia digital eu diria que a maior transformação não está na fotografia e sim no seu modo de circulação, principalmente ligado aos aparelhos de telefonia e internet. A fotografia digital utilizada pelo amador potencializou o que acontecia, as pessoas já fotografavam demasiadamente, só que essas imagens não circulavam como nos dias de hoje. Podemos perceber como elas aconteceram em massa, elas estão por aí, nas caixas de sapato, nos álbuns, nas
feiras de antiguidades, nos acervos. As que são feitas atualmente também já estão jogadas em hds, blogs e nuvens, mas mesmo considerando algumas atualizações, a fotografia cumpre um papel muito semelhante para o amador. Sobre a outra pergunta, eu a decuparia em duas partes. Primero penso que a fotografia do amador sempre foi banal no sentido da simplicidade e do ordinário, em parte por isso ela é tão potente como objeto de pesquisa. Não atribuiria um sentido negativo ao banal que pode estar presente no fotográfico. Segundo, é preciso pensar com muito cuidado nessa relação entre fotografia e memória para que, isso sim, não se banalize. Sempre provoco meus alunos para que depurem a noção de memória que estão tratando, para que ela não se torne uma espécie de entidade, “a memória” ou “a memória
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fotográfica”. Nem tudo o que se atribui a essa relação parece fazer sentido, a memória virou um lugar de justificativas fáceis e, por isso, um tanto perigosas. A pós-fotografia é um dos grandes temas de discussão nos últimos anos, defendendo, de certa forma, o abandono do click por parte do fotógrafo. Você vê este como um dos principais caminhos para a fotografia contemporânea? Nos últimos anos a fotografia está atravessando um processo de transformação ligado ao mercado de atuação do fotógrafo. Diferente de outros meios, ela sempre esteve presente tanto como objeto da arte como da cultura de massa e esse ruído é uma condição de existência da fotografia. Penso que devemos conviver com essa condição ambivalente antes de
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querer encontrar soluções que atendam a uma demanda de um amplo mercado de produção cultural. Digo isso pois eu acho perigosa a ideia de apontarmos caminhos para alunos ou para os leitores dessa revista, por exemplo. O artista produz o trabalho a partir de suas inquietações com o mundo, das dúvidas da sua existência, do diálogo com outros, da materialidade das coisas, de como tudo isso gera condições de ação para uma prática artística. Se aquilo que comumente chamamos de resultado será ou não absorvido pelo meio cultural, artístico ou pelo mercado é outro momento, é sempre um segundo momento, mas não é o principal. Entendo que se não for desse modo pode virar uma fórmula a ser seguida e talvez esse seja um caminho pernicioso. Assim, não posso dizer “abandone o click e você chegará na foto-
grafia contemporânea” ou qualquer outra proposição nesse sentido. O caminho é do sujeito que produz a partir daquilo que faz sentido na sua trajetória, portanto, reconhecer qual é o seu já é um grande feito. O que eu me sinto a vontade para dizer é: resista a qualquer receita que o levará a “ser contemporâneo”. Há também uma discussão profunda sobre a importância da edição e da construção de narrativas em trabalhos fotográficos contemporâneos. Você vê a fotografia como uma arte que se favorece quando apresentada em séries? A busca por criar uma narrativa deve ser uma preocupação central na produção de um fotógrafo? A resposta anterior pontua essa pergunta. Veja, estamos lidando novamente com palavras perigosas como edição, narrativa, seriação. São
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expressões que como as outras – memória, fotografia contemporânea, click – se perdem se não contextualizarmos os trabalhos. Eu sei que sou chata com as palavras, mas é que elas dizem muito quando estão inscritas e quando são replicadas. Precisamos ficar atentos para que elas não virem regras, ser lúcidos diante de um meio que nos diz “faça isso para alcançar aquilo”. A ideia de “dever” fazer algo como uma preocupação para que a produção atinja determinados lugares, agentes, meios é muito perversa. Não trabalho com essa orientação, essa é a minha resistência, é o lugar em que eu tento permanecer fiel aos meus princípios. Penso que o desassossego do artista é o seu trabalho, a sua produção e aquilo que diz respeito à ela e, novamente, se isso se desdobra como produto no meio cultural é um segundo momento. Logo,
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se a produção está muito atrelada às ansiedades desse meio significa, para mim, que é preciso recuar e voltar para às intenções do trabalho e de quem produz. O Dobras Visuais tem uma coleção marcante de textos sobre pensamento e produção fotográfica. Como foi criado este projeto? Quais são seus principais objetivos com o blog? O blog existe há seis anos e é um espaço onde compartilho a minha pesquisa, o que observo e reflito a partir da fotografia na sua relação com a arte, a literatura e a cultura visual. Ele surgiu em um período que fiquei longe da sala de aula e senti necessidade de criar novos diálogos. O Dobras já tem um pequeno apanhado do que eu consumo, leio e vejo. Talvez seja um lugar para que eu possa dar vazão às minhas obsessões como
leitora e ao quanto a fotografia é uma presença ruidosa na busca por um sentido que nunca se encerra, como o que trabalho na seção O que é fotografia?. O trabalho é muito atrelado à minha trajetória de pesquisa e gosto quando outros pesquisadores se identificam com o material do blog. Nesse sentido, o Dobras não é um lugar de informações sobre o meio, mas um tipo de caderno de notas em que vou assinalando pensamentos, citações, pessoas com quem convivo e que gentilmente contribuem para o blog. Você é coordenadora da pós-graduação em fotografia na FAAP. Nos conte um pouco sobre o processo de criação do curso, que concentra parte considerável dos principais pensadores da fotografia no Brasil. O curso, criado há cinco anos pelos
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pesquisadores Rubens Fernandes Jr e Ronaldo Entler, tem como objetivo refletir sobre as relações entre a fotografia e a Comunicação Social, as Ciências Humanas e as Artes. Trabalhamos com a perspectiva de desenvolvimento de projetos que tenham como eixo um pensamento artístico e/ou crítico a partir do fotográfico. Sim, contamos com uma equipe de professores muito bacana, todos envolvidos com a produção do curso e muito parceiros nessa empreitada. Mas é preciso ponderar que há muitos pesquisadores de fotografia espalhados nas universidades do país, não seria justo dizer que concentramos parte considerável deles. Qual a importância de criar espaços de discussão e pensamento sobre fotografia no Brasil? Você acha que temos um bom cenário de ensino formal de
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O caminho é do sujeito que produz a partir daquilo que faz sentido na sua trajetória, portanto, reconhecer qual é o seu já é um grande feito. O que eu me sinto a vontade para dizer é: resista a qualquer receita que o levará a “ser contemporâneo”.
fotografia? Penso que sim, temos um bom cenário de lugares que possibilitam o estudo do fotográfico dentro das universidades, diluídos em distintos departamentos e com esses pesquisadores que assinalei anteriormente. Para aqueles que querem estudar há sempre espaço, mas é preciso garimpar o que mais se aproxima da sua pesquisa, dos seus anseios. Isso não é fácil e nem tampouco rápido, demora um tempo para encontrar. Acho importante que esses lugares se mante-
nham em relação com outros campos para que as pesquisas acerca do fotográfico sejam contaminadas poroutras leituras, práticas e provocações. Qualquer espaço de discussão sobre ele torna-se mais interessante na medida da ampliação dessas relações.
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ISIS GASPARINI Diáfano
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sis produziu a série Diáfano durante uma residência de seis meses na Cité Internationale des Arts, em Paris. A série explora a ambigüidade na construção das mostras em alguns dos principais museus da capital francesa. Há um constante jogo entre mostrar e esconder, construir um acervo visível que se adéqüe a questões políticas e ideológicas de cada uma dessas casas. Assim Diáfano revela e esconde as obras que fotografa e discute o papel da luz nesse processo, a transformando em um objeto ativo, construtor da narrativa visual desta série.
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Isis, como surgiu seu interesse pela fotografia? Sou encantada pela história e pelo passado. Olhar fotos P&B, descobrir câmeras e traquitanas antigas, estudar arte e cinema são interesses que se cruzam em algum momento e apontam para o desejo de investigar a fotografia. Desde a infância, tinha também um fascínio pelo retrato, que se manifestava na pintura, algo a que me dediquei muitos e muitos anos. Um pouco antes de começar a graduação em artes, resolvi fazer um primeiro curso de fotografia. Meu pai tinha uma câmera analógica que já estava parada havia muito tempo, e mais alguns slides, negativos velhos e um carrossel... Aquilo me encantava.
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Nos conte sobre a produção de Diáfano. Diáfano foi realizado em 2014, quando participei por seis meses do programa de Residência Artística da Cité Internationale des Arts, em Paris (com apoio da FAAP). Estava bastante interessada nos antigos palácios que se converteram em museus. Para mim, esses lugares carregam uma ambiguidade: às vezes, eles demonstram sua preocupação com um “tornar visível” um patrimônio e, outras vezes, demarcam suas decisões institucionais, seja ao realizar uma política cultural supostamente inclusiva, ou seja pela escolha mediada por questões políticas e econômicas. Na ocasião, eu freqüentava diariamente museus e outros
Muitas vezes, as próprias imagens que acumulo no meu arquivo parecem apontar caminhos para que possam coexistir de uma outra forma dentro de um mesmo trabalho. espaços expositivos e, nessas visitas, o modo como as instituições se esforçam para lidar com a entrada de luz natural x artificial, passou a me chamar atenção. Foi então que comecei a coletar imagens dos lugares em que a luz impunha seu desenho. A luz e a sombra são presenças quase sólidas nesta série, não só de contraste. Como se deu essa construção estética? Encontrar as luzes e seus respectivos problemas no que diz respeito à visibilidade da obra de arte no espaço expositivo foi, de fato, o que motivou
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a realização desse trabalho. Passei a percorrer os museus me colocando em lugares menos “ideais” de contemplação buscando ruídos provocados pela luz. As imagens foram muito pouco tratadas e pós-produzidas (ao contrário do que ocorre em um trabalho anterior “Corpo vidente, corpo visível”, em que a intervenção nas imagens é mais evidente). Sendo assim, a construção estética se deu pela edição e seleção das imagens que entrariam no recorte final, mais do que por um desenho prévio do que poderia vir a ser o trabalho. Quais os desafios e metas desta narrativa construída através de espaços e objetos? Me parece ser: achar a medida entre o sensível e o reflexivo, o literal e o poético, isso é sempre um desa-
fio. Aqui, como em outros trabalhos, uma pesquisa teórica caminha junto à produção das imagens, o que gera a preocupação em apontar algumas questões que sejam acessíveis ao público, ainda que não fiquem completamente demarcadas. Ao escolher esse tipo de espaço e a própria luz como ponto de partida, foi importante evidenciar sua materialidade, mas depois disso, certamente, as leituras extrapolam a intenção que eu tinha no momento de realizá-las... Eu espero.
acumuladora de imagens e histórias, me vejo constantemente no exercício de ressignificá-las. Muitas vezes, as próprias imagens que acumulo no meu arquivo parecem apontar caminhos para que possam coexistir de uma outra forma dentro de um mesmo trabalho. Em outros momentos, sinto que chego com uma pergunta específica para então gastar um certo tempo tentando encontrar a resposta... Ou muitas delas.
Como você busca ressignificar os objetos tão carregados de história que você fotografa nesta série? Acho que talvez o maior desafio esteja aqui! Como reordenar ou recombinar as imagens que existem no mundo? Como uma “boa”
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ntorno é uma série sobre mudanças, sobre o entendimento de aceitar o lugar em que você se encontra. As imagens deste ensaio apresentam uma realidade recém descoberta, que seduz o fotógrafo e o convida a apresentar cada novo detalhe deste espaço que é ao mesmo tempo rotina e novidade. Kelly Andrade produziu esta série depois de um período de grandes mudanças em sua vida e Entorno se apresentou como uma forma de aceitar e se interessar pelo novo espaço que Kelly passou a ocupar no mundo.
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Kelly, nos conte sobre seu começo na fotografia. Isso é um até um pouco engraçado, pois na verdade nunca gostei de fotografia! Explico. Quando criança não gostava de “sair na foto”, sempre achei constrangedor e de certa forma um gesto agressivo o de fotografar alguém, nas fotos de família por exemplo, onde você pode naquele momento estar discutindo, brigando com alguém e de repente vem alguém com a máquina (hoje com o celular) e diz “olha a foto!”. É incrível, todo mundo pára, olha, sorri e pronto, clique feito podemos seguir nossas vidas reais... Com isso, com esse sentimento estranho que eu tinha pela fotografia, minha entrada nesse mundo se deu já com 30
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anos, quando, por influência de uma amiga, iniciei um curso de básico de fotografia, aprender ISO, foco, essas coisas, eu não gostei muito disso, achei meio “técnico” demais mas gostava das pessoas, dos professores, da cerveja que tomávamos antes, depois e até durante as aulas... Foi quando um professor do curso, um rapaz até mais novo do que eu começou a nos apresentar grandes nomes da fotografia, que eu leigamente não conhecia. Como surgiu o ensaio Entorno? O primeiro clique de Entorno, foi uma forma de aceitar uma grande mudança interior. Saí de de São Paulo em 2007 e vim morar em Itatiaia no estado do RJ. Em 2012 decidi que
Fotografo num estado quase contemplativo, buscando vestígios da força da natureza que possam ser comparadas com a força do homem. tinha que voltar para São Paulo, minha família aceitou (3 filhos e meu marido) e voltamos. Passamos o ano de 2013 na capital e foi quando fui me dando conta do quanto eu tinha mudado! Eu não era mais a mesma e a cidade já não tinha a mesma graça de antes, e decidi voltar para Itatiaia, a família mais uma vez aceitou, mas agora com uma condição. Eu tinha que de fato “aceitar” esta cidade como meu novo lar, e perceber qual era de fato o meu ENTORNO, estava decidido e voltamos. Alguns dias depois da nossa volta, tinha chovido bastante, e depois que a chuva parou
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decidi sair de casa para fotografar, sai pela rua de terra, e pela primeira vez me senti apaixonada por esse lugar! O cheiro da terra, a luz que entrava pelas frestas das copas das árvores e ia batendo e iluminando tudo devagar, com calma...foi mágico. Como você buscou explorar o espaço ao seu redor para a produção da série? O que você queria mostrar neste espaço? A maioria das imagens da série foram feitas nas ruas bem próximas à minha casa, uma outra parte foi feita no Parque Nacional do Itatiaia que está apenas há uns 12km daqui. Uma pequena parte da fotografias eu consegui captar em viagens a Campos do Jordão e Santo Antonio do Pinhal, mas precisei seguir de certa forma o mesmo ritual, sair sozinha, no perí-
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odo da manhã e com o dia um pouco mais úmido. O que eu quero (e continuo buscando, já que o projeto segue) com o Entorno é aquela primeira sensação, o cheiro, o silêncio, e a porque não a solidão! Busco uma beleza silenciosa eu diria, por isso quando vou ao Parque chego lá antes da portaria abrir, quero ser a primeira a entrar nesse parque de aproximadamente 28.000 hectares. Você vê o vazio como um elemento narrativo? Como você o usa neste trabalho? O vazio é um grande elemento dentro deste projeto, não apenas narrativo mas também essencial para que eu consiga captar o que o Entorno está oferecendo sem me deixar distrair com qualquer tipo de ruído. O silêncio só é interrompido pelo
barulho das folhas das árvores balançando, pelos bugios, e pelos meus próprios sapatos amassando as folhas secas caídas pelo chão. Fotografo num estado quase contemplativo, buscando vestígios da força da natureza que possam ser comparadas com a força do homem. Vestígios do homem que não está, mas esteve. Vestígio de nós mesmos, de nossas amarras de nossas mudanças internas e de nosso força. A ideia é a de que possamos fazer uma analogia entre a força da natureza e a do homem na busca pelo seu espaço mais primitivo, sua origem mais pura.
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DESNUDANDO O CORPO Quem não é mestre do nu não pode entender os princípios da arquitetura. A frase acima é atribuída a Michelangelo. Ela chegou até mim durante uma leitura do livro de Richard Sennett, Carne e pedra. Estava envolto pelas ideias de representação do corpo humano nas pedras que dão relevo a uma cidade. Também me envolviam projetos fotográficos sobre a relação cidade e natureza. Estamos, assim, diante do corpo e da cidade, dos nus e da arquitetura.
Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.
Formalmente, tomamos a ideia sintetizada no título do livro de Sennett para pensar que coletivamente a cidade representa uma visão do corpo humano materializado na pedra. As noções de volume, textura e forma podem nos revelar uma visão do que imaginam os urbanistas, os construtores de cidades, sobre o corpo de carne e osso e seus significados. Do ponto de vista da arquitetura temos um movimento de aproximação, como se focássemos na árvore e não na floresta. Nosso olhar se aproxima e nos faz ver com mais detalhes a casa, o edifício, recortados do conjunto. Um paralelo pode, então, ser traçado com a foto de um corpo nu. Quando a imagem revela as pessoas no cotidiano, em contato com outras pessoas ou sozinhas, mas em ambos
os casos, vestidas, é como se tivessem um véu cobrindo-as. Nossa visão fica mais opaca. A imagem da pele, direta, exposta, acrescenta algo no ato de fotografar, na relação com a fotografia e com os corpos. Talvez esse algo mais seja a luz de cada um de nós. Oscar Niemeyer nos dizia que sua inspiração para os desenhos arquitetônicos se originava das imagens de corpos nus de mulheres. Em uma foto em que ele aparece no espaço de seu atelier pode-se ver na parede em frente a sua mesa de trabalho uma imagem de derrières femininas que lembram uma sucessão de dunas de areia. Também nos assalta a memória o domo convexo do congresso nacional em Brasília. Vamos, pois, nos inspirar com a luz da arquitetura e do corpo.
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Do ponto de vista da arquitetura temos um movimento de aproximação, como se focássemos na árvore e não na floresta. 111
MANDE SEU PORTFร LIO revista.old@gmail.com Fotografia de Candice Japiaรงu. Ensaio completo na OLD Nยบ 52.
INSTITUTO INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA FINE ART: PÓS-PRODUÇÃO E MERCADO A venda de fotografias impressas com alta qualidade e durabilidade é uma opção ainda pouco explorada por muitos fotógrafos, uma vez que a atuação neste nicho requer uma série de conhecimentos específicos. Ao perceber essa demanda, o IIF criou o curso Fine Art: Pós-Produção e Mercado, ministrado por Alex Villegas, que oferece uma formação abrangente no que se refere ao tratamento, a pós-produção, impressão e comercialização desse tipo de produto. Durante o curso, o aluno tem a oportunidade de compreender este amplo mercado, que inclui galerias de decoração, galerias de arte, colecionadores e museus. É oferecido um panorama mercadológico: quem são os compradores e quais são os tipos de trabalho que lhes interessam. A parte técnica inclui o conhecimento de todos os procedimentos necessários para realizar as impressões, desde o tratamento da imagem
digital e escolha de formato de arquivo, até as opções de papel, tinta e outras especificidades que influenciarão no resultado final da impressão. Outros temas a serem abordados são a montagem e a conservação do trabalho. Visando uma apresentação realista do ramo, a estrutura do curso conta com a participação de três convidados do fotógrafo responsável: um crítico de arte, um galerista e um fotógrafo atuante no ramo. Além disso, os alunos fazem duas visitas: a primeira a uma exposição e a outra a um ateliê de impressão, para entender de perto os diversos aspectos técnicos. A próxima turma do curso Fine Art começa no dia 14 de abril e termina no dia 23 de julho. Mais informações sobre o curso no site: http://www.iif.com.br/site/fine-art/
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DEPOIMENTOs DE QUEM FEZ
Segundo Gilberto Grosso, fotógrafo dedicado ao experimentalismo e aluno da última turma de Fine Art: pós-produção e mercado, o curso possui “uma abordagem ampla, conceitual e prática sobre o que é a arte e o mercado das imagens em fine art. Do princípio da criatividade e conceitos, passando pelos processos e equipamentos/materiais, à divulgação, exposição e venda das obras. Enfim, é um curso que todos os profissionais da imagem deveriam incorporar aos seus currículos”.
Para Edgar Kendi, designer, o aprendizado vai muito além das técnicas de impressão: “Compreendi que para se chegar ao Fine Art não basta apenas fotografar belas imagens e imprimi-las em um bom printer, é preciso compreender toda carga de significados que a imagem carrega em si e transmiti-los materializados em suportes que contribuam para tal fim”, diz.