#61
expediente
revista OLD #número 61
equipe editorial direção de arte texto e entrevista
Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Paula Hayasaki e Pedro Vieira
capa fotografias
Tuane Eggers Oscar Dhooge, Paula Marferra, Ricardo de Abreu Neves, Sue-Elie Andrade-Dé e Tuane Eggers
entrevista email facebook
Laia Abril revista.old@gmail.com www.facebook.com/revistaold
@revista_old
tumblr
www.revistaold.tumblr.com
instagram issn
@revistaold 2525-5622
índice
20
54 64
42 06 08 10
76
livros aterro exposição
coletivos, fotografia e imagem especial
20 42
tuane eggers por tfólio
paula marferra por tfólio
54 64 76
94
sue-elie andrade-dé por tfólio
laia abril entrevista
oscar dhooge por tfólio
94 112
ricardo de abreu neves por tfólio
reflexões coluna
carta ao leitor
Outubro vai ser um mês animado para a fotografia no Brasil. Começa no dia 12 a primeira edição do Valongo, novo festival idealizado por Iatã Canabrava. Na OLD Nº 61, apresentamos os trabalhos dos coletivos que participarão do festival e entrevistamos Laia Abril, um dos grandes nomes da fotografia mundial, que também virá ao festival, para um workshop e uma palestra. A OLD também participa do festival realizando leituras de portfolio e coordenando o blog do Valongo, contando sobre os principais eventos do festival. Na nossa edição de Outubro trazemos uma série de trabalhos de grande qualidade e diversidade. Tuane Eggers volta às nossas páginas e mais
uma vez assina nossa capa, agora com o ensaio [in]versões de mim. Seguindo, temos Paula Marferra, Sue-Elie Andrade-Dé, Oscar Dhooge e Ricardo de Abreu Neves. Os projetos apresentados neste mês lidam com diversos aspectos da fotografia contemporânea, trazendo possibilidades variadas de criação, criando um panorama plural para você aproveitar. Aproveite esta edição e nos vemos em Santos, para continuar o papo sobre fotografia e narrativas no Festival Valongo. Até lá!
por Felipe Abreu
5
livros
OLD#61
THE PROSPECT OF IMORTALITY de Muray Ballard
M
uita gente diz que a única certeza que temos na vida é a morte. Se depender dos personagens e instituições fotografados por Murray Ballard, nem esse certeza teremos mais. O fotógrafo britânico passou a última década pesquisando instituições que praticam a criogenia, o congelamento após a morte na esperança de avanços científicos e o início de uma nova vida no futuro. Dessa extensa pesquisa nasceu o fotolivro The Prospect of Imortality, publicado no início deste ano pela Gost Books. As fotografias que compõem a obra tem uma precisão formal adequada ao tema, além de conseguir unir histórias de pessoas que acreditam na técnica com a apresentação de clínicas que já realizam o procedimento, que já conta com 200 participantes e mais de 2000 em lista de espera. O livro é um dos finalistas do Photobook Awards deste ano. Disponível no site da Gost Books valor R$180 186 páginas 6
livros
THE NAMING OF A RIVER de Cheng Xinhao
O
utro finalista na categoria de melhor fotolivro de estreia do Photobook Awards deste ano é The Naming of a River, de Cheng Xinhao. O livro constrói um paralelo entre uma série de pinturas da dinastia Qing sobre rios da província de Yunnan e as memórias do fotógrafo sobre o rio Panlong, localizado na mesma província. O livro, com uma delicada encadernação sanfonada, foi publicado pela Jiazazhi Press e conta com uma vasta catalogação sobre o Panlong e seus habitantes e hábitos culturais. É perceptível a profundidade da pesquisa realizada e a extensão de abordagens aplicadas pelo fotógrafo ao tema. The Naming of a River apresenta a importância do rio para a região da China, traduzindo em suas páginas a ocupação física do rio e, principalmente, as diferentes maneiras com que ele foi ocupado ao longo do tempo. Disponível no site da Jiazazhi Press valor R$140 128 páginas
7
exposição
8 detalhe de obra de Caio Reisewitz
ATERRO: EXPLORAÇÃO ONÍRICA DE UM ESPAÇO Caio Reisewitz apresenta sua primeira individual na nova sede da Luciana Brito Galeria com sua visão fantástica sobre o Aterro do Flamengo.
C
aio Reisewitz tem o controle completo sobre a paisagem. Suas fotografias constroem perspectivas e recortes que transformam espaços, os transformando em visões únicas criadas pelo fotógrafo. O controle e a precisão de cada obra criada agregam sentido a cada novo mundo apresentado em seus trabalhos. O território da vez a ser explorado nas imagens de Reisewitz é o Aterro do Flamengo, um dos mais importantes projetos paisagísticos de Burle Marx e um dos pontos marcantes do Rio de Janeiro. Em sua exploração visual, o fotógrafo apre-
9
senta um Aterro noturno, fantástico, transformado pelas cores utilizadas pelo artista. A mostra, composta por oito imagens, é um passeio onírico pelo espaço, um vagar entre cores e texturas amplificadas pela iluminação artificial do espaço, sabiamente utilizada em cada uma das imagens de Reisewitz. A exposição, que conta com curadoria de Guilherme Wisnik, marca a capacidade de construção de espaços próprios, típica da obra de Reisewitz. Depois de passar por uma intensa turnê internacional, apresentando trabalhos no ICP, em Nova Iorque, no Huis Marseille Museum voor
Fotografie, em Amsterdam, e na Maison Européenne de la Photographie, em Paris, Caio Reisewitz volta a São Paulo com este, como de costume, belo e delicado trabalho. As imensas ampliações dessa natureza onírica convidam o espectador a mergulhar ainda mais neste espaço, se deixando levar pelas cores e formas criadas.
A Luciana Brito galeria fica na Av. 9 de Julho, 5162 e Aterro seque em exibição até o dia 22 de Outubro.
especial
COLETIVOS, FOTOGRAFIA E IMAGEM Desde o início dos anos 2000 podemos observar a ampliação do número de coletivos em fotografia, muitos dos quais têm se tornado referência, ganhando destaque na cena nacional e mundial. O Valongo - festival Internacional da Imagem terá a sua primeira edição na cidade de Santos, entre os dias 12 e 16 de outubro. O evento é voltado para a discussão de fotografia, imagem e narrativas visuais. Com exposições, workshops e mesas de discussões, o encontro promete mexer com a cena fotográfica no mês de outubro. O festival chama a atenção não só pela participação de grandes nomes da fotografia nacional e internacional, mas também pela ampla pre-
sença de iniciativas coletivas. Desde o início dos anos 2000 podemos observar a ampliação do número de coletivos em fotografia, muitos dos quais têm se tornado referência, ganhando destaque na cena nacional e mundial. É claro que você deve estar pensando: mas isso não é novidade, na fotografia as iniciativas coletivas são amplas: foto clubes, agencias de fotógrafos, grupos de estudos e coisas do gênero. De fato, os Foto Clubes mais antigos
especial
datam do final do séc. XIX, mas com estrutura, foco e discussão distintos dos apresentados por coletivos fotográficos. Eles eram, e são, bom, falo “são” porque se acompanharmos alguns grupos virtuais de discussão e mesmo algumas redes sociais, fica evidente que esse modelo segue vigente na fotografia. Me arrisco a considerar como espécies de Foto Clubes grupos de discussão de redes sociais onde cada pessoa exibe suas melhores imagens. Entendo que eles funcionam como espaços de exposição de imagens e não necessariamente de discussão e construção de narrativas e poéticas. Quando falamos de espaços coletivos é interessante pensarmos questões de autoria. Nos Foto Clubes a questão da autoria é clara e a pessoa que “clicou” a imagem é o autor. Já em agências de fotógrafos - organizações criadas com o objetivo de captar e
OLD#61
difundir imagens para os veículos de comunicação – essa é uma questão bastante complexa. Aquele que realiza a imagem é o autor da mesma, mas também temos a discussão dos direitos de uso da imagem, que muitas vezes são de propriedade da agência. Nos coletivos essa questão é colocada de maneira diversa. Quando vemos uma imagem, um projeto, ou um publicação assinada por um coletivo nos perguntamos sobre seus autores. Mesmo que nestes espaços existam diferenças de pensamento e de construção de discurso, quando um projeto é realizado, normalmente é a voz do coletivo que se escuta e não a de uma pessoa em particular - ainda que por vezes esses grupos tenham um porta voz ou a maneira de assinar os trabalhos varie. Os coletivos, são, por essas e outras razões, diferentes entre si. Não são baseados na busca da “foto perfeita” ou de demonstra-
12
especial
ção de domínio da técnica, tampouco vem para brigar por direitos trabalhistas de uma determinada classe ou para comercializar a fotografia somente como produto. Nos coletivos a base é a união de indivíduos que, juntos criam discursos e constroem narrativas comuns para seus projetos. É claro que esse processo é articulado por meio das diversas experiências dos sujeitos que compõem o coletivo, que trazem suas experiências de vida e profissional para se pensar uma prática conjunta. No Valongo por exemplo, o Coletivo Garapa vai ministrar um workshop assinado pelo grupo e para entendermos seu percurso e suas práticas batemos um papo com Paulo Fehlauer, que junto com Rodrigo Marcondes, formam o Garapa. O Garapa atua no cenário nacional desde 2008, tem muitos projetos realizados no campo da fotografia e do
13
Depois de algumas conversas, o Garapa começou a desenvolver projetos que se distanciavam do fotojornalismo tradicional, voltando suas produções para uma dinâmica em que a relação estética e politica fosse parte do resultado.
audiovisual. O coletivo surgiu do encontro de três amigos, que na época trabalhavam como fotojornalistas. Depois de algumas conversas, começaram a desenvolver projetos que se distanciavam do fotojornalismo tradicional, voltando suas produções para uma dinâmica em que a relação estética e politica fosse parte do resultado. Além disso, para o grupo, a presença de uma linguagem híbrida que se destaca por conta da interlocução entre a fotografia, o vídeo, a literatura e o arquivo coloca-se como central em suas produções, como eles mesmos pontuam em seu site oficial.
Paulo afirma que todos os projetos realizados dentro do Coletivo são assinados enquanto Garapa. E mais, que o Coletivo tem uma poética e um discurso que são reconhecíveis nos trabalhos realizados e que se difere dos trabalhos autorais de seus integrantes: “A nossa proposta sempre foi que se o trabalho é feito pelo coletivo, ele é do coletivo. Até porque a gente começou a trabalhar com uma narrativa mais fragmentada com instalações, com vídeo na exposição. Não faz muito sentido assinar individualmente essas peças. A gente começou a interpretar como uma assinatura
especial
OLD#61
14
especial
do trabalho e não de cada fotografia, de cada imagem específica. Porque é isso, os trabalhos são resultado de um processo de discussão, de construção coletiva”, afirma Paulo. Paulo destaca que a construção do coletivo aconteceu de maneira orgânica: “A gente começou a conversar sobre a ideia de montar alguma coisa, não tinha uma proposta de coletivo, acho que isso foi se desenvolvendo com o tempo. A gente queria produzir, queria ir além do que o jornal pedia” O integrante do Garapa também aponta a importância de um cenário nacional que pensava essa efervescência e os encontros entre diversas pessoas que interessavam-se por discutir a questão: “Em algum momento de 2008 a gente acabou entrando em contato com o Iatã que nos apresentou o Claudi e eles estavam produzindo o primeiro encontro de coletivos
15
que teve aqui em São Paulo. Então a coisa toda foi meio se construindo nessa época. Ao mesmo tempo a gente conheceu a galera da Cia de Foto e começou a entender o que se chamava de coletivo”. Nos encontros de coletivo que aconteceram a partir de 2009 o Garapa teve a possibilidade de trocar experiências e formar uma rede de contatos internacional. Conversei também com Juan Valbuena, um dos primeiros integrantes do coletivo espanhol NOPHOTO. O grupo vem se encontrando há mais de 10 anos a partir de uma série de reuniões entre profissionais amigos desde a estreia oficial do Coletivo, em 2005 no evento Photo Espanha. O NOPHOTO tem como proposta ver a fotografia de uma maneira aberta, respeitando as particularidades de todos os envolvidos, que, segundo Valbuena, possuem origens e formação distintas entre si.
Juan, afirma que a questão da autoria é muito discutida pelo grupo, e que muitos dos fotógrafos não assinam sempre seus projetos como NOPHOTO. Ele diz que apesar deste ter sido um desejo coletivo: “nós nem sempre conseguimos assinar coletivamente os projetos. Alguns projetos sim foram muito coletivos e outros não, acabamos levando-os mais individualmente [...] Temos características muito particulares e nos obrigarmos a sempre compartilhar a autoria, não sei se seria uma boa ideia (risos)”. Valbuena mesmo, apesar de enfatizar sua participação no NOPHOTO, estará participando do Valongo com uma exposição individual chamada Noray, um projeto que dialoga diretamente com Santos e a sua localização geográfica: “Noray foi o meu primeiro projeto grande e comecei em 1999 [...]. É um projeto basicamente de viagem, de viagem no tempo, via-
especial
gem no espaço. Eu queria viajar pelo mediterrâneo, que é esse mar que separa a África da Europa e eu queria pesquisar tudo isso”. Valbuena focou parte das suas imagens em portos históricos e para ele isso faz com que a presença deste projeto na cidade portuária paulistana tenha um gosto especial. De fato, Valbuena está envolvido em diversos projetos coletivos. Além de participar do NOPHOTO ele possui uma editoria chamada phree onde lança projetos seus e de outros fotógrafos. Um dos projetos que venho acompanhando de perto no último ano chama-se DUO, uma publicação de formato fixo: 48 páginas tamanho 35x25.5 (tamanho padrão do El País, jornal de grande circulação espanhol). Cada publicação é pensada em parceria entre um fotógrafo e um escritor de maneira que imagens e textos têm o mesmo peso. A ima-
OLD#61
gem não surge para ilustrar o texto e o texto tão pouco é usado para dar suporte às imagens apresentadas. A ideia desse projeto é que essas duas linguagens sejam complementares, não dependentes e resultem em uma proposta coletiva. Outro fotógrafo com quem conversei e que estará no Festival Valongo é o colombiano Federico Ríos, que trabalha com temas sociais na América latina e participa do MAS UNO. Nos últimos 3 anos, além de sua atuação no coletivo, ele vem desenvolvendo um projeto de documentação sobre o conflito armado de seu país e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). O MAS UNO surgiu há cerca de 5 anos quando ele, Santiago Escobar-Jaramillose e Jorge Panchoaga se uniram para trabalhar em equipe, movimentar e entender como estava a cena da fotografia na Colômbia e na América latina. Em
2016 o coletivo integrou dois novos nomes: Juanita Escobar e Federico Pardo. Os fotógrafos que participam do coletivo desenvolvem produções individuais, colaboram entre si em seus projetos pessoais e também realizam projetos coletivamente. O interessante é que, segundo Federico, o coletivo serve para dar vazão a projetos mais artísticos e educativos dos integrantes que, em sua maioria, também atuam como fotojornalistas. “O trabalho em coletivo está mais focado em pensar, em produzir, mas não em termos de fotojornalismo e sim em termos de arte, de conceito, por isso a assinatura é melhor como coletivo.”, destaca o fotógrafo. O projeto que Federico levará para o Valongo chama-se “Trans Puta Mierda” que segundo o autor: “é um trabalho que fala sobre caminho percorrido, mas não como método, e sim como fim. Como andar e como
16
especial
17
18
especial
percorrer o país, como percorrer a Colômbia, em um pequeno bote, em um rio, cavalo, em um caminho com terra e lodo. Então tudo se converte no percurso como fim, pode-se dizer que é uma analise um pouco triste das distancias enormes que se tem que percorrer para chegar de um ponto a outro do país.” O trabalho tem uma carga politica intensa e a intenção de transmitir essas distancias percorridas pela população para ter acesso às instituições e à coletividade como escolas, postos de saúde, advogados e manifestações sociais. Este fato, segundo Federico, “gera fraturas no país, distancias que não são somente físicas, mas que também nos separam dos camponeses, indígenas e das comunidades mais periféricas.” Federico ainda comenta que o workshop que ministrará durante o Valongo será sobre fotografia com
19
dispositivos móveis. O autor trará para a discussão o pensamento voltado para esta plataforma e discutirá pontos como: qualidade, plataforma, a relação entre o fotógrafo e o objeto fotografado e também a forma como as imagens são publicadas. Para concluir, acredito que coletivos fotográficos são caminhos e espaços que grupos de pessoas encontraram para criar, de maneira ampla, muitas vezes orgânica, projetos visuais. Como bem apontaram Paulo Fehlauer, Federico Ríos e Juan Valbuena, esse processo envolve uma série de discussões e negociações entre seus integrantes, expandindo os limites individuais e ampliando as possibilidades de resolver determinados “problemas” criativos. A presença intensa de coletivos e seus integrantes no Valongo não deve ser vista como uma coincidência já
que, Iatã Canabrava, um dos idealizadores do festival é também uma das pessoas que incentivou a emergência e consolidação deste tipo de organização por meio da pioneira organização dos encontros entre coletivos fotográficos. Este evento trará não apenas a presença destes grupos, mas a possibilidade de ampliar a discussão sobre imagens na contemporaneidade.
por Pedro Vieira
portfólio
TUANE EGGERS [in]versões de mim
T
uane Eggers volta às páginas da OLD com seu novo trabalho [in]versões de mim. Os estilo onírico, ligado fortemente à interação entre o corpo e a natureza permanece, mas nesta nova série, Tuane se coloca como personagem, lidando com o autorretrato e com os seus desejos de representação visual. Mais uma vez, a fotógrafa apresenta um projeto delicado, de fina execução e com uma poética riquíssima.
portfรณlio
OLD#61
22
tuane eggers
Tudo está vivo, tudo respira, tudo é o Tuane, esta é a segunda vez que você apresenta seu trabalho na OLD. O que mudou na sua produção entre aquele primeiro momento e agora? Acredito que a minha produção aconteça de forma mais orgânica, sem ser tão voltada a projetos ou ensaios com temas bem delimitados. Tenho alguns assuntos e interesses que me acompanham há muito, e entre eles estão os autorretratos, que são a forma como comecei a me interessar por fotografia - e que continuo fazendo ao longo desses anos, embora em ritmo mais lento. Desde a primeira vez que apresentei meu trabalho por aqui, sigo vivendo e fotografando as belezas que me acontecem, que me tocam e que me movimentam. Entre as produções
23
recentes que posso citar, está a feitura do meu segundo fotolivro artesanal, Impermanência, e também um videoclipe para a banda Oto Gris, no qual muito da minha estética fotográfica também está presente, como no caso das sobreposições. Nos conte um pouco sobre a produção de [in]versões de mim. São autorretratos que fiz ao longo dos últimos anos, que mesclam imagens digitais e analógicas. Como sempre fui um tanto tímida, era mais fácil eu ser o meu próprio assunto fotografado, já que sempre gostei de retratos. Praticamente todas as imagens foram feitas no meu quintal, na casa em que moro ainda hoje, espaço em que me permiti criar e me rein-
mesmo ser - ainda que em constante impermanência. ventar nas minhas imagens. Meu jardim é um universo. Você mantém a relação muito próxima entre personagem e natureza neste trabalho. Porque você decidiu optar pelo autorretrato neste ensaio? Acho que a natureza sempre foi um tema muito presente no meu trabalho, porque considero algo fascinante e ainda há muito a ser descoberto ou redescoberto, já que perdemos, ao longo do tempo, tanto conhecimento sobre a natureza que tinham nossos ancestrais. Mesmo assim, acredito que não devemos pensar que não so-
portfólio
OLD#61
mos parte dela. Tudo está vivo, tudo respira, tudo é o mesmo ser - ainda que em constante impermanência. Há uma importância maior para personagem ou espaço nesta série ou você vê o dois com a mesma importância? Acredito que os dois tenham a mesma importância. Mesmo que a minha intenção no momento de fotografar tenha sido o registro da personagem (no caso, eu mesma), é sempre um corpo inserido em um espaço (no caso, o quintal da minha casa), com diferentes interações. Ainda que a personagem e o espaço sejam os mesmos, são sempre outros. A fotografia analógica é parte integrante da sua produção? Você se vê produzindo ensaios usando outras técnicas visuais?
Eu comecei a fotografar com câmeras digitais e conheci o universo analógico há alguns anos. Confesso que me encantei e não tenho mais tanta vontade de fotografar com digital. Acho que aprendi a me relacionar com outro tempo na fotografia, pois com imagens digitais eu satisfazia o meu desejo de criar imagens no momento em que elas eram feitas. Com a fotografia analógica, aprendi a lidar com a minha ansiedade e com a surpresa de rever as imagens em outro momento - e criar carinho por elas, mesmo que não ficassem do jeito que eu imaginava. Mesmo assim, gosto muito de experimentar outras técnicas e não considero a fotografia analógica definitiva no meu trabalho. Espero estar sempre aberta a outros universos.
24
tuane eggers
25
portfรณlio
OLD#61
26
tuane eggers
27
portfรณlio
OLD#61
28
tuane eggers
29
portfรณlio
OLD#61
30
tuane eggers
31
portfรณlio
OLD#61
32
tuane eggers
33
portfรณlio
OLD#61
34
rafael martins
35
portfรณlio
OLD#61
36
tuane eggers
37
portfรณlio
OLD#61
38
tuane eggers
39
portfรณlio
OLD#61
40
tuane eggers
41
portfólio
PAULA MARFERRA Identidades
P
aula Marferra explora as conexões entre fotografia e memória na sua série Identidades. Ao visitar pessoas que mudaram de cidade ou país e estão há muito anos longe de casa, ela faz uma busca visual em torno da saudade e daquilo que constrói nossa identidade. São retratos delicados, que mesclam técnicas fotográficas e nos trazem uma pequena entrada para a construção da história de vida de cada um destes personagens.
portfรณlio
OLD#61
44
paula marferra
Gosto de pensar a Fotografia como Paula, como começou seu interesse pela fotografia? No terceiro ano de faculdade fiz meu primeiro trabalho em fotografia analógica, foi onde meu interesse surgiu. Meses depois, comprei minha Pentax K-1000, alguns rolos baratos e comecei fotografar. Ao mesmo tempo passei a ler e estudar a parte teórica, e continuo assim desde então. Nos conte sobre o desenvolvimento da série Identidades. “Identidades” começou quando fiz meu trabalho final da graduação. A ideia era pesquisar a relação entre a Fotografia e a Memória, e como uma influenciava a outra para criarmos nossa noção de identidade. Para isso, quis visitar as casas de pessoas que
45
estão há muitos anos longe da cidade/país onde nasceram, para, no fim, fotografá-las ali. Esperava que esse contato pudesse me ajudar a compreender o papel que a memória afetiva de objetos e fotografias cumpre na formação e manutenção da auto -imagem. Assim começou a primeira etapa do projeto, em São Paulo, com um amigo vindo de Aracaju e três pessoas que eu pouco conhecia vindos de Uruguaiana, João Pessoa e Portugal. Assim que me formei, fui a Buenos Aires e tive a ideia de repetir esse processo de vivência com alguém que morasse na cidade, porém que não fosse nascido lá. Pelas redes sociais, entrei em contato com uma menina que topou ser fotografada por mim na própria casa. Des-
objeto perecível, onde está contida a memória do objeto fotografado sa vez, o processo foi diferente, pois eu de fato fiquei hospedada lá. Dessa forma, nasceu um novo método de trabalho muito mais eficiente, já que a convivência diária me permitiu criar um novo tipo de intimidade, mais intensa e honesta. Alguns meses depois quis refazer esse processo, e fui ao Rio de Janeiro, onde passei uma semana dormindo alternadamente na casa de duas meninas que moravam na mesma rua, com quem fiz contato através de uma amiga. Por enquanto, “Identidades” está em fase experimental. Foram processos ligeiramente diferentes com cada pessoa
portfólio
que resultaram em uma série com bastante coerência. O objetivo é ir em frente com o projeto, então no momento estou me organizando para conseguir ir para as próximas cidades. Porque você escolheu produzir algumas imagens com antotipia? Como esta técnica se relaciona à proposta do trabalho? Eu gosto de pensar a Fotografia como objeto perecível, onde está contida a memória do objeto fotografado, bem como a do fotógrafo. Todas as fotos que compõem “Identidades” foram feitas em filme 35mm, e algumas foram impressas em Antotipia - que é uma técnica secular onde a foto é impressa a partir de matérias orgânicas e nunca para o processo de revelação, ocasionando o sumiço da ima-
OLD#61
gem após algum tempo. Ou seja, todo o resultado do trabalho é material, está suscetível às ações do tempo. Da mesma forma, funciona a nossa memória e a nossa percepção da identidade. Nada resiste ao tempo físico, a mudança é inerente à tudo, até mesmo à ideia que temos sobre nós mesmos. Esse pensamento influenciou o trabalho e me motivou a torná-lo uma coleção de fotografias que daqui a algum tempo deixarão de existir. Você produzia os retratos após um período curto de intimidade com seus retratados. Como você buscou contar esta história em suas fotografias? Eu não busco contar histórias com as minhas fotografias. Pelo o contrário, encaro o meu trabalho muito mais como um registro dessa intimidade criada, uma tradução imagética do
que apreendi de cada pessoa. “Identidades” é produzido pelo viés da fotografia documental, gosto de deixar claro nas fotografias que se trata mais da busca pela identidade nas convivências e relações interpessoais, do que da criação de narrativas. Existe uma crítica travestida no projeto que diz respeito ao lugar da identidade e da individualidade na Fotografia. É comum que a mesma acabe suprimindo a essência identitária dos objetos fotografados, tornando-os figuras anônimas ou alegorias, e é esse exercício que me propus a romper. O que busco na minha fotografia é retratar quem eu era e quem eram aquelas pessoas no momento em que convivi com elas. Tão e somente isso.
46
paula marferra
47
portfรณlio
OLD#61
48
paula marferra
49
portfรณlio
OLD#61
50
paula marferra
51
portfรณlio
OLD#61
52
paula marferra
53
portfólio
SUE-ELIE ANDRADE-DÉ Parmi les corps qui se forment
S
ue-Elie Andrade-Dé é uma fotógrafa e curadora francesa, que vive em São Paulo desde 2013. Nesta edição da OLD, Sue apresenta uma série fotográfica que explora a relação entre os corpos e os espaços que eles habitam. Parmi les corps qui se forment é uma exploração fantástica de estruturas visuais improváveis, entre corpos humanos, natureza e ambiente urbano. A série se coloca também como um belo exercício formal de construção de uma sequência visual, apresentando diversas maneiras de se construir associações entre as imagens que compõem o trabalho.
portfรณlio
OLD#61
56
sue-elie andrade-dé
Minha vontade é que as imagens Sue, como começou seu interesse pela fotografia? Comecei a me interessar por fotografia na adolescência, o poder das imagens sempre me fascinou. Elas tinham a capacidade de conter fantasmas, além de abrir memórias. Na época, gostava de fotografar meus amigos e nossos segredos para nunca esquecer daquilo que vivíamos juntos. Mas foi realmente na faculdade que comecei a me aproximar da fotografia stricto sensu. Estava cursando Artes Plásticas na Sorbonne em Paris quando comecei as aulas de fotografia. O que mais me interessava na época era a parte do processo químico, porque tinha algo de mágico e incontrolável, esse lado incerto do que o filme poderia revelar
57
era uma espera que me agradava. No começo, eu via a fotografia como um resultado e não como um meio, foi quando comecei a estudar o trabalho de alguns fotógrafos como Antoine d’Ágata, Joël Peter-Witkins e Sarah Moon, para citar só alguns, que comecei a entender o que era fotografar; podia ser uma escolha, podia ser uma forma de se colocar no mundo ou de inventar histórias, e era tanto um ato de colocar como de tirar, mas o certo era que não era prova nenhuma de realidade alguma. Nos conte sobre a criação de Parmi les corps ... Parmi les corps ... (Entre os corpos...) parte de um conjunto que eu chamo L’enveloppe des corps (O envelope
conversem entre si de forma livre e alterável dos corpos). É um conjunto no qual questiono a relação dos corpos entre eles e a relação do corpo com seu entorno e de como podemos “estar” no mundo, de como existimos e interagimos com o mundo. Aqui a noção de “corpos” é plural e trata tanto do corpo do ser humano como do corpo das coisas, sendo estruturas mais ou menos concretas. As palavras sempre têm seu limite de significado, e a Fotografia age para mim como uma linguagem que explora e expressa o mundo de outra forma. Trata-se de um trabalho poético de observação que comecei em 2013, quando che-
portfólio
guei em São Paulo. Fotografo diariamente, sem projeto predefinido, portanto minhas produções sempre estão muito relacionadas ao meu dia a dia ou ao que estou sentindo num determinado momento. Consequentemente, meu processo é bastante lento, demora para eu mesma entender o que estou procurando. Às vezes é evidente, mas às vezes preciso conviver com as imagens durante um bom tempo para entender o que estou tentando dizer. O que posso dizer é que sempre tento abstrair de alguma forma a “realidade”, busco olhar de outra forma o que está ao meu redor. Parmi les corps... é o mapeamento abstrato da minha experiência de vida no Brasil. A minha mudança para cá foi uma transição brusca, cheia de altos e baixos e ainda considero enigmática a minha atração pela cidade. Então tentei “fossilizar” com a Fotografia algumas formas de re-
OLD#61
sistências e impermanências que estiveram presentes durante esses três últimos anos para tentar definir e entender esse espaço no qual evolui. Durante esses três anos o Brasil tem vivido uma crise política e social sem precedentes, a juventude tem se organizado para revendicar seus direitos, exigir uma maior justiça social e, especialmente, para evitar o retorno da ditadura militar. Muitas manifestações feministas, estudantes e populares estão rolando e constitiuem um ponto de viragem na história do Brasil, incorporando assim a luta por uma maior igualdade de oportunidades e o respeito pelo outro. O projeto “Parmi les corps...” foi desenvovlido nesse contexto. O título da série é inspirado no começo do livro Le traité des pierres (O tratado das pedras), de Théophraste, obra que cataloga e descreve todos os tipos de pedras e minerais que existem na Terra. Achar
um título para mim é sempre muito importante, ele tem que dar pistas mas sem entregar soluções. Aqui, o título funciona como uma premissa que irá listar vários elementos. Como você pensou a construção da sequência e da narrativa para esta série? A minha ideia é concretizar o projeto em um livro, então pensei bastante nesse formato quando criei a sequência entre as fotos. Mas minha vontade é que as imagens conversem entre si de forma livre e alterável, não quero que exista uma narrativa linear com um começo, meio e fim, até porque não se trata de contar uma história, mas de criar fricções e proporcionar encontros inusitados entre as imagens. A sequência, de modo geral, busca contrapontos entre
58
sue-elie andrade-dĂŠ
59
portfรณlio
OLD#61
60
sue-elie andrade-dé
fragilidade e aspereza, entre realidade e ilusão. O jogo por vezes está nas aproximações formais ou de conteúdo, e por vezes é o ponto de vista da imagem que anuncia a próxima, é como se tivesse um fio invisível entre elas, sendo a luz e as texturas denominadores comuns. Apesar de serem instantes que nunca coexistiram, tento dar a ilusão de uma convivência colocando-os no mesmo plano, num mesmo sentimento. Qual o papel do fantástico na sua criação visual? Para mim, o fantástico existe potencialmente em todas as coisas, basta você ter um pouco de imaginação. No meu caso, meus projetos são sempre o reflexo do que acontece na minha vida ou de um posicionamento sobre o mundo, mas a fotografia ajuda a criar um distanciamento, um filtro que me permite “poetizar” a realida-
61
de e olhar para minhas experiências com um olhar mais neutro. Gosto de pensar que o fantástico no meu trabalho é essa indeterminação entre o real e a ficção, o que o trabalho pode falar sobre o mundo e o que é simples ilusão. Você tem uma vivência bastante multicultural, entre Europa e Brasil. Como esse fato marca a sua fotografia? Cada país tem seu jeito de olhar, ver e mostrar. É algo cultural. Não saberei muito bem explicar como o fato de ter morado em países diferentes marca minha fotografia, mas com certeza marca minha personalidade. Acho que crescer na Europa formou minha cultura visual e morar no Brasil me ajudou a desconstruir certos padrões que eu tinha adquirido. O que senti aqui no Brasil no começo foi uma dificuldade de sair para a rua fotografar, era muita informação, fi-
quei um tempo sem fotografar, só observando. Eu, que tinha o costume de fotografar paisagem e espaços abertos, acabei me reaproximando das pessoas, fotografando mais meu cotidiano, passei a olhar mais para dentro, mesmo fora de casa. Acontece também que minha confusão para me expressar em português às vezes acaba se refletindo no meu trabalho, sempre sinto uma frustração em não conseguir expressar exatamente o que eu quero, por isso que fotografo, para me comunicar. Mas, ao mesmo tempo, gosto dessa dificuldade, porque ela cria possibilidades múltiplas de interpretação deixando espaço para o outro se projetar.
portfรณlio
OLD#61
62
sue-elie andrade-dĂŠ
63
portfรณlio
OLD#61
64
sue-elie andrade-dĂŠ
65
LAIA ABRIL OLD entrevista
entrevista
Laia Abril e sua exposição On Abortion foram o grande destaque do Festival de Arles deste ano. A produção de Laia, sempre ligada a temas muito sensíveis, tem um controle profundo da construção de narrativas e da edição em fotografia, algo essencial na produção contemporânea na área. Laia está no Brasil pela primeira vez para participar do Valongo, trazendo uma apresentação sobre On Abortion e seus outros incríveis trabalhos. Conversamos com ela para saber um pouco mais de sua trajetória e de seus expectativas para sua passagem pelo Brasil. Laia, como começou seu interesse pela fotografia? Eu estava estudando jornalismo e na metade do curso, mais ou menos, uma das minhas professoras, que era uma fotógrafa de guerra, começou
OLD#61
a me apresentar nomes clássicos da história da fotografia. Ela também me apresentou figuras como Txema Salvans e Oliviero Toscani, que trabalhou à frente da criação visual da Benetton, que acabaram influenciando bastante em minha carreira, principalmente Toscani, por minha experiência na revista Colors. Esses foram os primeiros contatos que tive com a fotografia, mas foi só no final da graduação que decidi me dedicar mais a ela. Na realidade, fotografia nunca foi um hobby para mim. Sempre tive interesse em comunicação e storytelling, mas não sou aquele caso típico de ganhar a câmera de presente. Meu interesse pela fotografia é em usá-la como uma ferramenta para me ajudar a contar histórias. É isto que me encanta neste processo.
A passagem pela Colors foi um marco importante na sua carreira? O que você leva em sua produção que saiu de lá? A Colors foi uma escola. Eu estudei jornalismo e segui me autoformando e me formando nas mais diversas maneiras, mas realmente a Fabrica foi minha escola, na qual aprendi sobre creative thinking, teamworking e, além disso, na Colors, junto com Ramon Pez, desenvolvemos um método de trabalho que até hoje emprego em quase todos os meus projetos, especialmente meus livros. A maneira de trabalhar da Colors está impregnada no meu DNA. Uma forma dinâmica de trabalho, baseada no conceito, na ideia, no brainstorming, basicamente fazer todo o possível para que o resultado final do que está criando seja coerente e que seja sempre o máximo que você pode oferecer. Levo isso
68
laia abril
69
entrevista
OLD#61
não só profissionalmente, mas também na minha vida. Passei cinco anos vivendo e trabalhando por lá e muitos da equipe da Colors são grandes amigos, companheiros de trabalho e inspiração até hoje. Você costuma trabalhar com o diretor de arte Ramon Pez. Como trabalhar em um duo altera a dinâmica do seu trabalho? O que é mais proveitoso dessa estrutura de trabalho? Como te disse, Ramon também vem da Colors, então esse conceito de teamwork é algo básico na maneira com que trabalho. Isso não é somente com Ramon, porque quando falamos de teamwork falamos de todas as etapas de produção: o publisher, o impressor, o distribuidor, etc. é o fato de ter sempre em mente que tudo o que você cria não é feito sozinho, nem um livro, nem uma exposição,
70
laia abril
nem mesmo as suas próprias fotografias. Assim, no lugar de ver isso como um problema, ou uma simples característica, você começa a ver essa equipe de produção como uma vantagem dentro do processo de criação. Talvez por não ser a “típica” fotógrafa ou não vir desta escola, de paixão pela fotografia, não gosto nenhum um pouco de trabalhar sozinha. Uma das boas coisas da Colors foi que todos aprenderam sobre outras áreas de trabalho. Eu entendo de design, de escrita, de edição de vídeo, de ilustração. O fato de entender o trabalho do outro faz com que a colaboração seja muito mais fácil, você não só sente empatia por quem está trabalhando, mas também encontra pontos em comum no que os dois fazem. Por isso é sempre bom trabalhar com especialistas em suas áreas, ninguém pode ser bom em tudo. Ter interesse nessas outras
71
áreas também é essencial, para tentar entender todo o processo de criação. Você é uma fotógrafa que presa muito pela edição e pelo storytelling em um projeto. Você vê essa construção como uma etapa chave na criação de um trabalho fotográfico? Para mim, na maneira com que configuro a fotografia, a edição e a narrativa não são algo distinto do processo fotográfico, ou seja não é nem mais nem menos importante, é o mesmo processo. Trabalhei como editora durante muitos anos e uma coisa é editar uma revista, na qual você faz uma composição de muitos trabalhos e conceitos, vindo de escritores, fotógrafos, nesse momento é necessário alguém que dê sentido a tudo isso. Agora, quando há fotógrafos que tem muita dificuldade em editar seus trabalhos fico muito surpresa, porque
para mim a parte de edição é o que dá mais voz ao seu próprio trabalho, mais até do que as próprias imagens. No meu trabalho, que é mais conceitual e menos estético, eu já fotografo pensando na narrativa que quero criar, não faço fotos e depois faço a edição. Esse processo ocorre ao mesmo tempo em que fotografo. Claro que há momentos em que você encalha e precisa de uma visão externa que te ajude - algo que eu também faço, ajudando outros fotógrafos mas a construção narrativa para mim é o que diferencia um trabalho interessante de outro não tanto. Seu trabalho está profundamente ligado a questões de gênero, especialmente com temas ligados à saúde da mulher. Como você delimita seus histórias? O que te fez escolhê-las? Na verdade, quando comecei a de-
entrevista
senvolver temas mais pessoais como estes, foi um processo bastante intuitivo. Sabia que havia algo que me interessava neste campo, mas não sabia muito bem o que era. Com certeza era algo ligado à proximidade dos temas a mim e à minha capacidade de ter empatia. Com os anos percebi que não documentava, mas sim transformava coisas, ou seja, há um processo de documentação, de investigação, mas me interessa pegar essa realidade e transformá-la em algo diferente. Então, os temas que eu trato são temas pessoais, que me tocam, às vezes de maneira mais ou menos profunda, mas posso me identificar com todos, de uma forma que crio uma empatia com os personagens e com o tema e isso me permite transformá-lo em algo diferente. Normalmente lido com questões incômodas, que nin-
OLD#61
guém quer abordar, que são tabus, que não se entende bem, que são perseguidas e ao criar um conceito e transformá-las em algo novo de certa maneiro trago uma luz para estas questões. Nos conte sobre o processo de criação de Thinspiration. Como foi sua entrada nesse mundo? Thinspiration foi um projeto muito importante. Eu já sabia da comunidade de meninas desde os anos 2000 [este trabalho é baseado em comunidades de meninas pró-anorexia] e já conhecia o movimento thinspiration e sabia que era algo complexo e que teria que investigar. Quando comecei a investigação entre 2010 e 2011, ainda não tínhamos telefones com câmeras e as câmeras que tínhamos em geral não eram muito boas. Além disso, o conceito de selfie ainda não era dis-
seminado como é hoje. Percebi que essas meninas estavam se fotografando e isso foi um choque muito grande, ainda mais de forma tão massiva. Isso acabou rompendo a estrutura mental que eu tinha, de que com a fotografia eu poderia salvar o mundo. Neste momento ocorreram diferentes rupturas, por um lado essa, de que eu acredito que a fotografia pode ajudas as pessoas e essas pessoas estão usando a fotografia para se infligir um mal, por outro lado, não sabia como fotografar o que faziam essas meninas, se o que eu queria mostrar era o que elas estavam fazendo. A melhor maneira que me ocorreu de fotografar esse movimento foi usar as imagens que elas estavam produzindo. Tive muita liberdade para fazer este trabalho, mas também muita pressão porque não sabia se era a melhor maneira de abordá-lo, além
72
laia abril
73
entrevista
OLD#61
74
laia abril
de questões éticas, de como encarar essas imagens... Foram rupturas de muito tipos. Nesse momento ficou muito claro para mim que de ali em diante que em todos os projetos que realizasse eu tentaria empregar a forma mais adequada de acordo com a temática. Porque se eu tivesse simplesmente fotografado essas meninas em sua casa, nunca teria conseguido explicar o que estava acontecendo, que era uma atrocidade visual. Você lida com algum tipo de apropriação de imagem em quase todas as suas séries. Como este processo te ajuda na construção das suas narrativas? Minha faceta como editora, que me deixa bastante cômoda ao usar e trabalhar com material que não foi primordialmente criado por mim. Em The Epilogue a apropriação foi a
75
porta que abriu o projeto para mim, seria a maneira de contar a história desta menina, usando materiais e memórias dela. Por ela já ter falecido, eu só podia fotografar o ambiente em que ela havia vivido, a visão que pessoas próximas têm dela e as fotografias e materiais de arquivo trariam a sua voz para o trabalho. Em On Abortion também há material de arquivo, histórico, além de imagens refotografadas, eu já não separo esse processo da minha obra. Eu não faço mais ou menos fotos, eu faço o projeto como um todo. Mesmo que eu tenha feito a foto, não a crio sozinha, sei que há muita gente ao meu redor que contribui para a criação de cada imagem. Eu penso que só quero fazer fotografias quando o fato de fazê-las melhora a história. Se há algo já feito que é mais eficiente para a minha história, uma
imagem, um texto, uma ilustração, não tenho porque fazer mais fotografias. Em The Epilogue você passa de uma visão mais geral sobre um tema, como em Thinspiration e Tediousphilia, e se concentra na história de uma personagem específica. Como foi a experiência de produzir este trabalho, de estar tão imersa na vida da família de Cammy? Foi incrível. Tive muita sorte na maneira como fui acolhida pela família de Cammy e como eles se envolveram com o projeto. No final das contas, este projeto é tão meu quanto deles. Foi uma história muito particular, a morte é o tema mais complexo quando se fala de transtornos alimentares e sentia uma responsabilidade muito grande em contar a história de vida de alguém que eu não conheci. Tinha muito cuidado ao escolher os
entrevista
materiais, sempre muito honestos, que a família me trazia. Também tinha que estar atenta a opinião que o leitor poderia formar sobre o que tinha acontecido naquela família, foi um exercício narrativo super importante, trazendo textos e objetos para dentro desta história. Já comecei o projeto pensando no formato do livro, já montava estruturas até antes do processo de criação. Essa foi uma história que mudou a minha vida e foi um desafio muito grande. Sinto que cada projeto acaba por abrir as portas para o próximo, buscando uma abordagem nova, um novo ângulo, saindo sempre da sua zona de conforto. The Epilogue é um projeto pelo qual eu tenho um carinho enorme, foi uma experiência de vida muito interessante, sigo em contato com a família de Cammy e sinto que é um projeto que também não
OLD#61
chegou ao seu fim, tenho bastante material em filme e atualmente estamos tentando fazer um webdoc para completar essa narrativa. Você voltou seu olhar para a misoginia, cobrindo o tema de forma sistemática e ampla, começando pelo aborto. Nos conte sobre essa primeira etapa de produção e sobre o que você está planejando para os próximos capítulos da série. Além dos projetos que já comentamos aqui, também tenho uma série de outros trabalhos - como Tediousphilia e The Assexuals Project - que lidam com o tema da feminilidade e da sexualidade em diferentes âmbitos, mas era algo que não estava estruturado. Então A History of Misogyny aparece como um processo natural, encaixando estes trabalhos já realizados como uma “pesquisa” que
leva minha produção até este ponto, no qual quero fazer um projeto sobre este tema com um peso, uma estrutura mais sólida. Ainda não sei quantos capítulos serão, talvez três, talvez cinco, e On Abortion não era para ser o primeiro deles, mas recebi o convite para expor em Arles neste ano e com isso tinha que ter tudo pronto em menos de nove meses. Estou muito feliz de ter aceitado o convite e foi uma loucura produzir tanto em tão pouco tempo. É um projeto que tem uma etapa de pesquisa muito grande e tive que produzir e construir o conceito ao mesmo tempo. Foi super complexo e estou super feliz com o resultado. Ano que vem também apresento uma série exclusiva de imagens de On Abortion e também lanço um livro sobre o tema. Com tantas coisas acontecendo ainda não definimos
76
laia abril
o próximo capítulo, sequer o título dele, mas com certeza é um projeto que vai tomar muitos anos e que cada capítulo será completamente diferente do anterior. Não é uma série de fascículos, mas sim uma maneira de estruturar um discurso, tentar tocar temas, tabus, que pensamos serem problemas do passado, mas que ainda acontecem hoje e que ao fazer essa comparação entre presente e passado percebemos a sua importância nos dias de hoje. Você vem para o Brasil em Outubro, para participar do Festival Valongo. O que você está esperando dessa viagem? O que você pretende apresentar no festival? Estou muito contente e ansiosa porque nunca estive na América do Sul, nunca fui ao Brasil e tenho muitos amigos daí e estou muito feliz de es-
77
Mesmo que eu tenha feito a foto, não a crio sozinha, sei que há muita gente ao meu redor que contribui para a criação de cada imagem. Eu penso que só quero fazer fotografias quando o fato de fazê-las melhora a história.
tar mais perto deles por um tempo. Também estou feliz com esta troca de ares, poder conhecer novas pessoas, novos olhares, fotógrafos locais, conhecer um pouco do que está sendo criado hoje no Brasil. Para a apresentação, estou bastante animada para falar de On Abortion, até porque o Brasil faz parte do projeto e é um local definitivamente importante para falarmos deste tema. Se tiver tempo, também adoraria falar dos outros trabalhos, mas será a
primeira vez que falarei do tema depois do Festival de Arles, fora do contexto da exposição, e já estou pensando em como estruturar o discurso e a apresentação neste formato. Por ser um tema tão complicado, um projeto com tantas camadas, tenho que pensar muito bem em como apresentá-lo para um público que não está familiarizado com as imagens, então estou muito animada com todos esses desafios e encontros!
portfólio
OSCAR DHOOGE Los Altos km de Bariloche
O
scar Dhooge tem um interesse particular pela construção de narrativas documentais, trazendo questões de impacto social, usando a fotografia como agente transformador. Dentro desta perspectiva, Los Altos Kms de Bariloche apresenta as desigualdades sociais de um dos principais polos turísticos argentinos. Com uma visão pessoal forte, Dhooge explorou os bairros mais humildes da cidade em busca de fotografias que pudessem ajudar a expor e possivelmente reverter essa situação.
portfรณlio
OLD#61
80
oscar dhooge
Utilizando a fotografia como meio de Oscar, como começou seu interesse pela fotografia? Quando eu era criança, os velhos negativos de médio formato dos meus avós e as fotos das viagens ao Oriente Médio de meu pai já me intrigavam. Depois disso passei por um período de estudos solitários com câmeras analógicas e oficinas de fotografia que culminou na decisão de estudar fotografia documental, depois vídeo e multimídia para poder completar o ciclo narrativo do chamado storytelling. Como sempre estive interessado no alcance humano das histórias, na memória histórica e na desigualdade social, fazer projetos documentais de longo prazo se tornou uma necessidade. Vejo a câmera como mais uma ferramenta, uma
81
forma peculiar de entender a relação e a comunicação com o entorno e o espectador final. Para usar uma citação de Eduardo Momeñe (fotógrafo, professor e teórico da fotografia): Um documentarista contemporâneo vá ao lugares quando não há nada para ver, mas muito para refletir sobre os ditos lugares. Nos conte sobre a criação de Los Altos Kms de Bariloche. É preciso dizer que Bariloche é conhecida basicamente como um destino muito turístico na Patagônia Argentina. Mas Bariloche também é Vuriloche, caminho que os antigos habitantes utilizavam para cruzar a cordilheira dos Andes e um polo histórico de migrações internas.
expressão, tenho a possibilidade de intervir na realidade Na parte mais alta da cidade, oculta aos olhos dos turistas e desconhecida de grande parte da sociedade, se estende uma zona de bairros que abriga milhares de pessoas e que é notícia pelo alto índice de pobreza, desemprego e precariedade social. Antes da minha primeira visita em 2013, li sobre um assalto geral a alguns supermercados na parte alta dessa pequena cidade e isso chamou minha atenção imediatamente. Depois da minha chegada, queria ver esses pontos e seus arredores. Era evidente que à primeira vista, havia mais em jogo do que um simples as-
portfólio
salto. Fiz várias fotografias e já comecei a planejar a continuação do trabalho para me aprofundar no tema. No ano seguinte, busquei algumas organizações sem fins lucrativos que trabalhassem na região. Me encontrei com o Grupo Encuentro, que está trabalhando há mais de 25 anos com crianças e adolescentes dos bairros estigmatizados. Em Maio de 2014 documentei, com vídeo e fotografia, durante uma semana inteira o trabalho desses educadores sociais. Agora, estou finalizando uma versão multimídia, tipo webdoc. Ou seja, Los Altos Kms foram para mim a desculpa para poder trabalhar com mais profundidade a questão da desigualdade em Bariloche. No final, a transformei no trabalho fotodocumental: Los Pibes de Vuriloche.
OLD#61
Como você buscou construir a oposição entre os bairros ricos e mais humildes na série? Como tenho família que vive na região e sempre escutei suas histórias e observações sobre essa relação de vizinhança, me pareceu interessante explorar esta zona fronteiriça – o chamado “Terrain Vague” – entre El Alto, uma zona muito humilde, e Los Kilómetros, uma extensão de bairros de classe média. Fisicamente há muitos pontos visíveis nos quais contrasta a relação entre Al Alto e Los Kms. Por ali caminhei e tentei mostrar a ambiguidade de uma Bariloche difusa e precisa, fantasmagórica e verdadeira, na qual a estigmatização e a desconfiança estão sempre presentes. Além disso, as verdadeiras histórias se encontram atrás das paredes de ladrilhos ou de chapas baratas e ma-
deira, fios conectados, arame farpado e cachorros latindo. Para você, qual a importância de apresentar históricas de forte caráter social? Como fotógrafo e comunicador visual me interessa fazer as pessoas conhecerem novas histórias, criar consciência social e sensibilizar sobre situações que existem, mas se mantém ocultas. Dessa forma, utilizando a fotografia como meio de expressão, tenho a possibilidade de intervir na realidade em que estão esses coletivos. Acredito firmemente que a narrativa visual pode modificar a percepção sobre como vemos o mundo, informar e criar uma mentalidade pró ativa para mudar esta realidade de alguma forma.
82
oscar dhooge
83
portfรณlio
OLD#61
84
oscar dhooge
85
portfรณlio
OLD#61
86
oscar dhooge
87
portfรณlio
OLD#61
88
oscar dhooge
89
portfรณlio
OLD#61
90
tuane eggers
91
portfรณlio
OLD#61
92
oscar dhooge
93
portfรณlio
OLD#61
94
oscar dhooge
95
portfólio
RICARDO DE ABREU NEVES O Arquipélago
O
Arquipélago surge com o desafio de encontrar inspiração artística dentro do próprio ambiente de trabalho. Ricardo de Abreu Neves cumpriu com a tarefa ao encontrar detalhes, texturas e cores dentro do escritório de TI no qual trabalha. O Arquipélago encontra nos detalhes o caminho para apresentar não só a realidade deste ambiente de trabalho, mas também suas possibilidades visuais e criativas, transformando um ambiente frio em uma série de fotografias transformadoras, que quebram com a expectativa do observador.
portfรณlio
OLD#61
98
ricardo de abreu neves
Passei a pensar antes as imagens Ricardo, como começou seu interesse pela fotografia? Provavelmente por influência do meu pai, desde cedo gostava de fotografar e ver imagens. Quando, ainda adolescente, mudei do interior do Rio Grande do Sul para a capital e tive condições de fazer alguns cursos de fotografia e me interessei pelos aspectos técnicos e a produção de imagens “bonitas”. Durante muitos anos fotografava somente minhas viagens e algumas poucas coisas que me interessavam, mas sem qualquer intenção. Só recentemente, cerca de 6 anos atrás, comecei a estudar a fotografia como linguagem e a utilizá -la como forma de expressão. Nos conte um pouco sobre a criação de
99
O Arquipélago. O trabalho surgiu com um desafio do Marco A.F. do Grupo de Estudos em Fotografia, que participo, para que eu fotografasse meu ambiente de trabalho. Inicialmente, não conseguia imaginar o que me interessaria no ambiente em que convivo há mais de 15 anos. Um ambiente de TI “normal” dentro de um órgão público. Comecei a fotografar em finais de semana, quando ficava só, dentro da TI buscando o que me despertaria atenção. Primeiro vieram as mesas e objetos, depois os equipamentos. Aí já conseguia identificar as possibilidades plásticas do ambiente com as imagens mais frontais. Quando comecei a fotografar o prédio e os cabos este estudo tornou-se mais claro,
que gostaria de produzir e já sabia onde encontrá-las primeiro com a identificação de padrões e da abordagem visual e depois com as sensações do que as imagens me passavam. Um ambiente monótono cheio de beges em contraposição ao mundo extremamente colorido dos cabos, o que particularmente me levou a questionar como eu realmente via o meu emprego. Finalmente, fiz o mergulho no mundo digital entrando nas telas dos computadores e nas placas de circuito integrado e suas interfaces, por onde passam as informações que produzimos ou armazenamos. O percurso de todas estas etapas não acon-
portfólio
teceu de modo pré-concebido, um assunto foi se somando aos outros e o próprio entendimento do trabalho foi mudando com o passar do tempo e a produção de novas imagens, até culminar com a composição do panorama que a série apresenta. Em que, acredito eu, muitos discursos são possíveis. Qual o papel da exploração, da “caça” por imagens na produção desta série? Esta é uma questão interessante, porque este papel foi mudando à medida que o projeto foi evoluindo. No princípio, apesar do espaço investigado ser claramente demarcado e conhecido, a busca pelo que me interessaria, com um novo olhar sobre este ambiente vivido cotidianamente foi fundamental. A caça do que estava lá, escondido na minha frente e eu
OLD#61
não conseguia enxergar. A partir do entendimento do que eu estava realmente produzindo e me interessava, a caça deixou de existir. Passei a pensar antes as imagens que gostaria de produzir e já sabia onde encontrá-las, restando apenas decidir a melhor forma de fazer a captura. Como você buscou construir a espacialidade desta série? Você a vê como um labirinto ou como um mapa mais claro? Para mim é tudo muito labiríntico. Poderia, se quisesse, criar ilhas por tema e deixar isto marcado, mas acredito que o trabalho ganha força exatamente neste labirinto, na justaposição de temas distintos que se aproximam seja por sua estética ou padrões semelhantes ou por suas aparentes diferenças. Acredito que a
quantidade grande de imagens também permite a formação de muitos jogos gerando interpretações diversas. A sua relação com o espaço foi essencial para produzir o trabalho? Como ela influenciou nas suas decisões visuais? Sem dúvida. O fato de eu já estar habituado a tudo ali, me forçou a buscar um novo olhar sobre o que já era por demais visto, não bastava registrar o que aparecia ou me deslumbrava, como um turista no local, tinha que buscar algo além do que já era conhecido e isto não se daria achando novos objetos ou equipamentos e sim através do aspecto visual do seu registro. Acredito que este tenha sido o grande desafio nesta série.
100
ricardo de abreu neves
101
portfรณlio
OLD#61
102
tuane eggers
103
portfรณlio
OLD#61
104
ricardo de abreu neves
105
portfรณlio
OLD#61
106
tuane eggers
107
portfรณlio
OLD#61
108
rafael martins
109
portfรณlio
OLD#61
110
tuane eggers
111
portfรณlio
OLD#61
112
tuane eggers
113
A
FOTOS GUARDADAS
partir de uma sugestão para que escrevesse sobre imagens fotográficas guardadas um caminho começou a se desenhar em minha mente. Voltei minha atenção para esse “título” de fotos guardadas e ideias, livros, versos e imagens começaram a compor uma história, um caminho por onde passa o tema dessa reflexão. Pensei esse texto como a narrativa dessa sucessão de ideias, minhas e de outras pessoas, que desfilavam pela
Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.
minha passarela de emoções. Como em um filme projetado do fim para o começo, uma narrativa que, simultaneamente chama a atenção para o seu discurso, o seu contar a história e para o processo. Ou seja, o próprio tema narrado/caminho descrito e a maneira como este se construiu estão interligados, se mesclam. Por que guardamos imagens em uma caixa ou em uma pasta virtual? Apenas por acaso folheava o último trabalho fotográfico de Waldir Cruz. Lá reencontrei O guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa. Enquanto relia esse poema algumas passagens chamavam minha atenção. “Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias, / Ou olhando para as minhas idéias e vendo meu rebanho...”
e “Num MEIO-DIA de fim de primavera / Tive um sonho como uma fotografia.” A imagem guardada, muitas vezes, ganha magicamente um sentido que parece sintetizar toda uma história ou estabelece vínculos entre todos os aspectos significativos da vida. As diferentes facetas da existência parecem brilhar em nossos olhos como reflexos das emoções reencontradas. Talvez guardemos esse universo todo porque sentimos em algum lugar dentro de nós que esses guardados, um dia, magicamente, trarão luz para esse caminho que a nossa existência percorreu, como uma imagem síntese em uma narrativa visual ou como o nosso filme, projetado do final para o começo.
114
coluna
reflexĂľes
A imagem guardada, muitas vezes, ganha magicamente um sentido que parece sintetizar toda uma histĂłria ou estabelece vĂnculos entre todos os aspectos significativos da vida. 115
MANDE SEU PORTFร LIO revista.old@gmail.com Fotografia de Anna Paola Guerra. Portfolio completo na OLD Nยบ 62.