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expediente
revista OLD #número 64
equipe editorial direção de arte texto e entrevista
Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki
capa fotografias
Leandro Furini João Pacca & Marcelo Carrera, Leandro Furini, Mariana Caldas de Oliveira, Shinji Nagabe e Ursula Jahn
entrevista email facebook
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índice
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livros visões de um poema sujo exposição
leandro furini por tfólio
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joão pacca & marcelo carrera por tfólio
shinji nagabe por tfólio
trëma entrevista
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ursula jahn por tfólio
mariana caldas de oliveira por tfólio
reflexões coluna
carta ao leitor
Posso dizer que estou especialmente feliz com esta edição. Os trabalhos apresentados são super ricos, com abordagens variadas e com artistas conscientes de suas práticas e objetivos, trazendo muito conhecido para as páginas desta edição. Além disso, temos uma entrevista muito boa com o Trëma - coletivo que foi um dos ganhadores da Bolsa Zum de 2015 - contando sobre a produção do ensaio Memento. O grupo tem uma visão muito interessante sobre as práticas da fotografia documental contemporânea. Vale ler com atenção! Sendo assim, deixo aqui meu agradecimento a Leandro Furini, João Pacca e Marcelo Carrera, Shinji Nagabe, Ursula Jahn, Mariana Caldas de
Oliveira e ao Trëma por produzirem trabalhos intensos, que deixaram essa edição super potente. Espero que todos apreciem as qualidades e diferenças entre cada trabalho, que ilustram tão bem as variadas possibilidades que a fotografia nos oferece hoje. Antes de terminar, gostaria de falar sobre a capa da nossa nova. No ano passado tivemos um pequeno problema de censura por conta de um xixi em uma privada rosa. Vamos ver como a internet se comporta com uma capa com mamilos masculinos e unhas vermelhas!
por Felipe Abreu
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livros
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PHENOMENA
de Sara Galbiati, Peter Eriksen e Tobias Markussen
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uase todo mundo tem uma experiência com OVNIs ou ETs, seja assistindo Arquivo X ou com aquele amigo de um amigo que jura que já viu um OVNI voando por cima dele. Sara, Peter e Tobias decidiram investigar mais a fundo essa fascinação pelo desconhecido, especialmente quando vindo do espaço sideral. O grupo fotografou uma série de pessoas que fazem parte de uma religião que tem como figura central um extraterrestre, não um deus. As fotografias foram todas feitas no sudoeste americano e apresentam não só a história das pessoas fotografadas mas também o clima de paranoia e desconfiança que as envolve. Phenomena foi lançado pela André Frére em 2016 e impressiona pela qualidade dos retratos produzidos e por nos lembrar de todas as ficções científicas que já vimos.
Disponível no site da André Frére Éditions valor R$180 176 páginas 6
livros
CONTAINS: 3 BOOKS de Jason Fulford
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ason Fulford é uma das maiores potências da produção fotográfica atual. Além de um grande – e divertidíssimo – fotógrafo, Fulford edita, publica e faz a direção de arte de uma grande quantidade de fotolivros. Em 2016, além de ser um dos editores em ZZYZX, Fulford também publicou o fotolivro Contains: 3 Books, lançado pelo The Soon Institute. O projeto, como o nome já deixa claro, é um pacote com três livros diferentes: I Am Napoleon, Mild Moderate Severe Profound e &&. As três publicações lidam com questões marcantes no trabalho de Fulford, como a construção de narrativas através de duplas de imagens e conexões entre texto e fotografia. Cada um dos volumes dá uma abordagem distinta para estas questões, mostrando toda a versatilidade e qualidade do autor.
Disponível no site do The Soon Institute valor R$190 150 páginas 7
exposição
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A INTENSIDADE DA POESIA CONVERTIDA EM IMAGEM Márcio Vasconcellos reinterpreta Poema Sujo, escrito por Ferreira Gullar durante seu exílio na Argentina, em uma centena de fotografias.
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m dos pontos mais discutidos em relação à fotografia contemporânea é a possibilidade de criar conexões com outras áreas de criação como a literatura, o cinema e a música. Há uma tentativa de se buscar elementos nestes ramos que auxiliem na construção de narrativas fotográficas e na utilização de novos elementos na apresentação de ensaios e séries. O fotógrafo maranhense Márcio Vasconcelos buscou em Ferreira Gullar a inspiração para construir uma união ente fotografia e literatura. Em sua exposição Visões De Um Poema Sujo,
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Márcio reinterpreta os versos que Gullar produziu durante seu exílio na Argentina, no Poema Sujo. A mostra, apresentada no Museu Afro Brasil, conta com mais de uma centena de imagens produzidas no Maranhão. Há uma visceralidade muito marcante nas fotografias apresentadas. Sexo, carne e sangue dominam as imagens, favorecendo a expansão de tons de roxo e vermelho, deixando tudo muito quente e presente. Márcio buscou se colocar no lugar de Ferreira Gullar ao produzir as imagens, tentando trazer a São Luís contemporânea para as palavras escritas há mais de qua-
renta anos. A mostra, que segue em exibição até Março, tem curadoria de Diógenes Moura, além de participação de uma série de artistas maranhenses que criaram uma paisagem sonora para a mostra. Assim, se destaca a união de diversas facetas culturais, criando uma potência cada vez maior para a fotografia produzida no Brasil.
O Museu Afro Brasil fica no Parque do Ibirapuera, portão 10. A mostra Visões De Um Poema Sujo segue em exibição até o dia 26 de Março.
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LEANDRO FURINI Sem título
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s fotografias de Leandro são viscerais, diretas e divertidas. Cada imagem é um convite para entrar no mundo noturno do fotógrafo e de seus personagens. São cenas que mostram as possibilidades de encontros e desencontros da noite paulistana, sempre com cores fortes, muito flash e neon. As imagens apresentadas na OLD mostram um recorte deste mundo registrado por Leandro e deixam o convite para adentrar o seu labirinto noturno.
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Sou muito saudosista. Gosto de Leandro, como começou seu interesse pela fotografia? Sempre admirei e fotografei esporadicamente, mas nunca tinha levado muito a sério. Em 2009, durante a faculdade, uns amigos montaram um blog de skate e precisavam de alguém para fotografar. Como eu sempre estava na rua com eles, resolvi comprar uma câmera e documentar tudo que fazíamos. Quando comecei a usar uma analógica, uns anos depois, foi que realmente percebi que a fotografia era o meio de expressão mais confortável e natural para mim. Nos conte um pouco sobre o processo de criação das imagens que você apresenta na OLD. O processo é bem natural e espontâ-
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neo. Não planejo nenhuma das fotografias, elas acontecem na hora. Algo que me chama atenção, ou algum momento que quero guardar pra mim. Estou sempre carregando alguma câmera, para todos os lugares que eu vou e sempre atento ao que está acontecendo ao meu redor. As fotografias saem muito mais por impulso e sensações causadas na hora, do que por planejamento. Suas fotografias parecem ser produzidas em fluxo de criação, gerando uma quantidade grande de imagens. Como você busca editar este material? Que narrativas você busca criar? Um dos motivos que me fez escolher a fotografia analógica é a forma de pensar a foto e de fotografar. Por
olhar para as fotos como se fossem cenas de um filme. mais que tenha uma grande variedade de situações, raramente faço mais de uma foto do mesmo assunto. Acredito que a espontaneidade, no caso dessas fotos, é a prioridade. O que me faz querer fazer a foto é um acontecimento, ou um dado lugar. As imagens que escolho publicar são aquelas que, quando vejo, me passam praticamente a mesma sensação que estava sentindo no momento da foto. Sou muito saudosista. Gosto de olhar para as fotos como se fossem cenas de um filme. Dou muito valor para o clima e a atmosfera que a fotografia permite passar. A narrativa que pro-
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curo contar é bem documental, retratos daquilo que estava acontecendo, mas mais focado em cenas do meu cotidiano. Você parece bem próximo das pessoas que fotografa. Esta intimidade é essencial para a sua produção? Sem dúvida. Como procuro não criar situações, nem dirigir, me sinto mais à vontade quando sou próximo das pessoas que fotografo e consigo captar melhor a essência delas e do momento. Mas gosto também de me colocar em situações que não estou 100% à vontade como forma de aprendizagem e auto conhecimento.
trole sobre o caos, ele passa a ser um recurso. Gosto da sensação de não ter controle total da situação, e deixar espaço para a aleatoriedade e influências externas. Abraço a ideia de que a forma que sair é a verdadeira essência do momento, sem forjar a situação. Esteticamente falando, também gosto do erro, da foto borrada, com movimento, sinto que é algo verdadeiro e passa uma emoção que às vezes a foto que é tecnicamente correta não passa.
Qual o papel do caos na sua criação fotográfica? É fundamental, faz parte do processo. Como não conseguimos ter con-
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JOÃO PACCA & MARCELO CARRERA Multiverso
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arcelo Carrera e João Pacca começaram a trabalhar juntos durante o período de estudos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Com questões ligadas à identidade e ao corpo no centro de sua produções, a dupla viu sua criação visual crescer com o princípio dos trabalhos coletivos. A dupla apresenta na OLD o ensaio Multiverso, que busca explorar as relações entre o corpo e um espaço desconhecido, os momentos de dúvida, exploração e potência.
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O ideal do projeto é nublar a barMarcelo, João, como vocês começaram a trabalhar juntos? Marcelo e eu frequentamos a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e nos encontramos durante as orientações de projetos fotográficos. Demorou algum tempo para nos aproximarmos. Lembro-me de que foi ele quem me convidou para participar de um projeto de exibição para o Festival de Fotografia do Rio, em 2011. Fiquei entusiasmado com seu trabalho e foi inevitável que começássemos a trabalhar juntos. Minha produção fotográfica parte de uma observação sobre a ideia de si. Autorretratos, identidade e pensamentos em torno da auto-imagem são alguns temas recorrentes da minha produção que tem a câmera quase
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sempre voltada para o “eu”. Marcelo, por um outro lado, parece empenhado em documentar uma narrativa que o representasse intimamente, porém, investido de um olhar voltado para o outro. Ambos vivíamos uma rotina de trabalhos que parecia cada vez mais hermética e a vontade de unir nossos esforços em criar algo co-autoral partiu de uma necessidade de romper com os vícios de cada um e expandir o campo de experimentação. Logo nas primeiras produções o resultado era uma experiência catártica, como se estivéssemos produzindo em estado pleno de nossas energias e construindo um inventário de imagens que traduzissem estes momentos. À partir de então começamos a viajar - literal-
reira entre corpo e espaço sem deformar suas potencialidades. mente - e assim, de Paris a Estrada do Feijão, começamos um registro sobre a performance que ocorria a partir do pretexto da produção de imagens como forma de encontro com a experimentação livre. Nos contem um pouco sobre o processo de criação de Multiverso. Durante o período de maior produção de Multiverso, nossa busca principal sempre foi a de registrar o contato e a performance do indivíduo em espaços desconhecidos para investigar o que surgia de nós quando estávamos desconectados de
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nosso lugar comum. Havia também a intenção de encontrar o estado de repouso, de plenitude de nossas ações. O processo de criação é balsâmico e é muito comum ser eu a figura mais presente nas fotografias. Marcelo, por de trás das lentes, não tem outra alternativa além de se sujeitar a constante visualização das imagens registradas, além da infinita produção fotográfica que posteriormente são curadas por ambos num diálogo cujo o único fim é nossa produção de discurso. É também constante a proposição de temas e circunstancias entre ambos, além de um pensamento sobre o tempo de captura e outras questões da fotografia, como perspectivas e os potenciais controles da luminosidade que podemos atingir. Qual o papel da ficção na criação visu-
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al de vocês? Estórias e fábulas fazem parte daquilo que orienta nossas experimentações visuais. São pontos de encontro entre duas imaginações que se mesclam em imagens.Nós vivenciamos a memória por meio de arquétipos e ajustamos nossas imagens à um ideal que não se posiciona dentro da realidade dos fatos. Apesar de partir de uma premissa de atuação e interpretação, ela está longe de ser o efeito de fingimento. Pelo contrário, a metáfora visual que surge com nossas fantasias, revela mais do real que qualquer modelo de representação. Há um jogo constante entre corpo e espaço nesta série. Como vocês buscam organizar estes dois elementos dentro deste projeto? Por justaposição. O ideal do projeto é
nublar a barreira entre corpo e espaço sem deformar suas potencialidades. Queremos reconher as influencias de cada presença e evidenciar a troca por meio de um ajuste do corpo ao meio em que está - seja resistindo ou personificando. Como vocês buscaram construir a narrativa de Multiverso? Desconstrução é nossa maior busca. Quando nos encontramos, buscamos seguir o fluxo de um início figurativo e caminhar para uma proposta abstrata. Quase sempre há uma importação deste método para o campo das texturas e luminosidades. O fato mais visível em todo o método é o avessamento de seus radicias. O princípio e o fim de cada produção são opostos em suas especificidades.
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SHINJI NAGABE Respiração
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hinji produz uma série de ensaios em que une elementos decorativos com personagens dos locais em que fotografa, com o desejo de discutir a cultura e os valores de diversas áreas do Brasil. Em Respiração, Shinji fotografa em Cidade Tiradentes e busca um respiro em meio a um ambiente de muito movimento, muitas casas e pouco espaço. Um dos pontos mais interessantes da produção visual de Shinji Nagabe é a sua proximidade com a performance e com a escultura, em um desejo constante de conectar a fotografia a outras áreas do fazer artístico.
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Shinji, como começou seu interesse pela fotografia? Desde pequeno, quando meu pai me trouxe uma Ricoh semi-automática do Japão. A câmera era velhinha e as fotos saiam com um efeito “esfumaçado” muito bonito, só depois descobri que eram fungos na objetiva. Nos conte sobre a realização da série Respiração. A série faz parte do meu trabalho de resgate da minha cultura, minhas origens. Gosto de trabalhar materiais, mudar a realidade. Conheci o bairro da Cidade Tiradentes através de uma amiga muito próxima e a primeira impressão que tive quando cheguei ali foi a mudança de escala
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das coisas, tudo muito... Muita casa junta, muita escada, concreto, muito tijolo. Tudo tinha camadas, senti uma necessidade de respiro. Acho que foi dali que tirei a ideia de mudar a escala das coisas (colares gigantes, pessoas pequenas) e as crianças com meias de nylon nos rostos naquela ânsia de respirar. Qual o papel do fantástico na sua criação visual? Minha infância foi rodeada de influencias fantásticas começando que sou de origem japonesa e meus pais e avós viviam contando lendas fantásticas japonesas e também, sendo o filho caçula e temporão, ficava às vezes sozinho em casa, tinha pilhas de
Muita casa junta, muita escada, concreto, muito tijolo. Tudo tinha camadas, senti uma necessidade de respiro. revistas japonesas que não entendia direito e então criava uma historia e o meu mundo. Como se deu o contato com os seus personagens? Como eles foram escolhidos? Tudo aleatório, chegamos no local, os personagens estavam lá, reais, brincando. Nos conte um pouco sobre os símbolos utilizados nesta série. Qual o processo por trás destas escolhas? Busco sempre trabalhar com as mi-
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nha referências afro-religiosas brasileiras e misturar com a minhas origens japonesas, nessa série tenho os colares gigantes que fazem alusão aos colares de contas (guias de santo). Gosto de trabalhar as máscaras, acho que o olhar e o rosto tornam a foto “real demais”. Gosto que pelo menos naquele momento os personagens são seres imaginários e fantásticos que habitam um mundo real.
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O Trëma - coletivo criado pelo fotógrafos Gabo Morales, Filipe Redondo, Leonardo Soares e Rodrigo Capote - é uma das grandes forças da fotografia brasileira atual. O duo produz trabalhos com uma abordagem documental muito rica, utilizando a fotografia como principal ferramenta para construir suas narrativas visuais. Nesta entrevista, conversamos com o Trëma sobre sua produção visual e especialmente sobre o ensaio Memento, produzido graças ao apoio da Bolsa Zum de fotografia. O projeto explora as memórias de migrantes que chegaram recentemente ao Brasil e a Bolsa abre suas incrições para a edição de 2017 em Abril. No último ano vocês estiveram concentrados na produção do projeto Memento, vencedor da Bolsa Zum de 2015. Nos contem um pouco sobre a criação deste trabalho.
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Memento é um trabalho de reconstituição das memórias de dois imigrantes que chegaram ao Brasil nos últimos dois anos. De certa forma, é a continuação de um trabalho que realizamos em 2014, também com imigrantes. Na ocasião, montamos um estúdio no centro de São Paulo e fotografamos 40 pessoas que ainda estavam se aclimatando ao país, tentando entender a cultura, a burocracia, buscando emprego. Após ser fotografado, cada imigrante foi convidado a escrever, de próprio punho, uma mensagem, que seria impressa no verso do retrato, formando um cartão postal que então seria enviado a uma pessoa escolhida por ele ou por ela: qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. A ideia subjacente era criar uma conexão entre o fotografado e quem ficou para trás; e
a partir do objeto cartão postal – ou uma variante de um carte-de-visite conecta-lo especificamente a um endereço importante de seu passado. Muitos emigrantes deixam o mesmo país, mas são raros os que deixaram a mesma rua, no mesmo número, na mesma cidade. Há uma poesia nessa identificação com um endereço. Como nesse trabalho anterior nossa ideia era que o personagem pudesse, de forma meramente simbólica, revisitar um local do seu passado ao mandar uma mensagem via correio – algo que vai se perdendo com o uso disseminado da Internet – em Memento a ideia era se aprofundar em outras particularidades de cada pessoa, de cada imigrante, e reconstituir suas memórias usando a fotografia. Memento lida diretamente com a mi-
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gração, um dos temas mais complicados e discutidos da última década. Vocês veem os anos que virão com expectativas positivas ou negativas para quem tem de migrar? É importante esclarecer, com franqueza, que mesmo pensando, pesquisando e lendo sobre imigração ao longo de praticamente um ano, acabamos o trabalho tão confusos quanto começamos. Não nos tornamos especialistas no assunto e não arriscaríamos fazer um prognóstico sobre esse tema. Nos parece até que pessoas extremamente preparadas para debater isso ainda lutam para entender sua relevância ou talvez até protagonismo em vários acontecimentos recentes, do voto pró-Brexit no Reino Unido à eleição de Donald Trump nos EUA. Como a importância política do tema
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interferiu na produção do ensaio? Esta era uma das principais motivações para abordar o tema? É uma boa pergunta. O tema é extremamente relevante e de uma forma ou de outra acreditamos que ao aborda-lo em um trabalho de fotografia e documentário estamos contribuindo para enriquecer o debate em torno dele. Apesar da sua complexidade, das suas consequências políticas e sociais, parece que a migração não é tratada cotidianamente a partir dessas complexidades. Em parte porque as plataformas onde a massa se engaja no debate sobre esse e outros temas exigem brevidade e frases-feitas, e em parte porque as discussões mais interessantes e importantes ficam retidas no ambiente acadêmico, pouco acessível por desígnio. Então a ideia do Memento é permitir que
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alguém se aprofunde no assunto conhecendo duas histórias exemplares. Questões importantes para que isso se realizasse eram 1) produzir um trabalho claro, na medida do possível bem resolvido em texto e estética, não o escondendo sob uma camada incompreensível e alienante de blábláblá artístico ou pseudoacadêmico e 2) em seguida evitar que isso tornasse o trabalho desinteressante porque entediante e simplório, usando, dentro da nossa melhor capacidade e pretenção, beleza e poesia para contar as estórias. Como foram escolhidos os personagens de Memento? Quais foram as histórias mais marcantes encontradas neste processo? O trabalho de pesquisa envolveu entrevistas com dezenas de pessoas,
todas vivendo ou passando por São Paulo, em busca de indivíduos que pudessem articular com alguma mestria suas memórias, das mais banais àquelas que considerassem formadoras de sua personalidade. Acabamos produzindo o trabalho com um colombiano, Dany Alberto Perez Vasquez, e uma angolana, Theresa Senga. Encontramos casos trágicos, de refugiados que corriam risco iminente de morte e deixaram seu país da noite para o dia, até histórias relativamente mais comuns, de imigrantes em busca de melhores oportunidades que lembravam de seu pais com candura e saudade. A memória é o elemento central deste novo projeto, buscando as lembranças de migrantes que chegaram ao Brasil. Como vocês buscam equilibrar fato e
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ficção dentro destas lembranças? Nosso trabalho era tentar reconstruir o que ouvimos nas várias horas de entrevistas que realizamos com Dany e Theresa. Se do que eles nos falaram parte era invenção, deliberada ou acidental, não faz diferença. A memória, versa o clichê, pode ser traiçoeira. Aliás essa é uma de suas características mais interessantes. No entanto, se a priori não nos cabia julgar, uma vez produzindo o trabalho no Brasil, na Colômbia ou no Congo, nos encontramos na posição às vezes inconfortável de validadores das memórias que estávamos buscando revisitar. Era inevitável, por exemplo, se perder numa espiral de checagem de fatos, justamente para tentar entender as respectivas histórias, nos moldes do que deve ocorrer com um biógrafo diante de seu personagem.
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No trabalho final, o que temos são imagens que resumem, cada uma à sua maneira, momentos, sensações, lembranças que podem ou não ser reais, mas que definitivamente fazem parte da psique dos entrevistados. Uma grande parte das fotografias tem que ser reconstruídas para a produção do ensaio. O quanto desta reconstrução parte da lembrança dos personagens e quanto parte do repertório visual do coletivo? É difícil quantificar isso, as duas coisas parecem se misturam imediatamente. Uma memória tem na sua própria construção narrativa uma ideia de como ela pode ser representada. Como se toda lembrança tivesse seu memento ideal. Dany Alberto Perez Vásquez cresceu na região bananeira do Urabá antioqueño. Ele lembrava
de muitas coisas dessa época, algumas “fotografáveis” outras, aparentemente, não. Mas quando ele diz que após os aviões fumigarem as fazendas com glifosato, uma nuvem amarela envolvia os pés de banana, nos pareceu este um aspecto dessa época de sua vida que ficou com ele já por seu imenso potencial imagético. E foi assim que representamos essa memória em particular. Memento envolveu um grande deslocamento geográfico para encontrar e registrar as memórias destes migrantes. Como foi o contato com estas diferentes culturas? Foi importante migrar durante a produção do projeto para entender a realidade dos seus personagens? Tivemos duas experiências um pouco distintas. A viagem à Colômbia foi
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tranquila, tivemos pleno acesso à família de Dany Vasquez, aos locais importantes que ele cita nas suas memórias, como a brigada do Exército Nacional da Colômbia em Carepa, a UTI neonatal onde ele acompanhou os primeiros dez dias de vida de sua filha, entre outros. As pessoas nos receberam bem, entenderam e em geral louvaram o propósito do trabalho. No Congo, por outro lado, ainda que o acesso à vários locais e pessoas importantes da história de Theresa Senga também também tenha sido bem sucedido, a língua e outras idiossincrasias culturais tornaram o processo mais complicado. O trabalho todo poderia ter sido feito apenas no Brasil, mas nossa opinião é que indo aos países de origem dos entrevistados encontramos novas possibilidades de representação que
não poderíamos vislumbrar de outra forma. Os trabalhos do Trëma tem uma ligação muito forte com espaços e momentos de transformação social no Brasil. O que atrai o coletivo para esta temática? Nós começamos sem intelectualizar muito o que nos interessava documentar. Mas a soma dos interesses pessoais de cada um dos integrantes acabou resultando, parece que naturalmente, nessa busca por entender melhor fenômenos que ocorrem no Brasil atual e que tem implicações sobre a ideia que fazemos da nossa identidade e da comunidade onde vivemos. Não é portanto a realidade dos processos identitários e comunitários, mas as projeções, análises e reflexos que criamos a partir de-
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les. Hoje, um outra resposta possível seria que para nós não devem mais haver momentos e espaços estáticos: todos passam a todo momento por transformações. Nos últimos anos o Trëma ganhou os prêmios Marc Ferrez, Conrado Wessel e a Bolsa Zum. Esse reconhecimento altera de alguma forma a maneira do coletivo trabalhar? Seria possível produzir estes projetos de longo prazo sem o apoio destas premiações? Possível talvez, mas muito difícil, a ponto de ser proibitivo. Diríamos que projetos como Memento e Lagoa da Confusão:Wanderlândia, ambos financiados por bolsas, são, na verdade, de médio prazo. Vários meses em que se intercalam momentos de trabalho intenso com esperas relativamente longas para que algo se
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Se do que eles nos falaram parte era invenção, deliberada ou acidental, não faz diferença. A memória, versa o clichê, pode ser traiçoeira. Aliás essa é uma de suas características mais interessantes.
realize: um livro sobre o tema seja lido, uma resposta sobre visto seja recebida, autorizações sejam dadas. No fim das contas são longos meses dedicados ao trabalho enquanto a vida segue demandando o de sempre. Um trabalho de longo prazo, de vários anos, é até mais fácil de se realizar sem prêmio ou bolsa – ainda bem, porque não são muitos e não é toda hora que se ganha um(a). Você pode passar meses, um ano sem nem pensar no assunto e então dedicar
uma semana pra avançar em algum aspecto. Nós realizamos vários trabalhos menores mas que consideramos igualmente importantes sem ajuda financeira de ninguém de fora do coletivo. A mudança mais importante na maneira de trabalhar entre um tipo e outro de projeto nos parece quase que de natureza administrativa, de conseguir alinhar o tempo, o orçamento e a qualidade do que vamos entregar.
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URSULA JAHN Infinitesimal
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ansiedade de Ursula foi o motor criativo para a produção de Infinitesimal. Aflita pela possível perda de entes queridos, Ursula criou uma catalogação visual, com elementos e vestígios que poderiam ser utilizados no processo de clonagem dessas pessoas, no caso de sua morte. Além do aspecto fantástico da proposta, o ensaio marca a importância de traços e marcas na construção da personalidade de cada e, consequentemente, na construção da nossa memória em relação aos outros. Infinitesimal é uma coleção de pequenos pedaços únicos de cada um, que formam a nossa percepção sobre as pessoas que amamos.
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Infinitesimal nasceu do Ursula, como começou seu interesse pela fotografia? Durante minha adolescência eu fotografava muito os meus amigos. Eu meio que era a maníaca que sempre queria fotografar nossos momentos. Só que eu não enxergava a fotografia como algo sério. Minha ideia inicial era cursar cinema (mesmo as áreas tendo forte relação). Só que durante uma visita guiada as Universidades, conversando com o professor que me guiou, eu passei a ver a fotografia como uma possibilidade forte. Como o curso de cinema era extremamente caro, e como não estavam oferecendo bolsas, eu migrei meu interesse para a fotografia. E logo no começo da graduação eu senti que realmente era o que eu queria fazer, e hoje não
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me vejo fazendo outra coisa. Nos conte sobre a criação de Infinitesimal. Bom, eu sempre fui uma pessoa ansiosa. Cresci escutando isso de meus pais. Passaram os anos e minha ansiedade aumentou até alcançar um nível alto. Ao nível onde passei a ter ataques de pânico. O mundo se tornou uma ameaça para mim, a sensação de morte iminente me acompanhava e me impedia de fazer coisas que antes eram cotidianas para mim. Foi um período bem difícil. Até que o medo de minha própria morte foi superado pelo medo de pessoas próximas a mim, que sempre estavam do meu lado, morressem. Como eu poderia viver sem a presença delas?
meu medo da perda. Do meu medo do luto Pensando nisso, e com a intenção de perpetuar a presença dessas pessoas, que seguem vivas e que fazem parte de minha vida, fotografei pequenos vestígios e índices da presença delas, a fim de criar uma catalogação e uma fórmula para uma futura possibilidade de clonagem delas. Uma cópia geneticamente idêntica desses seres humanos para suprir a ausência que um dia eu terei deles e assim poder compartilhar das mesmas emoções e sensações que sinto com a presença deles. Infinitesimal nasceu do meu medo da perda. Do meu medo do luto e de cada consequência que este
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acarreta em meu íntimo. É uma tentativa de tornar eterna uma relação que necessariamente é transitória. Como você buscou construir a narrativa desta série? Como foi o processo de escolha dos elementos que compõem cada políptico? A série foi meu trabalho de conclusão de curso. E eu felizmente pude ter como um dos orientadores o Tiago Coelho, que é um fotógrafo incrível e uma pessoa adorável, que eu admiro muito. Bom, no começo eu não estava conseguindo unir a proposta a uma concepção de imagens, e depois de muita conversa com ele sobre o trabalho, eu fui conseguindo encontrar o caminho que em pensamento eu buscava. Cada políptico atua como uma espécie de inventário da pessoa. Então quis fotografar rastros de per-
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sonalidade e genéticos delas. Coisas que eu pudesse reconhecê-las assim que eu olhasse. Coisas que falassem muito sobre aquelas pessoas. Assim, eu quis trabalhar também com bastante cor. Por isso, atribuí cores diferentes para cada. As escalas de cores entraram como minha associação a essas pessoas, por razões particulares. A finalização da série foi um livro. Cada políptico se tornou um pequeno livro, todos no formato leporello. O que ajuda bastante na narrativa dele. A cada abertura eu vou me aproximando do retratado, como uma espécie de análise laboratorial, e no final, com ele todo aberto, esse movimento do leporello me remete a uma fita de DNA. No livro eu consigo evidenciar bastante essa sequencialidade. Claro, na imagem digital não é possível ver esse jogo, mas de alguma
forma a ideia é a mesma. Qual o papel da memória na sua produção? E da ficção? Eu acredito que toda minha produção parte de memórias, em alguns casos elas estão muito evidentes, como aqui, e em outros nem tanto, é algo bem mais sutil. Atualmente, faço parte do Grupo de Estudos em Fotografia, ministrado pelo Tiago Coelho e pelo Marco A.F., e lá venho pensando em outro trabalho que tem como base a memória. Mas não acredito que isso é central nos meus temas. Quanto à ficção, esse trabalho foi o ponto de partida no meu interesse pelo tema. É engraçado, por que quem me conhece sabe que eu tenho certa dificuldade com a ideia de ficcionalizar as situações. E infinitesimal me permitiu quebrar essa barreira.
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A Natureza Das Pequenas Coisas
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sta é a segunda passagem de Mariana pelas páginas da OLD. Depois de uns bons anos, Mariana apresenta A Natureza das Pequenas Coisas, um ensaio que busca recapitular espaços e momentos importantes dentro da sua trajetória fotográfica, um processo de recuperação de uma memória visual construída por ela ao longo dos últimos seis anos. A série é composta por imagens delicadas, de devaneios e desejos sensoriais, criando um tocante caminho pelo qual acompanhamos a criação visual de Mariana.
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Mais do que tudo é uma Mariana, essa é a segunda vez que você apresenta seu trabalho na OLD. O que mudou na produção desde a primeira vez que você passou por nossas páginas? Nossa, eu acho que tudo e nada. Sabe? Fazia pouco tempo que eu tinha começado a fotografar quando eu publiquei a série “dos encontros” na OLD. A minha fotografia ainda era muito crua, tinha pouca profundidade técnica, mas ao mesmo tempo eu sinto que a essência da minha estética já estava ali. Porque era tudo puro instinto, eu não tinha barreiras do que não fazer. Acho que meu olhar era muito livre exatamente por essa inocência técnica. Hoje, com alguns anos a mais de experiência, eu acho que ganhei mais profundidade
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mesmo, tanto técnica quanto estética e vejo o quanto isso também é muito libertador, porque te dá mais possibilidade de conseguir fazer o que você quer fazer. E acho que no fim a grande magia da fotografia é exatamente essa, a possibilidade de nunca deixar de aprender, renascer, transmutar. Porque de alguma forma nosso olhar vai sempre mudar junto com a gente, é natural, natureza. Nos conte sobre a criação de A Natureza das Pequenas Coisas. Eu acho que esse é o maior projeto da minha ainda pequena carreira fotográfica. Ele é feito dos caminhos que percorri desde que a fotografia entrou na minha vida há seis anos. Das estradas que me fizeram ser
série que fala sobre a travessia como destino. quem eu sou hoje. São imagens que foram reconhecidas de dentro para fora, em momentos muito diferentes. Mais do que tudo é uma série que fala sobre a travessia como destino. Sobre o caminhar perene que é viver. É uma reflexão sobre como as experiências que vivemos nos transformam em quem somos, todos os dias. Uma imagem da vida, como uma eterna mudança de paisagem, numa estrada que só vai, e feito rio, nunca passa no pelo mesmo ponto mais de uma vez. É também sobre olhar além do que se vê, a cada detalhe que nos encontra, nesse tempo e espaço do viver.
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Quais foram os desafios na edição e na construção narrativa deste ensaio? Eu acho que o maior desafio de todos foi conseguir compreender quando ele estava pronto, o fim do ciclo. Ao todo foram seis anos de viagens, a maioria pela natureza, e eu acho que durante todo esse tempo, a cada vez que eu voltava para casa eu tinha a pressa de fazer alguma coisa nova a partir daquilo. Eu demorei para perceber que cada uma dessas experiências faziam, na verdade, parte de um todo, que era maior do que do que todas as partes juntas. Foi um processo natural, dolorido, mas muito precioso. Acho que de alguma forma ele também me ajudou a compreender o ciclo perfeito da natureza que eu vivi e senti em cada um desses lugares por onde passei.
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Você transita muito bem entre retratos, ambientes e detalhes na sua produção. Você tem alguma predileção? Algum destes tipos de imagem te dá mais “trabalho”? A fotografia de natureza sempre foi muito natural pra mim. Quando comecei a fazer retratos, um outro universo se abriu. Era um outro mundo de possibilidades e eu quis mergulhar. Acho que o retrato é sempre um pouco mais complexo, porque é uma dança, existe um encontro de duas energias e esse movimento acaba sendo sempre surpreendente e também muito lindo. Essa troca também acontece com a natureza, mas é diferente, o tempo é outro. Você vai se relacionar com a liberdade preciosa dos animais, o vento que bate, a luz que desce, a água que corre, a imensidão que aflora por dentro. É medi-
tativo. Não sei se consigo escolher um preferido, eu amo muito fazer os dois, exatamente por serem tão diferentes. Mas acho que no fim, o detalhe vai sempre estar presente em tudo o que eu fizer. Gosto muito de observar as pequenas coisas.
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O FOTOJORNALISMO NA PÓS-FOTOGRAFIA
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sse texto, que lida com inquietações relativas à fotografia, à vida, ao fotojornalismo, surgiu motivado por várias fontes. Tanto que este deve ser o primeiro de dois. A entrevista de Fernando Lemos, publicada na revista Zum Nº 11, chamou minha atenção para o fato de que a fotografia “é o resultado científico do desejo de desocultar as coisas”. Creio que esta maneira de ver o assim chamado real revela um aspecto essencial que deu vida ao fotojornalismo do séc. XX. O jornal francês Le Mi-
Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.
roir, lançado em 1910, caracterizavase por possuir fotografias na maioria de suas páginas. Encontramos ali um primeiro movimento de utilização da fotografia com esse intuito de revelar a verdade, com aspas ou sem. A magia da foto começa a envolver a sociedade como algo que “desoculta” a realidade. O consumidor de notícias ilustradas não precisa viajar para conhecer a verdade do mundo. Basta consumir o jornal. Na outra ponta, temos a magia fotográfica construindo o fotógrafo, mais especificamente o fotojornalista. Essa habilidade da fotografia de nos mostrar o real produz uma espécie de compromisso ético com a revelação e difusão da verdade. Revendo um livro sobre o trabalho fotográfico da Farm Security Administration encontrei a de-
monstração na fala e nas imagens ali registradas desse fazer enraizado em uma ética. “O que estou tentando dizer aos outros fotógrafos é que se não estivesse tão fortemente empenhada naquele compromisso, naquela viagem, nunca teria dado a volta. (...) acredito que essa profunda compulsão é um ingrediente vital no nosso trabalho; (...) se o nosso trabalho consiste em retirar força e significado do que vemos, devemos estar dispostos a dar tudo”. Assim nos relata Dorothea Lange a tomada da foto Mãe Migrante, umas de suas imagens mais conhecidas. O perfil do compromisso ético sustentara por muitas décadas o trabalho de uma significativa parcela dos fotojornalistas. Contudo, muita coisa mudou neste novo século. Continuamos a discussão mês que vem.
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MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia da série Arqueologia de uma Tragédia, de Antônio Emygdio. Ensaio completo na OLD Nº 65.