Avaliadores-acreditação_saúde

Page 1

| Avaliação |

Por Felipe César

Rótulos e mitos que reduzem o potencial de aproveitamento do processo de avaliação

D

esde o início dos anos 2000, o movimento de acreditação vem crescendo no Brasil. Atualmente, há 611 instituições de saúde acreditadas entre hospitais, clínicas, serviços odontológicos, diagnóstico por imagem, atenção domiciliar, entre outros. Desses, 511 são acreditados pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), 48 pela Certificação Canadense Qmentum DiamondInternationale 62 pela Joint Comission International. Durante um processo de acreditação, ocorrem visitas periódicas de preparação, avaliação e manutenção. Só no mês de setembro de 2016, o IQG Health Services Accreditation, instituição acreditadora da ONA e do Qmentum, organizou mais de 100 equipes para as visitas em todo o Brasil, de acordo com Rubens Covello, presidente do IQG. Nas equipes, a formação profissional é variada. Há médicos, engenheiros e administradores hospitalares.

42

Melh res Práticas

“No IQG, mantemos um banco de avaliadores com mais de 1500 nomes que, de acordo com cada expertise e treinamento, podem ser acionados para formar as equipes de avaliação”, diz Covello. “Por meio das avaliações, busca-se saber, por exemplo, se os objetivos traçados foram atingidos de forma adequada e eficaz, se os processos de desenvolvimento das intervenções revelaram seu mérito ou qualidade intrínseca, se as ações realizadas e os serviços prestados podem ser associados a algum tipo de impacto para os beneficiados, comunidade, prestadores, compradores e demais interessados”, explica Mara Machado, diretora executiva do IQG. O êxito da avaliação implica em uma relação de confiança e colaboração entre o avaliador e a organização de saúde. Entretanto, em um primeiro momento, nem sempre essa conexão acontece de forma espontânea. Parte disso se explica pelos rótulos e mitos que cercam o avaliador, o avaliado e o próprio processo de avaliação. Eis as crenças mais comuns:


1

Avaliados são resistentes à avaliação Verdade em muitos casos. Para Mara, "a implantação de políticas de avaliação é quase sempre permeada de certa resistência, geralmente associada ao sentimento de que as evidências produzidas e o conhecimento mais ampliado de informações possam acarretar mudanças, aumento da cobrança e do volume de trabalho, punições ou perda de poder”. A alta gestão e o avaliador têm um papel complementar para vencer essa barreira. Se, por um lado, superar a resistência depende quase que exclusivamente da capacidade dos gestores em articular os envolvidos em torno de uma proposta, por outro, é recomendável que o avaliador que estará à frente em instituições mais resistentes tenha um perfil agregador, com inteligência emocional para lidar com conflitos. "A organização precisa enxergar sentido nas mudanças sugeridas pelo avaliador dentro dos processos. Nesse caso, o que vale é o relacionamento, saber se comunicar com o outro para, então, transpassar a barreira da resistência”, explica Maria Carolina Moreno, que foi superintendente executiva da ONA. “Se o avaliador permanece dois ou três dias dentro da organização sendo exigente e apontando problemas de forma truculenta, sem pensar o que determinada colocação pode significar para a organização, ao final da avaliação metade do que foi apontado, por mais que seja real e necessário ser melhorado, será desconsiderado e desvalorizado pela organização, simplesmente pela forma como foi comunicado aos colaboradores e lideranças”, complementa.

2 3

O foco da avaliação é o certificado Mito. De acordo com Mara, “a avaliação não permite somente a produção de informações para a certificação, mas melhora a eficiência e oferece a possibilidade de transformação dessa prática à luz dos interesses dos envolvidos”.

Depois da visita, tudo voltará a ser como antes Mito. O papel do avaliador é ser educativo, levando a organização a identificar suas prioridades, e, aos poucos, as organizações adquirem maturidade em diversas questões. “Os avaliadores são agentes de mudança, eles são provocadores, e não os executores. Existe uma limitação no papel do avaliador. Ele precisa mostrar as fragilidades de uma maneira bastante objetiva e contundente, mas levando a organização a se questionar e solucionar problemas, assim se consegue uma transformação na gestão. Esse caminho não tem volta”, ressalta Maria Carolina.

Melh res Práticas

43


| Avaliação |

4 5

Lideranças que não aderem precisam ser substituídas Não é assim que funciona. “Primeiro, é preciso avaliar se esse líder entendeu o que precisava ser feito, depois, se a alta liderança da organização promoveu um ambiente favorável para que a média liderança consiga implantar as melhorias sugeridas e de forma sustentável. Além disso, essa alta liderança precisa ter maturidade para compreender todas essas questões”, declara Maria Carolina. O avaliador é um auditor Mito. O processo de avaliação não tem nada a ver com auditoria. Vale lembrar que a acreditação é realizada de forma voluntária, é a organização que escolhe ou não passar por esse processo. “Reforçamos para que os avaliadores não usem a palavra auditoria. Quem faz auditoria é aquele profissional que vai verificar as contas. O nosso processo é baseado na construção de uma gestão com foco na melhoria em conjunto com a organização”, destaca Maria Carolina. De acordo com Mara Machado, diretora executiva do IQG, a confusão teve início no começo dos anos 1990, quando o assunto ainda era novo, e os gestores de saúde estavam mais acostumados com avaliações estruturadas no modelo de regulamentação. "Uma vez entendido que o processo era crível e que poderia ser um diferencial de gestão, esses atores começaram a valorizar a acreditação como um diferencial competitivo e se autodenominarem avaliadores", conta.

6 7

O erro está nos processos e não nas pessoas Verdade, e o conceito está mais maduro. “Quando fazemos análise dos eventos, nem consideramos a questão de quem foi, e sim o processo. Perguntamos ‘o que foi modificado na assistência passado o que aconteceu?’. Valorizamos as modificações geradas a partir do erro ao invés de investigar quem estava envolvido em determinado evento. O importante é que a organização aprenda a gerar melhoria no dia a dia, e não apontar culpados”, diz Maria Carolina. Uma discussão atual é a diferença entre culpar e responsabilizar. Indivíduos precisam estar engajados, capacitados e se sentirem responsáveis pelas ações que executam. Quando cada um sabe o seu papel e o que é esperado dele, é mais fácil discutir melhorias no processo. As organizações não utilizam o relatório do avaliador adequadamente Depende muito da organização. Essa é uma questão que ainda necessita de mais experiência e aprendizado, tanto do ponto de vista da instituição acreditadora como da organização de saúde. “As organizações estão aprendendo a olhar o relatório de uma forma mais abrangente e sistêmica, porque o que se costuma fazer é a liderança receber o relatório e dividi-lo entre as áreas, sem um olhar global. Acho também que nós, como metodologia de acreditação, precisamos aprender a gerar relatórios com maior valor agregado. É o que estamos fazendo aqui na ONA nos últimos seis meses. São esses relatóriosquede fato trazem oportunidades de melhoria para as organizações”, conclui Maria Carolina Moreno.

Mesmo que seja inegável o valor das avaliações para a melhoria da eficiência da gestão, instituições ainda têm dificuldade em “apropriar-se" dos resultados que são apontados - Mara Machado, diretora executiva do IQG

44

Melh res Práticas


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.