| Educação |
Por Felipe César
Qualidade das faculdades e novas regras para o internato são alguns dos desafios para a educação médica no Brasil
E
m junho de 2014, o Conselho Nacional de Educação, órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), publicou resolução que instituiu as novas diretrizes curriculares nacionais (DCN) para o curso de graduação em medicina. A atualização é positiva, mas ainda carece de pontos de atenção, principalmente no que se refere à qualificação prática do aluno.
Leia mais No site da Melhores Práticas, conheça os principais pontos da DCN 2014 e outras diferenças entre as faculdades de medicina entrevistadas
22
Melh res Práticas
Qualidade da formação Nos últimos 6 anos, foram abertas mais escolas médicas no Brasil do que em 2 séculos. Desde 2000, dobrou o número de faculdades de medicina no país. Só no estado de São Paulo, havia 22 escolas médicas em 2005, e hoje já são 46. O primeiro questionamento a partir da observação desses números é: o país precisa de tantas escolas? Para o MEC, a oferta e seleção de municípios é criteriosa e leva em conta a necessidade social (proporção de vagas e médicos por habitante, tamanho da população atendida e distância de outro curso de medicina) e as condições propostas pelo curso (estrutura da rede de saúde local, a fim de garantir a qualidade de formação do profissional médico). Definido o município, o MEC seleciona os projetos das instituições interessadas, sempre combinando a qualidade e sustentabilidade do projeto. A pergunta seguinte é: quem irá formar os estudantes? “Temos excelentes professores no Brasil, mas o número é limitado. Não assiste a quantidade de cursos multiplicada nos últimos anos”, afirma Lúcio Flávio Gonzaga, coordenador da Comissão de Ensino Médico do Conselho Federal de Medicina (CFM). E finalmente, como se dará a educação prática já que não há obrigatoriedade de as escolas médicas terem um hospital de ensino vinculado ao curso, considerando que o graduando tem a possibilidade de fazer o internato (residência) em instituições de saúde públicas ou conveniadas, dentro ou fora do município onde se localiza a instituição de ensino, ou seja, sem a necessidade de ter o acompanhamento presencial do professor? “É essencial para a boa formação um cenário de prática. Uma faculdade de medicina sem um corpo clínico qualificado e sem um cenário de prática muito provavelmente formará um mau médico. Como é que esse profissional assistirá bem a população?”, indaga Gonzaga.
Melh res Práticas
23
| Educação |
Entenda a distribuição dos cursos de medicina no país, dos desafios e as tendências de ensino.
Mensalidades custam até R$ 12.801,00
O Brasil só está atrás da Índia em quantidade de faculdades de medicina. Por lá, há 381 cursos em andamento para uma população seis vezes maior.
24% dos cursos (64 escolas) se concentram em 12 capitais Localizadas em 164 dos mais de 5 mil municípios do País
Educação médica – Melhores Práticas A Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), única faculdade privada entre os top 10 do país no Ranking Universitário da Folha (RUF), segue o modelo de ensino clássico na grade curricular, mas não sem se adaptar. “O que eu aprendi na minha época de graduação não tem nada a ver com o ensino de hoje. Os conceitos são diferentes, a maneira de abordagem de uma doença é diferente. A evolução do curso é independente da metodologia que se emprega. No curso da Santa Casa foram incluídas disciplinas que anos atrás não tinham, a adaptação é natural. O que importa é a qualidade do curso, corpo docente e estrutura”, comenta o vice-diretor da instituição, José Eduardo Luitaif Dolci. Outras instituições optaram por mudanças na metodologia de ensino, como a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). "Até 2014 o currículo era o tradicional método dividido em três ciclos - básico, clínico e internato. Agora estamos na 3ª turma com o novo currículo, onde o foco é a
24
Melh res Práticas
271 Faculdades de Medicina, sendo 60% privadas e 40% públicas
Em setembro de 2016, o MEC autorizou a abertura de novos cursos privados em 37 municípios brasileiros, sendo que as instituições terão 18 meses para implantação dos cursos. Serão 308 faculdades de medicina, mais que o dobro da quantidade existente nos EUA, por exemplo
integração”, conta Edmund Chada Baracat, presidente da Comissão de Graduação da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Essa é uma tendência que adota a o método problem-based learning (PBL), ou aprendizagem baseada em problemas, que consiste basicamente no ensino centrado no estudante e fundamentado na resolução de problemas (ver quadro comparativo). Essa foi a escolha da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, que inaugurou seu curso de medicina em 2016.“Nós elencamos as competências que imaginamos que um bom médico deva ter e desenhamos um perfil do egresso, ou seja, ao sair do curso de medicina, o que nós gostaríamos que esse médico fosse? Nosso desejo é entregar um médico que seja sólido do ponto de vista técnico, muito atento aos aspectos sócio-emocionais e tenha um componente muito robusto de liderança”, finaliza Alexandre Holthausen, diretor de graduação da instituição.
Metodologias de ensino para o curso de medicina
Clássico
PBL - problem-based learning
Dividido em três ciclos de 2 anos cada: básico, clínico e internato.
Dividido em módulos ou unidades temáticas com foco na integração das disciplinas e resolução de problemas com simulação de casos reais ou fictícios.
Ciclo básico: os alunos aprendem anatomia, fisiologia e bioquímica, conhecem a estrutura do corpo humano e o funcionamento dos órgãos e sistemas com aulas em laboratório, e é abordado também o aspecto social do atendimento médico, momento em que os alunos se aproximam da comunidade atuando em unidades básicas de saúde como agentes comunitários de saúde. Ciclo clínico: há aulas de semiologia e propedêutica, e os alunos aprendem a fazer anamnese, analisar exames laboratoriais e de imagem, relacionar os resultados dos exames com a anamnese e são abordados os conceitos das doenças mais comuns, como hipertensão, diabetes, doenças respiratórias e cardiológicas mais comuns, entre outros. É nesse ciclo que o aluno inicia sua inserção no hospital-escola da faculdade. Internato: aulas práticas no hospital-escola, com professores de diversas especialidades. A rotina se dá por visitas a beira-leito, consultas nos ambulatórios, plantões nos serviços de emergências, e em algumas escolas os alunos já realizam partos e pequenos procedimentos.
O aluno é o centro ativo do ensino, e não passivo. O professor o orienta por qual caminho seguir durante todo o curso, e o aluno tem a autonomia de gerenciar seu próprio aprendizado. Os módulos de aprendizagem são integrados, e grupos para resolução de problemas são criados, com papel definido para cada participante do grupo. O trabalho em equipe e a comunicação são pontos forte do método. O conceito pode ser descrito da seguinte forma: construção do problema e 7 passos para resolução deste: do problema, identificação e esclare1 Leitura cimento de termos desconhecidos.
2 Identificação dos problemas propostos. 3 Formulação de hipóteses "brainstorming". 4 Resumo das hipóteses. 5 Formulação dos objetivos de aprendizagem. 6 Estudo individual dos objetivos de aprendizagem. do problema frente aos novos 7 Rediscussão conhecimentos adquiridos.
Referências
•• Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. 2014. Disponível em: http://bit.ly/2o2kgSt •• Pesquisa Datafolha. Radiografia das Escolas Médicas no Brasil: Conselho Federal de Medicina. 2016. Disponível em: http://bit.ly/2p1iMsL •• Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Resultados Anasem 2016. 2017. Disponível em: http:/ /bit.ly/2o1WuGg
•• SCHMIDT, Henk G; ROTGANS, Jerome I; YEW, Elaine
Hj. The process of problem-based learning: what works and why. 2011. Disponível em: http://bit.ly/2o23bIt •• RANKING UNIVERSITÁRIO FOLHA. Curso de Medicina. 2016. Disponível em: http://bit.ly/2nzpkBE •• GOMES, Romeu et al. Aprendizagem Baseada em Problemas na formação médica e o currículo tradicional de Medicina: uma revisão bibliográfica. 2009. Disponível em: http://bit.ly/2p1APyR
•• SOUSA, Alberto B. O método da resolução de
problemas com o Arco de Maguerez. Disponível em: http://bit.ly/2pnKGOV •• Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Exame do Cremesp reprova mais da metade dos médicos recém-formados. 2017. Disponível em: http://bit.ly/2pnHxPd
Melh res Práticas
25