Revista Melhores Práticas - Medicina Hospitalar

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O orquestrador da internação

Criação de Time de Resposta Rápida (como ilustra a cena) costuma ser primeiro passo rumo à medicina hospitalar

Conceito que começa a ser implantado no Brasil, “hospitalista” é o médico que coordena equipes praticando medicina baseada em evidência e em custo-efetividade, visando segurança do paciente e otimização de custos Françoise Terzian

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ardiologia? Radiologia? Psiquiatria? Nenhuma dessas. A especialidade médica que cresce a maiores taxas nos Estados Unidos é a medicina hospitalar: em torno de 15% ao ano. Índice tão expressivo fez com que o número de médicos hospitalistas, nome do especialista da área, saltasse de menos de mil, em 1997, para mais de 20 mil, dez anos depois. Hoje, são mais de 30 mil. Mas a chegada da medicina hospitalar e do hospitalista ao mercado da saúde (mundo afora em ritmo menos galopante) promete representar muito mais do que uma nova especialidade apenas. Em vez disso, quer mudar a forma de pensar a medicina praticada nos hospitais. Isso porque o hospitalista introduz uma nova e central função no dia a dia da enfermaria: de um médico que agrega, à sua expertise como clínico geral, conhecimentos de gestão e qualidade voltados a alinhar condutas de equipes multidisciplinares e de múltiplas especialidades, tendo em vista a medicina baseada em evidências e o custo-efetividade. Na prática, é um orquestrador da internação, que pondera qual medicamento ou exames indicar para o paciente internado, observando a interação das drogas ou procedimentos prescritos pelas diferentes equipes, checando sempre o custo-benefício dessas ações em termos financeiros, de resultados e de riscos ao paciente. Vale a pena administrar esse remédio com tal custo ou há outro mais vantajoso com os mesmos resultados?; vale submeter o paciente a nova carga de radiação já que ontem outra especialidade médica pediu um procedimento radiológico também com altas doses? – são perguntas que ele tem propriedade para responder. Outro aspecto que diferencia a atuação desse profissional e impacta nos resultados é o tempo de permanência desse médico na instituição. Idealmente, o hospitalista fica pelo menos de 6 a 8 horas diárias

e consecutivas no hospital (a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos). Nesse período, fica disponível para coordenar as ações dos pacientes internados, o que garante agilidade no processo decisório, sistematização do cuidado, cumprimento dos protocolos pensando na segurança, criação de canal de comunicação sólido com a família do doente, discussão de erros e medição de desempenho. Estar presente nas unidades de internação permite, especialmente, que o médico tome decisões em tempo real (que, sem o hospitalista, são frequentemente deixadas para o dia seguinte). É a velocidade do ciclo “avaliação-exame-reavaliação” que garantiria tempo de internação mais breve. “O atendimento pode virar uma torre de Babel caso não haja um líder assistencial capacitado para orquestrar as interações da equipe multidisciplinar e das especialidades médicas, como também todos os processos relativos ao fluxo da internação”, explica o cardiologista Antonio Laurinavicius, referência quando o assunto são os hospitalistas por ser secretário-geral da Sobramh (Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar), diretor médico do Instituto de Medicina Hospitalar e coordenador da equipe de hospitalistas do Hospital Bandeirantes.

Hospitalista coordena equipes multidisciplinares e de especialistas, somando expertise de clínico geral e saberes de gestão

Adesão Segundo a experiência norte-americana, compilada em pesquisas, a atuação do hospitalista pode reduzir o tempo médio de permanência do paciente no pronto socorro em mais de uma hora. O número ganha peso se for observado o impacto disso no orçamento. Segundo dados coletados por uma operadora de saúde brasileira com rede própria de 1.200 leitos, a redução de 0,1 dia (cerca de duas horas e meia) no tempo médio de permanência hospitalar gera economia de R$ 11 milhões em um ano. E, nessa mesma operadora, a equipe de hospitaMelh res Práticas

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Hospitalistas fariam tempo médio de internação ser otimizado. Pesquisa mostra que uma redução de 2,5 horas gera economia de R$ 11 milhões/ano

Schiavon, da Sobramh, diz que hospitalistas não concorrem com especialistas: ”há compromisso de devolver o paciente”

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listas de uma das instituições conseguiu baixar a média de permanência em 0,9 dia. Calcule a economia. A implantação de uma equipe de hospitalistas também traria melhor gestão da equipe médica. Nos casos de instituições com corpo clínico aberto (que não integram quadro fixo do hospital e que internam pacientes apenas para cirurgias), o hospitalista ajudaria a elevar a taxa de adesão a protocolos e ofereceria apoio às equipes externas, não familiarizadas com os procedimentos institucionais. Vantagens como essas poderiam estimular a adesão em massa das instituições ao sistema. Mas o processo não é simples assim. O corpo clínico pode resistir à medicina hospitalar por achar que pode perder o paciente para o hospitalista, com o qual o doente teria mais contato. “O hospitalista não supre todas as necessidades de atendimento contempladas pelo especialista. Além disso, há o compromisso ético em devolver o paciente ao seu médico após a alta hospitalar”, explica Carlos Aurelio Schiavon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar. O Hospital Mãe de Deus, no Rio Grande do Sul, começou o processo de implantação da medicina hospitalar em 2005, motivado pela necessidade de obter mais leitos na UTI, otimizando o tempo de permanência na unidade. O processo evoluiu e hoje já são nove hospitalistas que, já há cinco meses, fazem atendimento nas 24 horas diárias. No início, no entanto, a instituição também sentiu essa resistência do corpo clínico. “Nos primeiros três meses, sentimos que os médicos temiam que os pacientes passassem a preferir os hospitalistas. O que

ajudou a minimizar isso foi o firme apoio da direção do hospital, que apostava no hospitalista para a melhoria da qualidade assistencial”, explica Josué Almeida Victorino, chefe do serviço de medicina hospitalar. Ao longo dos anos, o hospital conseguiu reduzir o tempo médio de internação em 12 horas. O termo hospitalista foi mencionado pela primeira vez na literatura médica internacional em 1996, quando o médico Robert Wachter publicou um artigo na revista The New England Journal of Medicine, no qual antecipava que o modelo assistencial, em vigor desde meados dos anos 1970, apresentaria um crescimento exponencial nos anos seguintes. Por lá, o hospitalismo já avançou fronteiras: já são encontrados hospitalistas pediátricos e até neurologistas. Assim, gestores antenados no desenvolvimento estratégico cada vez mais devem ouvir o termo “managed care”, referindo-se à gestão da internação hospitalar.

Fase de transição Em São Paulo, onze hospitais adotaram o modelo de assistência com hospitalistas – ou, pelo menos, a nomenclatura. É o que explica Schiavon, da Sobramh: “Nem todos efetivamente aderiram ao modelo completo de medicina hospitalar”, analisa. Isso acontece porque, enquanto a figura do hospitalista gradualmente ganha notoriedade no Brasil, diferentes interpretações do termo foram se estabelecendo nas instituições de saúde. Algumas chamam de hospitalistas aquilo que, na prática, seria uma equipe fixa para atendimento de emergências ou mesmo uma equipe meramente administrativa de gestão do paciente. Para os especialistas, chegou a hora de fechar esse conceito conjuntamente, para que a discussão avance para as melhores práticas de medicina hospitalar a adotar, e as estratégias para chegar lá.


apenas um modelo de transição para o hospitalismo em si – e não um formato alternativo de prática de medicina hospitalar. Já aqueles que são designados para funções meramente burocráticas, conhecidos como médicos da prancheta, não deveriam ser chamados de hospitalistas, ele defende: “É legítimo ter um modelo de transição e já chamar esses profissionais de hospitalistas, desde que exista um compromisso institucional para gradualmente progredir para o modelo genuíno de medicina hospitalar e que esses profissionais não se atenham apenas às funções de prancheta”. O equívoco estaria em estacionar o processo de implementação, considerando, por exemplo, que a atuação de médicos plantonistas dos TRRs já equivale à medicina hospitalar. Diz o conceito que, embora hospitalistas possam assumir o papel de TRR, suas funções devem ir além dessa atividade. A especialização formal em medicina hospitalar ainda é oferecida apenas fora do Brasil. Nos Estados Unidos, 82% dos hospitalistas são clínicos com especialização em Medicina Interna e pelo menos um ano em Medicina Hospitalar.

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Uma oportunidade para essa discussão será em 12 de agosto, quando acontecerá, em São Paulo, o II Simpósio de Medicina Hospitalar, reunindo médicos e gestores com diferentes experiências na área. Outra iniciativa para alinhar conceitos vem da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar, que vem desenvolvendo um guia chamado Diretrizes Brasileiras de Medicina Hospitalar para orientar os hospitais quanto à melhor forma de implantar o modelo. É natural, no entanto, que a implantação da medicina hospitalar seja gradual. No Hospital Bandeirantes, por exemplo, um dos primeiros a adotar o sistema no Brasil, o trabalho começou com a implantação de um Time de Resposta Rápida (TRR), para otimizar a velocidade de atendimento de intercorrências na unidade de internação e melhorar os indicadores de segurança do paciente. Aos poucos, esses médicos foram incorporando competências de gestão, assumindo o compromisso de coordenar protocolos e autonomia para a tomada de decisões. Passados três meses após o início do gerenciamento do protocolo de sepse pela equipe de hospitalistas, o Bandeirantes registrou queda de 50% dos índices de mortalidade dos pacientes. Nesse caminho rumo à medicina hospitalar, à semelhança da experiência do Bandeirantes, outros hospitais começam atribuindo competências estratégicas, como o gerenciamento de protocolos de segurança do paciente e o gerenciamento de leitos, a equipes médicas de apoio – que nesses hospitais são chamados de hospitalistas. Essas equipes, no entanto, não têm a responsabilidade integral pela assistência do paciente, mas atuam em sinergia com os médicos assistentes, responsáveis pelos pacientes. A polêmica está em saber se esse modelo já pode ser considerado um novo e legítimo modelo de medicina hospitalar. Na opinião de Antonio Laurinavicius, esse sistema deveria ser considerado

Para Laurinavicius, é legítimo chamar de hospitalistas equipes no modelo de transição “desde que haja compromisso de evoluir para medicina hospitalar”

Para especialistas, algumas instituições chamam de hospitalistas profissionais da equipe de emergência, o que seria considerado um “modelo de transição” O número de hospitalistas da equipe pode ser calculado com base na literatura: cada um deve cuidar diretamente de 12 a 15 pacientes/dia. O cálculo, porém, depende da complexidade do perfil epidemiológico da instituição. Enquanto formatos e conceitos amadurecem, a medicina hospitalar promete trazer muita reflexão sobre as formas de aplicar o cuidado médico com mais segurança e foco no paciente.  Melh res Práticas

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